summaryrefslogtreecommitdiff
diff options
context:
space:
mode:
authorRoger Frank <rfrank@pglaf.org>2025-10-15 01:19:32 -0700
committerRoger Frank <rfrank@pglaf.org>2025-10-15 01:19:32 -0700
commita4cdcb00bc2928da93ea0e08de961419d6af4e16 (patch)
treeadc6ba0a5ca31cc514ca8652cf48685ffc65e7dd
initial commit of ebook 20149HEADmain
-rw-r--r--.gitattributes3
-rw-r--r--20149-8.txt1987
-rw-r--r--20149-8.zipbin0 -> 25428 bytes
-rw-r--r--LICENSE.txt11
-rw-r--r--README.md2
5 files changed, 2003 insertions, 0 deletions
diff --git a/.gitattributes b/.gitattributes
new file mode 100644
index 0000000..6833f05
--- /dev/null
+++ b/.gitattributes
@@ -0,0 +1,3 @@
+* text=auto
+*.txt text
+*.md text
diff --git a/20149-8.txt b/20149-8.txt
new file mode 100644
index 0000000..cc63050
--- /dev/null
+++ b/20149-8.txt
@@ -0,0 +1,1987 @@
+The Project Gutenberg EBook of Paródia ao primeiro canto dos Lusíadas de
+Camões por quatro estudantes de Évora em 1589, by Anonymous
+
+This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with
+almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or
+re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included
+with this eBook or online at www.gutenberg.org
+
+
+Title: Paródia ao primeiro canto dos Lusíadas de Camões por quatro estudantes de Évora em 1589
+
+Author: Anonymous
+
+Release Date: December 20, 2006 [EBook #20149]
+
+Language: Portuguese
+
+Character set encoding: ISO-8859-1
+
+*** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK PARÓDIA AO PRIMEIRO CANTO ***
+
+
+
+
+Produced by Rita Farinha and the Online Distributed
+Proofreading Team. The images for this file were generously
+made available by Biblioteca Nacional Digital
+(http://bnd.bn.pt).
+
+
+
+
+
+
+PARODIA AO PRIMEIRO CANTO DOS LUSIADAS DE CAMÕES POR QUATRO ESTUDANTES
+DE EVORA EM 1589.
+
+
+LISBOA.
+NA TYPOGRAPHIA DE G. M. MARTINS.
+Rua do Ferregial de Baixo, 22.
+1880.
+
+
+
+
+As honras da parodia só ás obras do genio costumam conceder-se. A divina
+Iliada foi parodiada em um poema heroi-comico tão antigo, que geralmente
+se attribue ao proprio Homero; ainda que Suidas lhe dá por auctor a
+Pigres, irmão da Rainha Artemisa. N'esse poema, intitulado a
+_Batrachomyomachia_, a terrivel lucta dos Gregos e Troianos é
+reproduzida no maravilhoso combate dos ratos e das rãs. Esta corôa
+burlesca ainda faltava ao rival de Homero, quando o poeta Scarron
+_primeiro_ marido da famigerada Marqueza de Maintenon, se lembrou de
+cantar:
+
+ ...... cet homme pieux,
+Qui vint chargé de tous se Dieux
+Et de Monsieur son père Anchise,
+Beau vieillard à la barbe grise, etc.
+
+A grande obra do unico homem de genio que talvez tenha produzido a nossa
+terra, não podia isentar-se d'este fado inherente ás grandes
+celebridades. Eram apenas passados dezoito annos depois da publicação
+dos _Lusiadas_--ainda a reputação de Camões não estava consagrada pelos
+seculos, quando alguns homens engenhosos comprehenderam que aquella obra
+immortal era uma d'aquellas a que a parodia era devida. O resultado de
+seus trabalhos não é de certo para comparar com nenhuma das espirituosas
+producções que ficam mencionadas; mas ainda assim não é esta
+inteiramente destituida de merecimento. Francisco Soares Toscano, bem
+conhecido dos litteratos pelo seu _Parallelo de Principes_, escreveu uma
+interessante noticia sobre esta obra, em que nos conta o curioso modo
+por que ella foi composta. Quatro estudantes da Universidade d'Evora
+costumavam sair a passear, ás tardes, aos arrabaldes da cidade, levando
+comsígo os Lusiadas. Chegados a um verde ferrageal, sentavam-se a uma
+fresca sombra, e se abria a sessão parodiadora. Assim como a engelhada e
+disforme mascara de uma velha megéra cobre o rosto radiante de formosura
+de uma elegante _Coquette_, para mais fazer realçar seus encantos,
+quando deixe cair aquelle hediondo disfarce; assim o immortal poema
+devia ser desfigurado por aquelles travessos estudantes. Os Gamas,
+Castros e Albuquerques tinham de ceder seu logar aos Catigelas, Lunas e
+Barbanças, barões sem duvida tão assignalados nos combates de Baccho
+como ess'outros nos de Marte.
+
+Dois mezes durava aquella sessão extraordinaria; e já tão continuados
+passeios davam que fallar aos estudantes e tambem dariam que entender á
+Santa Inquisição d'Evora, se aquella sociedade secreta não fosse
+composta, como de facto o era, de quatro theologos, e tão orthodoxos,
+que um d'elles veio a ser Inquisidor Geral. Mas por fim appareceu a
+mysteriosa obra dos quatro patuscos, como hoje lhe chamaria um
+academico, e não sei se já então lhe chamavam. A este modo de composição
+de sociedade e ás muitas emendas que depois soffreu dos curiosos, como
+adverte Toscano, se deve talvez a confusão do enredo d'este poema.
+Parece que seus collaboradores tinham principalmente em vista inverter
+ao _de-vinho_ cada verso que entrava em discussão, sem attender á
+coherencia do todo. É provavel que se propozessem a celebrar os mais
+famosos bebedores Evorenses, aos quaes alludissem, e talvez nomeassem
+por seus proprios nomes ou apellidos. Toscano, que os devia conhecer,
+assim o indica quando diz que tinha feito varias cotas a esta parodia
+para melhor se entender. Com effeito na est. XXX se faz menção de um
+_Pero Vaz_, que provavelmente é o mesmo christão-novo, bebado perdido,
+auctor do epigramma latino de que falla a noticia. Infelizmente para a
+historia da _Borracheologia Lusitana_, cotas e epigramma tudo se perdeu.
+
+Os collaboradores d'esta innocente profanação litteraria não são
+inteiramente desconhecidos. _Manoel do Valle de Moura_, natural de
+Arrayolos no Alemtejo, doutorou-se em Theologia na Universidade d'Evora,
+e chegou a ser Arcebispo d'esta diocese e Inquisidor geral. Contava
+vinte e cinco annos quando concorria para esta composição, e chegou a
+uma avançada idade. Além da obra _De Encantationibus et Ensalmis_, de
+que falla Toscano, e outras de não menor utilidade, Barboza o faz auctor
+de uma _Illustração á primeira Ode de Camões_. De certo não fez pouco
+Sua Rev.^{ma} se conseguiu lançar alguma luz sobre aquelle confuso ou
+estropeado poema. Nem _Bartholomeu Varella_, nem o Licenciado _Manoel
+Luiz_, tiveram a honra de encher as columnas da Bibliotheca Lusitana;
+mas João Baptista de Castro de ambos faz menção no seu Mappa de
+Portugal. Não é comtudo a Varella, como elle pensa, que cabem os
+louvores que lhe dá por esta composição burlesca. Manoel Luiz
+Freire--que assim lhe chama um Padre Francisco da Cruz, citado por
+Castro,--se deve ter como o principal e mais chistoso collaborador desta
+obra. As unicas noticias biographicas que d'elle sabemos, são as
+apontadas por Toscano em sua noticia. O quarto dos theologos, e ao que
+parece o mais theologo de todos, foi o pobre _Luiz Mendes de
+Vasconcellos_, cujo ronceiro estro só lhe pôde inspirar um unico verso.
+Não se confunda este obscuro individuo com o auctor do _Sitio de Lisboa_
+e da _Arte militar_, supposto fossem contemporaneos. Um dedicou-se á
+Egreja, o outro ás armas.
+
+Esta parodia chegou a alcançar certa celebridade, ainda que até agora
+nunca fosse impressa. Eis-aqui o que d'ella diz Faria e Souza, fallando
+de outra de um soneto de Garcilasso, attribuida a Camões: «Lo que mi
+poeta hizo conquel soneto de Garcilasso, pasándose de tanta gravedad a
+tanta picardia, hizo otro ingenio Portuguez con el canto 1.^o de su
+Lusiada, intitulándole _Borrachera_; porque celebra en él á algunos
+aficionados del vino; y las mas de las otavas son bueltas á este
+proposito con gran felicidad.» E depois de dar como amostra os quatros
+primeiros versos da 1.^a oitava, prosegue: «El canto 2.^o continuó (y no
+con menos felicidad) _Antonio de Magallanes y Menezes_, señor de la
+Ponte da Barca, que este ano de 1645, aqui en Madrid, me referió algunas
+estancias. Yo, quando en mi mocedad atendia á esto, bolvi tambien
+algunas, de que se me acuerdan los primeros quatro versos de la 90 del
+canto 5.^o, que son:
+
+Da boca de facundo capitão, &c.
+
+y mi rebuelta dice deste modo:
+
+Da boca do fecundo borrachão
+Pendendo estavam todos bem bebidos,
+Quando deu fim a grande inundação
+Dos altos copos grandes e subidos!»
+
+(_Comment. ás Rim. Tom. 1.^o pag. 354_).
+
+
+
+
+FESTAS BACCHANAES:
+
+CONVERSÃO DO PRIMEIRO CANTO DOS LUSIADAS DO GRANDE LUIZ DE CAMÕES
+VERTIDOS DO HUMANO EM O DE-VINHO POR UNS CAPRICHOSOS AUCTORES: S.
+
+O DR. MANOEL DO VALLE, BARTHOLOMEU VARELLA, LUIZ MENDES DE VASCONCELLOS,
+E O LICENCIADO MANOEL LUIZ, NO ANNO DE 1589.
+
+ * * * * *
+
+NOTICIA.
+
+
+Esta obra da conversão do primeiro canto do poema de Luiz de Camões se
+fez no anno de 1589, para a qual concorreram quatro pessoas, a saber: o
+_Dr. Manoel do Valle_, deputado da Santa Inquisição, que compôz o livro
+dos Ensalmos em latim, que agora imprimiu: outro foi _Bartholomeu
+Varella_, natural de Vianna, junto a Evora, o qual falleceu, que era
+irmão de Diogo Pereira, que foi este anno ás Côrtes, que El-rei D.
+Filippe II fez em Lisboa, por Procurador d'esta cidade de Evora. Foi
+Bartholomeu Varella clerigo e grandissimo poeta. O terceiro foi _Luiz
+Mendes de Vasconcellos_, criado do Arcebispo D. Theotonio; o qual posto
+que não era poeta, se achou ao fazer da obra; e só fez um verso, que é o
+ultimo da oitava 17; porque estando elles suspensos no cuidado de
+completarem a dita oitava e parados no verso que diz:
+
+_Porque este é o que aguenta a velha idade_, acudiu o dito Luiz Mendes,
+concluindo:
+
+_Desterrando a agua-pé d'esta cidade._
+
+O quarto e principal auctor foi o Licenciado _Manoel Luiz_, Bacharel; e
+este anno de 1619 vive com o Priorado de Terena. Este foi o promovedor
+d'esta obra, e a fez quasi toda, ou o melhor d'ella.
+
+Quando a fizeram eram então todos theologos; e ás tardes, acabado o
+estudo, sahiam pela porta de Machede, e assentados em um ferrageal, iam
+traduzindo para a bebedice as taes oitavas de Camões, fingindo uma
+embarcação de Lisboa para Evora, como Camões a de Portugal para a India
+Oriental; e compozeram a tal obra dentro em dois mezes, no cabo dos
+quaes sahiram com ella: sendo que já os estudantes suspeitavam de alguma
+applicação (posto que não soubessem de certo o que era) pelos verem ir
+todas as tardes para fóra dos muros, e communicarem seus papeis, sem
+darem conta d'isso a ninguem.
+
+Finalmente, sahida a obra, foi muito festejada e estimada de todos; e
+lendo-a o Padre Ferrer, castelhano (varão doutissimo da Companhia, do
+qual o Dr. Manoel do Valle traz uma carta no seu livro) e fallando-se
+n'ella, costumava dizer, que era a melhor obra que nunca sahira nem elle
+vira, se não fosse tão suja.
+
+Depois, como se divulgou, cada um a quiz emendar como entendia, d'onde
+vem andarem hoje as copias com tanta diversidade de leituras. Porém eu,
+esta que aqui vae, a trasladei do proprio original e letra de
+Bartholomeu Varella, que está em poder do Chantre da Sé d'esta cidade,
+Manoel Severim de Faria, que a houve do dito Varella, e lhe fiz algumas
+cotas para intelligencia da obra.
+
+Isto me parece basta para se saber o como esta obra se fez. E eu
+_Francisco Soares Toscano_ o fiz aos 10 de Janeiro de 1619.
+
+
+
+
+FESTAS BACCHANAES.
+
+
+ARGUMENTO.
+
+
+_Fazem concilio os bebados de porte,
+Oppõe-se aos Bagulhentos Pedro ingente;
+Favorece-os o Catigela forte,
+No Lamarosa tem seu lava-dente.
+De inveja Lyeo lhes busca a morte,
+Descendo a Monte-mór contra esta gente,
+Que vê em rio Mourinho a acção traidora,
+E a Peramanca chega vencedora_.
+
+
+I.
+
+
+Borrachas, borrachões assignalados,
+Que de Alcochete junto a Villa Franca,
+Por mares nunca d'antes navegados
+Passaram inda além de Peramanca:
+Em pagodes, e ceias esforçados,
+Mais do que se permitte a gente branca,
+Em Evora cidade se alojaram,
+Onde pipas e quartos despejaram:
+
+
+II.
+
+
+Tambem as bebedices mui famosas
+D'aquelles que andaram esgotando
+O imperio de Baccho, e as saborosas
+Agoas do bom Louredo devastando;
+E os que por bebedices valerosas
+Se vão das leis do reino libertando;
+Cantando espalharei por toda a parte,
+Se a tanto me ajudar Baccho, e não Marte.
+
+
+III.
+
+
+Cessem do Novellão, do gran Barbança
+As grandes bebedices que fizeram;
+Cale-se do Rangel e do Carrança
+A multidão dos vinhos que beberam,
+Que eu canto d'outra gente e d'outra lança,
+A quem frascos de vinho obedeceram:
+Cesse tudo o que a musa antiga canta,
+Que outro beber mais alto se alevanta.
+
+
+IV.
+
+
+E vós, bacchanaes nymphas, pois creado
+Em mim tendes a sêde tão ardente,
+Se sempre em largo copo espraiado
+Festejei vosso vinho alegremente,
+Dae-me agora um bom papo despejado
+Para beber á perda co'esta gente,
+Porque de vossas agoas Baccho ordene
+Um rio para bebados perenne.
+
+
+V.
+
+
+Dae-me uma vasilha mui cheirosa,
+Seja de bom licor, não saiba a arruda,
+De Peramanca seja que é gostosa,
+O peito esforça, a côr ao gesto muda;
+Dae-me igual nome ás tassas da famosa
+Gente vossa que Baccho tanto ajuda;
+Que se espalhe, e se cante no universo,
+Se tanta bebedice cabe em verso.
+
+
+VI.
+
+
+E vós, Fernan Gonçalves, segurança
+Das festas de Lyeo em esta idade,
+Podeis atravessar com confiança
+Quantas adegas ha n'esta cidade:
+Vós, mano, nosso amor, nossa esperança,
+A quem só promettemos lealdade,
+Pois Baccho a nós vos deu por cousa grande,
+Seja a medida assim de quem a mande.
+
+
+VII.
+
+
+Vós só tendes o ramo florescente
+Da arvore de Cybele mais amada,
+Que nenhuma nascida em Benavente
+Ou pelo rio abaixo até Almada.
+Vêde-o nas toalhas, que presente
+Vos mostra a bebedice já passada,
+Nas quaes vivas lembranças vos deixou
+O que de vinho mais se carregou.
+
+
+VIII.
+
+
+Vós, alto taverneiro, cujo imperio
+O bebado em se erguendo vê primeiro,
+Ou beba n'este nosso hemisferio,
+Ou beba lá n'esse outro derradeiro:
+E nem por isso sente vituperio
+O fidalgo, o estudante, o cavalleiro,
+Antes o Turco, o Mouro, e o Gentio
+Lhes pêza não beber do vosso rio:
+
+
+IX.
+
+
+Inclinae por um pouco a magestade,
+Que no azamboado rosto vos contemplo,
+Quando fordes c'os mais d'esta cidade
+Offertar-vos a Baccho no seu templo:
+Os olhos da real bebecidade
+Ponde no borrachão, vereis exemplo
+De amor de vossos vinhos saborosos
+Por bebados louvados espantosos.
+
+
+X.
+
+
+Então vereis se sois bem conhecido
+De todos os amigos de Falerno;
+Que não é pouco ser obedecido
+No estio, primavera, outono, inverno:
+Ouvi, vereis o nome engrandecido
+D'aquelles de quem sois senhor superno;
+E julgareis qual é mais excellente
+Se ser do mundo rei, se de tal gente.
+
+
+XI.
+
+
+Ouvi, que não vereis com vãs façanhas
+Fantasticas, fingidas, mentirosas,
+Louvar os vossos, como nas estranhas
+Musas, de engrandecer-se desejosas:
+Bebedices dos vossos são tamanhas,
+Que excedem as sonhadas fabulosas,
+Que excedem ao primeiro vinhateiro,
+E a Baccho inda que fôra verdadeiro.
+
+
+XII.
+
+
+Por estes vos darei um Claudio fero,
+Que fez a Peramanca tal serviço,
+Um fulano Coutinho, que de mero
+A borracha para elle só cubiço.
+Pois pelos doze Pares dar-vos quero
+Uns doze que sobre um pobre chouriço
+Entornaram tão rijo que de cama
+Um monte lhes serviu d'esterco e lama.
+
+
+XIII.
+
+
+E se a troco de Nun'alvres e Barbança
+Ou do Luna quereis igual memoria,
+Vêde primeiro a Pedro, cuja lança
+No beber escurece qualquer gloria;
+E aquelle que do enxame a segurança
+No copo só quiz ter, por ter victoria;
+Aquelle Diogo, invicto cavalleiro,
+Que em quatro não é quarto, mas primeiro.
+
+
+XIV.
+
+
+Nem deixarão meus versos esquecidos
+Aquelles que na sêde gastadora
+Se fizeram no copo tão subidos,
+De Lyeo a bandeira vencedora:
+Um Daniel fortissimo e os temidos
+Lacaios, por quem sei que sempre chora
+Da Chamusca e Louredo o vinho forte,
+E outros a quem Thetis causa a morte.
+
+
+XV.
+
+
+Em quanto a estes canto, e a vós não posso,
+Bom Fernando, que não me atrevo a tanto,
+Essa mão alargae ao vinho vosso,
+Dareis materia a nunca ouvido canto.
+Começarão a fugir d'agoa do poço
+Os que em vêl-a sómente tem espanto,
+Que em pagodes, merendas e jantares
+Empinar querem só de Baccho os mares.
+
+
+XVI.
+
+
+Em vós os olhos tem o Mouro frio,
+Frio, que usar de vós lhe não é dado;
+Pelo contrario o barbaro gentio
+Com desejo de ver-vos 'stá squentado;
+Peramanca o vermelho senhorio
+Vos tem s'enviuvaes apparelhado;
+Que pois em dar seus bens sois brando e tenro,
+Deseja de comprar-vos para genro.
+
+
+XVII.
+
+
+De Castella se veem n'essa morada
+Agoas de duas côres deleitosas,
+Quando a nossa cidade está esgotada,
+Inda que o gesso as faz menos gostosas;
+C'o licor novo espera ser tirada
+A reima das entranhas sequiosas,
+Porque esse é o que aquenta a velha idade
+Desterrando a agoa-pé d'esta cidade.
+
+
+XVIII.
+
+
+Mas em quanto com novo não me alento,
+Reparti com os pobres que o desejam;
+Ide largando d'elle, com intento
+Que seus poucos reales vossos sejam.
+Assi recolhereis o nosso argento,
+E de todos aquelles que festejam
+Por tal ordem a Baccho celebrado,
+Que costumam beber cada bocado.
+
+
+XIX.
+
+
+Já de lá d'Alcochete caminhavam,
+As fermosas borrachas apertando,
+E depois de vasias as largavam,
+Outras d'outro licor melhor tomando,
+De branca escuma os copos se mostravam
+Cubertos ao beber não lhe assoprando;
+Mas as agoas nem doces, nem salgadas
+D'ellas vistas não foram nem provadas.
+
+
+XX.
+
+
+Quando Francisco, bebado espantoso,
+Que em copo, frasco, taça é eminente,
+Se ajuntou em conselho, desejoso
+De dar favor a toda aquella gente.
+Pisando esse caminho tão famoso
+Da rua das adegas prestemente,
+Convocados da parte do entornante
+Por um já n'outro tempo bom tocante.
+
+
+XXI.
+
+
+Deixam dos sótãos frios o aposento
+Que para beber n'elles lhe foi dado,
+Obedecendo logo ao mandamento
+De um bebado tão nobre e tão honrado.
+Alli se acharam juntos n'um momento
+No bairro de Reimonde celebrado,
+Os da Porta d'Avis e outros onde
+As suas casas grandes tem o Conde.
+
+
+XXII.
+
+
+'Stava Francisco alli sublime e dino,
+Vermelho como os raios de Vulcano;
+Por sceptro tinha um copo crystalino
+De cheiroso licor, mas não d'este anno;
+Da boca lhe sahia um ar tão fino,
+Que em vinho convertêra um tigre hyrcano;
+Dos ramos tinha c'rôa rutilante
+Em que tornou a Daphne seu amante.
+
+
+XXIII.
+
+
+Em lagariças, dornas assentados,
+Cubertos de mosquitos que voavam,
+Os mais bebados são agasalhados,
+Sem ordem nem razão se assentavam.
+Precedem os menores aos honrados;
+E assi uns pelos outros se trocavam:
+Quando Francisco alto assi dizendo,
+Com tom de voz começa grave e horrendo:
+
+
+XXIV.
+
+
+Moradores de donde antigamente
+Teve Sertorio casa e certo assento,
+Se do grande beber da forte gente
+De Baccho não perdeis o pensamento,
+Deveis de ter sabido claramente
+Como é dos fados grandes certo intento
+Que por elles s'esqueçam Castelhanos,
+Flamengos, Allemães, Italianos.
+
+
+XXV.
+
+
+Já lhe foi, bem o vistes, concedido
+A um bebado d'estes mais pequeno
+Sogigar Caparica e ter bebido
+Toda a terra que rega o Tejo ameno.
+Camarate lhe tem obedecido,
+Póvos se lhe mostrou brando e sereno;
+Para que é mais cansar? cousa é notoria
+D'Ourem e Figueiró levaram gloria.
+
+
+XXVI.
+
+
+Deixo, bebados, toda a fama antiga
+Que lá dentro em Lisboa uns alcançaram,
+Quando com dez Tudescos n'uma briga
+No nosso officio tanto se afanaram.
+Tambem deixo a memoria que os obriga
+A grande nome quando se tomaram
+C'um soldado Hollandez, c'um Biscainho,
+Quando a carga do frasco era só vinho.
+
+
+XXVII.
+
+
+Agora vêdes bem que vem bebendo,
+E cada qual já traz seu couro leve,
+Pelas charnecas sêccas, não temendo
+Sequidão dos Pegões, a mais se atreve;
+Que havendo tantos já que as partes vendo
+Onde o copo comprido tem por breve,
+Inclinam seu proposito e porfia
+A ver os vinhos que Evora teria.
+
+
+XXVIII.
+
+
+Promettido lhe tem Baccho o governo
+Da rua das adegas celebrada,
+Onde vinhos lhe tem que os de Falerno,
+Os do Rhim, ou de Alcache tem em nada.
+Bem sabeis que se vem chegando o inverno,
+Esta gente vem sêcca e esgotada,
+Já parece bem feito que lhe seja
+Mostrada Peramanca que deseja.
+
+
+XXIX.
+
+
+E porque, como ouvistes, tem passados
+Na viagem tão asperos perigos,
+Tantos vinhos vinagres esgotados,
+Nas Vendas novas, nos Pegões antigos;
+Que sejam determino agasalhados
+Entre as quintas aqui de seus amigos,
+E enchendo cada qual a sua bota
+Comecem a seguir sua derrota.
+
+
+XXX.
+
+
+Taes palavras Francisco assi dizia,
+Quando todos sem ordem respondendo,
+Na sentença um do outro differia,
+Razões diversas dando e recebendo.
+Mas Pero Vaz alli não consentia
+No que Francisco disse, conhecendo
+Que esqueceria um bebado eminente
+Se cá viesse beber aquella gente.
+
+
+XXXI.
+
+
+A bebados ouvira que viria
+Uma gente de copo tão estranha,
+Pela charneca, a qual esgotaria
+Tudo quanto Louredo e Lagem banha;
+E com beberes novos venceria
+A todos os famosos d'Allemanha.
+Altamente lhe dóe perder a gloria
+Na taça em que de todos tem victoria.
+
+
+XXXII.
+
+
+Vê que de Evora teve sogigado
+Os bebados e o vinho, e nunca caso
+Lhe tirou por insigne ser louvado
+Té dos imigos d'agoa do Parnaso.
+Teme agora que seja sepultado
+Seu tão celebre nome em negro vaso
+D'agoa do esquecimento, se lhe chegam
+Os bebados insignes que navegam.
+
+
+XXXIII.
+
+
+Sustentava contra elle o Catigela,
+Affeiçoado á gente bebedana,
+Por quantas bebedices vira n'ella,
+Jantando em Alcochete uma semana.
+Affeiçoado vem da gente bella,
+Que por brazões os copos tem ufana,
+De quem a lingua é tal, se o copo empina,
+Que ora parece grega, ora latina.
+
+
+XXXIV.
+
+
+Estas cousas se movem em uma cêa
+Onde apenas um ao outro s'entende,
+Um d'elles tem a vinda em boa estrêa,
+Outro ás picheladas a defende;
+Assi que um pela infamia que recêa,
+E outro pelo gasto que pretende,
+Porfiam, arrebessam, permanecem,
+A quasquer seus amigos favorecem.
+
+
+XXXV.
+
+
+Qual o fervente mosto em talha escura,
+Quando a tinta lhe lançam espremida,
+Por aqui, por alli sair procura
+Com impeto e braveza desmedida;
+A adega brame toda co'a fervura,
+Bota o bagulho fóra a escuma erguida,
+Tal andava o tumulto levantado
+Entre um bebado e outro apaixonado.
+
+
+XXXVI.
+
+
+Mas um que a esta gente sustentava,
+E d'entre todos elles mais bebia,
+Ou porque o amor do vinho o obrigava;
+Ou porque o seu beber o merecia,
+Tremelicando alli se levantava,
+Olhando a quem primeiro brindaria;
+Um borrachão famoso pendurado,
+Trazia ao tiracolo ao esquerdo lado.
+
+
+XXXVII.
+
+
+Do pichel a viseira rutilante
+Levantada, de vinho branco e puro,
+Por dar-lhe de beber a pôz diante
+De Francisco com taes armas seguro,
+E dando uma pancada penetrante
+C'o grande borrachão no sólo duro,
+O chão tremeu, e um d'elles de torvado,
+Uma gran vez tomou sobre um bocado.
+
+
+XXXVIII.
+
+
+E diz: Ó bebado alto, a cujo imperio
+Os vinhos obedecem que encerraste,
+Se aquelles que em ti buscam refrigerio,
+Cujo beber soberbo tanto amaste,
+Não queres que padeçam vituperio,
+Pois que esta adega hoje lhe mostraste,
+Não ouças mais, pois bebado és direito,
+A quem em bebedices é suspeito.
+
+
+XXXIX.
+
+
+Porque se o copo aqui se não mostrasse
+Vencido d'esta gente e infamado,
+Bem fôra que aqui Baccho o sustentasse,
+Que o territorio seu deixa esgotado,
+Mas esta tenção sua agora passe,
+Porque em fim vem de estomago danado;
+E nunca beba mais vinho de Beja
+Quem do beber alheo tem inveja.
+
+
+XL.
+
+
+E tu pois que padre és da borracheza,
+Não consintas que bebam por canada;
+E porque mostres mais tua grandeza,
+Com pipas, quartos seja agasalhada:
+Tragam-lhe alguns leitões lá da deveza
+De conserva azeitona e retalhada,
+Sardinha de Liceira que é conforme
+Que a sêde se repare e se reforme.
+
+
+XLI.
+
+
+Como isto disse o bebado famoso
+O grão Francisco ledo consentiu,
+E uma taça de vinho mui cheiroso
+Logo sobre elles todos esparsiu.
+Cada um pelo caminho desgostoso
+Da rua das adegas se partiu,
+Providos de beber seus instrumentos
+Tornaram para os frios aposentos.
+
+
+XLII.
+
+
+Em quanto este conselho na famosa
+Adega se passou, aquella gente
+Pisando a charneca sequiosa
+Beber deseja d'Evora a agoa-ardente.
+E chegando á Amieira lamarosa,
+Onde o caminho vem de Benavente,
+Se algum licor trazia de Lyeo,
+Sem gota lhe ficar alli o bebeo.
+
+
+XLIII.
+
+
+Tão rijamente os odres despejavam
+Como em terra que tem de vinho abrigo;
+Mas se tanto bebiam confiavam
+No Thomé dos Pegões que era amigo.
+Á desejada venda já chegavam
+Onde os abraça o seu compadre antigo;
+E em signal que da vinda se alegrava,
+Novos vinhos que tinha lhe mostrava.
+
+
+XLIV.
+
+
+Vasco Bagulho que era o capitão
+Que ás Bacchanaes venturas se offerece,
+De soberbo e altivo borrachão,
+A quem fortuna em copo favorece,
+Para se aqui deter não vê razão,
+Que a terra não dá vinho ao que parece.
+Por diante passar determinava
+Mas impediu-lh'o o vinho que chegava.
+
+
+XLV.
+
+
+Eis que apparece logo em companhia
+Uma recova d'asnos de Castella,
+Que gran copia de vinho lhe trazia,
+Que foi fermosa vista, cousa bella.
+Alvoroçam-se todos de alegria,
+Desejam já provar a causa d'ella:
+Que tal será o vinho alli diziam,
+De que logares estes o trariam?
+
+
+XLVI.
+
+
+Os seus borrachões eram de maneira
+Que pipas pareciam mui compridas,
+Agasalha-os com festa a taverneira
+Por suas taças ver melhor providas,
+O vinho bota em vasos de madeira.
+Enchendo do restante as mais medidas.
+Senta-se á meza logo em continente,
+Para beber tambem com esta gente.
+
+
+XLVII.
+
+
+E do que os Castelhanos vem providos
+Começam a comer todos sentados,
+Que uns d'azeitonas vem apercebidos,
+Outros de uns pexinhos bem salgados.
+E os que de manjares vem despidos,
+Começam a mandar vir alhos assados,
+E sobre isto aos outros vão brindando,
+Os castelhanos vinhos festejando.
+
+
+XLVIII.
+
+
+Estando assi comendo, eis que chegavam
+Outros que lhes pediam que esperassem,
+Porque para beber desafiavam
+Os mais famosos tres que alli se achavam.
+Vinho trazem tambem, o qual gavavam,
+Pedindo aos assentados que provassem:
+Para provar do vinho um fóra salta,
+Que no beber aos outros mais se exalta.
+
+
+XLIX.
+
+
+Não tem descarregado a agoa-ardente,
+Quando o que saltou fóra já bebia;
+Começa de gaval-o á sua gente,
+Dizendo que parece malvasia.
+O tarverneiro então em continente
+Tal gente recebeu com alegria.
+Enchem vasos de vinho e do que deitam
+Os que vem e os que estão nem gota engeitam.
+
+
+L.
+
+
+Comendo alegremente perguntavam,
+Com lingua onde as palavras se detinham,
+D'onde era o licor branco que gostavam
+E se vermelho entre elle tambem tinham.
+De Castella os marranos lhe tornavam
+Que si, e suas mercês de donde vinham?
+Disse um d'elles: De junto a Benavente,
+Vimos a Evora a beber sómente.
+
+
+LI.
+
+
+De Riba-tejo temos já provado
+Os vinhos, e as adegas temos visto,
+Caparica deixamos esgotado
+_Molto sudando nel glorioso acquisto_.
+E de um bebado somos tão amado,
+Tão querido de todos e bem quisto,
+Que não no largo mar com leda fronte,
+Mas de vinho entraremos n'uma fonte.
+
+
+LII.
+
+
+E por mandado seu buscando vamos
+A terra que Louredo em torno rega,
+Depois que os quartos todos esgotamos
+Da Telha, Lavradio, Aldea-gallega.
+Mas já razão parece que saibamos,
+Se entre vós a verdade se não nega,
+Quem sois, que vinho é este que buscaes,
+E se tendes do d'Evora alguns signaes.
+
+
+LIII.
+
+
+Somos, um dos do vinho lhe tornou,
+Estrangeiros na terra e na nação,
+Que os proprios são aquelles que criou
+A terra que sovado come o pão.
+A lei cega tivemos que ensinou
+Aquelle descendente de Abrahão,
+Que vinho não bebeu quente nem frio;
+_Intendami chi può, che m'intend'io_.
+
+
+LIV.
+
+
+Esta pequena venda aonde estamos
+É de nossa passagem certa escala,
+Onde ás vezes taes vinhos nós gostamos,
+Que acontece ficar homem sem falla.
+E por ser terra esteril procuramos,
+Cada vez que passamos, visital-a.
+Comem aqui e bebem tanto a pique,
+Que prometto que o Fuentes cedo enrique.
+
+
+LV.
+
+
+E pois que tantos odres despejaes
+Se d'Evora buscaes o vinho ardente,
+Guiando-vos irei, té que sejaes
+Postos em Monte-mór seguramente,
+Onde será bem feito que vejaes
+O tridentino André que é o bebente
+Que essa terra governa, e que vos veja,
+Para que d'alguns vinhos vos proveja.
+
+
+LVI.
+
+
+Dizendo isto o Mourisco carregou
+Os seus odres, deixando a companhia,
+D'ella e do vendeiro se apartou;
+Bebe cada um sua vez por cortezia;
+Os novos companheiros acceitou
+Com mostras de prazer e d'alegria,
+Dizendo a cada um que caminhasse,
+E quem beber quizesse que o tomasse.
+
+
+LVII.
+
+
+A noite se passou na leda frota
+Com estranha alegria não cuidada,
+Por acharem em terra tão remota
+A venda nova d'elles desejada.
+Disse o Mourisco alli: Venga la bota!
+Na castelhana lingua d'elle usada.
+Elles que no beber tanto se esmeram,
+A seu mandado logo obedeceram.
+
+
+LVIII.
+
+
+Do vinho alegres côres rutilavam
+Pelas taças de vidro crystallino;
+As velhas azeitonas que lhes davam
+Festejam mais que flôres e boninas,
+Da venda os taverneiros s'espantavam
+Do cheiro e do sabor das agoas finas,
+Porém a demais gente não provava
+O bom licor que entre esta se brindava.
+
+
+LIX.
+
+
+Mas assi como a Aurora marchetada
+As fermosas borrachas lhe mostrou
+Áquella gente meia atordoada,
+Cada qual d'elles sua vez tomou.
+Começa a embebedar-se a camarada,
+Que de fermosos frascos se adornou,
+Para beber com festa e alegria
+C'o bebedor da terra que partia.
+
+
+LX.
+
+
+Partia alegremente, desejando
+De beber já com gentes tão ufanas,
+Que por charnecas sêccas caminhando,
+Vem a beber em terras Transtaganas.
+A borracha que traz vem empinando
+Do licor que se vende não com canas.
+Já chega, mas sem gota o Tridentino;
+E quem sem gota está é bem mofino.
+
+
+LXI.
+
+
+Recebem-no alli alegremente,
+O Mourisco com sua companhia,
+E dá-lhe d'azeitonas um presente,
+Que para tal effeito já trazia.
+Dá-lhe sardinha frita; salta o ardente
+Licor, com que elle tem tanta alegria.
+Tudo o Marques contente bem recebe,
+Mas triste está com ver que ninguem bebe.
+
+
+LXII.
+
+
+Estava o Granadino mui confuso
+Com ver que não tem já de vinho nada,
+Com que brinde ao bebente, como é uso,
+Que para o receber fez tal jornada.
+Reprende o companheiro seu abuso,
+Pois sequer não deixára uma canada
+Para enxaugoar a boca ao que trazia
+Do fresco Monte-mór a alegre via.
+
+
+LXIII.
+
+
+Porque em chegando diz que ver deseja
+Do vinho os instrumentos; que não crê
+Que tão honrada gente alli esteja,
+Sem terem pelo menos agoa-pé.
+Mas os outros a quem nada sobeja
+Do licor da boa planta de Noé,
+Aos vendeiros pedem que alli 'stavam,
+Das fundagens que para si guardavam.
+
+
+LXIV.
+
+
+E disse um d'elles: pois que em tal sazão
+Viemos que entre nós nem gota havia,
+Quero-vos dar alguma informação
+De nós, em quanto o vinho lá se avia.
+Posto que granadino é de nação
+Este homem que nos serve aqui de guia,
+Perto está de Lisboa a patria nossa,
+Buscamos Peramanca amada vossa.
+
+
+LXV.
+
+
+Deixamos esgotado todo o imperio
+Que Baccho em nossas terras tem visivel;
+Vimos correndo agora este hemispherio,
+Porque beber por lá não é soffrivel:
+E posto que sofframos vituperio,
+Por um largo beber tudo é soffrivel:
+Que melhor é vergonha em quem bebeu,
+Que a dôr por não soffrer q'outrem soffreu.
+
+
+LXVI.
+
+
+Porque bastava só vinho infinito,
+Que não ha nem gota já na companhia,
+Que é tal, e no beber tem tal esp'rito,
+Que inda um Tejo de vinho esgotaria.
+Se as vasilhas quer ver como tem dito,
+Cumprido esse desejo te seria:
+Vasias as verás, que eu me obrigo
+Que sempre assi 'starão, s'imos comtigo.
+
+
+LXVII.
+
+
+Isto dizendo mostram diligentes
+Os vasos com que apagam as seccuras;
+Mostram fermosos frascos e as pendentes
+Borrachas que em caminhos são seguras:
+Os odres nas medidas differentes,
+Cobertos d'encouradas vestiduras:
+Outras borrachas trazem por aljavas,
+De còrno copos grandes, taças bravas.
+
+
+LXVIII.
+
+
+Chega n'isto o vendeiro diligente
+Com as suas fundagens saborosas;
+Bebe d'ellas André alegremente,
+Desafiando as gentes tão famosas.
+Mas d'entre elles um bebado valente
+Responde-lhe que as gentes valerosas
+Não sahiam a um; e com razão,
+Que é fraqueza entre ovelhas ser leão.
+
+
+LXIX.
+
+
+Mas d'isto que André Marques bem notou
+E de tudo o que ouviu no copo attento,
+Um odio certo n'alma lhe ficou
+Uma vontade má de pensamento.
+Nas obras e no gesto o não mostrou,
+Mas com risonho e ledo fingimento
+Tratal-os brandamente determina,
+Até que mostrar possa o que imagina.
+
+
+LXX.
+
+
+Piloto lhe pedia o capitão
+Por quem podesse a Evora ser levado,
+Polo qual lhe daria um borrachão
+De vinho de Valbom que é extremado.
+André lh'o prometteu, mas com tenção
+De peito venenoso e tão danado,
+Que a morte, se podesse, n'este dia
+Em logar de piloto lhe daria.
+
+
+LXXI.
+
+
+Tal odio lhe ficou e má vontade
+Da resposta que aquelle lhe tornou,
+Que agoa lhe ordena dar com falsidade
+Em logar do licor que Noé deixou.
+Oh que caso cruel! oh que maldade!
+Que de uma só palavra que soltou
+D'este que elle buscava como amigo
+O faz ficar seu perfido inimigo!
+
+
+LXXII.
+
+
+Partiu-se n'isto André, sem companhia
+Dos bebados que tinha despedido,
+Com engano seu e grande cortezia,
+O gesto ledo a todos e fingido.
+Já sobre seu asninho se subia
+Com vinho de que ia apercebido,
+E quando se desceu no aposento
+Não levava a borracha mais que vento.
+
+
+LXXIII.
+
+
+Da rua das adegas o Thebano,
+Que da parternal coxa foi nascido,
+Olhando o ajuntamento tão ufano,
+Ser do seu bom André aborrecido,
+No pensamento cuida um falso engano
+Com que seja de todo destruido.
+E em quanto isto n'alma imaginava
+Um borrachão tomando assi fallava.
+
+
+LXXIV.
+
+
+Está do Fado já determinado
+Que em tantas bebedices tão famosas
+Se tenham d'estes bebados achado,
+As suas taças sempre victoriosas;
+E eu Baccho tão sublime e tão honrado
+Bebado, e mais de partes tão honrosas,
+Hei de soffrer que o Fado favoreça
+Outrem por quem meu copo se escureça?
+
+
+LXXV.
+
+
+Já quizeram os Fados que tivesse
+Esta genta victoria n'esta parte,
+Cujos campos o Tejo reverdece;
+E que com tanto vinho não se farte!
+Pois não se ha de soffrer que o Fado desse
+A tão poucos tamanho esforço e arte,
+Que venham beber vinho transtagano,
+Abatendo o gran nome do Thebano.
+
+
+LXXVI.
+
+
+Não será assi: porque antes que chegado
+Seja Vasco Bagulho, astutamente
+Lhe será tanto engano fabricado,
+Que nunca beba d'Ev'ra o vinho ardente.
+A Monte-mór irei, e o indignado
+Peito rovolverei do bom bebente:
+Porque sempre per via irá direita
+Aquelle que no vinho agoa não deita.
+
+
+LXXVII.
+
+
+Isto dizendo irado e quasi insano
+N'esse Monte-mór fresco se desceu,
+Onde tomando a fórma e gesto humano,
+Para onde estava o Marques se moveu:
+E por melhor tecer o astuto engano,
+No gesto natural se converteu
+De Talha-manco muito seu valido,
+Um Taverneiro velho conhecido.
+
+
+LXXVIII.
+
+
+Estando assi bebendo co'elle a horas
+Á sua falsidade accommodadas,
+Lhe diz como eram gentes roubadoras.
+Estas que ora de novo são chegadas,
+Que das gentes nas vendas moradoras
+Correndo a Fama veio que roubadas
+Foram por estes homens que passavam,
+Que sob capa de paz sempre ancoravam.
+
+
+LXXIX.
+
+
+E sabe mais, lhe diz, como entendido
+D'estes bebados tenho bagulhentos,
+Que deixam Riba-tejo destruido
+Em beber com incendios violentos:
+E trazem já de longe o engano urdido
+Contra nós; que todos seus intentos
+São para os nossos vinhos esgotarem,
+E pipas, toneis, quartos, despejarem.
+
+
+LXXX.
+
+
+E tambem sei que tem determinado
+Da virem buscar vinho aqui mui cedo,
+Mas ter-lhe-hemos um tal ardil traçado
+Que não cheguem a ver o de Louredo.
+Á justiça darás logo recado
+Que estes galantes prenda, que sem medo
+Pelo caminho roubam, pela estrada,
+E só com furtos bebem na jornada.
+
+
+LXXXI.
+
+
+E se assi não tivermos d'este feito
+Impedido o caminho totalmente,
+Eu tenho imaginado no conceito
+Outra manha e ardil que te contente.
+Manda-lhe aqui dar guia que de geito
+Seja astuto no engano e tão prudente,
+Que os leve adonde sejam submergidos,
+Onde a agoa dê fim a seus sentidos.
+
+
+LXXXII.
+
+
+Tanto que estas palavras acabou,
+O Tridentino André, bebado velho,
+Os braços ao pescoço lhe lançou,
+Agradecendo muito o tal conselho.
+Em se apartando d'elle concertou
+Para os poder prender todo o apparelho,
+Com que em puro desgosto lhe tornassem
+D'Evora o vinho puro que buscassem.
+
+
+LXXXIII.
+
+
+E busca mais para o cuidado engano
+Um homem que d'alli com elle mande,
+Sagaz, astuto, sabio em todo o dano,
+De quem fiar se possa um quarto grande.
+Diz-lhe que acompanhando o Alcochetano
+Por ribeiras, por charcos com elle ande,
+Que se d'aqui passar, que lá adiante
+Vá cahir onde nunca se levante.
+
+
+LXXXIV.
+
+
+Já o carro d'Apollo caminhava
+Pelo nosso horizonte, quando erguido
+O bom Vasco c'os seus determinava
+De vir por vinho á terra apercebido.
+Os borrachões a gente desatava,
+Corre-se cada qual não ter bebido;
+E do que á venda veio novamente
+Beberam todos logo em continente.
+
+
+LXXXV.
+
+
+Assi se vem chegando junto á terra
+Para tomar o vinho necessario;
+Mas o Marques o vinho todo encerra
+Só pelo não beber o seu contrario.
+Porém Vasco Bagulho que não erra
+Em não se fiar d'este adversario,
+Apercebido vem como podia
+E entra em Monte-mór com alegria.
+
+
+LXXXVI.
+
+
+O grão Marques que o vê logo desmaia,
+Diz á Justiça que ande apparelhada
+De pistolete, chuça e azagaia,
+De rodela, de casco e boa espada;
+E que em dando recado logo saia,
+Porque tome esta gente atordoada.
+E para que melhor isto se faça
+Vae-se beber com elles per negaça.
+
+
+LXXXVII.
+
+
+Bebendo André co'a gente sequiosa,
+Andam os beleguins fóra espreitando,
+E co'a chuça e azagaia perigosa
+Ao Marques se entraram acenando.
+Mas a gula que estava desejosa
+De beber, sem recado vão entrando.
+Qualquer se lança ao copo tão ligeiro,
+Que nenhum dizer póde que é primeiro.
+
+
+LXXXVIII.
+
+
+Qual pobre ajuntamento d'estudante
+De quatro, cinco ou seis de camarada
+Que vê que é pouco o vinho e não bastante,
+Que ha para todos só uma canada;
+Qualquer d'elles pertende andar diante,
+Por lhe não tocar vez esfarrapada:
+Tal pressa ha nos de fóra e nos da terra,
+Mas todos se vão já chegando á serra.
+
+
+LXXXIX.
+
+
+Eis no estomago o fumo se levanta
+Da furiosa e quente companhia,
+Que de tal modo bebem que se encanta
+O vendeiro que o vinho lhes vendia.
+A multidão dos fumos era tanta
+Do vinho que á cabeça lhes subia,
+Que logo o Alcaide foge de medroso,
+De que o Marques ficou mui desgostoso.
+
+
+XC.
+
+
+Não deixam os que ficam sua empreza,
+Mas o muito que bebem mal os trata,
+Que se o beber tomavam por defeza,
+Esse mesmo beber os desbarata.
+Alegres ficam todos sem tristeza,
+Já julgam a amizade por barata,
+E trocam seus enganos á porfia
+Pelo amor que do vinho lhes nascia.
+
+
+XCI.
+
+
+Vae-se cada um a casa retirando,
+Porque quer vomitar muito apressado;
+Quem arrota, e alli vae engulhando,
+Na boca mette a mão desatinado.
+O vendeiro fugiu, desamparando
+A venda, do beber amedrontado;
+Gloriam-se os que ficam do seu braço
+Que a tantos afugenta em breve espaço.
+
+
+XCII.
+
+
+Uns deixam por alli suas espadas,
+Dos outros quem a leva não o sente;
+Quem se deixa cair ás tres passadas,
+Quem bebe o vinho e o deita juntamente.
+Arrombam as medidas ás pancadas,
+Á parede se arruma o mais valente;
+Assim que a gente d'antes inimiga
+Com tão alto beber se torna amiga.
+
+
+XCIII.
+
+
+Passando isto, fica a camarada
+Com gosto de haver feito tal empreza;
+Manda logo fazer de vinho agoada,
+Porque d'alli não quer outra riqueza.
+Ficou a alma do Marques magoada,
+No odio antigo mais que nunca acceza;
+E vendo sem vingança tanto dano,
+Sómente estriba no segundo engano.
+
+
+XCIV.
+
+
+Torna-se a elles, tendo-a já cozido,
+Levando alguns refrescos que ha na terra,
+Com um frasco de vinho mui comprido,
+Mas sob capa de paz armado em guerra.
+Piloto lhe offerece conhecido,
+Dizendo que em taes vias jámais erra,
+Com o qual se fizesse o que esperava,
+Que a Evora os levaria confiava.
+
+
+XCV.
+
+
+O gran Vasco Bagulho, a quem convinha
+Fazer já seu caminho desejado,
+Que Borrachões não poucos cheos tinha,
+Para buscar Louredo tão amado;
+Recebendo o piloto que lhe vinha,
+Foi d'elle alegremente agasalhado.
+Despede-se com gran contentamento,
+C'o guia, sem saber o falso intento.
+
+
+XCVI.
+
+
+Dest'arte despedida a gente honrada,
+Começou a seguir o falso guia.
+Não tinham meia legoa bem andada,
+Quando do bom caminho se desvia.
+O bom Vasco que não cahia em nada
+Do grande engano que este tal lhe urdia,
+D'elle mui largamente se informava
+A que parte Louredo lhe ficava.
+
+
+XCVII.
+
+
+Mas o guia instruido nos enganos
+Que o malvado do Marques lh'ensinára,
+Leva-os por partes onde crueis danos
+E morte em fim em agoas lhe prepara.
+Diz-lhes que vão contentes, vão ufanos,
+Que mui prestes verão a terra cara;
+Porque elle caminhava por tal via,
+Que cedo a Peramanca os levaria.
+
+
+XCVIII.
+
+
+E diz-lhes mais, com falso pensamento,
+Que esta via por mais breve tomou,
+Posto que um rio tem, mas sem tormento
+E sem perigo sempre se passou.
+O Bagulho que a tudo estava attento,
+Muito com estas novas se alegrou;
+E com grandes copadas lhe rogava
+Os levasse por donde o porto estava.
+
+
+XCIX.
+
+
+O falso guia, porque determina
+Dar-lhe porto, mas não qual elle pede,
+Posto em Rio Marinho lh'o imagina
+N'um pégo que em altura os mais excede.
+Aqui o engano e a morte lhe maquina,
+Para que tal beber com pressa véde;
+E para o porto verem logo os chama
+Onde lhe arma perderem vida e fama.
+
+
+C.
+
+
+Já para lá inclina a leda frota
+E em chegando ao rio da cilada,
+Um descalça o sapato, o outro a bota,
+Para ir buscar a morte não cuidada.
+Chega um bebado n'isto, que remota
+Lhe parece esta gente e enganada,
+E com duras palavras reprehendia
+D'entrarem em tal pégo a ousadia.
+
+
+CI.
+
+
+Mas o malvado guia conhecendo
+Ser manifesto o engano, n'um instante,
+Se vae por uns outeiros acolhendo,
+Corrido de não ir a sua ávante.
+Os outros que ficavam 'stão tremendo,
+Cuidando qu'inda o engano era diante;
+Mas o que os tirou d'elle, mui contente
+Lhes diz que irá com elles juntamente.
+
+
+CII.
+
+
+Ficam todos então com alegria,
+Bebem e dão de beber ao que os guiava.
+Um olha para o ceo, e diz que via
+Mais luas do que d'antes costumava.
+Duas luas a mi, Senhor, dizia,
+Ao Mouro, ao infiel que vos aggrava.
+Outro a um tronco diz; bebei, Senhora,
+Senão deitar-vos-hei os olhos fóra.
+
+
+CIII.
+
+
+E tendo esta ribeira já passada,
+Onde os quiz afogar o falso guia,
+A torre appareceu n'uma assomada
+Onde matou Giraldo a má vigia.
+Á mão direita fica situada
+Uma povoação de que bebia
+A gente principal da nossa idade,
+Peramanca é o nome da cidade.
+
+
+CIV.
+
+
+E sendo o capitão aqui chegado
+Estranhamente ledo, porque espera
+De ser alli mui bem agasalhado
+Dos refrescos que ha n'aquella terra:
+Eis vem frascos de vinho com recado
+De Diogo que sabe a gente que era,
+Porque Baccho já d'antes o avisára
+Que de bom vinho alli os regalára.
+
+
+CV.
+
+
+Agasalha-os a todos como amigos;
+Preza-se já cada um de fallar certo,
+Dando conta de todos os perigos,
+Que em caminho passaram tão desertos.
+Não curam de lhe dar uvas nem figos,
+Mas o licor que deixa o olho esperto.
+Quer imitar cada um o gran Barbança
+Que pôz n'este licor sua esperança.
+
+
+CVI.
+
+
+Aqui já vem tomar, livre d'engano
+Anda esta gente pouco conhecida,
+E debaixo de um vil e pobre panno
+Tão alta bebedice anda escondida,
+Quem bebe vinho velho, quem d'este anno,
+D'um e d'outro s'entorna sem medida.
+E assi favoreceu o Ceo sereno
+A quem deixou por vinho o seu terreno.
+
+
+FIM.
+
+
+
+
+
+End of the Project Gutenberg EBook of Paródia ao primeiro canto dos Lusíadas
+de Camões por quatro estudantes de Évora em 1589, by Anonymous
+
+*** END OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK PARÓDIA AO PRIMEIRO CANTO ***
+
+***** This file should be named 20149-8.txt or 20149-8.zip *****
+This and all associated files of various formats will be found in:
+ http://www.gutenberg.org/2/0/1/4/20149/
+
+Produced by Rita Farinha and the Online Distributed
+Proofreading Team. The images for this file were generously
+made available by Biblioteca Nacional Digital
+(http://bnd.bn.pt).
+
+
+Updated editions will replace the previous one--the old editions
+will be renamed.
+
+Creating the works from public domain print editions means that no
+one owns a United States copyright in these works, so the Foundation
+(and you!) can copy and distribute it in the United States without
+permission and without paying copyright royalties. Special rules,
+set forth in the General Terms of Use part of this license, apply to
+copying and distributing Project Gutenberg-tm electronic works to
+protect the PROJECT GUTENBERG-tm concept and trademark. Project
+Gutenberg is a registered trademark, and may not be used if you
+charge for the eBooks, unless you receive specific permission. If you
+do not charge anything for copies of this eBook, complying with the
+rules is very easy. You may use this eBook for nearly any purpose
+such as creation of derivative works, reports, performances and
+research. They may be modified and printed and given away--you may do
+practically ANYTHING with public domain eBooks. Redistribution is
+subject to the trademark license, especially commercial
+redistribution.
+
+
+
+*** START: FULL LICENSE ***
+
+THE FULL PROJECT GUTENBERG LICENSE
+PLEASE READ THIS BEFORE YOU DISTRIBUTE OR USE THIS WORK
+
+To protect the Project Gutenberg-tm mission of promoting the free
+distribution of electronic works, by using or distributing this work
+(or any other work associated in any way with the phrase "Project
+Gutenberg"), you agree to comply with all the terms of the Full Project
+Gutenberg-tm License (available with this file or online at
+http://gutenberg.org/license).
+
+
+Section 1. General Terms of Use and Redistributing Project Gutenberg-tm
+electronic works
+
+1.A. By reading or using any part of this Project Gutenberg-tm
+electronic work, you indicate that you have read, understand, agree to
+and accept all the terms of this license and intellectual property
+(trademark/copyright) agreement. If you do not agree to abide by all
+the terms of this agreement, you must cease using and return or destroy
+all copies of Project Gutenberg-tm electronic works in your possession.
+If you paid a fee for obtaining a copy of or access to a Project
+Gutenberg-tm electronic work and you do not agree to be bound by the
+terms of this agreement, you may obtain a refund from the person or
+entity to whom you paid the fee as set forth in paragraph 1.E.8.
+
+1.B. "Project Gutenberg" is a registered trademark. It may only be
+used on or associated in any way with an electronic work by people who
+agree to be bound by the terms of this agreement. There are a few
+things that you can do with most Project Gutenberg-tm electronic works
+even without complying with the full terms of this agreement. See
+paragraph 1.C below. There are a lot of things you can do with Project
+Gutenberg-tm electronic works if you follow the terms of this agreement
+and help preserve free future access to Project Gutenberg-tm electronic
+works. See paragraph 1.E below.
+
+1.C. The Project Gutenberg Literary Archive Foundation ("the Foundation"
+or PGLAF), owns a compilation copyright in the collection of Project
+Gutenberg-tm electronic works. Nearly all the individual works in the
+collection are in the public domain in the United States. If an
+individual work is in the public domain in the United States and you are
+located in the United States, we do not claim a right to prevent you from
+copying, distributing, performing, displaying or creating derivative
+works based on the work as long as all references to Project Gutenberg
+are removed. Of course, we hope that you will support the Project
+Gutenberg-tm mission of promoting free access to electronic works by
+freely sharing Project Gutenberg-tm works in compliance with the terms of
+this agreement for keeping the Project Gutenberg-tm name associated with
+the work. You can easily comply with the terms of this agreement by
+keeping this work in the same format with its attached full Project
+Gutenberg-tm License when you share it without charge with others.
+
+1.D. The copyright laws of the place where you are located also govern
+what you can do with this work. Copyright laws in most countries are in
+a constant state of change. If you are outside the United States, check
+the laws of your country in addition to the terms of this agreement
+before downloading, copying, displaying, performing, distributing or
+creating derivative works based on this work or any other Project
+Gutenberg-tm work. The Foundation makes no representations concerning
+the copyright status of any work in any country outside the United
+States.
+
+1.E. Unless you have removed all references to Project Gutenberg:
+
+1.E.1. The following sentence, with active links to, or other immediate
+access to, the full Project Gutenberg-tm License must appear prominently
+whenever any copy of a Project Gutenberg-tm work (any work on which the
+phrase "Project Gutenberg" appears, or with which the phrase "Project
+Gutenberg" is associated) is accessed, displayed, performed, viewed,
+copied or distributed:
+
+This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with
+almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or
+re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included
+with this eBook or online at www.gutenberg.org
+
+1.E.2. If an individual Project Gutenberg-tm electronic work is derived
+from the public domain (does not contain a notice indicating that it is
+posted with permission of the copyright holder), the work can be copied
+and distributed to anyone in the United States without paying any fees
+or charges. If you are redistributing or providing access to a work
+with the phrase "Project Gutenberg" associated with or appearing on the
+work, you must comply either with the requirements of paragraphs 1.E.1
+through 1.E.7 or obtain permission for the use of the work and the
+Project Gutenberg-tm trademark as set forth in paragraphs 1.E.8 or
+1.E.9.
+
+1.E.3. If an individual Project Gutenberg-tm electronic work is posted
+with the permission of the copyright holder, your use and distribution
+must comply with both paragraphs 1.E.1 through 1.E.7 and any additional
+terms imposed by the copyright holder. Additional terms will be linked
+to the Project Gutenberg-tm License for all works posted with the
+permission of the copyright holder found at the beginning of this work.
+
+1.E.4. Do not unlink or detach or remove the full Project Gutenberg-tm
+License terms from this work, or any files containing a part of this
+work or any other work associated with Project Gutenberg-tm.
+
+1.E.5. Do not copy, display, perform, distribute or redistribute this
+electronic work, or any part of this electronic work, without
+prominently displaying the sentence set forth in paragraph 1.E.1 with
+active links or immediate access to the full terms of the Project
+Gutenberg-tm License.
+
+1.E.6. You may convert to and distribute this work in any binary,
+compressed, marked up, nonproprietary or proprietary form, including any
+word processing or hypertext form. However, if you provide access to or
+distribute copies of a Project Gutenberg-tm work in a format other than
+"Plain Vanilla ASCII" or other format used in the official version
+posted on the official Project Gutenberg-tm web site (www.gutenberg.org),
+you must, at no additional cost, fee or expense to the user, provide a
+copy, a means of exporting a copy, or a means of obtaining a copy upon
+request, of the work in its original "Plain Vanilla ASCII" or other
+form. Any alternate format must include the full Project Gutenberg-tm
+License as specified in paragraph 1.E.1.
+
+1.E.7. Do not charge a fee for access to, viewing, displaying,
+performing, copying or distributing any Project Gutenberg-tm works
+unless you comply with paragraph 1.E.8 or 1.E.9.
+
+1.E.8. You may charge a reasonable fee for copies of or providing
+access to or distributing Project Gutenberg-tm electronic works provided
+that
+
+- You pay a royalty fee of 20% of the gross profits you derive from
+ the use of Project Gutenberg-tm works calculated using the method
+ you already use to calculate your applicable taxes. The fee is
+ owed to the owner of the Project Gutenberg-tm trademark, but he
+ has agreed to donate royalties under this paragraph to the
+ Project Gutenberg Literary Archive Foundation. Royalty payments
+ must be paid within 60 days following each date on which you
+ prepare (or are legally required to prepare) your periodic tax
+ returns. Royalty payments should be clearly marked as such and
+ sent to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation at the
+ address specified in Section 4, "Information about donations to
+ the Project Gutenberg Literary Archive Foundation."
+
+- You provide a full refund of any money paid by a user who notifies
+ you in writing (or by e-mail) within 30 days of receipt that s/he
+ does not agree to the terms of the full Project Gutenberg-tm
+ License. You must require such a user to return or
+ destroy all copies of the works possessed in a physical medium
+ and discontinue all use of and all access to other copies of
+ Project Gutenberg-tm works.
+
+- You provide, in accordance with paragraph 1.F.3, a full refund of any
+ money paid for a work or a replacement copy, if a defect in the
+ electronic work is discovered and reported to you within 90 days
+ of receipt of the work.
+
+- You comply with all other terms of this agreement for free
+ distribution of Project Gutenberg-tm works.
+
+1.E.9. If you wish to charge a fee or distribute a Project Gutenberg-tm
+electronic work or group of works on different terms than are set
+forth in this agreement, you must obtain permission in writing from
+both the Project Gutenberg Literary Archive Foundation and Michael
+Hart, the owner of the Project Gutenberg-tm trademark. Contact the
+Foundation as set forth in Section 3 below.
+
+1.F.
+
+1.F.1. Project Gutenberg volunteers and employees expend considerable
+effort to identify, do copyright research on, transcribe and proofread
+public domain works in creating the Project Gutenberg-tm
+collection. Despite these efforts, Project Gutenberg-tm electronic
+works, and the medium on which they may be stored, may contain
+"Defects," such as, but not limited to, incomplete, inaccurate or
+corrupt data, transcription errors, a copyright or other intellectual
+property infringement, a defective or damaged disk or other medium, a
+computer virus, or computer codes that damage or cannot be read by
+your equipment.
+
+1.F.2. LIMITED WARRANTY, DISCLAIMER OF DAMAGES - Except for the "Right
+of Replacement or Refund" described in paragraph 1.F.3, the Project
+Gutenberg Literary Archive Foundation, the owner of the Project
+Gutenberg-tm trademark, and any other party distributing a Project
+Gutenberg-tm electronic work under this agreement, disclaim all
+liability to you for damages, costs and expenses, including legal
+fees. YOU AGREE THAT YOU HAVE NO REMEDIES FOR NEGLIGENCE, STRICT
+LIABILITY, BREACH OF WARRANTY OR BREACH OF CONTRACT EXCEPT THOSE
+PROVIDED IN PARAGRAPH F3. YOU AGREE THAT THE FOUNDATION, THE
+TRADEMARK OWNER, AND ANY DISTRIBUTOR UNDER THIS AGREEMENT WILL NOT BE
+LIABLE TO YOU FOR ACTUAL, DIRECT, INDIRECT, CONSEQUENTIAL, PUNITIVE OR
+INCIDENTAL DAMAGES EVEN IF YOU GIVE NOTICE OF THE POSSIBILITY OF SUCH
+DAMAGE.
+
+1.F.3. LIMITED RIGHT OF REPLACEMENT OR REFUND - If you discover a
+defect in this electronic work within 90 days of receiving it, you can
+receive a refund of the money (if any) you paid for it by sending a
+written explanation to the person you received the work from. If you
+received the work on a physical medium, you must return the medium with
+your written explanation. The person or entity that provided you with
+the defective work may elect to provide a replacement copy in lieu of a
+refund. If you received the work electronically, the person or entity
+providing it to you may choose to give you a second opportunity to
+receive the work electronically in lieu of a refund. If the second copy
+is also defective, you may demand a refund in writing without further
+opportunities to fix the problem.
+
+1.F.4. Except for the limited right of replacement or refund set forth
+in paragraph 1.F.3, this work is provided to you 'AS-IS' WITH NO OTHER
+WARRANTIES OF ANY KIND, EXPRESS OR IMPLIED, INCLUDING BUT NOT LIMITED TO
+WARRANTIES OF MERCHANTIBILITY OR FITNESS FOR ANY PURPOSE.
+
+1.F.5. Some states do not allow disclaimers of certain implied
+warranties or the exclusion or limitation of certain types of damages.
+If any disclaimer or limitation set forth in this agreement violates the
+law of the state applicable to this agreement, the agreement shall be
+interpreted to make the maximum disclaimer or limitation permitted by
+the applicable state law. The invalidity or unenforceability of any
+provision of this agreement shall not void the remaining provisions.
+
+1.F.6. INDEMNITY - You agree to indemnify and hold the Foundation, the
+trademark owner, any agent or employee of the Foundation, anyone
+providing copies of Project Gutenberg-tm electronic works in accordance
+with this agreement, and any volunteers associated with the production,
+promotion and distribution of Project Gutenberg-tm electronic works,
+harmless from all liability, costs and expenses, including legal fees,
+that arise directly or indirectly from any of the following which you do
+or cause to occur: (a) distribution of this or any Project Gutenberg-tm
+work, (b) alteration, modification, or additions or deletions to any
+Project Gutenberg-tm work, and (c) any Defect you cause.
+
+
+Section 2. Information about the Mission of Project Gutenberg-tm
+
+Project Gutenberg-tm is synonymous with the free distribution of
+electronic works in formats readable by the widest variety of computers
+including obsolete, old, middle-aged and new computers. It exists
+because of the efforts of hundreds of volunteers and donations from
+people in all walks of life.
+
+Volunteers and financial support to provide volunteers with the
+assistance they need, is critical to reaching Project Gutenberg-tm's
+goals and ensuring that the Project Gutenberg-tm collection will
+remain freely available for generations to come. In 2001, the Project
+Gutenberg Literary Archive Foundation was created to provide a secure
+and permanent future for Project Gutenberg-tm and future generations.
+To learn more about the Project Gutenberg Literary Archive Foundation
+and how your efforts and donations can help, see Sections 3 and 4
+and the Foundation web page at http://www.pglaf.org.
+
+
+Section 3. Information about the Project Gutenberg Literary Archive
+Foundation
+
+The Project Gutenberg Literary Archive Foundation is a non profit
+501(c)(3) educational corporation organized under the laws of the
+state of Mississippi and granted tax exempt status by the Internal
+Revenue Service. The Foundation's EIN or federal tax identification
+number is 64-6221541. Its 501(c)(3) letter is posted at
+http://pglaf.org/fundraising. Contributions to the Project Gutenberg
+Literary Archive Foundation are tax deductible to the full extent
+permitted by U.S. federal laws and your state's laws.
+
+The Foundation's principal office is located at 4557 Melan Dr. S.
+Fairbanks, AK, 99712., but its volunteers and employees are scattered
+throughout numerous locations. Its business office is located at
+809 North 1500 West, Salt Lake City, UT 84116, (801) 596-1887, email
+business@pglaf.org. Email contact links and up to date contact
+information can be found at the Foundation's web site and official
+page at http://pglaf.org
+
+For additional contact information:
+ Dr. Gregory B. Newby
+ Chief Executive and Director
+ gbnewby@pglaf.org
+
+
+Section 4. Information about Donations to the Project Gutenberg
+Literary Archive Foundation
+
+Project Gutenberg-tm depends upon and cannot survive without wide
+spread public support and donations to carry out its mission of
+increasing the number of public domain and licensed works that can be
+freely distributed in machine readable form accessible by the widest
+array of equipment including outdated equipment. Many small donations
+($1 to $5,000) are particularly important to maintaining tax exempt
+status with the IRS.
+
+The Foundation is committed to complying with the laws regulating
+charities and charitable donations in all 50 states of the United
+States. Compliance requirements are not uniform and it takes a
+considerable effort, much paperwork and many fees to meet and keep up
+with these requirements. We do not solicit donations in locations
+where we have not received written confirmation of compliance. To
+SEND DONATIONS or determine the status of compliance for any
+particular state visit http://pglaf.org
+
+While we cannot and do not solicit contributions from states where we
+have not met the solicitation requirements, we know of no prohibition
+against accepting unsolicited donations from donors in such states who
+approach us with offers to donate.
+
+International donations are gratefully accepted, but we cannot make
+any statements concerning tax treatment of donations received from
+outside the United States. U.S. laws alone swamp our small staff.
+
+Please check the Project Gutenberg Web pages for current donation
+methods and addresses. Donations are accepted in a number of other
+ways including checks, online payments and credit card donations.
+To donate, please visit: http://pglaf.org/donate
+
+
+Section 5. General Information About Project Gutenberg-tm electronic
+works.
+
+Professor Michael S. Hart is the originator of the Project Gutenberg-tm
+concept of a library of electronic works that could be freely shared
+with anyone. For thirty years, he produced and distributed Project
+Gutenberg-tm eBooks with only a loose network of volunteer support.
+
+
+Project Gutenberg-tm eBooks are often created from several printed
+editions, all of which are confirmed as Public Domain in the U.S.
+unless a copyright notice is included. Thus, we do not necessarily
+keep eBooks in compliance with any particular paper edition.
+
+
+Most people start at our Web site which has the main PG search facility:
+
+ http://www.gutenberg.org
+
+This Web site includes information about Project Gutenberg-tm,
+including how to make donations to the Project Gutenberg Literary
+Archive Foundation, how to help produce our new eBooks, and how to
+subscribe to our email newsletter to hear about new eBooks.
diff --git a/20149-8.zip b/20149-8.zip
new file mode 100644
index 0000000..3e97610
--- /dev/null
+++ b/20149-8.zip
Binary files differ
diff --git a/LICENSE.txt b/LICENSE.txt
new file mode 100644
index 0000000..6312041
--- /dev/null
+++ b/LICENSE.txt
@@ -0,0 +1,11 @@
+This eBook, including all associated images, markup, improvements,
+metadata, and any other content or labor, has been confirmed to be
+in the PUBLIC DOMAIN IN THE UNITED STATES.
+
+Procedures for determining public domain status are described in
+the "Copyright How-To" at https://www.gutenberg.org.
+
+No investigation has been made concerning possible copyrights in
+jurisdictions other than the United States. Anyone seeking to utilize
+this eBook outside of the United States should confirm copyright
+status under the laws that apply to them.
diff --git a/README.md b/README.md
new file mode 100644
index 0000000..2e7ed4e
--- /dev/null
+++ b/README.md
@@ -0,0 +1,2 @@
+Project Gutenberg (https://www.gutenberg.org) public repository for
+eBook #20149 (https://www.gutenberg.org/ebooks/20149)