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+The Project Gutenberg EBook of Chronica de el-rei D. Pedro I, by Fernão Lopes
+
+This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with
+almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or
+re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included
+with this eBook or online at www.gutenberg.org
+
+
+Title: Chronica de el-rei D. Pedro I
+
+Author: Fernão Lopes
+
+Release Date: September 3, 2005 [EBook #16633]
+
+Language: Portuguese
+
+Character set encoding: ISO-8859-1
+
+*** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK CHRONICA DE EL-REI D. PEDRO I ***
+
+
+
+
+Produced by Rita Farinha and the Online Distributed
+Proofreading Team at https://www.pgdp.net. Produced from
+page images provided by Biblioteca Nacional Digital
+(http://bnd.bn.pt).
+
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+BIBLIOTHECA DE CLASSICOS PORTUGUEZES
+
+ * * * * *
+
+Director litterario
+
+_LUCIANO CORDEIRO_
+
+ * * * * *
+
+Proprietario e fundador
+
+_MELLO D'AZEVEDO_
+
+
+
+
+BIBLIOTHECA DE CLASSICOS PORTUGUEZES
+
+*Director litterario--LUCIANO CORDEIRO*
+
+_Proprietario e fundador--MELLO D'AZEVEDO_
+
+ * * * * *
+
+CHRONICA DE EL-REI D. PEDRO I
+
+POR
+
+_Fernão Lopes_
+
+ESCRIPTORIO
+
+_147, Rua dos Retrozeiros, 147_
+
+LISBOA
+
+1895
+
+
+
+
+LISBOA
+
+Impresso na Typ. do «Commercio de Portugal» _35, Rua Ivens, 41_
+
+1895
+
+
+
+
+*DUAS PALAVRAS*
+
+
+Realisando corajosamente a boa, a piedosa idea de republicar as
+chronicas impressas do--Pae da Historia Nacional,--como Herculano
+apellidou Fernão Lopes, Mello d'Azevedo, o editor d'esta modesta e
+patriotica bibliotheca podera, hoje, ainda! suprir qualquer explicação
+prefacial com as palavras do nosso grande historiador moderno, quando ha
+mais de meio seculo tracejava o perfil do encantador--«escripvam»--do
+bom Rei Dom Duarte:
+
+--«Tão raros, ou tão pouco lidos andam os antigos escriptores
+portuguezes que muitas pessoas ha, não de todo hospedes nas letras, que
+apenas de nome os conheçam, _e frequentes vezes nem de nome_.»
+
+Hoje, ainda!...
+
+Fernão Lopes é quasi exclusivamente conhecido de nome, e já agora
+arejemos toda a nossa idea, mais exactamente toda a nossa observação
+positiva e directa: nem de nome o conhece muito litterato gloriosamente
+emproado pelas novas camarilhas do elogio mutuo na fama e na faina da
+renovação da Historia e da Arte nacional... por estampilha francelha.
+
+Uma das causas da mingua, a bem dizer, absoluta, de vulgarisação dos
+nossos antigos escriptores, dos nossos melhores monumentos litterarios,
+da nossa historia, até, indicamol-a já n'outra publicação d'esta
+bibliotheca: é o espirito estreitamente, inconsequentemente monopolista
+dos eruditos ou dos que se querem dar ares de taes; é a superstição das
+reproducções mais ou menos arbitrariamente chamadas fieis, conservadoras
+de uma ortographia, de uma disposição typographica até, obsoleta,
+indigesta, inacessivel á leitura corrente, á assimilação immediata,
+actual, affectiva da multidão.
+
+Em volta d'esta causa ou concorrendo e emparelhando com ella, muitas
+outras se teem accumulado e subsistem, por tal maneira renitentes e
+acrescentadas, que póde affirmar-se, como facto incontestavel, que as
+palavras doridas de Herculano teem hoje, mais do que quando elle as
+escreveu,--ha 56 annos!--uma applicação perfeitamente exacta e justa.
+
+Conhecia-se mais, muito mais, então, Fernão Lopes, ou qualquer outro dos
+nossos antigos escriptores, do que hoje se conhecem e leem. Basta citar
+ou vêr o trabalho litterario d'esse tempo, comparando-o com o do nosso.
+
+Quando eu, e certamente muitos dos leitores, iniciámos a nossa vida
+intellectual, lia-se, estudava-se, explicava-se o Camões nas escolas.
+Naturalmente, insensivelmente iam penetrando nos nossos corações e nos
+nossos cerebros em formação as ideas e os sentimentos de honra, de
+intrepidez, de amor da Patria, com tantas outras lições generosas,
+estimulantes, grandes, que as bellas estrophes transvasam nos espiritos
+sãos e frescos. Lia-se tambem o Freire d'Andrade, um massador de grandes
+discursos e de grandes bombardadas rhetoricas, d'accordo, mas que nos
+encantava, que nos ensinava muitas cousas interessantes, que nos
+enlevava, que nos fazia pensar em grandes cousas: nas terriveis batalhas
+da vida, nos sacrificios e nos esforços valentes com que ellas se
+vencem.
+
+Um dia, era eu ainda um rapaselho, apanhei entre os velhos livros de meu
+pae:--que sabia de cór o Virgilio, o Camões, e que me recomendava o Tito
+Livio, o João de Barros, etc,--apanhei, pois, um volume, que nunca mais
+vi, e que era uma edição em 8.° da _Chronica de Dom Pedro_ por Fernão
+Lopes, exactamente a que vamos lêr agora.
+
+Devia ser a edição do Padre Pereira Bayão, do seculo 18.°, inferior á
+chamada da Academia sobre a qual é feita a nossa.
+
+Como eu li sofregamente, deliciosamente, o velho livro!
+
+Como me soube bem aquella prosa simples, ampla, forte--permittam-me a
+expressão;--aquelle _contar_ ingenuo, vivo, e ao mesmo tempo tão
+magestoso pela sincera e nobre lealdade do chronista--que não era um
+adulador Real, nem um _fingidor_ litterario!
+
+Chronista! Historiador é que póde francamente chamar-se-lhe.
+
+Foi a primeira revelação que tive de Fernão Lopes e só desejo que tão
+agradavel seja a dos que pela primeira vez travarem agora conhecimento
+com elle.
+
+Poderia dizer que a vão travar simultaneamente com outros escriptores,
+de que Fernão Lopes se serviu ou que se serviram d'elle, mas como já
+disse n'outra publicação, a nossa _Bibliotheca_ não pôde ainda entrar na
+tentativa das edições criticas e por isso estes pequenos prefacios não
+devem ensaiar essa feição que os levariam longe.
+
+Nem mesmo podemos dar do author mais do que uns breves traços dispersos
+que aliás se encontram facilmente em publicações muito accessiveis.
+
+Fernão Lopes nasceu não se sabe onde, ainda no seculo 14.°, parece, como
+diz Herculano, que pouco antes ou durante--«a gloriosa revolução de
+1380,»--sendo collocado por Dom João I, juncto d'algum ou d'alguns dos
+filhos. Em 1418 confiou-lhe o Rei de Boa Memoria, a guarda e
+serviço,--constituido então independente,--da--«torre do castello da
+cidade de Lisboa,»--a primitiva Torre do Tombo.
+
+Ali começou a fazer-se entre as--«escripturas»--dos velhos e modernos
+tempos, o grande historiador, a quem Dom Duarte por carta de 19 de março
+de 1434,--isto é por uma das suas primeiras iniciativas de Rei,
+dava--«carrego de poer em caronyca as estorias dos reys que antigamente
+em Portugal foram»,--com 6$000 reis de tença annual, uns escassos 60$000
+de hoje. No cargo o confirmou o cavalleiroso Affonso V por Carta de 5 de
+junho de 1449.
+
+Teve uma longa vida Fernão Lopes, sendo em 1455 substituido por Gomes
+Eannes de Azurara que, briosamente e sem favor, lhe chama:--homem de
+communal (descomunhal) sciencia e authoridade.»
+
+Fez-se a substituição--«por seu prazimento e por fazer a elle mercê como
+é rasom de se dar aos boõs servidores,»--sendo--«já tão velho e fraco
+que por si non podia bem servir»--e sobrevivendo ainda, 5 annos, pelo
+menos.
+
+Andaria nos 80.
+
+É uma complicada questão, a de ter Fernão Lopes escripto outras
+chronicas além das que teem logrado chegar, sob o seu nome, até nós, e a
+de se terem outros escriptores apropriado, mais ou menos de trabalhos
+d'elle. As conhecidas são a de Pedro I que vamos republicar, a de Dom
+Fernando, e a de João I. Como diz, justamente, Herculano:--«para a
+gloria de Fernão Lopes são monumentos sobejos»--estes tres monumentos.
+
+Mas que pena que não tenhamos d'elle a historia d'aquelle--«grande
+desvayro»--dos amores de Ignez de Castro e que a gentil figura nos
+apareça apenas como uma obsessão cruel do extraordinario monarcha que
+procurara já distrahir-se um pouco nos braços de Theresa Lourenço, a
+bemaventura mãe de Dom João I.
+
+_L. C_.
+
+
+
+
+Chronica do senhor rei D. Pedro I oitavo rei de Portugal
+
+
+
+
+*PROLOGO*
+
+
+Deixados os modos e definições da justiça, que, por desvairadas guisas,
+muitos em seus livros escrevem, sómente d'aquella para que o real
+poderio foi estabelecido, que é por serem os maus castigados e os bons
+viverem em paz, é nossa intenção, n'este prologo, muito curtamente
+falar, não como buscador de novas razões, por propria invenção achadas,
+mas como ajuntador, em um breve mólho, dos ditos de alguns que nos
+aprouveram. Á uma, por espertar os que ouvirem, que entendam parte do
+que fala a historia; á outra, por seguirmos inteiramente a ordem do
+nosso arrazoado, no primeiro prologo já tangida.
+
+E porquanto el-rei Dom Pedro, cujo reinado se segue, usou da justiça, de
+que a Deus mais praz que cousa boa que o rei possa fazer, segundo os
+santos escrevem, e alguns desejam saber que virtude é esta, e pois é
+necessaria ao rei, se o é assim ao povo: vós, n'aquelle estilo que o
+simplesmente apanhámos, o podeis lêr por esta maneira.
+
+Justiça é uma virtude, que é chamada toda virtude; assim que qualquer
+que é justo, este cumpre toda virtude; porque a justiça, assim como lei
+de Deus, defende que não forniques nem sejas gargantão, e isto
+guardando, se cumpre a virtude da castidade e da temperança, e assim
+podeis entender dos outros vicios e virtudes.
+
+Esta virtude é mui necessaria ao rei, e isso mesmo aos seus sujeitos,
+porque, havendo no rei virtude de justiça, fará leis por que todos vivam
+direitamente e em paz, e os seus sujeitos sendo justos, cumprirão as
+leis que elle puzer, e cumprindo-as não farão cousa injusta contra
+nenhum. E tal virtude, como esta, póde cada um ganhar por obra de bom
+entendimento, e ás vezes nascem alguns assim naturalmente a ella
+dispostos, que com grande zelo a executam, posto que a alguns vicios
+sejam inclinados.
+
+A razão por que esta virtude é necessaria nos subditos, é por cumprirem
+as leis do principe, que sempre devem de ser ordenadas para todo bem, e
+quem taes leis cumprir sempre bem obrará, cá as leis são regra do que os
+sujeitos hão de fazer, e são chamadas principe não animado, e o rei é
+principe animado, porque ellas representam, com vozes mortas, o que o
+rei diz por sua voz viva: e porém a justiça é muito necessaria, assim no
+povo como no rei, porque sem ella nenhuma cidade nem reino pode estar em
+socego. Assim, que o reino, onde todo o povo é mau, não se pode
+supportar muito tempo, porque, como a alma supporta o corpo e
+partindo-se d'elle, o corpo se perde, assim a justiça supporta os reinos
+e partindo-se d'elles perecem de todo.
+
+Ora, se a virtude da justiça é necessaria ao povo, muito mais o é ao
+rei; porque se a lei é regra do que se ha de fazer, muito mais o deve de
+ser o rei que a põe e o juiz que a ha de encaminhar, porque a lei é
+principe sem alma, como dissemos, e o principe é lei e regra da justiça
+com alma. Pois quanto a cousa com alma tem melhoria sobre outra sem
+alma, tanto o rei deve ter excellencia sobre as leis: cá o rei deve de
+ser de tanta justiça e direito, que cumpridamente dê ás leis a execução;
+de outra guisa, mostrar-se-hia seu reino cheio de boas leis e maus
+costumes, que era cousa torpe de vêr. Pois duvidar se o rei ha de ser
+justiçoso, não é outra cousa senão duvidar se a regra ha de ser direita,
+a qual, se em direitura desfalece, nenhuma cousa direita se pode por
+ella fazer.
+
+Outra razão por que a justiça é muito necessaria ao rei, assim é porque
+a justiça não tão sómente aformoseia os reis de virtude corporal, mas
+ainda espiritual, pois quanto a formosura do espirito tem avantagem da
+do corpo, tanta a justiça no rei é mais necessaria que outra formosura.
+
+A terceira razão se mostra da perfeição da bondade, porque então dizemos
+alguma cousa ser perfeita, quando fazer pode alguma semelhante a si, e
+portanto se chama uma cousa boa, quando sua bondade se pode estender a
+outros, ao menos, sequer por exemplo, e então se mostra, por pratica,
+quanto cada um é bom, quando é posto em senhorio.
+
+Porém, cumpre aos reis ser justiçosos por a todos seus sujeitos poder
+vir bem, e a nenhum o contrario, trabalhando que a justiça seja
+guardada, não sómente aos naturaes de seu reino, mas ainda aos de fóra
+d'elle, porque, negada a justiça a alguma pessoa, grande injuria é feita
+ao principe e a toda sua terra.
+
+D'esta virtude da justiça, que poucos acha que a queiram por hospeda,
+posto que rainha e senhora seja das outras virtudes, segundo diz Tullio,
+usou muito el-rei Dom Pedro, segundo vêr podem os que desejam de o
+saber, lendo parte de sua historia.
+
+E pois que elle, com bom desejo, por natural inclinação, refreou os
+males, regendo bem seu reino, ainda que outras minguas por elle
+passassem, de que penitencia podia fazer, de cuidar é, que houve o
+galardão da justiça, cuja folha e fructo é honrada fama n'este mundo e
+perduravel folgança no outro.
+
+
+
+
+*CAPITULO I*
+
+_Do reinado de el-rei Dom Pedro, oitavo rei de Portugal, e das condições
+que n'elle havia_.
+
+
+Morto el-rei D. Affonso, como haveis ouvido, reinou seu filho, o infante
+Dom Pedro, havendo então de sua idade trinta e sete annos e um mez e
+dezoito dias. E porque dos filhos que houve, e de quem, e por que guisa,
+já compridamente havemos falado, não cumpre aqui arrazoar outra vez; mas
+das manhas, e condições, e estados de cada um, diremos adiante, muito
+brevemente, onde convier falar de seus feitos.
+
+Este rei Dom Pedro era muito gago, e foi sempre grande caçador e
+monteiro, em sendo infante e depois que foi rei, trazendo grande casa de
+caçadores e moços de monte e de aves, e cães, de todas maneiras que para
+taes jogos eram pertencentes.
+
+Elle era muito viandeiro, sem ser comedor mais que outro homem, que suas
+salas eram de praça em todos logares por onde andava, fartas de vianda,
+em grande abastança.
+
+Elle foi grande criador de fidalgos de linhagem, porque n'aquelle tempo
+não se costumava ser vassalo, se não filho e neto ou bisneto de fidalgo
+de linhagem; e por usança haviam então a quantia que ora chamam
+maravidis, dar-se no berço, logo que o filho do fidalgo nascia, e a
+outro nenhum não.
+
+Este rei accrescentou muito nas quantias dos fidalgos, depois da morte
+de el-rei seu padre, cá não embargando que el-rei D. Affonso fosse
+comprido de ardimento e muitas bondades, tachavam-no, porém, de ser
+escasso, e apertamento de grandeza. E el-rei Dom Pedro era em dar mui
+ledo, em tanto, que muitas vezes dizia que lhe afrouxassem a cinta, que
+então usavam não mui apertada, porque se lhe alargasse o corpo por mais
+espaçosamente poder dar; dizendo que o dia que o rei não dava, não devia
+ser havido por rei.
+
+Era ainda de bom desembargo aos que lhe requeriam bem e mercê, e tal
+ordenança tinha n'isto, que nenhum era detido em sua casa por cousa que
+lhe requeresse.
+
+Amava muito de fazer justiça com direito. E assim como quem faz
+correição, andava pelo reino, e visitada uma parte não lhe esquecia de
+ir vêr a outra, em guisa que poucas vezes acabava um mez em cada logar
+de estada.
+
+Foi muito mantenedor de suas leis e grande executor das sentenças
+julgadas, e trabalhava-se quanto, podia das gentes não serem gastadas
+por azo de demandas e prolongados pleitos.
+
+E se a Escriptura affirma que, por o rei não fazer justiça, vem as
+tempestades e tribulações sobre o povo, não se póde assim dizer d'este,
+cá não achamos, em quanto reinou, que a nenhum perdoasse morte de alguma
+pessoa, nem que a merecesse por outra guisa, nem lh'a mudasse em tal
+pena por que pudesse escapar a vida.
+
+A toda gente era galardoador dos serviços que lhe fizessem, e não
+sómente dos que faziam a elle, mas dos que haviam feitos a seu padre, e
+nunca colheu a nenhum cousa que lhe seu padre desse, mas mantinha-a e
+accrescentava n'ella.
+
+Este rei não quiz casar: depois da morte de Dona Ignez, em sendo
+infante, nem depois que reinou, lhe prove receber mulher; mas houve
+amigas com que dormiu, e de nenhuma houve filhos, salvo de uma dona,
+natural de Galliza, que chamaram Dona Thereza, que pariu um filho que
+houve nome Dom João, que foi mestre de Aviz em Portugal e depois rei,
+como adiante ouvireis, o qual nasceu em Lisboa onze dias do mez de
+abril, ás tres horas depois do meio dia, no primeiro anno do seu
+reinado. E mandou o el-rei criar, em quanto foi pequeno, a Lourenço
+Martins da Praça, um dos honrados cidadãos d'essa cidade, que morava
+junto com a igreja cathedral onde chamam a praça dos Canos, e depois o
+deu, que o criasse, a Dom Nuno Freire de Andrade, mestre da Cavallaria
+da ordem de Christo.
+
+
+
+
+*CAPITULO II*
+
+_Como el rei de Castella mandou pelo corpo da rainha Dona Maria, sua
+madre, e da carta que enviou a el-rei de Portugal, seu tio_.
+
+
+N'esta sezão que el rei Dom Pedro começou de reinar, ordenou el-rei de
+Castella de enviar pelo corpo da rainha Dona Maria, sua madre, que se
+finara em Portugal vivendo ainda el-rei Dom Affonso, seu padre, como em
+alguns logares d'este livro faz menção; e fez saber por sua carta a
+el-rei Dom Pedro, seu tio, como havia vontade de a trasladar, para a pôr
+em Sevilha, na capella dos reis, com el-rei Dom Affonso, seu padre; e
+ordenou, para irem com o corpo da rainha, o arcebispo de Sevilha e
+outros prelados de seu reino, e dês-ahi mandou diante, para correger
+todas as cousas que cumpriam para o corpo ir honradamente, Gomes Peres,
+seu dispenseiro mór, ao qual o corpo havia de ser entregue, para ordenar
+tudo o que mister fazia á sua trasladacão, para quando os prelados
+viessem, que achassem tudo prestes e se partissem logo.
+
+A el-rei Dom Pedro prouve d'isto muito, e escreveu-lhe que mandasse por
+elle, quando por bem tivesse: e el-rei de Castella enviou logo aquelle
+seu dispenseiro, e foi-lhe entregue o corpo, na cidade de Evora onde
+jazia, para ordenar seus corregimentos, segundo a ordenança que lhe era
+dada. E quando o arcebispo, e os outros prelados e gentes vieram pelo
+corpo da rainha, trouxeram a el-rei Dom Pedro uma carta de el-rei de
+Castella, seu sobrinho, que dizia n'esta guisa.
+
+«Rei, tio. Nós, el-rei de Castella e de Leão, vos enviamos muito saudar
+como aquelle que muito prezamos e para que queriamos tanta vida e saude,
+com honra, como para nós mesmo.
+
+«Rei, fazemos-vos saber que vimos uma carta de crença que nos enviastes
+por Martim Vasques e Gonçalo Annes de Beja, vossos vassalos, e
+disseram-nos de vossa parte a crença que lhes mandastes.
+
+«E rei, tio, nossa tenção é de vos amar, e guardar sempre os bons
+dividos que comvosco havemos, e fazer sempre por vossa honra como por
+nossa mesma.
+
+«E porquanto a nosso serviço e vosso cumpria haverem de ser declaradas
+algumas cousas conteudas nas posturas que entre nós havemos de pôr,
+assim sobre casamentos de vossos filhos com nossas filhas, nós falámos
+com o dito Martim Vasques e Gonçalo Annes toda nossa tenção, e enviamos
+allá sobre isto João Fernandes de Melgarejo, chanceller do nosso sêllo
+da puridade, e rogamos-vos que o creaes do que vos da nossa parte
+disser.
+
+«Outro sim enviamos, para trazer o corpo da rainha, nossa madre, para a
+enterrar aqui em Sevilha, o arcebispo d'esta cidade e outros prelados de
+nossos reinos, e rogamos-vos que essas joias que ella deixou, que as
+mandeis dar ao dito João Fernandes, e nós agradecer-vol-o-hemos. Dada,
+etc.»
+
+El-rei Dom Pedro fez outorgar o corpo da rainha Dona Maria, sua irmã,
+áquelle embaixador de el-rei de Castella; e foi-lhe feita grande honra,
+assim por el-rei, como pelos prelados que por ella vinham. E muito
+acompanhada até ao extremo, e d'ahi até á cidade de Sevilha, a saiu
+el-rei seu filho a receber com muita clerezia e grandes senhores e
+fidalgos que ahi eram com el-rei. E feitas suas exequias mui
+honradamente, foi posto o seu corpo na capella dos reis, a cerca de
+el-rei Dom Affonso, seu marido, onde ora jaz.
+
+Sobre os casamentos dos filhos de el-rei Dom Pedro com as filhas de
+el-rei de Castella, por que João Fernandes era enviado, foram faladas
+muitas cousas com el-rei de Portugal, e não se accordando por então em
+algumas d'ellas, depois acertaram todas suas avenças, como adiante
+ouvireis.
+
+
+
+
+*CAPITULO III*
+
+_Das cartas que o papa, e el-rei da Aragão enviaram a el-rei de Portugal
+sobre a morte de el-rei, seu padre_.
+
+
+El-rei Dom Pedro escrevera ao papa, e a el-rei de Aragão, por novas,
+quando el-rei Dom Affonso morreu, como seu padre era morto, e elle
+alçado por rei em Portugal.
+
+E tendo cada um cuidado de lhe responder, chegaram lhe n'esta sezão suas
+respostas. E a letra do papa dizia assim:
+
+«Innocencio, bispo, servo dos servos de Deus, ao muito amado, em
+Christo, filho Dom Pedro, mui nobre rei de Portugal, saude e apostolical
+benção.
+
+Porquanto, muito amado filho, por tuas letras, e fama, fomos certificado
+como o mui claro, de nobre memoria, el-rei Dom Affonso teu padre, se
+finou d'este mundo, sua morte foi a nós, e é, mui grande nojo e
+tristeza. E não sem razão o devemos ser, quando em nosso coração
+cuidamos nas bondades e virtudes de que sua real alteza era muito
+ennobrecida, por cuja razão o muito amavamos, desejando-lhe que, entre
+todos os principes do mundo, o Senhor o accrescentasse, e estendesse seu
+real estado, com prolongamento de bem aventurados dias, nos quaes,
+acabando sua honrada velhice, a ti, seu primogenito filho, deixasse o
+regimento e successão do reino em firme concordia com teus visinhos.
+
+E pois assim é que o Senhor Deus, em cuja mão é o poderio de dar a cada
+um vida e morte, lhe prouve de piedosamente o levar d'este mundo, nós
+pômos fim e acabamento á nossa dôr e tristeza, consolando-nos n'este
+Senhor que dá e priva e tolhe, quando quer que lhe praz, no qual havemos
+firme esperança que nos altos ceus dará bom galardão e gloria á alma de
+el-rei, teu padre, pois, emquanto n'este mundo viveu, se trabalhou de o
+servir com bons merecimentos, e lhe aprouve com dignas virtudes.
+
+E assim, muito amado filho, piedosamente te consolamos, que te consoles
+no Senhor Deus, e consideres em tua vontade como succedes no regimento
+de teu padre, o qual, por exemplo da vida, se mostrou sempre ser fiel
+catholico.
+
+Porém, requeremos á tua real clareza, que sempre, com firme desejo,
+vivas em temor do Senhor Deus, honrando a sua santa igreja, e, sendo
+favoravel ás ecclesiasticas pessoas, as mantenhas sempre em seus
+direitos e liberdades; e que sejas amador e defensor das viuvas e dos
+orfãos, alçando os aggravos aos teus subditos, que lhes não seja feita
+injuria; e que, sem recebimento de alguma pessoa, sempre sejas honrador
+e amador da justiça, de guisa que, por tuas obras, sejas chamado por
+nome de rei que bem rege: e sei certo, se o assim fizeres, que sempre em
+teus dias viverás em paz e folgança, havendo Deus em tua ajuda, e a sua
+santa igreja te haverá em sua encommenda, sendo prestes para toda a tua
+honra e cumprimento de justas petições. Diante em Avinhão, etc.»
+
+N'outra carta, de el-rei de Aragão, eram conteudas estas razões:
+
+«Muito alto e mui nobre Dom Pedro, pela graça de Deus, rei de Portugal e
+do Algarve: Dom Pedro, por essa mesma graça, rei de Aragão, e de
+Valencia, e de Mayorca, e de Sardenha, e de Corsega, e conde de
+Barcelona e de Rossilhão, saude, como a rei que temos em logar de irmão,
+que muito amamos e prezamos, e de que muito fiamos, e para que queriamos
+muita honra e boa ventura, com tanta vida e saude como para nós mesmo.
+
+«Rei, irmão. Recebemos vossa letra, pela qual nos significastes a morte
+do mui alto e mui honrado el-rei Dom Affonso de Portugal, vosso padre, a
+que Deus perdoe. E por essa mesma nos fizestes saber que vós, assim como
+seu primogenito e herdeiro dos ditos reinos, ereis levantado por rei de
+Portugal. Das quaes novas, em verdade, Rei irmão, houvemos desprazer e
+prazer juntamente: desprazer da morte do dito rei, o qual sabiamos que
+nos amava como seu filho e nós a elle como a nosso muito amado padre;
+mas como da morte nenhuma pessoa seja isenta, e o dito rei seja saido da
+miseria d'este mundo, doendo-nos d'ella, se por nós alguma cousa pudesse
+ser feita, muito prestes eramos de o fazer, porém rogamos a Deus, em
+cuja mão é vida e morte de cada um, que receba sua alma com os seus
+santos no paraiso, fiando n'elle que o ha feito. Prazer outro sim
+houvemos mui grande, Rei irmão, quando soubemos que ereis alçado em rei
+de Portugal e do Algarve, pela successão herdeira a vós por direito
+pertencente, e crendo saber que, assim como nós tinhamos o dito rei em
+conta e logar de padre, assim entendemos de ter a vós em conta de nosso
+irmão, e fazer por vós toda cousa que seja honra e prazer vosso, e
+proveito de vosso senhorio, esperando certamente, de vós, que fareis
+semelhante por nós, e por nossos reinos e terras.
+
+E porquanto, irmão Rei, segundo é conteudo em vossa letra, vós desejaes
+saber o bom estado de nossa pessoa, e da rainha, e de nossos filhos, a
+prazer vosso vos significamos que somos todos sãos e em boa disposição
+de nossas pessoas, mercês a Deus: rogando-vos, mui caramente, que de
+vosso bom estado e real casa, nos certifiqueis por vossa carta, e sêde
+certo que nos fareis assignado prazer. D'ante em Saragoça, etc.»
+
+
+
+
+*CAPITULO IV*
+
+_Da maneira que el-rei D. Pedro tinha nos desembargos de sua casa_.
+
+
+Pois d'este rei achamos escripto que era muito amado de seu povo, pelo
+manter em direito e justiça, dês-ahi boa governança que em seu reino
+tinha, bem é que digamos de cada cousa um pouco, por vêrdes parte dos
+modos antigos.
+
+Na ordenança de todos os desembargos, tinha el-rei esta maneira: quantas
+petições lhe a elle davam, iam á mão de Gonçalo Vasques de Goes,
+escrivão da puridade, e elle as dava a um escrivão, qual lhe prazia, o
+qual tinha encargo de as repartir, e dar cada uma aos desembargadores a
+que pertenciam; e as petições que eram desembargos de commum curso,
+aquelles, por que deviam passar, mandavam logo fazer as cartas a seus
+escrivães, de guisa que n'aquelle dia, ou no outro seguinte, eram as
+partes desembargadas, e o escrivão que o assim não fazia, perdia a mercê
+de el-rei por ello.
+
+As outras petições, que eram de graça e mercê, que pertenciam á sua
+fazenda, fazia-as pôr em ementa a seu escrivão, e este escrevia por sua
+mão as petições que assim levava, cujas eram, e de que cousa, e este
+escripto ficava na mão do desembargador; e quando as depois desembargava
+com el-rei, se achava mais petições postas na ementa, que aquellas que
+lhe elle mandara pôr, visto o escripto que em seu poder ficava, por tal
+erro perdia a mercê de el-rei; e como aquella ementa era desembargada
+com el-rei, diziam os desembargadores a cada uma pessoa a mercê que lhe
+el-rei fazia, e mandavam a seus escrivães que lhe fizessem logo as
+cartas, e n'esse dia haviam de ser feitas, ou no outro o mais tardar,
+sob a pena que dissemos.
+
+E se ahi havia taes porfiosos que andavam mais após el-rei, afincando-o
+com outras petições depois que haviam desembargo de sim ou de não, ou
+moravam mais tempo na côrte, se era honrado pagava certa pena de
+dinheiro, e se pessoa refece davam-lhe vinte açoutes na praça, e
+mandavam-no para casa; e trazia el-rei inculcas que lhe soubessem parte
+de taes homens, por se cumprir n'elles sua ordenação.
+
+Por el-rei não ser annojado de vêr duas vezes as mercês que fazia, uma
+por ementa e outra por cartas, e por aquelles que o requeriam haverem
+mais toste seu desembargo, fazia-se d'esta guisa: quando el-rei
+outorgava algumas mercês a alguem, os que lhe haviam de dar desembargo
+escreviam logo na ementa, perante el-rei, a maneira como lh'as dava, e
+em cada um desembargo punha el-rei seu signal, e o chanceller estava
+presente, quando podia, para vêr como as el-rei desembargava. E tanto
+que os desembargadores tinham as cartas feitas e assignadas,
+mandavam-nas ao chanceller com o rol da ementa que el-rei assignara, por
+não pôr duvida em alguma d'ellas, e logo n'esse dia haviam de ser
+selladas, ou no outro até ao jantar.
+
+Se el-rei ia a monte ou á caça, em que durasse mais de quatro dias, por
+nenhuns serem detidos por elle, juntavam-se os que tinham as petições
+das graças e viam aquillo que cada um pedia, e se lhe parecia que não
+era bem de lh'o el-rei fazer, escreviam-lhe pelo meudo por qual razão, e
+as que viam que devia outorgar, punham-lhe isso mesmo por quê, e
+assignavam todos a ementa, e levava-a um d'elles a el-rei, por lhe dizer
+a razão que os movera a fazer ou não cada uma cousa; e d'esta guisa
+haviam as gentes bom desembargo, e el-rei era fóra de muito nojo e
+afincamento.
+
+Se alguns concelhos haviam de recadar com elle, mandava-lhe que
+enviassem em escripto cerrado e sellado, por um porteiro, tudo o que
+mister haviam, e logo lhe el-rei taxava que houvesse por dia quatro
+soldos, e mais não, e el-rei, visto o que lhe pediam, livrava-o logo,
+sem outra detença, como achava que era direito. E se tal cousa era que
+cumpria de esse concelho enviar a elle alguns bons homens, e entendidos,
+mandava el-rei que não enviassem mais de um, por fazer o concelho mais
+pouca despeza; e mandava que tal como este não houvesse por dia mais que
+vinte soldos.
+
+
+
+
+*CAPITULO V*
+
+_De algumas cousas que el-rei Dom Pedro ordenou por bem de justiça e
+prol de seu povo_.
+
+
+Assim como este rei Dom Pedro era amador de trigosa justiça n'aquelles
+que achado era que o mereciam, assim trabalhava que os feitos civeis não
+fossem prolongados, guardando a cada um seu direito cumpridamente.
+
+E porque achou que os procuradores prolongavam os feitos como não
+deviam, e davam azo de haver hi maliciosas demandas, e o peior, e muito
+de estranhar, que levavam de ambas as partes, ajudando um contra o
+outro, mandou que em sua casa, e todo o seu reino, não houvesse
+advogados nenhuns; e encommendou aos juizes e ouvidores que não fossem
+mais em favor de uma parte que outra; nem se movessem por nenhuma cobiça
+a tomar serviços alguns por que a justiça fosse vendida, mas que se
+trabalhassem cedo de livrar os feitos, de guisa que brevemente, e com
+direito, fossem desembargados, como cumpria. E sabendo que eram a ello
+negligentes, que lh'o estranharia nos corpos e haveres, e lhe faria
+pagar ás partes toda perda que por ello houvessem.
+
+Isto assim ordenado, soube el-rei, a cabo de pouco tempo, que um seu
+desembargador, de que elle muito fiava, chamado por nome mestre Gonçalo
+das Decretaes, levara peita de uma das partes que perante elle andavam a
+feito, pela qual julgou e deu sentença. E el-rei, sabendo isto, houve
+mui grande pezar, e deitou-o logo fora de sua mercê por sempre, e
+degradou elle e os filhos a dez leguas de onde quer que elle fosse:
+porém, diziam todos os que isto viram, que aquelle de que elle levara a
+peita tinha direito n'aquelle pleito.
+
+Então ordenou el-rei, e pôz defeza em sua casa e todo seu senhorio, que
+nenhum que tivesse poderio de fazer justiça, não filhasse peita nenhuma
+dos que houvessem pleitos perante elles; e se lhe fosse provado que a
+tomára, que morresse por ello, e perdesse os bens para a corôa do reino.
+E se taes juizes e officiaes tomassem serviços de quaesquer outros que
+perante elles não houvessem pleitos, que perdessem a sua mercê, salvo se
+fosse de homem que não houvesse demanda em todo seu senhorio, que aduz
+poderia ser achado. E mandou, ao corregedor da côrte e ouvidores, que
+não conhecessem de feitos nenhuns, salvo se fossem entre taes pessoas de
+que os juizes das terras não podessem fazer direito, senão quando lhe
+viessem por appellação ou aggravo.
+
+Sabendo, outrosim, el-rei, como alguns, que eram casados, deixavam suas
+mulheres e filhos que tinham, e tomavam barregãs, com que áparte faziam
+vivenda, e outros taes que com suas mulheres as tinham em casa: mandou,
+e pôz por lei, que qualquer casado que com barregã vivesse, ou a tivesse
+dentro em sua casa, se fosse fidalgo ou vassalo, que d'elle ou de outrem
+tivesse maravidis, que os perdesse, e segundo os estados das pessoas,
+assim ordenou as penas do dinheiro e degredo, até mandar que
+publicamente, pela terceira vez, elles e ellas por isto fossem
+açoutados. E quando diziam a el-rei que se aggravavam muitos de tal
+ordenança como esta, respondia elle que assim o entendia por serviço de
+Deus e seu, e prol d'elles todos. E esta ordenança mesma, e penas, pôz
+nas mulheres que barregãs fossem de clerigos de ordens sacras.
+
+Elle defendeu e mandou, em Lisboa, que nenhuma mulher de qualquer estado
+que fosse, não entrasse dentro no arrabalde dos mouros, de dia nem de
+noite, sob pena de ser enforcada. E mandou que qualquer judeu ou mouro,
+que depois de sol posto, fosse achado pela cidade, que com pregão
+publicamente fosse açoutado por ella.
+
+Falando el-rei um dia nos feitos da justiça, disse que vontade era, e
+fôra sempre de manter os povos de seu reino n'ella, e estremadamente
+fazer direito de si mesmo. E porquanto elle sentia que o mór aggravo que
+elle e seus filhos, e outros alguns de seu senhorio, faziam aos povos de
+sua terra, assim no tomar das viandas por preço mais baixo do que se
+vendiam, que porém elle mandava que nenhum de sua casa, nem dos
+infantes, nem d'outro nenhum que em sua mercê e reinos vivesse, que
+cargo tivesse de tomar aves, que não tomasse gallinhas, nem patos, nem
+cabritos, nem leitões, nem outras nenhumas cousas acostumadas de tomar,
+salvo compradas á vontade de seu dono; e sobre isto pôz pena de prisão,
+e dinheiros, ás honradas pessoas, e aos gallinheiros e pessoas vis,
+açoutados pelo logar hu as tomassem, e deitados fóra de sua mercê.
+
+Mandou mais aos estribeiros seus e de seus filhos, e a todos os de sua
+terra, que não mandassem a nenhum logar por palha doada, salvo se a
+houvesse de haver de fôro; mas que pelo azemel, que fosse por ella,
+mandasse pagar pela carga cavallar de palha, ou de restolho empalhado,
+três soldos e pela carga asnal, dois. E o azemel que por ella fosse, e a
+d'esta guisa não pagasse, que pela primeira vez fosse açoutado e
+talhadas as orelhas, e pela segunda fosse enforcado: e outra tal pena
+mandava dar ao lavrador que não empalhasse toda a palha que houvesse.
+
+E quando lhe diziam que punha mui grandes penas por mui pequenos
+excessos, dava resposta dizendo assim, que a pena que os homens mais
+receavam era a morte, e que se por esta se não cavidassem de mal fazer,
+que ás outras davam passada, e que boa cousa era enforcar um ou dois,
+pelos outros todos serem castigados, e que assim o entendia por serviço
+de Deus e prol de seu povo.
+
+Elle corregeu as medidas de pão de todo Portugal, e ordenou outras
+cousas por bom paramento e proveito de sua terra, das quaes não fazemos
+mais longo processo por não saber quanto prazeriam aos que as ouvissem.
+
+
+
+
+*CAPITULO VI*
+
+_Como el-rei mandou degolar dois seus criados, porque roubaram um judeu
+e o mataram_.
+
+
+Este rei Dom Pedro, emquanto viveu, usou muito de justiça sem affeição,
+tendo tal igualdade em fazer direito, que a nenhum perdoava os erros que
+fazia, por criação nem bem querença que com elle houvesse. E se dizem
+que aquelle é bem aventurado rei que por si esquadrinha os males e
+forças que fazem aos pobres, e bem é este do conto de taes, cá elle era
+ledo de os ouvir, e folgava em lhes fazer direito, de guisa que todos
+viviam em paz. E era ainda tão zeloso de fazer justiça, especialmente
+dos que travessos eram, que perante si os mandava metter a tormento, e
+se confessar não queriam, elle se desvestia de seus reaes pannos, e por
+sua mão açoutava os malfeitores; e pelo que d'ello muito pasmavam seus
+conselheiros e outros alguns, annojava-se de os ouvir, e não o podiam,
+quitar d'ello por nenhuma guisa.
+
+Nenhum feito crime mandava que se desembargasse salvo perante elle, e se
+ouvia novas de algum ladrão ou malfeitor, alongado muito d'onde elle
+fosse, falava com algum seu de que se fiava, promettendo-lhe mercês por
+lh'o ir buscar, e mandava-lhe que não viesse ante elle até que todavia
+lh'o trouxesse á mão. E assim lh'os traziam presos do cabo do reino, e
+lh'os apresentavam hu quer que estava. E da mesa se levantava, se
+chegavam a tempo que elle comesse, por os fazer logo metter a tormento,
+e elle mesmo punha n'elles mão quando via que confessar não queriam,
+ferindo-os cruelmente até que confessavam.
+
+A todo logar onde el-rei ia, sempre acharieis prestes com um açoute o
+que de tal officio tinha encargo, em guisa que como a el-rei traziam
+algum malfeitor, e elle dizia:--chamem-me foão, que traga o
+açoute,--logo elle era prestes, sem outra tardança.
+
+E pois que escrevemos que foi justiçoso, por fazer direito em reger seu
+povo, bem é que ouçaes duas ou três cousas, por vêrdes o geito que
+n'isto tinha.
+
+Assim adveiu que pousando elle nos paços de Bellas, que elle fizera,
+dois seus escudeiros que gram tempo havia que com elle viviam, sendo
+ambos parceiros, houveram conselho que fossem roubar um judeu que pelos
+montes andava vendendo especiaria e outras cousas. E foi assim, de
+feito, que foram buscar aquella suja préa, e roubaram-no de tudo, e, o
+peior d'isto, foi morto por elles. Sua ventura, que lhe foi contraria,
+azou de tal guisa que foram logo presos e trazidos a el rei, alli hu
+pousava.
+
+El-rei, como os viu, tomou gram prazer por serem filhados, e começou-os
+de perguntar como fôra aquillo. Elles, pensando que longa criação e
+serviço que lhe feito haviam, o demovesse a ter algum geito com elles,
+não tal como tinha com outras pessoas, começaram de negar, dizendo que
+de tal cousa não sabiam parte.
+
+Elle, que sabia já de que guisa fôra, disse que não haviam por que mais
+negar, que ou confessassem como o mataram, senão, que a poder de crueis
+açoutes lhe faria dizer a verdade.
+
+Elles em negando viram que el-rei queria pôr em obra o que lhe por
+palavra dizia, confessaram tudo assim como fôra; e el-rei, sorrindo-se,
+disse que fizeram bem, que tomar queriam mister de ladrões e matar
+homens pelos caminhos, de se ensinarem primeiro nos judeus, e depois
+viriam aos christãos.
+
+E em dizendo estas e outras palavras, passeava perante elles de uma
+parte á outra, e parece que lembrando-lhe a criação que n'elles fizera,
+e como os queria mandar matar, vinham-lhe as lagrimas aos olhos, por
+vezes. Depois, tornava asperamente contra elles, reprehendendo-os muito
+do que feito haviam. E assim andou por um grande espaço.
+
+Os que hi estavam, que aquesto viam, suspeitando mal de suas razões,
+afincavam-se muito a pedir mercê por elles, dizendo que por um judeu
+astroso não era bem morrerem taes homens, e que bem era de os castigar
+por degredo ou outra alguma pena, mas não mostrar contra aquelles que
+criara, pelo primeiro erro, tão grande crueza.
+
+El-rei, ouvindo todos, respondia sempre que dos judeus viriam depois aos
+christãos.
+
+Em fim d'estas e outras razões, mandou que os degolassem.
+
+E foi assim feito.
+
+
+
+
+*CAPITULO VII*
+
+_Como el-rei quizera metter um bispo a tormento porque dormia com uma
+mulher casada_.
+
+
+Não sómente usava el-rei de justiça contra aquelles que razão tinha,
+assim como leigos e semelhantes pessoas, mas assim ardia o coração
+d'elle de fazer justiça dos maus, que não queriam guardar sua
+jurisdicção, aos clerigos tambem, de ordens pequenas, como de maiores. E
+se lhe pediam que o mandasse entregar a seu vigario, dizia que o
+puzessem na forca e que assim o entregassem a Jesus Christo, que era seu
+Vigario, que fizesse d'elle direito no outro mundo. E elle por seu corpo
+os queria punir e atormentar, assim como quizera fazer a um bispo do
+Porto, na maneira que vos contaremos.
+
+Certo foi, e não o ponhaes em duvida, que el-rei, partindo de entre
+Douro e Minho, por vir á cidade do Porto, foi informado que o bispo
+d'esse lugar, que então tinha gram fama de fazenda e honra, dormia com
+uma mulher de um cidadão, dos bons que havia na dita cidade, e que elle
+não era ousado de tornar a ello, com espanto de ameaças de morte que lhe
+o bispo mandava pôr.
+
+El-rei, quando isto ouviu, por saber de que guisa era, não via o dia que
+estivesse com elle, para lh'o haver de perguntar.
+
+E logo, sem muita tardança, depois que chegou ao logar, e houve comido,
+mandou dizer ao bispo que fosse ao paço, que o havia mister por cousas
+de seu serviço. Falou com seus porteiros, que depois que o bispo
+entrasse na camara, lançassem todos fóra do paço, tambem os do bispo
+como quaesquer outros, e que ainda que alguns do conselho viessem, que
+não deixassem entrar nenhum dentro, mas que lhe dissessem que se fossem
+para as pousadas, cá elle tinha de fazer uma cousa em que não queria que
+fossem presentes.
+
+O bispo, como veiu, entrou na camara onde el-rei estava, e os porteiros
+fizeram logo ir todos os seus e os outros, em guisa que no paço não
+ficou nenhum, e foi livre de toda a gente.
+
+El-rei, como foi áparte com o bispo, desvestiu-se logo e ficou em uma
+saia de escarlata, e por sua mão tirou ao bispo todas as suas
+vestiduras, e começou de o requerer que lhe confessasse a verdade
+d'aquelle maleficio em que assim era culpado: e em lhe dizendo isto,
+tinha na mão um grande açoute para o brandir com elle.
+
+Os criados do bispo, quando no começo viram que os deitavam fóra, e isso
+mesmo os outros todos, e que nenhum não ousava lá de ir, pelo que sabiam
+que o bispo fazia, dês ahi juntando a isto a condição de el-rei e a
+maneira que em taes feitos tinha, logo suspeitaram que el-rei lhe queria
+jogar de algum mau jogo, e foram-se á pressa ao conde velho, e ao mestre
+de Christo Dom Nuno Freire, e a outros privados de seu conselho, que
+accorressem asinha ao bispo.
+
+E logo tostemente vieram a el-rei, e não ousaram de entrar na camara,
+por a defeza que el-rei tinha posta, se não fôra Gonçalo Vasques de
+Goes, seu escrivão da puridade, que disse que queria entrar por lhe
+mostrar cartas que sobrevieram de el-rei de Castella a gram pressa. E
+por tal azo e fingimento houveram entrada dentro na camara, e acharam
+el-rei com o bispo em rasões, da guisa que havemos dito, e não lh'o
+podiam já tirar das mãos. E começaram de dizer que fosse sua mercê de
+não pôr mão n'elle, cá por tal feito, não lhe guardando sua jurisdicção,
+haveria o papa sanha d'elle; demais, que o seu povo lhe chamava algoz,
+que por seu corpo justiçava os homens, o que não convinha a elle de
+fazer, por muito malfeitores que fossem.
+
+Com estas e outras rasões, arrefeceu el-rei de sua mui brava sanha, e o
+bispo se partiu de ante elle, com semblante triste e turvado coração.
+
+
+
+
+*CAPITULO VIII*
+
+_Como el-rei mandou capar um seu escudeiro, porque dormiu com uma mulher
+casada_.
+
+
+Era ainda el-rei Dom Pedro muito cioso, assim de mulheres de sua casa,
+como de seus officiaes e das outras todas do povo, e fazia grandes
+justiças em quaesquer que dormiam com mulheres casadas ou virgens, e
+isso mesmo com freiras.
+
+Onde aqueeceu que em sua casa havia um corregedor da côrte a que
+chamavam Lourenço Gonçalves, homem mui entendido e bem razoado cumpridor
+de todas as cousas que lhe el-rei mandava fazer, e não corrompido por
+nenhuns falsos offerecimentos que trasmudam os juizos dos homens. E
+porque o el-rei achava leal e bem verdadeiro, fiava d'elle muito, e
+queria-lhe grande bem.
+
+E era este corregedor muito honrado de sua casa e estado, e muito
+praceiro e de boa conversação, e seria então em meia idade. Sua mulher
+havia nome Catharina Tosse, briosa, louçã e muito aposta, de graciosas
+manhas e bem acostumada.
+
+Em esta sesão vivia com el-rei um bom escudeiro, e para muito, mancebo,
+e homem de prole, e n'aquelle tempo estremado em assignadas bondades,
+grande justador e cavalgador, grande monteiro e caçador, luctador e
+travador de grandes ligeirices, e de todas as manhas que se a bons
+homens requerem,--chamado por nome Affonso Madeira,--por a qual rasão o
+el-rei amava muito e lhe fazia bem gradas mercês.
+
+Este escudeiro se veiu a namorar de Catharina Tosse, e mal cuidados os
+perigos que lhe advir podiam de tal feito, tão ardentemente se lançou a
+lhe querer bem, que não podia perder d'ella vista e desejo: assim era
+traspassado do seu amor. Mas, porque lugar e tempo não concorriam para
+lhe fallar como elle queria, e por ter aso de a requerer ameude de seus
+deshonestos amores, firmou com o aposentador tão grande amisade que para
+onde quer que el-rei partia, ora fosse villa ou qualquer aldeia, sempre
+Affonso Madeira havia de ser aposentado junto, ou muito perto do
+corregedor. E havia já tempo que durava este aposentamento, sempre cerca
+um do outro; tendo bom geito e conversação com seu marido, por carecer
+de toda suspeita.
+
+Affonso Madeira tangia e cantava, afóra sua apostura e manhas boas já
+recontadas, de guisa que por aso de tal achegamento, com longa affeição
+e falas ameude, se gerou entre elles tal fructo, que veiu elle a
+acabamento de seus prolongados desejos.
+
+E porque semelhante feito não é da geração das cousas que se muito
+encobram, houve el-rei de saber parte de toda sua fazenda, e não houve
+d'ello menos sentido que se ella fora sua mulher ou filha. E como quer
+que o el-rei muito amasse, mais que se deve aqui de dizer, posta de
+parte toda bemquerença, mandou-o tomar dentro em sua camara, e
+mandou-lhe cortar aquelles membros que os homens em mór preço tem: de
+guisa que não ficou carne até aos ossos, que tudo não fosse corto. E
+pensaram Affonso Madeira, e guareceu, e engrossou em pernas e corpo, e
+viveu alguns annos engelhado do rosto e sem barbas, e morreu depois de
+sua natural morte.
+
+
+
+
+*CAPITULO IX*
+
+_Como el-rei mandou queimar a mulher de Affonso André, e de outras
+justiças que mandou fazer_.
+
+
+Quem ouviu semelhante justiça, do que el-rei fez na mulher de Affonso
+André, mercador honrado, morador em Lisboa, andando justando na rua
+nova, como era costume, quando os reis vinham ás cidades, que os
+mercadores e cidadãos justavam com os da côrte, por festa?
+
+Estando el-rei presente, e havendo informação certa que sua mulher lhe
+fazia maldade, entendeu que então era tempo de a achar e tomar em tal
+obra; e, por inculcas, muito escusamente foi ella tomada com quem a
+culpavam, e mandou-a queimar, e degolar a elle. E o marido, continuando
+a justa, quando cessou, soube d'isto parte, e foi-se a el-rei por se
+queixar do que lhe feito haviam. E el-rei, como o viu, antes que lhe
+elle fallasse, pediu-lhe a alviçara do que mandara fazer, dizendo que já
+o tinha vingado da aleivosa de sua mulher e do que lhe punha as cornas,
+e que melhor sabia elle quem ella era, que elle.
+
+Que diremos de Maria Roussada, mulher casada com seu marido, que dormira
+com ella por força (a que então chamavam roussar), por a qual cousa elle
+merecia morte? E tendo já d'ella filhos e filhas, viviam ambos em gram
+bemquerença, e ouvindo-a el-rei chamar por tal nome, perguntou por que
+lh'o chamavam, e soube da guisa como tudo fôra, e que se avieram que
+casassem ambos por tal feito não vir mais á praça: e el-rei, por cumprir
+justiça, mandou-o enforcar, e ia a mulher e os filhos carpindo traz
+elle.
+
+Não valeu, estando el-rei em Braga, rogo de quantos com elle andavam,
+que pudesse escapar a vida a Alvaro Rodrigues de Grade, um dos bons
+escudeiros de entre Douro e Minho, e bem aparentado, porque cortou os
+arcos de uma cuba de vinho a um pobre lavrador, que lhe logo el-rei não
+mandou cortar a cabeça, tanto que o soube.
+
+E porque o seu escrivão do thesouro recebeu onze libras e meia sem o
+thesoureiro, mandou-o enforcar, que lhe não poude valer o conde, nem
+Beatriz Dias, manceba d'el-rei, nem outro nenhum.
+
+E foram aquelle dia, com estes dois, onze mortos por justiça, entre
+ladroes e malfeitores.
+
+Não fique por dizer de um bom escudeiro, sobrinho de João Lourenco
+Bubal, privado d'el-rei e do seu conselho, alcaide mór de Lisboa, o qual
+escudeiro vivia em Aviz, honradamente e bem acompanhado. E foi a sua
+casa, por mandado do juiz, um porteiro, para o penhorar, e elle, por
+cumprir vontade, depenou-lhe a barba e deu-lhe uma punhada.
+
+O porteiro veiu-se a Abrantes, onde el-rei estava, e contou-lhe tudo
+como lhe adviera. El-rei, que o áparte ouvia, como acabou de falar,
+começou de dizer contra o corregedor que ahi estava:
+
+--Accorrei-me aqui, Lourenço Gonçalves, cá um homem me deu uma punhada
+no rosto, e me depennou a barba! O corregedor, e os que o ouviram,
+ficaram espantados por que o dizia. E mandou á pressa que lh'o
+trouxessem preso, e não lhe valesse nenhuma egreja. E foi assim feito, e
+trouxeram-lh'o a Abrantes, e alli o mandou degolar, e disse:--Dês que me
+este homem deu uma punhada e me depennou a barba, sempre me temi d'elle
+que me désse uma cutelada, mas já agora sou seguro que nunca m'a dará!
+
+Assim, que bem podem dizer d'este rei Dom Pedro, que não saíram em seu
+tempo certos os ditos de Solon, philosopho, e d'outros alguns, os quaes
+disseram que as leis e justiça eram taes como a teia da aranha, na qual
+os mosquitos pequenos, caindo, são retidos e morrem n'ella, e as moscas
+grandes e que são mais rijas, jazendo n'ella, rompem-n'a e vão-se: e
+assim diziam elles que as leis e justiça se não cumpriam senão nos
+pobres, mas os outros que tinham ajuda e accorro, caindo n'ella, rompiam
+n'a e escapavam.
+
+El-rei Dom Pedro era muito pelo contrario, cá nenhum, por rogo nem
+poderio, havia de escapar da pena merecida; de guisa que todos receiavam
+de passar seu mandado.
+
+
+
+
+*CAPITULO X*
+
+_Como el-rei mandava matar o almirante; e da carta que lhe enviou o
+duque e commum de Genova, rogando por elle_.
+
+
+El-Rei Dom Pedro queria gram mal a alcoviteiras e feiticeiras, de guisa
+que por as justiças que n'ellas fazia, mui poucas usavam de taes
+officios.
+
+E sendo elle na Beira, soube que uma, chamada por nome Helena,
+alcovitara ao almirante uma mulher, com que elle dormira, a que diziam
+Violante Vasques. E mandou logo el-rei queimar a alcoviteira, e ao
+almirante, Lançarote Pessanho, mandava cortar a cabeça.
+
+E pero os do seu conselho trabalhassem muito por o livrar de sua sanha,
+nunca o puderam com elle postar, emtanto que o almirante fugiu, e foi
+amorado, e partiu d'elle por longos tempos, perdidas suas contias e todo
+seu bem fazer e officio. E não sabendo remedio que sobre isto ter, houve
+accordo de mandar pedir ao duque e commum de Genova que escrevessem por
+elle a el rei, que fosse sua mercê de lhe perdoar.
+
+Os genovezes, vendo o recado do almirante, escreveram a el-rei que
+perdesse d'elle sanha, e a carta de Gabriel Adorno, duque de Genova, e
+dos anciãos do conselho d'essa cidade, dizia n'esta guisa:
+
+«Principe e senhor mui claro, de grande e real magestade. Esguardada a
+benignidade, muitas vezes se tempéra por mansidão o modo e rigor da
+justiça, e a piedosa consideração trabalha sempre de renovar as boas
+amisades antigas. E se boa cousa é tomar amisades e novas conhecenças,
+muito melhor é, segundo diz o sabedor, renovar e conservar as velhas,
+dizendo que o amigo novo não é egual nem semelhante ao de longo tempo.
+As quaes razões nos fazem haver fiusa na vossa grande alteza, que
+graciosamente haja de ouvir nossa humildosa supplicacão, a qual é esta,
+que a nós foi notificado como o nobre cavalleiro Dom Lançarote Pessanho,
+vosso almirante, filho em outro tempo do nobre barão Dom Manuel
+Pessanho, digno de boa memoria, nosso amigo e cidadão, haja caido em
+sanha da vossa real magestade, mais por inveja de alguns que d'elle bem
+não disseram, que por outras graves maldades que n'elle sejam achadas,
+segundo corre a commum fama que por razão bem parece; cá não é de querer
+que saia de regra de bons feitos quem é gerado e descende de padres que
+sempre foram ennobrecidos por virtuosos e bons costumes. E posto que
+errasse em alguma cousa, muito deve vossa discreta mansidão temperar o
+rigor da justiça, renovando por nobres beneficios a lealdade dos seus
+antecessores: a qual cousa nós esperando da vossa grande alteza, a ella
+humildosamente pedimos que, pelo que dito é, e nossos afincados rogos,
+tenhaes por bem tornar o dito almirante á graça primeira de seu bom
+estado. E por isto vossa real magestade haverá nós e nosso commum
+apparelhados, de ledo coração, a todas as cousas que lhe forem
+praziveis. Data, etc.»
+
+Não embargando esta carta, não podiam com el-rei que perdesse sanha do
+almirante; porém depois a alguns tempos, lhe perdoou el-rei, e foi
+tornado a sua mercê.
+
+
+
+
+*CAPITULO XI*
+
+_Das moedas que el-rei Dom Pedro fez, e da valia do oiro e da prata
+n'aquelle tempo_.
+
+Não se podem tão temperadamente dizer os louvoures de alguma pessoa, que
+aquelles, cujas linguas sempre têm costume de reprehender, não achem
+lugares a elles dispostos, em que ameude bem possam prasmar: e nós,
+porque dissemos d'este rei Dom Pedro que era grado e lêdo em dar, e não
+dizemos de algumas grandezas que dignas sejam de tanto louvor, poderá
+ser que nos prasmaram alguns, dizendo que não historiamos direitamente.
+E isto não é por nós bem não vermos que para autoridade de tão grande
+gabo não se acham ditos em sua igualdança; mas, por não desviar
+d'aquelles louvores que os antigos em suas obras encommendaram,
+contamol-o da guisa que o elles disseram.
+
+Bem achamos que nunca se anojava por lhe pedirem, e que mandava lavrar
+até cem marcos de prata, em taças e copas, para dar em janeiras, e
+dava-as cada anno, com outras joias, a quem lhe prazia.
+
+Accrescentou nas contias aos fidalgos e vassalos, como dissemos; cá o
+vassallo não havia antes de sua contia mais de setenta e cinco libras, e
+el-rei Dom Pedro lhe poz cento, que eram quinze dobras cruzadas, dobras
+mouriscas. E por esta contia havia de ter o vassalo cavallo recebondo e
+loriga com seu almofre, e á sua morte ficava o cavallo e loriga a
+el-rei, de luctuosa, e dava-o el-rei a quem sua mercê era: em guisa que
+com aquelle cavallo e armas, posta contia a outro vassalo, ficava sempre
+o conto dos vassalos certo, e não minguado.
+
+No tempo d'este rei, valia o marco da prata de liga dezenove libras, e a
+dobra mourisca tres libras e quinze soldos, e o escudo tres libras e
+dezesete soldos, e o moutão tres libras e dezenove soldos.
+
+Este rei Dom Pedro não mudou moeda por cubiça de temporal ganho; mas
+lavrou-se em seu tempo mui nobre moeda de oiro e prata sem outra
+mistura, a saber, dobras de bom oiro fino, de tamanho peso como as
+dobras cruzadas que faziam em Sevilha, que chamavam de Dona Branca. E
+estas dobras que el-rei Dom Pedro mandava lavrar, cincoenta d'ellas
+faziam um marco: e d'outras que lavravam, mais pequenas, levava o marco,
+cento; e de uma parte tinham quinas e da outra figura de homem com
+barbas nas faces e corôa na cabeça, assentado em uma cadeira, com uma
+espada na mão direita, e havia letras ao redor, por latim, que em
+linguagem diziam: _Pedro, rei de Portugal e do Algarve_, e da outra
+parte: _Deus, ajuda-me e faze-me excellente vencedor sobre meus
+inimigos_. E a maior dobra d'estas valia quatro libras e dois soldos, e
+a mais pequena quarenta e um soldo.
+
+Lavravam outra moeda de prata, que chamavam tornezes, que sessenta e
+cinco faziam um marco, de liga e peso dos reaes d'el-rei Dom Pedro de
+Castella, e outro tornez faziam, mais pequeno, de que o marco levava
+cento e trinta, e de um cabo tinha quinas, e do outro cabeça de homem
+com barbas grandes e corôa n'ella, e as letras, de ambas as partes, eram
+taes como as das dobras, e valia o tornez grande sete soldos e o pequeno
+tres soldos e meio, e chamavam a estas moedas dobra e meia dobra, e
+tornez e meio tornez.
+
+A outra moeda miuda eram dinheiros affonsins, da liga e valor que fizera
+el-rei Dom Affonso seu padre.
+
+E com estas moedas era o reino rico e abastado, e posto em grande
+abundancia. E os reis faziam grandes thesouros do que lhes sobejava de
+suas rendas, e, para os fazer e accrescentar n'elles, tinham esta
+maneira.
+
+
+
+
+*CAPITULO XII*
+
+_Da maneira que os reis tinham para fazer thesouros, e accrescentar
+n'elles_.
+
+
+Já vós ouvistes bem quanto os réis antigos fizeram por encurtar nas
+despezas suas e do reino, pondo ordenações em si e nos seus, por terem
+thesouros e serem abastados. Porque sendo o povo rico, diziam elles que
+o rei era rico, e o rei que thesouro tinha, sempre era prestes para
+defender seu reino e fazer guerra quando lhe cumprisse, sem aggravo e
+damno de seu povo, dizendo que nenhum era tão seguro de paz que pudesse
+carecer de fortuna não esperada.
+
+E para encaminharem de fazer thesouro, tinham todos esta maneira: em
+cada um anno eram os reis certificados, pelos védores de sua fazenda,
+das despezas todas que feitas haviam, assim em embaixadas como em todas
+as outras coisas, que lhe necessariamente convinham fazer, e diziam-lhe
+o que além d'isto sobejava de suas rendas e direitos, assim em dinheiros
+como em quaesquer coisas, e logo era ordenado que se comprasse d'elles
+certo oiro e prata para se pôr no castello de Lisboa, em uma torre, que
+para isto fôra feita, que chamavam a torre albarrã.
+
+Esta torre era mui forte, e não foi porém acabada. Estava em cima da
+porta do castelo, e alli punham o mais do thesouro que os reis juntavam
+em oiro e prata e moedas, e tinham as chaves d'ella, um guardião de São
+Francisco, e outra o prior de São Domingos, e a terceira um beneficiado
+da Sé d'essa cidade.
+
+E para juntarem este oiro e prata, tinham este modo: em todas as cidades
+e villas do reino que para isto eram azadas, tinham os reis seus
+cambadores, que compravam prata e oiro áquelles que o vender queriam, o
+qual não havia de comprar outrem senão elles, e acabado o anno, trazia
+cada um quanto comprara áquelles lugares onde havia de ser posto em
+thesouro: e haviam estes cambadores certa cousa de cada peça de oiro que
+compravam, e o que sobejava em moeda punham-no isso mesmo em deposito.
+
+Outra torre havia no castello de Santarem, em que outrosim estava mui
+gran thesouro de moeda e d'outras cousas, em tamanha quantidade, que
+ante a pontavam fortemente por não cair com o muito haver que n'ella
+punham.
+
+E d'esta guisa estava no Porto, e em Coimbra, e n'outros lugares.
+
+E posto alli, em cada um anno aquelle oiro, e prata, e moedas que assim
+ficavam, e que os reis mandavam comprar, quando o rei vinha a morrer, e
+prégavam d'elle e dos bens que fizera, dizendo como o reinara tantos
+annos e mantivera em direito e justiça, contavam-lhe mais por grande
+bondade, e louvando-o muito, diziam:--este rei, em tantos annos que
+reinou, poz nas torres do thesouro tanto oiro, e prata, e moedas. E
+quanto cada um rei n'ellas punha, tanto lh'o contavam por muito mór
+bondade.
+
+El-rei Dom Pedro, como reinou, pareceu a alguns que não tinha sentido de
+ordenar que accrescentassem no thesouro, que os antigos com grande
+cuidado começaram de guardar. E vendo isto um seu privado, que chamavam
+João Esteves, houve-o por grande mal, e propoz de lh'o dizer, e fallando
+el-rei com elle uma vez, em coisas de sabor, disse elle a el-rei em esta
+guisa:--Senhor, a mim parece, se vossa mercê fosse, que seria bem de
+proverdes vossa fazenda, e vêr o que se dispender póde, e, do que
+sobejar, encaminhardes como accrescenteis alguma cousa nos thesouros que
+vos ficaram de vosso padre e de vossos avós, para fazerdes o que os
+outros reis fizeram, e para terdes que dispender mais abundosamente se
+vos alguma necessidade viesse á mão, cá muito mais com vossa honra
+dispendereis vós accrescentando no thesouro que tendes, que gastar o que
+os outros reis deixaram, sem pôr n'elle nenhuma coisa.
+
+A estas e outras razões respondeu el-rei que dizia bem, e que lhe
+puzesse em escripto quanto era o que renderiam seus direitos, e a
+despeza que se d'ello fazia. A poucos dias trouxe o privado, em
+escripto, tudo aquillo que lhe el-rei dissera, e visto por ambos
+apartadamente, acharam que tiradas as despezas que os reis em costume
+tinham de fazer, que sómente no seu thesouro de Lisboa podia cada anno
+pôr na torre do castello até quinze mil dobras.
+
+E ordenou logo, como se puzesse cada anno, em oiro, e prata, e moedas,
+tudo o que sobejasse de suas rendas, nos lugares acostumados onde os
+reis punham seu haver; porém que dizia el-rei que não fazia pouco quem
+guardava o thesouro que lhe ficava de outrem e se mantinha nos direitos
+que havia de seu reino, sem fazendo aggravo ao povo, nem lhe tomando do
+seu nenhuma coisa. E ficaram todos por sua morte a el-rei Dom Fernando,
+seu filho, que os depois gastou como lhe prouve, segundo adiante
+ouvireis.
+
+
+
+
+*CAPITULO XIII*
+
+_Por que guisa el-rei Dom Pedro de Castella começou de juntar thesouro_.
+
+
+Por outra maneira juntou el-rei Dom Pedro de Castella mui grão thesouro,
+sem mudar moeda, nem lançar peitas ao povo: e vêde de que guisa foi,
+posto que fallemos dos feitos alheios.
+
+Assim, adverti que el-rei Dom Pedro estando na aldeia de Morales, que é
+uma legua de Toro, jogava um dia os dados com alguns de seus
+cavalleiros, e tinha-lhe um seu reposteiro-mór, a cerca d'elle, uns
+huchotes pequenos com alguma prata e dobras, que seria por todo até
+vinte mil: el-rei disse que aquelle era todo seu thesouro, e que mais
+não tinha.
+
+Aquelle dia, logo á noite, estando el-rei em sua camara, Dom Samuel
+Levi, seu thesoureiro-mór, lhe disse:--Senhor, hoje foi vossa mercê
+dizer, perante aquelles que aqui estavam, que vós não tinheis mais
+thesouro que vinte mil dobras, de que jogaveis, e com que tomaveis
+sabor. E isto, senhor, entendo que o dissestes contra mim, por me
+avergonhar, pois que sou vosso thesoureiro-mór, e não ponho melhor
+recado em vossa fazenda. Porém, senhor, vós sabeis bem que, posto que
+fosse eu vosso thesoureiro depois que vós reinastes até ora, que póde
+haver uns sete annos, sempre em vosso reino houve taes boliços por os
+quaes os recadadores de vossas rendas se atreveram a fazer coisas que
+não deviam, por guisa que eu não pude tomar d'ello conta socegadamente
+como era razão; mas ora se vossa mercê fôr de me mandardes entregar dois
+castellos, quaes eu disser, eu vos quero pôr n'elles, antes de muito
+tempo, thesouro com que bem possaes dizer que mais tendes juntas de
+vinte mil dobras.
+
+A el-rei prouve muito d'isto, e foram lhe entregues o alcaçar de
+Torjillo e o de Fita. Dom Samuel poz logo alli homens de que se fiava, e
+mandou cartas por todo o reino, a todos os que foram e eram recadadores
+das rendas de el-rei, des que elle começara de reinar até então, que
+viessem logo dar conta; e tomava-lh'a d'esta guisa. Por el-rei eram
+livrados a um cavalleiro, ou outro qualquer, certos mil maravedis de seu
+poimento, ou d'outra maneira, e Dom Samuel fazia vir perante si todos
+aquelles a que alguns dinheiros foram desembargados por aquelle a que
+tomava conta, e dava a cada um juramento, aos Evangelhos, quantos
+dinheiros receberam d'aquelle recadador por cada uma vez, e quantos lhe
+deixara por haver d'elle desembargo e não ser detido, e aquelle a que
+taes dinheiros foram livrados dizia que não houvera mais de tantos, e
+que os outros lhe déra, de peita, pelo desembargar, porque lhe faziam
+entender que d'outra guisa não poderia haver pagamento.
+
+Então, se o recadador não mostrasse lugar certo onde lhe todo fôra
+pagado, mandava Dom Samuel que a metade de quanto assim levara fosse
+para o thesouro d'el-rei, e a metade para aquelle que recebera tal
+engano.
+
+E todos os que taes livramentos houveram, eram mui contentes de dizer a
+verdade, por cobrar o que tinham perdido. E elle juntou, por esta guisa,
+antes de um anno, n'aquelles castellos, tão grande thesouro, que era
+estranha cousa de vêr.
+
+E este foi o começo do mui grão thesouro que el-rei Dom Pedro depois
+teve junto, segundo adiante contaremos.
+
+
+
+
+*CAPITULO XIV*
+
+_Como el-rei fez conde e armou cavalleiro João Affonso Tello, e da grão
+festa que lhe fez_.
+
+
+Em tres coisas assignadamente achamos, pela mór parte, que el-rei Dom
+Pedro de Portugal gastava seu tempo, a saber: em fazer justiça e
+desembargos do reino, e em monte e caça de que era mui querençoso, e em
+danças e festas segundo aquelle tempo, em que tomava grande sabor, que
+adur é agora para ser crido. E estas danças era a som de umas longas que
+então usavam, sem curando de outro instrumento posto que o hi houvesse:
+e se alguma vez lh'o queriam tanger, logo se enfadava d'elle e dizia que
+o dessem ao démo, e que lhe chamassem os trombeiros.
+
+Ora deixemos os jogos e festas que el-rei ordenava por desenfadamento,
+nas quaes, de dia e de noite, andava dançando por mui grande espaço; mas
+vêde se era bem saboroso jogo. Vinha el-rei em bateis de Almada para
+Lisboa, e saiam-no a receber os cidadãos, e todos os dos misteres, com
+danças e trebelhos, segundo então usavam, e elle saia dos bateis, e
+mettia-se na dança com elles, e assim ia até ao paço.
+
+Paraementes se foi bom sabor. Jazia el-rei em Lisboa uma noite na cama,
+e não lhe vinha somno para dormir, e fez levantar os mocos e quantos
+dormiam no paço, e mandou chamar João Matheus e Lourenço Palos, que
+trouxessem as trombas de prata, e fez accender tochas, e metteu-se pela
+villa em dança com os outros. As gentes que dormiam, saiam ás janellas,
+a vêr que festa era aquella, ou por que se fazia, e quando viram
+d'aquella guisa el-rei, tomaram prazer de o vêr assim lêdo. E andou
+el-rei assim grão parte da noite, e tornou-se ao paço em dança, e pediu
+vinho e fructa, e lancou-se a dormir.
+
+E não curando mais falar de taes jogos: ordenou el-rei de fazer conde e
+armar cavalleiro João Affonso Tello, irmão de Martim Affonso Tello, e
+fez-lhe a mór honra, em sua festa, que até áquelle tempo fora visto que
+rei nenhum fizesse a semelhante pessoa; cá el-rei mandou lavrar
+seiscentas arrobas de cêra, de que fizeram cinco mil cirios e tochas, e
+vieram de termo de Lisboa, onde el-rei então estava, cinco mil homens
+das vintenas para terem os ditos cirios. E quando o conde houve de velar
+suas armas, no mosteiro de São Domingos d'essa cidade, ordenou el-rei
+que dês aquelle mosteiro até aos seus paços, que é assaz grande espaço,
+estivessem quedos aquelles homens todos, cada um com seu cirio accesso,
+que davam todos mui grande lume, e el-rei, com muitos fidalgos e
+cavalleiros, andavam por entre elles dançando e tomando sabor, e assim
+dispenderam grão parte da noite.
+
+Em outro dia, estavam mui grandes tendas armadas no rocio, a cerca
+d'aquelle mosteiro, em que havia grandes montes de pão cosido, e, assáz
+de tinas cheias de vinho, e logo prestes por que bebessem, e fòra
+estavam ao fogo vaccas inteiras em espetos a assar, e quantos comer
+queriam d'aquella vianda, tinham-na muito prestes, e a nenhum não era
+vedada. E assim estiveram sempre em quanto durou a festa, na qual foram
+armados outros cavalleiros, cujos nomes não curamos dizer.
+
+
+
+
+*CAPITULO XV*
+
+_Das avenças que el-rei de Castella e el-rei Dom Pedro de Portugal
+firmaram entre si, e como lhe el-rei de Portugal prometteu de fazer
+ajuda contra Aragão_.
+
+
+Escrevem alguns louvando este rei Dom Pedro, dizendo que reinou em paz
+em quanto viveu, e fortuna não fez sem-razão de encaminhar o começo, e
+meio, e fim de seu mando, de viver em socego e folgada paz; cá elle, por
+morte de el-rei seu padre, achou o reino sem nenhuma briga por que
+houvesse de haver contenda com nenhum rei da Espanha, nem de outra
+provincia mais alongada.
+
+Dês ahi, como elle reinou, mandou logo Ayres Gomes da Silva e Gonçalo
+Annes de Beja, a el-rei de Castella, seu sobrinho, com recado, e de
+Castella veiu a elle, da parte de el-rei Dom Pedro, um cavalleiro, que
+chamavam Fernão Lopez de Estuñega. E tratou-se então, entre os reis, que
+fossem ambos verdadeiros e leaes amigos, e firmaram d'aquella vez suas
+amisades.
+
+Depois d'isto, a cabo de um anno, estando el-rei Dom Pedro em Evora,
+chegaram mensageiros de el-rei de Castella, a saber, Dom Samuel Levi,
+seu thesoureiro-mór, e Garcia Guterrez Tello, alguazil mór de Sevilha, e
+Gomes Fernandez de Soria, seu alcaide, e trataram, entre os reis ambos,
+muito mais perfeitas amisades que antes. E foi mais ordenado, entre
+elles, que o infante Dom Fernando, seu primogenito filho, e herdeiro em
+Portugal, casasse com Dona Beatriz, filha do dito rei de Castella, e que
+se fizessem os desposorios, por seus procuradores, dês fevereiro meiado
+seguinte até ao primeiro dia de março que vinha, e as bodas logo no
+postumeiro dia de abril, e que el-rei de Castella desse á dita sua
+filha, em casamento, outro tanto haver quanto el-rei Dom Affonso de
+Portugal dera, com sua filha Dona Maria, a el-rei Dom Affonso seu padre,
+e que el-rei de Portugal desse á dita Dona Beatriz, em arrhas e doação,
+outro tanto quanto seu padre, el-rei Dom Affonso, déra a Dona Constança,
+quando com elle casára, e mais, que casasse Dona Constança, filha do
+dito rei Dom Pedro de Castella, com o infante Dom João, e a outra filha,
+que chamavam Dona Izabel, casasse com o infante Dom Diniz, e que os
+desposorios e casamentos d'estes fossem acabados d'ahi a seis annos, e
+que el-rei de Castella desse taes lugares a cada uma d'ellas, de que
+houvessem de renda noventa mil maravedis, e el-rei de Portugal, a cada
+um dos infantes, lugares que lhe rendessem cada anno dez mil libras de
+portuguezes; e que el-rei de Castella fosse seu amigo, e imigo de imigo,
+e que se ajudassem um ao outro por mar e por terra, cada vez que
+requerido fosse, e que el-rei de Castella não fizesse paz com el-rei de
+Aragão, contra quem lhe elle então requeria ajuda, sem lh'o fazer saber
+primeiro, nem com outro nenhum rei e senhor.
+
+Onde sabei, que esta ajuda, que el rei de Castella então pediu a el-rei
+Dom Pedro de Portugal, fôra já antes pedida por elle a el-rei Dom
+Affonso, seu padre, quando este rei Dom Pedro de Castella começou a
+guerra contra el-rei Dom Pedro de Aragão, que foi no postumeiro anno do
+reinado do dito rei Dom Affonso, segundo adiante vereis; a qual ajuda
+havia de ser gentes de cavallo por terra, e certas galés pelo mar.
+
+El-rei Dom Affonso respondeu a seu neto, que elle sabia bem e era certo
+das posturas e firmidões que foram feitas entre el-rei Dom Diniz, seu
+padre, e el-rei Dom Fernando, seu avó, e el-rei Dom Jayme de Aragão, as
+quaes todos tres firmaram por si e por todos seus successores, e havido
+accordo com todos os bons da casa de Portugal, que para ello foram
+juntos em conselho, achou el-rei Dom Affonso que lhe não podia fazer a
+dita ajuda, com aguisada razão: e vista tal resposta por el rei de
+Castella, cessou de lh'a mais requerer.
+
+Morto el-rei Dom Affonso de Portugal, e começando de reinar este rei Dom
+Pedro, seu filho, enviou-lhe o dito rei de Castella rogar que lhe
+quizesse fazer ajuda por mar e por terra em aquella guerra que então
+havia contra el-rei de Aragão; cá isso mesmo tinha elle em vontade de
+fazer a elle quando lhe cumpridoiro fosse.
+
+El-rei de Portugal respondeu a isto, que bem certo devia elle de ser dos
+bons e grandes dividos que sempre houvera entre os reis de Portugal e de
+Aragão, pelos quaes elle com razão aguisada poderia ser bem escusado de
+fazer nem dizer cousa que a elle e a sua terra fosse prejuizo, mórmente,
+que entre el-rei Dom Affonso, seu padre, e el-rei Dom Pedro de Aragão,
+que então era, foram firmadas posturas e amisades para se amarem e
+ajudarem, especialmente contra el-rei Dom Affonso, padre d'elle rei de
+Castella, e que isso mesmo fôra já a elle tratado, por vezes, depois que
+entre elles recrescera aquella discordia; mas, que não embargando estas
+rasões todas, que entendia que entre elles ambos havia tantos e tão bons
+dividos, e assim aguisadas rasões, por que cada um d'elles devia fazer,
+por honra e prol do outro, toda coisa que pudesse, e que elle assim o
+entendia de fazer, tambem em aquelle mister que então havia, como em
+todos os outros. E que para accrescentar na amisade e dividos que ambos
+haviam, que lhe prazia de o ajudar n'aquella guerra, que começada tinha,
+mas porquanto, a Deus graças, elle era abastante de muitas gentes, muito
+mais que el-rei de Aragão, e parte de suas galés eram perdidas, que
+melhor podia escusar a ajuda por terra que a do mar: e como quer que lhe
+esta mais custosa fosse, que lhe prazia de o ajudar com dez galés
+grossas, pagas por trez mezes, as quaes lhe faria bem prestes quando
+lh'as mandasse requerer.
+
+E foi assim de feito, que lhe fez ajuda por mar duas vezes, e duas por
+terra, de bons cavalleiros e bem corregidos, durando por longos tempos
+grande guerra, e muito crua, entre el-rei Dom Pedro de Castella e el-rei
+Dom Pedro de Aragão.
+
+Mas porque alguns, ouvindo aquisto, desejarão saber que guerra foi esta,
+ou porque se começou e durou tanto tempo, e nós falar d'isto podiamos
+bem escusar, por taes coisas serem feitos de Castella e não de Portugal,
+pero, não embargando isto, por satisfazer ao desejo d'estes, dês ahi
+porque nos parece que não havendo alguma noticia das crueldades e obras
+d'este rei Dom Pedro de Castella não podem bem vir em conhecimento, qual
+foi a razão porque elle depois fugiu de seu reino e se vinha a Portugal
+buscar ajuda e accorro, e como depois de sua morte muitos lugares de
+Castella se deram a el-rei Dom Fernando, e tomaram voz por elle: porém
+faremos de tudo um breve falamento, começando primeiro nas cousas que
+advieram em começo de seu reinado, vivendo ainda el-rei Dom Affonso de
+Portugal, seu avô, com as outras que se seguiram depois que reinou
+el-rei Dom Pedro, seu tio, das quaes nos parece que se em outro lugar
+melhor contar não podem que todas aqui juntamente, entremettendo seus
+feitos com a guerra, e primeiro, das cousas que fez antes que a
+começasse, por saberdes tudo, em certo, de que guisa foi.
+
+
+
+
+*CAPITULO XVI*
+
+_De algumas pessoas que el-rei D. Pedro de Castella mandou matar, e como
+casou com a rainha Dona Branca e a deixou_.
+
+
+Segundo testemunho de alguns, que seus feitos d'este rei de Castella
+escreveram, elle foi muito cumpridor de toda cousa que lhe sua natural e
+desordenada vontade requeria: em tanto que dizendo nós, pelo miudo, tudo
+o que feiamente se poderia ouvir de seus feitos, caíriamos em
+reprehensão, que não eramos escasso de contar os males alheios, mormente
+taes que são pregoeiros de má e vergonhosa fama, porém muito menos
+d'aquelles que achamos escriptos, dos principaes diremos, e mais não.
+
+Este rei foi muito arredado das manhas e condições que aos bons reis
+cumpre de haver, cá elle dizem que foi mui luxurioso, de guisa que
+quaesquer mulheres que lhe bem pareciam, posto que filhas-d'algo e
+mulheres de cavalleiros fossem, e isso mesmo donas de ordem ou de outro
+estado que não guardava mais umas que outras. Era muito cubiçoso do
+alheio por má e desordenada maneira, e não queria homem em seu conselho,
+salvo que lhe louvasse sua razão e quanto fazia. Matou muitas honradas
+pessoas, d'ellas sem razão por lhe darem bom conselho, e outras sem
+porque, e por ligeiras suspeitas, em tanto que muitos bons se afastavam
+d'elle muito anojados, por temor da morte: cá nenhum não era com elle
+seguro, posto que o bem servisse, e lhe elle muita mercê e honra
+fizesse. E deixados os achaques que a cada um punha por os matar,
+sómente, em breve, das mortes digamos, e mais não.
+
+No segundo anno de seu reinado foi morta D. Leonor Nunez de Gusman,
+manceba que fôra de el-rei seu padre, e madre do conde Dom Henrique, que
+depois foi rei; e posto que alguns digam que foi por mandado da rainha
+Dona Maria, sua madre, certo é que ella não mandaria fazer tal cousa sem
+consentimento de el-rei seu filho. E deu el-rei a sua madre todos os
+bens de Leonor Nunez.
+
+Mandou el-rei matar Garcia Lasso da Veiga, um grande fidalgo de Gastella
+e muito aparentado de genros e parentes e amigos, por suspeita que
+d'elle houve.
+
+Mandou matar tres homens bons da cidade de Burgos, a saber, Pero
+Fernandez de Medina, e João Fernandez, escrivão, e Affonso Garcia de
+Camargo.
+
+Idem, cercou Dom Affonso Fernandez Coronel, na villa de Aguilar, e
+entrou-o por força, e mandou-o matar, e Pero Coronel seu sobrinho, e
+João Gonçalvez d'Eça, e Pero Dias de Quesada, e Rodrigo Annes de Beema,
+e João Affonso Carrilho, mui bom cavalleiro.
+
+Mandou el-rei pedir a el-rei de França que lhe desse por mulher uma das
+filhas do duque de Bourbon seu primo, e de seis filhas que elle tinha,
+escolheram os mensageiros uma, que chamavam Dona Branca, moça de 18
+annos e bem formosa, e receberam-na em seu nome. E como el-rei Dom Pedro
+isto soube, mandou que lh'a trouxessem logo, e enviou el-rei de França
+com ella o visconde de Cardona e outros grandes cavalleiros de sua
+terra, que lh'a trouxeram mui honradamente; e deu-lhe com ella mui grão
+casamento em oiro e prata e outras riquezas, e foram então feitas as
+dobras que chamaram de Dona Branca, e os reaes de Castella de el-rei Dom
+Pedro.
+
+E emquanto os mensageiros foram tratar este casamento, tomou elle por
+manceba Maria de Padilha, que andava por donzella em casa de Dona Isabel
+de Menezes, filha de Dom Tello de Menezes, mulher de Dom João Affonso de
+Albuquerque, que a criava. E tal vontade poz el-rei n'ella, que já não
+curava de casar com Dona Branca quando veiu, tendo já da outra uma filha
+que chamavam Dona Beatriz.
+
+E por conselho de Dom João Affonso de Albuquerque, pero muito contra
+vontade d'el-rei, ordenou de fazer suas bôdas em Valhadolid, e foram
+feitas uma segunda feira. E logo á terça seguinte, como el-rei comeu, a
+cabo de uma hora, deixou sua mulher, que não valeu rogo nem lagrimas da
+rainha Dona Maria sua madre, nem da rainha de Aragão sua tia, que o
+pudessem ter que se não partisse, e levou tal andar que foi essa noite
+dormir á aldeia de Pajares, que são dezeseis leguas de Valhadolid, e em
+outro dia chegou a Montalban, onde estava Dona Maria de Padilha. E tinha
+el-rei, quando partiu, e alguns dos que com elle iam, mulas em certos
+lugares, pero não chegaram com elle mais de tres; e foi por isto grande
+alvoroço entre os senhores e fidalgos do reino que alli eram, e alguns
+foram logo partidos d'el-rei.
+
+Depois, por afincado conselho, tornou el-rei a Valhadolid e esteve com
+sua mulher dois dias, e nunca mais puderam com elle que alli
+assocegasse; e partiu-se e nunca a mais quiz vêr. E o visconde e
+cavalleiros, que com ella vieram, se partiram sem mais falar a el-rei.
+
+Sendo viva esta rainha Dona Branca, não havendo mais de um anno que
+el-rei com ella casara, pareceu-lhe bem Dona Joanna de Castro, filha de
+Dom Pedro de Castro, que chamaram da Guerra, mulher que fôra de Dom
+Dïego de Alfaro, e commetteu-lhe por outrem que casasse com elle. E ella
+não querendo, porque el-rei era casado, disse elle que tinha razões por
+que o não era: e mandou aos bispos de Avila e de Salamanca que
+pronunciassem que podia casar. E elles, com medo, disseram-no assim, e
+foram recebidos na villa de Qualhar, dentro na igreja, solemnemente,
+pelo bispo de Salamanca que os recebeu ambos. Em o outro dia partiu
+el-rei d'alli, e nunca mais viu esta Dona Joanna: e ella chamou-se
+sempre rainha, pero não prazia a el-rei d'ello.
+
+A rainha Dona Maria tomou comsigo sua nora e foi-se para Outerdesilhas,
+e dês-ahi mandou-a el-rei levar guardada a Revollo, que a não visse sua
+madre nem outro nenhum, e depois a teve presa em Medina-Sidonia e alli a
+mandou matar, sendo então a rainha com idade de vinte e cinco annos,
+muito sisuda e bem acostumada.
+
+E elle teve ordenado de mandar matar Alvaro Gonçalves Mourão, e Dom
+Alvaro Perez de Castro, irmão de Dona Ignez, madre de Dom João e de Dom
+Diniz, filhos de el-rei Dom Pedro de Portugal, sendo então infante; e
+foram percebidos por Dona Maria de Padilha, que lh'o mandou dizer, e
+assim escaparam de morte.
+
+Mandou matar em Medina del Campo, um dia pela festa, em seu paço, Pero
+Rodriguez de Vilhegas, adiantado mór de Castella, e Sancho Rodriguez de
+Rojas; e foi morto um escudeiro de Pero Rodriguez.
+
+Mandou matar, em Toledo, vinte e dois homens bons, do commum, porque
+foram em conselho de se alçar a cidade de Toledo, por não matarem n'ella
+a rainha Dona Branca, segundo todos d'aquella vez cuidaram, entre os
+quaes mandava matar um ourives velho de oitenta annos; e um seu filho de
+dezoito annos, tendo-o para o matar, disse a el-rei que lhe pedia por
+mercê que antes mandasse matar a elle que seu padre, e el-rei mandou-o
+assim fazer: pero mais prouvera a todos que el-rei não mandara matar nem
+um nem outro.
+
+E mandou matar quatro cavalleiros bons d'essa cidade, a saber, Gonçalo
+Mendes, e Lopo de Vellasco, e Tello Gonçalves Palomeque, e Lopo
+Rodrigues, seu irmão.
+
+Quando entrou a villa de Toro, onde estava a rainha sua madre, saiu a
+rainha a elle, do alcaçar, por seu mandado, e mandou matar Dom Pero
+Esteves, que se chamava mestre de Calatrava, alli onde vinha junto com
+ella, e Rui Gonçalves de Castanheda que a trazia de braço, e Affonso
+Telles Giron, e Martim Affonso Tello, todos quatro a redor da rainha. E
+ella, quando os viu matar, tão a cerca de si, caiu em terra como morta,
+e levantaram-na, bradando e maldizendo seu filho, e a poucos dias lhe
+pediu que a mandasse a Portugal para el-rei seu padre, e assim o fez: e
+ahi morreu depois, segundo tendes ouvido.
+
+Mandou el-rei mais matar Gomes Manrique de Hornamella, e outros; e
+ordenou um torneio em Outerdesilhas, de cincoenta por cincoenta, por
+matar n'elle o mestre de São Thiago Dom Fradarique, seu irmão, que era
+no torneio. E el-rei não quiz descobrir este segredo a outrem, e porem
+não se fez aquelle dia.
+
+
+
+
+*CAPITULO XVII*
+
+_Como se começou o desvairo entre el-rei Dom Pedro de Castella e o conde
+Dom Henrique, seu irmão, o qual foi aso porque se o conde foi fóra do
+reino_.
+
+
+Pois havemos de fazer menção, ao diante, da guerra e grande desvairo que
+depois houve entre o conde Dom Henrique e el-rei Dom Pedro, seu irmão,
+necessario é que contemos primeiro como se começou sua desavença e de
+que guisa se elle partiu do reino: e isto, antes que entremos na guerra
+de Castella com el-rei de Aragão, em cuja ajuda elle depois veiu.
+
+Onde sabei que morto el-rei Dom Affonso sobre o cerco de Gibraltar, que
+foi na era de mil e trezentos e oitenta e oito annos, no mez de março, e
+tomando todos por seu rei o infante Dom Pedro seu primogenito filho,
+sendo então em idade de quinze annos, e estando na cidade de
+Sevilha,--partiram do arrayal com o corpo de el-rei, para o virem
+soterrar a Castella, muitos dos senhores e fidalgos que eram alli com
+elle, assim como o infante Dom Fernando, filho de el-rei de Aragão,
+marquez de Tortosa, sobrinho do dito rei Dom Affonso, filho da rainha
+Dona Leonor sua irmã, e Dom Henrique conde de Trastamara, e Dom
+Fradarique mestre de São Thiago, seu irmão, filhos de Leonor Nunez, e do
+dito rei Dom Affonso, e Dom João Affonso de Albuquerque, e outros
+senhores, e mestres, e ricos-homens. E passando o corpo de el-rei
+perante a villa de Medina Sidonia, que era de Leonor Nunez, ella se foi
+dentro ao lugar; porquanto Affonso Fernandez Coronel, que a tinha por
+ella, lhe disse que a não queria mais ter. E foi por esta entrada, que
+Leonor Nunez fez n'aquelle logar, mui grande murmurio entre os senhores
+e cavalleiros que levavam o corpo d'el-rei, cuidando que ella se punha
+alli em esforço dos filhos e parentes seus, que alli vinham.
+
+E Dom João Affonso de Albuquerque, quando viu aquella ficada que os
+filhos e parentes de Leonor Nunez faziam com ella n'aquelle logar, que
+era bem forte, tratou com alguns que o conde Dom Henrique e Dom
+Fradarique seu irmão, estivessem n'aquella villa como presos. E soube-o
+Leonor Nunez, e tomou mui grão medo. E trataram com ella, segurando-a
+Dom João Nunez de Lara que tinha sua filha esposada com Dom Tello, seu
+filho d'ella, cuidando ella que tal segurança fosse firme.
+
+E saiu-se do logar ella e seus filhos, e Dom Pedro Ponce de Leon, e Dom
+Fernão Perez Ponce seu irmão, mestre de Alcantara, e Dom Alvaro Perez de
+Guzman, e outros seus parentes, e houveram todos accordo de se apartar
+de el-rei, receando-se muito de irem a Sevilha, onde el-rei Dom Pedro
+estava, e serem presos. E logo n'esse dia que partiram de Medina, se
+foram a Moram, que é uma villa e castello bem forte a cerca de terra de
+mouros, e não segurando ainda de estar alli, foram-se para Aljazira, que
+tinha Dom Pero Ponce, e Dom Fradarique se tornou para a terra da ordem
+de São Thiago.
+
+A rainha Dona Maria, com seu filho el-rei Dom Pedro e todos os que eram
+em Sevilha, saíram fóra da cidade receber o corpo de el-rei, e foi-lhe
+feito mui honradamente tudo aquillo que cumpria, e soterrado na egreja
+de Santa Maria, na capella dos Reis.
+
+El-rei D. Pedro, sabendo a partida de seus irmãos e dos outros fidalgos,
+e como estavam em Aljazira, mandou saber secretariamente que maneira
+tinham, e achou que se apoderavam do logar o mais que podiam; e mandou
+lá galés armadas, e Guterre Fernandez de Toledo por capitão: e o conde
+D. Henrique, e os outros vendo que lhes não cumpria estar alli,
+tornaram-se para Moram, onde estava Dom Fernão Rodriguez Ponce.
+
+Em isto foi-se Dona Leonor Nunez a Sevilha, e posta de parte a segurança
+que lhe feita tinha, mandou-a el-rei guardar mui bem no alcaçar, e
+trataram depois, por parte de el-rei, com o conde Dom Henrique, e com os
+outros senhores, de guisa que se vieram todos a Sevilha para el-rei. E o
+conde ia vêr cada dia sua madre, com a qual estava Dona Joanna, filha de
+Dom João Manuel, sua esposa. E houveram accordo, a madre com o filho,
+que houvesse ajuntamento com sua esposa, por se não desfazer o casamento
+segundo rugiam; e fel-o assim, e pezou d'isto muito a el-rei, e á rainha
+sua madre, e a outros muitos, e por isto defendeu el-rei que a não fosse
+nenhum mais vêr: e levaram-na d'alli para Carmona, e o conde Dom
+Henrique fugiu para as Asturias, por quanto lhe disseram que o mandava
+el-rei prender. Depois foi levada Dona Leonor, sua mãe, a Talavera, e
+alli a mandou matar a rainha Dona Maria por Affonso Fernandez de Olmedo,
+seu escrivão, como já tendes ouvido.
+
+O conde Dom Henrique estando nas Asturias, ouviu como el-rei mandara
+matar sua madre, e depois Garcia Lasso, adiantado de Castella, e não
+ousou de estar alli, e foi-se a Portugal para el-rei Dom Affonso: e
+quando el-rei Dom Pedro fez vistas com seu avô em Cidade Rodrigo, como
+dissemos, rogou el-rei Dom Affonso a seu neto que perdoasse ao conde, e
+elle perdoou-lhe, e tornou-se o conde para as Asturias, cá não ousou de
+se ir para el-rei.
+
+E elle nas Asturias, soube el-rei como abastecia Gijon, e foi-se lá, e
+cercou o lugar, onde estava sua mulher Dona Joanna, cá elle não se
+atreveu de o esperar alli, e foi-se em tanto a uma montanha mui forte
+que dizem Montojo, e os de Gijon pleitearam com el-rei que perdoasse ao
+conde, e a el-rei prouve, e tornou-se.
+
+E quando el-rei houve de fazer suas bôdas em Valhadolid com Dona Branca,
+segundo contámos, chegou o conde Dom Henrique e Dom Tello seu irmão, e
+trazia o conde seiscentos homens de cavallo e mil e quinhentos de pé; e
+sendo em Cijalles, duas leguas d'onde el-rei estava, mandou-lhe dizer
+que não ousaria de entrar na villa, salvo com toda sua gente, porquanto
+se receava de alguns que eram na côrte. E el-rei mandou-o segurar: não
+se fiaram do seguro, e houveram de pelejar com el-rei, que sahiu a
+elles. Depois, foram de accordo com elle, e ficaram em sua mercê.
+
+Casou el-rei com Dona Branca, e deixou-a em outro dia, e foi-se para
+Dona Maria de Padilha. E d'essa idéia foi desavindo d'elle Dom João
+Affonso de Albuquerque que governava a casa d'el-rei. E tratou-se depois
+que Dom João Affonso estivesse em Portugal, se quizesse, e que seus
+castellos e bens, que havia em Castella, fossem seguros: prometteu-lh'o
+el-rei assim, e depois que Dom João Affonso foi em Portugal, cercou-lhe
+el-rei Medelin, e cobrou-o, e fel-o derribar, e depois cercou
+Albuquerque, e não o podendo tomar, partiu-se d'alli, e deixou por
+fronteiros, em Badalhouce, o conde Dom Henrique e o mestre de São Thiago
+Dom Fradarique, seu irmão.
+
+Partido el-rei d'alli, enviou o conde seu recado a Dom João Affonso, que
+fossem todos trez amigos, e entrassem por Castella, e a elle prouve
+muito, e firmaram seu preito de ser assim; e houveram Dom Fernando de
+Castro em sua ajuda, que estava em Galliza, e começaram de entrar por
+Castella, fazendo n'ella grande estrago.
+
+N'isto mandou el-rei Dom Pedro João Affonso de Henestrosa, seu
+camareiro-mór, a Arevalo onde estava a rainha Dona Branca, sua mulher,
+que a trouxesse ao alcançar de Toledo, e elle trazendo-a pela cidade,
+disse ella que queria ir primeiro fazer oração á igreja de Santa Maria,
+e dês-que foi dentro na igreja, não quiz mais sahir d'ella, receando-se
+de ser morta ou presa. João Affonso não se atreveu de a fazer sahir da
+igreja contra sua vontade, e tornou-se para el-rei. Os moradores de
+Toledo falando sobre isto, houveram piedade da rainha, e accordaram de a
+não deixar prender nem matar n'aquella cidade, e determinaram de pôr por
+ella os corpos, e quanto haviam. E mandaram primeiro por Dom Fradarique
+mestre de São Thiago, e colheram-no dentro com suas companhas, e mais
+enviaram suas cartas ao conde Dom Henrique, e a Dom João Affonso
+d'Abuquerque, e a Dom Fernando de Castro, fazendo-lhe saber sua
+intenção; e tiveram com Toledo, por parte da rainha, a cidade de
+Cardona, e Cuenca, e o bispado de Jaen e Talavera. Que cumpre dizer
+mais: os infantes Dom Fernando e Dom João, primos d'el-rei, e muitos
+senhores e cavalleiros, se partiram d'elle por ajudar a tenção dos
+outros, em guisa que não ficaram com el-rei mais de seiscentos de
+cavallo. E todos aquelles senhores lhe mandavam dizer que prestes eram
+para o servir e fazer seu mandado, com tanto que tomasse sua mulher, e
+vivesse com ella e não regesse o reino pelos parentes de Dona Maria de
+Padilha, nem os fizesse seus privados: e el-rei não quiz cair em tal
+preitesia.
+
+N'isto adoeceu Dom João Affonso de Albuquerque, e el-rei mandou
+encobertamente tratar com o physico, que pensava d'elle, que lhe faria
+mercês e que lhe desse com que morresse; e elle fel-o assim, segundo
+depois foi sabido; e os vassalos de Dom João Affonso prometteram de não
+enterrar o seu corpo até que esta demanda fosse acabada, e elle assim o
+mandou em seu testamento. E quando aquelles senhores ordenavam conselho
+sobre aquillo que lhes convinha fazer, falava em lugar de Dom João
+Affonso, Ruy Dias Cabeça-de-Vacca, que fôra seu mordomo-mór. E eram as
+gentes d'estes senhores todos até cinco mil de cavallo, e muita gente de
+pé.
+
+Acima vendo el-rei como perdia as gentes por esta guisa, houve conselho
+de se pôr em poder d'elles, na villa de Toro, e alli partiram elles logo
+os officios do reino e da casa d'el-rei entre si, de guisa que a el-rei
+não prouve; e então foram enterrar o corpo de Dom João Affonso, tendo
+que sua demanda era já acabada.
+
+El-rei sentindo-se como preso, segundo a maneira que com elle tinham,
+fingiu que queria ir á caça, e uma grande manhã cavalgou, e foi-se para
+Segovia, e foram-se os infantes para el-rei por suas preitesias, e
+começou-se de desfazer a companhia que se antes juntara. E o conde Dom
+Henrique, e Dom Tello e Dom Fradarique, seus irmãos, ficaram a uma
+parte, e seriam por todos até mil e duzentos de cavallo, e muitos homens
+de pé. E houveram entrada em Toledo, e foi el-rei á cidade, e cobrou-a,
+e elles deixaram-na, e foram-se.
+
+Depois lhes enviou rogar a rainha Dona Maria que se fossem para Toro,
+onde ella estava, receando-se del-rei, seu filho; e foram-se allá, e
+chegou ahi el-rei com suas gentes, e pelejaram nas barreiras, e não
+poude el-rei ahi assocegar por mingua d'agua, e partiu-se d'ahi.
+
+E depois que se el-rei foi, partiu-se o conde Dom Henrique para Galliza,
+uns diziam que para se ajuntar com Dom Fernando de Castro, outros
+affirmavam que o fazia o conde por não ser cercado. E quizera el-rei
+partir empoz elle, e depois houve em conselho de tomar primeiro a villa
+de Toro; e cercou-a outra vez, e tratou com Dom Fradarique, seu irmão, e
+do conde Dom Henrique, que ficava na villa por guarda, que se fosse para
+elle: e elle fel-o assim. E em outro dia cobrou el-rei a villa, por uma
+porta que lhe deram, e prendeu Dona Joanna, mulher do conde Dom
+Henrique, e fez matar alguns do lugar, e mais aquelles cavalleiros que
+foram mortos acerca da rainha sua madre, como dissemos.
+
+Quando o conde Dom Henrique soube como el-rei cobrara a villa de Toro, e
+matara aquelles cavalleiros que tinha por sua parte, e que o mestre Dom
+Fradarique, seu irmão, era já com el-rei de accordo, entendeu que lhe
+não cumpria mais aporfiar na guerra, nem estar mais tempo no reino e
+preitejou com el-rei, que lhe desse cartas de seguro para se ir para
+França: e a el-rei prouve disto, e deu-lh'as.
+
+E soube o conde como el-rei mandara ao infante Dom João e a Diego Perez
+Sarmento seu adiantado-mor, e a todos os outros cavalleiros e officiaes
+das comarcas por onde elle cuidava que o conde fosse, que lhe tivessem o
+caminho e o matassem; assim como depois matou todos os senhores e homens
+de estado que foram na companhia da demanda que se levantou contra elle
+por razão da rainha Dona Branca.
+
+E o conde partiu de Galliza, e foi pelas Asturias, por quanto por
+aquella comarca não havia mandamento d'el-rei, pensando elle pouco que
+fosse por alli, e passou trigosamente, e foi-se pela Biscaia, onde
+estava Dom Tello seu irmão, e d'ahi se passou por mar á Rochella, onde
+achou el-rei de França, que havia guerra com os inglezes, e tomou d'elle
+soldo.
+
+E d'esta guisa foi sua desavença com el-rei Dom Pedro seu irmão, e
+partida do reino de Castella, durando n'estas desavenças, todas que
+ouvistes n'este capitulo, passados de sete annos.
+
+
+
+
+*CAPITULO XVIII*
+
+_Como e por qual aso se começou a guerra entre Castella e Aragão_.
+
+
+Andando em sete annos que el-rei Dom Pedro de Castella reinava, na era
+de mil e trezentos e noventa e quatro, estando el-rei em Sevilha, mandou
+armar uma galé para ir folgar e vêr a pescaria que faziam nas covas das
+almadravas. E foi em uma galé a São Lucas de Barrameda, e achou ahi, no
+porto, dez galés de catalães e um lenho de que era capitão um cavalleiro
+aragonez, que diziam Mosse Frances de Emperellores, as quaes iam, por
+mandado de el-rei de Aragão, em ajuda de el-rei de França contra el-rei
+de Inglaterra.
+
+E entrando elle capitão n'aquelle porto por tomar refresco, achou ahi
+dois baixeis de plazentinos carregados de azeites, que iam para
+Alexandria, e tomou os, dizendo que eram navios de genovezes, com que os
+catalães haviam guerra então.
+
+El-rei lhe mandou dizer que pois aquelles baixeis estavam em seu porto,
+que os não quizesse tomar, ao menos por sua honra d'elle, pois estava de
+presente. E elle respondeu que aquellas gentes eram inimigos d'el-rei
+d'Aragão, e que os podia tomar de boa guerra. E el-rei lhe mandou dizer,
+outra vez, que fosse certo, se os deixar não quizesse, que mandaria
+prender em Sevilha todos os mercadores catalães que ahi eram, e
+tomar-lhes todos seus bens.
+
+O capitão das galés por tudo isto não o quiz fazer, e vendeu logo alli
+os baixeis por setecentas dobras, e foi-se seu caminho, sem mais falar a
+el-rei.
+
+E el-rei houve d'isto grande melancolia, e não sem razão, mas a vingança
+foi desarrazoada; porque assim como de pequena faisca se accende grande
+fogo, achando coisa disposta em que obre, assim el-rei Dom Pedro com
+destemperada sanha, por tomar d'aquillo vingança, moveu crua guerra
+contra Aragão, de sangue e fogo, por muitos annos, como ora brevemente
+ouvireis; cá elle mandou logo prender em Sevilha todos os mercadores
+catalães que ahi eram, e escrever lhes todos seus bens, e outro dia
+partiu-se á pressa por terra, e fel-os todos pôr em cadeias, e vender
+quanto lhes acharam.
+
+E mandou logo a el-rei de Aragão fazer-lhe queixume de Mosse Frances, da
+pouca honra e cortezia que n'elle achara, mandando-lh'o rogar por duas
+vezes, e que porém lhe requeria que lh'o entregasse para d'elle haver
+emenda, e anadiu mais que tirasse uma commenda que dera a Dom Pedro
+Moniz de Godoi, que era homem a que bem não queria, e se estas cousas
+fazer não quizesse, que fosse certo que lhe faria guerra.
+
+E el-rei de Aragão deu sua resposta, que lhe pesava do nojo que a el-rei
+fôra feito, e que como aquelle cavalleiro tornasse para seu reino, que
+elle o ouviria e faria justiça, de guisa que el-rei de Castella fosse
+contente; e que a commenda que havia dada a Dom Pedro Moniz, pois a
+el-rei não prazia d'ello, que cataria outra cousa de que lhe fizesse
+mercê, mas que até que al lhe désse, que lh'a não podia tirar sem grande
+sua mingua.
+
+O mensageiro, que bem sabia a vontade de el-rei Dom Pedro, não foi
+contente d'esta resposta, e desafiou o logo, e seu reino.
+
+El-rei de Aragão disse que el-rei de Castella não havia justa razão para
+fazer isto, e que o deixava em juizo de Deus, e mandou logo aperceber
+sua terra.
+
+
+
+
+*CAPITULO XIX*
+
+_Como el-rei de Castella entrou por Aragão e das cousas que fez n'este
+anno_.
+
+
+El-rei de Castella, emquanto mandou a Aragão o recado que haveis ouvido,
+antes que a resposta de lá viesse, com desejo de tomar vingança, mandou
+á pressa armar sete galés e seis naus; e metteu-se el-rei n'ellas,
+cuidando de achar na costa de Portugal aquelle cavalleiro, e chegou até
+Tavira, e soube que era passado, e tornou-se para Sevilha; e mandou
+el-rei as galés á ilha de Iviça, e começou-se a guerra por todas as
+partes.
+
+N'isto começou-se a era de mil trezentos e noventa e cinco, em cuja
+sesão morreu el-rei Dom Affonso de Portugal, a que este rei Dom Pedro,
+seu neto, mandara pedir ajuda para esta guerra, segundo antes havemos
+contado; e vendo el-rei de Aragão a não boa maneira que el-rei de
+Castella com elle queria ter, fel-o saber ao conde Dom Henrique e a
+alguns cavalleiros castelhanos que andavam em França por medo de el-rei
+Dom Pedro, e o conde com elles vieram-se para elle, e el-rei os recebeu
+mui bem e deu ao conde certos castellos em que tivesse suas gentes, e
+soldo para oitocentos de cavallo.
+
+El-rei de Castella, como isto soube, partiu de Sevilha e entrou por
+Aragão, e tomou alguns castellos, e tornou-se para Deça, uma sua villa
+na fronteira de Aragão; e acendia-se a guerra cada vez mais.
+
+E alli chegou a elle o cardeal Dom Guilhem, legado do papa Innocencio,
+para pôr avença entre elles, e não podendo fazer que cessasse a guerra
+de todo, por as cousas mui graves de outorgar que el-rei Dom Pedro
+requeria a el-rei de Aragão, fez entanto uma tregua de quinze dias, os
+quaes durando, tomou el-rei Dom Pedro a cidade de Taraçona. E o cardeal
+se aggravou contra el-rei, dizendo que emquanto elle fôra falar a el-rei
+de Aragão, durando ainda os dias da tregoa, tomara elle aquella cidade,
+e el-rei dizendo que já eram passados, e o cardeal dizendo que não,
+ficou o lugar por el-rei bem fornecido de gentes.
+
+E d'esta segunda vez que el-rei entrou em Aragão e tomou a cidade de
+Taraçona, se vieram para elle muitas gentes de seus reinos e alguns
+inglezes, em guisa que eram sete mil de cavallo e dois mil ginetes e
+muita gente de pé.
+
+E vendo o cardeal que não podia entre os reis tratar firme paz, ordenou
+que houvessem tregua por um anno, e foi apregoada uma segunda-feira, dez
+dias de maio d'esta era, e el-rei veiu-se então a Sevilha por mandar
+fazer galés, e encaminhar de fazer armada no anno seguinte, tanto que as
+treguas fossem saidas.
+
+N'este comenos, durando a tregua, tratou Pero Carrilho, que vivia com o
+conde Dom Henrique, suas avenças com el-rei Dom Pedro, que o herdasse em
+seu reino e que se viria para elle; e a el-rei prouve, e fel-o assim. E
+Pero Carrilho, desde que segurou por alguns dias, guisou como pudesse
+levar a condessa Dona Joanna, que estivera presa desde que el-rei tomara
+a villa de Toro, para o conde seu marido, e foi assim de feito que a
+levou.
+
+E d'esta guisa cobrou o conde sua mulher, e pesou muito a el-rei Dom
+Pedro quando soube que a assim levaram.
+
+
+
+
+*CAPITULO XX*
+
+_Como el-rei Dom Pedro fez matar o mestre de São Thiago Dom Fradarique,
+seu irmão, no alcaçar de Sevilha_.
+
+
+Se dizem que o que faz nojo a outrem escreve o que faz no pó, e o
+injuriado em pedra marmore, bem se cumpriu isto em el-rei Dom Pedro; cá
+elle movido por sobejo queixume contra seus irmãos e outros do reino,
+por aso da tenção que tomaram em favor da rainha Dona Branca e contra os
+parentes de Dona Maria de Padilha, segundo ouvistes (que já em tempo
+havia mais de trez annos, andando então a era em mil e trezentos e
+noventa e seis,) ordenou em Sevilha, alli onde estava, de matar o mestre
+de São Thiago Dom Fradarique, seu irmão, e mandou-o chamar onde vinha da
+guerra que fôra tomar a villa de Jumilha, que é no reino de Murcia, por
+lhe fazer serviço.
+
+E no dia que o mestre havia de chegar á cidade, chamou el-rei em sua
+camara o infante Dom João, seu primo, e tomou-lhe juramento sobre a Cruz
+e os Evangelhos, e descobriu-lhe como o queria matar, rogando-lhe que o
+ajudasse a fazer tal obra, e ter-lh'o-hia em serviço, e como fosse
+morto, que logo entendia de ir a Biscaia matar o outro irmão Dom Tello,
+e dar-lhe a elle as suas terras. O infante Dom João respondeu que lhe
+tinha em grande mercê querer fiar d'elle seus segredos, e que lhe prazia
+muito do que tinha ordenado, e era contente de o fazer assim.
+
+N'isto chegou Dom Fradarique, antes de comer, uma terça-feira, vinte e
+nove dias de maio, e como chegou de caminho foi logo vêr el-rei, que
+estava no alcaçar da cidade jogando as tabolas, e beijou-lhe a mão e
+muitos cavalleiros com elle. E el-rei o recebeu mui bem, mostrando-lhe
+boa vontade, e perguntou-lhe d'onde partira, e que pousadas tinha. O
+mestre disse que partira de Santilhana, que são d'alli cinco leguas, e
+que as pousadas cuidava que seriam boas. E el-rei, porque entraram
+muitos com o mestre, disse que se fosse aposentar, e depois se viria
+para elle.
+
+O mestre partiu-se, e foi vêr Dona Maria de Padilha e as sobrinhas, que
+estavam em outra parte dos paços, e d'alli se veiu ao curral onde
+deixara as bestas, e não achou ahi nenhuma, cá assim fora mandado aos
+porteiros.
+
+O mestre não sabendo se tornasse a el-rei, ou que fizesse, disse-lhe um
+seu cavalleiro, suspeitando mal de tal feito, que se saisse pelo postigo
+do curral, que estava aberto, cá lhe não minguaria besta se fosse fóra.
+Elle cuidando se o faria, vieram-lhe dizer que o chamava el-rei, e elle
+começou de tornar para el-rei, pero espantado, receando-se muito. E como
+ia entrando pelas portas dos paços e das camaras, assim ia cada vez mais
+desacompanhado, em guisa que quando chegou onde el-rei estava, não ia
+com elle salvo o mestre de Calatrava. E estiveram á porta ambos, e não
+lhes abriram; e pero lhe todas estas cousas apresentavam mensagem de
+morte, vendo-se sem culpa, tomava já em si quanto de esforço.
+
+N'isto abriram o postigo do paço onde el-rei estava, e el-rei disse a
+Pero Lopez de Padilha, seu bésteiro-mór, que prendesse o
+mestre.--Senhor, disse elle,--qual d'elles?--O mestre de São
+Thiago,--disse el-rei. E elle travou d'elle, dizendo:--Sêde preso!
+
+O mestre ficou espantado, e quando ouviu outra vez que el-rei dizia aos
+bésteiros da maça que o matassem, desenvolveu-se de Pero Lopez, que o
+tinha preso, e houve-se no curral; e quiz tirar a espada que tinha na
+cinta, e foi sua ventura que não poude, por aso do tabardo que tinha
+vestido, e andando muito rijo de uma parte á outra, não o podiam ferir
+os bésteiros com as maças, até que o houveram de ferir, e caiu em terra
+morto.
+
+El-rei, quando viu o mestre jazer em terra, saiu pelo alcaçar cuidando
+achar alguns dos seus para os matar, e não os achou, cá eram fugidos e
+escondidos. E achou no paço onde estava Dona Maria de Padilha, Sancho
+Diaz de Vilhegas, camareiro-mór do mestre, que se acolhera alli quando
+ouviu dizer que o matavam, e tomou Dona Beatriz, filha de el-rei, nos
+braços, cuidando por ella escapar da morte, e el-rei fez-lh'a tirar das
+mãos, e deu-lhe com uma brocha que trazia, e matou-o. E tornou-se onde
+jazia o mestre, e achou que não era bem morto, e fel-o matar a um seu
+moço da camara: d'ahi, foi-se assentar a comer.
+
+E mandou logo n'esse dia, pelo reino, que matassem estas pessoas, a
+saber: em Cordova, a Pero Cabrera, um cavalleiro que ahi morava, e um
+jurado que diziam Fernando Affonso de Gachete; e mandou matar Dom Lopo
+Sanchez de Vendano, commendador-mór de Castella; e mataram, em
+Salamanca, Affonso Jofre Tenorio; e em Toro, Affonso Perez Fermosilhe; e
+mataram, em Mora, Gonçalo Mendez de Toledo. E estes dizia el-rei que
+mandava matar porque foram da parte da rainha Dona Branca; e pero lhes
+el-rei havia já perdoado, não curando do que promettera, mandou a todos
+cortar as cabeças.
+
+
+
+
+*CAPITULO XXI*
+
+_Como el-rei partiu de Sevilha por tomar Dom Tello, seu irmão, para o
+matar; e como matou o infante Dom João, seu primo_.
+
+
+Estando el-rei ainda comendo, mandou chamar logo o infante Dom João, seu
+primo, e disse-lhe em segredo como, tanto que comesse, queria partir
+para Biscaia, por ir matar Dom Tello, seu irmão, e que se fosse com
+elle, e dar-lhe-ia o senhorio d'aquella terra.
+
+O infante, não embargando que estivesse casado com Dona Isabel, irmã da
+mulher do conde Dom Tello, prouve-lhe muito com taes novas, e beijou as
+mãos a el-rei por ello, cuidando pouco no que lhe elle tinha ordenado: e
+el rei partiu logo, e o infante com elle, e foi em sete dias em Aguilar
+do Campo, onde Dom Tello estava.
+
+E Dom Tello andava aquelle dia ao monte, e um seu escudeiro, quando viu
+el-rei foi-lh'o logo dizer, tossemente. E elle fugiu á pressa, e chegou
+a Bermeto uma sua villa ribeira do mar, e entrou em pinaças de
+pescadores, e foi-se para Bayona de Inglaterra.
+
+El-rei, cuidando de o tomar, seguiu o caminho por onde elle fôra, e
+aquelle dia que Dom Tello chegou a Bermeo e entrou no mar, esse dia
+chegou el-rei, e entrou em outros navios, cuidando de o alcançar. O mar
+era um pouco buliçoso, e el-rei anojou-se, e deixou de o seguir porque
+ia mui longe, e tornou-se em terra, e prendeu Dona Joanna, sua mulher.
+
+O infante Dom João, quando viu Dom Tello por esta guisa partido, disse a
+el-rei que bem sabia sua mercê como lhe dissera em Sevilha que queria
+matar Dom Tello, e dar-lhe a terra de Biscaia, que era sua, e que pois
+Dom Tello era fóra do reino sem sua graça, que fosse sua mercê de lh'a
+dar como lhe promettera. E el-rei disse que mandaria aos biscainhos que
+se ajuntassem, como haviam de costume, e que elle iria lá, e lhe
+mandaria que o tomassem por senhor. E o infante, com leda esperança de
+cobrar a terra, lhe beijou as mãos por isto, tendo-lh'o em grande mercê.
+
+Os biscainhos indo para se ajuntar onde haviam de costume, falou el-rei
+com os maiores d'elles, dizendo-lhes em segredo que respondessem, quando
+elle propuzesse para dar a terra a Dom João, que não queriam outro
+senhor salvo el-rei; e elles disseram que assim o fariam.
+
+Elles juntos, bem dez mil, propoz el-rei muitas razões por parte do
+infante seu primo, como a terra de Biscaia lhe pertencia por direito,
+por aso do casamento de sua mulher, e que lhes rogava e mandava que o
+tomassem por senhor: elles responderam que nunca tomariam outro senhor
+salvo el-rei de Castella, e que nenhum lhes fallasse em outra cousa. E
+el-rei disse então ao infante, que bem via as vontades d'aquelles
+homens, que o não queriam haver por senhor, porém, que elle iria a
+Bilbao, e que ainda tornaria outra vez a falar com elles que o tomassem
+por senhor. O infante começou de entender que isto era encoberta que el
+rei fazia, e teve-se por mal contente.
+
+El-rei em Bilbao, mandou em outro dia chamar o infante, e elle veiu, e
+entrou só na camara, e ficaram dois seus á porta; e os que sabiam parte
+de sua morte começaram de joguetear com elle, por lhe tomarem um pequeno
+cutello que trazia, e assim o fizeram; e Martim Lopez, camareiro-mór de
+el-rei, abraçou-se então com o infante, e um bésteiro deu-lhe com uma
+maça na cabeça, e dês-ahi outros, e caiu o infante morto: e foi isto uma
+terça-feira, havendo quinze dias que o mestre Dom Fradarique fôra morto
+em Sevilha. E el-rei mandou-o deitar na rua por uma janella da casa onde
+pousava, e disse aos biscainhos que estavam ahi juntos:--Vêdes ahi o
+vosso senhor de Biscaia, que vos demandava por seus?
+
+Isto feito, mandou logo el-rei João Fernandes de Hinestrosa que se fosse
+a Roa, onde estavam a rainha de Aragão, sua tia, madre do dito infante,
+e Dona Isabel, sua mulher, e que as prendesse ambas, não sabendo parte a
+madre do filho, nem a mulher do marido. E foram presas em um dia, e
+el-rei chegou no outro, e fez-lhes tomar quando tinham, e mandou-as
+presas a Castro Exariz; e d'alli partiu-se, e veiu-se a Burgos, onde
+esteve uns oito dias, e alli lhe trouxeram as cabeças d'aquelles que
+ouvistes que mandara matar pelo reino, quando o mestre Dom Fradarique
+foi morto.
+
+
+
+
+*CAPITULO XXII*
+
+_Como foi quebrada a tregua de um anno que havia entre os reis, e como
+el-rei Dom Pedro juntou armada por fazer guerra a Aragão_.
+
+
+Nós não dissemos a morte do mestre Dom Fradarique e do infante Dom João,
+da guisa que ora ouvistes, por nos prazer contar crueldades, mas
+puzemol-as um pouco assim compridas, mais que dos outros, porque eram
+notaveis pessoas, e vêrdes o geito que el-rei teve em os matar.
+
+Onde sabei, que por este aso não embargando que ainda durasse a tregua
+de um anno, que o cardeal puzera entre el-rei Dom Pedro e el-rei de
+Aragão, que tanto que o conde Dom Henrique soube como Dom Fradarique,
+seu irmão, era morto, e isso mesmo disseram ao infante Dom Fernando,
+marquez de Tortosa, da morte do infante Dom João, seu irmão, juntaram
+logo suas gentes, e entraram por Castella. E o conde entrou por terra de
+Soria, e chegou á villa de Seiron, e a rombou, e combateu o castello e
+alcaçar cuidando de o tomar, e tornou-se para Aragão; e o infante Dom
+Fernando entrou pelo reino de Murcia, e fez muito damno n'aquella terra.
+
+El-rei soube isto em Valhadolid, e pôz logo fronteiros contra Aragão, e
+veiu-se a Sevilha, e fez armar á pressa doze galés; e em as armando,
+chegaram seis galés de genovezes, que então haviam guerra com os
+catalães, e prouve muito a el-rei com ellas, e tomou-as a soldo, dando
+por mez a cada uma mil dobras cruzadas. E com estas dezoite galés chegou
+a uma villa, que chamam Guadamar, que era do infante Dom Fernando, e fez
+el-rei uma manhã, que eram dezesete dias de agosto, sair muita gente de
+todas as galés para combater a villa, e pero fosse bem cercada, tomou-a
+por força, e acolheram-se muitos ao castello.
+
+E estando o combatendo, á hora do meio dia, alçou-se um vento mui forte,
+que é travessia n'aquella terra, e como as galés estavam sem gente, deu
+com todas a travez á costa, que não escaparam mais de duas que jaziam
+dentro no mar, uma d'el-rei e outra dos genovezes. E ás dezeseis mandou
+el-rei pôr o fogo, porque se não podiam reparar: e dos remos, e outros
+apparelhos, não se salvou senão mui pouco, que pozeram em uma nau de
+Laredo, que ahi estava. E houve el-rei, e os patrões dos galés, bestas
+em que partiram d'alli, das gentes de Guterre Gomez de Toledo, que
+chegara ahi, elle e outros, com seiscentos de cavallo; e foi-se el-rei
+mui triste com este acontecimento, e todos os das galés de pé com elle,
+mui nojosos.
+
+E chegou el-rei a Murcia, e foram-se os genovezes para sua terra em
+navios de Cartagena, e el-rei mandou logo a Sevilha que fizessem á
+pressa galés. E em oito mezes foram feitas doze galés novas, e reparadas
+quinze d'outras que estavam nas tercenas; e fez fazer muitas armas e
+grande almazem, e mandou perceber todos os navios do reino que não
+fretassem para nenhuma parte.
+
+E partiu el-rei de Murcia, e foi-se á fronteira de Aragão, e ganhou
+alguns castellos, e tornou-se para Sevilha: e foi esta a quarta vez que
+el-rei Dom Pedre entrou em Aragão.
+
+
+
+
+*CAPITULO XXIII*
+
+_Como veiu o cardeal de Bolonha para fazer paz entre el-rei de Castella
+e el-rei de Aragão, e os não poude pôr de accordo_.
+
+
+Estando el-rei Dom Pedro assim em Sevilha, soube como Dom Guilhem,
+cardeal de Bolonha, era na villa de Almaçan, por tratar paz entre elle e
+el-rei de Aragão. E fez saber o cardeal a el-rei se lhe prazia de ir a
+Sevilha, onde elle estava, ou se aguardaria alli por elle, havendo de ir
+para aquella comarca.
+
+E el-rei era já partido de Sevilha para a fronteira de Aragão, quando
+lhe chegou este recado em Villa Real, e disse que lhe prazia muito com
+sua vinda, e que o aguardasse n'aquella villa, cá elle ia direitamente
+para ella. E foi assim que chegou ahi el-rei a poucos dias, e falou o
+cardeal a el-rei, presentes os do seu conselho, tudo o que lhe o papa
+enviava dizer, assim do nojo que tomava pela guerra em que eram elle e
+el-rei de Aragão, como do grão prazer que haveria se os visse postos em
+paz.
+
+El-rei respondeu que a guerra que elle havia com el-rei de Aragão era
+muito por sua culpa, e contou ao cardeal o que lhe adviera com o capitão
+de suas galés na foz de Barrameda de San Lucar, como já ouvistes, e como
+fizera saber tudo a el-rei de Aragão, e que nunca quizera tornar a ello
+como devia, e demais, que mandara a França por todos seus inimigos, para
+lhe fazer com elles guerra.
+
+O cardeal disse que queria ir falar a el-rei de Aragão sobre isto, e
+el-rei disse que lhe prazia, e que de boamente haveria com elle paz,
+fazendo el-rei de Aragão estas cousas: primeiramente, que lhe entregasse
+aquelle cavalleiro, para d'elle fazer justiça onde elle quizesse, e que
+lançasse fóra do reino o infante Dom Fernando, marquez de Tortosa, seu
+irmão, e mais D. Henrique, conde de Trastamara, e todos os outros que
+vieram em ajuda da guerra, e que lhe desse os castellos de Oriola e
+Alicante, e outros logares que foram de Castella antigamente, e mais
+pelas despezas que fizera na guerra lhe tornasse quinhentos mil florins.
+
+O cardeal, pero lhe isto parecessem cousas desarrazoadas, disse que lhe
+prazia de tomar cargo de ir falar a el-rei de Aragão sobre ello; e
+chegou a Aragão e contou a el-rei, por miudo, todas as cousas que lhe
+el-rei dissera.
+
+El-rei de Aragão respondeu, dizendo assim:--Cardeal amigo, bem vêdes vós
+que se elle houvesse vontade de haver comigo paz, que me não demandaria
+taes cousas como me envia requerer; cá o cavalleiro não é direito que
+lh'o entregue para o matar, pois não fez por quê; mas isto quero fazer,
+mande-o accusar por direito, e se for achado que merece morte, eu lh'o
+quero entregar preso, que o mande matar em seu reino. Ao que diz que
+envie eu fóra de meu reino Dom Henrique, Dom Tello, e Dom Sancho, seus
+irmãos, pois são seus inimigos, digo que me praz, se ficar com elle de
+accordo, mas desterrar fóra do reino o infante Dom Fernando, meu
+legitimo irmão, isto me parece estranho de pedir. Os logares que me
+requere que lhe entregue, não tenho razão por quê, cá foram julgados a
+este reino por sentença de el-rei Dom Diniz de Portugal, e pelo infante
+Dom João de Castella, presentes muitos fidalgos de seu reino, e elle e
+eu temos cartas de como foram partidos. As despezas que fez na guerra
+não sou tido de lhe pagar, cá se não começou por minha vontade, antes me
+pezou muito, e peza, de haver entre mim e elle tal desvairo; mas tanto
+lhe farei, se houvermos paz, que havendo elle guerra com el-rei de
+Granada ou de Bellamarin, que o quero ajudar seis annos com dez galés
+armadas á minha custa quatro mezes cumpridos, e se mouros passarem, e
+lhe convier pôr a praça, que o ajude com meu corpo e gentes, e ser com
+elle no dia da batalha. De outra guisa, dizei que lhe requeiro, da parte
+de Deus, que me não queira fazer guerra, pois justa razão não tem, e se
+o de outra guisa fizer, deixo tudo na ordenança e justiça de Deus.
+
+Tornou o cardeal a el-rei de Castella, e contou-lhe isto que ouvistes, e
+el-rei começou-se de queixar, dizendo que el-rei de Aragão não prezava a
+guerra, nem se queria chegar para haver avença com elle, mas que d'esta
+vez provaria cada um para quanto era, porém, por elle entender que lhe
+prazia de haver paz, que elle se partia das outras cousas que demandava,
+e que lhe desse os cinco logares que lhe requeria, e que lançasse de seu
+reino seus irmãos e as gentes que eram com elles.
+
+O cardeal foi d'isto mui lêdo, tendo que pois se el-rei D. Pedro descia
+do que á primeira dissera, que poderia aproveitar n'este tratamento, e
+foi-se a Calatayud, onde el-rei de Aragão estava, e contou-lhe como
+el-rei, por bem de paz, requeria sómente estas duas cousas.
+
+El-rei de Aragão houve accordo com os do seu conselho, e disse que as
+gentes todas lançaria fóra mas que nenhuma villa nem castello não
+entendia de dar de seu reino, e que el-rei de Castella devia ser bem
+contente da primeira resposta.
+
+Quando o cardeal tornou com este recado, foi el-rei Dom Pedro mui
+sanhudo, dizendo que tudo eram razões, pelo estorvar da armada que fazer
+queria, e porém disse ao cardeal que lhe perdoasse, cá não entendia de
+falar mais n'isto, mas continuar sua guerra o mais que pudesse. Ao
+cardeal pezou muito de tal resposta, e não podendo mais fazer, cessou de
+falar em ello.
+
+El-rei Dom Pedro mui sanhudo, por tomar logo alguma vingança, passou por
+sentença contra o infante Dom Fernando, seu primo, e contra o conde Dom
+Henrique, e outros cavalleiros muitos, por a qual razão os perdeu então
+de todo ponto, e o peior d'isto: mandou matar a rainha Dona Leonor, sua
+tia, madre do dito infante Dom Fernando, e Dona Joanna de Lara, mulher
+de Dom Tello, seu irmão; nas quaes cousas cumpriu sua vontade, e não fez
+muito de seu serviço. E depois que mandou fazer estas e outras cousas,
+pôz seus fronteiros contra Aragão, e partiu de Almaçan, e veiu-se a
+Sevilha.
+
+
+
+
+*CAPITULO XXIV*
+
+_Como el-rei de Castella enviou pedir ajuda de galés a el-rei de
+Portugal, e como partiu com sua frota por fazer guerra a Aragão_.
+
+
+Sendo el-rei de Castella em tal desaccordo com el-rei de Aragão, e tendo
+vontade de fazer grande armada contra seu reino em este anno de mil e
+trezentos e noventa e sete, pero assaz de frota tivesse, assim de naus
+como de galés, não foi d'isto ainda contente, e mandou dizer a el-rei de
+Portugal, seu tio, por João Fernandez de Hinestrosa, seu camareiro-mór,
+que lhe rogava que as dez galés, que lhe promettidas havia de dar em
+ajuda contra Aragão, que as mandasse fazer prestes, cá lhe eram muito
+cumpridoras.
+
+A el-rei prouve muito d'ello, e mandou logo armar de boas gentes dez
+galés e uma galeota, e o seu almirante Misser Lançarote em ellas.
+
+El-rei como soube que as dez galés de Portugal eram prestes, partiu de
+Sevilha no mez de abril meiado, com toda sua armada junta, a qual eram
+oitenta naus de castello d'avante, e vinte e oito galés suas, e duas
+galeotas e quatro lenhos, e mais tres galés d'el-rei de Granada, que lhe
+enviara em ajuda a seu requerimento.
+
+E esteve el-rei em Aljazira quinze dias, aguardando pelas galés de
+Portugal, e quando viu que não vinham, partiu para Cartagena, e alli
+esperou todas suas naus; e foi sobre Guadamar, e tomou a villa e o
+castello, e d'alli foi pela costa, combatendo alguns logares que tomar
+não poude, e chegou ao rio de Ebro, a cerca de Tortosa, cidade de
+Aragão, e alli chegaram as dez galés de Portugal, que lhe el-rei seu tio
+enviava em ajuda. E prouve muito a el-rei com ellas, e a todos os da
+frota, e tinha el-rei então, por todas, quarenta e uma galés, afóra as
+fustas pequenas.
+
+E partiu el-rei d'alli com toda armada e chegou a Barcelona, uma vespera
+de paschoa, onde estava el-rei de Aragão; e achou doze galés armadas, e
+não as poude tomar, cá se puzeram todas a travez, junto com a cidade, e
+d'alli as defendiam com muita bésteria e trons.
+
+E esteve el-rei ante Barcelona, com toda sua frota, tres dias, e d'alli
+se foi á ilha de Iviça, e cercou uma boa villa que ha assim nome; e
+tendo-a afincada com engenhos e bastidas, soube como el-rei de Aragão
+tinha armadas quarenta galés com que estava na ilha de Mayorca, e queria
+pelejar com elle.
+
+E el-rei de Castella, como isto soube, disse que lhe não cumpria estar
+mais em terra, nem curar de cerco d'aquelle logar, pois todo o feito da
+guerra havia de haver fim por aquella batalha, em que os reis haviam de
+ser por seus corpos. E fez logo recolher toda sua gente á frota, e
+metteu-se el-rei n'uma grande galé, que fôra dos mouros, que passava
+quarenta cavallos sob sota, e mandou fazer n'ella tres castellos de
+madeira, um na pôpa e outro na prôa, e um na metade, e pôz n'ella cento
+e sessenta homens d'armas e cento e vinte bésteiros. E partiu el-rei, de
+Iviça, com toda sua frota, e veiu-se a um logar que dizem Calpe, e alli
+ancoraram as naus e galés a cerca de terra, traz uma alta penha que ahi
+ha, de guisa que se não podiam ver, salvo de perto.
+
+As galés de Aragão appareceram d'alli á vella até duas leguas, pouco
+mais ou menos, dentro no mar, e eram quarenta sem outros navios, e não
+vinha el-rei n'ellas, cá os seus não quizeram, e ficou em Mayorca. Ellas
+não haviam vista da frota de Castella, por aso d'aquella grande penha
+que as amparava; e vinham todas á vella, n'esta ordenança: em meio
+d'ellas eram duas galés grossas, com castellos feitos de que pelejassem,
+e n'uma vinha o conde de Cardona, e n'outra Dom Bernardo de Cabrera,
+almirante de Aragão; e duas galés de guarda vinham diante por grão
+espaço das outras; e muitas gentes de pé e de cavallo, por terra, para
+as ajudarem se mister fizesse.
+
+As duas galés, que vinham diante, como houveram vista das naus e frota
+de Castella, calaram as vellas e tomaram os remos; as outras todas, como
+isto viram, fizeram logo por aquella guisa por se ordenarem á sua
+vontade; e sabendo parte das naus que ahi eram, de que houveram mui
+grande receio, não as ousaram de attender no mar, e logo essa tarde, á
+hora de vespera, se metteram todas no rio de Denia.
+
+El-rei Dom Pedro fez logo fazer todos os seus prestes, cuidando outro
+dia de haver batalha; e o mar era tão sem vento que se não podia
+aproveitar das naus; e havido seu conselho, em que eram desvairados
+accordos, determinou que pois a armada dos imigos jazia em tal rio, que
+por sua estreitura não podia pelejar com elles, que se fossem entanto
+para Alicante, por vêr se quereriam depois pelejar.
+
+E el-rei como d'alli partiu com a sua frota, e as galés de Aragão
+vieram-se lançar em Calpe, onde a frota de Castella jazera primeiro.
+
+
+
+
+*CAPITULO XXV*
+
+_Como se partiu o almirante de Portugal com as dez galés, e como el-rei
+Dom Pedro desarmou a frota; e de outras cousas_.
+
+
+Havendo seis dias que el-rei de Castella estava em Alicante, e vendo que
+a armada de Aragão não apparecia, partiu d'aquelle logar e veiu-se para
+Cartagena. E alli disse o almirante de Portugal a el-rei, que seu
+senhor, el-rei de Portugal, lhe mandára que estivesse com aquellas suas
+dez galés tres mezes, onde quer que o elle mandasse, e que pois os tres
+mezes eram já passados, que não ousaria mais de estar alli, nem passaria
+mandado de seu senhor.
+
+El-rei Dom Pedro, quando isto ouviu, pezou-lhe muito, cá não quizera que
+tão asinha partira, e não podendo fazer que se tivesse alli mais,
+deu-lhe licença que se fosse.
+
+E como se as galés de Portugal partiram, accordou el-rei de deixar a
+frota e ir-se por terra para Castella, e mandou as galés todas a
+Sevilha, e deu logar ás náus que se partissem, e elle veiu-se para
+Outerdesilhas, onde estava Dona Maria de Padilha, madre de seus filhos.
+
+As galés de Aragão, como souberam que el-rei de Castella desarmara a
+frota, desarmaram elles trinta galés suas, e deixaram dez que andassem
+pelo mar, por fazer damno a alguns navios de Portugal ou de Castella: e
+foi assim que o fizeram a alguns, mas poucos porém, e em pequenos
+navios.
+
+N'esta sesão, no mez de setembro, o conde Dom Henrique, e Dom Tello, seu
+irmão, e alguns fidalgos e cavalleiros de Aragão até oitocentos de
+cavallo, entraram por Castella por terra de Agreda, e Dom Fernando de
+Castro e João Fernandez de Hinestrosa, e outros, que estavam na
+fronteira da comarca de Almaçan, com uns mil e quinhentos de cavallo,
+sairam a elles. E foi de tal guisa que pelejaram a cerca de Moncayo. E
+foi vencido Dom Fernando de Castro, e morto João Fernandez de
+Hinestrosa, e outros bons fidalgos, e preso Inigo Lopez de Orosco, e
+outros.
+
+A el-rei Dom Pedro pezou d'isto muito, e seus inimigos cobraram grande
+esforço; e mandou n'este anno matar em Carmona, onde estavam presos, Dom
+João e Dom Pedro, seus irmãos, filhos d'el-rei Dom Affonso seu padre, e
+de Dona Leonor Nunez de Guzman: era Dom Pedro de quartoze annos, e Dom
+João de dezenove, moços innocentes que nunca lhe mal mereceram.
+
+E por aso d'estas mortes, e outras muitas que tendes ouvido, era el-rei
+Dom Pedro tão mal quisto de todos, e havendo d'elle tamanho medo, que
+por ligeira cousa se partiam d'elle, e se iam a Aragão para o conde Dom
+Henrique. Assim como fez Diego Perez Sarmento, e Pero Fernandez de
+Velasco, e outros, com muitas gentes que comsigo levaram; em tanto, que
+o conde disse a el-rei de Aragão que se quizesse ordenar uma boa
+companhia de gente, que elle entraria com elles por Castella, e que
+entendia de não achar quem lhe puzesse a praça: e quizera el-rei, de
+boamente, que se fizera, mas que levara o infante Dom Fernando, seu
+irmão, a capitania d'elles, e o conde Dom Henrique não quiz, e por tanto
+se não fez d'aquella vezada.
+
+
+
+
+*CAPITULO XXVI*
+
+_Como o cardeal de Bolonha quizera tratar paz entre os reis e não poude,
+e como as gentes d'el-rei Dom Pedro pelejaram com o conde e o
+desbarataram_.
+
+
+Tendo o cardeal de Bolonha, que andava em Aragão por avir estes reis,
+como el-rei Dom Pedro havia perdida parte de sua gente n'aquella batalha
+que houvera o conde Dom Henrique com Dom Fernando de Castro, e como se
+alguns cavalleiros partiam d'elle, e se iam para Aragão, teve que, por
+estas e outras razões, elle se chegaria a alguma boa avença para haver
+paz com el-rei de Aragão, e fez saber a ambos os reis se lhes prazeria
+de falar mais n'isto, e outorgou cada um que sim.
+
+O cardeal se veiu então para Tudella, que é do reino de Navarra, e
+chegou ahi Guterre Fernandez de Toledo por procurador d'el-rei de
+Castella, e Dom Bernardo de Cabrera, procurador d'el-rei de Aragão, e
+estiveram por dias, e não se avieram.
+
+El-rei Dom Pedro, como isto soube, partiu de Sevilha para Leon, por
+quanto lhe disseram que o conde Dom Henrique, e Dom Tello, e outros
+senhores de Aragão, se juntavam para entrar por Castella; e d'alli
+partiu, e veiu a Valhadolid, sabendo como já eram entradas aquellas
+gentes em seu reino, e mataram os judeus de Najara e d'outros logares, e
+roubavam as judiarias. E o conde chegou a Pancorvo e assocegou ahi
+alguns dias, e depois se partiu para Najara, e el-rei foi allá com seu
+poder, e pousou em um logar que chamam Acofra.
+
+E alli chegou a elle um clerigo de missa, natural de São Domingos da
+Calçada, e contou-lhe que São Domingos lhe dissera, em sonhos, que
+viesse a elle e lhe dissessé que fosse certo que não se guardando do
+conde Dom Henrique, que elle o havia de matar por sua mão. E el-rei
+cuidou que o clerigo lh'o dizia por induzimento, pero o clerigo dizia
+que não, e mandou-o queimar ante si.
+
+E partiu el-rei uma sexta-feira para Najara, onde o conde estava, e elle
+era fóra da villa com oitocentos de cavallo e dois mil homens de pé. E
+mandara pôr o conde, ante a villa, n'um outeiro, uma tenda e um pendão;
+e os d'el-rei que iam diante pelejaram com o conde e venceram-no, e
+tomaram a tenda e o pendão, e morreram ahi parte dos seus. E partiu-se
+el-rei, á tarde, para Acofra, onde tinha seu arrayal.
+
+E em outro dia, vindo para combater Najára, onde ficara o conde, achou
+no caminho um escudeiro que vinha fazendo pranto por um seu tio que lhe
+mataram, e el-rei houve-o por forte signal e não quiz lá ir, e tornou-se
+para São Domingos da Calçada.
+
+E d'ahi a dois dias lhe disseram que era partido o conde para Aragão,
+levando caminho de Navarra, e quizera-o el-rei seguir, e o cardeal lhe
+conselhou que o não fizesse, cá assaz abundava deixarem-lhe suas villas
+e irem-se. E el-rei mandou aos seus que estivessem quedos, e d'aquelle
+logar ordenou seus fronteiros para os logares onde cumpria, e veiu-se
+para Sevilha.
+
+Elle alli soube como um cavalleiro de Aragão, que chamavam Mateo
+Mercedi, andava no mar com quatro galés fazendo damno a castelhanos e a
+portuguezes, e fez armar cinco galés, e mandou n'ellas um seu bésteiro,
+que diziam Zorzo, natural de Tartaria, que fosse em busca d'aquelle
+corsario; e foi assim que o achou na costa da Berberia, onde pelejou com
+elle, e desbaratou-o e trouxe as galés e elle preso a Sevilha: e el-rei
+mandou-o matar, e muitos dos que vinham com elle.
+
+Mas ora deixemos el-rei em Sevilha, matando e prendendo quaes vos depois
+contaremos, e digamos algumas outras cousas que este anno aconteceram em
+Portugal, que nos parece que é bem que saibaes.
+
+
+
+
+*CAPITULO XXVII*
+
+_Como el-rei Dom Pedro de Portugal disse por Dona Ignez que fora sua
+mulher recebida, e da maneira que em ello teve_.
+
+
+Já tendes ouvido compridamente, onde falamos da morte de D. Ignez, a
+razão por que a el-rei Dom Affonso matou, e o grande desvairo que entre
+elle e este rei Dom Pedro, sendo então infante, houve por este aso. Ora,
+assim é, que emquanto Dona Ignez foi viva, nem depois da morte d'ella
+emquanto el-rei seu padre viveu, nem depois que elle reinou até este
+presente tempo, nunca el-rei Dom Pedro a nomeou por sua mulher; antes
+dizem que muitas vezes lhe enviava el-rei Dom Affonso perguntar se a
+recebera, e honral-a-ia como sua mulher, e elle respondia sempre que a
+não recebera, nem o era.
+
+E pousando el-rei, n'esta sesão, no logar de Cantanhede, no mez de
+junho, havendo já uns quatro annos que reinava, tendo ordenado de a
+publicar por mulher, estando ante elle Dom João Affonso conde de
+Barcellos, seu mordomo-mór, e Vasco Martins de Sousa, seu chanceller, e
+mestre Affonso das leis e João Esteves, privados, e Martim Vasques,
+senhor de Goes, e Gonçalo Mendes de Vasconcellos, e João Mendes, seu
+irmão, e Alvaro Pereira, e Gonçalo Pereira, e Diego Gomes, e Vasco Gomes
+de Abreu, e outros muitos que dizer não curamos, fez el-rei chamar um
+tabellião, e presentes todos, jurou aos Evangelhos, por elle
+corporalmente tangidos, que sendo elle infante, vivendo ainda el-rei seu
+padre, que estando elle em Bragança, podia haver uns sete annos, pouco
+mais ou menos, não se accordando do dia e mez, que elle recebera por sua
+mulher lidima, por palavras de presente, como manda a santa igreja, Dona
+Ignez de Castro, filha que foi de D. Pedro Fernandez de Castro, e que
+essa Dona Ignez recebera a elle por seu marido, por semelhaveis
+palavras, e que depois do dito recebimento a tivera sempre por sua
+mulher, até ao tempo de sua morte, vivendo ambos de commum, e fazendo-se
+maridança qual deviam.
+
+E disse então el-rei Dom Pedro, que porquanto este recebimento não fôra
+exemplado nem claramente sabido a todos os de seu senhorio, em vida do
+dito seu padre, por temor e receio que d'elle havia, que porém elle, por
+descarregar sua consciencia e dizer verdade, e não ser duvida a alguns,
+que do dito recebimento tinham não boa suspeita se fôra assim ou não:
+que elle dava de si fé e testemunho de verdade, que assim se passara de
+feito como dito havia, e mandou áquelle tabellião, que presente estava,
+que désse d'ello instrumentos a quaesquer pessoas que lh'os requeressem.
+E por então não se fez mais.
+
+
+
+
+*CAPITULO XXVIII*
+
+_Do testemunho que alguns deram no casamento de Dona Ignez, e das razões
+que sobre ello propoz o conde Dom João Affonso_.
+
+
+Passados trez dias que isto foi, chegaram a Coimbra Dom João Affonso
+conde de Barcellos, e Vasco Martins de Sousa, e mestre Affonso das leis,
+e no paço onde então liam de decretaes, sendo o estudo n'essa cidade,
+presente um tabellião, chamaram duas testemunhas, a saber, Dom Gil, que
+então era bispo da Guarda, e Estevam Lobato, criado d'el-rei, aos quaes
+disseram que, por juramento dos Evangelhos, dissessem a verdade do que
+sabiam em feito do casamento d'el-rei Dom Pedro com Dona Ignez. E
+perguntado cada um per si áparte, o bispo disse primeiramente, que
+andando elle com o dito senhor, e sendo então deão da Guarda, que
+n'aquelle tempo, sendo el-rei infante, e Dona Ignez com elle, pousavam
+na villa de Bragança, e que esse senhor o mandara chamar um dia á sua
+camara, sendo Dona Ignez presente, e que lhe dissera que a queria
+receber por sua mulher, e que logo, sem mais detença, o dito senhor
+puzera a mão nas suas d'elle, e isso mesmo a dita Dona Ignez, e que os
+recebera ambos por palavras de presente, como manda a santa igreja de
+Roma, e que os vira viver de commum até á morte d'essa Dona Ignez; e que
+isto poderia haver sete annos, pouco mais ou menos, mas que não se
+accordava do dia e mez em que fôra: e d'este feito não disse mais.
+
+Semelhavelmente foi perguntado Estevam Lobato, e disse que sendo el-rei
+infante e pousando em Bragança, que o mandara chamar á sua camara, e que
+lhe dissera que o mandara chamar porque sua vontade era de receber Dona
+Ignez, que presente estava, e que queria que fosse d'ello testemunha: e
+que o deão da Guarda, que já ahi estava, e outrem não, tomara o dito
+senhor por uma mão e ella por outra, e que então os recebera ambos por
+aquellas palavras que se costumam dizer em taes desposorios, e que os
+vira viver juntamente até ao tempo da morte d'ella; e que isto fôra em
+um primeiro dia de janeiro, podia haver sete annos, pouco mais ou menos.
+
+Tanto que estes foram perguntados e escripto seu dito, segundo ouvistes,
+fizeram logo juntar, que para isto já estavam presentes, Dom Lourenço,
+bispo de Lisboa, e Dom Affonso, bispo do Porto, e Dom João, bispo de
+Vizeu, e Dom Affonso, prior de Santa Cruz d'esse logar, e todos os
+fidalgos antes nomeados, com outros muitos que não dizemos, e os
+vigarios, e clerezia, e muito outro povo assim ecclesiastico como
+secular, que se para isto alli juntou. E feito silencio, a bem escutar,
+começou a dizer o conde Dom João Affonso:
+
+Amigos, deveis de saber que el-rei, nosso senhor que ora é, sendo
+infante, passa já de uns sete annos, estando então na villa de Bragança,
+sendo el-rei Dom Affonso, seu padre, vivo, recebeu por sua mulher
+lidima, por palavras de presente, Dona Ignez de Castro, filha que foi de
+Dom Pedro Fernandez de Castro, e ella isso mesmo recebeu a elle, e
+sempre a o dito senhor teve depois por sua mulher, fazendo-se maridança
+um ao outro, qual deviam, até ao tempo da sua morte. E porquanto estes
+recebimentos e casamento não foi exemplado a todos os do reino em vida
+do dito rei Dom Affonso, por medo e receio que seu filho d'elle havia,
+casando de tal guisa sem seu mandado e consentimento, porém agora
+el-rei, nosso senhor, por desencarregar sua alma e dizer verdade e não
+ser duvida a alguns que d'este casamento parte não sabiam se fôra assim
+ou não, fez juramento sobre os santos Evangelhos e deu de si fé e
+testemunho de verdade, que foi d'esta guisa que o eu digo, segundo
+vereis por um instrumento que d'isto tem feito Gonçalo Peres, tabellião,
+que aqui está; e mais vereis o dito do bispo da Guarda e de Estevam
+Lobato, que aqui estão, que foram presentes no dito casamento.
+
+Então lhe fez cumpridamente lêr todo o testemunho que ambos sobre ello
+deram.
+
+«E porque vontade d'el-rei, nosso senhor (disse elle) é que isto não
+seja mais encoberto, antes lhe praz que o saibam todos, por ser arredada
+grande duvida que sobre ello adiante poderia recrescer, porém me mandou
+que vos notificasse tudo isto, por tirar suspeita de vossos corações, e
+ser a todos claramente sabido. Mas porque não embargando tudo o que eu
+disse, e vos ora aqui foi lido e declarado, alguns poderão dizer que
+tudo isto não bastava se ahi dispensação não houve, por o grão divido
+que entre elles havia, sendo ella sobrinha d'el-rei nosso senhor, filha
+de seu primo coirmão, porém me mandou que vos certificasse de tudo, e
+vos mostrasse esta bulla que houve em sendo infante, em que o papa
+dispensou com elle, que pudesse casar com toda mulher, posto que lhe
+chegada fosse em parentesco, tanto e mais como Dona Ignez era a elle».
+
+Então publicaram perante todos uma letra do papa João XXII, que dizia em
+esta guisa:
+
+«João, bispo, servo dos servos de Deus. Ao muito amado, em Christo,
+filho infante Dom Pedro, primogenito do muito amado, em Christo nosso
+filho mui claro rei de Portugal e do Algarve Affonso, saude e
+apostolical benção. Se o rigor dos santos canones põe defeza e
+interdicto sobre a copula do matrimonial ajuntamento, querendo que se
+não faça entre aquelles que por algum divido de parentesco são
+conjunctos, por guarda da publica honestidade; aquelle porém que é ás
+vezes bispo de Roma, de poderio absoluto, em lugar de Deus dispensando,
+pode por especial graça pôr temperança sobre tal rigor. E porém nós,
+demovido ácerca de tua pessoa com especial favor, por algumas razões, de
+que ao diante esperamos paz e folgança n'esses reinos, querendo
+condescender a tuas preces e de el-rei Dom Affonso, teu padre, que por
+suas letras por ti a nós humildosamente supplicou, para casares com
+qualquer nobre mulher, devota á santa igreja de Roma, ainda que por
+linha transversa de uma parte no segundo grau e d'outra no terceiro,
+sejaes dividos e parentes, e isso mesmo ainda, que por razão de outras
+duas linhas collateraes, seja embargo de parentesco ou cunhadia entre
+vós no quarto grau, licitamente por matrimonio vos podeis ajuntar: nós,
+por apostolica auctoridade, de especial graça, tudo tiramos e removemos,
+dispensando comtigo e com aquella com que assim casares, de nosso
+apostolico poderio, que a geração que de vós ambos nascer ser legitima
+sem outro impedimento. Porém, nenhum homem seja ousado presumpçosamente
+contra esta nossa dispensasão ir, de outra guisa seja certo na ira e
+sanha do todo poderoso Deus, e dos bem aventurados São Pedro e São
+Paulo, apostolos, incorrer. D'ante em Avinhão, duodecimo Kalendas de
+março, do nosso pontificado anno nono.»
+
+Acabada de lêr assim esta letra, disse então o conde, presente elles
+todos, que elle por guarda e em nome dos infantes Dom João, e Dom Diniz,
+e Dona Beatriz, filhos que eram dos ditos senhores, queria tomar sendos
+instrumentos para cada um d'elles, e requereu ao tabellião que assim
+lh'os desse.
+
+Partiram-se então todos para as pousadas, não minguando a cada um
+razões, que fossem entre si falando sobre esta historia.
+
+
+
+
+*CAPITULO XXIX*
+
+_Razões contra isto, de alguns que ahi estavam, duvidando muito neste
+casamento_.
+
+
+Acabadas razões que ouvistes, ditas, presentes letrados e outro muito
+povo, aquelles que, de chão e simples entender eram, não esquadrinhando
+bem o tecimento de taes cousas, ligeiramente lhe deram fé, outorgando
+ser verdade tudo aquillo que alli ouviram. Outros, mais subtis de
+entender, letrados e bem discretos, que os termos de tal feito mui
+delgado investigaram, buscando se aquillo que ouviam podia ser verdade,
+ou pelo contrario, não receberam isto em seus entendimentos
+parecendo-lhe de tudo ser muito contra razão. Cá porque o crêr da cousa
+ouvida está na razão e não na vontade, porende o prudente homem que tal
+cousa ouve, que sua razão não quer conceber, logo se maravilha,
+duvidando muito. E porém, foram assaz, dos que alli estiveram, de tal
+historia não mui contentes, vendo que aquillo que lhe fôra proposto
+nenhum alicerce tinha de razão. E se alguns perguntar quizerem por que
+taes presumiam ser tudo fingido, as razões d'elles, que nos bem claras
+parecem, sejam resposta á sua pergunta, dizendo os que tinham a parte
+contraria, contra aquelles que defendiam ser tudo verdade, suas razões,
+n'esta maneira.
+
+Não quizeram consentir os antigos que nenhum razoado homem, sendo em sua
+saude e inteiro siso, se pudesse d'elle tanto assenhorear o
+esquecimento, que toda a cousa notavel passada, sempre d'ella não
+houvesse relembrança.
+
+Allegando, aquelle claro lume da philosophia, Aristoteles, em um breve
+tratado que d'isto compoz, o porque de todas causas presentes, ou que
+são por vir, não cumpre haver nenhuma memoria; ergo, das causas
+passadas, que já aconteceram, era necessaria a relembrança: dizendo que
+a memoria é dita, quando a imagem vista, ou ouvida, de alguma causa do
+homem, é sempre presente na virtude memorativa, e reminiscencia é,
+quando alguma causa, feita ou ouvida, saiu da virtude memorativa e
+depois torna a lembrar, por vêr outra semelhante causa.
+
+Assim como, se eu casei, ou me foi feita uma gram mercê, ou fui chamado
+a um gram conselho em um dia de paschoa ou janeiro, ou outro dia
+assignado do anno, e depois me vem a esquecer, não o tendo sempre
+presente na memoria:--vendo depois outra bôda, ou alguma das causas que
+me advieram, em semelhante dia, lembrar-me-ha então que casei em dia de
+paschoa, ou outra qualquer cousa que me adveiu, se vejo alguma cousa
+semelhante, ou m'a perguntarem. Porque convém que me lembre o dia e a
+cousa, posto que me esqueça o conto dos annos ou dos dias em que foi. Ou
+diziam que tornava ainda a lembrar por outra contraria maneira, assim
+como, se eu casei em dia de paschoa e depois de alguns annos morreu-me a
+mulher em outro dia tal,--ou houve gram prazer em dia de natal, e depois
+gram nojo em semelhante dia,--necesario é que me lembre o prazer
+primeiro, posto que me o conto dos dias esqueça, porque é cousa que não
+causa disposição na memoria. Porém, o dia assignado em que me tal cousa
+adveiu, nunca se tira, de todo o ponto, que depois não torne a lembrar
+cumpridamente, porque tal dia é da essencia da relembrança, e o processo
+do tempo, não. E porém, não é cousa que possa ser, estando homem em sua
+saude, que lhe cousa notavel esqueça, posto que lhe o conto dos dias
+esqueça, que é transitorio, e não da essencia do lembramento.
+
+Pois como pode cahir em entendimento de homem, diziam elles, que um
+casamento tão notavel como este, e que tantas razões tinha para ser
+lembrado, houvesse, em tão pequeno espaço, de esquecer, assim áquelle
+que o fez, como os que foram presentes, não lhe lembrando o dia nem o
+mez?
+
+Certamente, buscada a verdade d'este feito, a razão n'isto não consente;
+cá, deixadas as razões, que ahi havia, para se el-rei lembrar bem quando
+fôra, assim como a tomada de Dona Ignez e o grande desvairo que por tal
+azo houve com seu padre, dês-ahi o grande tempo que tardou antes que o
+fizesse, e a gram deliberação com que se moveu a o fazer, e o segredo em
+que o poz áquelles que dizem que foram presentes; deixando tudo isto,
+sómente por ser feito em dia de janeiro que é primeiro dia do anno,
+segundo disse Estevão Lobato, demais, festa tão assignada no paço do
+infante e por todo o reino, isto só era bastante assaz para ser lembrado
+o dia em que a recebera, posto que longo processo de annos houvesse.
+
+Outra razão notavam ainda a tudo o que ouviram parecer fingido, dizendo
+que, se el-rei dava em seu testemunho que, com temor e receio de seu
+padre, não ousara descobrir este casamento em sua vida d'elle, quem lhe
+tolhera, depois que el-rei morreu, que o logo não notificara, sendo em
+seu livre poder, pois lhe tanto prazia de ser sabido?
+
+E mais diziam, que este feito queria parecer semelhante a el-rei Dom
+Pedro de Castella, que posto que, elle mandasse matar Dona Branca, sua
+mulher, em quanto Dona Maria de Padilha foi viva, que elle tinha por sua
+manceba, nunca lhe nenhum ouviu dizer que ella fosse sua mulher, e
+depois que ella morreu, em umas côrtes que fez em Sevilha, alli
+declarou, perante todos, que primeiro casára com ella que com Dona
+Branca, nomeando quatro testemunhas que foram presentes, os quaes por
+juramento certificaram logo que assim fôra como elle dizia, e desde
+então mandou elle que lhe chamassem rainha, posto que já fosse morta, e
+aos filhos infantes; e fez logo a todos fazer menagem, a um filho que
+d'ella houvera, que chamavam Dom Affonso, que o tomassem por rei depoz
+sua morte.
+
+E porém diziam os que estas e outras razões secretamente entre si
+falavam, que a verdade não busca cantos, muito encoberta andava em taes
+feitos. Assim que, porque o entender é disposto sempre para obedecer á
+razão, muitos que então isto ouviram deixaram de crer o que antes criam,
+e pegaram-se a este arrazoado; mas nós, que não por determinar se foi
+assim ou não, como elles disseram, mas sómente por ajuntar em breve o
+que os antigos notaram em escripto, puzemos aqui parte de seu arrazoado,
+deixamos cargo, ao que isto lêr, que d'estas opiniões escolha qual
+quizer.
+
+
+
+
+*CAPITULO XXX*
+
+_Como os reis de Portugal e de Castella fizeram entre si avença, que
+entregassem, um ao outro, alguns que andavam seguros em seus reinos_.
+
+
+Porque o fructo principal da alma, que é a verdade, pela qual todas as
+cousas estão em sua firmeza,--e ella ha de ser clara, e não fingida,
+mórmente nos reis e senhores, em que mais resplandece qualquer virtude
+ou é feio o seu contrario,--houveram as gentes por mui grão mal, um
+muito de aborrecer escambo que este anno entre os reis de Portugal e
+Castella foi feito: em tanto que, posto que escripto achemos, de el-rei
+de Portugal, que a toda a gente era mantenedor de verdade, nossa tenção
+é não o louvar mais, pois contra seu juramento foi consentidor em tão
+feia cousa como esta.
+
+Onde assim adveiu, segundo dissemos, que na morte de Dona Ignez, que
+el-rei Dom Affonso pae de el-rei Dom Pedro de Portugal, sendo então
+infante, mandou matar em Coimbra, foram mui culpados pelo infante, Diogo
+Lopes Pacheco, e Pero Coelho, e Alvaro Gonçalves, seu meirinho-mór, e
+outros muitos que elle culpou; mas assignadamente contra estes tres teve
+o infante mui grande rancura. E fallando verdade, Alvaro Gonçalves e
+Pero Coelho eram n'isto assaz de culpados, mas Diogo Lopes, não, porque
+muitas vezes mandara perceber o infante, por Gonçalo Vasques, seu
+privado, que guardasse aquella mulher da sanha d'el-rei seu padre.
+
+Pero, depois de tudo isto, foi el-rei de accordo com o infante seu
+filho, e perdoou o infante a estes e a outros em que suspeitava, e isso
+mesmo perdoou el-rei, aos do infante, todo o queixume que d'elles havia,
+e foram, sobre isto, grandes juramentos e promessas feitas, como
+cumpridamente tendes ouvido: e viviam assim seguros, Diogo Lopes e os
+outros, no reino, em quanto el-rei Dom Affonso viveu.
+
+E sendo el-rei doente, em Lisboa, da dôr de que se então finou, fez
+chamar Diogo Lopes Pacheco e outros, e disse-lhe que elle sabia bem que
+o infante Dom Pedro, seu filho, lhe tinha má vontade, não embargando as
+juras e perdão que fizera, da guisa que elles bem sabiam; e que,
+porquanto se elle sentia mais chegado á morte que á vida, que lhes
+cumpria, de se pôrem em salvo fóra do reino, porque elle não estava já
+em tempo de os poder defender d'elle, se lhe algum nojo quizesse fazer.
+E elles se partiram logo de Lisboa, e se foram para Castella, andando
+então o infante Dom Pedro ao monte, além do Tejo, em uma ribeira que
+chamam de Canha, que são oito leguas da cidade: e el-rei de Castella os
+recebeu de bom geito, e haviam d'elle bem fazer, e mercê, vivendo em seu
+reino seguros e sem receio.
+
+E depois que o infante Dom Pedro reinou, deu sentença de traição contra
+elles, dizendo que fizeram contra elle, e contra seu estado, cousas que
+não deviam de fazer; e deu os bens de Pero Coelho a Vasco Martins de
+Sousa, rico-homem, e seu chanceller-mór, e os de Alvaro Gonçalves e
+Diogo Lopes a outras pessoas, como lhe prouve. E fez el-rei, em alguns
+d'estes bens, tantas e taes bemfeitorias, e outras repartio em tantas
+partes, que depois que elle morresse nunca os mais podessem haver
+aquelles cujos foram, nem tirar áquelles a que os assim dava.
+
+Semelhavelmente, fugiram de Castella, n'esta sesão, com temor de el-rei,
+que os mandava matar, Dom Pedro Nunez de Guzman, adeantado-mór da terra
+de Leão, e Mem Rodrigues Tenorio, e Fernão Godiel de Toledo, e Fernão
+Sanchez Calderon, e viviam em Portugal, na mercê de el-rei Dom Pedro,
+crendo não receber damno, tambem os portuguezes como os castelhanos,
+porque razoada fé lhes dera ousado acoutamento nas fraldas da segurança,
+a qual--não bem guardada pelos reis--fizeram calladamente uma tal
+avença, que el-rei de Portugal entregasse presos, a el-rei de Castella,
+os fidalgos que em seu reino viviam, e que elle, outrosim, lhe
+entregaria Diogo Lopes Pacheco, e os outros ambos que em Castella
+andavam. E ordenaram que fossem todos presos em um dia, por que a prisão
+de uns não fosse avisamento dos outros, e que aquelles que levassem
+presos os castelhanos até ao extremo do reino, recebessem os portuguezes
+que trouxessem de Castella.
+
+
+
+
+*CAPITULO XXXI*
+
+_Como Diogo Lopes Pacheco escapou de ser preso, e foram entregues os
+outros, e logo mortos cruelmente_.
+
+
+Feito aquelle tracto d'esta maneira, foram em Portugal presos os
+fidalgos que dissemos.
+
+E n'aquelle dia que o recado de el-rei de Castella chegou ao lugar, onde
+Diogo Lopes e os outros estavam, para haverem de ser presos, aconteceu
+que essa manhã muito cedo fôra Diogo Lopes á caça dos perdigões. E
+presos Pero Coelho e Alvaro Gonçalves, quando foram buscar Diogo Lopes,
+acharam que não era no logar, e que se fôra pela manhã á caça.
+
+Cerraram então as portas da villa, que nenhum lhe levasse recado para o
+perceber, e attendiam-no assim, estando para o tomar á vinda.
+
+Um pobre manco, que sempre em sua casa havia esmola quando Diogo Lopes
+comia, e com quem algumas vezes jogueteava, viu estas cousas como se
+passaram, e cuidou de o avisar no caminho antes que chegasse ao logar, e
+soube escusadamente contra qual parte Diogo Lopes fôra, e chegou ás
+guardas da porta que o deixassem sair fôra, e elles, de tal homem
+nenhuma cousa suspeitando, abrindo a porta o deixaram ir.
+
+Andou elle, quanto poude, por onde entendeu que Diogo Lopes viria, e
+achou-o já vir com seus escudeiros, mui desegurado das novas que lhe
+elle levava. E dizendo o pobre a Diogo Lopes que lhe queria falar,
+quizera-se elle escusar de o ouvir, como quem pouco suspeitava que lhe
+trazia tal recado.
+
+Afincando-se o pobre que o ouvisse, contou-lhe então áparte como uma
+guarda de el-rei de Castella, com muitas gentes, chegaram a seu paço
+para o prender, depois que os outros foram presos, e isso mesmo de que
+guisa as portas eram guardadas, por que nenhum saisse para o avisar.
+
+Diogo Lopes, como isto ouviu, bem lhe deu a vontade o que era, e medo de
+morte o fez torvar todo, e pôr em grão pensamento.
+
+E o pobre lhe disse, quando o assim viu:--Crê-de-me de conselho, e
+ser-vos-ha proveitoso: apartae-vos dos vossos, e vamos a um valle não
+longe d'aqui, e alli vos direi a maneira como vos ponhaes em salvo.
+
+Então disse Diogo Lopes aos seus que andassem por alli a perto caçando,
+cá elle só queria ir com aquelle pobre a um valle, onde lhe dizia que
+havia muitos perdigões.
+
+Fizeram-no assim, e foram-se ambos áquelle logar, e alli lhe disse o
+pobre, se escapar queria, que vestisse os seus saios rotos, e assim, de
+pé, andasse quanto podesse até á entrada que ia para Aragão, e que com
+os primeiros almocreves que achasse, se mettesse de soldada, e assim,
+com elles de volta, andasse seu caminho, e por esta guisa, ou em um
+habito de frade, se o depois haver pudesse, se puzesse em salvo no reino
+de Aragão, cá por força havia de ser buscado pela terra.
+
+Diogo Lopes tornou seu conselho, e foi-se de pé, d'aquella maneira, e o
+pobre não tornou logo para a villa. Os seus aguardaram por mui grande
+espaço; e vendo que não vinha, foram-no buscar contra onde elle fôra: e
+andando em sua busca, acharam a besta andar só, e cuidaram que caira
+d'ella, ou lhe fugira, e buscaram-no com maior cuidado.
+
+Foi a detença, em isto, tão grande, que se fazia já muito tarde, e vendo
+como o achar não podiam, levaram a besta e foram-se ao lugar, não
+sabendo que cuidassem em tal feito. E quando chegaram, e viram de que
+guisa o aguardavam, e souberam da prisão dos outros, ficaram mui
+espantados, e logo cuidaram que era fugido: e perguntados por elle,
+disseram que caçando só, se perdera d'elles, e que buscando-o acharam a
+besta e não a elle, e que n'aquillo foram detidos até áquellas horas, e
+que não sabiam que cuidassem, senão que jazia em algum logar morto. Os
+que cuidado tinham de o prender, foram-no buscar por desvairadas partes.
+E do que lhe adveiu no caminho, e como passou por Aragão, e se foi a
+França para o conde Dom Henrique, e de que guisa lhe fez roubar os
+campos de Avinhão, e de outras cousas que lhe advieram, não curamos de
+dizer mais, por não sair fóra de proposito.
+
+Quando el-rei de Castella soube que Diogo Lopes não fôra tomado, houve
+grão queixume e não poude mais fazer: então enviou Alvaro Gonçalves e
+Pero Coelho, bem presos e arrecadados, a el-rei de Portugal, seu tio,
+segundo era ordenado entres elles. E quando chegaram ao extremo, acharam
+ahi Mem Rodriguez Tenorio, e os outros castelhanos, que lhe el-rei Dom
+Pedro enviava. E alli dizia depois Diogo Lopes, falando n'esta historia,
+que se fizera o troco de burros por burros.
+
+E foram levados a Sevilha, onde el-rei então estava, aquelles fidalgos
+que já nomeámos, e alli os mandou el-rei matar a todos.
+
+A Portugal foram trazidos Alvaro Gonçalves e Pero Coelho, e chegaram a
+Santarem, onde el-rei era. El-rei, com prazer de sua vinda, porém mal
+magoado porque Diogo Lopes fugira, os saiu fóra a receber, e, sanha
+cruel, sem piedade os fez por sua mão metter a tormento, querendo que
+lhe confessassem quaes foram na morte de Dona Ignez culpados, e que era
+que seu padre tratava contra elle, quando andavam desavindos por azo da
+morte d'ella. E nenhum d'elles respondeu a taes perguntas cousa que a
+el-rei prouvesse.
+
+E el-rei, com queixume, dizem que deu um açoute no rosto a Pero Coelho,
+e elle se soltou então contra el-rei em deshonestas e feias palavras,
+chamando-lhe traidor, á fé perjuro, algoz e carniceiro dos homens. E
+el-rei, dizendo que lhe trouxessem cebola, vinagre, e azeite para o
+coelho, enfadou-se d'elles, e mandou-os matar.
+
+A maneira de sua morte, sendo dita pelo miudo, seria mui estranha e crua
+de contar, cá mandou tirar o coração pelos peitos a Pero Coelho, e a
+Alvaro Gonçalves pelas espaduas. E quaes palavras houve e aquelle que
+lh'o tirava, que tal officio havia pouco em costume, seria bem dorida
+cousa de ouvir. Emfim, mandou-os queimar. E tudo feito ante os paços
+onde elle pousava, de guisa que comendo olhava quanto mandava fazer.
+
+Muito perdeu el-rei de sua boa fama por tal escambo como este, o qual
+foi havido, em Portugal e em Castella, por mui grande mal, dizendo todos
+os bons que o ouviam, que os reis erravam mui muito indo contra suas
+verdades, pois que estes cavalleiros estavam, sobre segurança, acoutados
+em seus reinos.
+
+
+
+
+*CAPITULO XXXII*
+
+_De algumas cousas que el-rei Dom Pedro de Castella mandou fazer, e como
+fez paz com el-rei de Aragão entrando em seu reino_.
+
+
+Nós deixámos, antes d'isto, el-rei Dom Pedro de Castella em Sevilha,
+prendendo e matando como lhe vinha á vontade, e contámos a morte de
+alguns que depois matou, com outras cousas que se, em Portugal, em esta
+sesão passaram, no anno de trezentos e noventa e oito.
+
+E depois que se fez aquelle feio escambo dos cavalleiros de um reino ao
+outro, segundo ouvistes em seu logar, mandou el-rei Dom Pedro matar de
+mui cruel morte Dom Pero Nunez de Guzman, adiantado-mór da terra de
+Leão, que era um d'elles; e mandou matar Guterre Fernandez de Toledo,
+seu reposteiro-mór, e trouxeram-lhe a cabeça d'elle. E Gomez Carrilho,
+filho de Pero Rodriguez Carrilho, indo mui ledo em uma galé, em que
+el-rei fingiu que o mandava para lhe entregarem a villa de Aljazira,
+para estar ahi por fronteiro, e o patrão cortou-lhe a cabeça, que mandou
+a el-rei, e deitou-lhe o corpo ao mar, e foi presa a mulher e os filhos
+d'este Gomez Carrilho.
+
+E mandou matar um cavalleiro de Castella, que chamavam Diego Guterrez de
+Ceballos. E deitou fóra do reino Dom Vasco, arcebispo de Toledo, depois
+que matou seu irmão Guterre Fernandez, e mandou-lhe tomar quanto tinha,
+que sómente um livro não levou comsigo, nem outra roupa senão a que
+tinha vestida, e foi-se para Portugal, e morreu em Coimbra.
+
+Mandou prender Dom Samuel Levi, seu thesoureiro-mór, e grão privado do
+seu conselho, e quantos parentes tinha pelo reino, em um dia; e tomou a
+elle, e aos outros todos, quanta riqueza lhe achou, e foram-lhe dados
+grandes tormentos, e nas taracenas de Sevilha preso morreu.
+
+Em este anno, cuidou el-rei Dom Pedro haver guerra com el-rei Vermelho
+de Granada, que diziam que tinha a parte de el-rei de Aragão. Este rei
+Vermelho lançara rei Mafoma fóra do reino, mas logo fez preitesia com
+el-rei Dom Pedro, que o não turvasse com el-rei Mafoma seu inimigo, pero
+que houvesse el-rei gram sanha d'elle, porque lhe em tal tempo quizera
+fazer guerra.
+
+E isto assocegado, no mez de janeiro de tresentos e noventa e nove,
+foi-se el-rei a Almançan, com muitas companhas que comsigo levava, para
+entrar no reino de Aragão. E foram d'esta vez em sua ajuda seiscentos
+portuguezes, e ia por capitão d'elles o mestre de Aviz, Dom Martim de
+Avelal, bom fidalgo e muito honrado, e de que se todos tiveram por
+contentes. E ganhou el-rei de Castella, em Aragão, d'esta vez, alguns
+logares.
+
+E o cardeal de Bolonha, legado do papa, falou com el-rei que desse logar
+a se não espargir tanto sangue como estava prestes, cá el-rei de Aragão,
+com todo seu poder, estava disposto para pelejar com el-rei de Castella,
+cá via que por guerra guerreada não podia igualar com elle.
+
+E tinha el-rei de Castella, então, seis mil de cavallo e muita gente de
+pé. E receiando-se de el-rei Vermelho de Granada, que lhe diziam que
+tinha feito liga com el-rei de Aragão para lhe fazer guerra, se mais
+durasse aquella contenda, pela qual se desencaminharam muito seus
+feitos, fez paz com el-rei de Aragão, fingida e contra sua vontade; e
+foi que el-rei de Aragão enviasse fóra do reino o conde Dom Henrique, e
+Dom Tello, e Dom Sancho, seus irmãos, e os cavalleiros e escudeiros de
+Castella que com elles estavam em Aragão,--e que el-rei de Castella lhe
+tornasse todos os logares que lhe tomados tinha de seu reino, e d'ahi em
+diante fossem amigos. E foram d'isto feitas escripturas, e apregoada a
+paz no arrayal, e prouve d'isto muito a quantos alli eram, porque a
+guerra que faziam era muito contra sua vontade.
+
+
+
+
+*CAPITULO XXXIII*
+
+_De algumas entradas que el-rei este anno fez no reino de Granada, e
+como el-rei Vermelho se veiu pôr em seu poder, cuidando de ser seguro, e
+el-rei o mandou matar_.
+
+
+Como el-rei veiu de Aragão e chegou a Sevilha, juntou suas gentes por
+fazer guerra a el-rei Vermelho de Granada, dizendo que queria ajudar
+el-rei Mafoma, e que por seu azo fizera paz com Aragão contra sua
+vontade.
+
+E veiu-se para elle el-rei Mafoma, com quatrocentos de cavallo, e entrou
+em companha de el-rei. E chegou el-rei a Antequera e não a poude tomar,
+e tornou-se, e mandou entrar os seus na veiga de Granada, que eram seis
+mil de cavallo, e venceram os christãos duas pelejas, e foram dos mouros
+mortos e captivos, e foi preso o mestre de Calatrava, e Sancho Perez
+d'Ayala, e outros.
+
+E cuidando el-rei Vermelho que faria prazer a el-rei Dom Pedro, fez
+grande gasalhado ao mestre e aos outros, cuidando de amansar a vontade
+de el-rei; e soltou o mestre, e alguns cavalleiros dos outros, e deu-lhe
+de suas joias, e enviou-os a el-rei.
+
+Elle agradeceu-lhe mui pouco tão grande presente, mas a poucos dias fez
+outra entrada, e ganhou quatro logares de mouros, e pôz recado em elles,
+e tornou-se a Sevilha.
+
+Os mouros combateram um d'estes logares, que chamam Sagra, e furando o
+muro e entrando-o por força, preitejou-se Fernão del Gadilho, que o
+tinha, e foi posto em salvo, e veiu-se para el-rei: e el-rei mandou-o
+matar.
+
+E deu el-rei volta, outra vez, em Granada, e ganhou outros logares, e
+tornou-se a Sevilha.
+
+Os mouros aggravaram-se todos, dizendo a el-rei Vermelho que, por a
+contenda que elle havia com el-rei Mafoma, entrára já el-rei trez vezes
+na terra, e que se perdia o reino de Granada.
+
+El-rei houve d'isto receio, e vendo que não podia levar adiante aquillo
+que começara, houve conselho de se vir pôr em poder e mercê d'el-rei de
+Castella, e que el-rei, dês que o visse, haveria piedade d'elle, e teria
+com elle alguma boa maneira. E partiu logo de Granada, com quatro centos
+de cavallo e duzentos de pé, e chegaram ao alcaçar de Sevilha, onde
+el-rei estava, e fizeram-lhe grandes referencias, e el-rei os recebeu
+mui bem.
+
+Então lhe fallou um mouro por el-rei de Granada, dizendo entre outras
+cousas, que bem se poderia defender de el-rei Mafoma, que era seu
+contrario, mas d'elle, que era seu rei e senhor, não se podia defender,
+e que, havido conselho sobre isto, o melhor accordo que achara era
+pôr-se em seu poder e mercê, á qual pedia que tomasse aquelle feito em
+sua mão, e que o punha em seu juizo, e que, se sua vontade era de outra
+guisa, fosse sua mercê de mandar pôr, elle e os seus, além mar em terra
+de mouros.
+
+El-rei respondeu ao mouro que lhe prazia muito da vinda de el-rei e dos
+seus, e que, sobre a contenda d'el-rei Mafoma, elle teria em ello boa
+maneira como se livrasse.
+
+El-rei Vermelho, e os outros fizeram por isto grão reverencia a el-rei,
+tendo que seu feito estava bem, e foram-se mui alegres para as pousadas
+que lhe el-rei mandou dar na judiaria da cidade.
+
+A cubiça, que é raiz de todo mal, fez logo saber a el-rei como el-rei
+Vermelho trazia muito haver, em aljofar e pedras e joias, e houve grão
+desejo de cobrar tudo. E mandou ao mestre de São Thiago que o convidasse
+n'outro dia para a ceia, e os maiores honrados que com elle vinham: e
+foram cear com elle até cincoenta.
+
+Acabada a ceia, estando seguros e nenhum ainda levantado, chegou Martim
+Lopez, com homens armados, e prendeu el-rei e todos os outros. E foi
+logo buscado el-rei, e acharam-lhe tres pedras balaches mui nobres e mui
+grandes, e acharam a um mouro pequeno, em um correio, setecentas e
+trinta pedras balaches, e a um seu pagem cincoenta grãos de aljofar,
+grossos como avelãs esburgadas, e a outro moço, tanto aljofar, grado
+como hervanços, em que poderia haver uma oitava de alqueire, e aos
+outros, a quem achavam aljofar, a quem pedras, e tudo levaram a el-rei.
+
+E n'essa hora foram outros homens de armas á judiaria, e prenderam todos
+os outros mouros; e todas as dobras e joias, que lhe acharam, tudo
+levaram a el-rei.
+
+E foi el-rei levado preso, e todos os seus á taracena, e d'ahi a dois
+dias foi tirado a um campo, que dizem Tablada, elle e trinta e sete
+cavalleiros mouros, e alli os mandou el-rei matar todos. E foi el-rei
+Dom Pedro o primeiro que deu uma lançada a el-rei Vermelho, que estava
+em cima de um asno, vestido em uma saia de escarlata, e disse:--Toma,
+porque me fizeste fazer má preitesia com el-rei de Aragão.--E o mouro
+respondeu por sua aravia, dizendo:--Pequena cavalgada fizestes.
+
+E enviou el-rei Dom Pedro a cabeça de el-rei Vermelho, e dos outros
+trinta e sete, a el-rei Mafoma de Granada, e elle enviou-lhe alguns
+captivos.
+
+E posto que el-rei Dom Pedro dissesse muitas razões a colorar este
+feito, por mostrar que o fizera sem encargo de sua consciencia, todos os
+seus o tiveram por mui grão mal, e lhes prouvera muito de não ser assim.
+
+
+
+
+*CAPITULO XXXIV*
+
+_Das avenças que el-rei de Castella fez com el-rei de Aragão, entrando
+em seu reino, e como as depois não quiz guardar_.
+
+
+El-rei Dom Pedro, que vontade tinha de tornar outra vez á guerra de
+Aragão, dizendo que a paz que fizera fôra contra sua vontade, por receio
+de el-rei Vermelho, fez liga com el-rei de Navarra, que fossem amigos e
+se ajudassem, e mandou aos seus que se percebessem: e nenhum não pensava
+que fosse contra Aragão, com que havia paz.
+
+E encobertamente, antes que o el-rei soubesse, por lhe tomar algumas
+villas, em tanto entrou em Aragão, e tomou logo seis castellos, e cercou
+a villa de Calatayud. E tendo o cerco sobre ella, ganhou treze castellos
+d'essa comarca.
+
+El-rei de Aragão, que estava em cabo de seu reino, quando isto soube,
+ficou espantado, e mandou a Provença, onde andava o conde D. Henrique e
+seus irmãos e os outros fidalgos de Castella desterrados do reino,
+fazendo guerra, que o viessem ajudar, e que lhes daria grandes soldos e
+os herdadaria em seu reino.
+
+Em tanto foi assim afincada a villa de Calatayud, que a tomou el-rei Dom
+Pedro por preitesia, e deixou recado em ella, e tornou-se a Sevilha.
+
+E receiando-se d'el-rei de França, por a morte da rainha Dona Branca sua
+mulher, que mandara matar, fez então sua mui firme amisade com el-rei
+Duarte de Inglaterra, e com o principe de Galles, seu filho, que se
+ajudassem contra quaesquer outros. E entrou logo em Aragão, e chegou a
+Calatayud, que estava já por elle, e ganhou por ahi derredor sete
+logares.
+
+E quando entrou por força Carinana, mandou matar quantos no logar havia,
+que não ficou sómente um. E a razão por que dizem que os assim mandou
+todos matar, foi porque elle tendo-a cercada e não a podendo tomar,
+alçou o cerco de sobre ella, e os da villa, quando os viram assim
+partir, começaram de bradar do muro dizendo seus doestos e maldições,
+cada um como lhe prazia; e el-rei teve d'isto grande melancolia, e
+mandou tornar suas gentes sobre o logar, e tão rijamente lhe deu o
+combate que a entrou logo por força; e por isto mandou fazer aquella
+grande mortandade.
+
+E cercou mais a cidade de Tarraçona e tomou-a. E tendo-a cercada, chegou
+o mestre de São Thiago de Portugal, Dom Gil Fernandes de Carvalho, com
+quinhentos cavalleiros e escudeiros mui bem guisados, em sua ajuda, que
+lhe enviára el-rei Dom Pedro, seu tio. Entre os quaes ia Martim Vasques
+de de Goes, e Gonçalo Mendes de Vasconcellos, e Martim Affonso de Mello,
+e Alvaro Gonçalves de Moura, e Nuno Viegas, o velho, e Rui Vasques
+Ribeiro, e outros muitos e bons fidalgos.
+
+E d'alli partiu el-rei, e tomou Turiel e onze logares outros, e tomou
+mais a cidade de Segorbe, e a villa de Monvedro, e veiu-se á cidade de
+Valencia. E havendo uns oito dias que el-rei estava sobre ella, soube
+que el-rei de Aragão e o infante Dom Fernando, seu irmão, e o conde Dom
+Henrique, e Dom Tello, e Dom Sancho, e as outras gentes por que el-rei
+de Aragão mandara, eram todos juntos para vir pelejar com elle, e que
+seriam trez mil de cavallo.
+
+El-rei Dom Pedro, que vontade não havia de pelejar com elles, partiu-se
+de Valencia, e foi-se para Monvedro. E el-rei de Aragão chegou até duas
+leguas do logar, e poz sua batalha e não achou com quem pelejar, e
+tornou-se. E da ribeira de Monvedro viu el-rei Dom Pedro levar quatro
+galés suas a seis de Aragão, que as tomaram, e pesou-lhe muito d'ello.
+
+Alli se começaram de tratar avenças entre os reis de Aragão e de
+Castella, a saber, que casasse el-rei Dom Pedro com Dona Joanna, filha
+de el-rei de Aragão, e Dom João, primogenito de Aragão com Dona Beatriz,
+filha de el-rei Dom Pedro, e isto com certas condições. E alli onde se
+juntaram para firmar as avenças, foi requerido el-rei Dom Pedro, e disse
+que se não achava n'aquella preitesia, e que o não requeressem mais, e
+d'alli se veiu para Sevilha.
+
+E dizia el-rei Dom Pedro que, n'estes tractos, fôra fallado
+secretamente, que pois elle casava com filha de el-rei de Aragão, e
+tomava com elle tal divido, que matasse ou prendesse primeiro o infante
+Dom Fernando, seu irmão, e o conde Dom Henrique, que eram seus inimigos,
+e que pois o não fizera, que não curava de suas preitesias.
+
+E bem parece isto ser verdade, porque el-rei de Aragão, a poucos dias,
+mandava prender, depois que comeu, o infante Dom Fernando, seu irmão,
+que tivera convidado esse dia, porque diziam que se queria ir, com as
+gentes que tinha, para a guerra de França. E porque se não deu á prisão,
+foi logo morto, e Luiz Manuel, e Diogo Perez Sarmento com elle. E todos
+os do reino lh'o tiveram a mui grão mal, por ser seu irmão, e mui nobre
+senhor como era.
+
+E depois fez fala el-rei de Aragão com el-rei de Navarra, que matassem o
+conde Dom Henrique, e fingiram que falassem em um castello todos tres
+sobre outra cousa. E porque Dom João Ramires d'Arellano, camareiro de
+el-rei de Aragão, que o conde escolhera que tivesse o castello emquanto
+elles fallassem, não quiz consentir em ser feita tal morte, escapou o
+conde aquelle dia de não ser morto.
+
+
+
+
+*CAPITULO XXXV*
+
+_Como el-rei Dom Pedro entrou outra vez em Aragão, com sua frota de naus
+e galés, e das cousas que alli fez_.
+
+
+Partiu el-rei outra vez de Sevilha, em começo do anno de quatro centos e
+dois, aos quinze annos do seu reinado, e entrou em Aragão pelo reino de
+Valencia, e ganhou Alicante e outros logares. E chegando a cerca de
+Burriana, viu galés, e outros navios, que traziam mantimento a Valencia,
+de que estava mui minguada, e tornou-se do caminho por lhes dar torva, e
+poz seu arrayal onde chamam o Grao, na ribeira do mar, que é meia legua
+da cidade, e esperava cada dia sua frota, e galés de Portugal que lhe
+haviam de vir em ajuda, e todas estavam já em Cartagena, não havendo
+tempo com que partir.
+
+El-rei Dom Pedro, não sabendo novas de el-rei de Aragão, chegou um
+escudeiro a elle, e disse que el-rei de Aragão e o conde Dom Henrique,
+com todos os outros senhores e gentes, que poderiam ser tres mil de
+cavallo, afóra muitos homens de pé, vinham mui encobertamente por
+pelejar com elle, antes que d'alli partisse; e que vinham pelo mar, a
+geito d'elles, doze galés e outros navios com mantimentos, e que tres
+noites havia que não faziam fogo, por não serem descobertos, e que ao
+outro dia seriam com elle.
+
+El-rei, ouvindo isto, partiu logo d'alli e foi-se a Monvedro, que eram
+quatro leguas. Outro dia, grande manhã, chegou el-rei de Aragão, e
+pousaram todos entre Monvedro e o mar, uma legua da villa, e suas galés
+e naves a cerca, e foi acorrida a cidade por mar e por terra. E a cabo
+de doze dias chegou a frota de el-rei de Castella, que eram vinte galés
+suas e quarenta naus, e dez galés de Portugal, que lhe enviava seu tio
+em ajuda.
+
+A frota de Aragão, quando viu a de Castella, houve receio, e metteu-se
+no rio de Culhera. El-rei Dom Pedro entrou logo na frota, e foi-se pôr
+na bôca do rio, cuidando tomar as galés de Aragão. E estando alli,
+começou de ventar o levante, que é travessia n'aquelle logar, e
+mostrando o mar sua grande braveza, cuidaram todos que quebrassem suas
+galés em terra: e el-rei de Aragão, com todas suas gentes, aguardavam em
+terra por ellas, crendo todavia, por o vento que se esforçava cada vez
+mais, que de todo ponto eram perdidas. E a galé de el-rei perdera já
+tres calabres com suas ancoras, e sobre o quarto estava seu feito. Ao
+sol posto cessou a tormenta, e foi el-rei em mui grão perigo, e partiu
+d'alli deixando seus fronteiros, e tornou-se para Castella.
+
+El-rei de Aragão cercou Monvedro e não o poude tomar, e partiu d'alli, e
+foi-se andar por seu reino em tanto.
+
+E deu outra vez volta el-rei de Castella, e partiu de Sevilha, e entrou
+por Aragão, e tomou alguns logares. E os da villa de Orihuela, cuidando
+de ser cercados, fizeram-no saber a el-rei de Aragão, e veiu logo com
+seu poder, a duas leguas de onde el-rei de Castella estava, e
+abasteceu-a de viandas de que era minguada.
+
+E el-rei Dom Pedro não quiz pelejar com elle, mas esteve alguns dias por
+aquella terra, e tornou-se para Sevilha, e achou novas como as suas
+galés, que andavam pelo mar, tomaram cinco galés de Aragão, e foi-se
+logo a Cartagena, onde estavam, e mandou matar toda a gente d'ellas, que
+não escapou sómente um, salvo os que sabiam fazer remos, porque os houve
+mister.
+
+D'alli partiu el-rei Dom Pedro para Murcia, sabendo como el-rei de
+Aragão cercara Monvedro, e foi cercar a villa de Orihuela que dissemos,
+e ganhou a villa e o castello, e tornou-se para Sevilha. Os de Monvedro,
+afincados do cerco e sendo minguados muito de viandas, requeriam muito a
+mercê de el-rei que lhes accorresse; e el-rei, porque lhes não podia
+accorrer senão por batalha, não era ousado de o fazer, cá elle não
+queria pelejar com el-rei de Aragão, receiando-se dos seus, de que muito
+não fiava. E porém buscava outras maneiras de guerra e não por batalha,
+cá el-rei Dom Pedro por muitos que mandara matar, e pelos do reino que
+sabia que eram d'elle mal contentes e o desamavam, não se atrevia a pôr
+o campo.
+
+Os de Monvedro minguados de viandas, em guisa que já comiam as bestas e
+ratos, deram a el-rei de Aragão o logar por preitesia. E eram dentro,
+para o defender seiscentos homens de armas, afóra peões e bésteiros, e
+os mais d'elles ficaram com o conde Dom Henrique, por grande receio que
+haviam de el-rei, não embargando o accorrimento que d'elle haver não
+puderam.
+
+
+
+
+*CAPITULO XXXVI*
+
+_Como o conde Dom Henrique entrou por Castella com muitas companhas, e
+foi alçado por rei; e como el-rei Dom Pedro mandou desamparar todos os
+logares que em Aragão tinha filhados_.
+
+
+Monvedro ganhado por el-rei de Aragão, foi-se para Barcelona, e vieram
+alli alguns capitães das companhias por que elle mandava, e firmaram com
+elle de ser alli no fevereiro seguinte, para entrar em Castella com o
+conde Dom Henrique. El-rei Dom Pedro soube d'isto parte e foi-se a
+Burgos, onde mandára juntar suas gentes. Entanto aquelle e os capitães
+das companhias, eram juntos, e partiram de Saragoça para entrar em
+Castella.
+
+E vinham ahi capitães de Aragão, a saber, o conde de Denia, e Dom
+Filippe de Castro, e outros cavalleiros; e de França, Mosse Beltrão de
+Claquin, e o conde das Marchas, e o sr. de Bain, e o marechal de
+Andemar, marechal de França, e outros cavalleiros. E de Inglaterra,
+Mosse Boitro de Carvabai, Mosse Estacio, e Mosse Martim de Gorimai, e
+Mosse Guilhem Allinante, e Mosse João de Obrens, e muitos outros
+cavalleiros e homens de armas de Inglaterra, e de Guiana, e de Gasconha,
+e d'outras nações.
+
+E chegaram todos á viila de Alfaro, e não curaram d'ella, e foram outro
+dia a Calahorra, cidade não forte, e preitejaram-se os do logar com o
+conde, e acolheram-no dentro com aquellas gentes, as quaes alli foram
+certificadas como el-rei Dom Pedro estava em Burgos, e que não havia
+vontade de pelejar com elles. E houveram accordo, dizendo ao conde Dom
+Henrique que pois tanta boa gente era contente de o aguardar em esta
+cavalgada, que se chamasse rei de Castella.
+
+E elle, á primeira, começou-se de escusar de o fazer; dês-ahi, como é
+doce cousa reinar, antes de muitas palavras outorgou que lhe prazia, e
+foi alçado então por rei: e pediram-lhe, os que com elle vinham, grandes
+mercês e officios no reino, e elle mui de grado lhe outorgava tudo,
+dando o que ganhado tinha, e promettendo o que era por ganhar; cá em tal
+tempo assim lhe cumpria de o fazer. E foi isto no anno de mil e
+quatrocentos e quatro.
+
+Partiu d'alli el-rei Dom Henrique caminho de Burgos, onde era el-rei Dom
+Pedro, e chegou a Navarrete, o qual se lhe deu nem ousando de esperar
+combate, e foi combatida Briviesca, e tomou-a.
+
+El-rei Dom Pedro, sabendo tudo isto, sabbado de Ramos, bem pela manhã,
+mandou matar João Fernandez de Tovar, por queixume que houve de seu
+irmão, e, sem dizer cousa nenhuma aos seus, cavalgou por se partir logo.
+E vieram a elle os maiores da cidade, dizendo que os não deixasse, cá o
+conde era oito leguas d'alli: e não prestando nenhuma cousa suas razões,
+quitou-lhe a menagem, e partiu-se logo, e foram com elle alguns
+cavalleiros, e seiscentos mouros de cavallo, que andavam na guerra em
+sua ajuda, que lhe dava el-rei de Granada. E muitos dos seus ficaram em
+Burgos, a que prazia de tudo isto, e quem se d'elle partia não ousava de
+tornar mais a elle.
+
+E aquelle dia que el-rei d'alli partiu, mandou suas cartas a todos os
+que por elle tinham as fortalezas que em Aragão ganhara, que as
+desamparassem, e destruissem se pudessem, e se viessem para elle. E
+elles fizeram-no assim, mas muitos d'elles se foram para el-rei Dom
+Henrique, e aqui cessou então de todo a guerra de Aragão, a qual ia em
+onze annos que durava.
+
+Certamente perdera-se o reino de Aragão todo, se fortuna tão cedo não
+abreviara os annos da vida d'este rei Dom Pedro, cá onze vezes que elle
+em Aragão fez entrada, ganhou cincoenta e dois logares aqui contidos,
+afóra outros muitos que aqui não são nomeados. E chegou el-rei Dom Pedro
+a Toledo, e poz recado na cidade, e d'ahi partiu para Sevilha.
+
+Os de Burgos, vendo que se não poderiam defender de el-rei Dom Henrique,
+mandaram-lhe seus recados e receberam-no na cidade, e coroou-se alli por
+rei, e vieram a elle muitos procuradores das villas e cidades do reino,
+e receberam-no por senhor, em guisa que do dia da coroação a vinte e
+cinco dias, foi todo o reino a seu mandado: e elle recebia todos
+graciosamente, e a nenhum era negado cousa que pedisse. E deu el-rei Dom
+Henrique alli muitas terras áquelles senhores e cavalleiros que vinham
+com elle, assim estrangeiros como seus naturaes, e mandou a Aragão por
+sua mulher e filhos, e foi recebida honradamente.
+
+D'alli partiu e veiu-se a Toledo, e foi na cidade grande revolta se o
+receberiam ou não, porque a uns prazia que o recebessem, outros eram de
+todo em contrario; pero finalmente houveram accordo de o acolher em
+ella, e foi recebido com grande prazer.
+
+
+
+
+*CAPITULO XXXVII*
+
+_Como el-rei Dom Pedro de Castella enviara uma sua filha a Portugal, e
+como elle partiu de Sevilha com temor que houve dos da cidade_.
+
+
+El-rei Dom Pedro estando em Sevilha, soube novas d'estas cousas todas, e
+posto em grão pensamento, accordou com os seus de enviar pedir ajuda a
+el-rei de Portugal, seu tio. E por lhe dar mór cargo de se mover a lhe
+fazer tal ajuda, enviou-lhe dizer que bem sabia como era posto casamento
+da infante Dona Beatriz, sua filha, com o infante Dom Fernando seu
+primogenito filho, e que porém lhe mandava a dita infante e toda a
+quantia do haver que era posto de lhe dar ao tempo do casamento, e que
+essa Dona Beatriz ficasse herdeira dos reinos de Castella, e de Leão. E
+mandou-a logo de Sevilha, e com ella Martim Lopez de Trujillo, um homem
+de que elle muito fiava, e mais certa quantia de dobras que deixara a
+esta infante Dona Maria de Padilha, sua madre, com joias, e aljofar, e
+outras cousas.
+
+E partida Dona Beatriz de Sevilha para Portugal houve el-rei Dom Pedro
+novas como el-rei Dom Henrique caminhava de Toledo para Sevilha, e
+accordou de enviar pelo thesouro que tinha no castello de Almodovar, que
+era todo em moedas de prata e de oiro, e fez armar uma galé em que o
+poz, com todo o haver que tinha na cidade, e entregou a galé a Martim
+Yanhez, seu thesoureiro, e mandou-lhe que se fosse a Tavira, villa de
+Portugal no reino do Algarve, e que alli attendesse a galé, até que elle
+fosse. E tambem mandou carregar muitas azemolas de seus thesouros, e
+levou comsigo mui grande haver de oiro, e pedras, e aljofar assim do que
+tomara a el-rei Vermelho e aos seus, como de outro muito que tinha
+junto, e isso mesmo da prata toda a que poude levar.
+
+E el-rei estando assim para partir de Sevilha, disseram-lhe como os da
+cidade se alvoroçavam contra elle, e o queriam roubar alli onde estava:
+e com grão temor que houve, partiu-se logo para Portugal. E levou
+comsigo Dona Constança, e Dona Isabel, suas filhas, cá Dona Beatriz, a
+maior, havia já mandada, como dissemos. E iam com el-rei Dom Pedro,
+Martim Lopes de Cordova, mestre d'Alcantara, e Diogo Gomes de Catanheda,
+e Pero Fernandez Cabeça-de-vacca, e outros.
+
+E segundo alguns escrevem, como el-rei partiu de Sevilha, taes ahi
+houve, dos que iam com as azemolas do haver, que vendo como el-rei fugia
+do reino por aquella guisa, se tornavam para a cidade com o que levavam,
+e outras saiam do logar e lhe roubaram parte d'aquelle haver. E Misser
+Gil Boca-negra, seu almirante, que era genovez, armou em Sevilha uma
+galé e outros navios, e foi tomar a galé do haver, em que ia Martim
+Yanhez para Tavira, no rio Guadalquivir, cá ainda não era mais arredado.
+E era o haver, que ia em ella, trinta e seis quintaes de oiro, e outras
+muitas joias, de que el-rei Dom Henrique depois houve a maior parte.
+
+
+
+
+*CAPITULO XXXVIII*
+
+_De como el-rei Dom Pedro de Castella fez saber a seu tio que era em seu
+reino, e como se el-rei escusou de o vêr, e lhe fazer ajuda_.
+
+
+El Rei de Portugal, em esta sesão, pousava nos paços de Vallada, que são
+a cerca de uma villa que chamam Santarem, e era isto no mez de maio. E
+quando el-rei Dom Pedro, mandou sua filha Dona Beatriz, como anteagora
+ouvistes, para casar com o infante D. Fernando, por azo de haver melhor
+ajuda de el-rei seu tio, soaram primeiro novas em Vallada, onde pousava
+el-rei, que el-rei de Castella lhe mandava duas suas filhas, que estavam
+já nas Alcaçovas, que são d'alli vinte leguas; mas não sabiam dizer
+certamente porque as mandava a el-rei, nem em que intenção. El-rei de
+Portugal, que parte não sabia que el-rei seu sobrinho era em tal pressa
+posto, cuidando que as infantes vinham por outra maneira, porém que não
+era mais que aquella uma, mandava correger casas e camaras em seus
+paços, em que ellas bem podessem pousar.
+
+El-rei de Castella partiu de seu reino, e tão trigoso andar poz no
+caminho, sem se detendo em nenhum logar, que antes que sua filha
+chegasse onde el-rei de Portugal estava, a achou elle no caminho em que
+vinha. E chegou el-rei Dom Pedro a Serpa, e d'alli a Beja, e dês-ahi a
+Coruche, que eram vinte e uma leguas d'onde el-rei seu tio estava, e
+d'alli lhe fez saber como vinha, e a ajuda e accorrimento que lhe d'elle
+cumpria, e isso mesmo o casamento de sua filha com o infante Dom
+Fernando, seu filho.
+
+El-rei de Portugal, como isto soube, teve bem assaz em que cuidar, e
+mandou-lhe dizer que não fosse mais adiante, mas que estivesse alli até
+que visse seu recado. E mandou chamar o infante Dom Fernando seu filho,
+que não era ahi, e com elle e com seus privados houve conselho sobre
+este feito, e foi falado por alguns que o visse e acolhesse em seu
+reino, e que o ajudasse a cobrar sua terra. Dês-ahi, cuidando bem
+n'isto, acharam que o não podia el-rei fazer sem grandes trabalhos, e
+gasto, e mui grão damno de seu reino, e, o peior de tudo, não ter
+nenhumas azadas razões como tal feito podesse vir a acabamento, quejando
+cumpria, porque, el-rei Dom Henrique, seu irmão, tinha já toda Castella
+a seu mandar, salvo alguns logares, tão poucos, de que não era de fazer
+conta; e com isto haviam lhe grande odio todos os do reino, assim
+grandes como pequenos. De guisa que bem era de cuidar quanto todos
+fariam por cobrar em elle; pois quem houvesse de lançar fóra de Castella
+el-rei Dom Henrique e todos os da sua parte, assim por batalha como por
+guerra guerreada, grão poderio lhe convinha ter, e, não se fazendo
+segundo seu desejo, ficava ao depois em grande homisio e guerra com
+elle. Recebel-o outrosim em seu reino, e não trabalhar de o ajudar,
+era-lhe grande vergonha e prasmo; dês-ahi, vendo-o e falando-lhe, não se
+poderia escusar d'elle.
+
+Porém accordaram que o mais são conselho era que o não visse elle nem o
+infante seu filho, buscando algumas rasões coloradas por que parecesse
+que direitamente se escusava.
+
+Então foi a Coruche o conde Dom João Affonso Tello, onde el-rei de
+Castella estava esperando a resposta de seu tio, cuidando de ser
+aposentado em Santarem, e disse-lhe como el-rei vira seu recado, e
+soubera parte da sua vinda de que guisa era, e que elle de boa mente o
+recebera em seu reino e o ajudara a cobrar sua terra, como era razão e
+direito, mas que por então não estava em ponto de o poder fazer como
+cumpria, porque d'aquellas vezes que lhe elle fizera ajuda, assim por
+mar como por terra, os fidalgos de seu reino vieram d'elle e de suas
+gentes mui mal contentes e escandalisados; e que vinham em sua companha
+taes, com que alguns houveram razões, e que era por força haver entre
+elles grandes bandos e arruidos, o que a serviço d'ambos pouco cumpria.
+Além d'isto, que sabia bem como o infante Dom Fernando, seu filho, era
+sobrinho da rainha Dona Joanna, que então novamente entrara em Castella,
+irmã de sua madre Dona Constança, filha de Dom João Manuel, e que não
+entendia de postar com elle que lhe muito prouvesse de tal ajuda. E foi
+assim certamente, segundo alguns escrevem, que o infante deu grão torva,
+porém razoada, em este feito. Com estas e outras razões escusou o conde
+el-rei seu senhor, que elle áquelle tempo o não podia vêr, nem lhe fazer
+mais ajuda da que feita havia; e despediu-se d'elle, e foi-se para a
+pousada.
+
+
+
+
+*CAPITULO XXXIX*
+
+_Como el-rei de Castlla partiu de Coruche, e se foi de Portugal; e quaes
+enviaram em sua companha_.
+
+
+Não embargando as razões que dissemos, e outras muitas que faladas foram
+entre el-rei de Castella e o conde sobre o feito de seu negocio, bem
+entendeu el-rei Dom Pedro que o fim de todos seus ditos era não haver
+el-rei seu tio vontade de lhe dar acolhimento em seu reino, nem lhe
+fazer ajuda por nenhuma guisa: e houve d'isto tão grande queixume, que
+não poude com sua vontade que o logo não desse a entender por algum
+modo.
+
+E depois que o conde com elle falou, e se despediu e se foi para a
+pousada, ficou el-rei triste e melancolioso, e com torvado gesto tomou
+dobras, que tinha na mão, e deitou-as por cima de um alpendre das casas
+onde pousava. Um cavalleiro de sua companha, vendo isto que el-rei
+fazia, disse-lhe, como sorrindo, por que deitara assim aquellas dobras,
+cá melhor fôra dal-as a alguns dos seus, a que prestassem; e el-rei lhe
+respondeu dizendo: «não cureis d'isso, cá quem as semeia as virá depois
+colher»; dando a entender, se seus annos tão poucos não foram, que elle
+lhe fizera de bom talante guerra, por não achar então em elle ajuda nem
+acolhimento nenhum. E houve seu accordo de se ir a Albuquerque e deixar
+ahi as filhas e todas suas cargas; e chegando ao logar não o quizeram em
+elle acolher, antes se lançaram dentro alguns dos que iam em sua
+companha.
+
+E el-rei, vendo como seus feitos iam cada vez peior, mandou dizer a
+el-rei de Portugal, seu tio, que pois lhe outra ajuda fazer não queria,
+que lhe enviasse carta de seguro, por que podesse passar por seu reino:
+e isto fazia elle temendo-se do infante Dom Fernando de Portugal, por
+ser sobrinho da mulher de el-rei Dom Henrique, como dissemos.
+
+A el-rei de Portugal prouve muito, e enviou a elle o conde de Barcellos,
+que ouvistes, e Alvaro Peres de Castro, que se fossem com elle pelo
+reino, e o puzessem em salvo em Galliza. E elles se foram por elle, e
+começaram de andar seu caminho, e quando chegaram á Guarda, segundo
+alguns contam, disseram elles alli a el-rei que se queriam tornar e não
+podiam ir mais com elle, porquanto se receiavam do infante Dom Fernando,
+que os enviara ameaçar por irem assim em sua companha, e que el-rei lhes
+deu então seis mil dobras, e duas cintas de prata, e dois estoques, que
+se fossem com elle até Galliza. E se assim adveio por esta guisa, isto
+foi fingido que elles disseram, cá o infante não tinha razão de lhes tal
+cousa mandar dizer, pois, com seu accordo, fôra ordenado em conselho que
+o acompanhassem até fóra do reino. E dizem que chegaram com elle até
+Lamego, e mais não. E á partida lhe furtou o conde uma filha de el-rei
+Dom Henrique, seu irmão, que el-rei levava presa comsigo, de idade de
+quatorze annos, que chamavam Dona Leonor dos leões, porque el-rei Dom
+Pedro, por queixume que de seu padre havia, sendo esta moça em poder de
+sua ama, nada de mui poucos mezes, com grão crueldade a mandou tomar, e,
+esfaimados os leões que criava antes por um dia, no curral onde andavam
+mandou que lh'a lançassem em camisa, e foi assim feito como elle mandou.
+E os leões vieram, e chegaram-se a ella, e prouve a Deus que lhe não
+fizeram nenhum nojo, mas assim como se d'ella houvessem piedade, se
+chegavam a ella sem lhe fazerem outro mal. Foi isto dito a el-rei por
+alguns seus, e mandou-a el-rei tirar d'alli, e entregar áquelles que a
+criavam, e poz-se porém em ella tal guarda, que nunca seu padre a poude
+haver. E levava-a el-rei então comsigo, e o conde a trouxe a el-rei de
+Portugal, e depois foi entregue a el-rei Dom Henrique, seu padre.
+
+
+
+
+*CAPITULO XL*
+
+_Como el-rei Dom Pedro chegou a Galliza, e matou o arcebispo de São
+Thiago, e se foi para Inglaterra_.
+
+
+Partiu de Lamego el-rei de Castella, assaz desamparado e com mui pouca
+gente, cá não iam com elle mais que até duzentos de cavallo, e chegou a
+Monte-rei, uma villa de Galliza, e d'alli escreveu a Logronho, e a
+Soria, e a Samora, que tinham sua voz, que se esforçassem, cá elle lhes
+accorreria.
+
+E fez saber a el-rei de Navarra, e ao principe de Galles, como era em
+Galliza, e queria saber que esforço tinha em elles, e esperou alli o
+arcebispo de São Thiago, e Dom Fernando de Castro, seu alferes-mór e
+adiantado em terra de Leão e das Asturias, o qual antes d'isto viera a
+Galliza por seu mandado, e falou com todos os prelados, e cavalleiros, e
+escudeiros, e cidades, e villas, e fortalezas, de guisa que todos
+tiveram sua voz.
+
+E estiveram tres somanas, havendo conselho se era melhor ir-se a Samora,
+e d'ahi caminho de Logronho, pois el-rei Dom Henrique, com suas
+companhas, estava em Sevilha; ou ir-se a Bayona de Inglaterra catar seus
+accorros com o principe de Galles. E teve-se el-rei antes ao conselho da
+ida de Inglaterra, que tornar outra vez a seu reino, porque tão pouco se
+fiava nos que tinham voz por elle, como nos outros que não eram da sua
+parte.
+
+E partiu de Monte-rei, e foi ter o São João a São Thiago de Galliza, e
+alli houve accordo com os seus de matar o arcebispo, e tomar-lhe as
+fortalezas. E onde Dom Sueiro vinha seguro, a seu mandado, dia de São
+Pedro, que lhe mandara el-rei dizer que viesse ao conselho, entrando
+pela cidade foi morto á porta da igreja de São Thiago, por Fernão Perez
+Turrichão, e Gonçalo Gomez Gallinhato, e dois cavalleiros que lhe mal
+queriam, a que el-rei mandara que o matassem, e mataram mais Pero
+Alvarez, deão de São Thiago, homem mui letrado e bem sisudo, e el-rei o
+olhava de cima da igreja, como se tudo isto fazia. E tomou el-rei quanto
+haver o arcebispo tinha no castello da rocha, e deu as fortalezas a Dom
+Fernando de Castro, e fel-o conde de Trastamara, e de Lemos, e de
+Sarria, d'onde soía ser conde el-rei Dom Henrique, para elle e para
+todos seus herdeiros lidimamente nascidos.
+
+E Dom Alvaro Perez, seu irmão, e André Sanchez de Gres, que vinham vêr
+el-rei, quando souberam a morte do arcebispo, tornaram-se para suas
+terras com medo, e tomaram voz d'el-rei Dom Henrique.
+
+El-rei partiu d'alli, e foi-se para a Corunha, e n'aquelle logar lhe
+chegou recado do principe de Galles, que se fosse para o senhorio de
+Inglaterra, e que elle lhe ajudaria a cobrar o reino. E partiu el-rei da
+Corunha, e levou comsigo vinte e duas naus, e uma galé, e uma carraca, e
+deixou Dom Fernando de Castro em Galliza, e commetteu-lhe todo seu
+poderio, e el-rei ia na carraca com suas filhas todas tres, e o thesouro
+todo que comsigo levava, que eram trinta e seis mil dobras em oiro
+amoedado, porque todo o outro thesouro deixara na galé que Martim Yanhez
+havia de levar a Tavira, e levava muitas joias de oiro, e de aljofar, e
+de pedras de grão valor. E passou o mar, e chegou a Bayona, onde ia
+corregendo seus feitos, de que mais por ora dizer não queremos.
+
+
+
+
+*CAPITULO XLI*
+
+_Como el-rei Dom Henrique chegou a Sevilha, e da alliança que fez com
+el-rei de Portugal_.
+
+
+El-rei Dom Henrique partiu de Toledo, sabendo tudo o que adviera a
+el-rei Dom Pedro em Sevilha, e isso mesmo em Portugal, e como se fôra
+depois a Galliza. E chegou a Cordova, onde o receberam com grão prazer,
+e d'ahi levou caminho de Sevilha, sabendo que tinha voz por elle, onde
+foi recebido com tão grão festa que, pero el-rei chegou pela manhã a
+cerca do logar, passava de meio dia quando entrou em seu paço.
+
+E partiu el-rei com os seus, e com aquellas companhas que com elle
+vinham, em guisa que todos foram mui contentes, e mandou-os para suas
+terras; pero ficaram com elle Mosse Beltrão de Claquin, e outros
+senhores, com alguns inglezes e bretões, que eram todos companhias, até
+mil e quinhentas lanças.
+
+E esteve el-rei em Sevilha quatro mezes, e antes que d'alli partisse,
+escreveu a el-rei Dom Pedro de Portugal, como queria haver paz e amisade
+com elle, e que elle enviaria taes, ao extremo, de que fiava por seus
+procuradores, para tratarem avença entre elles, e que el-rei Dom Pedro
+mandasse ahi outros, que com seus feitos fossem concordados.
+
+E foi assim de feito, que enviou el-rei Dom Henrique Dom João, bispo de
+Badalhouce, e Diego Gomez de Toledo, cavalleiro, e el-rei de Portugal
+enviou Dom João, bispo de Evora, e Dom Alvaro Gonçalves, prior do
+Hospital; e juntaram-se todos na ribeira de Caya, no extremo dos reinos.
+
+E alli trataram, pelos ditos reis, que fossem fieis amigos um do outro,
+e houvessem paz e concordia, e que el-rei de Castella trabalhasse, a
+todo seu poder, que el-rei de Aragão fosse amigo de el-rei de Portugal
+pela guisa que o elle era, e que el-rei de Aragão deixasse vir para
+Portugal a infanta Dona Maria, filha do dito rei Dom Pedro, mulher que
+fôra do infante Dom Fernando, marquez de Tortosa, com todo o seu, ou
+viver na terra qual ella antes quizesse; e louvaram e approvaram as
+avenças que em outro tempo foram feitas em Agreda, entre el rei Dom
+Fernando e el-rei Dom Diniz, seus avós.
+
+Outrosim, Mafamede, rei de Granada, tratou logo amisade com el-rei Dom
+Henrique, e ficou por seu amigo.
+
+E partiu el-rei de Sevilha, e foi-se a Galliza, e cercou em Lugo Dom
+Fernando de Castro, que tinha voz de el-rei Dom Pedro, e não o poude
+tomar, e preitejou com el-rei, que se lhe el-rei Dom Pedro não
+accorresse até cinco mezes, que deixasse o reino e lhe entregasse todas
+as fortalezas, e se quizesse ficar em sua mercê, que lhe desse a villa
+de Castro Exarez, d'onde sua linhagem se chamava de Castro, e elle
+conde, depois que lh'a el-rei Dom Pedro dera, e que em este tempo não se
+fizesse guerra de uma parte á outra, a qual cousa lhe Dom Fernando mui
+mal teve.
+
+A el-rei Dom Henrique prouve d'isto, e tornou-se para Burgos, e alli
+ordenou côrtes, nas quaes foram juntos os maiores do reino; e certos da
+vinda que el-rei Dom Pedro queria fazer, lhe foi promettida ajuda para
+despeza da guerra, e offerecidos os corpos a seu serviço, como bem podia
+vêr. E el-rei, em tanto, mandava por gentes que lhe cada dia vinha, com
+que partia grandemente, e lhe fazia muita honra. E porque dos feitos
+d'estes reis ambos, mais não adveiu em tempo de el-rei Dom Pedro de
+Portugal, cessaremos de mais dizer d'elles, e em quanto elles juntam
+suas gentes para a batalha que depois ouvireis, contaremos nós outras
+cousas, segundo requer a ordenança d'esta obra. Mas antes que as
+digamos, ouvi isto que achamos escripto, a saber, que féria quinta,
+vinte e dois dias do mez de outubro d'esta presente era de Cesar de mil
+e quatrocentos e quatro annos, foi feito um movimento no céo, desde a
+meia noite para adiante, o qual foi por esta guisa: correram todas as
+estrellas do levante para o poente, e depois que todas foram juntas,
+começaram de correr umas cá e outras lá; dês-ahi deixaram-se estalar do
+céo tantas e tão espessas, que, depois que foram baixas no ar, pareciam
+grandes fogueiras, e que o céo e o ar ardia, e que a terra queria arder;
+e o céo parecia partido por muitas partes alli onde estrellas não
+estavam; e não havia homem que isto visse, que não fosse fortemente
+espantado; e era tamanho o medo, que quantos isto viam todos cuidavam de
+serem mortos, durando isto por mui grande espaço. E isto escrevemos por
+não haverdes por nova cousa quando outra tal acontecer, dês-ahi por
+relembrança das maravilhas que Deus faz.
+
+
+
+
+*CAPITULO XLII*
+
+_Como el-rei de Portugal enviou seus embaixadores a casa do principe de
+Galles, por se desculpar do que el-rei Dom Pedro dizia_.
+
+
+A grão melancolia que levou el-rei Dom Pedro de Castella do mau
+gasalhado que em Portugal achara, lhe fez que ás vezes não podia, em
+falando, que o não desse a entender com sanha, e algumas horas, estando
+com o principe, presente muitos, fazia queixume do mau acolhimento que
+achara em seu tio el-rei de Portugal, esperando d'elle receber o
+contrario, dizendo que o não havia tanto pelo seu, como das infantes
+suas filhas, as quaes lhe devera de agasalhar e receber em sua
+encommenda: e fallando em ello muito largamente, mostrava com isto
+geitos e semblante que de o vingar tinha grão desejo.
+
+E foi isto assim falado, e por taes palavras, que não minguou quem o
+escrevesse a el-rei de Portugal, o qual, conhecendo sua preversa
+condição, e prevendo o que advir podia, ordenou de se enviar desculpar
+presente o principe, mostrando que a culpa não fôra em elle, assim em
+seu recebimento, como em agasalhar suas filhas; e mandou allá o bispo de
+Evora, e Gomez Lourenço do Avelal, os quaes chegaram a Gasconha, onde
+el-rei e o principe por então estavam.
+
+Elles alli, ordenou o principe o dia e hora para dizerem sua embaixada,
+a qual, proposta ante elle, sendo el-rei presente, começaram de contar
+pelo miudo tudo o que em Portugal diziam alguns de que se ei-rei Dom
+Pedro agravava, fazendo queixume de el-rei seu tio, e que elles eram
+alli vindos para o mostrarem sem culpa, como a sua mercê bem podia vêr.
+
+El-rei de Castella respondeu a isto dizendo, que assim era como elles
+diziam, que elle se sentia por mui agravado d'elle, pelo não receber em
+seu reino e lhe dar acolhimento como era razão, sendo seu tio, irmão de
+sua madre, e que mór melancolia havia não dar gasalhado ás infantes suas
+filhas, que da aspereza que contra elle mostrara, porque se as el-rei
+seu tio tomara e lh'as tivera em sua terra guardadas, com alguns haveres
+que elle levava, onde era certo que estariam seguras, que elle ficara
+desempachado d'ellas, e então tornara a recobrar seu reino. Dizendo que
+muitos se alçaram contra elle, que o não fizeram se o viram presente,
+mas pelo empacho que tinha, das filhas, que lhe conviera de fugir com
+ellas, não tendo logar seguro onde as deixasse; porque áquelle tempo que
+as deixar quizera em algum castello de sua terra, em nenhum havia tanta
+fiusa por que ousasse de o fazer.
+
+Sobre isto correram tantas palavras entre el-rei Dom Pedro e os
+embaixadores, até que pediram por mercê, ao principe, que fizesse
+pergunta a el-rei, se áquelle tempo que elle escrevera a seu tio que era
+em seu reino, se lhe fizera saber por sua carta que lhe queria deixar
+suas filhas e o thesouro que comsigo trazia, segundo elle arrazoava
+presente elle. E o principe lh'o perguntou então, e elle disse que não
+ementara nenhuma cousa das filhas, nem do haver que levava comsigo.
+
+--Pois, disse o principe, nem vosso tio não era adivinho do que vós
+tinheis na vontade.
+
+Então fizeram recontamento ao principe das ajudas que de Portugal
+recebera, assim por mar como por terra, e como todos os senhores e
+fidalgos, que allá foram, vieram d'elle e dos seus mui mal contentes e
+escandalisados, e que esta fôra uma das razões por que o el-rei seu tio
+não quizera ter em sua terra, por se não levantarem, entre uns e os
+outros, bandos, e arruidos, e mortes.
+
+Arrazoaram tanto até que se enfadaram, e o principe, conhecendo de
+razão, disse que o não havia por culpado como antes; e na parte da nau e
+haveres, que lhe el-rei de Portugal enviava dizer que em Inglaterra eram
+retidos contra razão, que elle os faria logo desembargar, como seu amigo
+que era e queria ser. E assim o fez de feito, que em breves dias foram
+despachados.
+
+
+
+
+*CAPITULO XLIII*
+
+_Como Dom João, filho de el-rei Dom Pedro de Portugal, foi feito mestre
+de Aviz_.
+
+
+Vós ouvistes, no primeiro capitulo d'esta historia, como depois da morte
+de Dona Ignez, ei-rei sendo infante, nunca mais quiz casar, nem depois
+que reinou quiz receber mulher, mas houve um filho de uma dona, a que
+chamaram Dom João. D'este moço deu el-rei cargo a Dom Nuno Freire,
+mestre de Christus, que o criava e tinha em seu poder, e que criando-o
+elle assim, sendo em idade até sete annos, veiu-se a finar o mestre de
+Aviz, Dom Martim do Avelal.
+
+O mestre de Christus, como isto soube, foi-se logo a el-rei Dom Pedro,
+que então pousava na Chamusca, e pediu-lhe aquelle mestrado para o dito
+seu filho, que levava em sua companha, e el-rei foi mui ledo do
+requerimento, e muito mais ledo de lh'o outorgar.
+
+Então tomou o moço o mestre nos braços, e tendo-o em elles, lhe cingiu
+el-rei a espada e o armou cavalleiro, e beijou-o na boca, lançando-lhe a
+benção, dizendo que Deus o accrescentasse de bem em melhor, e lhe desse
+tanta honra em feitos de cavallaria, como déra a seus avós: a qual
+benção foi em elle bem cumprida, como adiante ouvireis.
+
+E disse então el-rei contra o mestre:
+
+--Tenha este moço isto por agora, cá sei que mais alto ha de montar, se
+este é o meu filho João de que me a mim algumas vezes falaram, como quer
+que eu queira antes que se cumprisse no infante Dom João, meu filho, que
+n'elle; cá a mim disseram que eu tenho um filho João, que ha de montar
+muito alto, e por que o reino de Portugal ha de haver mui grande honra.
+E porque eu não sei qual d'estes Joões ha de ser, nem o podem saber em
+certo, eu azarei como sempre acompanhem ambos estes meus filhos, pois
+que ambos são de um nome, e escolha Deus um d'elles para isto, qual sua
+mercê fôr. Como quer que muito me suspeita a vontade que este ha de ser,
+e outro nenhum não, porque eu sonhava uma noite o mais estranho sonho
+que vós vistes: a mim parecia, em dormindo, que eu via todo Portugal
+arder em fogo, de guisa que todo o reino parecia uma fogueira, e estando
+assim espantado vendo tal cousa, vinha este meu filho João, com uma vara
+na mão, e com ella apagava aquelle fogo todo. E eu contei isto a alguns
+que razão teem de entender em taes cousas, e disseram-me que não podia
+ser, salvo que alguns grandes feitos lhe haviam de sair de entre as
+mãos.
+
+Ora, assim adveiu depois, como dizemos, que, isto feito, tornou-se o
+mestre de Christus para a villa, e mandou seu recado aos commendadores
+da ordem de Aviz, que viessem logo alli, por haver de falar com elles
+cousas que eram de serviço de Deus e prol de sua ordem (e isto fazia o
+dito mestre porquanto a ordem de Aviz e a de Christus são ambas da ordem
+de São Bento), os quaes, por suas cartas e requerimento, vieram logo
+áquelle logar.
+
+O mestre falou então com o commendador-mór, e com Fernão Soares, e Vasco
+Peres, todo o que era vontade de el-rei, dês-ahi entrou com elles em
+cabido, segundo costume de sua ordem, e o commendador propoz ao mestre,
+em nome seu e dos commendadores, dizendo que elle bem sabia como seu
+senhor, o mestre de Aviz Dom Martim do Avelal, era finado, e que elles
+não tinham mestre que os houvesse de reger como cumpria a serviço de
+Deus, segundo sua ordem mandava, nem entendiam de eleger outro, senão
+aquelle que lhes elle desse; e que pois elle era de sua regra e o fazer
+podia, que lhe pediam por mercê, que por serviço de Deus e bem da dita
+ordem, lhes desse mestre que os houvesse de reger segundo sua regra
+mandava.
+
+O mestre respondeu que diziam mui bem, como bons cavalleiros e bem
+sisudos, e porque elle era tido de fazer e requerer toda causa que fosse
+serviço de Deus e prol de sua ordem, que porém queria tomar cargo de
+lhes dar mestre que os houvesse de reger segundo sua regra mandava, e
+que para ser seu mestre lhes dava Dom João, filho de el-rei Dom Pedro,
+que elle criava, que entendia que era tal senhor que os regeria como
+cumpria a serviço de Deus e prol de sua ordem.
+
+O commendador-mór, e os outros disseram então, que lhe tinham em grande
+mercê de lhes dar tão honrado senhor por seu mestre: e logo o dito Dom
+João foi chamado, e foram-lhe tirados os vestidos seculares, e lançado o
+habito da ordem de Aviz, e como lhe foi vestido, o commendador-mór e os
+outros lhe beijaram o mão por seu mestre e senhor. E isto assim feito,
+foi elle levado para a ordem de Aviz, de onde era mestre, e alli se
+criou alguns annos, até que começou de florescer em manhas, e bondades,
+e autos de cavallaria, segundo a historia adiante dirá, contando cada
+umas em seu logar.
+
+E se alguns quizerem dizer que os poucos annos de sua idade e não
+legitima nascença embargavam de não poder ser mestre, a taes se responde
+que o Papa dispensou com elle, que posto que provido fosse antes do
+tempo, e nado de não legitimo matrimonio, que seus bons costumes e
+honroso proveito que d'elle vinha á ordem, corrigia tudo isto, e que o
+confirmava em elle.
+
+
+
+
+*CAPITULO XLIV*
+
+_Como foi trasladada Dona Ignez para o mosteiro de Alcobaça, e da morte
+d'el-rei Dom Pedro_.
+
+
+Porque semelhante amor, qual el-rei Dom Pedro houve a Dona Ignez,
+raramente é achado em alguma pessoa, porém disseram os antigos que
+nenhum é tão verdadeiramente achado, como aquelle cuja morte não tira da
+memoria o grande espaço do tempo. E se algum disser que muitos foram já,
+que tanto e mais que elle amaram, assim como Adriana, e Dido, e outras
+que não nomeamos, segundo se lê em suas epistolas, responde-se que não
+falamos em amores compostos, os quaes alguns autores abastados de
+eloquencia, e florescentes em bem ditar, ordenaram segundo lhes prouve,
+dizendo em nome de taes pessoas razões que nunca nenhuma d'ellas cuidou;
+mas falamos d'aquelles amores que se contam e lêem nas historias, que
+seu fundamento teem sobre verdade.
+
+Esse verdadeiro amor houve el-rei Dom Pedro a Dona Ignez, como se d'ella
+namorou sendo casado e ainda infante, de guisa que, pero d'ella no
+começo perdesse vista e fala, sendo alongado, como ouvistes, que é o
+principal azo de se perder o amor, nunca cessava de lhe enviar recados,
+como em seu logar tendes ouvido. Quanto depois trabalhou pela haver, e o
+que fez por sua morte, e quaes justiças n'aquelles que em ella foram
+culpados, indo contra seu juramento, bem é testemunho do que nós
+dizemos.
+
+E sendo lembrado de lhe honrar seus ossos, pois lhe já mais fazer não
+podia, mandou fazer um moimento de alva pedra, todo mui subtilmente
+obrado, pondo elevada sobre a campa de cima a imagem d'ella, com corôa
+na cabeça, como se fôra rainha. E este moimento mandou pôr no mosteiro
+de Alcobaça, não á entrada, onde jazem os reis, mas dentro na egreja, á
+mão direita, a cerca da capella-mór.
+
+E fez trazer o seu corpo do mosteiro de Santa Clara de Coimbra, onde
+jazia, o mais honradamente que se fazer pode, cá ella vinha em umas
+andas, muito bem corrigidas para tal tempo, as quaes traziam grandes
+cavalleiros, acompanhadas de grandes fidalgos, e muita outra gente, e
+donas, e donzellas e muita clerezia.
+
+Pelo caminho estavam muitos homens com cirios nas mãos, de tal guisa
+ordenados, que sempre o seu corpo foi, por todo o caminho, por entre
+cirios accesos; e assim chegaram até ao dito mosteiro, que eram d'alli
+dezesete leguas, onde com muitas missas e grão solemnidade foi posto seu
+corpo n'aquelle moimento. E foi esta a mais honrada trasladação que até
+áquelle tempo em Portugal fôra vista.
+
+Semelhavelmente mandou el-rei fazer outro tal moimento, e tambem obrado,
+para si, e fêl-o pôr a cerca do seu d'ella, para quando acontecesse de
+morrer o deitarem n'elle.
+
+E estando el-rei em Estremoz, adoeceu de sua postremeira dôr, e jazendo
+doente, lembrou-se como, depois da morte de Alvaro Gonçalves e Pero
+Coelho, elle fôra certo que Diogo Lopes Pacheco não fôra em culpa da
+morte de Dona Ignez, e perdoou-lhe todo queixume que d'elle havia, e
+mandou que lhe entregassem todos seus bens: e assim o fez depois el-rei
+Dom Fernando, seu filho, que lh'os mandou entregar todos, e lhe alçou a
+sentença, que el-rei seu padre contra elle passára, quanto com direito
+poude.
+
+E mandou el-rei em seu testamento, que lhe tivessem em cada um anno,
+para sempre, no dito mosteiro, seis capellães que cantassem por elle
+cada dia uma missa officiada, e sairem sobre ella com cruz e agua benta.
+E el-rei Dom Fernando, seu filho, por se isto melhor cumprir, e se
+cantarem as ditas missas, deu depois ao dito mosteiro, em doação por
+sempre, o logar que chamam as Paredes, termo de Leiria, com todas as
+rendas e senhorio que n'elle havia.
+
+E deixou el-rei Dom Pedro, em seu testamento, certos legados, a saber: á
+infante Dona Beatriz, sua filha, para casamento, cem mil libras; e ao
+infante Dom João, seu filho, vinte mil libras; e ao infante Dom Diniz,
+outras vinte mil; e assim a outras pessoas.
+
+E morreu el-rei Dom Pedro uma segunda-feira de madrugada, dezoito dias
+de janeiro da era de mil e quatrocentos e cinco annos, havendo dez annos
+e sete mezes e vinte dias, que reinava, e quarenta e sete annos e nove
+mezes e oito dias de sua idade. E mandou-se levar áquelle mosteiro que
+dissemos, e lançar em seu moimento, que está junto com o de Dona Ignez.
+
+E porquanto o infante Dom Fernando, seu primogenito filho, não era então
+ahi, foi el-rei detido e não levado logo, até que o infante veiu; e á
+quarta-feira foi posto no moimento.
+
+E diziam as gentes, que taes dez annos nunca houve em Portugal, como
+estes que reinára el-rei Dom Pedro.
+
+ * * * * *
+
+Fim da Chronica de El-rei D. Pedro I
+
+
+
+
+*INDEX*
+
+
+Duas palavras
+
+Chronica do Senhor Rei D. Pedro I, oitavo Rei de Portugal, Prologo
+
+Capitulo I--Do reinado de el-rei Dom Pedro, oitavo rei de Portugal, e
+das condições que n'elle havia.
+
+Capitulo II--Como el-rei de Castella mandou pelo corpo da rainha Dona
+Maria, sua madre, e da carta que enviou a el-rei de Portugal, seu tio.
+
+Capitulo III--Das cartas que o papa, e el-rei de Aragão enviaram a
+el-rei de Portugal sobre a morte de el-rei, seu padre.
+
+Capitulo IV--Da maneira que el-rei Dom Pedro tinha nos desembargos de
+sua casa.
+
+Capitulo V--De algumas cousas que el-rei Dom Pedro ordenou por bem de
+justiça e prol de seu povo.
+
+Capitulo VI--Como el-rei mandou degolar dois seus criados, porque
+roubaram um judeu e o mataram.
+
+Capitulo VII--Como el-rei quizera metter um bispo a tormento, porque
+dormia com uma mulher casada.
+
+Capitulo VIII--Como el-rei mandou capar um seu escudeiro, porque dormiu
+com uma mulher casada.
+
+Capitulo IX--Como el-rei mandou queimar a mulher de Affonso André, e de
+outras justiças que mandou fazer.
+
+Capitulo X--Como el-rei mandava matar o almirante; e da carta que lhe
+enviou o duque e commum de Genova, rogando por elle.
+
+Capitulo XI--Das moedas que el-rei Dom Pedro fez, e da valia do oiro e
+da prata n'aquelle tempo.
+
+Capitulo XII--Da maneira que os reis tinham para fazer thesouros, e
+accrescentar n'elles.
+
+Capitulo XIII--Por que guisa el-rei Dom Pedro de Castella começou de
+juntar thesouro.
+
+Capitulo XIV--Como el-rei fez conde e armou cavalleiro João Affonso
+Tello, e da grão festa que lhe fez.
+
+Capitulo XV--Das avenças que el-rei de Castella e el-rei Dom Pedro de
+Portugal firmaram entre si, e como lhe el-rei de Portugal prometteu de
+fazer ajuda contra Aragão.
+
+Capitulo XVI--De algumas pessoas que el-rei Dom Pedro de Castella mandou
+matar, e como casou com a rainha Dona Branca e a deixou.
+
+Capitulo XVII--Como se começou o desvairo entre el-rei Dom Pedro de
+Castella e o conde Dom Henrique, seu irmão, o qual foi aso porque se o
+conde foi fóra do reino.
+
+Capitulo XVIII--Como e por qual aso se começou a guerra entre Castella e
+Aragão.
+
+Capitulo XIX--Como el-rei de Castella entrou por Aragão e das cousas que
+fez n'este anno.
+
+Capitulo XX--Como el-rei Dom Pedro fez matar o mestre de São Thiago Dom
+Fradarique, seu irmão, no alcaçar de Sevilha.
+
+Capitulo XXI--Como el-rei partiu de Sevilha por tomar Dom Tello, seu
+irmão, para o matar; e como matou o infante Dom João, seu primo.
+
+Capitulo XXII--Como foi quebrada a tregua de um anno que havia entre os
+reis, e como el-rei Dom Pedro juntou armada por fazer guerra a Aragão.
+
+Capitulo XXIII--Como veiu o cardeal de Bolonha para fazer paz entre
+el-rei de Castella e el-rei de Aragão, e os não poude pôr de accordo.
+
+Capitulo XXIV--Como el-rei de Castella enviou pedir ajuda de galés a
+el-rei de Portugal, e como partiu com sua frota por fazer guerra a
+Aragão.
+
+Capitulo XXV--Como se partiu o almirante de Portugal com as dez galés, e
+como el-rei Dom Pedro desarmou a frota; e de outras cousas.
+
+Capitulo XXVI--Como o cardeal de Bolonha quizera tratar paz entre os
+reis e não poude, e como as gentes d'el-rei Dom Pedro pelejaram com o
+conde e o desbarataram.
+
+Capitulo XXVII--Como el-rei Dom Pedro de Portugal disse por Dona Ignez
+que fora sua mulher recebida, e da maneira que em ello teve.
+
+Capitulo XXVIII--Do testemunho que alguns deram no casamento de Dona
+Ignez, e das razões que sobre ello propoz o conde Dom João Affonso.
+
+Capitulo XXIX--Razões contra isto, de alguns que ahi estavam, duvidando
+muito n'este casamento.
+
+Capitulo XXX--Como os reis de Portugal e de Castella fizeram entre si
+avença, que entregassem, um ao outro, alguns que andavam seguros em seus
+reinos.
+
+Capitulo XXXI--Como Diogo Lopes Pacheco escapou de ser preso, e foram
+entregues os outros, e logo mortos cruelmente.
+
+Capitulo XXXII--De algumas cousas que el-rei Dom Pedro de Castella
+mandou fazer, e como fez paz com el-rei de Aragão entrando em seu reino.
+
+Capitulo XXXIII--De algumas entradas que el-rei este anno fez no reino
+de Granada, e como el-rei Vermelho se veiu pôr em seu poder, cuidando de
+ser seguro, e el-rei o mandou matar.
+
+Capitulo XXXIV--Das avenças que el-rei de Castella fez com el-rei de
+Aragão, entrando em seu reino, e como as depois não quiz guardar.
+
+Capitulo XXXV--Como el-rei Dom Pedro entrou outra vez em Aragão, com sua
+frota de naus e galés, e das cousas que alli fez.
+
+Capitulo XXXVI--Como o conde Dom Henrique entrou por Castella com muitas
+companhas, e foi alçado por rei; e como el-rei Dom Pedro mandou
+desamparar todos os logares que em Aragão tinha filhados.
+
+Capitulo XXXVII--Como el-rei Dom Pedro de Castella enviava uma sua filha
+a Portugal, e como elle partiu de Sevilha com temor que houve dos da
+cidade.
+
+Capitulo XXXVIII--De como el-rei Dom Pedro de Castella fez saber a seu
+tio que era em seu reino, e como se el-rei escusou de o vêr, e lhe fazer
+ajuda.
+
+Capitulo XXXIX--Como el-rei de Castella partiu de Coruche, e se foi de
+Portugal; e quaes enviaram em sua companha.
+
+Capitulo XL--Como el-rei Dom Pedro chegou a Galliza, e matou o arcebispo
+de São Thiago, e se foi para Inglaterra.
+
+Capitulo XLI--Como el-rei Dom Henrique chegou a Sevilha, e da alliança
+que fez com el-rei de Portugal.
+
+Capitulo XLII--Como el-rei de Portugal enviou seus embaixadores a casa
+do principe de Galles, por se desculpar do que el-rei Dom Pedro dizia.
+
+Capitulo XLIII--Como Dom João, filho de el-rei Dom Pedro de Portugal,
+foi feito mestre de Aviz.
+
+Capitulo XLIV--Como foi trasladada Dona Ignez para o mosteiro de
+Alcobaça, e da morte d'el-rei Dom Pedro.
+
+
+
+
+
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+- You provide, in accordance with paragraph 1.F.3, a full refund of any
+ money paid for a work or a replacement copy, if a defect in the
+ electronic work is discovered and reported to you within 90 days
+ of receipt of the work.
+
+- You comply with all other terms of this agreement for free
+ distribution of Project Gutenberg-tm works.
+
+1.E.9. If you wish to charge a fee or distribute a Project Gutenberg-tm
+electronic work or group of works on different terms than are set
+forth in this agreement, you must obtain permission in writing from
+both the Project Gutenberg Literary Archive Foundation and Michael
+Hart, the owner of the Project Gutenberg-tm trademark. Contact the
+Foundation as set forth in Section 3 below.
+
+1.F.
+
+1.F.1. Project Gutenberg volunteers and employees expend considerable
+effort to identify, do copyright research on, transcribe and proofread
+public domain works in creating the Project Gutenberg-tm
+collection. Despite these efforts, Project Gutenberg-tm electronic
+works, and the medium on which they may be stored, may contain
+"Defects," such as, but not limited to, incomplete, inaccurate or
+corrupt data, transcription errors, a copyright or other intellectual
+property infringement, a defective or damaged disk or other medium, a
+computer virus, or computer codes that damage or cannot be read by
+your equipment.
+
+1.F.2. LIMITED WARRANTY, DISCLAIMER OF DAMAGES - Except for the "Right
+of Replacement or Refund" described in paragraph 1.F.3, the Project
+Gutenberg Literary Archive Foundation, the owner of the Project
+Gutenberg-tm trademark, and any other party distributing a Project
+Gutenberg-tm electronic work under this agreement, disclaim all
+liability to you for damages, costs and expenses, including legal
+fees. YOU AGREE THAT YOU HAVE NO REMEDIES FOR NEGLIGENCE, STRICT
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+LIABLE TO YOU FOR ACTUAL, DIRECT, INDIRECT, CONSEQUENTIAL, PUNITIVE OR
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+is also defective, you may demand a refund in writing without further
+opportunities to fix the problem.
+
+1.F.4. Except for the limited right of replacement or refund set forth
+in paragraph 1.F.3, this work is provided to you 'AS-IS', WITH NO OTHER
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+WARRANTIES OF MERCHANTIBILITY OR FITNESS FOR ANY PURPOSE.
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+warranties or the exclusion or limitation of certain types of damages.
+If any disclaimer or limitation set forth in this agreement violates the
+law of the state applicable to this agreement, the agreement shall be
+interpreted to make the maximum disclaimer or limitation permitted by
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+provision of this agreement shall not void the remaining provisions.
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+1.F.6. INDEMNITY - You agree to indemnify and hold the Foundation, the
+trademark owner, any agent or employee of the Foundation, anyone
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+with this agreement, and any volunteers associated with the production,
+promotion and distribution of Project Gutenberg-tm electronic works,
+harmless from all liability, costs and expenses, including legal fees,
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+or cause to occur: (a) distribution of this or any Project Gutenberg-tm
+work, (b) alteration, modification, or additions or deletions to any
+Project Gutenberg-tm work, and (c) any Defect you cause.
+
+
+Section 2. Information about the Mission of Project Gutenberg-tm
+
+Project Gutenberg-tm is synonymous with the free distribution of
+electronic works in formats readable by the widest variety of computers
+including obsolete, old, middle-aged and new computers. It exists
+because of the efforts of hundreds of volunteers and donations from
+people in all walks of life.
+
+Volunteers and financial support to provide volunteers with the
+assistance they need, is critical to reaching Project Gutenberg-tm's
+goals and ensuring that the Project Gutenberg-tm collection will
+remain freely available for generations to come. In 2001, the Project
+Gutenberg Literary Archive Foundation was created to provide a secure
+and permanent future for Project Gutenberg-tm and future generations.
+To learn more about the Project Gutenberg Literary Archive Foundation
+and how your efforts and donations can help, see Sections 3 and 4
+and the Foundation web page at https://www.pglaf.org.
+
+
+Section 3. Information about the Project Gutenberg Literary Archive
+Foundation
+
+The Project Gutenberg Literary Archive Foundation is a non profit
+501(c)(3) educational corporation organized under the laws of the
+state of Mississippi and granted tax exempt status by the Internal
+Revenue Service. The Foundation's EIN or federal tax identification
+number is 64-6221541. Its 501(c)(3) letter is posted at
+https://pglaf.org/fundraising. Contributions to the Project Gutenberg
+Literary Archive Foundation are tax deductible to the full extent
+permitted by U.S. federal laws and your state's laws.
+
+The Foundation's principal office is located at 4557 Melan Dr. S.
+Fairbanks, AK, 99712., but its volunteers and employees are scattered
+throughout numerous locations. Its business office is located at
+809 North 1500 West, Salt Lake City, UT 84116, (801) 596-1887, email
+business@pglaf.org. Email contact links and up to date contact
+information can be found at the Foundation's web site and official
+page at https://pglaf.org
+
+For additional contact information:
+ Dr. Gregory B. Newby
+ Chief Executive and Director
+ gbnewby@pglaf.org
+
+Section 4. Information about Donations to the Project Gutenberg
+Literary Archive Foundation
+
+Project Gutenberg-tm depends upon and cannot survive without wide
+spread public support and donations to carry out its mission of
+increasing the number of public domain and licensed works that can be
+freely distributed in machine readable form accessible by the widest
+array of equipment including outdated equipment. Many small donations
+($1 to $5,000) are particularly important to maintaining tax exempt
+status with the IRS.
+
+The Foundation is committed to complying with the laws regulating
+charities and charitable donations in all 50 states of the United
+States. Compliance requirements are not uniform and it takes a
+considerable effort, much paperwork and many fees to meet and keep up
+with these requirements. We do not solicit donations in locations
+where we have not received written confirmation of compliance. To
+SEND DONATIONS or determine the status of compliance for any
+particular state visit https://pglaf.org
+
+While we cannot and do not solicit contributions from states where we
+have not met the solicitation requirements, we know of no prohibition
+against accepting unsolicited donations from donors in such states who
+approach us with offers to donate.
+
+International donations are gratefully accepted, but we cannot make
+any statements concerning tax treatment of donations received from
+outside the United States. U.S. laws alone swamp our small staff.
+
+Please check the Project Gutenberg Web pages for current donation
+methods and addresses. Donations are accepted in a number of other
+ways including including checks, online payments and credit card
+donations. To donate, please visit: https://pglaf.org/donate
+
+
+Section 5. General Information About Project Gutenberg-tm electronic
+works.
+
+Professor Michael S. Hart was the originator of the Project Gutenberg-tm
+concept of a library of electronic works that could be freely shared
+with anyone. For thirty years, he produced and distributed Project
+Gutenberg-tm eBooks with only a loose network of volunteer support.
+
+Project Gutenberg-tm eBooks are often created from several printed
+editions, all of which are confirmed as Public Domain in the U.S.
+unless a copyright notice is included. Thus, we do not necessarily
+keep eBooks in compliance with any particular paper edition.
+
+Most people start at our Web site which has the main PG search facility:
+
+ https://www.gutenberg.org
+
+This Web site includes information about Project Gutenberg-tm,
+including how to make donations to the Project Gutenberg Literary
+Archive Foundation, how to help produce our new eBooks, and how to
+subscribe to our email newsletter to hear about new eBooks.
+
+*** END: FULL LICENSE ***
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+This eBook, including all associated images, markup, improvements,
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