summaryrefslogtreecommitdiff
diff options
context:
space:
mode:
authorRoger Frank <rfrank@pglaf.org>2025-10-15 02:18:09 -0700
committerRoger Frank <rfrank@pglaf.org>2025-10-15 02:18:09 -0700
commit33eb3740ee9f80fb4554aebfd08be93ff2b58e0b (patch)
tree1b62ea873a404bb3000e798864c316ad07604305
initial commit of ebook 25635HEADmain
-rw-r--r--.gitattributes3
-rw-r--r--25635-8.txt2701
-rw-r--r--25635-8.zipbin0 -> 56067 bytes
-rw-r--r--25635-h.zipbin0 -> 57826 bytes
-rw-r--r--25635-h/25635-h.htm2777
-rw-r--r--25635-page-images/p0001.pngbin0 -> 12418 bytes
-rw-r--r--25635-page-images/p0003.pngbin0 -> 27792 bytes
-rw-r--r--25635-page-images/p0004.pngbin0 -> 44108 bytes
-rw-r--r--25635-page-images/p0005.pngbin0 -> 44855 bytes
-rw-r--r--25635-page-images/p0006.pngbin0 -> 43172 bytes
-rw-r--r--25635-page-images/p0007.pngbin0 -> 44232 bytes
-rw-r--r--25635-page-images/p0008.pngbin0 -> 19056 bytes
-rw-r--r--25635-page-images/p0009.pngbin0 -> 30514 bytes
-rw-r--r--25635-page-images/p0010.pngbin0 -> 46428 bytes
-rw-r--r--25635-page-images/p0011.pngbin0 -> 46800 bytes
-rw-r--r--25635-page-images/p0012.pngbin0 -> 45391 bytes
-rw-r--r--25635-page-images/p0013.pngbin0 -> 44714 bytes
-rw-r--r--25635-page-images/p0014.pngbin0 -> 46478 bytes
-rw-r--r--25635-page-images/p0015.pngbin0 -> 30284 bytes
-rw-r--r--25635-page-images/p0016.pngbin0 -> 28346 bytes
-rw-r--r--25635-page-images/p0017.pngbin0 -> 43146 bytes
-rw-r--r--25635-page-images/p0018.pngbin0 -> 44145 bytes
-rw-r--r--25635-page-images/p0019.pngbin0 -> 43913 bytes
-rw-r--r--25635-page-images/p0020.pngbin0 -> 43308 bytes
-rw-r--r--25635-page-images/p0021.pngbin0 -> 27298 bytes
-rw-r--r--25635-page-images/p0022.pngbin0 -> 43481 bytes
-rw-r--r--25635-page-images/p0023.pngbin0 -> 42888 bytes
-rw-r--r--25635-page-images/p0024.pngbin0 -> 12125 bytes
-rw-r--r--25635-page-images/p0025.pngbin0 -> 28667 bytes
-rw-r--r--25635-page-images/p0026.pngbin0 -> 45820 bytes
-rw-r--r--25635-page-images/p0027.pngbin0 -> 44562 bytes
-rw-r--r--25635-page-images/p0028.pngbin0 -> 44509 bytes
-rw-r--r--25635-page-images/p0029.pngbin0 -> 28323 bytes
-rw-r--r--25635-page-images/p0030.pngbin0 -> 27663 bytes
-rw-r--r--25635-page-images/p0031.pngbin0 -> 44277 bytes
-rw-r--r--25635-page-images/p0032.pngbin0 -> 43877 bytes
-rw-r--r--25635-page-images/p0033.pngbin0 -> 44940 bytes
-rw-r--r--25635-page-images/p0034.pngbin0 -> 44010 bytes
-rw-r--r--25635-page-images/p0035.pngbin0 -> 44862 bytes
-rw-r--r--25635-page-images/p0036.pngbin0 -> 10924 bytes
-rw-r--r--25635-page-images/p0037.pngbin0 -> 27810 bytes
-rw-r--r--25635-page-images/p0038.pngbin0 -> 42878 bytes
-rw-r--r--25635-page-images/p0039.pngbin0 -> 44811 bytes
-rw-r--r--25635-page-images/p0040.pngbin0 -> 44412 bytes
-rw-r--r--25635-page-images/p0041.pngbin0 -> 44556 bytes
-rw-r--r--25635-page-images/p0042.pngbin0 -> 43179 bytes
-rw-r--r--25635-page-images/p0043.pngbin0 -> 43256 bytes
-rw-r--r--25635-page-images/p0044.pngbin0 -> 43845 bytes
-rw-r--r--25635-page-images/p0045.pngbin0 -> 43774 bytes
-rw-r--r--25635-page-images/p0046.pngbin0 -> 44121 bytes
-rw-r--r--25635-page-images/p0047.pngbin0 -> 44319 bytes
-rw-r--r--25635-page-images/p0048.pngbin0 -> 43880 bytes
-rw-r--r--25635-page-images/p0049.pngbin0 -> 44737 bytes
-rw-r--r--25635-page-images/p0050.pngbin0 -> 44987 bytes
-rw-r--r--25635-page-images/p0051.pngbin0 -> 42764 bytes
-rw-r--r--25635-page-images/p0052.pngbin0 -> 29738 bytes
-rw-r--r--25635-page-images/p0053.pngbin0 -> 43351 bytes
-rw-r--r--25635-page-images/p0054.pngbin0 -> 44337 bytes
-rw-r--r--25635-page-images/p0055.pngbin0 -> 43411 bytes
-rw-r--r--25635-page-images/p0056.pngbin0 -> 42079 bytes
-rw-r--r--25635-page-images/p0057.pngbin0 -> 44382 bytes
-rw-r--r--25635-page-images/p0058.pngbin0 -> 8487 bytes
-rw-r--r--25635-page-images/p0059.pngbin0 -> 27861 bytes
-rw-r--r--25635-page-images/p0060.pngbin0 -> 45407 bytes
-rw-r--r--25635-page-images/p0061.pngbin0 -> 45255 bytes
-rw-r--r--25635-page-images/p0062.pngbin0 -> 46348 bytes
-rw-r--r--25635-page-images/p0063.pngbin0 -> 46681 bytes
-rw-r--r--25635-page-images/p0064.pngbin0 -> 25874 bytes
-rw-r--r--25635-page-images/p0065.pngbin0 -> 28076 bytes
-rw-r--r--25635-page-images/p0066.pngbin0 -> 43672 bytes
-rw-r--r--25635-page-images/p0067.pngbin0 -> 43677 bytes
-rw-r--r--25635-page-images/p0068.pngbin0 -> 43241 bytes
-rw-r--r--LICENSE.txt11
-rw-r--r--README.md2
74 files changed, 5494 insertions, 0 deletions
diff --git a/.gitattributes b/.gitattributes
new file mode 100644
index 0000000..6833f05
--- /dev/null
+++ b/.gitattributes
@@ -0,0 +1,3 @@
+* text=auto
+*.txt text
+*.md text
diff --git a/25635-8.txt b/25635-8.txt
new file mode 100644
index 0000000..930ecc2
--- /dev/null
+++ b/25635-8.txt
@@ -0,0 +1,2701 @@
+The Project Gutenberg EBook of A Influencia Europea na Africa perante a
+Civilisação e as Relações Internacionaes, by Carlos Testa
+
+This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with
+almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or
+re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included
+with this eBook or online at www.gutenberg.org
+
+
+Title: A Influencia Europea na Africa perante a Civilisação e as Relações Internacionaes
+ Considerações ácerca do tratado de 30 de maio de 1879
+ denominado de «Lourenço Marques»
+
+Author: Carlos Testa
+
+Release Date: May 29, 2008 [EBook #25635]
+
+Language: Portuguese
+
+Character set encoding: ISO-8859-1
+
+*** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK INFLUENCIA EUROPEA ***
+
+
+
+
+Produced by Pedro Saborano and the Online Distributed
+Proofreading Team at http://www.pgdp.net (This book was
+produced from scanned images of public domain material
+from the Google Print project.)
+
+
+
+
+
+
+A
+
+INFLUENCIA EUROPEA NA AFRICA
+
+perante a civilisação
+
+e as relações internacionaes
+
+
+Considerações ácerca do tratado de 30 de maio de 1879 denominado de
+«LOURENÇO MARQUES»
+
+POR
+
+Carlos Testa
+
+Capitão de mar e guerra--Lente da escola Naval
+
+
+ Rationem juris gentium magistram, sequamur.
+
+ BYNKERSHOEK.
+
+
+
+
+
+LISBOA
+
+Typographia Universal
+
+De Thomaz Quintino Antunes, Impressor da Casa Real
+
+Rua dos Calafates, 110
+
+1880
+
+
+
+
+I
+
+
+Dos grandes continentes que compõe o denominado velho Mundo, é
+certamente a Africa aquelle cuja exploração hoje em dia se tornou de
+preferencia o objecto da attenção geral dos governos das nações
+civilisadas, e isto por tão variados titulos, como os que podem dizer
+respeito ás investigações geographicas, ao conhecimento da importancia
+de seus productos, ás condições da sua população, e á influencia que lhe
+póde caber no futuro movimento commercial do Mundo.
+
+É na Africa que teve séde uma das mais antigas civilisações que a
+historia recorda, a egypcia, testemunhada pelas ingentes pyramides e
+collossaes esphinges, que por muito tempo causaram a desesperação dos
+archeologos. A Lybia, onde os phenicios levaram suas colonias á fundação
+de Carthago, deixa vêr a vetustidade d'aquella parte do globo, que já
+para o grande poeta do Lacio fornecia inspirações, tiradas de factos
+coévos de Dido e dos exules do cêrco de Troya.
+
+Mas esse continente onde a historia antiga vae descobrir o ancião dos
+povos, e remontar a epocas remotissimas, é aquelle que ainda hoje, apoz
+os progressos da moderna geographia, deixa mais vasto campo para estudo
+e indagações, e cuja maior porção ainda se acha mal conhecida,
+inexplorada, e povoada por tribus tão variadas, como varios são seus
+caracteres mais ou menos selvagens, e na maxima parte, ainda estranhos
+aos effeitos da civilisação.
+
+Notaveis coincidencias nos deixa vêr a historia. Milhares de annos se
+interpõe decorridos desde que a Africa é n'ella mencionada. De pouco
+mais e pouco menos de quatro seculos datam, o começo das explorações do
+até então desconhecido littoral do occidente africano, e o descobrimento
+do limite austral d'aquella velha parte do Mundo. A esse tempo, as duas
+Americas eram entidades desconhecidas, quando Colombo e Cabral d'ellas
+deram noticia. Haverá um seculo apenas, que Cook descobria regiões
+austraes até então ignotas. E hoje as Americas e a Australia, esses
+vastos continentes apenas conhecidos de tão recente data, apresentam-se
+na sua maxima parte povoados de cultas sociedades, em todos seus
+extensos littoraes, e deixando vêr n'aquellas regiões transatlanticas,
+novas nacionalidades e estados florescentes, oriundos da civilisação
+europea, para alli transplantada, e onde a par da importancia
+d'aquelles, se alarga a esphera d'acção d'esta.
+
+E a Africa? Ainda um denso véo encobre em grande parte a sua intima
+condição da existencia e modo de ser; ainda no maximo numero a sua
+população vive vida selvagem e feroz, sem que o facho da civilisação
+viesse alumiar as trevas do seu primitivo estado.
+
+É pois na Africa que o geographo, o geologo, o naturalista, e o
+estadista, encontram os mais variados assumptos para estudo e
+especulação, na delimitação do seu territorio, nas feições do solo, de
+seus variados productos, seus extensos rios, vastos lagos, espessas
+florestas e até inhospitos desertos. D'ahi o empenho, e as tentativas
+que tornaram em nossos dias como o pensamento e proposito de todos os
+governos das nações cultas, a exploração e civilisação da Africa.
+
+Cousa notavel! Uma parte do globo que ha menos de quatro seculos ainda
+era desconhecida, a America, hoje já se distingue, contribuindo com a
+velha Europa no empenho de explorar as regiões não desbravadas d'aquella
+outra parte, a Africa, aliaz não ignorada desde a mais remota
+antiguidade!
+
+No decurso dos acontecimentos, de que o Mundo é o grande theatro, e em
+que a humanidade é o actor, difficil cousa seria o pretender designar e
+precisar taes acontecimentos como subordinados a uma regra invariavel,
+de modo a sujeitar seus effeitos a causas precisas. Elementos
+contingentes influem de modo que as causas só podem conhecer-se pelos
+effeitos. Na contemplação pois do que possa haver contribuido para o
+atrazo em que a Africa ficou perante as outras regiões do globo
+posteriormente descobertas, podem talvez apontar-se, a influencia de um
+clima em grande parte deleterio e adusto; as difficuldades materiaes de
+transpor suas aridas planicies e suas asperas cordilheiras, e mais
+talvez do que isso, a natureza selvagem e em grande parte feroz dos seus
+povoadores; e a influencia que a escravidão e seu trafico entre taes
+povos barbaros podiam ter, no desvio das praticas mais conducentes á
+util exploração d'aquelle vasto continente.
+
+Uma população assim embrutecida e sem laços sociaes que lhe elevem o
+nivel moral, constitue necessariamente um obstaculo, uma difficuldade á
+realisação de quaesquer emprehendimentos no sentido de desbravar
+aquellas regiões.
+
+Esta feição ethnologica poderia considerar-se como uma das que muito tem
+influido e ainda influe, quando outras causas não houvessem, para
+estorvar a realisação do grande pensamento em que a humanidade está
+empenhada, qual o de civilisar a Africa, pensamento que o espirito do
+seculo reclama, e que as nações cultas se interessam por conseguir.
+
+Perante povos selvagens, é a acção do missionario o meio mais conducente
+a abater seus instinctos ferozes ou brutaes, meio este que lançando o
+germen da civilisação, mediante a influencia das crenças que actuem no
+homem pelos estimulos da consciencia e pelas noções do dever, e que
+tomando a moral por base da familia, institue assim esta molecula
+social, por onde se chega á formação de uma sociedade cujo bem estar
+reclama novas aspirações, e d'aqui vem como resultado a necessidade do
+aproveitamento do solo, de augmentar seus productos, effectuar
+permutações, e activar o commercio, obtendo-se assim vencer os
+obstaculos que ainda hoje se apresentam para realisar aquella tão
+apetecida obra, pois é civilisando o africano, que se conseguirá
+civilisar a Africa.
+
+O conseguimento pois do fim a que as nações cultas se propõem na Africa,
+depende de taes elementos que são a cathechese, que desbrave a fereza do
+selvagem e entre elle estabeleça os laços sociaes; o commercio, que
+obrigue ao trabalho util e ao desenvolvimento da riqueza natural do
+solo; e por ultimo, de estabelecer o predominio que resulta da força,
+como meio indispensavel para manter o prestigio da civilisação sobre a
+barbarie, e para conter em respeito aquelles que por indole indomita ou
+instinctos brutaes se tornem ameaçadores e aggressivos, em vez de doceis
+e submissos á acceitação dos meios tendentes a regenerar a sua
+existencia social.
+
+Como tem sido, ou como conviria que fossem aproveitados estes meios, e a
+quem de preferencia compete attender aos seus desejados effeitos, é
+assumpto que se presta a algumas ponderações.
+
+A historia da humanidade, assim como nos revella as variadas tendencias
+de suas differentes épocas, tambem nos deixa vêr exemplos de nações, ás
+quaes parece que a Providencia commetteu uma ou outra missão a cumprir,
+em virtude de caracteres peculiares de sua existencia e condição.
+
+Se por entre as exorbitancias a que as rudezas da edade media deram
+logar, pretendermos discernir os commettimentos dignos de ser acatados,
+é mister para isso destacar aquelles, nos quaes se possa descobrir um
+cunho ou feição, por onde se revelle justiça no procedimento, ou
+conveniencia geral no seu effeito.
+
+Coube tambem a Portugal uma boa parte e um importante papel a
+desempenhar nas evoluções sociaes pelas quaes o Mundo tem passado. Paiz
+pequeno, mas situado na orla mais occidental onde a Europa é banhada
+pelo Atlantico, foi a elle que competiu a missão de alargar os
+horisontes da geographia, rompendo aquelle limite além do qual tudo era
+desconhecido. No desempenho de tal encargo, não faltou aos dictames que
+a justiça lhe podia impor, assim como tambem não deixou de mirar a um
+objectivo que significava uma conveniencia geral, a bem da humanidade.
+
+Assim foi, que quando ao deslisar da edade media D. João I conduziu suas
+hostes á conquista de Ceuta, levando a guerra á Africa, obedecia ainda
+áquelle impulso que vinha dictado pelo antagonismo de crenças e
+resentimento de armas. Não estava ainda de todo extincto aquelle
+espirito religioso, que quando levado até ao fanatismo, formára o ideal
+do heroismo cavalheiroso das cruzadas. A guerra aos inimigos da cruz
+como proseguimento das conquistas operadas sobre o crescente, e que fôra
+o principio em que se baseára a monarchia fundada em Ourique, estava
+apenas diferida mas não finda. A guerra levada á Africa era pois o
+proseguimento da conquista sobre terras de mouros, tão justificada
+d'além, como o fôra nos Algarves d'aquem mar.
+
+Esse pensamento de dilatar na Africa tal conquista como territorio de
+Portugal e não como feitoria colonial, quando proseguido e mantido,
+poderia ter dado logar a uma phase politica de grande alcance futuro, e
+que haveria formado de Portugal um grande estado europeu africano.
+
+Mas outros enlevos, outras ambições, outros calculos de interesse vinham
+unir-se ao primitivo movel moral, qual o da fé religiosa, desde que
+outras vistas mais positivas, embora menos enthusiastas, impelliam ao
+empenho de procurar novas regiões, transpondo o mar, alargando os
+limitados dominios em que a geographia se achava contida.
+
+Ceuta, o primeiro baluarte da Mauritania, foi o posto avançado para
+assegurar o ponto de partida e franquear o caminho, que o immortal
+infante D. Henrique preparava, aos que largando de Sagres, haviam de
+explorar as costas desconhecidas, desde o occidente, e a seguir para o
+sul, no continente africano. A obra a emprehender era tal, que n'ella
+devia predominar ora o valor do soldado, ora a coragem do marinheiro. Á
+consciencia da justiça que auctorisava a guerra, ligava-se tambem a
+perspectiva e resultados grandiosos para a sciencia, bem como de um
+alcance mais subido, desde que redundavam em vantagem da humanidade.
+
+N'esta ardua, mas gloriosa tarefa, se ao cabo Tormentoso, vencido por
+Bartholomeu Dias, se seguiu o caminho do Oriente ser aberto pelo Gama;
+se á escola de Sagres se deveu o que era o resultado do arrojo e denodo
+dos nautas, tambem é certo que a escola de Ceuta, Tanger e Arzilla foi a
+que preparou e alimentou aquelle valor guerreiro, que durante quasi um
+seculo tanto contribuiu para illustrar, por seus feitos no Oriente, o
+nome portuguez.
+
+Em toda esta obra grandiosa, Portugal, procedendo em harmonia com o
+espirito da época, soube desempenhar-se nobremente da missão que lhe
+competiu. Adquiriu para si uma gloria immorredoura, e alcançou uma época
+de prosperidade, que havia de ser ephemera; mas tambem preparou os
+elementos de uma das maiores revoluções que na ordem social, economica e
+politica o Mundo viu. Foi talvez mais longe do que lhe poderia ser
+moralmente exigido, ou do que o seu exclusivo interesse lhe aconselhava.
+O Oriente absorveu suas attenções e seus recursos; e por isso a Africa,
+ficando revelada em suas costas e no seu limite austral, deixou então de
+ser o objecto de mais aturados empenhos e esforços, quanto á exploração
+das regiões internas de seu vasto continente.
+
+
+
+
+II
+
+
+O final do seculo XV deixa vêr um conjuncto de acontecimentos tão
+importantes e tão extraordinarios, quão vastos e transcendentes foram os
+seus resultados.
+
+A passagem do cabo da Boa Esperança, o descobrimento da America que se
+lhe seguiu; depois a nova derrota aberta para os mares da India, e em
+seguida o percurso que Magalhães emprehendeu circumdando o globo, foram
+os grandes feitos que o Mundo contemplou, e que vinham dar nova face ao
+commercio e á navegação. Os portuguezes tendo em devida conta as
+consequencias de taes feitos, tiraram d'ahi todo o partido não só
+scientifico, mas tambem commercial e politico. Elles não se limitaram a
+descobrir e a conquistar; prestaram tambem valiosos serviços á sciencia,
+descrevendo novos mares, seus littoraes e suas ilhas, tirando a
+geographia do cahos em que se encontrava, visto que ella se limitava a
+descrever porções de terras e mares, mas sem nexo e sem medição, e de
+modo que se substituia por supposições, o que a ignorancia occultava
+quanto ás regiões desconhecidas. Pelo lado commercial, o trafico das
+especiarias, drogarias e outras preciosidades do Oriente, tão
+appetecidas na Europa, passou a tomar o novo rumo e direcção, mais
+conducentes a generalisal-os e a tornal-os accessiveis.
+
+Albuquerque, fundando o dominio portuguez oriental, tomando Goa por séde
+de administração e apossando-se de Malaca e de Ormuz, assenhoreava-se do
+emporio do commercio das Molucas, da feira universal da Aurea
+Chersonesa; assim como expugnando Ormuz, apossava-se do entreposto por
+onde se effectuava d'antes todo o trafico, que tomando pelo mar Vermelho
+ou golfo persico, seguia depois até ao Nilo ou pelo valle do Euphrates,
+em cafilas, aportando no Mediterraneo, concentrando-se depois em Veneza,
+então rainha do Adriatico e emporio europeu de todo aquelle vasto
+commercio.
+
+A nova derrota maritima pelo cabo da Boa Esperança, veiu não só
+estabelecer um desvio d'aquella rotina, pela comparativa facilidade,
+desde que o carregamento de um só navio com productos da India, excedia
+o valor da maior caravana da Asia, e evitava seu trafego; mas tambem,
+outra razão peremptoria tornava essa derrota obrigada, qual era a
+imposição que monopolisava o commercio nas mãos dos novos descobridores,
+já dominantes n'aquelles mares, visto que a arabes e indios só com
+salvoconducto era permittido um limitado e precario trafico costeiro;
+assim como sob pena capital se prohibia a estranhos a navegação
+d'aquelles mares. Era o que consignavam as ordenações do reino no livro
+5.º «Assi natural como estrangeiro, ditas partes, terras, mares de
+Guinéa e Indias, e quaesquer outras terras e mares e lugares de nossa
+conquista, tratar, resgatar, nem guerrear, sem nossa licença e
+autoridade, sob pena que fazendo o contrario moura por ello morte
+natural, e por esso mesmo feito perca pera nos todos seus beens moveis e
+de rays».
+
+Nem as ameaças do grande soldão do Egypto, o poderoso inimigo da
+christandade, nem os manejos da republica dos doges, que via cortado o
+nervo do seu poder e de suas riquezas, acobardaram os novos dominadores
+em seus intentos. O monopolio do commercio e o exclusivo de navegação
+ficou em poder dos portuguezes, cujas frotas navegavam nos golfos da
+Arabia e Persia, para cortar outro transito que não fosse a derrota do
+cabo, por onde tudo vinha a Lisboa, tornada assim o grande e unico
+emporio do Oriente, para d'alli se espalhar pelos portos da Europa,
+tanto do Oceano como do Mediterraneo.
+
+Tal era o systema, que o interesse aconselhava, que a politica e o
+espirito da epoca dictava, e que as outras nações toleravam, com aquella
+differença que lhes podia resultar, onde só viam não um prejuizo
+proprio, mas apenas uma alteração no ponto de abastecimento, e isto a
+troco de vantagens de uma ordem geral, desde que procedendo d'esta
+forma, Portugal tomava a si o encargo de desviar no Oriente a attenção
+do poder sarraceno, já altivo e ameaçador contra a Europa.
+
+Pode pois dizer-se que Portugal trabalhava para si, mas tambem lidava a
+pró da humanidade. Talvez que o interesse da humanidade, fosse mais do
+que o proprio attendido em todos estes procedimentos! Effectivamente
+Portugal foi mais longe do que a prudencia e o proprio interesse lhe
+aconselhava. O Oriente era o sonho dourado de todas as especulações a
+que o seu descobrimento e posse haviam conduzido os animos. A Africa,
+ficava como que abandonada a meio caminho, á semelhança do que acontece
+com o viandante que em demanda de aventuras busca longiquo thesouro,
+fascinado pelo qual, esquece outros valiosos attractivos com que topara
+no caminho.
+
+O Oriente era tudo, e pelo Oriente se deixava tudo o mais. Era elle o
+campo favorito para as especulações e aventuras, e para todos os engodos
+que podessem ser fantasiados pelo bello idéal, e pelo que o amor do
+maravilhoso deixava contemplar n'aquelle longiquo dominio.
+
+Mas um dominio, uma prosperidade que se baseava no exclusivo da
+navegação e no monopolio commercial, não podia ser perduravel. Havia uma
+desproporção mui grande entre os recursos da metropole e a immensidade
+d'aquelle desenvolvimento de possessões longiquas. Não é mister ir
+buscar a causa da declinação d'esse poderio portuguez, á corrupção de
+costumes que como diz J. de Barros «tinham alterado a modestia e
+parcimonia antigas»; antes attribuil-o como o P.e Antonio Vieira «ás
+injustiças e culpas de que Portugal foi réo»; nem mesmo se póde dar por
+causa de tal descobrimento a carencia d'aquelle valor que illustrára
+tanto o nome portuguez. Ainda quando este fosse de egual tempera ao dos
+Albuquerques, Almeidas, Castros, Athaydes e Mascaranhas, elle por si só
+não bastaria para manter pelo futuro um predominio, fundado em
+principios de direito que então se toleravam, mas que o progresso da
+humanidade havia de banir, mais cedo ou mais tarde, por isso que
+significava a negação do grande principio da liberdade dos mares.
+
+Um seculo não era decorrido desde que o Oriente vira monopolisado o seu
+commercio e dominados os seus mares, quando a monarchia de Portugal,
+perdido em Alcacer Quibir o fructo de suas anteriores victorias, passava
+ao regimen do rei castelhano.
+
+Esta phase politica, por si só não alterava as condições anteriores do
+paiz com relação aos seus distantes dominios. Deixava alli ainda de pé o
+simulacro d'aquelle grande poderio, pelo prestigio que o nome portuguez
+havia adquirido indisputadamente. Mas desde que Filippe de Castella nas
+suas luctas com os hollandezes prohibiu a estes o virem como d'antes ao
+porto de Lisboa, emporio do commercio do Oriente, era obvio o recurso
+que restava áquella nação de marinheiros e commerciantes ousados.
+Trataram de ir elles áquelles mares orientaes, fazer por sua conta um
+commercio do qual até então só indirectamente tiravam vantagem.
+
+Ao findar do seculo XVI, Hautman e Van Neck dirigem as primeiras
+expedições hollandezas, em menoscabo das prohibições de navegar nos
+mares do Oriente. Era para elles uma necessidade o irem procurar á
+origem, o que lhes era vedado no interposto que Lisboa d'antes lhes
+offerecia.
+
+Não iam ao Oriente renovar aquellas denodadas e cavalheirosas proezas
+que tinham assignalado as conquistas realisadas pelos portuguezes entre
+remotas gentes. O seu fito todo mercantil, era apoderar-se de um
+commercio já existente, procurando estabelecer-se em pontos que
+facilmente servissem de nucleo para dirigir aquella missão menos
+gloriosa, talvez mais lenta, mas mais segura, explorando em seu favor o
+animo das populações, e especulando com aquelles meios que facilmente
+occorrem a um novo dominador, quando se apresenta a povos já fatigados
+de um jugo mais antigo.
+
+A guerra que a Hollanda declarára contra Castella e Filippe, veio em
+seus effeitos affectar politicamente Portugal, como dependencia que era
+então d'aquelle monarcha; assim como o affectou economicamente, desde
+que por ella foi iniciado o desmoronamento d'aquelle edificio grandioso
+na apparencia, mas precario na essencia, e que por isso á falta de bases
+solidas cahiu com a mesma facilidade com que fora erguido.
+
+O valor portuguez, com quanto não esmorecido, não bastava para acudir a
+tão vasto dominio e aos calculados manejos dos seus aggressores europeus
+e asiaticos. Os navios da carreira da India que escapavam do naufragio
+eram victimas da pilhagem; a decadencia de recursos d'ahi resultante,
+dava áquelles novos pretendentes o ensejo de se irem apoderando da maior
+parte das possessões que á custa de tanto valor, cabedal e vidas, os
+portuguezes tinham conquistado. Era este o estado de cousas, que ao
+despontar do seculo XVII este herdava do seu predecessor.
+
+A Inglaterra ainda não tinha elementos que a fizessem aspirar ao grande
+poderio naval, quando Filippe II contra ella expediu a grande armada,
+mal cognominada «Invencivel». Mas a destruição d'esta imponente força
+naval e militar, enfraquecendo tambem Portugal que para ella contribuira
+com os valiosos restos da sua marinha, deu margem a que as primeiras
+expedições inglezas, no anno de 1601 sob o mando de Lencaster, partissem
+para os mares da India, conseguindo fundar em Surate e em Madrasta
+feitorias britannicas, que foram o germen d'esse grande dominio no
+Indostão, para cujo desenvolvimento tanto concorreu depois a amigavel
+cessão de Bombaim que passado meio seculo se estatuira no tratado entre
+Portugal e a Grã-Bretanha, tratado que nos valeu a sua alliança e
+auxilio na recuperação da independencia nacional.
+
+Algumas phases notaveis apresentam as complicadas lutas d'aquella epoca,
+pelas quaes se explicam as evoluções operadas nos dominios europeus no
+Oriente.
+
+A revolução de 1640, pela qual Portugal proclamou a sua emancipação da
+Hespanha, deu logar á guerra com esta potencia, que já a tinha tambem
+empenhada com a Hollanda. Perante o adversario commum concluiram
+Portugal e Hollanda no anno seguinte uma convenção, estipulando uma
+acção combinada na Europa, pelo auxilio reciproco de 20 navios de
+guerra.
+
+Mas os hollandezes, interessados n'essa acção na Europa, proseguiam no
+Oriente e na America a conquistar as possessões portuguezas, e assim se
+apossaram do Cabo da Boa Esperança e Ceilão, e de parte do Brasil.
+
+Pelo tratado de Munster de 1648 entre Hollanda e Hespanha, esta
+reconheceu a independencia d'aquella, cedendo-lhe não só as conquistas
+já feitas nas possessões portuguezas, ao tempo que estas eram
+dependentes da monarchia hespanhola, mas dando-lhe além d'isso o direito
+sobre as que de novo fossem adquirindo na India e Brasil.
+
+Por outra parte, a paz celebrada entre a França e Hespanha em 1659 pelo
+tratado dos Pyrineos, deixou est'ultima potencia livre e desembaraçada
+de inimigos para activar a guerra contra Portugal. N'este tratado o rei
+de França obrigava-se a não dar ao reino de Portugal auxilio ou soccorro
+de especie alguma, publico ou secreto, directa ou indirectamente em
+homens, armas, navios, viveres ou dinheiro.
+
+Abandonado Portugal aos seus unicos exforços, succumbiria perante o
+poder d'Hespanha. Foi então que se negociou o tratado d'alliança e
+casamento com a Inglaterra em 1661, cedendo-lhe Bombaim e Tanger, e
+recebendo auxilio de tropas e navios.
+
+N'esse mesmo anno negociava Portugal a paz com a Hollanda, estatuindo
+que as possessões de parte a parte ficassem ao actual possuidor na epoca
+da publicação do tratado.
+
+Os hollandezes demoraram tal publicação, para no intervallo effectuarem
+novas conquistas, e ainda nos dois annos seguintes se apoderaram de
+Canganor, Cananor e Cochim. D'este procedimento resultou que só em 1669
+se concluiu a paz definitiva entre Portugal e Hollanda confirmando a
+ésta a posse de todas as conquistas, menos Cochim e Cananor, quando
+Portugal désse tres milhões de florins. Foi d'este modo que as
+possessões que Portugal adquirira por obra do seu valor, foram tomadas
+pelos hollandezes que mais pelo diante as haviam de perder a favor de
+outra potencia.
+
+Effectivamente, os ciumes e rivalidades entre as nações maritimas que de
+novo disputavam a primazia commercial, deu causa ao systema de reciproca
+exclusão. Assim foi que o acto de navegação de Cromwell, estatuindo
+restricções em favor da navegação ingleza, originou a guerra que a
+Inglaterra moveu á Hollanda. Foi no decurso d'esta, que a Inglaterra
+tomou aos hollandezes, as possessões que haviam sido portuguezas. Foi
+pois esta nova posse realisada em resultado da conquista pelo direito de
+guerra, não pelo roubo, como vulgarmente se insinúa, com mais espirito
+de sanha do que de verdade.
+
+Retrocedendo porém ás phases da guerra que os hollandezes sustentaram
+com tanto empenho para se apossar do que fora obra portugueza, é digno
+de ser notado, que a lucta foi travada não só materialmente pelas armas,
+mas tambem moralmente pelo meio da argumentação e controversias dos
+publicistas. A questão entre liberdade ou restricção, entre força ou
+direito, deixou de ter por unicos arbitros a violencia e as armas. Era
+submettida pela primeira vez a outra prova, em que a logica e a razão
+universal era chamada a exercer o seu ascendente salutar, constrangendo
+a prepotencia a ser julgada e processada na arena da discussão. Tal foi
+o effeito da obra publicada em 1609 pelo celebre philosopho e publicista
+hollandez H. Grocio, e que tendo por titulo _Mare Liberum_, compilou
+todos os argumentos com que a logica d'aquelle genio superior, soube
+demonstrar a injustiça, a inconveniencia, a lesão de direito universal
+d'aquella pretenção dos portuguezes ao dominio do mar, cuja liberdade o
+autor proclama, não só para os seus conterraneos mas para todos os
+povos, quando depois de appellar para os recursos da placida e austera
+discussão do assumpto, exaltava a justiça da guerra, que tinha tal
+liberdade por objectivo, e concluia com emphase egual á convicção--_Si
+ita necesse est, perge geris mare invictissima, nec tantum tuam sed
+humani-generis libertatem, audaciter propugna._
+
+
+
+
+III
+
+
+A irresistivel tendencia que tinha levado todas as attenções e
+actividades por aquella inebriante senda do Oriente, deu causa como se
+disse, a deixar a Africa esquecida e abandonada. Mais do que isso. A
+Africa não só ficou desprezada como objecto que se ladeia e para o qual
+nem se lança a vista, mas até passou a ser como que exhaurida em auxilio
+e proveito de novas especulações, que eram o resultado de outro
+acontecimento notavel entre aquelles com que a edade media fechava a sua
+época.
+
+Colombo, o ousado genovez ao serviço de Castella, e que na escola de
+Sagres podéra aperfeiçoar-se na sciencia da nautica e da cosmographia,
+em sua mais feliz do que talvez directa insistencia de ir ao Oriente
+pelo Oeste, engolfando-se n'este rumo havia encontrado, não o Cathay de
+Marco Polo, mas as ilhas que, n'essa supposição, denominou Indias
+Occidentaes. Era a America, com a qual poucos annos mais tarde Cabral
+tambem topára em latitude mais meridional, quando se afastára para o
+Oeste em busca da melhor monção, para demandar o já devassado Cabo da
+Boa Esperança.
+
+Parece que o destino patenteava aquelle ignoto hemispherio para dar nova
+expansão á humanidade; mas contrabalançava uma tal vantagem,
+associando-a a outras consequencias que importariam a desgraça da
+Africa, desviando d'ella as attenções e cuidados, em homenagem ás
+exigencias d'aquelle novo Mundo que Colombo dava á Hespanha.
+
+Se Portugal tinha no Oriente um campo vasto para façanhas, conquistas e
+explorações, era por sua vez a Hespanha a nação á qual se offerecia
+identica área, para no Ocidente d'além mar alargar seus vôos no caminho
+de aventurosas emprezas. Uma differença porém sobresahia na missão e na
+tarefa que a estas duas nações cabiam. Emquanto que no Oriente os
+portugueses acharam regiões habitadas por povos cujo commercio já era
+tradiccional e florescente, e para se asenhorear do qual lhes bastou
+dominar as costas, e apossar-se dos mais ricos mercados impedindo a
+estes outras sahidas, os hespanhoes á sua parte iam encontrar na
+America, ilhas só habitadas por selvagens nus, ignorantes das artes, sem
+historia e sem commercio conhecido ou explorado; e passando ao
+continente, n'essas immensas florestas virgens, onde a natureza
+ostentava sua magnificencia n'uma vegetação luxuosa opulenta e variada,
+só mais tarde é que as minas de ouro e prata do Potosi e de Zacatecas
+poderam offerecer uma fonte de riqueza para attrair a attenção da
+metropole, pois as extorsões nos desgraçados indios, e a pilhagem dos
+templos de Cusco e do Mexico, serviam mais para locupletarem os
+invasores, do que de proveito ao governo do paiz em cujo nome se
+apresentavam.
+
+Mas uma raça inerte, fraca e enervada, não podia fornecer a estes novos
+occupantes os meios de explorar vantajosamente as riquezas a extrair do
+seio da terra.
+
+As violencias que soffreram os indigenas, as crueldades n'elles
+exercidas dizimavam a população trabalhadora.
+
+Para sanar este mal recorreu-se a outro meio apparentemente mais
+plausivel, mas não menos deshumano, e tão depravado, qual foi a
+importação dos negros d'Africa, trafico este para o qual, a torpe
+especulação mercantil queria achar pretextos que o justificassem, mas
+onde o engodo do ganho fazia calar a voz da consciencia dos
+especuladores d'este mercadejo de corpos opprimidos pelo trabalho e
+soffrimento, e de almas embrutecidas pela servidão; mercadejo infame no
+qual ao ganho realisado pelo trabalho do negro, se accrescia o ganho
+realisado sobre o proprio negro como cousa ou artigo de mercancia, e
+objecto de regulamento.
+
+Tal foi a origem do trafico de escravos, que desfalcando a Africa de
+seus braços em vez de os convergir em seu proveito, afastou d'alli a
+attenção da Europa, para tudo quanto não fosse sacrifical-a ás
+especulações egoistas e inhumanas de que a America era causa e
+objectivo.
+
+Esta origem ignobil de fortunas adquiridas á custa de miserias e
+aviltamento da especie humana, ainda tomou outra feição não menos
+abominavel, desde que com ella se especulou, reduzindo-a a um monopolio
+official adjudicado a contratadores, que tambem punham a preço a
+distribuição d'esta mercadoria de carne humana com que a Africa
+contribuia como adubo, do qual se fazia depender a prosperidade das
+colonias do novo Mundo.
+
+Já na primeira decada do seculo XVI, o tribunal de commercio de Sevilha
+prefixava em 4:000 o numero de escravos annualmente reclamados para as
+Antilhas. O monopolio do trafico foi primeiramente concedido por Carlos
+V aos flamengos, assim como mais tarde o foi por Filippe II aos
+genovezes, como retribuição de serviços, sendo sempre com o caracter de
+fonte de receita que taes adjudicações se concediam a prazos, por
+contratos denominados _assientos de negros_.
+
+N'estes contratos ou _assientos_ se regulava o numero de escravos a
+transportar, designando-o por cabeças, por peças de India e até por
+toneladas, como se consigna no _assiento_ com a companhia portugueza de
+Guiné, de 1696 a 1701, obrigando-se ésta a fornecer 10:000 toneladas de
+negros! É notavel que á proporção que augmentavam os lucros d'este
+trafico, os contratos tomavam a fórma mais solemne de tratados entre
+potencias. O tratado de 1701, concedendo o monopolio do trafico á
+companhia franceza de Guiné, estipulava que as corôas de França e
+Hespanha ficavam interessadas, cada uma, na quarta parte dos lucros. E
+depois o tratado celebrado entre Hespanha e a Grã-Bretanha em 1713,
+estabeleceu em favor d'esta a adjudicação do monopolio d'este trafico
+com as colonias hespanholas da America, para durante o praso de 30 annos
+n'ellas importar 144:000 negros peças de India de ambos os sexos, sendo
+4:800 em cada anno, e podendo os assentistas empregar n'essa conducção
+os navios propriedade de Sua Magestade Britannica.
+
+É certo, todavia, que muitas vezes a grandeza do mal marca a hora da
+reacção tendente a cohibil-o. Assim, as importantes lutas internacionaes
+do fim do ultimo seculo e começo do actual, em que se debatiam grandes
+questões de supremacia maritima e commercial, influiram para que
+variasse a politica até então seguida por varias nações com relação ás
+colonias.
+
+Erguiam-se vozes auctorisadas nas regiões da diplomacia, lançando
+stygmas sobre o trafico de negros. As tentativas generosas de Clarckson
+e de Wilbeforce, que ainda no começo do seculo eram no parlamento
+britannico apenas secundadas pelo echo de suas vozes, pouco tardou que
+não fossem coroadas de exito durante o ministerio de coalisão de Fox e
+Granville, em que a politica ingleza se declarou e se fixou
+decididamente pela repressão da escravatura. Proclamados estes
+principios no congresso de Vienna, e acceite a doutrina pelas nações
+cultas, em breve passou a ser sanccionada internacionalmente pelo
+direito convencional dos tratados.
+
+Justiça deve ser feita a Portugal, que apezar da immerecida reputação de
+ter sido um dos fautores d'aquelle trafico reprovado, foi todavia o que
+menos tardou em acceitar todas as medidas e pactos que á restricção do
+mesmo se propunham. Era com razão que o ministerio Passos-Sá da
+Bandeira, publicando o decreto de 10 de dezembro de 1836, que prohibia a
+escravatura nas possessões portuguezas da Africa, consignava no
+relatorio que o precedia, que «o infame trafico de escravos é certamente
+uma nodoa indelevel na historia das nações modernas; mas não fomos nós
+os principaes, nem os unicos, nem os peiores réos. Cumplices que depois
+nos arguiram, tambem peccáram mais, e mais feiamente.»
+
+Nos periodos de transição é frequente darem-se attritos e levantarem-se
+dificuldades em superar os effeitos de inveteradas praticas, e mais
+ainda quando uma nova ordem de coisas vem affectar interesses
+systematisados. Não é de admirar portanto, que não sómente nos
+especuladores, mas até d'entre funccionarios locaes, partissem exemplos
+que dessem logar a suspeitas, de ser o engodo do lucro um movel superior
+ao sentimento do dever. D'ahi surgiram desconfianças e azedumes, que
+deram logar áquellas pressões menos razoaveis e insolitas, com que a
+politica de lord Palmerston se tornou exigente e insoffrida para com
+Portugal até ao ponto de ter tanto de oppressiva como pouco de generosa
+e justa; politica excepcional, que mais devia servir de labéo á
+prepotencia do homem de estado, do que ao caracter de uma grande nação.
+
+Foi essa effectivamente uma politica individual, caracteristicamente
+prepotente, e da qual tambem outras nações sentiram a acção; e tanto
+assim que Portugal teve no parlamento britannico vozes em seu favor,
+entre as quaes, a do illustre guerreiro da peninsula, o duque de
+Wellington.
+
+Mas nas condições actuaes tudo é diverso. Então era a apresentação de um
+bill, lesivo da dignidade de uma nação, e que a feria no seu direito de
+independencia. Agora é a negociação de um tratado, em condições de
+reciprocidade e mutuas franquias, o que em principio é mais do que o
+reconhecimento; é a garantia e confirmação da sua independencia e
+direito de egualdade.
+
+Então sim que toda a repulsa era nobre e digna; agora toda a reluctancia
+e desdem, são injustificados.
+
+Os resentimentos e aggravos que n'aquelle periodo anormal se seguiram,
+foram pouco depois habilmente sanados pela celebração do tratado de 1842
+entre Portugal e a Gram-Bretanha, tratado que desde logo em direito,
+embora só mais tarde de facto, veiu tornar uma realidade o decrescimento
+e quasi total extincção do trafico de escravos nas possessões
+portuguezas da Africa. O trafico deixou de existir como regra
+estabelecida e tolerada, limitando-se a dar amostra de si apenas como
+excepção furtiva e condemnavel.
+
+Mas, o ultimo passo para se chegar á sua completa extincção, está nas
+leis mais modernas, que abolindo a condição de escravo e o estado
+servil, consignáram o que o direito natural prescreve, isto é, a
+liberdade do homem, sem attender a côr, condição ou logar. Foi este
+decerto o golpe final n'aquella aberração social e depravada pratica, a
+escravatura, que foi um dos grandes obstaculos á civilisação da Africa.
+
+
+
+
+IV
+
+
+Quatro seculos encerram um periodo, cujo começo se assignala pelo
+descobrimento da America e determinação da orla maritima até aos limites
+austraes da Africa, mas cujo termo nos deixa vêr em nossos dias as
+vastas regiões centraes d'esta velha parte do Mundo, em condições que
+pouco se avantajam áquella, em que as deixaram os primeiros que lhes
+demarcaram os contornos, emquanto que na America vemos um novo
+continente explorado e colonisado em todo o littoral e interior da sua
+vasta extensão nos dois hemispherios.
+
+As transições pelas quaes passou esta grande parte do Mundo, segundo a
+tendencia e indole das nacionalidades que a si vincularam sua exploração
+e posse, por longo tempo a amoldaram ás feições que taes elementos e
+systema da colonisação lhe imprimiram.
+
+Mas as grandes luctas de predominio e de interesses em que a Europa
+andou empenhada desde o ultimo quartel do seculo passado e durante o
+primeiro do actual, dando logar a vicissitudes e modificações na
+politica e na economia de varias potencias, foram causas, que prepararam
+a emancipação de todos aquelles dominios.
+
+As frotas annuaes dos galeões de Cadix e das Philippinas, que combinavam
+suas derrotas pelas Antilhas até Porto Bello, ou de Manilha até
+Acapulco, para monopolisar o commercio d'aquellas regiões e o transporte
+das riquezas do Novo Mundo, deixaram de ter a sua epoca. O trafico do
+Brazil restringido todo a convergir em Lisboa, cedeu o logar á
+concorrencia, pela abertura dos portos ás nações consumidoras de seus
+productos de tão geral procura e consumo.
+
+Na America septentrional, a formação de um grande estado maritimo e
+commercial, actuou nas relações internacionaes, desde que deu força aos
+principios favoraveis á bandeira cobrir mercadoria, e a garantir os
+direitos dos neutros.
+
+A independencia politica successivamente proclamada e firmada de norte a
+sul das Americas, constituindo novos e robustos estados com todos os
+elementos de uma civilisação adiantada, e com todas as vantagens de um
+solo fertilissimo em productos de ampla procura, teve em resultado
+acabar com todas as restricções e exclusões, para dar logar a um
+commercio extensissimo, sempre crescendo em importancia e actividade,
+com prodigioso desenvolvimento da navegação, e contribuindo não só para
+o augmento das relações com as antigas metropoles, mas tambem com os
+grandes mercados e centros de consumo, tornando cada vez mais firmes e
+garantidos, pela solidariedade de interesses resultantes, os principios
+de direito maritimo internacional, e de economia social, em vantagem de
+todos os povos.
+
+O quadro que fica exposto, como resultado da abolição do systema
+restrictivo, abrange em seus traços o que se observa percorrendo todos
+os mares e regiões da Asia e Oceania até aos confins do Globo.
+
+Nas costas e portos das Indias, da peninsula Malaia, dos imperios
+Birman, China e do Japão, e até da Australia e Nova Zelandia, e ainda em
+volta até ao Pacifico, se encontram não só emporios commerciaes mas
+tambem pontos de escala de uma navegação prodigiosa, entretida por
+numerosos e explendidos navios, onde a architectura naval, a sciencia do
+engenheiro, e a industria do ferro, nos deixam ver maravilhas da arte,
+em typos de magnificencia, solidez e segurança, estabelecendo pela livre
+concorrencia e pela rivalidade no serviço, aquella activa, permanente e
+admiravel rêde de communicações, que o telegrapho auxilia, e que o
+caminho de ferro ramifica pelos continentes.
+
+Vae-se hoje aos antipodas, e quasi se faz o circumgiro do globo, com a
+mesma rapidez, e com maior segurança e conforto, do que ha apenas meio
+seculo se ia de um ponto a outro da Europa.
+
+A propria Australia e a Nova Zelandia que ha apenas um seculo eram,
+aquella povoada de tribus antropofagas, e ésta ainda desconhecida,
+partilham hoje dos mesmos resultados, deixando ver, como em paragens
+onde ha pouco só havia a floresta virgem, ou banquetes canibalescos do
+Gunya ou do Maori selvagem, ao presente se ostentam cidades florescentes
+onde a colonisação, a indole e o genio da raça anglo-saxonia, implantou
+todos os progressos que a civilisação opéra, e onde todos os
+estabelecimentos e recursos que o commercio reclama e a industria anima,
+rivalisam com os que se encontram nas mais opulentas cidades europeas.
+
+Isto que ha um seculo pareceria um sonho phantastico, e ha meio seculo
+uma utopia de visionarios, é hoje uma realidade. Por visionario e
+utopista seria tido, quem exaltando o alcance d'este grande resultado de
+um systema menos egoista do que o então seguido, ousasse condemnar a
+frota dos galeões, os monopolios de trafico, o trabalho servil, os
+exclusivos de bandeira, a vedação de portos, e as theorias do _mare
+clausum_.
+
+Infelizmente nem as theorias nem os exemplos poderam ainda conseguir,
+que deixasse de haver uma excepção bem frisante n'aquelle quadro geral e
+progressivo do movimento commercial do Mundo.
+
+Mais infelizmente ainda é ter de reconhecer, que uma tal excepção, que
+bem destôa da regra, é a que se encontra na Africa, alli onde o dominio
+portuguez mantém com uma teimosia ferrenha aquelle systema de
+restricção, de ciumes e de formalidades prohibitivas, cujas ruinosas
+consequencias não podem achar desculpa que lhes attenue a causa.
+
+A questão importante e que hoje interessa a tantas nações e governos,
+qual é o empenho na exploração da Africa para aproveitar os seus
+recursos ao commercio e industria, e abrir alli novos mercados e centros
+de consumo, não têem referencia ás regiões septentrionaes d'aquella
+parte do Mundo, cujos estados desde Marrocos e Argel até ás dependencias
+suzeranas da Porta, se por um lado estão em communicação com o
+Mediterraneo, por outro encontram o grande deserto impondo uma barreira
+impeditiva ao caminho para as regiões centraes.
+
+A attenção fixa-se pois sobre a orla das costas occidental e oriental
+africanas, que circundam o grande continente, e atravez das quaes, pelo
+aproveitamento de seus accessiveis portos e extensos rios, é que pode
+estabelecer-se a communicação que de ingresso ás regiões, cujo accesso o
+commercio disputa, e a civilisação reclama.
+
+
+
+
+V
+
+
+É fóra de duvida, que dos occupantes do littoral do Oeste e Leste da
+Africa é que está dependente o franquear o transito que deve conduzir á
+realisação de um grande fim, que a humanidade reclama e que a justiça
+sancciona.
+
+Observando qual seja ainda hoje a feição predominante na administração
+d'estes dominios, embora elles tenham já conhecido melhoria de riqueza
+publica desde a abolição do trafico d'escravatura, ali encontraremos
+ainda a ausencia d'aquelles elementos que mais eficazmente contribuiriam
+para a grande obra da civilisação da Africa. Assim, procurando qual seja
+a acção da catechese pelas missões, veremos que é nulla, desde que se
+descura e se repelle esse meio tão efficaz para tirar o preto boçal da
+sua brutal condição, e tão facil de crear amigos, de estabelecer
+influencia e alargar o dominio. Em fins de 1876 consignava o governador
+geral de Angola na sua allocução á junta geral da provincia, o seguinte:
+«Que ali estava uma enorme provincia immersa em um profundo
+obscurantismo, sem ainda sonhar com o dia em que a libertaria das
+cadeias da mais estricta animalidade.»
+
+Em todo o sertão de Angola e Moçambique, nada ha que se assemelhe na
+fórma nem nos effeitos, ao que se observa de proficuidade na missão
+franceza do Gabão, bem como n'essas outras que proseguem auxiliadas
+pelos proprios governos heterodoxos, na sua obra civilisadora em
+differentes estancias do interior da Africa. Obra humanitaria e
+civilisadora, cujo empenho é dar ao indigena uma religião, um inicio de
+perfeição no estado social, e o amor do trabalho, constituindo os laços
+da familia. Nada d'isto se encontra nos dominios portuguezes. Ha o culto
+do fetichismo, e do milongo, entre os pretos. Ha indifferentismo na
+população de origem europea. Perpetua-se a tal animalidade que o
+governador d'Angola notou. E como não ha de assim acontecer se o
+missionario não for ligado ao preceito da obediencia, e movido por
+aspirações mais ricas de desprendimento, por estimulos que se bazeam na
+abnegação, e na coragem até ao proprio sacrificio. Tudo que isto não
+seja, o missionario isolado, e sem regra de consciencia a que obedeça, e
+só ligado por qualquer interesse mundano, será sempre como o soldado,
+que se pretendesse tornar elemento de força militar, mas sem chefe e sem
+disciplina, livre em seus actos, e livre para deixar o serviço quando
+lhe aprouvesse. Não se faz guerra sem tropa de linha; não ha missões
+proprias sem a milicia religiosa. Segreda-se que é indispensavel, mas em
+publico nega-se. A verdade é esta. Não ha, como n'outros paizes, os
+elementos para uma efficaz e proficua missão ultramarina. Substitue-se
+essa falta, enviando todos os mezes uma leva de missionarios de
+differente cunho, que partem de outra especie de convento onde se
+professam outras regras, qual é o presidio do Limoeiro, para irem com o
+seu exemplo e sua doutrina civilisar os pretos!
+
+A colonisação europea na Africa portugueza, alimenta-se principalmente
+com os facinoras, cujos crimes na metropole, por horrorosos que sejam,
+só tem por punição, não o que serviria de terror salutar para cohibir
+outros crimes, mas sem transportar o criminoso, ás vezes a seu contento,
+de um para outro territorio! Na epoca dos descobrimentos abandonavam-se
+alguns condemnados nas plagas inhospitas da Nigricia, como por
+commutação de pena, a fim de que por meio d'esses entes assim degradados
+da sociedade que haviam ultrajado, se obter eventualmente informações
+dos povos indigenas. Era então um correctivo, e ao mesmo tempo um
+aproveitamento. Hoje perpetua-se o systema; o que era excepção motivada,
+conserva-se como regra, mas em condições mui diversas quanto ás causas e
+quanto aos effeitos. Pretende-se estabelecer a pena appellando para a
+morte lenta por effeito de um clima deleterio! Nem a moral, nem a
+justiça, nem a conveniencia pódem sanccionar tal versão. Mas não é tudo.
+
+A força publica que deveria ser o elemento de prestigio da auctoridade,
+do predominio europeu, da manutenção da ordem, do respeito ás leis, e da
+segurança publica, é composta d'aquelles mesmos criminosos, que os
+tribunaes condemnam e que a metropole por castigo envia, para onde
+outros vão sem fazer por merecel-o; n'uma palavra, a força publica é
+composta d'aquelles elementos, para cuja repressão ella tem razão de
+ser. Singular anomalia ésta, que por outra parte se pretende corrigir
+com a monstruosidade de uma disciplina, que consiste em despedaçar
+creaturas humanas, com milhares de golpes de chibata, dando-lhes a morte
+sem processo, sem lenitivo espiritual, e entre torturas tão horrorosas,
+que o consideral-as deixa a perder de vista as scenas de horrores que se
+narram de povos mais barbaros.
+
+Quanto ao commercio e communicações, mantem-se a restricção como
+systema, a ficticia protecção em logar da livre concorrencia.
+Classifica-se como cabotagem o commercio maritimo para longiquos
+dominios, n'um percurso nautico de milhares de legoas, dando em
+resultado afastar aquella concorrencia com que lucraria o trafico, e
+reduzir quasi á nullidade a navegação nacional, a não ser a que é
+entretida pelas escassas linhas favorecidas. Estas são taes, que quando,
+n'uma só carreira mensal entre Angola e Lisboa, se completa uma viagem
+que não exceda de 30 dias, aponta-se esta como notavelmente rapida,
+quando aliás a quasi dupla distancia entre o canal Britannico e o cabo
+da Boa Esperança, é _semanalmente_ percorrida, sem que as viagens
+excedam a vinte dias, e sem prohibição ou obstaculo para quem egualmente
+as queira percorrer. Obrigam-se a escala forçada por Lisboa, os
+productos da Africa vindo sob bandeira privilegiada; e impede-se o
+trafico sob qualquer outra bandeira, embora a frete mais barato, e
+portanto mais vantajoso para o commercio.
+
+Annunciam-se linhas de navegação que de outros paizes demandam os portos
+d'Africa, tocando em Lisboa; mas a legislação é tal, que obriga a que
+conjunctamente tambem se annuncie: é _prohibido levar carga para os
+portos portuguezes_. Isto que deveria ser incrivel, é todavia a
+realidade!
+
+A navegação dos rios por vezes sujeita a contractos de exclusivo,
+impedindo a concorrencia, tem limitado a exploração ao capricho ou
+interesse dos concessionarios.
+
+É este o conjuncto de formulas, que representam o estado social e
+economico dos dominios portuguezes nas costas de Africa, embora n'estas
+se achem os melhores portos, e n'ellas desaguem os mais extensos e
+navegaveis rios, que a Providencia destinou como para serem os meios de
+communicação desde o Oceano até ás regiões centraes.
+
+Medeiam entre estes dominios, as possessões inglesas do Cabo, e as da
+colonia do Natal. O estado de prosperidade d'estas pode ser avaliado,
+notando que no espaço de quarenta annos, a actividade da raça
+anglo-saxonia, e o seu systema de administração, alli formou uma cidade
+como Durban, povoada por milhares de europeus, e notavel em belleza e
+explendor, pela regularidade de suas praças e ruas, onde se encontram
+luxuosas lojas, sumptuosas egrejas, magnificos parques, numerosos
+hoteis, escriptorios e armazens, e onde a par de um movimento activo e
+ruidoso de toda a especie de vehiculos, já se ouve o silvo da
+locomotiva, e se observa o bulicio das estações dos caminhos de ferro.
+
+Que triste é a confrontação com o que se vê no nosso velho Moçambique!
+Mas alli, onde os esforços da arte e o aproveitamento dos recursos
+naturaes, operou taes milagres da civilisação, a natureza por outro lado
+não foi prodiga em conceder portos ou bahias em local adequado para
+servirem de grande avenida para a Africa central. Estes, e em taes
+condições encontram-se na costa mais oriental, na provincia de
+Moçambique, sobresaindo Lourenço Marques como aquelle que por sua
+capacidade e situação mais limitrophe das possessões inglezas, offerece
+a perspectiva de ser destinado para o melhor e mais accessivel emporio
+do commercio com o Transwaal, Orange e outras regiões centraes,
+tornando-se assim o interposto pelo qual se encaminhará o commercio, que
+para a Africa será um dos meios mais conducentes á obra da civilisação,
+e que tão louvavel é de promover e auxiliar, como seria crime de lesa
+humanidade o pretender estorval-o.
+
+Se a confrontação do estado d'aquellas differentes possessões europeas,
+deixa tão desagradavel impressão, por outra parte se compararmos entre
+si os dominios portuguezes das costas occidentaes e orientaes, ahi
+encontraremos identicas condições da existencia intima, variando porém
+n'um ponto aliás importante.
+
+Na costa occidental, o nosso dominio territorial termina com o sertão do
+gentio, e não com estados reconhecidos pelo direito publico como fazendo
+parte de nações constituidas. Alli portanto, a administração, boa ou má,
+e as praticas com os visinhos, são até certo ponto questões domesticas
+ou de direito privado, que só reflectem nos dominios d'este, e não
+affectam os interesses de outras potencias, nem as relações de direito
+externo.
+
+Na costa oriental são diversas as condições, pois se por uma parte temos
+por confinantes os regulos ou chefes de tribus africanas, por outro lado
+temos por visinhos limitrophes os territorios sujeitos á soberania de
+uma potencia europêa, a Inglaterra. É pois ésta uma circumstancia mui
+attendivel, por isso que d'ahi resultam direitos e deveres reciprocos,
+que para serem mantidos e respeitados, é mister que não se falte aos
+dictames das praxes usadas internacionalmente entre estados
+constituidos, e impostas pelo que recommenda a solidariedade das nações
+cultas.
+
+
+
+
+VI
+
+
+Desde que a politica, que se póde dizer europea com relação á Africa, se
+empenha pela exploração d'esta como sendo uma perspectiva de abrir novos
+centros de consumo para as industrias, e vasto campo para o commercio, o
+instrumento d'esta louvavel politica encontra-se unicamente nas duas
+nações alli dominantes, mas que fazem parte da communhão europea, e taes
+são Portugal e a Inglaterra. Fóra d'estas, só ha as tribus da negreria,
+e quer sejam Cetewayo, Secocoeni ou Bonga os seus chefes, não podem
+haver compromissos internacionaes que d'elles fiquem dependentes. Haverá
+alli tribus e hordas, mas não ha alli estados reconhecidos. Compete pois
+áquellas duas nações a honrosa e importante obrigação, de serem as mais
+activas e empenhadas no emprehendimento d'esta moderna cruzada, pelo
+mutuo accordo n'esta benemerita missão.
+
+A parte que n'esta devem tomar estas duas nações, ambas independentes, e
+portanto com regalias identicas perante o direito de egualdade, deve ser
+commum e accorde, porque commum é o interesse material e moral que d'ahi
+lhes resulta.
+
+Portugal e Gram-Bretanha são estados amigos e alliados de antiga data na
+Europa; mas ainda que o não fossem bastava-lhes o serem unicos no
+dominio, e visinhos em territorio na Africa Oriental, para moralmente
+serem mui especiaes as suas condições em diplomacia no continente
+africano. Mas além d'esta consideração moral, tambem a sua posição de
+confinantes, faz com que nada possa obstar a que sejam visinhos
+limitrophes; e desde que assim é, nada póde tornar recommendavel, que em
+vez de n'essa qualidade irem sempre em harmonia e desprendidos de
+egoismos e rivalidades, tornassem n'um systema de desconfiança, o que só
+deve ser cooperação leal, no accordo mutuo de serem os representantes da
+civilisação europea perante a barbaria.
+
+Para o conseguimento pois da grande empreza que d'estas nações depende,
+não basta que de sua iniciativa partam expedições de viajantes que vão
+explorar as regiões ainda não conhecidas. Feitos são estes que revelam
+coragem individual, e que tambem significam colheita para a sciencia
+geographica, geologica ou anthropologica; mas a par d'isto tambem dão a
+conhecer que o mal existe e carece de remedio, mas não constituem por si
+o remedio para o mal que denunciam.
+
+É preciso mais. É preciso abrir as avenidas por onde as communicações se
+estabeleçam e o commercio se encaminhe. Estas avenidas, estes focos de
+proficua actividade, é mister serem franqueados, sem restricções e sem
+exclusivismo. Somos senhores territoriaes de mais de 300 leguas de
+costa, onde dominamos; mas por isso que somos os donos, não devemos ser
+os monopolisadores. Já passou a epoca do _mare clausum_. A missão agora
+a cumprir nem é exclusiva de Portugal ou da Inglaterra; é da acção
+combinada e accorde d'estas duas nações como unicos e solidarios
+representantes alli, da civilisação e do direito publico europeu, e como
+sendo as nações que mais directamente n'isso interessam, conciliando a
+vantagem propria com a reciproca, e com as exigencias das nações cultas.
+A hesitação em compartilhar d'esta empreza e de tomar ésta feição no
+campo da diplomacia com relação á Africa, seria da parte de Portugal
+procedimento analogo a recusar-se na Europa em adherir a um Congresso de
+potencias, negando-se a ser solidario com as suas decisões. O congresso
+no caso actual, cifra-se ao accordo e ás decisões de Portugal e
+Inglaterra. Não annuir a uma tal versão seria para Portugal, o mesmo que
+desprezar uma phase que lhe daria importancia no conceito das outras
+nações; significaria não querer saír do marásmo, a troco de escrupulos
+infundados sobre a sorte dos padrões de suas glorias, considerando os
+restos de suas antigas conquistas como quadros de familia nos quaes não
+se póde bulir. Mas visto termos padrões de glorias passadas, tanto mais
+razão para que éstas se não offusquem ou occultem. Para isso é
+necessario amoldal-os ao que o espirito da epoca recommenda, e a
+humanidade exige.
+
+Gloria não é guardar intactos e fechados em carunchosa arca, os quadros
+de familia, em vez de os dispor, sacudidos da traça do passado, em
+vistosa galeria onde se admire o merito dos que os adquiriram, e o bom
+juizo dos que os sabem conservar com aproveitamento.
+
+Gloria é mostrar-se digno herdeiro de preteritos feitos, sabendo
+aprecial-os pelo presente, e tornal-os fecundos para o futuro. Foi
+gloria navegar por mares não d'antes navegados, usando do astrolabio e
+da balestilha, vencer a moura resistencia a golpes de lança e de adaga.
+Não seria hoje gloria deixar o sextante pelo astrolabio, nem o fuzil
+pela partazana, desde que com os novos instrumentos e armas, melhor
+podemos servir a causa do progresso e da humanidade.
+
+Estas considerações são as que resultam apenas da apreciação generica do
+assumpto. O principio é applicavel como these a quaesquer que fossem os
+Estados constituidos, e com soberania reconhecida na Africa.
+
+Passando porém da thése á hypothese, ainda mais valor e cabimento ellas
+tem, desde que se dá n'esse caso a circumstancia de serem applicaveis a
+duas nações, taes como Portugal e a Gram-Bretanha, entre as quaes
+existem outras affinidades e uma reciprocidade de interesses commerciaes
+e politicos, que a par de uma tradicional camaradagem na paz e na
+guerra, torna natural e justificada a manutenção da melhor harmonia,
+lealdade e confiança nos seus mutuos procedimentos.
+
+As simples regras estabelecidas pelo direito das gentes, natural ou
+primitivo, limitam-se a regular os procedimentos entre nações,
+consideradas como entidades moraes collectivas, e só para não faltarem
+entre si, aos principios que a justiça natural ensina, e a razão dicta.
+Não são porém sufficientes quando no trato internacional se pretendem
+ampliar e desenvolver outras relações, além d'aquellas que se referem
+meramente ao respeito e guarda dos mutuos deveres e direitos. É mister
+então recorrer ao direito secundario ou positivo, pelo qual se estipulam
+pactos ou convenções mutuas, cujo fim é ampliar e regular em condições
+de reciprocidade os direitos e deveres communs que d'ahi se originam.
+
+Tal é o _direito convencional_, resultante dos tratados internacionaes,
+o qual constitue uma das phases mais importantes no direito publico de
+todas as nações civilizadas.
+
+Os tratados publicos são pois pactos solemnes, celebrados em nome do
+principio da soberania, e cujo fim é estreitar relações, e crear
+interesses entre differentes Estados, fazendo desapparecer as
+restricções que n'outros tempos eram impedimento ao commercio, á
+navegação, ás communicações, e até ao ingresso nos territorios, e á
+reciproca usufruição de seus productos ou attractivos.
+
+É por elles que se baniu o _jus naufragii_, o confisco da propriedade
+estrangeira por successão, e outras praticas, restos da edade media, que
+Montesquieu já qualificava de _direitos insensatos_. Sem o direito
+convencional, as nações da Europa estariam bem longe do estado de
+civilização e d'aquelle progresso material que d'ella são o resultado.
+
+É em harmonia com esta doutrina, de si indisputavel, que na actualidade
+e com relação á Africa oriental e austral, um tratado entre Portugal e
+Inglaterra constitue uma phase de direito convencional, tão
+imperiosamente reclamada, que para o desmentir seria mister ir de
+encontro a todas as theorias que as sciencias sociaes recommendam, que o
+bom senso indica, e que o exemplo aconselha.
+
+Duas nações europeas, dominantes na Africa, representam, ainda que o não
+quizessem, a homogeneidade da civilisação perante a barbarie de póvos
+incultos.
+
+Regular as relações reciprocas d'estas duas nações, e assim promover os
+interesses de um caracter mais generico e nobre, que devem resultar da
+sua acção e accordo commum, é não só uma conveniencia reciproca, mas até
+uma necessidade absoluta e indeclinavel, de grande alcance material e
+moral.
+
+A Inglaterra possue territorios cuja prosperidade lhe impõe a
+necessidade de alargar e facilitar as communicações com as regiões
+centraes da Africa. Faltam-lhe, porém, os portos espaçosos e os rios
+navegaveis como os que Portugal possue nos seus dominios limitrophes,
+n'um extenso littoral, e os mais adequados para um grande
+desenvolvimento de commercio. Deixárem-se ficar nas áctuaes condições,
+seria, para uma e outra nação, perder o que uma e outra poderiam ganhar.
+Equilibrar uma tal desegualdade tornando extensivas e communs a ambas o
+goso e as vantagens resultantes da sua acção combinada, é quanto o
+direito convencional se incumbe de realisar pelas estipulações dos
+tratados internacionaes. Tal é o procedimento que compete a todo o paiz,
+que em taes circumstancias queira proceder ajuizada, patriotica e
+humanitariamente, e de modo a não desmerecer do conceito de nação culta
+e esclarecida.
+
+Na governação dos estados, os procedimentos que regulam as relações
+externas carecem de ser reflectidos, sensatos, e não subordinados a
+opiniões sem criterio, ou a logares communs, que partindo de um desdem
+muitas vezes ignaro, o vulgo acceita e repete como sentença, quando
+aliás não teem outra significação, nem merecem outro conceito que não
+seja o de phrases gratuitas e banaes, que resentimentos partidarios ás
+vezes exploram, para armar a um falso sentimentalismo patriotico.
+
+Pois com que fundamento, com qual criterio se póde allegar em these que
+uma nação pequena, como Portugal, não deve celebrar tratados com uma
+nação mais poderosa, como a _orgulhosa_ Inglaterra?
+
+A Inglaterra é, sem duvida, uma nação poderosa; e não o é somente pelo
+dilatado dominio e pela preponderancia no systema politico do Mundo, mas
+tambem pela seriedade do seu caracter nacional, seu amor á liberdade,
+espirito de tolerancia e respeito ás leis. Talvez que seja orgulhosa,
+mas porque terá razão de o ser. Outros haverá tambem que com menos razão
+o sejam. É orgulho impor-se a si proprio; mas tambem o é, o desdem pelo
+alheio. O orgulho nos poderosos será desvanecimento; nos pequenos é
+jatancia. Ser discreto é tão nobre n'aquelles, como é decoroso n'estes.
+
+O direito convencional não se estabelece tomando a medida da maior ou
+menor força material dos contratantes, pois é preceito de direito
+internacional, que ás nações assiste o direito de _independencia_, bem
+como o de _egualdade_, qualquer que seja a extensão de seu territorio,
+forças, recursos ou riquezas. Seria, pois, uma utopia absurda a
+pretensão de que os tratados só devem ser celebrados com nações menos
+poderosas. Seria admittir o perigoso principio, de que só a força suppre
+o direito. Esta é que seria a pessima doutrina para as nações pequenas.
+
+Seria tambem curioso o processo para obter o dynamometro politico que
+désse a medida de taes forças relativas. O certo é que muitos tratados
+celebrou Portugal com nações poderosas, e por isso tambem occupa um
+logar conhecido na communhão d'ellas. Nem é indecoroso para os pequenos
+o merecer a alliança dos mais fortes. Os póvos selvagens é que não
+conhecem tratados, nem são por elles conhecidos.
+
+Com a Inglaterra foram celebrados differentes tratados notaveis, entre
+os quaes o de 1661 com Carlos II, tratado este denominado de alliança e
+casamento, e que foi o que contribuiu para firmar a independencia do
+paiz, á custa de condições onerosas certamente, mas que bem valiam o
+conseguimento d'aquelle fim. Os anteriores tratados, de 1642, com Carlos
+I, e de 1654, com o protectorado de Cromwel, já tinham por objecto,
+aquelle o auxilio a Portugal na luta contra a Hespanha, e este ultimo é
+um dos primeiros tratados em que se consignou a doutrina de que a
+bandeira cobre mercadoria. Os tratados, de Methuen de 1703, e o de 1810,
+que foram considerados como prejudiciaes ás industrias fabris pelos
+sectarios da escola prohibitiva, são differentemente avaliados em seus
+resultados por varios economistas e historiadores. É certo que
+favoreceram notavelmente o commercio dos productos vinicolas, e deve
+notar-se em que circumstancias politicas da Europa elles foram
+concluidos; aquelle, por occasião da guerra da successão de Hespanha, e
+que obrigou Portugal a tomar parte na liga europêa contra as pretensões
+da França sobre a peninsula; o outro, na época em que Napoleão dictava a
+lei ao continente, e tinha pelo decreto de Milão, dois annos antes,
+lançado sobre Portugal uma contribuição de guerra de cem milhões, a
+titulo de resgate da propriedade!
+
+Dos tratados de 1842, um deu o benefico resultado da cohibição da
+escravatura na Africa; o outro elevou o commercio entre os dois paizes a
+um grau de desenvolvimento tal em importação e exportação, que em valor
+quasi equivale ao que todos os outros paizes teem com Portugal. É a
+estatistica que assim o affirma. E apezar das theorias já caducas da
+balança mercantil, o commercio internacional não é outra coisa senão a
+applicação da divisão do trabalho a todo o genero humano.
+
+
+
+
+VI
+
+
+Os pontos sobre os quaes póde versar a apreciação de um tratado, são os
+que dizem respeito ás formalidades essenciaes para a sua negociação, e á
+natureza das estipulações n'elle consignadas, isto é, o que é relativo á
+fórma e á essencia.
+
+Um tratado publico, sendo uma relação de estado a estado, tendente a
+ampliar ou modificar direitos primitivos, e a estabelecer novas
+concessões ou obrigações reciprocas, constitue um facto solemne entre
+nações, que, como entidades collectivas são n'este caso e para effectuar
+a conclusão de tal facto, representadas pelos seus magistrados supremos
+como aquelles que tambem são os representantes do principio da
+soberania, qualquer que seja a fórma de governo das nações
+contractantes.
+
+Estas entidades pessoaes, na impossibilidade ou difficuldade de se pôrem
+em contacto, delegam poderes amplos n'aquelles seus funccionarios aos
+quaes se incumbe a negociação, e que por isso se denominam
+plenipotenciarios. São condições de validade para um tratado, segundo
+todos os publicistas, os poderes para o negociar, o consentimento
+reciproco, e a possibilidade da sua execução.
+
+N'estes pontos, as formulas e praxes prescriptas pelo direito
+consuetudinario, foram seguidas, no tratado de 30 de maio de 1879, e por
+tanto o que mais interessa na analyse d'este, é quanto diz respeito á
+sua essencia, no que concerne ás suas disposições e clausulas.
+
+Convém notar que tambem são accordes todos os publicistas, em que os
+tratados publicos só são realisados entre nações independentes e
+constituidas, regidas por um direito publico. É pois d'isto uma
+consequencia, que a conclusão de um tratado como este, é uma implicita
+garantia de independencia, e não um perigo ou lesão para ésta.
+
+O estado de guerra entre duas nações, faz cessar o effeito de quaesquer
+tratados entre ellas existentes. As pendencias entre nações passam em
+tal caso a ser decididas pela força e não reguladas pelo direito. Tem
+pois os tratados por unico objecto o regular os procedimentos entre
+nações durante as suas reciprocas relações pacificas, por amisade ou por
+alliança, e tendentes a promover n'esse sentido os interesses e
+vantagens communs.
+
+D'ahi resulta a praxe consuetudinaria de se consignar no preambulo ou no
+texto de taes documentos, a confirmação d'essas relações amigaveis, e o
+desejo e tenção reciproca de as manter e estreitar.
+
+Ha pois nos tratados uma parte que diz respeito a formulas, ou á
+confirmação de relações já preexistentes; outra parte, a mais importante
+é a que diz respeito a estatuir novos direitos e deveres reciprocos,
+mediante as concessões ou clausulas com que o direito secundario vem
+affectar ou ampliar os principios do direito primitivo, e assim dar
+amplitude ás relações internacionaes de um modo positivo, e tendente a
+um fim que haja em vista de conseguir.
+
+Seria assás prolixa a transcripção na sua integra do tratado de 30 de
+maio de 1879, conhecido por «tratado de Lourenço Marques» a fim de
+avaliar de um modo absoluto e comparativo as suas condições genericas, e
+mais especialmente aquellas a respeito das quaes se tem manifestado as
+mais meticulosas apprehensões.
+
+Bastará portanto transcrevel-o em extracto; e a fim de o fazer de um
+modo insuspeito, será elle o mesmo que se apresentou n'um jornal, que
+usando de um titulo que significa competencia, manifestou sempre opinião
+tão adversa ao tratado, a ponto de o qualificar de _monstruoso_ e
+_iniquo convenio_.
+
+Entre-se pois na analyse do assumpto, começando pelo artigo 1.º do
+tratado. «Concede aos subditos das duas nações contratantes
+reciprocidade de direitos nos dominios da Africa do Sul e da Africa
+Oriental, para residencia, transito, _posse de terrenos_ e commercio».
+
+Este artigo não contém doutrina nem concessões que não estejam já
+consignadas e ainda com maior latitude, no tratado de julho de 1842
+celebrado pelos plenipotenciarios Duque de Palmella e Lord Howard de
+Walden, tratado cujas disposições ainda vigoram e tem vigorado sem o
+menor inconveniente, antes com grande utilidade. N'aquelle tratado de
+1842 (art. 1.º, 2.º e 3.º) não só se consignou a reciproca faculdade
+para os subditos das duas nações poderem nos dominios da outra gosar de
+todos os privilegios, immunidades e protecção, mas tambem viajar,
+residir, occupar casas e armazens, dispôr de bens allodiaes, e
+emphyteuticos, e de qualquer outra propriedade legalmente adquirida, por
+venda, doação, escambo, ou testamento, ou por qualquer outro modo, sem o
+mais leve impedimento ou obstaculo. Estabeleceram-se egualmente as
+isenções de emprestimos forçados, e de contribuições extraordinarias que
+não sejam geraes; e as de todo o serviço militar; e consignou-se que as
+suas casas de habitação, armazens, e todas partes e dependencias d'elles
+sejam respeitadas, e não sujeitas a visitas arbitrarias ou a buscas;
+regularam-se as condições reciprocas de impostos, estabelecendo livre
+exercicio da sua religião, a liberdade de enterrar seus mortos em
+terrenos comprados para esse fim, e finalmente garantiu-se a liberdade
+de testar e de succeder e dispôr dos bens individuaes possuidos no
+territorio, e de livremente agenciar seus negocios, fazerem-se
+substituir e representar, nomear commissarios e agentes; e liberdade de
+compra e venda, de abrir armazens e lojas a retalho, sem pagar tributos
+ou importes maiores do que os nacionaes, etc. etc.
+
+Em vista do exposto, os escrupulos patrioticos que podessem originar-se
+do art. 1.º do tratado de Lourenço Marques, só poderiam ter logar na
+mente de quem ignorasse as disposições do dito tratado de 1842.
+
+O artigo 2.º «Franqueia os portos e os rios dos referidos dominios aos
+subditos de ambas as nações para commercio e navegação nas condições
+estabelecidas para os respectivos subditos.»
+
+Toda a doutrina e disposições d'este artigo na sua integra, estão
+consignadas amplissimamente nos art. 4.º e subsequentes do tratado de
+1842, onde se diz que haverá reciproca liberdade de commercio e
+navegação entre os subditos das duas altas partes contratantes, e que os
+respectivos subditos não pagarão nos portos, bahias, enseadas, cidades,
+villas ou logares quaesquer que forem nos dois reinos, nenhuns outros ou
+maiores direitos, tributos, contribuições ou impostos, por qualquer
+nome, que se designe ou entenda, do que aquelles que forem pagos pelos
+subditos da nação mais favorecida; egualmente estatue que nenhum direito
+de alfandega ou outro imposto seja carregado nos generos de producção de
+um dos dois paizes, que seja maior que os impostos carregados sobre
+eguaes generos importados de outro paiz, e nenhuma restricção será
+imposta na importação e exportação de um para outro paiz dos generos de
+respectiva producção. Consigna-se mais no tratado de 1842 a permissão de
+irem os navios de uma nação ás colonias da outra com generos da
+respectiva producção e bem assim de exportar das colonias da outra nação
+os generos de producção d'estas com egualdade de direitos, e por ultimo
+foi regulado o modo de avaliar os direitos quando forem _ad valorem_ e
+egualmente estabeleceu a faculdade de exportar fazendas em armazens de
+reexportação, com isenção de direitos de consumo.
+
+O art. 3.º «Declara livre a navegação do Zambeze e seus affluentes, e
+não sujeita a monopolio ou exclusivo algum.»
+
+As disposições d'este artigo são uma homenagem aos principios não só de
+direito natural, mas até ao que o direito consuetudinario tem adoptado,
+em vista de estipulações de tratados, e das declarações de congressos
+internacionaes.
+
+Os rios são como as grandes estradas que se movem, são os grandes
+conductos que a natureza estabeleceu para facilitar as communicações
+pelo interior dos continentes. Impedir, dificultar e empecer o seu uso e
+a liberdade d'este, é proceder contra os dictames da natureza, e
+affrontar os dons da Providencia mais aptos para estabelecer as
+communicações entre differentes povos.
+
+Partindo da consideração generica para o caso especial do Zambeze, se
+Portugal pretendesse monopolisar e impedir a navegação d'este rio, seria
+proceder, não de accordo com as praxes das nações cultas, e em harmonia
+com a indole da epoca; seria retrogradar até aos tempos em que a
+exclusão, e a restricção eram o systema tendente a afastar e não a
+conciliar os interesses de todos os povos. Politica e internacionalmente
+considerado, nunca se justificaria o monopolio da navegação de um rio
+como o Zambeze, que se presta a ser o meio de communicação para o
+interior da Africa; assim como economicamente são mais para attender as
+vantagens que nos resultarão do desenvolvimento do trafico n'elle
+estabelecido, do que a apathia a que este ficaria condemnado, pelo
+systema impeditivo da restricção.
+
+Com relação ao que o direito secundario pode estabelecer a tal respeito,
+é doutrina hoje admittida por todas as nações, a que estabelece como
+principio a liberdade da navegação dos grandes rios, quando em seu curso
+não se limitam a um só paiz, mas banham differentes estados pondo-os em
+communicação com os grandes Oceanos. O tratado de paz de Paris de 1814,
+consignou já o principio da liberdade da navegação do Rheno, Escalda,
+Meuse e Moselle. No congresso de Vienna em 1815 n'uma memoria do barão
+d'Humboldt apresentada a uma commissão _ad hoc_, se enunciou como um
+principio para ser geralmente acceite o mesmo principio da liberdade da
+navegação fluvial. As discussões ácerca da navegação do Mississipi, e do
+S. Lourenço, bem como do Danubio, discussões concernentes a interesses
+de estados marginaes, e ao desenvolvimento do commercio universal, todas
+vieram corroborar a doutrina. Wheaton, o notavel publicista americano
+diz a tal respeito: «Les réglements, les stipulations des traités de
+Vienne et d'autres stipulations semblables, ne doivent être regardées,
+que comme un hommage rendu par l'homme au grand législateur de l'Univers
+en affranchissant ses oeuvres des entraves auxquelles elles ont si
+souvent été arbitrairement soumises».
+
+Se em vez de recorrer a argumentos de uma ordem tão generica, quizermos
+achar exemplos no proprio direito convencional expresso em tratados que
+nos dizem respeito, encontraremos no tratado de 31 de agosto de 1845,
+entre a rainha a senhora D. Maria II e a rainha de Hespanha D.
+Christina, ácerca da livre navegação do rio Douro, as seguintes
+estipulações:
+
+«Declara-se livre para os subditos de ambas as nações sem restricção
+alguma, e sem condição especial que favoreça mais aos de uma que aos de
+outra, a navegação do Rio Douro em toda a sua extensão que fôr navegavel
+agora, ou que o possa vir a ser para o futuro.
+
+«As duas altas partes contractantes obrigam-se a não conceder nenhum
+privilegio exclusivo para o transporte pelo Douro, de generos ou
+pessoas, e a deixar sempre aberta a competencia».
+
+Não vale a pena pois insistir na demonstração de que quem condemna o
+tratado de Lourenço Marques, por n'elle se consignar a liberdade da
+navegação do Zambeze, está em opposição não só com actos de soberania
+externa da legislação patria, com o direito secundario que se deriva das
+decisões dos congressos internacionaes, e do direito consuetudinario,
+mas até se revolta moralmente contra um poder mais alto, qual o do
+grande legislador do Universo.
+
+Outro artigo do tratado de Lourenço Marques concede, «1.º isenção de
+direitos e encargos de qualquer natureza sobre as mercadorias em
+transito do porto de Lourenço Marques para a fronteira britannica e
+vice-versa;--2.º o direito da Inglaterra embarcar e desembarcar tropas,
+petrechos, munições de guerra e livre transito d'essas tropas, munições
+e petrechos para os dominios de sua magestade britannica.
+
+É este certamente um dos artigos que mais tem incitado as
+susceptibilidades economicas e brios patrioticos dos impugnadores do
+tratado, que mostrando-se assás meticulosos, dizem ser isto não só uma
+vantagem toda em beneficio dos portos aduaneiros inglezes do Transwaal,
+mas que tambem estabelece uma isenção vergonhosa, chegando a inculcar-se
+de _lesa nação_ e _lesa magestade_.
+
+Antes porém de entrar na sua analyse convém ter presente os artigos
+seguintes 5.º, 6.º e 7.º que com aquelle tem correlação e dependencia.
+
+«O art. 5.º estabelece uma commissão mixta que estude e orce um caminho
+de ferro do Transwaal ao porto de Lourenço Marques, devendo este ser o
+_terminus_ d'elle; fixa os meios para a sua execução e cria _postos
+aduaneiros mixtos_ nas raias. N'estas convenções compromettem-se os
+interesses aduaneiros do districto de Lourenço Marques (!) e os da parte
+portugueza do caminho. O deficit será pago pelos governos em partes
+proporcionaes.
+
+«O art. 6.º trata da exploração e construcção de uma linha telegraphica
+paga na fórma adoptada para a construcção do referido caminho de ferro.
+
+«O art. 7.º prevê o caso de que os melhoramentos a effectuar no porto de
+Lourenço Marques sejam mais devidos á parte ingleza do caminho de ferro,
+que á portugueza, cabendo á commissão mixta decidir se essa despeza
+deverá ser por conta da parte britannica».
+
+Como se disse, estes art. 5.º, 6.º e 7.º, são derivados ou
+amplificativos do art. 4.º, o qual tem duas feições por onde ser
+avaliado; a feição economica ou aduaneira e fiscal, e a feição politica,
+se assim a quizerem denominar, e tal é a que diz respeito á concessão da
+passagem de tropas.
+
+Ficará ésta para ser depois considerada, visto ser a que mais
+sobresaltos causa, e mais melindres provoca; mas pode desde já
+attender-se ao outro ponto.
+
+A isenção de direitos nos artigos de transito, e _não de consumo_, em
+nada prejudica os rendimentos aduaneiros de Lourenço Marques.
+
+O commercio de transito, sendo dos artigos não destinados ao consumo do
+paiz pelo qual transitam, logo que não haja essa faculdade de transitar,
+deixarão esse caminho, é evidente; mas nem por isso dará mais proventos
+aos pontos aduaneiros do paiz pelo qual deixará de transitar e para os
+quaes se não destinava. É uma doutrina curiosa aquella, que estabelece
+como sendo prejuizo proprio, aquillo que é para bem alheio, embora da
+negação d'esse bem nos não resulte vantagem. No caso actual porém, deve
+attender-se que todo esse transito _gratuito de direitos_, e que a não
+ser tal não existirá, e procurará outra via, ainda assim é proficuo
+indirectamente em razão do movimento e actividade que vem crear em
+localidades, aliás condemnadas á inacção actual. As restricções n'este
+caso seriam tão pouco plausiveis, como se o dono de um terreno inculto
+que nada produz, preferisse assim conserval-o, antes do que ter d'elle
+algum provento, quando este tivesse por unico inconveniente o ser
+aproveitavel ao terreno de um visinho, melhor e mais laborioso cultor!
+
+A isenção de direitos no commercio de transito é hoje materia corrente,
+entre paizes limitrophes, não só pelo que se refere á navegação dos rios
+mas tambem ao movimento pelas linhas internas de caminhos de ferro,
+fiscalisando-se nas fronteiras, mediante estações aduaneiras mixtas, e
+por isso é de accordo com esta doutrina sensata, e com ésta pratica em
+nações cultas e adiantadas, que ella se estabelece no tratado, com
+relação ao proposto caminho de ferro; melhoramento este, bem como o do
+telegrapho, que será ocioso demonstrar que se torna hoje uma necessidade
+impreterivel, attentas as condições do Transwaal, e os tratados que já
+se haviam ratificado com aquella parte das possessões inglezas, e que,
+como assumpto de direito internacional, não caducou perante a annexação
+d'aquella republica. Mas para convencer do pouco ou nenhum fundamento
+com que tanto se assustam os que accusam o tratado de lesivo, de
+ruinoso, e de insolito, é conveniente lembrar o que se consigna no
+tratado já referido entre Portugal e Hespanha sobre a navegação do
+Douro. Alli é imposta a reciproca obrigação de crear depositos de porto
+franco, tanto no Porto como na fronteira, para receber isentos de
+direitos, os generos que em transito navegarem pelo Douro tanto em
+barcos portuguezes como hespanhoes.
+
+Continuando na analyse:
+
+O art. 8.º «uniformisa a pauta aduaneira para os productos importados de
+ambas as nações, e quando por ventura tenha de ser alterada, em termos a
+crear os fundos necessarios á construcção do caminho de ferro, essa
+alteração será reputada temporaria e cessará logo que as causas que a
+originaram deixem de existir.»
+
+O art. 9.º auctorisa «uma commissão mixta a organisar uma pauta para ser
+adoptada pelos governos.»
+
+Ha n'estes artigos o desenvolvimento pratico das duas differentes
+medidas; uma a da uniformisação de direitos nas fronteiras, adoptando-se
+uma pauta permanente, e podendo sómente ser augmentada por excepção, e
+para satisfazer os encargos do caminho de ferro; outra a que se refere
+ao modo de confeccionar a pauta de accordo entre os dois governos.
+
+Na verdade, quando outros estados, em mui differentes condições de vida,
+de industria e de producção, tem procurado formar as ligas aduaneiras,
+tendentes a supprimir, pela egualdade de direitos, as alfandegas fiscaes
+da fronteira, é irrisorio que se queira ter nas possessões d'Africa um
+systema de alfandegas de raia e de postos fiscaes, com pessoal
+organisado e mantido para impedir o trafico, como se tal trafico podesse
+existir sob taes peias, e como se tal fiscalisação fosse possivel em
+terras onde tanto abunda o elemento do contrabando, como escasseia o
+pessoal adequado para montar essa immensa e complicada machina fiscal.
+
+A uniformidade de direitos está tambem consignada no tratado de
+navegação do Douro, onde se estabeleceu a obrigação reciproca de fazer
+as obras necessarias á facilidade da navegação, bem como que os direitos
+de navegação seriam fixados por uma tarifa e regulamento, _elaborado por
+uma commissão mixta_, cujas disposições fossem uniformes e perfeitamente
+eguaes para os subditos de ambas as nações.
+
+Com relação á conservação da pauta actual, sem augmento senão
+excepcional e temporario, para o fim de occorrer ás despezas do caminho
+de ferro e obras do porto de Lourenço Marques, póde dar-se como resposta
+aos impugnadores o seguinte:
+
+Em 1877 foi promulgada a pauta da alfandega da provincia de Moçambique,
+reduzindo enormemente os direitos de importação, e fixando-os em grande
+parte _ad valorem_, pauta formulada de accordo com principios que não
+são da escola prohibitiva. Soaram vozes alarmantes, profetizando o
+desfalque dos rendimentos da provincia, pelo supposto motivo de que
+minguaria o rendimento aduaneiro. Os factos porém vieram dar o
+desmentido, que deveria convencer os espiritos menos seguros na
+influencia de reformas d'esta ordem.
+
+As alfandegas da provincia, cujo rendimento anterior á reforma não ia
+alem de 80 contos, em 1877-78 que foi o primeiro anno em que vigorou a
+nova pauta, renderam mais de 96 contos. E em 1878-79, subiu o rendimento
+a mais de 111 contos, isto é quasi 40 por cento de augmento!
+
+Se para os terroristas, a quem o Tratado amedronta, valessem citações de
+exemplos, e a auctoridade dos economistas e publicistas, poderia
+ser-lhes apresentado o que se lê n'uma obra do sr. Vicente Ferrer Netto
+de Paiva, intitulada _Elementos do Direito das Gentes_, e publicada em
+Coimbra desde 1843. É provavel que a doutrina liberal sustentada
+n'aquella data, tenha maior cabimento hoje.
+
+Com relação aos tratados de commercio, diz-se n'aquella publicação: «§
+107. Ha muito tempo que a Economia politica tem demonstrado com
+raciocinios os mais proprios a convencer os espiritos, que a melhor
+politica que os governos deviam seguir nas relações commerciaes entre
+nações, era renunciar ás prohibições e adoptar a maxima _deixar obrar_,
+á qual se deve acrescentar est'outra _dae saída aos productos da
+industria, protegendo por estações navaes o commercio em paragens
+distantes_. E § 27. _Se todas as nações adoptassem os verdadeiros
+principios de economia politica nada de prohibições, liberdade plena de
+commercio, seria consequencia necessaria a liberdade de transito de
+mercadorias estrangeiras. Porém vigorando infelizmente o systema
+contrario, forçoso é ás nações restringir muitas vezes esta liberdade de
+transito em favor da industria nacional._»
+
+Venha á authoria outro artigo do tratado. É o artigo 10.º authorisa os
+governos a estabelecer um «accordo sobre a importação e commercio de
+armas e munições de guerra nos dominios respectivos.»
+
+Este artigo é um mero regulamento que se pode dizer policial e
+preventivo, com applicação ás condições especiaes das localidades, e das
+populações visinhas e indigenas. O seu fim é conter dentro dos limites
+que a prudencia aconselha, e a segurança commum reclama, uma especie de
+commercio, que sem taes restricções poderia tornar-se perigoso, e ser
+conducente a favorecer rebelliões, quando se manifestassem. Desde que é
+tão razoavel, prudente e bilateral em seus effeitos e garantias, não
+póde soffrer impugnação; e quando esta lhe fosse feita, nem mereceria
+ser discutida.
+
+Proseguindo com o tratado, vejamos o outro artigo que é:
+
+O artigo 11.º «permitte a extradição de criminosos em condições que
+serão previamente estipuladas.»
+
+Este artigo em vista da notavel differença que se dá na doutrina penal
+dos dois paizes, podia merecer reparo, se não ficasse dependente de uma
+convenção em separado, a fim de designar as circumstancias e condições
+de sua applicação. Essa dependencia está n'elle expressa.
+
+Estão hoje generalisados os tratados de extradição de criminosos que
+ainda não ha muito eram olhados com um certo desfavor. Mas as causas que
+os determinam são a segurança mutua das sociedades constituindo nações,
+desde que a facilidade e rapidez das communicações, auxiliariam a
+perpetração de crimes, uma vez que para ficarem impunes, bastasse
+conseguir o ingresso no territorio d'outro Estado. Ainda assim Portugal
+concluiu não ha muitos annos um tratado de extradição com a Hespanha,
+que vae tão longe, que até o seu principal resultado é favorecer o
+recrutamento da nação visinha, por isso que é extensivo ao crime de
+deserção. Se isto acontece em dois paizes limitrophes da Europa, mais
+razão de ser se encontra para elle nos dominios d'Africa. Não é este
+portanto um assumpto sobre o qual possa haver increpação de valor, e
+tanto mais, desde que os atritos que podessem haver na mutuidade das
+condições, ficam prevenidos na clausula inclusa de _jure constituendo_.
+
+Outro ponto do tratado, que tem servido para thema das increpações dos
+seus impugnadores, é o que diz respeito ao artigo 12.º Estatue o mutuo
+auxilio dos dois governos, em termos de acabar de vez com o trafico de
+escravos na costa oriental d'Africa, obrigando-se o governo portuguez a
+authorisar o governador de Moçambique a permittir que os vazos
+cruzadores inglezes operem livremente nas agoas territoriaes portuguezas
+nos portos das costas de Moçambique que não estejam occupados por
+habitantes brancos e aonde não estejam presentes empregados portuguezes.
+Os mesmos poderes serão dados, se necessarios forem para esse fim, aos
+governadores inglezes do sul da Africa.»
+
+Para se avaliar a importancia d'este artigo, é necessario considerar que
+a abolição do trafico da escravatura, é moral, politica e
+humanitariamente um empenho e um compromisso a que Portugal está
+obrigado, e do qual não ha razões que o possam desviar.
+
+A civilisação da Africa assim o exige, a humanidade o impõe; e a
+politica interna e externa do governo portuguez está n'isso tão
+consubstanciada, que seria uma affronta aos seus precedentes e ao decoro
+nacional, se ousasse desviar-se de tal proposito.
+
+Se na costa occidental o trafico está extincto, infelizmente não
+acontece outro tanto da banda oriental, onde elle encontra incentivos na
+especulação dos traficantes, no auxilio dos regulos, e nas condições
+locaes de uma costa extensa e abundante em pontos e angras menos
+vigiadas, e até escassas de população, e portanto privadas de
+authoridades que possam velar pelo cumprimento das leis e tratados que
+prohibem o infame trafico.
+
+Taes disposições legaes e prohibitivas não são só as que resultam do
+nosso direito interno, mas tambem as que são impostas internacionalmente,
+e já de ha muito pelo outro tratado com a Gram-Bretanha de julho de
+1842, tratado cujo fim e disposições se referem exclusivamente á
+abolição do trafico.
+
+No dito tratado já se encontram disposições, que se fossem conhecidas
+pelos terroristas, que veem agora nas presentes clausulas uma offensa á
+dignidade nacional, certamente não dariam tão gratuita qualificação, a
+uma acção commum de forças alliadas, tendentes a desempenhar um fim
+tambem de commum intento e interesse.
+
+Foi pelo tratado de 1842 declarado acto de pirataria o trafico, e como
+tal d'ahi resulta, que todo o navio n'elle incurso, está perante as
+nações contratantes, fóra da lei das gentes. Estipulou-se mais n'aquelle
+tratado, que as duas nações consentiam mutuamente que os navios
+cruzadores das suas respectivas marinhas, podessem visitar e dar busca
+ás embarcações das duas nações suspeitas de se empregarem no trafico, ou
+esquipadas com esse intento, fazendo excepção a este reciproco direito
+de busca, quando o navio suspeito se achasse fundeado em qualquer porto
+ou ancoradouro pertencente a qualquer das duas partes contratantes, ou
+ao alcance do tiro das baterias de terra; mas ainda n'este caso de se
+achar fundeado o navio suspeito, em portos ou ancoradouro das aguas
+territoriaes, far-se-hia representação ás authoridades do paiz para
+tomarem as medidas tendentes a não serem violadas as estipulações do
+tratado.
+
+Se remontarmos mais longe para considerar a applicação d'esta mutua
+concessão, veremos que ainda antes do tratado de 1842, foi celebrada
+pelo governador d'Angola vice-almirante Noronha, com o commandante
+Tucker das forças navaes inglezas, uma convenção tendente a tornar
+effectivas as disposições do decreto de 1836 pela qual foi prohibido o
+trafico; e n'essa convenção se estipulava que os navios de guerra
+inglezes e portuguezes se coadjuvariam mutuamente quando em vista, para
+o fim de capturar qualquer navio ou navios com carga de escravos.
+
+Praticamente, ninguem ignora qual a simultaneidade de acção que desde
+taes epocas sempre foi exercida nas costas d'Africa pelos cruzadores
+inglezes e portuguezes, e principalmente desde que a firmeza, coragem e
+energia de um bravo official portuguez, o commandante Gonçalves Cardoso,
+soube manter a dignidade nacional, e estabelecer a confiança na mesma,
+quando antes de existir o tratado, elle se oppôz pela demonstração da
+força, ás pretenções illegitimas de um official inglez, que
+desconhecendo o direito alheio, ou abusando da sua missão, pretendia
+visitar um navio dentro do porto onde elle se achava fundeado, e onde
+por tanto havia quem representasse a authoridade da soberania local.
+
+Um tal acto de energia, acompanhado de outros procedimentos que eram uma
+garantia da boa fé e da lealdade no cumprimento das obrigações
+internacionaes, foi motivo de se estabelecer então uma confiança e
+intelligencia reciproca; e não é menos digna de menção a circumstancia,
+de que o proprio governo inglez não duvidou elogiar o procedimento
+brioso do valente official portuguez, que assim soube honrar a bandeira
+do seu paiz. A sobranceria infundada, é aborrecida. A altivez com
+fundamento e dignidade, é acatada. _Noblesse oblige_, tem um grande
+alcance no trato internacional.
+
+No actual tratado, este direito commum de visita, tendente ao mesmo fim,
+é confirmado, e não é portanto uma novidade. Ha porém uma ampliação ao
+seu exercicio, desde que se estabelece a fortuita faculdade de formar
+expedições mixtas para cooperarem de accordo, podendo as forças navaes
+de qualquer das nações, ter liberdade de acção nas agoas territoriaes,
+mesmo separadas das outras, mas tudo isto é subordinado ás condições de
+reciprocidade, e alem d'isso limitado a serem empregadas de _tempo a
+tempo_, conforme recrudescer o trafico, e _só em quanto durarem taes
+expedições_, de mais a mais dependentes estas de _authorisação
+resultante de plenos poderes_ conferidos ao governador de Moçambique,
+que o habilitem a _authorisal-as_.
+
+Ainda a caução vae mais longe, por isso que essa _acção independente_
+com taes formalidades auctorisada, é só extensiva aos pontos da costa
+_não occupados por habitantes brancos_, e onde não estejam presentes
+auctoridades portuguezas. Bem se deixa ver, que o fim de taes expedições
+e de taes auctorisações é motivado pelas condições locaes da costa
+deserta e inhabitada, onde o dominio é sómente nominal, onde o trafico
+portanto se acouta, e onde a acção repressiva não é prejudicial senão ao
+mesmo trafico prohibido. Pois que receio póde haver d'essa acção assim
+auctorisada para um fim que é reciprocamente desejado? Se uma tal acção
+fosse para um fim illegal ou propotente, não se pactuava o accordo, mas
+procedia-se differentemente.
+
+Ortolan, publicista moderno, tratando do direito de asylo, e da
+immunidade das aguas territoriaes dentro da linha de respeito,
+baseiando-se na auctoridade de outros publicistas, chega á seguinte
+conclusão: «On conçoit que les opérations militaires d'une nation
+maritime ne comportent pas une précision mathématique aussi rigoureuse,
+que l'officier commandant, lorsqu'il n'a eu vue qu'une côte inculte,
+inhabitée, denuée de tout signe de la puissance territoriale, ne puisse
+se laisser entraîner au delà de la règle précise, et qu'il soit évident
+qu'il n'a pas eu l'intention d'offenser l'État neutre ni de violer son
+droit d'empire.»
+
+A circumstancia de uma costa maritima pertencente a um estado, ser ou
+não ser habitada, é tão attendivel nas questões de immunidade de aguas
+territoriaes, que auctores ha que opinam, que ao belligerante
+perseguindo o seu inimigo no alto mar, é licito de entrar em sua
+perseguição nas aguas territoriaes, continuando o combate _dum fervet
+opus_, embora esse inimigo procurasse refugio nas aguas territoriaes,
+quando for em costas deshabitadas.
+
+Se nos pontos controvertidos em direito internacional é conveniente
+fixar sua interpretação quando se fórmam convenções, ninguem poderá
+negar que no caso actual o tratado foi previdente. A circumstancia das
+costas não occupadas por habitantes brancos, isto é, costas selvagens,
+serem o valhacouto de negreiros, tornava recommendavel a fixação de um
+ponto de direito, pelo consentimento reciproco, e reciproca applicação,
+e do qual resulta a desejada vantagem de mais facilmente perseguir o
+trafico, sem desvantagem ou lezão para os habitantes d'aquellas costas,
+desde que ellas ou não tem habitantes, ou só são povoadas pelo preto
+selvagem, e não por gente branca nem por empregados que sejam o symbolo
+e representação da auctoridade territorial. Qualquer pois que fosse a
+feição de immunidade ou soberania das aguas territoriaes, todo o
+escrupulo deve cessar desde que, além da reciprocidade das condições,
+fica justificada a mutua concessão pelo conseguimento do fim, sem
+desvantagem nem desdouro pelo emprego dos meios.
+
+Contém por ultimo o tratado mais dois artigos e são:
+
+Art. 13.º e 14.º «Referem-se ás communicações que se deverão estabelecer
+entre as auctoridades dos dois governos com respeito ao comercio de
+escravos e á approvação e ratificação do tratado.»
+
+São estes artigos de natureza a não soffrerem impugnação ou discussão,
+desde que tem o caracter de explicativo um, e de regulamentar o outro.
+Concluiriam pois aqui as observações sobre o que o tratado estipula, se
+não restassem ainda para analysar as disposições do art. 4.º na parte
+que se refere ao embarque, desembarque e passagem de tropas, desde
+Lourenço Marques até ás fronteiras britannicas do interior, e do livre
+transito de taes tropas pelo caminho de ferro que deverá facilitar e
+tornar effectivas taes concessões.
+
+Analyse-se pois esse ponto, para elucidação dos illudidos, e para
+tranquillisar os amedrontados.
+
+
+
+
+VII
+
+
+Se os publicistas, em questões de direito das gentes tem conseguido
+homologar opiniões que estabelecem doutrinas e principios acceites
+internacionalmente, egual homogeneidade de pensamento não se encontra
+nos criticos, que talvez por sentimentos louvaveis, mas nem sempre
+justos, se occupam em apreciar a seu talante certos factos, com aquella
+facilidade que frequentemente acompanha quem tem a liberdade da censura,
+sem ter a responsabilidade da acção. Não admira portanto que n'essas
+apreciações tão faceis como gratuitas, se encontre uma variedade notavel
+de pensamentos, não só na condemnação das obras alheias, mas até na
+graduação com que de preferencia se fulmina mais este do que aquelle
+inconveniente entre os tantos que lhe notam. D'ahi vem que para
+descriminar qual seja o ponto mais negro do carregado horisonte que os
+amedronta, fica-se perplexo, desde que, para uns o nucleo da tempestade
+com que o tratado nos ameaça, está na faculdade das expedições mixtas;
+para outros está no livre commercio de transito com fiscalisação
+reciproca; para alguns na livre navegação do Zambeze, para outros o
+grande perigo, o grande compromettimento, o grande desaire nacional, a
+grande quebra de independencia, está na _concessão_ do transito de
+tropas e munições, effectuado mediante o aproveitamento do caminho de
+ferro de Lourenço Marques á fronteira dos dominios britannicos. Vejamos
+qual seja a gravidade do facto.
+
+A passagem pacifica de tropas, ou de munições atravez de um território,
+desde que é feita por uma _concessão_ e não por uma imposição ou
+violencia, tem na propria expressão que a enuncia, a prova de que se
+reconheceu no consentidor, o direito que teria de negar ou facultar tal
+_concessão_.
+
+Esse direito de negar ou facultar, quando versa sobre um acto ou
+procedimento alheio, e em referencia a um objecto possuido, é
+implicitamente a confirmação do direito de propriedade sobre o tal
+objecto.
+
+Assim é que a _concessão_, que o tratado consignou da parte de Portugal,
+para o transito no seu dominio, é a confirmação e o reconhecimento do
+direito de propriedade sobre o territorio que constitue tal dominio. Ora
+a confirmação de um tal direito por acto publico e solemne, será tudo
+excepto a negação d'esse direito. Portanto em vez de um perigo para a
+posse, é uma garantia moral que a esta se dá.
+
+Ha um principio que a razão natural apresenta, que a conveniencia dicta,
+e que a lei internacional estabelece, qual é, que toda a nação
+constituida e independente deve ter um territorio proprio, sobre o qual
+exerça um direito de plena propriedade no sentido collectivo. Desde que
+existe a propriedade resulta d'ahi como consequencia o direito de
+exclusivamente usar d'esse territorio, bem como de restringir ou de
+facultar o seu uso. É isto, conforme Vattel, o que constitue o _dominio_
+e a _soberania_ (Liv. I, § 204.º). Mas segundo o mesmo publicista (Liv.
+II, § 117.º), o direito de posse territorial não deve destruir um
+direito natural e primitivo que constitue uma restricção tacita
+d'aquelle, qual é o do transito de pessoas no interesse geral do genero
+humano, toda a vez que d'esse transito não resulte risco ou prejuizo.
+
+O desejo de evitar numerosas citações, não deve impedir que fique
+consignada tambem a opinião do sr. Netto de Paiva, pois no seu _Elemento
+de direito das gentes_, já citado (§ 26), se confirma plenamente esta
+doutrina, dizendo: «A propriedade não tem podido tirar ás nações o
+direito geral de correr a terra para o commercio e outras communicações
+que os homens hão mister. Este interesse geral do genero humano abrange
+todos os povos e individuos, e faz com que qualquer soberano não deva
+refusar o _transito de homens_, isto é, a passagem dos estrangeiros pelo
+seu paiz, não lhe resultando d'ahi risco ou prejuizo.»
+
+Segue-se portanto, que o direito de propriedade que toda a nação exerce
+sobre seu território lhe permitte negar o _transito ás pessoas quando
+conheça que lhe resulta um damno_; mas implicitamente impõe o dever de o
+não impedir quando seja innocente; e por isso Vattel (Liv. 3.º § 119.º)
+estabelece «que o transito inoffensivo (innocente) é devido a todas as
+nações com as quaes se vive em paz e este dever é extensivo tanto ás
+tropas como aos particulares. É porém ao dono do territorio que compete
+decidir se tal transito é innocente, e é difficil que a passagem de um
+exercito o seja.»
+
+E accrescenta n'outra parte (Liv. 2.º § 128.º) «Este direito de uso
+innocente, não é um direito perfeito como o da necessidade, por isso que
+é _o dono quem julga_ se o uso que se quer fazer do que lhe pertence,
+lhe causará damno ou incommodo.»
+
+É pois evidente, segundo esta doutrina, que n'um estado de paz, não só é
+licito a uma nação conceder o transito pelo seu territorio, mas até que
+só o poderá negar quando d'ahi lhe resulte prejuizo proprio.
+
+Applicando as theorias de direito ao ponto em questão e no que diz
+respeito ao transito de tropas de Lourenço Marques atravez do territorio
+portuguez, e em condições de paz, conclue-se que nada obsta a que a
+soberania territorial tenha o direito da _concessão_. Poderia oppôr-se
+se o julgasse prejudicial. Mas o que é uma faculdade não é uma
+obrigação. Fica pois sendo uma questão incidental aquella que diz
+respeito á _conveniencia ou inconveniencia_, na perspectiva de prejuizos
+ou damnos que causaria a passagem de um exercito.
+
+Trazendo o assumpto para o terreno pratico, qual será o damno, o
+prejuizo, o incommodo que resultará para o districto de Lourenço
+Marques, se o caminho de ferro que para o Transwaal passar atravez do
+seu territorio, tiver que augmentar em certas occasiões a extensão de
+seus comboyos, ou a força de suas locomotivas, a fim de dar passagem a
+soldados inglezes? Que mal, que desfalque, que risco correrão as
+estações intermediarias ou terminaes da via ferrea, quando um pessoal
+militar disciplinado; passe em simples transito em frente d'ellas, ou
+n'ellas se abasteça de artigos de consumo? Que principio de direito
+interno ou externo é n'isto violado, ou offendido? Pois se ha o direito
+de o permittir, se não ha obrigação de o prohibir, e se até em vez de
+prejuizo houver vantagem para o trafico e exploração, que razão
+plausivel se póde invocar para condemnar tal concessão?
+
+Bem pelo contrario, tal _concessão_, implicitamente corrobora o direito
+de posse territorial, bem como tem por effeito outras vantagens locaes,
+que são as resultantes dos interesses auferidos pelo augmento de trafico
+e de mercadejo.
+
+E se em confirmação do principio procurarmos exemplos de outra ordem,
+mas de genero analogo, quantas vezes se tem visto desembarcarem forças
+navaes em paiz estrangeiro, e mesmo no nosso porto de Lisboa, para
+exercicios, para apparato funebre, ou para outros fins, mediante uma
+simples permissão e annuencia da auctoridade local? É porque a concessão
+reconhece o direito, assim como o uso d'aquella não prejudica este.
+
+Quanto fica exposto subentende-se ser applicavel a um estado de paz, por
+isso que se trata de um transito innocente, sem intenção hostil, ou
+acção oppressiva, ou que affecte os direitos d'outra nação.
+
+É certo porém que no estado de guerra entre nações, a questão do
+transito de tropas pelo territorio de um paiz, está subordinada a outras
+considerações; que são as que resultam das relações entre belligerantes
+e neutros, e que são reguladas pelos direitos e deveres reciprocos de
+uns e outros.
+
+Desde que dois estados se acham em guerra, elles são _belligerantes_;
+mas outro estado que fique estranho á luta; continuando em relações
+pacificas para com um e outro belligerante, é considerado _neutro_.
+D'ahi lhe resulta o _dever_ de proceder imparcialmente para com os
+belligerantes, assim como o _direito_ de ter o seu territorio immune e
+isento de quaesquer actos de hostilidade em que aquelles estão
+empenhados. Em tal caso, a passagem de tropas pelo territorio do neutro,
+que fosse concedida egualmente a ambas as nações belligerantes, embora
+parecesse uma concessão reciproca; e portanto uma neutralidade passiva,
+não o será, por isso que por condições geographicas poderia tornar-se
+mais aproveitavel e vantajosa para uma do que para outra das nações em
+guerra. Seria este o caso de _não ser innocente_ o transito de forças, e
+d'ahi resulta para os neutros o dever de o não permittir pelo seu
+territorio, como sendo a reciprocidade do direito que tem á
+inviolabilidade d'este.
+
+É esta uma doutrina corrente e clara, e sobre cuja essencia não ha
+discordancia entre os publicistas, pois se funda em razões tão logicas
+como concludentes. Não é pois o _damno_ ou _prejuizo_ que causariam as
+tropas em transito no territorio, o que obsta á sua passagem, mas sim a
+_falta de imparcialidade_ que d'ahi resultaria para com os
+belligerantes. É pois ésta uma condição referida a tempo de guerra, e
+não em condições de paz, como aquellas a que o tratado se refere.
+
+Estes principios, que regulam o procedimento dos neutros, teem
+applicação principalmente entre estados cujos territorios são
+confinantes com um ou outro dos belligerantes; pois é evidente que
+quando esta circumstancia não se apresentar, não póde praticamente
+dar-se tal applicação.
+
+Além disso e em vista do exposto, se nas phases politicas internacionaes
+da Europa, o transito de tropas sería uma falta de cumprimento dos
+deveres da neutralidade, egual alcance não póde ter quando applicado ao
+caso especial da Africa; pois ainda que a Inglaterra estivesse empenhada
+numa guerra europea e Portugal fosse neutro, tal transito não affectava
+em nada os direitos das nações belligerantes.
+
+A neutralidade é um estado todo relativo.
+
+Ella póde sómente dar-se n'uma nação, perante outras duas ou mais nações
+em guerra.
+
+Não ha estado neutro sem que hajam belligerantes.
+
+Aquelle singular a par d'este plural, tem como consequencia, que a
+neutralidade é uma phase internacional, derivada das relações reciprocas
+entre, _pelo menos, tres nações differentes_; isto é, duas em guerra e
+uma terceira estranha á guerra.
+
+Esta phase que se observa frequentemente na Europa, e que póde occorrer
+na America, continentes onde existem muitas nações constituidas, não
+póde dar-se de egual modo onde as relações entre estados constituidos
+são limitadas ás duas nações contratantes do tratado, isto é, entre
+Portugal e Inglaterra, e com relação aos seus dominios do sul e oriente
+da Africa.
+
+Quaesquer que possam ser as relações entre estes visinhos territoriaes,
+não ha alli uma _terceira nação_ reconhecida e constituida, perante a
+qual Portugal ou a Inglaterra possam ter a condição de neutro, e
+portanto claro está que não póde haver violação de neutralidade desde
+que esta não tem existencia.
+
+Não é mister recorrer a um esforço de imaginação para se perceber que
+não ha alli senão duas nacionalidades.
+
+As tribus mais ou menos selvagens, sujeitas a regulos ou chefes, quer
+estes sejam Cetewayos ou Bongas, não constituem estados reconhecidos
+pelo direito publico internacional. D'ahi provém que as guerras na
+Africa não apresentam aquelle caracter nem o alcance politico que ellas
+teem na Europa. Alli, quer sejam contra zulus, cafres, ou outra
+negreria, não tomam tanto a feição de guerra publica, como de um
+expediente activo para reprimir aggressões, suffocar revoltas, ou
+submetter rebeldes, inflingindo-lhes castigo. Por isso taes luctas não
+affectam as relações internacionaes, nem o equilibrio das potencias, que
+de longe as contemplam com aquella indifferença, que só póde ser
+modificada pela tendencia a preferir o predominio da civilisação
+européa, sobre a barbarie africana. É só sob este ponto de vista,
+meramente moral, que se não ha neutros tambem não haverá indifferentes.
+É o caso em que o genero se antepõe á especie.
+
+Finalmente na questão sujeita só restaria uma hypothese a considerar, e
+que sería o caso de guerra entre as duas nações contratantes.
+
+Quando tal acontecesse, caducaria _ipso facto_ o tratado, e portanto os
+seus effeitos; pois é uma consequencia do estado de guerra entre duas
+nações, que todas as pendencias deixam de ser resolvidas pelas regras do
+direito, desde que se appella para a força que as decida. _Inter arma
+silent leges._ Em tal caso, o transito _não pacifico_ de tropas já não
+seria uma concessão, nem se pediria licença para o effectuar. Cessava a
+inviolabilidade e não havia que respeitar a independencia territorial,
+que o tratado serviu para garantir na paz, bem como para auferir as
+vantagens reciprocas que d'esse estado resultam. Portanto a doutrina
+acima exposta, explica, autorisa e justifica tudo quanto o tratado
+estabelece e garante a tal respeito.
+
+
+
+
+VIII
+
+
+Se houver de se considerar ainda o tratado não já pelas especulações de
+theorias, e rasões de direito, mas pelo lado pratico, e pelo aspecto das
+reciprocas vantagens, a apreciação desapaixonada de suas estipulações, e
+dos resultados que d'estas se devem seguir, levará facilmente á
+convicção, de que elle é não só d'uma conveniencia indisputavel mas de
+uma necessidade impreterivel.
+
+Elle é não só uma medida de grande alcance debaixo do ponto de vista
+internacional das duas nações contratantes, mas tambem considerado como
+a satisfação a uma exigencia da civilisação.
+
+A Africa precisa de ser explorada e aproveitada como manancial de
+riquezas e como centro de novos mercados, em beneficio do commercio e da
+industria de todas as nações civilisadas.
+
+Ha alli só duas nações da Europa, ás quaes portanto incumbe facilitar os
+meios, e combinar a acção commum n'esta grande obra. Contrarial-a, seria
+crime de lesa humanidade. Essas duas nações são Portugal e Inglaterra.
+
+A Inglaterra tem alli dominios importantes e prosperos, que podem e
+devem ser o foco donde parta a luz que vá illuminar as densas trevas do
+continente negro. Portugal possue um extenso littoral, onde se encontram
+os elementos geographicos e hydrographicos mais adaptados para tornar
+pratica a acção d'aquelles elementos, que devem conduzir á realisação do
+grande fim.
+
+A acção commum das duas nações torna-se um meio indispensavel. Unidas, o
+resultado será util e glorioso para ambas. Desunidas e desaccordes, será
+contrariar e difficultar esse grandioso e necessario empenho.
+
+Mas toda a teimosia em querer persistir n'aquella inacção, n'aquelle
+marasmo, symbolisado e causado pelo systema de restricções, e de leis
+prohibitivas, seria querer affrontar as leis do progresso, seria querer
+perpetuar no seculo XIX o systema do _mare clausum_, ou aquellas
+condições da existencia exclusivista, que teriam rasão de ser no seculo
+XVI, mas que hoje em dia para a nação que a ellas se aferrasse, seria um
+motivo de desconceito entre as nações civilisadas e cultas.
+
+É frivola a invocação de passadas glorias de seculos já decorridos, toda
+a vez que para prestar-lhes culto, se deixa perder seu resultado, não as
+illustrando no presente por procedimentos que mostrem ser dignos
+d'ellas, os que ao invocal-as as aproveitam de accordo com as
+tendencias, indole e necessidades do seculo em que vivemos. Para isso, é
+urgente entrar n'uma situação de _collaboradores_, e não de impecedores,
+em tudo quanto é concernente ás aspirações do progresso, não só no
+regimen interno, mas nas praticas que tem mais longiquo e vasto alcance.
+
+Na communidade de interesses que tornam as nações solidarias, não se
+póde apresentar a mão espalmada para conter a onda, e apresentar tão
+inutil barreira com o fim de conter as tendencias do progresso. Cada
+epoca tem suas aspirações, e é baldado esforço o querer arrostar com
+ellas, desde que a civilisação exija caminhar.
+
+Quando o proprietario de um terreno o deixa inculto, reservado e
+impeditivo, em prejuiso manifesto dos visinhos ou da communa, ha no
+direito interno de cada paiz, os meios de o expropriar pela rasão de
+utilidade publica. Não convem, que pelo apego a certas praticas que
+destoam do systema harmonico em que todas as nações são interessadas, se
+dê motivo a que hajam de nos considerar como o proprietario impeditivo e
+retrogrado, nem pretexto para pedirem sentença de expropriação por
+utilidade internacional.
+
+O tratado entre Portugal e Inglaterra, de 30 de maio de 1879, para
+_fomentar e alargar as relações commerciaes_ _entre os seus dominios
+limitrophes na Africa, promover a completa extincção do trafico
+d'escravos e auxiliar-se mutuamente a fim de cooperar na obra da
+civilisação da Africa_, tem n'estas invocações da sua causa e de seus
+fins, um titulo honroso para ambas as nações contratantes.
+
+Qualquer que fosse a nação com a qual Portugal em identidade de
+condições o negociasse, ella tinha no seu titulo a sua justificação. Mas
+cresce de ponto o valor d'esta, quando o seu alcance politico e
+commercial é compartilhado e cooperado pela nação, com a qual Portugal
+está vinculado pelas mais activas relações commerciaes, ligações
+politicas, e inveterada alliança, como se dá com a Gram-Bretanha. É esta
+a nação cujo commercio com Portugal é de uma tal importancia, que só
+poderia comprehender-se sua valia quando elle deixasse de existir activo
+e assiduo.
+
+É a Inglaterra a potencia com a qual Portugal não póde deixar de manter
+relações as mais amigaveis. Se suas antigas allianças são um penhor de
+mutua vantagem, tambem seus passados feitos na historia tem pontos de
+assimilação, que as deveriam tornar sempre solidarias na mutua amisade.
+Portugal devassou o Oriente, e abriu o passo á Inglaterra n'aquellas
+regiões onde ésta ostenta um dos mais vastos imperios do mundo. Portugal
+fez o Brazil, a Inglaterra fez os Estados-Unidos d'America. Portugal e
+Inglaterra foram o fulcro da alavanca que serviu para derribar o maior
+potentado, que no começo d'este seculo dispoz dos destinos da Europa.
+
+Portugal é hoje um estado pequeno em extensão e em preponderancia
+politica; a Inglaterra é uma grande potencia. O tratado é a união do
+fraco com o forte. Que importa? Se o forte póde ser altivo quando se
+julgue offendido pelo fraco, tambem saberá ser leal quando lealmente
+considerado. O forte será austero quando o fraco é indiscreto, mas
+tambem usa ser cordato e discreto quando no fraco encontra lealdade e
+dignidade. Não se contraponha pois como em argumento contra o tratado, a
+expressão trivial de que o _direito do mais forte prevalece sempre_.
+Isto é meramente falso, porque então em vez de direito haveria a
+prepotencia, e éssa não se estipula nos tratados. Se tal affirmação
+valesse, seria a negação do direito convencional, não haveria tratados
+nem convenções entre nações, porque sempre haveria differença de
+poderios; seria a negação do direito publico europeu; seria
+implicitamente sanccionar o uso da força, elevando ésta a unico arbitro
+que houvesse de prevalecer entre nações; seria proclamar as insidias na
+paz e os latrocinios na guerra como a feição permanente das relações
+entre estados. N'uma palavra, seria a negação de todas as idéas de
+progresso e de fraternidade dos povos, e seria voltar ás epocas antigas
+da historia, quando as regras do direito das gentes se limitavam áquella
+barbara simplicidade, de considerar synonymas as qualificações de
+_barbaro, estrangeiro, inimigo_.
+
+A uma tão retrograda doutrina, ou ás tendencias que para ella
+conduzissem, poderia antepôr-se outra, mais razoavel, mais justa e mais
+conforme aos dictames que o direito publico consigna e que a civilisação
+proclama, e tal é, que os tratados são para as nações pequenas, uma
+garantia moral e effectiva da sua _independencia_, e do seu direito de
+_egualdade_ internacional, desde que os tratados publicos são phases,
+que só se dão entre nações independentes e como taes reconhecidas. Uma
+nação que vivesse isolada, como os papuas da Nova Guiné, ou como
+outr'ora os estados do Dey d'Argel, ou os piratas Tunesinos de
+Barbaroxa, não mereceria entre as outras, uma consideração superior
+áquella que um individuo merece, quando bisonhamente se encerra no
+domicilio e não tem trato nem cortejo com os visinhos com quem vive
+desconfiado.
+
+Se a razão de prepotencia é tão inconvenientemente invocada como regra,
+tambem é extemporaneamente chamada a terreno no actual procedimento
+entre Portugal e Inglaterra. A bahia de Lourenço Marques já esteve em
+parte em poder d'aquella nação. Disputada em pleito, foi acceite a
+arbitragem de uma terceira potencia. A Inglaterra, se quizesse ser
+prepotente, e se valesse o argumento da possibilidade de o vir a ser,
+não teria de certo acceitado tal arbitragem, como tambem acceitou ácerca
+de Bolama. Ceder perante as razões de direito quando tal cedencia é da
+parte mais forte e já occupante, é acto e procedimento que não authorisa
+a que se chame prepotente quem assim procede.
+
+Nem se diga que a acceitação do principio da arbitragem, estatuido como
+tal no congresso de Paris de 1856, fosse n'estes casos obrigatoria. Para
+o não ser, bastava seguir o precedente usado pela França em 1859, quando
+tres annos depois d'aquelle congresso europeu effectuado na sua capital,
+recusou a Portugal, o sujeitar á arbitragem a questão do negreiro
+«Charles & George.»
+
+Durante a campanha dos inglezes na Africa austral, contra as tribus
+zulus, uma diversão de força que desembarcando em Lourenço Marques os
+atacasse de flanco, teria sido operação tactica de grande vantagem para
+a Inglaterra. Para assim o conseguir, alem de outros meios, teriam
+aquelle tão inculcado, o da prepotencia. Mas qual foi a prepotencia
+usada pelos que, tendo aberto mão de Lourenço Marques, nem mesmo
+beliscaram o melindre dos novos occupantes, com o solicitar a
+_concessão_ para effectuar tal transito? É necessario ser justo para
+merecer justiça.
+
+No tratado entre Portugal e Inglaterra não ha pois para os espiritos
+despreoccupados, e imparciaes, nem _lesão de independencia_, como
+gratuitamente allegam seus impugnadores, nem _quebra de dignidade
+nacional_. Pelo contrario, ha a confirmação e reconhecimento formal de
+posse e soberania territorial, com usufruição reciproca das vantagens
+commerciaes, que da boa harmonia e acção commum devem resultar. Ha mais
+ainda; e é o honroso encargo de contribuir para a civilisação da Africa,
+em homenagem ás aspirações, e com direito aos applausos, de todas as
+nações cultas. Não é isto obra da prepotencia do forte, mas sim do
+reciproco accordo entre duas nações, ás quaes a Providencia preparou os
+meios de decidir do futuro da Africa.
+
+Estabelecer as regras de mutuos procedimentos, estipular as concessões
+bilateraes, e annuir a taes compromissos, não é _quebra de dignidade_. É
+seguir o exemplo do que as potencias europeas tem praticado e estatuido
+nos grandes congressos internacionaes, quando se tem pretendido definir
+principios e regular assumptos, não de interesse especial, mas sim de
+vantagem internacional. Assim n'aquelle congresso de Paris de 1856, onde
+se consignou o recurso da arbitragem, tambem se estatuiu, com adherencia
+de todos os estados alli representados, a abolição do corso maritimo, a
+immunidade dos carregamentos neutros sob bandeira inimiga, a notificação
+e effectividade dos bloqueios, etc., e ninguem se lembrou de affirmar,
+que a annuencia ou sujeição a todos estes principios assim definidos,
+importasse _quebra de dignidade_ nem offensa de nacionalidade para
+qualquer das potencias que os acceitavam _collectivamente_, embora
+differentes fossem os interesses resultantes da sua plena e indivisa
+acceitação.
+
+Tem alguma analogia o que o congresso de 1856 fez relativamente á
+Europa, com o que representa o tratado de Lourenço Marques com relação á
+Africa.
+
+Então as principaes potencias da Europa, concordavam em assumptos que
+mais ou menos interessavam a politica europea.
+
+Agora Portugal e Inglaterra, as unicas nações reconhecidas com dominio
+n'Africa austral e oriental, submettem-se reciprocamente ás
+estipulações, em que concordaram para interesse d'aquelles dominios, que
+exclusivamente possuem n'aquella parte do Mundo, que não deve ficar fora
+da lei do progresso.
+
+Portugal não perde porque póde lucrar a Inglaterra, e esta não perde
+porque lucra Portugal. Ambas lucrarão materialmente; e muito lucrará
+tambem Portugal moralmente quando a par e em condições de _egualdade
+internacional_ com uma das primeiras nações do Mundo, poder ufanar-se da
+gloria de haver contribuido para a obra grandiosa da civilisação da
+Africa.
+
+
+
+
+IX
+
+
+Ao contemplar a situação que a Portugal cabe n'este assumpto, e a
+perspectiva das vantagens ou desdouros que d'ella podem depender,
+conforme a politica e procedimentos que forem adoptados, quaesquer
+reflexões que nos animos desejosos do bem e da boa reputação do seu paiz
+poderiam originar-se, estão bem definidas n'aquellas palavras de uma
+authoridade digna do melhor conceito, pelo seu conhecimento do assumpto,
+e pela sua comprovada illustração. Tal é a do sr. Augusto de Castilho,
+digno official da armada, que durante varios annos governou com superior
+intelligencia o districto de Lourenço Marques.
+
+N'uma memoria a tal respeito recentemente publicada, diz elle entre
+outras cousas, o seguinte:
+
+«No assumpto (de Lourenço Marques) somos tão directamente interessados,
+que devemos tirar partido das circumstancias, e prepararmo-nos da
+maneira mais vantajosa para promover a prosperidade do districto de
+Lourenço Marques.
+
+«Lembremo-nos de que persistindo nós na politica de _isolamento e
+inacção que nos teem distinguido_, estamol-o criminosamente conservando
+agrilhoado a um revoltante estacionamento; _fica inutil para nós e
+inutil para os outros_.
+
+«Lourenço Marques sem o caminho de ferro não passa do que tem sido ha
+300 annos; não porque não tenha em si os recursos para o seu
+desenvolvimento; mas porque não ha entre nós o genio colonisador, não ha
+iniciativa e não ha capitaes.
+
+«A Africa felizmente é grande bastante, e tem logar para muita gente;
+está porém ainda n'um tal estado de atrazo e mesmo tão pouco conhecida
+em geral, que ha alli muito campo para que todos trabalhemos sem nos
+acotovelarmos e incommodarmos mutuamente.
+
+«Concorra cada um segundo suas forças para o concerto geral e unisono, e
+veremos que os beneficos resultados se não hão de fazer esperar muito.
+Pelo facto de sermos nós os possuidores do melhor porto de toda a costa
+da Africa austral e oriental, desde o cabo da Boa Esperança até
+Moçambique, _não é licito já hoje que conservemos fechado esse porto_, e
+o territorio adjacente ao nosso e os territorios estrangeiros que com
+elle confinam, privados dos beneficios civilisadores que elles teem
+direito a exigir da nossa dominação de tantos annos.
+
+«A politica das nossas auctoridades na costa oriental deveria ser uma
+politica de _cordura_, de _intelligencia_ e de _conciliação para com os
+nossos visinhos, attenuar em vez de avolumar, umas mesquinhas e mal
+entendidas rivalidades_ que nascem em alguns individuos pouco
+instruidos, ou mesmo mal intencionados, e a que só uma imprensa que
+falseie a sua missão, pode dar importancia e corpo.
+
+«E antes de mais nada, lembremo-nos de que em assumptos africanos,
+_parar é retroceder, é demolir o que está feito_, é ser inevitavelmente
+atropellado. Trabalhar é a civilisação, é o engrandecimento do nosso bom
+nome, é a perpetuação das nossas passadas tradições.
+
+«Trabalhemos pois, cada um no seu tanto, cada um conforme as suas
+forças, cada um por seu modo, mas todos com a mira no grande lábaro
+sagrado que se chama a patria».
+
+Com aquelle enthusiasmo que nasce da convicção profunda, assim se
+expressava o sr. Castilho, pouco antes da nova feição que o assumpto
+tomou, em vista do addiamento da sua solução, pela recusa da camara
+electiva do parlamento portuguez em ratifical-o; addiamento votado em 7
+do corrente junho, um anno depois da negociação concluida, como se um
+anno não fosse prazo demasiado para pensar na importancia de uma
+convenção, que por seu caracter de internacional não deveria estar
+sujeita áquellas contingencias comesinhas, a que se subordinam as
+questões concernentes ás ninharias de regimen interno.
+
+Os escrupulos sobre attribuições, aliás claramente estatuidas, podem
+n'um caso d'estes ser taxados, não de acto de consciencia, mas de
+pretexto frivolo.
+
+O addiar é ás vezes peior do que o rejeitar. Este póde ser consequencia
+de um estudo mal comprehendido; aquelle por tardio e capcioso dá logar a
+ser interpretado como desattenção e indifferença, menos de esperar para
+com os que aguardam uma decisão, nunca presumindo que ésta seja uma
+extemporanea evasiva, como ás vezes se usa para com os mendigos
+importunos.
+
+Addiar não é somente, como diz o sr. Castilho, _parar, retroceder,
+demolir_; é tambem dar plausibilidade áquella imputação que nos fez Sir
+C. Napier na sua historia da guerra civil da successão, quando affirma
+ser o caracter predominante dos portuguezes, mesmo nas occasiões
+urgentes, _não fazer hoje nada do que se pode deixar para ámanhã_,
+accrescentando que como nação nada poderemos _emquanto não riscarmos
+aquella palavra «ámanhã» do nosso diccionario_.
+
+Addiar, é sempre mau, pelo que significa em absoluto; e mais ainda no
+caso especial, em que a pachorra no proceder e a evasiva no decidir, dão
+causa a provocar para o acto, uma qualificação publica de falta de
+cortezia, o que entre nações póde ser interpretado como a reserva de
+outra designação, que nem é lisongeiro pensar n'ella, nem nas possiveis
+consequencias.
+
+É sempre mau o addiamento do que é urgente de resolver; mas peior é
+ainda a pretenção de o impôr aos que não seguem o culto do _ámanhã_ de
+que falla Napier. Para alguns a dilação de um dia, é menos indifferente
+do que para outros a de um anno. Por isso os assumptos internacionaes,
+em que é necessario sair da politica domestica, difficilmente pódem
+estar subordinados á rotina caseira que pode prejudical-os. Nem as
+questiunculas de politica partidaria podem sanar quaesquer faltas,
+mediante a acrimonia das recriminações. Poderão éstas significar justos
+desabafos, mas nada com estes lucrará a causa do Paíz.
+
+Se existe o mal, a todos cumpre desejar-lhe o remedio e procural-o, de
+preferencia a apontar os culpados. Se peccar é mau, peior é ser
+impenitente. Não foi para estes que Metastasio disse: «Cangianno i sagj
+secondo il lor miglior consiglio.»
+
+Consignando estas ponderações ácerca do tratado de 30 de maio de 1879,
+sua importancia e conveniencia, ha um ponto ácerca do qual não resta
+duvida, e tal é a persuasão de que, nem o desassombro e franqueza com
+que ellas são expressas, nem a convicção mais intima e leal que as
+dicta, poderão poupar a quem as redige, de ser apodado de
+antipatriotico.
+
+Quem assim fôr peremptoriamente sentenciado no tribunal dos impugnadores
+do tratado, terá como attenuação, o lembrar-se de que ficará em boa
+companhia. Em todo o caso basta-lhe a consciencia de não merecer tal
+sentença.
+
+É aquelle o argumento, ou antes o recurso de que se servem, os que
+encontram menos difficuldade em o dizer, do que de facilidade em o
+provar; mas julgam assim acobertar a injustiça do dito, escudando-o com
+a invocação de um sentimentalismo, que para ter valor deveria pelo menos
+não ser deslocado.
+
+Haverá quem de boa fé esteja illudido nas suas apreciações pró ou
+contra; haverá quem obedeça ás influencias de qualquer logar commum
+muito vulgarisado; outros porém terão menos desculpa, e taes são os que
+impugnam o tratado ainda antes de o ter lido, ou aliás sem o ter
+comprehendido.
+
+O patriotismo não está sómente nas vãs declamações. Os que sinceramente
+desejam para Portugal uma posição honrosa e distincta, e a sua elevação
+no conceito das nações cultas, não podem ser indifferentes a tudo quanto
+haja de contribuir para que, mediante a sensata apreciação das cousas, a
+atilada conducta dos homens de estado, e o bom juizo dos poderes
+publicos, um tão importante e melindroso assumpto internacional, obtenha
+prompta solução, condigna d'elle, e das nações n'elle empenhadas, de
+cujo accordo, harmonia, amisade, e leal cooperação, estão dependentes,
+não só os seus reciprocos interesses, como tambem outros de tão vasto
+alcance, quaes são os do progresso e da civilisação de uma grande parte
+do Mundo.
+
+Lisboa. Junho de 1880.
+
+
+
+
+
+End of the Project Gutenberg EBook of A Influencia Europea na Africa perante
+a Civilisação e as Relações Internacionaes, by Carlos Testa
+
+*** END OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK INFLUENCIA EUROPEA ***
+
+***** This file should be named 25635-8.txt or 25635-8.zip *****
+This and all associated files of various formats will be found in:
+ http://www.gutenberg.org/2/5/6/3/25635/
+
+Produced by Pedro Saborano and the Online Distributed
+Proofreading Team at http://www.pgdp.net (This book was
+produced from scanned images of public domain material
+from the Google Print project.)
+
+
+Updated editions will replace the previous one--the old editions
+will be renamed.
+
+Creating the works from public domain print editions means that no
+one owns a United States copyright in these works, so the Foundation
+(and you!) can copy and distribute it in the United States without
+permission and without paying copyright royalties. Special rules,
+set forth in the General Terms of Use part of this license, apply to
+copying and distributing Project Gutenberg-tm electronic works to
+protect the PROJECT GUTENBERG-tm concept and trademark. Project
+Gutenberg is a registered trademark, and may not be used if you
+charge for the eBooks, unless you receive specific permission. If you
+do not charge anything for copies of this eBook, complying with the
+rules is very easy. You may use this eBook for nearly any purpose
+such as creation of derivative works, reports, performances and
+research. They may be modified and printed and given away--you may do
+practically ANYTHING with public domain eBooks. Redistribution is
+subject to the trademark license, especially commercial
+redistribution.
+
+
+
+*** START: FULL LICENSE ***
+
+THE FULL PROJECT GUTENBERG LICENSE
+PLEASE READ THIS BEFORE YOU DISTRIBUTE OR USE THIS WORK
+
+To protect the Project Gutenberg-tm mission of promoting the free
+distribution of electronic works, by using or distributing this work
+(or any other work associated in any way with the phrase "Project
+Gutenberg"), you agree to comply with all the terms of the Full Project
+Gutenberg-tm License (available with this file or online at
+http://gutenberg.org/license).
+
+
+Section 1. General Terms of Use and Redistributing Project Gutenberg-tm
+electronic works
+
+1.A. By reading or using any part of this Project Gutenberg-tm
+electronic work, you indicate that you have read, understand, agree to
+and accept all the terms of this license and intellectual property
+(trademark/copyright) agreement. If you do not agree to abide by all
+the terms of this agreement, you must cease using and return or destroy
+all copies of Project Gutenberg-tm electronic works in your possession.
+If you paid a fee for obtaining a copy of or access to a Project
+Gutenberg-tm electronic work and you do not agree to be bound by the
+terms of this agreement, you may obtain a refund from the person or
+entity to whom you paid the fee as set forth in paragraph 1.E.8.
+
+1.B. "Project Gutenberg" is a registered trademark. It may only be
+used on or associated in any way with an electronic work by people who
+agree to be bound by the terms of this agreement. There are a few
+things that you can do with most Project Gutenberg-tm electronic works
+even without complying with the full terms of this agreement. See
+paragraph 1.C below. There are a lot of things you can do with Project
+Gutenberg-tm electronic works if you follow the terms of this agreement
+and help preserve free future access to Project Gutenberg-tm electronic
+works. See paragraph 1.E below.
+
+1.C. The Project Gutenberg Literary Archive Foundation ("the Foundation"
+or PGLAF), owns a compilation copyright in the collection of Project
+Gutenberg-tm electronic works. Nearly all the individual works in the
+collection are in the public domain in the United States. If an
+individual work is in the public domain in the United States and you are
+located in the United States, we do not claim a right to prevent you from
+copying, distributing, performing, displaying or creating derivative
+works based on the work as long as all references to Project Gutenberg
+are removed. Of course, we hope that you will support the Project
+Gutenberg-tm mission of promoting free access to electronic works by
+freely sharing Project Gutenberg-tm works in compliance with the terms of
+this agreement for keeping the Project Gutenberg-tm name associated with
+the work. You can easily comply with the terms of this agreement by
+keeping this work in the same format with its attached full Project
+Gutenberg-tm License when you share it without charge with others.
+
+1.D. The copyright laws of the place where you are located also govern
+what you can do with this work. Copyright laws in most countries are in
+a constant state of change. If you are outside the United States, check
+the laws of your country in addition to the terms of this agreement
+before downloading, copying, displaying, performing, distributing or
+creating derivative works based on this work or any other Project
+Gutenberg-tm work. The Foundation makes no representations concerning
+the copyright status of any work in any country outside the United
+States.
+
+1.E. Unless you have removed all references to Project Gutenberg:
+
+1.E.1. The following sentence, with active links to, or other immediate
+access to, the full Project Gutenberg-tm License must appear prominently
+whenever any copy of a Project Gutenberg-tm work (any work on which the
+phrase "Project Gutenberg" appears, or with which the phrase "Project
+Gutenberg" is associated) is accessed, displayed, performed, viewed,
+copied or distributed:
+
+This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with
+almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or
+re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included
+with this eBook or online at www.gutenberg.org
+
+1.E.2. If an individual Project Gutenberg-tm electronic work is derived
+from the public domain (does not contain a notice indicating that it is
+posted with permission of the copyright holder), the work can be copied
+and distributed to anyone in the United States without paying any fees
+or charges. If you are redistributing or providing access to a work
+with the phrase "Project Gutenberg" associated with or appearing on the
+work, you must comply either with the requirements of paragraphs 1.E.1
+through 1.E.7 or obtain permission for the use of the work and the
+Project Gutenberg-tm trademark as set forth in paragraphs 1.E.8 or
+1.E.9.
+
+1.E.3. If an individual Project Gutenberg-tm electronic work is posted
+with the permission of the copyright holder, your use and distribution
+must comply with both paragraphs 1.E.1 through 1.E.7 and any additional
+terms imposed by the copyright holder. Additional terms will be linked
+to the Project Gutenberg-tm License for all works posted with the
+permission of the copyright holder found at the beginning of this work.
+
+1.E.4. Do not unlink or detach or remove the full Project Gutenberg-tm
+License terms from this work, or any files containing a part of this
+work or any other work associated with Project Gutenberg-tm.
+
+1.E.5. Do not copy, display, perform, distribute or redistribute this
+electronic work, or any part of this electronic work, without
+prominently displaying the sentence set forth in paragraph 1.E.1 with
+active links or immediate access to the full terms of the Project
+Gutenberg-tm License.
+
+1.E.6. You may convert to and distribute this work in any binary,
+compressed, marked up, nonproprietary or proprietary form, including any
+word processing or hypertext form. However, if you provide access to or
+distribute copies of a Project Gutenberg-tm work in a format other than
+"Plain Vanilla ASCII" or other format used in the official version
+posted on the official Project Gutenberg-tm web site (www.gutenberg.org),
+you must, at no additional cost, fee or expense to the user, provide a
+copy, a means of exporting a copy, or a means of obtaining a copy upon
+request, of the work in its original "Plain Vanilla ASCII" or other
+form. Any alternate format must include the full Project Gutenberg-tm
+License as specified in paragraph 1.E.1.
+
+1.E.7. Do not charge a fee for access to, viewing, displaying,
+performing, copying or distributing any Project Gutenberg-tm works
+unless you comply with paragraph 1.E.8 or 1.E.9.
+
+1.E.8. You may charge a reasonable fee for copies of or providing
+access to or distributing Project Gutenberg-tm electronic works provided
+that
+
+- You pay a royalty fee of 20% of the gross profits you derive from
+ the use of Project Gutenberg-tm works calculated using the method
+ you already use to calculate your applicable taxes. The fee is
+ owed to the owner of the Project Gutenberg-tm trademark, but he
+ has agreed to donate royalties under this paragraph to the
+ Project Gutenberg Literary Archive Foundation. Royalty payments
+ must be paid within 60 days following each date on which you
+ prepare (or are legally required to prepare) your periodic tax
+ returns. Royalty payments should be clearly marked as such and
+ sent to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation at the
+ address specified in Section 4, "Information about donations to
+ the Project Gutenberg Literary Archive Foundation."
+
+- You provide a full refund of any money paid by a user who notifies
+ you in writing (or by e-mail) within 30 days of receipt that s/he
+ does not agree to the terms of the full Project Gutenberg-tm
+ License. You must require such a user to return or
+ destroy all copies of the works possessed in a physical medium
+ and discontinue all use of and all access to other copies of
+ Project Gutenberg-tm works.
+
+- You provide, in accordance with paragraph 1.F.3, a full refund of any
+ money paid for a work or a replacement copy, if a defect in the
+ electronic work is discovered and reported to you within 90 days
+ of receipt of the work.
+
+- You comply with all other terms of this agreement for free
+ distribution of Project Gutenberg-tm works.
+
+1.E.9. If you wish to charge a fee or distribute a Project Gutenberg-tm
+electronic work or group of works on different terms than are set
+forth in this agreement, you must obtain permission in writing from
+both the Project Gutenberg Literary Archive Foundation and Michael
+Hart, the owner of the Project Gutenberg-tm trademark. Contact the
+Foundation as set forth in Section 3 below.
+
+1.F.
+
+1.F.1. Project Gutenberg volunteers and employees expend considerable
+effort to identify, do copyright research on, transcribe and proofread
+public domain works in creating the Project Gutenberg-tm
+collection. Despite these efforts, Project Gutenberg-tm electronic
+works, and the medium on which they may be stored, may contain
+"Defects," such as, but not limited to, incomplete, inaccurate or
+corrupt data, transcription errors, a copyright or other intellectual
+property infringement, a defective or damaged disk or other medium, a
+computer virus, or computer codes that damage or cannot be read by
+your equipment.
+
+1.F.2. LIMITED WARRANTY, DISCLAIMER OF DAMAGES - Except for the "Right
+of Replacement or Refund" described in paragraph 1.F.3, the Project
+Gutenberg Literary Archive Foundation, the owner of the Project
+Gutenberg-tm trademark, and any other party distributing a Project
+Gutenberg-tm electronic work under this agreement, disclaim all
+liability to you for damages, costs and expenses, including legal
+fees. YOU AGREE THAT YOU HAVE NO REMEDIES FOR NEGLIGENCE, STRICT
+LIABILITY, BREACH OF WARRANTY OR BREACH OF CONTRACT EXCEPT THOSE
+PROVIDED IN PARAGRAPH F3. YOU AGREE THAT THE FOUNDATION, THE
+TRADEMARK OWNER, AND ANY DISTRIBUTOR UNDER THIS AGREEMENT WILL NOT BE
+LIABLE TO YOU FOR ACTUAL, DIRECT, INDIRECT, CONSEQUENTIAL, PUNITIVE OR
+INCIDENTAL DAMAGES EVEN IF YOU GIVE NOTICE OF THE POSSIBILITY OF SUCH
+DAMAGE.
+
+1.F.3. LIMITED RIGHT OF REPLACEMENT OR REFUND - If you discover a
+defect in this electronic work within 90 days of receiving it, you can
+receive a refund of the money (if any) you paid for it by sending a
+written explanation to the person you received the work from. If you
+received the work on a physical medium, you must return the medium with
+your written explanation. The person or entity that provided you with
+the defective work may elect to provide a replacement copy in lieu of a
+refund. If you received the work electronically, the person or entity
+providing it to you may choose to give you a second opportunity to
+receive the work electronically in lieu of a refund. If the second copy
+is also defective, you may demand a refund in writing without further
+opportunities to fix the problem.
+
+1.F.4. Except for the limited right of replacement or refund set forth
+in paragraph 1.F.3, this work is provided to you 'AS-IS' WITH NO OTHER
+WARRANTIES OF ANY KIND, EXPRESS OR IMPLIED, INCLUDING BUT NOT LIMITED TO
+WARRANTIES OF MERCHANTIBILITY OR FITNESS FOR ANY PURPOSE.
+
+1.F.5. Some states do not allow disclaimers of certain implied
+warranties or the exclusion or limitation of certain types of damages.
+If any disclaimer or limitation set forth in this agreement violates the
+law of the state applicable to this agreement, the agreement shall be
+interpreted to make the maximum disclaimer or limitation permitted by
+the applicable state law. The invalidity or unenforceability of any
+provision of this agreement shall not void the remaining provisions.
+
+1.F.6. INDEMNITY - You agree to indemnify and hold the Foundation, the
+trademark owner, any agent or employee of the Foundation, anyone
+providing copies of Project Gutenberg-tm electronic works in accordance
+with this agreement, and any volunteers associated with the production,
+promotion and distribution of Project Gutenberg-tm electronic works,
+harmless from all liability, costs and expenses, including legal fees,
+that arise directly or indirectly from any of the following which you do
+or cause to occur: (a) distribution of this or any Project Gutenberg-tm
+work, (b) alteration, modification, or additions or deletions to any
+Project Gutenberg-tm work, and (c) any Defect you cause.
+
+
+Section 2. Information about the Mission of Project Gutenberg-tm
+
+Project Gutenberg-tm is synonymous with the free distribution of
+electronic works in formats readable by the widest variety of computers
+including obsolete, old, middle-aged and new computers. It exists
+because of the efforts of hundreds of volunteers and donations from
+people in all walks of life.
+
+Volunteers and financial support to provide volunteers with the
+assistance they need, is critical to reaching Project Gutenberg-tm's
+goals and ensuring that the Project Gutenberg-tm collection will
+remain freely available for generations to come. In 2001, the Project
+Gutenberg Literary Archive Foundation was created to provide a secure
+and permanent future for Project Gutenberg-tm and future generations.
+To learn more about the Project Gutenberg Literary Archive Foundation
+and how your efforts and donations can help, see Sections 3 and 4
+and the Foundation web page at http://www.pglaf.org.
+
+
+Section 3. Information about the Project Gutenberg Literary Archive
+Foundation
+
+The Project Gutenberg Literary Archive Foundation is a non profit
+501(c)(3) educational corporation organized under the laws of the
+state of Mississippi and granted tax exempt status by the Internal
+Revenue Service. The Foundation's EIN or federal tax identification
+number is 64-6221541. Its 501(c)(3) letter is posted at
+http://pglaf.org/fundraising. Contributions to the Project Gutenberg
+Literary Archive Foundation are tax deductible to the full extent
+permitted by U.S. federal laws and your state's laws.
+
+The Foundation's principal office is located at 4557 Melan Dr. S.
+Fairbanks, AK, 99712., but its volunteers and employees are scattered
+throughout numerous locations. Its business office is located at
+809 North 1500 West, Salt Lake City, UT 84116, (801) 596-1887, email
+business@pglaf.org. Email contact links and up to date contact
+information can be found at the Foundation's web site and official
+page at http://pglaf.org
+
+For additional contact information:
+ Dr. Gregory B. Newby
+ Chief Executive and Director
+ gbnewby@pglaf.org
+
+
+Section 4. Information about Donations to the Project Gutenberg
+Literary Archive Foundation
+
+Project Gutenberg-tm depends upon and cannot survive without wide
+spread public support and donations to carry out its mission of
+increasing the number of public domain and licensed works that can be
+freely distributed in machine readable form accessible by the widest
+array of equipment including outdated equipment. Many small donations
+($1 to $5,000) are particularly important to maintaining tax exempt
+status with the IRS.
+
+The Foundation is committed to complying with the laws regulating
+charities and charitable donations in all 50 states of the United
+States. Compliance requirements are not uniform and it takes a
+considerable effort, much paperwork and many fees to meet and keep up
+with these requirements. We do not solicit donations in locations
+where we have not received written confirmation of compliance. To
+SEND DONATIONS or determine the status of compliance for any
+particular state visit http://pglaf.org
+
+While we cannot and do not solicit contributions from states where we
+have not met the solicitation requirements, we know of no prohibition
+against accepting unsolicited donations from donors in such states who
+approach us with offers to donate.
+
+International donations are gratefully accepted, but we cannot make
+any statements concerning tax treatment of donations received from
+outside the United States. U.S. laws alone swamp our small staff.
+
+Please check the Project Gutenberg Web pages for current donation
+methods and addresses. Donations are accepted in a number of other
+ways including checks, online payments and credit card donations.
+To donate, please visit: http://pglaf.org/donate
+
+
+Section 5. General Information About Project Gutenberg-tm electronic
+works.
+
+Professor Michael S. Hart is the originator of the Project Gutenberg-tm
+concept of a library of electronic works that could be freely shared
+with anyone. For thirty years, he produced and distributed Project
+Gutenberg-tm eBooks with only a loose network of volunteer support.
+
+
+Project Gutenberg-tm eBooks are often created from several printed
+editions, all of which are confirmed as Public Domain in the U.S.
+unless a copyright notice is included. Thus, we do not necessarily
+keep eBooks in compliance with any particular paper edition.
+
+
+Most people start at our Web site which has the main PG search facility:
+
+ http://www.gutenberg.org
+
+This Web site includes information about Project Gutenberg-tm,
+including how to make donations to the Project Gutenberg Literary
+Archive Foundation, how to help produce our new eBooks, and how to
+subscribe to our email newsletter to hear about new eBooks.
diff --git a/25635-8.zip b/25635-8.zip
new file mode 100644
index 0000000..590f5e6
--- /dev/null
+++ b/25635-8.zip
Binary files differ
diff --git a/25635-h.zip b/25635-h.zip
new file mode 100644
index 0000000..7a3fc4b
--- /dev/null
+++ b/25635-h.zip
Binary files differ
diff --git a/25635-h/25635-h.htm b/25635-h/25635-h.htm
new file mode 100644
index 0000000..1e49abb
--- /dev/null
+++ b/25635-h/25635-h.htm
@@ -0,0 +1,2777 @@
+<!DOCTYPE HTML PUBLIC "-//W3C//DTD HTML 4.01 Transitional//EN" "http://www.w3.org/TR/html4/loose.dtd">
+<html lang="pt">
+<head>
+ <title>A influencia europea na Africa perante a civilisação e as relações internacionaes</title>
+ <meta name="AUTHOR" content="Carlos Testa">
+ <meta http-equiv="Content-Type" content="text/html; charset=iso-8859-1">
+ <meta name="KEYWORDS" content="">
+ <style type="text/css">
+ @media print {
+ .pagenum { visibility: hidden;}
+ }
+ @media handheld {
+ .pagenum { visibility: hidden;}
+ }
+ body{margin-left: 10%;
+ margin-right: 10%;
+ }
+ .pagenum {
+ position: absolute;
+ left: 92%;
+ font-size: smaller;
+ text-align: right;
+ color: silver;
+ }
+ .capa {text-align: center; border: solid 1px #000000;}
+ #corpo p {text-align: justify; text-indent: 1em;}
+ hr {
+ border: none;
+ border-bottom: solid 2px #000000;
+ text-align: center;
+ }
+ a {text-decoration: none;}
+ sup {font-size: 0.8em;}
+ h1 {text-align: center; margin-top: 3em;}
+ .small-caps {
+ font-variant: small-caps;
+ }
+ .direita {
+ text-align: right;
+ }
+ </style>
+</head>
+<body>
+
+
+<pre>
+
+The Project Gutenberg EBook of A Influencia Europea na Africa perante a
+Civilisação e as Relações Internacionaes, by Carlos Testa
+
+This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with
+almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or
+re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included
+with this eBook or online at www.gutenberg.org
+
+
+Title: A Influencia Europea na Africa perante a Civilisação e as Relações Internacionaes
+ Considerações ácerca do tratado de 30 de maio de 1879
+ denominado de «Lourenço Marques»
+
+Author: Carlos Testa
+
+Release Date: May 29, 2008 [EBook #25635]
+
+Language: Portuguese
+
+Character set encoding: ISO-8859-1
+
+*** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK INFLUENCIA EUROPEA ***
+
+
+
+
+Produced by Pedro Saborano and the Online Distributed
+Proofreading Team at http://www.pgdp.net (This book was
+produced from scanned images of public domain material
+from the Google Print project.)
+
+
+
+
+
+
+</pre>
+
+<div class="capa">
+<p style="font-size: 1.5em;">A</p>
+
+<p style="font-size: 2.5em;">INFLUENCIA EUROPEA NA AFRICA</p>
+
+<p>PERANTE A CIVILISAÇÃO</p>
+
+<p>E AS RELAÇÕES INTERNACIONAES</p>
+
+<hr style="width: 15%">
+
+<p>Considerações ácerca do tratado de 30 de maio de 1879 denominado de
+«LOURENÇO MARQUES»</p>
+
+<p style="font-size: 0.8em;">POR</p>
+
+<p style="font-weight: bold;">Carlos Testa</p>
+
+<p style="font-size: 0.8em;">CAPITÃO DE MAR E GUERRA&mdash;LENTE DA ESCOLA NAVAL</p>
+
+<hr style="width: 15%">
+
+<div style="margin-left: 40%; margin-right:10%; font-size: 0.8em;text-align: left">
+<blockquote>
+Rationem juris gentium magistram, sequamur.
+</blockquote>
+<p class="direita"><span class="small-caps">Bynkershoek.</span></p>
+</div>
+
+<hr style="width: 20%">
+<br>
+<br>
+<br>
+<br>
+<h6>LISBOA
+<br>
+TYPOGRAPHIA UNIVERSAL
+<br>
+DE THOMAZ QUINTINO ANTUNES, IMPRESSOR DA CASA REAL
+<br>
+Rua dos Calafates, 110
+<br>
+1880</h6>
+</div>
+<span class="pagenum">[3]</span>
+<div id="corpo">
+
+
+
+<h1>I</h1>
+
+
+<p>Dos grandes continentes que compõe o denominado velho Mundo, é
+certamente a Africa aquelle cuja exploração hoje em dia se tornou de
+preferencia o objecto da attenção geral dos governos das nações
+civilisadas, e isto por tão variados titulos, como os que podem dizer
+respeito ás investigações geographicas, ao conhecimento da importancia
+de seus productos, ás condições da sua população, e á influencia que lhe
+póde caber no futuro movimento commercial do Mundo.</p>
+
+<p>É na Africa que teve séde uma das mais antigas civilisações que a
+historia recorda, a egypcia, testemunhada pelas ingentes pyramides e
+collossaes esphinges, que por muito tempo causaram a desesperação dos
+archeologos. A Lybia, onde os phenicios levaram suas colonias á fundação
+de Carthago, deixa vêr a vetustidade d'aquella parte do globo, que já
+para o grande poeta do Lacio fornecia inspirações, tiradas de factos
+coévos de Dido e dos exules do cêrco de Troya.</p>
+
+<p>Mas esse continente onde a historia antiga vae descobrir o ancião dos
+povos, e remontar a epocas remotissimas, é aquelle que ainda hoje, apoz
+os progressos da moderna geographia, deixa mais vasto campo para estudo
+e indagações, e cuja maior porção ainda se acha mal conhecida,
+inexplorada, e povoada por tribus tão variadas, como varios são seus
+caracteres mais ou menos selvagens, <span class="pagenum">[4]</span> e na maxima parte, ainda
+estranhos aos effeitos da civilisação.</p>
+
+<p>Notaveis coincidencias nos deixa vêr a historia. Milhares de annos se
+interpõe decorridos desde que a Africa é n'ella mencionada. De pouco
+mais e pouco menos de quatro seculos datam, o começo das explorações do
+até então desconhecido littoral do occidente africano, e o descobrimento
+do limite austral d'aquella velha parte do Mundo. A esse tempo, as duas
+Americas eram entidades desconhecidas, quando Colombo e Cabral d'ellas
+deram noticia. Haverá um seculo apenas, que Cook descobria regiões
+austraes até então ignotas. E hoje as Americas e a Australia, esses
+vastos continentes apenas conhecidos de tão recente data, apresentam-se
+na sua maxima parte povoados de cultas sociedades, em todos seus
+extensos littoraes, e deixando vêr n'aquellas regiões transatlanticas,
+novas nacionalidades e estados florescentes, oriundos da civilisação
+europea, para alli transplantada, e onde a par da importancia
+d'aquelles, se alarga a esphera d'acção d'esta.</p>
+
+<p>E a Africa? Ainda um denso véo encobre em grande parte a sua intima
+condição da existencia e modo de ser; ainda no maximo numero a sua
+população vive vida selvagem e feroz, sem que o facho da civilisação
+viesse alumiar as trevas do seu primitivo estado.</p>
+
+<p>É pois na Africa que o geographo, o geologo, o naturalista, e o
+estadista, encontram os mais variados assumptos para estudo e
+especulação, na delimitação do seu territorio, nas feições do solo, de
+seus variados productos, seus extensos rios, vastos lagos, espessas
+florestas e até inhospitos desertos. D'ahi o empenho, e as tentativas
+que tornaram em nossos dias como o pensamento e proposito de todos os
+governos das nações cultas, a exploração e civilisação da Africa.</p>
+
+<p>Cousa notavel! Uma parte do globo que ha menos de quatro seculos ainda
+era desconhecida, a America, hoje já se distingue, contribuindo com a
+velha Europa no empenho de explorar as regiões não desbravadas d'aquella
+outra parte, a Africa, aliaz não ignorada desde a mais remota
+antiguidade!</p>
+
+<p>No decurso dos acontecimentos, de que o Mundo é o grande theatro, e em
+que a humanidade é o actor, difficil <span class="pagenum">[5]</span> cousa seria o pretender
+designar e precisar taes acontecimentos como subordinados a uma regra
+invariavel, de modo a sujeitar seus effeitos a causas precisas.
+Elementos contingentes influem de modo que as causas só podem
+conhecer-se pelos effeitos. Na contemplação pois do que possa haver
+contribuido para o atrazo em que a Africa ficou perante as outras
+regiões do globo posteriormente descobertas, podem talvez apontar-se, a
+influencia de um clima em grande parte deleterio e adusto; as
+difficuldades materiaes de transpor suas aridas planicies e suas asperas
+cordilheiras, e mais talvez do que isso, a natureza selvagem e em grande
+parte feroz dos seus povoadores; e a influencia que a escravidão e seu
+trafico entre taes povos barbaros podiam ter, no desvio das praticas
+mais conducentes á util exploração d'aquelle vasto continente.</p>
+
+<p>Uma população assim embrutecida e sem laços sociaes que lhe elevem o
+nivel moral, constitue necessariamente um obstaculo, uma difficuldade á
+realisação de quaesquer emprehendimentos no sentido de desbravar
+aquellas regiões.</p>
+
+<p>Esta feição ethnologica poderia considerar-se como uma das que muito tem
+influido e ainda influe, quando outras causas não houvessem, para
+estorvar a realisação do grande pensamento em que a humanidade está
+empenhada, qual o de civilisar a Africa, pensamento que o espirito do
+seculo reclama, e que as nações cultas se interessam por conseguir.</p>
+
+<p>Perante povos selvagens, é a acção do missionario o meio mais conducente
+a abater seus instinctos ferozes ou brutaes, meio este que lançando o
+germen da civilisação, mediante a influencia das crenças que actuem no
+homem pelos estimulos da consciencia e pelas noções do dever, e que
+tomando a moral por base da familia, institue assim esta molecula
+social, por onde se chega á formação de uma sociedade cujo bem estar
+reclama novas aspirações, e d'aqui vem como resultado a necessidade do
+aproveitamento do solo, de augmentar seus productos, effectuar
+permutações, e activar o commercio, obtendo-se assim vencer os
+obstaculos que ainda hoje se apresentam para realisar aquella tão
+apetecida obra, pois é civilisando o africano, que se conseguirá
+civilisar a Africa.</p>
+
+<p>O conseguimento pois do fim a que as nações cultas se <span class="pagenum">[6]</span> propõem na
+Africa, depende de taes elementos que são a cathechese, que desbrave a
+fereza do selvagem e entre elle estabeleça os laços sociaes; o
+commercio, que obrigue ao trabalho util e ao desenvolvimento da riqueza
+natural do solo; e por ultimo, de estabelecer o predominio que resulta
+da força, como meio indispensavel para manter o prestigio da civilisação
+sobre a barbarie, e para conter em respeito aquelles que por indole
+indomita ou instinctos brutaes se tornem ameaçadores e aggressivos, em
+vez de doceis e submissos á acceitação dos meios tendentes a regenerar a
+sua existencia social.</p>
+
+<p>Como tem sido, ou como conviria que fossem aproveitados estes meios, e a
+quem de preferencia compete attender aos seus desejados effeitos, é
+assumpto que se presta a algumas ponderações.</p>
+
+<p>A historia da humanidade, assim como nos revella as variadas tendencias
+de suas differentes épocas, tambem nos deixa vêr exemplos de nações, ás
+quaes parece que a Providencia commetteu uma ou outra missão a cumprir,
+em virtude de caracteres peculiares de sua existencia e condição.</p>
+
+<p>Se por entre as exorbitancias a que as rudezas da edade media deram
+logar, pretendermos discernir os commettimentos dignos de ser acatados,
+é mister para isso destacar aquelles, nos quaes se possa descobrir um
+cunho ou feição, por onde se revelle justiça no procedimento, ou
+conveniencia geral no seu effeito.</p>
+
+<p>Coube tambem a Portugal uma boa parte e um importante papel a
+desempenhar nas evoluções sociaes pelas quaes o Mundo tem passado. Paiz
+pequeno, mas situado na orla mais occidental onde a Europa é banhada
+pelo Atlantico, foi a elle que competiu a missão de alargar os
+horisontes da geographia, rompendo aquelle limite além do qual tudo era
+desconhecido. No desempenho de tal encargo, não faltou aos dictames que
+a justiça lhe podia impor, assim como tambem não deixou de mirar a um
+objectivo que significava uma conveniencia geral, a bem da humanidade.</p>
+
+<p>Assim foi, que quando ao deslisar da edade media D. João I conduziu suas
+hostes á conquista de Ceuta, levando a guerra á Africa, obedecia ainda
+áquelle impulso <span class="pagenum">[7]</span> que vinha dictado pelo antagonismo de crenças e
+resentimento de armas. Não estava ainda de todo extincto aquelle
+espirito religioso, que quando levado até ao fanatismo, formára o ideal
+do heroismo cavalheiroso das cruzadas. A guerra aos inimigos da cruz
+como proseguimento das conquistas operadas sobre o crescente, e que fôra
+o principio em que se baseára a monarchia fundada em Ourique, estava
+apenas diferida mas não finda. A guerra levada á Africa era pois o
+proseguimento da conquista sobre terras de mouros, tão justificada
+d'além, como o fôra nos Algarves d'aquem mar.</p>
+
+<p>Esse pensamento de dilatar na Africa tal conquista como territorio de
+Portugal e não como feitoria colonial, quando proseguido e mantido,
+poderia ter dado logar a uma phase politica de grande alcance futuro, e
+que haveria formado de Portugal um grande estado europeu africano.</p>
+
+<p>Mas outros enlevos, outras ambições, outros calculos de interesse vinham
+unir-se ao primitivo movel moral, qual o da fé religiosa, desde que
+outras vistas mais positivas, embora menos enthusiastas, impelliam ao
+empenho de procurar novas regiões, transpondo o mar, alargando os
+limitados dominios em que a geographia se achava contida.</p>
+
+<p>Ceuta, o primeiro baluarte da Mauritania, foi o posto avançado para
+assegurar o ponto de partida e franquear o caminho, que o immortal
+infante D. Henrique preparava, aos que largando de Sagres, haviam de
+explorar as costas desconhecidas, desde o occidente, e a seguir para o
+sul, no continente africano. A obra a emprehender era tal, que n'ella
+devia predominar ora o valor do soldado, ora a coragem do marinheiro. Á
+consciencia da justiça que auctorisava a guerra, ligava-se tambem a
+perspectiva e resultados grandiosos para a sciencia, bem como de um
+alcance mais subido, desde que redundavam em vantagem da humanidade.</p>
+
+<p>N'esta ardua, mas gloriosa tarefa, se ao cabo Tormentoso, vencido por
+Bartholomeu Dias, se seguiu o caminho do Oriente ser aberto pelo Gama;
+se á escola de Sagres se deveu o que era o resultado do arrojo e denodo
+dos nautas, tambem é certo que a escola de Ceuta, Tanger e Arzilla foi a
+que preparou e alimentou aquelle valor guerreiro, <span class="pagenum">[8]</span> que durante quasi
+um seculo tanto contribuiu para illustrar, por seus feitos no Oriente, o
+nome portuguez.</p>
+
+<p>Em toda esta obra grandiosa, Portugal, procedendo em harmonia com o
+espirito da época, soube desempenhar-se nobremente da missão que lhe
+competiu. Adquiriu para si uma gloria immorredoura, e alcançou uma época
+de prosperidade, que havia de ser ephemera; mas tambem preparou os
+elementos de uma das maiores revoluções que na ordem social, economica e
+politica o Mundo viu. Foi talvez mais longe do que lhe poderia ser
+moralmente exigido, ou do que o seu exclusivo interesse lhe aconselhava.
+O Oriente absorveu suas attenções e seus recursos; e por isso a Africa,
+ficando revelada em suas costas e no seu limite austral, deixou então de
+ser o objecto de mais aturados empenhos e esforços, quanto á exploração
+das regiões internas de seu vasto continente.</p> <span class="pagenum">[9]</span>
+
+
+
+
+<h1>II</h1>
+
+
+<p>O final do seculo XV deixa vêr um conjuncto de acontecimentos tão
+importantes e tão extraordinarios, quão vastos e transcendentes foram os
+seus resultados.</p>
+
+<p>A passagem do cabo da Boa Esperança, o descobrimento da America que se
+lhe seguiu; depois a nova derrota aberta para os mares da India, e em
+seguida o percurso que Magalhães emprehendeu circumdando o globo, foram
+os grandes feitos que o Mundo contemplou, e que vinham dar nova face ao
+commercio e á navegação. Os portuguezes tendo em devida conta as
+consequencias de taes feitos, tiraram d'ahi todo o partido não só
+scientifico, mas tambem commercial e politico. Elles não se limitaram a
+descobrir e a conquistar; prestaram tambem valiosos serviços á sciencia,
+descrevendo novos mares, seus littoraes e suas ilhas, tirando a
+geographia do cahos em que se encontrava, visto que ella se limitava a
+descrever porções de terras e mares, mas sem nexo e sem medição, e de
+modo que se substituia por supposições, o que a ignorancia occultava
+quanto ás regiões desconhecidas. Pelo lado commercial, o trafico das
+especiarias, drogarias e outras preciosidades do Oriente, tão
+appetecidas na Europa, passou a tomar o novo rumo e direcção, mais
+conducentes a generalisal-os e a tornal-os accessiveis.</p>
+
+<p>Albuquerque, fundando o dominio portuguez oriental, tomando Goa por séde
+de administração e apossando-se <span class="pagenum">[10]</span> de Malaca e de Ormuz,
+assenhoreava-se do emporio do commercio das Molucas, da feira universal
+da Aurea Chersonesa; assim como expugnando Ormuz, apossava-se do
+entreposto por onde se effectuava d'antes todo o trafico, que tomando
+pelo mar Vermelho ou golfo persico, seguia depois até ao Nilo ou pelo
+valle do Euphrates, em cafilas, aportando no Mediterraneo,
+concentrando-se depois em Veneza, então rainha do Adriatico e emporio
+europeu de todo aquelle vasto commercio.</p>
+
+<p>A nova derrota maritima pelo cabo da Boa Esperança, veiu não só
+estabelecer um desvio d'aquella rotina, pela comparativa facilidade,
+desde que o carregamento de um só navio com productos da India, excedia
+o valor da maior caravana da Asia, e evitava seu trafego; mas tambem,
+outra razão peremptoria tornava essa derrota obrigada, qual era a
+imposição que monopolisava o commercio nas mãos dos novos descobridores,
+já dominantes n'aquelles mares, visto que a arabes e indios só com
+salvoconducto era permittido um limitado e precario trafico costeiro;
+assim como sob pena capital se prohibia a estranhos a navegação
+d'aquelles mares. Era o que consignavam as ordenações do reino no livro
+5.º «Assi natural como estrangeiro, ditas partes, terras, mares de
+Guinéa e Indias, e quaesquer outras terras e mares e lugares de nossa
+conquista, tratar, resgatar, nem guerrear, sem nossa licença e
+autoridade, sob pena que fazendo o contrario moura por ello morte
+natural, e por esso mesmo feito perca pera nos todos seus beens moveis e
+de rays».</p>
+
+<p>Nem as ameaças do grande soldão do Egypto, o poderoso inimigo da
+christandade, nem os manejos da republica dos doges, que via cortado o
+nervo do seu poder e de suas riquezas, acobardaram os novos dominadores
+em seus intentos. O monopolio do commercio e o exclusivo de navegação
+ficou em poder dos portuguezes, cujas frotas navegavam nos golfos da
+Arabia e Persia, para cortar outro transito que não fosse a derrota do
+cabo, por onde tudo vinha a Lisboa, tornada assim o grande e unico
+emporio do Oriente, para d'alli se espalhar pelos portos da Europa,
+tanto do Oceano como do Mediterraneo.</p>
+
+<p>Tal era o systema, que o interesse aconselhava, que a politica e o
+espirito da epoca dictava, e que as outras nações <span class="pagenum">[11]</span> toleravam, com
+aquella differença que lhes podia resultar, onde só viam não um prejuizo
+proprio, mas apenas uma alteração no ponto de abastecimento, e isto a
+troco de vantagens de uma ordem geral, desde que procedendo d'esta
+forma, Portugal tomava a si o encargo de desviar no Oriente a attenção
+do poder sarraceno, já altivo e ameaçador contra a Europa.</p>
+
+<p>Pode pois dizer-se que Portugal trabalhava para si, mas tambem lidava a
+pró da humanidade. Talvez que o interesse da humanidade, fosse mais do
+que o proprio attendido em todos estes procedimentos! Effectivamente
+Portugal foi mais longe do que a prudencia e o proprio interesse lhe
+aconselhava. O Oriente era o sonho dourado de todas as especulações a
+que o seu descobrimento e posse haviam conduzido os animos. A Africa,
+ficava como que abandonada a meio caminho, á semelhança do que acontece
+com o viandante que em demanda de aventuras busca longiquo thesouro,
+fascinado pelo qual, esquece outros valiosos attractivos com que topara
+no caminho.</p>
+
+<p>O Oriente era tudo, e pelo Oriente se deixava tudo o mais. Era elle o
+campo favorito para as especulações e aventuras, e para todos os engodos
+que podessem ser fantasiados pelo bello idéal, e pelo que o amor do
+maravilhoso deixava contemplar n'aquelle longiquo dominio.</p>
+
+<p>Mas um dominio, uma prosperidade que se baseava no exclusivo da
+navegação e no monopolio commercial, não podia ser perduravel. Havia uma
+desproporção mui grande entre os recursos da metropole e a immensidade
+d'aquelle desenvolvimento de possessões longiquas. Não é mister ir
+buscar a causa da declinação d'esse poderio portuguez, á corrupção de
+costumes que como diz J. de Barros «tinham alterado a modestia e
+parcimonia antigas»; antes attribuil-o como o P.<sup>e</sup> Antonio Vieira «ás
+injustiças e culpas de que Portugal foi réo»; nem mesmo se póde dar por
+causa de tal descobrimento a carencia d'aquelle valor que illustrára
+tanto o nome portuguez. Ainda quando este fosse de egual tempera ao dos
+Albuquerques, Almeidas, Castros, Athaydes e Mascaranhas, elle por si só
+não bastaria para manter pelo futuro um predominio, fundado em
+principios de direito que então se toleravam, mas que o progresso da
+humanidade havia de banir, mais cedo ou mais tarde, por <span class="pagenum">[12]</span> isso que
+significava a negação do grande principio da liberdade dos mares.</p>
+
+<p>Um seculo não era decorrido desde que o Oriente vira monopolisado o seu
+commercio e dominados os seus mares, quando a monarchia de Portugal,
+perdido em Alcacer Quibir o fructo de suas anteriores victorias, passava
+ao regimen do rei castelhano.</p>
+
+<p>Esta phase politica, por si só não alterava as condições anteriores do
+paiz com relação aos seus distantes dominios. Deixava alli ainda de pé o
+simulacro d'aquelle grande poderio, pelo prestigio que o nome portuguez
+havia adquirido indisputadamente. Mas desde que Filippe de Castella nas
+suas luctas com os hollandezes prohibiu a estes o virem como d'antes ao
+porto de Lisboa, emporio do commercio do Oriente, era obvio o recurso
+que restava áquella nação de marinheiros e commerciantes ousados.
+Trataram de ir elles áquelles mares orientaes, fazer por sua conta um
+commercio do qual até então só indirectamente tiravam vantagem.</p>
+
+<p>Ao findar do seculo XVI, Hautman e Van Neck dirigem as primeiras
+expedições hollandezas, em menoscabo das prohibições de navegar nos
+mares do Oriente. Era para elles uma necessidade o irem procurar á
+origem, o que lhes era vedado no interposto que Lisboa d'antes lhes
+offerecia.</p>
+
+<p>Não iam ao Oriente renovar aquellas denodadas e cavalheirosas proezas
+que tinham assignalado as conquistas realisadas pelos portuguezes entre
+remotas gentes. O seu fito todo mercantil, era apoderar-se de um
+commercio já existente, procurando estabelecer-se em pontos que
+facilmente servissem de nucleo para dirigir aquella missão menos
+gloriosa, talvez mais lenta, mas mais segura, explorando em seu favor o
+animo das populações, e especulando com aquelles meios que facilmente
+occorrem a um novo dominador, quando se apresenta a povos já fatigados
+de um jugo mais antigo.</p>
+
+<p>A guerra que a Hollanda declarára contra Castella e Filippe, veio em
+seus effeitos affectar politicamente Portugal, como dependencia que era
+então d'aquelle monarcha; assim como o affectou economicamente, desde
+que por ella foi iniciado o desmoronamento d'aquelle edificio grandioso
+na apparencia, mas precario na essencia, e que por isso <span class="pagenum">[13]</span> á falta de
+bases solidas cahiu com a mesma facilidade com que fora erguido.</p>
+
+<p>O valor portuguez, com quanto não esmorecido, não bastava para acudir a
+tão vasto dominio e aos calculados manejos dos seus aggressores europeus
+e asiaticos. Os navios da carreira da India que escapavam do naufragio
+eram victimas da pilhagem; a decadencia de recursos d'ahi resultante,
+dava áquelles novos pretendentes o ensejo de se irem apoderando da maior
+parte das possessões que á custa de tanto valor, cabedal e vidas, os
+portuguezes tinham conquistado. Era este o estado de cousas, que ao
+despontar do seculo XVII este herdava do seu predecessor.</p>
+
+<p>A Inglaterra ainda não tinha elementos que a fizessem aspirar ao grande
+poderio naval, quando Filippe II contra ella expediu a grande armada,
+mal cognominada «Invencivel». Mas a destruição d'esta imponente força
+naval e militar, enfraquecendo tambem Portugal que para ella contribuira
+com os valiosos restos da sua marinha, deu margem a que as primeiras
+expedições inglezas, no anno de 1601 sob o mando de Lencaster, partissem
+para os mares da India, conseguindo fundar em Surate e em Madrasta
+feitorias britannicas, que foram o germen d'esse grande dominio no
+Indostão, para cujo desenvolvimento tanto concorreu depois a amigavel
+cessão de Bombaim que passado meio seculo se estatuira no tratado entre
+Portugal e a Grã-Bretanha, tratado que nos valeu a sua alliança e
+auxilio na recuperação da independencia nacional.</p>
+
+<p>Algumas phases notaveis apresentam as complicadas lutas d'aquella epoca,
+pelas quaes se explicam as evoluções operadas nos dominios europeus no
+Oriente.</p>
+
+<p>A revolução de 1640, pela qual Portugal proclamou a sua emancipação da
+Hespanha, deu logar á guerra com esta potencia, que já a tinha tambem
+empenhada com a Hollanda. Perante o adversario commum concluiram
+Portugal e Hollanda no anno seguinte uma convenção, estipulando uma
+acção combinada na Europa, pelo auxilio reciproco de 20 navios de
+guerra.</p>
+
+<p>Mas os hollandezes, interessados n'essa acção na Europa, proseguiam no
+Oriente e na America a conquistar as possessões portuguezas, e assim se
+apossaram do Cabo da Boa Esperança e Ceilão, e de parte do Brasil.</p> <span class="pagenum">[14]</span>
+
+<p>Pelo tratado de Munster de 1648 entre Hollanda e Hespanha, esta
+reconheceu a independencia d'aquella, cedendo-lhe não só as conquistas
+já feitas nas possessões portuguezas, ao tempo que estas eram
+dependentes da monarchia hespanhola, mas dando-lhe além d'isso o direito
+sobre as que de novo fossem adquirindo na India e Brasil.</p>
+
+<p>Por outra parte, a paz celebrada entre a França e Hespanha em 1659 pelo
+tratado dos Pyrineos, deixou est'ultima potencia livre e desembaraçada
+de inimigos para activar a guerra contra Portugal. N'este tratado o rei
+de França obrigava-se a não dar ao reino de Portugal auxilio ou soccorro
+de especie alguma, publico ou secreto, directa ou indirectamente em
+homens, armas, navios, viveres ou dinheiro.</p>
+
+<p>Abandonado Portugal aos seus unicos exforços, succumbiria perante o
+poder d'Hespanha. Foi então que se negociou o tratado d'alliança e
+casamento com a Inglaterra em 1661, cedendo-lhe Bombaim e Tanger, e
+recebendo auxilio de tropas e navios.</p>
+
+<p>N'esse mesmo anno negociava Portugal a paz com a Hollanda, estatuindo
+que as possessões de parte a parte ficassem ao actual possuidor na epoca
+da publicação do tratado.</p>
+
+<p>Os hollandezes demoraram tal publicação, para no intervallo effectuarem
+novas conquistas, e ainda nos dois annos seguintes se apoderaram de
+Canganor, Cananor e Cochim. D'este procedimento resultou que só em 1669
+se concluiu a paz definitiva entre Portugal e Hollanda confirmando a
+ésta a posse de todas as conquistas, menos Cochim e Cananor, quando
+Portugal désse tres milhões de florins. Foi d'este modo que as
+possessões que Portugal adquirira por obra do seu valor, foram tomadas
+pelos hollandezes que mais pelo diante as haviam de perder a favor de
+outra potencia.</p>
+
+<p>Effectivamente, os ciumes e rivalidades entre as nações maritimas que de
+novo disputavam a primazia commercial, deu causa ao systema de reciproca
+exclusão. Assim foi que o acto de navegação de Cromwell, estatuindo
+restricções em favor da navegação ingleza, originou a guerra que a
+Inglaterra moveu á Hollanda. Foi no decurso d'esta, que a Inglaterra
+tomou aos hollandezes, as possessões que haviam sido portuguezas. Foi
+pois esta nova posse realisada em resultado da conquista pelo direito de
+guerra, <span class="pagenum">[15]</span> não pelo roubo, como vulgarmente se insinúa, com mais
+espirito de sanha do que de verdade.</p>
+
+<p>Retrocedendo porém ás phases da guerra que os hollandezes sustentaram
+com tanto empenho para se apossar do que fora obra portugueza, é digno
+de ser notado, que a lucta foi travada não só materialmente pelas armas,
+mas tambem moralmente pelo meio da argumentação e controversias dos
+publicistas. A questão entre liberdade ou restricção, entre força ou
+direito, deixou de ter por unicos arbitros a violencia e as armas. Era
+submettida pela primeira vez a outra prova, em que a logica e a razão
+universal era chamada a exercer o seu ascendente salutar, constrangendo
+a prepotencia a ser julgada e processada na arena da discussão. Tal foi
+o effeito da obra publicada em 1609 pelo celebre philosopho e publicista
+hollandez H. Grocio, e que tendo por titulo <i>Mare Liberum</i>, compilou
+todos os argumentos com que a logica d'aquelle genio superior, soube
+demonstrar a injustiça, a inconveniencia, a lesão de direito universal
+d'aquella pretenção dos portuguezes ao dominio do mar, cuja liberdade o
+autor proclama, não só para os seus conterraneos mas para todos os
+povos, quando depois de appellar para os recursos da placida e austera
+discussão do assumpto, exaltava a justiça da guerra, que tinha tal
+liberdade por objectivo, e concluia com emphase egual á convicção&mdash;<i>Si
+ita necesse est, perge geris mare invictissima, nec tantum tuam sed
+humani-generis libertatem, audaciter propugna.</i></p> <span class="pagenum">[16]</span>
+
+
+
+
+<h1>III</h1>
+
+
+<p>A irresistivel tendencia que tinha levado todas as attenções e
+actividades por aquella inebriante senda do Oriente, deu causa como se
+disse, a deixar a Africa esquecida e abandonada. Mais do que isso. A
+Africa não só ficou desprezada como objecto que se ladeia e para o qual
+nem se lança a vista, mas até passou a ser como que exhaurida em auxilio
+e proveito de novas especulações, que eram o resultado de outro
+acontecimento notavel entre aquelles com que a edade media fechava a sua
+época.</p>
+
+<p>Colombo, o ousado genovez ao serviço de Castella, e que na escola de
+Sagres podéra aperfeiçoar-se na sciencia da nautica e da cosmographia,
+em sua mais feliz do que talvez directa insistencia de ir ao Oriente
+pelo Oeste, engolfando-se n'este rumo havia encontrado, não o Cathay de
+Marco Polo, mas as ilhas que, n'essa supposição, denominou Indias
+Occidentaes. Era a America, com a qual poucos annos mais tarde Cabral
+tambem topára em latitude mais meridional, quando se afastára para o
+Oeste em busca da melhor monção, para demandar o já devassado Cabo da
+Boa Esperança.</p>
+
+<p>Parece que o destino patenteava aquelle ignoto hemispherio para dar nova
+expansão á humanidade; mas contrabalançava uma tal vantagem,
+associando-a a outras consequencias que importariam a desgraça da
+Africa, desviando d'ella as attenções e cuidados, em homenagem ás <span class="pagenum">[17]</span>
+exigencias d'aquelle novo Mundo que Colombo dava á Hespanha.</p>
+
+<p>Se Portugal tinha no Oriente um campo vasto para façanhas, conquistas e
+explorações, era por sua vez a Hespanha a nação á qual se offerecia
+identica área, para no Ocidente d'além mar alargar seus vôos no caminho
+de aventurosas emprezas. Uma differença porém sobresahia na missão e na
+tarefa que a estas duas nações cabiam. Emquanto que no Oriente os
+portugueses acharam regiões habitadas por povos cujo commercio já era
+tradiccional e florescente, e para se asenhorear do qual lhes bastou
+dominar as costas, e apossar-se dos mais ricos mercados impedindo a
+estes outras sahidas, os hespanhoes á sua parte iam encontrar na
+America, ilhas só habitadas por selvagens nus, ignorantes das artes, sem
+historia e sem commercio conhecido ou explorado; e passando ao
+continente, n'essas immensas florestas virgens, onde a natureza
+ostentava sua magnificencia n'uma vegetação luxuosa opulenta e variada,
+só mais tarde é que as minas de ouro e prata do Potosi e de Zacatecas
+poderam offerecer uma fonte de riqueza para attrair a attenção da
+metropole, pois as extorsões nos desgraçados indios, e a pilhagem dos
+templos de Cusco e do Mexico, serviam mais para locupletarem os
+invasores, do que de proveito ao governo do paiz em cujo nome se
+apresentavam.</p>
+
+<p>Mas uma raça inerte, fraca e enervada, não podia fornecer a estes novos
+occupantes os meios de explorar vantajosamente as riquezas a extrair do
+seio da terra.</p>
+
+<p>As violencias que soffreram os indigenas, as crueldades n'elles
+exercidas dizimavam a população trabalhadora.</p>
+
+<p>Para sanar este mal recorreu-se a outro meio apparentemente mais
+plausivel, mas não menos deshumano, e tão depravado, qual foi a
+importação dos negros d'Africa, trafico este para o qual, a torpe
+especulação mercantil queria achar pretextos que o justificassem, mas
+onde o engodo do ganho fazia calar a voz da consciencia dos
+especuladores d'este mercadejo de corpos opprimidos pelo trabalho e
+soffrimento, e de almas embrutecidas pela servidão; mercadejo infame no
+qual ao ganho realisado pelo trabalho do negro, se accrescia o ganho
+realisado sobre o <span class="pagenum">[18]</span> proprio negro como cousa ou artigo de mercancia,
+e objecto de regulamento.</p>
+
+<p>Tal foi a origem do trafico de escravos, que desfalcando a Africa de
+seus braços em vez de os convergir em seu proveito, afastou d'alli a
+attenção da Europa, para tudo quanto não fosse sacrifical-a ás
+especulações egoistas e inhumanas de que a America era causa e
+objectivo.</p>
+
+<p>Esta origem ignobil de fortunas adquiridas á custa de miserias e
+aviltamento da especie humana, ainda tomou outra feição não menos
+abominavel, desde que com ella se especulou, reduzindo-a a um monopolio
+official adjudicado a contratadores, que tambem punham a preço a
+distribuição d'esta mercadoria de carne humana com que a Africa
+contribuia como adubo, do qual se fazia depender a prosperidade das
+colonias do novo Mundo.</p>
+
+<p>Já na primeira decada do seculo XVI, o tribunal de commercio de Sevilha
+prefixava em 4:000 o numero de escravos annualmente reclamados para as
+Antilhas. O monopolio do trafico foi primeiramente concedido por Carlos
+V aos flamengos, assim como mais tarde o foi por Filippe II aos
+genovezes, como retribuição de serviços, sendo sempre com o caracter de
+fonte de receita que taes adjudicações se concediam a prazos, por
+contratos denominados <i>assientos de negros</i>.</p>
+
+<p>N'estes contratos ou <i>assientos</i> se regulava o numero de escravos a
+transportar, designando-o por cabeças, por peças de India e até por
+toneladas, como se consigna no <i>assiento</i> com a companhia portugueza de
+Guiné, de 1696 a 1701, obrigando-se ésta a fornecer 10:000 toneladas de
+negros! É notavel que á proporção que augmentavam os lucros d'este
+trafico, os contratos tomavam a fórma mais solemne de tratados entre
+potencias. O tratado de 1701, concedendo o monopolio do trafico á
+companhia franceza de Guiné, estipulava que as corôas de França e
+Hespanha ficavam interessadas, cada uma, na quarta parte dos lucros. E
+depois o tratado celebrado entre Hespanha e a Grã-Bretanha em 1713,
+estabeleceu em favor d'esta a adjudicação do monopolio d'este trafico
+com as colonias hespanholas da America, para durante o praso de 30 annos
+n'ellas importar 144:000 negros peças de India de ambos os sexos, sendo
+4:800 em cada anno, e podendo os assentistas <span class="pagenum">[19]</span> empregar n'essa
+conducção os navios propriedade de Sua Magestade Britannica.</p>
+
+<p>É certo, todavia, que muitas vezes a grandeza do mal marca a hora da
+reacção tendente a cohibil-o. Assim, as importantes lutas internacionaes
+do fim do ultimo seculo e começo do actual, em que se debatiam grandes
+questões de supremacia maritima e commercial, influiram para que
+variasse a politica até então seguida por varias nações com relação ás
+colonias.</p>
+
+<p>Erguiam-se vozes auctorisadas nas regiões da diplomacia, lançando
+stygmas sobre o trafico de negros. As tentativas generosas de Clarckson
+e de Wilbeforce, que ainda no começo do seculo eram no parlamento
+britannico apenas secundadas pelo echo de suas vozes, pouco tardou que
+não fossem coroadas de exito durante o ministerio de coalisão de Fox e
+Granville, em que a politica ingleza se declarou e se fixou
+decididamente pela repressão da escravatura. Proclamados estes
+principios no congresso de Vienna, e acceite a doutrina pelas nações
+cultas, em breve passou a ser sanccionada internacionalmente pelo
+direito convencional dos tratados.</p>
+
+<p>Justiça deve ser feita a Portugal, que apezar da immerecida reputação de
+ter sido um dos fautores d'aquelle trafico reprovado, foi todavia o que
+menos tardou em acceitar todas as medidas e pactos que á restricção do
+mesmo se propunham. Era com razão que o ministerio Passos-Sá da
+Bandeira, publicando o decreto de 10 de dezembro de 1836, que prohibia a
+escravatura nas possessões portuguezas da Africa, consignava no
+relatorio que o precedia, que «o infame trafico de escravos é certamente
+uma nodoa indelevel na historia das nações modernas; mas não fomos nós
+os principaes, nem os unicos, nem os peiores réos. Cumplices que depois
+nos arguiram, tambem peccáram mais, e mais feiamente.»</p>
+
+<p>Nos periodos de transição é frequente darem-se attritos e levantarem-se
+dificuldades em superar os effeitos de inveteradas praticas, e mais
+ainda quando uma nova ordem de coisas vem affectar interesses
+systematisados. Não é de admirar portanto, que não sómente nos
+especuladores, mas até d'entre funccionarios locaes, partissem exemplos
+que dessem logar a suspeitas, de ser o engodo do lucro um movel <span class="pagenum">[20]</span>
+superior ao sentimento do dever. D'ahi surgiram desconfianças e
+azedumes, que deram logar áquellas pressões menos razoaveis e insolitas,
+com que a politica de lord Palmerston se tornou exigente e insoffrida
+para com Portugal até ao ponto de ter tanto de oppressiva como pouco de
+generosa e justa; politica excepcional, que mais devia servir de labéo á
+prepotencia do homem de estado, do que ao caracter de uma grande nação.</p>
+
+<p>Foi essa effectivamente uma politica individual, caracteristicamente
+prepotente, e da qual tambem outras nações sentiram a acção; e tanto
+assim que Portugal teve no parlamento britannico vozes em seu favor,
+entre as quaes, a do illustre guerreiro da peninsula, o duque de
+Wellington.</p>
+
+<p>Mas nas condições actuaes tudo é diverso. Então era a apresentação de um
+bill, lesivo da dignidade de uma nação, e que a feria no seu direito de
+independencia. Agora é a negociação de um tratado, em condições de
+reciprocidade e mutuas franquias, o que em principio é mais do que o
+reconhecimento; é a garantia e confirmação da sua independencia e
+direito de egualdade.</p>
+
+<p>Então sim que toda a repulsa era nobre e digna; agora toda a reluctancia
+e desdem, são injustificados.</p>
+
+<p>Os resentimentos e aggravos que n'aquelle periodo anormal se seguiram,
+foram pouco depois habilmente sanados pela celebração do tratado de 1842
+entre Portugal e a Gram-Bretanha, tratado que desde logo em direito,
+embora só mais tarde de facto, veiu tornar uma realidade o decrescimento
+e quasi total extincção do trafico de escravos nas possessões
+portuguezas da Africa. O trafico deixou de existir como regra
+estabelecida e tolerada, limitando-se a dar amostra de si apenas como
+excepção furtiva e condemnavel.</p>
+
+<p>Mas, o ultimo passo para se chegar á sua completa extincção, está nas
+leis mais modernas, que abolindo a condição de escravo e o estado
+servil, consignáram o que o direito natural prescreve, isto é, a
+liberdade do homem, sem attender a côr, condição ou logar. Foi este
+decerto o golpe final n'aquella aberração social e depravada pratica, a
+escravatura, que foi um dos grandes obstaculos á civilisação da Africa.</p>
+<span class="pagenum">[21]</span>
+
+
+
+
+<h1>IV</h1>
+
+
+<p>Quatro seculos encerram um periodo, cujo começo se assignala pelo
+descobrimento da America e determinação da orla maritima até aos limites
+austraes da Africa, mas cujo termo nos deixa vêr em nossos dias as
+vastas regiões centraes d'esta velha parte do Mundo, em condições que
+pouco se avantajam áquella, em que as deixaram os primeiros que lhes
+demarcaram os contornos, emquanto que na America vemos um novo
+continente explorado e colonisado em todo o littoral e interior da sua
+vasta extensão nos dois hemispherios.</p>
+
+<p>As transições pelas quaes passou esta grande parte do Mundo, segundo a
+tendencia e indole das nacionalidades que a si vincularam sua exploração
+e posse, por longo tempo a amoldaram ás feições que taes elementos e
+systema da colonisação lhe imprimiram.</p>
+
+<p>Mas as grandes luctas de predominio e de interesses em que a Europa
+andou empenhada desde o ultimo quartel do seculo passado e durante o
+primeiro do actual, dando logar a vicissitudes e modificações na
+politica e na economia de varias potencias, foram causas, que prepararam
+a emancipação de todos aquelles dominios.</p>
+
+<p>As frotas annuaes dos galeões de Cadix e das Philippinas, que combinavam
+suas derrotas pelas Antilhas até Porto Bello, ou de Manilha até
+Acapulco, para monopolisar o commercio d'aquellas regiões e o transporte
+das riquezas <span class="pagenum">[22]</span> do Novo Mundo, deixaram de ter a sua epoca. O trafico
+do Brazil restringido todo a convergir em Lisboa, cedeu o logar á
+concorrencia, pela abertura dos portos ás nações consumidoras de seus
+productos de tão geral procura e consumo.</p>
+
+<p>Na America septentrional, a formação de um grande estado maritimo e
+commercial, actuou nas relações internacionaes, desde que deu força aos
+principios favoraveis á bandeira cobrir mercadoria, e a garantir os
+direitos dos neutros.</p>
+
+<p>A independencia politica successivamente proclamada e firmada de norte a
+sul das Americas, constituindo novos e robustos estados com todos os
+elementos de uma civilisação adiantada, e com todas as vantagens de um
+solo fertilissimo em productos de ampla procura, teve em resultado
+acabar com todas as restricções e exclusões, para dar logar a um
+commercio extensissimo, sempre crescendo em importancia e actividade,
+com prodigioso desenvolvimento da navegação, e contribuindo não só para
+o augmento das relações com as antigas metropoles, mas tambem com os
+grandes mercados e centros de consumo, tornando cada vez mais firmes e
+garantidos, pela solidariedade de interesses resultantes, os principios
+de direito maritimo internacional, e de economia social, em vantagem de
+todos os povos.</p>
+
+<p>O quadro que fica exposto, como resultado da abolição do systema
+restrictivo, abrange em seus traços o que se observa percorrendo todos
+os mares e regiões da Asia e Oceania até aos confins do Globo.</p>
+
+<p>Nas costas e portos das Indias, da peninsula Malaia, dos imperios
+Birman, China e do Japão, e até da Australia e Nova Zelandia, e ainda em
+volta até ao Pacifico, se encontram não só emporios commerciaes mas
+tambem pontos de escala de uma navegação prodigiosa, entretida por
+numerosos e explendidos navios, onde a architectura naval, a sciencia do
+engenheiro, e a industria do ferro, nos deixam ver maravilhas da arte,
+em typos de magnificencia, solidez e segurança, estabelecendo pela livre
+concorrencia e pela rivalidade no serviço, aquella activa, permanente e
+admiravel rêde de communicações, que o telegrapho auxilia, e que o
+caminho de ferro ramifica pelos continentes.</p> <span class="pagenum">[23]</span>
+
+<p>Vae-se hoje aos antipodas, e quasi se faz o circumgiro do globo, com a
+mesma rapidez, e com maior segurança e conforto, do que ha apenas meio
+seculo se ia de um ponto a outro da Europa.</p>
+
+<p>A propria Australia e a Nova Zelandia que ha apenas um seculo eram,
+aquella povoada de tribus antropofagas, e ésta ainda desconhecida,
+partilham hoje dos mesmos resultados, deixando ver, como em paragens
+onde ha pouco só havia a floresta virgem, ou banquetes canibalescos do
+Gunya ou do Maori selvagem, ao presente se ostentam cidades florescentes
+onde a colonisação, a indole e o genio da raça anglo-saxonia, implantou
+todos os progressos que a civilisação opéra, e onde todos os
+estabelecimentos e recursos que o commercio reclama e a industria anima,
+rivalisam com os que se encontram nas mais opulentas cidades europeas.</p>
+
+<p>Isto que ha um seculo pareceria um sonho phantastico, e ha meio seculo
+uma utopia de visionarios, é hoje uma realidade. Por visionario e
+utopista seria tido, quem exaltando o alcance d'este grande resultado de
+um systema menos egoista do que o então seguido, ousasse condemnar a
+frota dos galeões, os monopolios de trafico, o trabalho servil, os
+exclusivos de bandeira, a vedação de portos, e as theorias do <i>mare
+clausum</i>.</p>
+
+<p>Infelizmente nem as theorias nem os exemplos poderam ainda conseguir,
+que deixasse de haver uma excepção bem frisante n'aquelle quadro geral e
+progressivo do movimento commercial do Mundo.</p>
+
+<p>Mais infelizmente ainda é ter de reconhecer, que uma tal excepção, que
+bem destôa da regra, é a que se encontra na Africa, alli onde o dominio
+portuguez mantém com uma teimosia ferrenha aquelle systema de
+restricção, de ciumes e de formalidades prohibitivas, cujas ruinosas
+consequencias não podem achar desculpa que lhes attenue a causa.</p>
+
+<p>A questão importante e que hoje interessa a tantas nações e governos,
+qual é o empenho na exploração da Africa para aproveitar os seus
+recursos ao commercio e industria, e abrir alli novos mercados e centros
+de consumo, não têem referencia ás regiões septentrionaes d'aquella
+parte do Mundo, cujos estados desde Marrocos e Argel até ás <span class="pagenum">[24]</span>
+dependencias suzeranas da Porta, se por um lado estão em communicação
+com o Mediterraneo, por outro encontram o grande deserto impondo uma
+barreira impeditiva ao caminho para as regiões centraes.</p>
+
+<p>A attenção fixa-se pois sobre a orla das costas occidental e oriental
+africanas, que circundam o grande continente, e atravez das quaes, pelo
+aproveitamento de seus accessiveis portos e extensos rios, é que pode
+estabelecer-se a communicação que de ingresso ás regiões, cujo accesso o
+commercio disputa, e a civilisação reclama.</p> <span class="pagenum">[25]</span>
+
+
+
+
+<h1>V</h1>
+
+
+<p>É fóra de duvida, que dos occupantes do littoral do Oeste e Leste da
+Africa é que está dependente o franquear o transito que deve conduzir á
+realisação de um grande fim, que a humanidade reclama e que a justiça
+sancciona.</p>
+
+<p>Observando qual seja ainda hoje a feição predominante na administração
+d'estes dominios, embora elles tenham já conhecido melhoria de riqueza
+publica desde a abolição do trafico d'escravatura, ali encontraremos
+ainda a ausencia d'aquelles elementos que mais eficazmente contribuiriam
+para a grande obra da civilisação da Africa. Assim, procurando qual seja
+a acção da catechese pelas missões, veremos que é nulla, desde que se
+descura e se repelle esse meio tão efficaz para tirar o preto boçal da
+sua brutal condição, e tão facil de crear amigos, de estabelecer
+influencia e alargar o dominio. Em fins de 1876 consignava o governador
+geral de Angola na sua allocução á junta geral da provincia, o seguinte:
+«Que ali estava uma enorme provincia immersa em um profundo
+obscurantismo, sem ainda sonhar com o dia em que a libertaria das
+cadeias da mais estricta animalidade.»</p>
+
+<p>Em todo o sertão de Angola e Moçambique, nada ha que se assemelhe na
+fórma nem nos effeitos, ao que se observa de proficuidade na missão
+franceza do Gabão, bem como n'essas outras que proseguem auxiliadas
+pelos proprios governos heterodoxos, na sua obra civilisadora em <span class="pagenum">[26]</span>
+differentes estancias do interior da Africa. Obra humanitaria e
+civilisadora, cujo empenho é dar ao indigena uma religião, um inicio de
+perfeição no estado social, e o amor do trabalho, constituindo os laços
+da familia. Nada d'isto se encontra nos dominios portuguezes. Ha o culto
+do fetichismo, e do milongo, entre os pretos. Ha indifferentismo na
+população de origem europea. Perpetua-se a tal animalidade que o
+governador d'Angola notou. E como não ha de assim acontecer se o
+missionario não for ligado ao preceito da obediencia, e movido por
+aspirações mais ricas de desprendimento, por estimulos que se bazeam na
+abnegação, e na coragem até ao proprio sacrificio. Tudo que isto não
+seja, o missionario isolado, e sem regra de consciencia a que obedeça, e
+só ligado por qualquer interesse mundano, será sempre como o soldado,
+que se pretendesse tornar elemento de força militar, mas sem chefe e sem
+disciplina, livre em seus actos, e livre para deixar o serviço quando
+lhe aprouvesse. Não se faz guerra sem tropa de linha; não ha missões
+proprias sem a milicia religiosa. Segreda-se que é indispensavel, mas em
+publico nega-se. A verdade é esta. Não ha, como n'outros paizes, os
+elementos para uma efficaz e proficua missão ultramarina. Substitue-se
+essa falta, enviando todos os mezes uma leva de missionarios de
+differente cunho, que partem de outra especie de convento onde se
+professam outras regras, qual é o presidio do Limoeiro, para irem com o
+seu exemplo e sua doutrina civilisar os pretos!</p>
+
+<p>A colonisação europea na Africa portugueza, alimenta-se principalmente
+com os facinoras, cujos crimes na metropole, por horrorosos que sejam,
+só tem por punição, não o que serviria de terror salutar para cohibir
+outros crimes, mas sem transportar o criminoso, ás vezes a seu contento,
+de um para outro territorio! Na epoca dos descobrimentos abandonavam-se
+alguns condemnados nas plagas inhospitas da Nigricia, como por
+commutação de pena, a fim de que por meio d'esses entes assim degradados
+da sociedade que haviam ultrajado, se obter eventualmente informações
+dos povos indigenas. Era então um correctivo, e ao mesmo tempo um
+aproveitamento. Hoje perpetua-se o systema; o que era excepção motivada,
+conserva-se como regra, mas em condições mui diversas quanto ás causas e
+<span class="pagenum">[27]</span> quanto aos effeitos. Pretende-se estabelecer a pena appellando para
+a morte lenta por effeito de um clima deleterio! Nem a moral, nem a
+justiça, nem a conveniencia pódem sanccionar tal versão. Mas não é tudo.</p>
+
+<p>A força publica que deveria ser o elemento de prestigio da auctoridade,
+do predominio europeu, da manutenção da ordem, do respeito ás leis, e da
+segurança publica, é composta d'aquelles mesmos criminosos, que os
+tribunaes condemnam e que a metropole por castigo envia, para onde
+outros vão sem fazer por merecel-o; n'uma palavra, a força publica é
+composta d'aquelles elementos, para cuja repressão ella tem razão de
+ser. Singular anomalia ésta, que por outra parte se pretende corrigir
+com a monstruosidade de uma disciplina, que consiste em despedaçar
+creaturas humanas, com milhares de golpes de chibata, dando-lhes a morte
+sem processo, sem lenitivo espiritual, e entre torturas tão horrorosas,
+que o consideral-as deixa a perder de vista as scenas de horrores que se
+narram de povos mais barbaros.</p>
+
+<p>Quanto ao commercio e communicações, mantem-se a restricção como
+systema, a ficticia protecção em logar da livre concorrencia.
+Classifica-se como cabotagem o commercio maritimo para longiquos
+dominios, n'um percurso nautico de milhares de legoas, dando em
+resultado afastar aquella concorrencia com que lucraria o trafico, e
+reduzir quasi á nullidade a navegação nacional, a não ser a que é
+entretida pelas escassas linhas favorecidas. Estas são taes, que quando,
+n'uma só carreira mensal entre Angola e Lisboa, se completa uma viagem
+que não exceda de 30 dias, aponta-se esta como notavelmente rapida,
+quando aliás a quasi dupla distancia entre o canal Britannico e o cabo
+da Boa Esperança, é <i>semanalmente</i> percorrida, sem que as viagens
+excedam a vinte dias, e sem prohibição ou obstaculo para quem egualmente
+as queira percorrer. Obrigam-se a escala forçada por Lisboa, os
+productos da Africa vindo sob bandeira privilegiada; e impede-se o
+trafico sob qualquer outra bandeira, embora a frete mais barato, e
+portanto mais vantajoso para o commercio.</p>
+
+<p>Annunciam-se linhas de navegação que de outros paizes demandam os portos
+d'Africa, tocando em Lisboa; mas a legislação é tal, que obriga a que
+conjunctamente tambem <span class="pagenum">[28]</span> se annuncie: é <i>prohibido levar carga para os
+portos portuguezes</i>. Isto que deveria ser incrivel, é todavia a
+realidade!</p>
+
+<p>A navegação dos rios por vezes sujeita a contractos de exclusivo,
+impedindo a concorrencia, tem limitado a exploração ao capricho ou
+interesse dos concessionarios.</p>
+
+<p>É este o conjuncto de formulas, que representam o estado social e
+economico dos dominios portuguezes nas costas de Africa, embora n'estas
+se achem os melhores portos, e n'ellas desaguem os mais extensos e
+navegaveis rios, que a Providencia destinou como para serem os meios de
+communicação desde o Oceano até ás regiões centraes.</p>
+
+<p>Medeiam entre estes dominios, as possessões inglesas do Cabo, e as da
+colonia do Natal. O estado de prosperidade d'estas pode ser avaliado,
+notando que no espaço de quarenta annos, a actividade da raça
+anglo-saxonia, e o seu systema de administração, alli formou uma cidade
+como Durban, povoada por milhares de europeus, e notavel em belleza e
+explendor, pela regularidade de suas praças e ruas, onde se encontram
+luxuosas lojas, sumptuosas egrejas, magnificos parques, numerosos
+hoteis, escriptorios e armazens, e onde a par de um movimento activo e
+ruidoso de toda a especie de vehiculos, já se ouve o silvo da
+locomotiva, e se observa o bulicio das estações dos caminhos de ferro.</p>
+
+<p>Que triste é a confrontação com o que se vê no nosso velho Moçambique!
+Mas alli, onde os esforços da arte e o aproveitamento dos recursos
+naturaes, operou taes milagres da civilisação, a natureza por outro lado
+não foi prodiga em conceder portos ou bahias em local adequado para
+servirem de grande avenida para a Africa central. Estes, e em taes
+condições encontram-se na costa mais oriental, na provincia de
+Moçambique, sobresaindo Lourenço Marques como aquelle que por sua
+capacidade e situação mais limitrophe das possessões inglezas, offerece
+a perspectiva de ser destinado para o melhor e mais accessivel emporio
+do commercio com o Transwaal, Orange e outras regiões centraes,
+tornando-se assim o interposto pelo qual se encaminhará o commercio, que
+para a Africa será um dos meios mais conducentes á obra da civilisação,
+e que tão louvavel é de promover e auxiliar, como seria crime de lesa
+humanidade o pretender estorval-o.</p> <span class="pagenum">[29]</span>
+
+<p>Se a confrontação do estado d'aquellas differentes possessões europeas,
+deixa tão desagradavel impressão, por outra parte se compararmos entre
+si os dominios portuguezes das costas occidentaes e orientaes, ahi
+encontraremos identicas condições da existencia intima, variando porém
+n'um ponto aliás importante.</p>
+
+<p>Na costa occidental, o nosso dominio territorial termina com o sertão do
+gentio, e não com estados reconhecidos pelo direito publico como fazendo
+parte de nações constituidas. Alli portanto, a administração, boa ou má,
+e as praticas com os visinhos, são até certo ponto questões domesticas
+ou de direito privado, que só reflectem nos dominios d'este, e não
+affectam os interesses de outras potencias, nem as relações de direito
+externo.</p>
+
+<p>Na costa oriental são diversas as condições, pois se por uma parte temos
+por confinantes os regulos ou chefes de tribus africanas, por outro lado
+temos por visinhos limitrophes os territorios sujeitos á soberania de
+uma potencia europêa, a Inglaterra. É pois ésta uma circumstancia mui
+attendivel, por isso que d'ahi resultam direitos e deveres reciprocos,
+que para serem mantidos e respeitados, é mister que não se falte aos
+dictames das praxes usadas internacionalmente entre estados
+constituidos, e impostas pelo que recommenda a solidariedade das nações
+cultas.</p> <span class="pagenum">[30]</span>
+
+
+
+
+<h1>VI</h1>
+
+
+<p>Desde que a politica, que se póde dizer europea com relação á Africa, se
+empenha pela exploração d'esta como sendo uma perspectiva de abrir novos
+centros de consumo para as industrias, e vasto campo para o commercio, o
+instrumento d'esta louvavel politica encontra-se unicamente nas duas
+nações alli dominantes, mas que fazem parte da communhão europea, e taes
+são Portugal e a Inglaterra. Fóra d'estas, só ha as tribus da negreria,
+e quer sejam Cetewayo, Secocoeni ou Bonga os seus chefes, não podem
+haver compromissos internacionaes que d'elles fiquem dependentes. Haverá
+alli tribus e hordas, mas não ha alli estados reconhecidos. Compete pois
+áquellas duas nações a honrosa e importante obrigação, de serem as mais
+activas e empenhadas no emprehendimento d'esta moderna cruzada, pelo
+mutuo accordo n'esta benemerita missão.</p>
+
+<p>A parte que n'esta devem tomar estas duas nações, ambas independentes, e
+portanto com regalias identicas perante o direito de egualdade, deve ser
+commum e accorde, porque commum é o interesse material e moral que d'ahi
+lhes resulta.</p>
+
+<p>Portugal e Gram-Bretanha são estados amigos e alliados de antiga data na
+Europa; mas ainda que o não fossem bastava-lhes o serem unicos no
+dominio, e visinhos em territorio na Africa Oriental, para moralmente
+serem mui especiaes as suas condições em diplomacia no continente <span class="pagenum">[31]</span>
+africano. Mas além d'esta consideração moral, tambem a sua posição de
+confinantes, faz com que nada possa obstar a que sejam visinhos
+limitrophes; e desde que assim é, nada póde tornar recommendavel, que em
+vez de n'essa qualidade irem sempre em harmonia e desprendidos de
+egoismos e rivalidades, tornassem n'um systema de desconfiança, o que só
+deve ser cooperação leal, no accordo mutuo de serem os representantes da
+civilisação europea perante a barbaria.</p>
+
+<p>Para o conseguimento pois da grande empreza que d'estas nações depende,
+não basta que de sua iniciativa partam expedições de viajantes que vão
+explorar as regiões ainda não conhecidas. Feitos são estes que revelam
+coragem individual, e que tambem significam colheita para a sciencia
+geographica, geologica ou anthropologica; mas a par d'isto tambem dão a
+conhecer que o mal existe e carece de remedio, mas não constituem por si
+o remedio para o mal que denunciam.</p>
+
+<p>É preciso mais. É preciso abrir as avenidas por onde as communicações se
+estabeleçam e o commercio se encaminhe. Estas avenidas, estes focos de
+proficua actividade, é mister serem franqueados, sem restricções e sem
+exclusivismo. Somos senhores territoriaes de mais de 300 leguas de
+costa, onde dominamos; mas por isso que somos os donos, não devemos ser
+os monopolisadores. Já passou a epoca do <i>mare clausum</i>. A missão agora
+a cumprir nem é exclusiva de Portugal ou da Inglaterra; é da acção
+combinada e accorde d'estas duas nações como unicos e solidarios
+representantes alli, da civilisação e do direito publico europeu, e como
+sendo as nações que mais directamente n'isso interessam, conciliando a
+vantagem propria com a reciproca, e com as exigencias das nações cultas.
+A hesitação em compartilhar d'esta empreza e de tomar ésta feição no
+campo da diplomacia com relação á Africa, seria da parte de Portugal
+procedimento analogo a recusar-se na Europa em adherir a um Congresso de
+potencias, negando-se a ser solidario com as suas decisões. O congresso
+no caso actual, cifra-se ao accordo e ás decisões de Portugal e
+Inglaterra. Não annuir a uma tal versão seria para Portugal, o mesmo que
+desprezar uma phase que lhe daria importancia no conceito das outras
+nações; <span class="pagenum">[32]</span> significaria não querer saír do marásmo, a troco de
+escrupulos infundados sobre a sorte dos padrões de suas glorias,
+considerando os restos de suas antigas conquistas como quadros de
+familia nos quaes não se póde bulir. Mas visto termos padrões de glorias
+passadas, tanto mais razão para que éstas se não offusquem ou occultem.
+Para isso é necessario amoldal-os ao que o espirito da epoca recommenda,
+e a humanidade exige.</p>
+
+<p>Gloria não é guardar intactos e fechados em carunchosa arca, os quadros
+de familia, em vez de os dispor, sacudidos da traça do passado, em
+vistosa galeria onde se admire o merito dos que os adquiriram, e o bom
+juizo dos que os sabem conservar com aproveitamento.</p>
+
+<p>Gloria é mostrar-se digno herdeiro de preteritos feitos, sabendo
+aprecial-os pelo presente, e tornal-os fecundos para o futuro. Foi
+gloria navegar por mares não d'antes navegados, usando do astrolabio e
+da balestilha, vencer a moura resistencia a golpes de lança e de adaga.
+Não seria hoje gloria deixar o sextante pelo astrolabio, nem o fuzil
+pela partazana, desde que com os novos instrumentos e armas, melhor
+podemos servir a causa do progresso e da humanidade.</p>
+
+<p>Estas considerações são as que resultam apenas da apreciação generica do
+assumpto. O principio é applicavel como these a quaesquer que fossem os
+Estados constituidos, e com soberania reconhecida na Africa.</p>
+
+<p>Passando porém da thése á hypothese, ainda mais valor e cabimento ellas
+tem, desde que se dá n'esse caso a circumstancia de serem applicaveis a
+duas nações, taes como Portugal e a Gram-Bretanha, entre as quaes
+existem outras affinidades e uma reciprocidade de interesses commerciaes
+e politicos, que a par de uma tradicional camaradagem na paz e na
+guerra, torna natural e justificada a manutenção da melhor harmonia,
+lealdade e confiança nos seus mutuos procedimentos.</p>
+
+<p>As simples regras estabelecidas pelo direito das gentes, natural ou
+primitivo, limitam-se a regular os procedimentos entre nações,
+consideradas como entidades moraes collectivas, e só para não faltarem
+entre si, aos principios que a justiça natural ensina, e a razão dicta.
+Não são porém sufficientes quando no trato internacional se pretendem
+ampliar <span class="pagenum">[33]</span> e desenvolver outras relações, além d'aquellas que se
+referem meramente ao respeito e guarda dos mutuos deveres e direitos. É
+mister então recorrer ao direito secundario ou positivo, pelo qual se
+estipulam pactos ou convenções mutuas, cujo fim é ampliar e regular em
+condições de reciprocidade os direitos e deveres communs que d'ahi se
+originam.</p>
+
+<p>Tal é o <i>direito convencional</i>, resultante dos tratados internacionaes,
+o qual constitue uma das phases mais importantes no direito publico de
+todas as nações civilizadas.</p>
+
+<p>Os tratados publicos são pois pactos solemnes, celebrados em nome do
+principio da soberania, e cujo fim é estreitar relações, e crear
+interesses entre differentes Estados, fazendo desapparecer as
+restricções que n'outros tempos eram impedimento ao commercio, á
+navegação, ás communicações, e até ao ingresso nos territorios, e á
+reciproca usufruição de seus productos ou attractivos.</p>
+
+<p>É por elles que se baniu o <i>jus naufragii</i>, o confisco da propriedade
+estrangeira por successão, e outras praticas, restos da edade media, que
+Montesquieu já qualificava de <i>direitos insensatos</i>. Sem o direito
+convencional, as nações da Europa estariam bem longe do estado de
+civilização e d'aquelle progresso material que d'ella são o resultado.</p>
+
+<p>É em harmonia com esta doutrina, de si indisputavel, que na actualidade
+e com relação á Africa oriental e austral, um tratado entre Portugal e
+Inglaterra constitue uma phase de direito convencional, tão
+imperiosamente reclamada, que para o desmentir seria mister ir de
+encontro a todas as theorias que as sciencias sociaes recommendam, que o
+bom senso indica, e que o exemplo aconselha.</p>
+
+<p>Duas nações europeas, dominantes na Africa, representam, ainda que o não
+quizessem, a homogeneidade da civilisação perante a barbarie de póvos
+incultos.</p>
+
+<p>Regular as relações reciprocas d'estas duas nações, e assim promover os
+interesses de um caracter mais generico e nobre, que devem resultar da
+sua acção e accordo commum, é não só uma conveniencia reciproca, mas até
+uma necessidade absoluta e indeclinavel, de grande alcance material e
+moral.</p>
+
+<p>A Inglaterra possue territorios cuja prosperidade lhe impõe a
+necessidade de alargar e facilitar as communicações <span class="pagenum">[34]</span> com as regiões
+centraes da Africa. Faltam-lhe, porém, os portos espaçosos e os rios
+navegaveis como os que Portugal possue nos seus dominios limitrophes,
+n'um extenso littoral, e os mais adequados para um grande
+desenvolvimento de commercio. Deixárem-se ficar nas áctuaes condições,
+seria, para uma e outra nação, perder o que uma e outra poderiam ganhar.
+Equilibrar uma tal desegualdade tornando extensivas e communs a ambas o
+goso e as vantagens resultantes da sua acção combinada, é quanto o
+direito convencional se incumbe de realisar pelas estipulações dos
+tratados internacionaes. Tal é o procedimento que compete a todo o paiz,
+que em taes circumstancias queira proceder ajuizada, patriotica e
+humanitariamente, e de modo a não desmerecer do conceito de nação culta
+e esclarecida.</p>
+
+<p>Na governação dos estados, os procedimentos que regulam as relações
+externas carecem de ser reflectidos, sensatos, e não subordinados a
+opiniões sem criterio, ou a logares communs, que partindo de um desdem
+muitas vezes ignaro, o vulgo acceita e repete como sentença, quando
+aliás não teem outra significação, nem merecem outro conceito que não
+seja o de phrases gratuitas e banaes, que resentimentos partidarios ás
+vezes exploram, para armar a um falso sentimentalismo patriotico.</p>
+
+<p>Pois com que fundamento, com qual criterio se póde allegar em these que
+uma nação pequena, como Portugal, não deve celebrar tratados com uma
+nação mais poderosa, como a <i>orgulhosa</i> Inglaterra?</p>
+
+<p>A Inglaterra é, sem duvida, uma nação poderosa; e não o é somente pelo
+dilatado dominio e pela preponderancia no systema politico do Mundo, mas
+tambem pela seriedade do seu caracter nacional, seu amor á liberdade,
+espirito de tolerancia e respeito ás leis. Talvez que seja orgulhosa,
+mas porque terá razão de o ser. Outros haverá tambem que com menos razão
+o sejam. É orgulho impor-se a si proprio; mas tambem o é, o desdem pelo
+alheio. O orgulho nos poderosos será desvanecimento; nos pequenos é
+jatancia. Ser discreto é tão nobre n'aquelles, como é decoroso n'estes.</p>
+
+<p>O direito convencional não se estabelece tomando a medida da maior ou
+menor força material dos contratantes, <span class="pagenum">[35]</span> pois é preceito de direito
+internacional, que ás nações assiste o direito de <i>independencia</i>, bem
+como o de <i>egualdade</i>, qualquer que seja a extensão de seu territorio,
+forças, recursos ou riquezas. Seria, pois, uma utopia absurda a
+pretensão de que os tratados só devem ser celebrados com nações menos
+poderosas. Seria admittir o perigoso principio, de que só a força suppre
+o direito. Esta é que seria a pessima doutrina para as nações pequenas.</p>
+
+<p>Seria tambem curioso o processo para obter o dynamometro politico que
+désse a medida de taes forças relativas. O certo é que muitos tratados
+celebrou Portugal com nações poderosas, e por isso tambem occupa um
+logar conhecido na communhão d'ellas. Nem é indecoroso para os pequenos
+o merecer a alliança dos mais fortes. Os póvos selvagens é que não
+conhecem tratados, nem são por elles conhecidos.</p>
+
+<p>Com a Inglaterra foram celebrados differentes tratados notaveis, entre
+os quaes o de 1661 com Carlos II, tratado este denominado de alliança e
+casamento, e que foi o que contribuiu para firmar a independencia do
+paiz, á custa de condições onerosas certamente, mas que bem valiam o
+conseguimento d'aquelle fim. Os anteriores tratados, de 1642, com Carlos
+I, e de 1654, com o protectorado de Cromwel, já tinham por objecto,
+aquelle o auxilio a Portugal na luta contra a Hespanha, e este ultimo é
+um dos primeiros tratados em que se consignou a doutrina de que a
+bandeira cobre mercadoria. Os tratados, de Methuen de 1703, e o de 1810,
+que foram considerados como prejudiciaes ás industrias fabris pelos
+sectarios da escola prohibitiva, são differentemente avaliados em seus
+resultados por varios economistas e historiadores. É certo que
+favoreceram notavelmente o commercio dos productos vinicolas, e deve
+notar-se em que circumstancias politicas da Europa elles foram
+concluidos; aquelle, por occasião da guerra da successão de Hespanha, e
+que obrigou Portugal a tomar parte na liga europêa contra as pretensões
+da França sobre a peninsula; o outro, na época em que Napoleão dictava a
+lei ao continente, e tinha pelo decreto de Milão, dois annos antes,
+lançado sobre Portugal uma contribuição de guerra de cem milhões, a
+titulo de resgate da propriedade!</p> <span class="pagenum">[36]</span>
+
+<p>Dos tratados de 1842, um deu o benefico resultado da cohibição da
+escravatura na Africa; o outro elevou o commercio entre os dois paizes a
+um grau de desenvolvimento tal em importação e exportação, que em valor
+quasi equivale ao que todos os outros paizes teem com Portugal. É a
+estatistica que assim o affirma. E apezar das theorias já caducas da
+balança mercantil, o commercio internacional não é outra coisa senão a
+applicação da divisão do trabalho a todo o genero humano.</p> <span class="pagenum">[37]</span>
+
+
+
+
+<h1>VI</h1>
+
+
+<p>Os pontos sobre os quaes póde versar a apreciação de um tratado, são os
+que dizem respeito ás formalidades essenciaes para a sua negociação, e á
+natureza das estipulações n'elle consignadas, isto é, o que é relativo á
+fórma e á essencia.</p>
+
+<p>Um tratado publico, sendo uma relação de estado a estado, tendente a
+ampliar ou modificar direitos primitivos, e a estabelecer novas
+concessões ou obrigações reciprocas, constitue um facto solemne entre
+nações, que, como entidades collectivas são n'este caso e para effectuar
+a conclusão de tal facto, representadas pelos seus magistrados supremos
+como aquelles que tambem são os representantes do principio da
+soberania, qualquer que seja a fórma de governo das nações
+contractantes.</p>
+
+<p>Estas entidades pessoaes, na impossibilidade ou difficuldade de se pôrem
+em contacto, delegam poderes amplos n'aquelles seus funccionarios aos
+quaes se incumbe a negociação, e que por isso se denominam
+plenipotenciarios. São condições de validade para um tratado, segundo
+todos os publicistas, os poderes para o negociar, o consentimento
+reciproco, e a possibilidade da sua execução.</p>
+
+<p>N'estes pontos, as formulas e praxes prescriptas pelo direito
+consuetudinario, foram seguidas, no tratado de 30 de maio de 1879, e por
+tanto o que mais interessa na <span class="pagenum">[38]</span> analyse d'este, é quanto diz respeito
+á sua essencia, no que concerne ás suas disposições e clausulas.</p>
+
+<p>Convém notar que tambem são accordes todos os publicistas, em que os
+tratados publicos só são realisados entre nações independentes e
+constituidas, regidas por um direito publico. É pois d'isto uma
+consequencia, que a conclusão de um tratado como este, é uma implicita
+garantia de independencia, e não um perigo ou lesão para ésta.</p>
+
+<p>O estado de guerra entre duas nações, faz cessar o effeito de quaesquer
+tratados entre ellas existentes. As pendencias entre nações passam em
+tal caso a ser decididas pela força e não reguladas pelo direito. Tem
+pois os tratados por unico objecto o regular os procedimentos entre
+nações durante as suas reciprocas relações pacificas, por amisade ou por
+alliança, e tendentes a promover n'esse sentido os interesses e
+vantagens communs.</p>
+
+<p>D'ahi resulta a praxe consuetudinaria de se consignar no preambulo ou no
+texto de taes documentos, a confirmação d'essas relações amigaveis, e o
+desejo e tenção reciproca de as manter e estreitar.</p>
+
+<p>Ha pois nos tratados uma parte que diz respeito a formulas, ou á
+confirmação de relações já preexistentes; outra parte, a mais importante
+é a que diz respeito a estatuir novos direitos e deveres reciprocos,
+mediante as concessões ou clausulas com que o direito secundario vem
+affectar ou ampliar os principios do direito primitivo, e assim dar
+amplitude ás relações internacionaes de um modo positivo, e tendente a
+um fim que haja em vista de conseguir.</p>
+
+<p>Seria assás prolixa a transcripção na sua integra do tratado de 30 de
+maio de 1879, conhecido por «tratado de Lourenço Marques» a fim de
+avaliar de um modo absoluto e comparativo as suas condições genericas, e
+mais especialmente aquellas a respeito das quaes se tem manifestado as
+mais meticulosas apprehensões.</p>
+
+<p>Bastará portanto transcrevel-o em extracto; e a fim de o fazer de um
+modo insuspeito, será elle o mesmo que se apresentou n'um jornal, que
+usando de um titulo que significa competencia, manifestou sempre opinião
+tão adversa ao tratado, a ponto de o qualificar de <i>monstruoso</i> e
+<i>iniquo convenio</i>.</p> <span class="pagenum">[39]</span>
+
+<p>Entre-se pois na analyse do assumpto, começando pelo artigo 1.º do
+tratado. «Concede aos subditos das duas nações contratantes
+reciprocidade de direitos nos dominios da Africa do Sul e da Africa
+Oriental, para residencia, transito, <i>posse de terrenos</i> e commercio».</p>
+
+<p>Este artigo não contém doutrina nem concessões que não estejam já
+consignadas e ainda com maior latitude, no tratado de julho de 1842
+celebrado pelos plenipotenciarios Duque de Palmella e Lord Howard de
+Walden, tratado cujas disposições ainda vigoram e tem vigorado sem o
+menor inconveniente, antes com grande utilidade. N'aquelle tratado de
+1842 (art. 1.º, 2.º e 3.º) não só se consignou a reciproca faculdade
+para os subditos das duas nações poderem nos dominios da outra gosar de
+todos os privilegios, immunidades e protecção, mas tambem viajar,
+residir, occupar casas e armazens, dispôr de bens allodiaes, e
+emphyteuticos, e de qualquer outra propriedade legalmente adquirida, por
+venda, doação, escambo, ou testamento, ou por qualquer outro modo, sem o
+mais leve impedimento ou obstaculo. Estabeleceram-se egualmente as
+isenções de emprestimos forçados, e de contribuições extraordinarias que
+não sejam geraes; e as de todo o serviço militar; e consignou-se que as
+suas casas de habitação, armazens, e todas partes e dependencias d'elles
+sejam respeitadas, e não sujeitas a visitas arbitrarias ou a buscas;
+regularam-se as condições reciprocas de impostos, estabelecendo livre
+exercicio da sua religião, a liberdade de enterrar seus mortos em
+terrenos comprados para esse fim, e finalmente garantiu-se a liberdade
+de testar e de succeder e dispôr dos bens individuaes possuidos no
+territorio, e de livremente agenciar seus negocios, fazerem-se
+substituir e representar, nomear commissarios e agentes; e liberdade de
+compra e venda, de abrir armazens e lojas a retalho, sem pagar tributos
+ou importes maiores do que os nacionaes, etc. etc.</p>
+
+<p>Em vista do exposto, os escrupulos patrioticos que podessem originar-se
+do art. 1.º do tratado de Lourenço Marques, só poderiam ter logar na
+mente de quem ignorasse as disposições do dito tratado de 1842.</p>
+
+<p>O artigo 2.º «Franqueia os portos e os rios dos referidos dominios aos
+subditos de ambas as nações para commercio <span class="pagenum">[40]</span> e navegação nas
+condições estabelecidas para os respectivos subditos.»</p>
+
+<p>Toda a doutrina e disposições d'este artigo na sua integra, estão
+consignadas amplissimamente nos art. 4.º e subsequentes do tratado de
+1842, onde se diz que haverá reciproca liberdade de commercio e
+navegação entre os subditos das duas altas partes contratantes, e que os
+respectivos subditos não pagarão nos portos, bahias, enseadas, cidades,
+villas ou logares quaesquer que forem nos dois reinos, nenhuns outros ou
+maiores direitos, tributos, contribuições ou impostos, por qualquer
+nome, que se designe ou entenda, do que aquelles que forem pagos pelos
+subditos da nação mais favorecida; egualmente estatue que nenhum direito
+de alfandega ou outro imposto seja carregado nos generos de producção de
+um dos dois paizes, que seja maior que os impostos carregados sobre
+eguaes generos importados de outro paiz, e nenhuma restricção será
+imposta na importação e exportação de um para outro paiz dos generos de
+respectiva producção. Consigna-se mais no tratado de 1842 a permissão de
+irem os navios de uma nação ás colonias da outra com generos da
+respectiva producção e bem assim de exportar das colonias da outra nação
+os generos de producção d'estas com egualdade de direitos, e por ultimo
+foi regulado o modo de avaliar os direitos quando forem <i>ad valorem</i> e
+egualmente estabeleceu a faculdade de exportar fazendas em armazens de
+reexportação, com isenção de direitos de consumo.</p>
+
+<p>O art. 3.º «Declara livre a navegação do Zambeze e seus affluentes, e
+não sujeita a monopolio ou exclusivo algum.»</p>
+
+<p>As disposições d'este artigo são uma homenagem aos principios não só de
+direito natural, mas até ao que o direito consuetudinario tem adoptado,
+em vista de estipulações de tratados, e das declarações de congressos
+internacionaes.</p>
+
+<p>Os rios são como as grandes estradas que se movem, são os grandes
+conductos que a natureza estabeleceu para facilitar as communicações
+pelo interior dos continentes. Impedir, dificultar e empecer o seu uso e
+a liberdade d'este, é proceder contra os dictames da natureza, e
+affrontar os dons da Providencia mais aptos para estabelecer as
+communicações entre differentes povos.</p> <span class="pagenum">[41]</span>
+
+<p>Partindo da consideração generica para o caso especial do Zambeze, se
+Portugal pretendesse monopolisar e impedir a navegação d'este rio, seria
+proceder, não de accordo com as praxes das nações cultas, e em harmonia
+com a indole da epoca; seria retrogradar até aos tempos em que a
+exclusão, e a restricção eram o systema tendente a afastar e não a
+conciliar os interesses de todos os povos. Politica e internacionalmente
+considerado, nunca se justificaria o monopolio da navegação de um rio
+como o Zambeze, que se presta a ser o meio de communicação para o
+interior da Africa; assim como economicamente são mais para attender as
+vantagens que nos resultarão do desenvolvimento do trafico n'elle
+estabelecido, do que a apathia a que este ficaria condemnado, pelo
+systema impeditivo da restricção.</p>
+
+<p>Com relação ao que o direito secundario pode estabelecer a tal respeito,
+é doutrina hoje admittida por todas as nações, a que estabelece como
+principio a liberdade da navegação dos grandes rios, quando em seu curso
+não se limitam a um só paiz, mas banham differentes estados pondo-os em
+communicação com os grandes Oceanos. O tratado de paz de Paris de 1814,
+consignou já o principio da liberdade da navegação do Rheno, Escalda,
+Meuse e Moselle. No congresso de Vienna em 1815 n'uma memoria do barão
+d'Humboldt apresentada a uma commissão <i>ad hoc</i>, se enunciou como um
+principio para ser geralmente acceite o mesmo principio da liberdade da
+navegação fluvial. As discussões ácerca da navegação do Mississipi, e do
+S. Lourenço, bem como do Danubio, discussões concernentes a interesses
+de estados marginaes, e ao desenvolvimento do commercio universal, todas
+vieram corroborar a doutrina. Wheaton, o notavel publicista americano
+diz a tal respeito: «Les réglements, les stipulations des traités de
+Vienne et d'autres stipulations semblables, ne doivent être regardées,
+que comme un hommage rendu par l'homme au grand législateur de l'Univers
+en affranchissant ses &oelig;uvres des entraves auxquelles elles ont si
+souvent été arbitrairement soumises».</p>
+
+<p>Se em vez de recorrer a argumentos de uma ordem tão generica, quizermos
+achar exemplos no proprio direito convencional expresso em tratados que
+nos dizem respeito, <span class="pagenum">[42]</span> encontraremos no tratado de 31 de agosto de
+1845, entre a rainha a senhora D. Maria II e a rainha de Hespanha D.
+Christina, ácerca da livre navegação do rio Douro, as seguintes
+estipulações:</p>
+
+<p>«Declara-se livre para os subditos de ambas as nações sem restricção
+alguma, e sem condição especial que favoreça mais aos de uma que aos de
+outra, a navegação do Rio Douro em toda a sua extensão que fôr navegavel
+agora, ou que o possa vir a ser para o futuro.</p>
+
+<p>«As duas altas partes contractantes obrigam-se a não conceder nenhum
+privilegio exclusivo para o transporte pelo Douro, de generos ou
+pessoas, e a deixar sempre aberta a competencia».</p>
+
+<p>Não vale a pena pois insistir na demonstração de que quem condemna o
+tratado de Lourenço Marques, por n'elle se consignar a liberdade da
+navegação do Zambeze, está em opposição não só com actos de soberania
+externa da legislação patria, com o direito secundario que se deriva das
+decisões dos congressos internacionaes, e do direito consuetudinario,
+mas até se revolta moralmente contra um poder mais alto, qual o do
+grande legislador do Universo.</p>
+
+<p>Outro artigo do tratado de Lourenço Marques concede, «1.º isenção de
+direitos e encargos de qualquer natureza sobre as mercadorias em
+transito do porto de Lourenço Marques para a fronteira britannica e
+vice-versa;&mdash;2.º o direito da Inglaterra embarcar e desembarcar tropas,
+petrechos, munições de guerra e livre transito d'essas tropas, munições
+e petrechos para os dominios de sua magestade britannica.</p>
+
+<p>É este certamente um dos artigos que mais tem incitado as
+susceptibilidades economicas e brios patrioticos dos impugnadores do
+tratado, que mostrando-se assás meticulosos, dizem ser isto não só uma
+vantagem toda em beneficio dos portos aduaneiros inglezes do Transwaal,
+mas que tambem estabelece uma isenção vergonhosa, chegando a inculcar-se
+de <i>lesa nação</i> e <i>lesa magestade</i>.</p>
+
+<p>Antes porém de entrar na sua analyse convém ter presente os artigos
+seguintes 5.º, 6.º e 7.º que com aquelle tem correlação e dependencia.</p>
+
+<p>«O art. 5.º estabelece uma commissão mixta que estude e orce um caminho
+de ferro do Transwaal ao porto de <span class="pagenum">[43]</span> Lourenço Marques, devendo este
+ser o <i>terminus</i> d'elle; fixa os meios para a sua execução e cria
+<i>postos aduaneiros mixtos</i> nas raias. N'estas convenções compromettem-se
+os interesses aduaneiros do districto de Lourenço Marques (!) e os da
+parte portugueza do caminho. O deficit será pago pelos governos em
+partes proporcionaes.</p>
+
+<p>«O art. 6.º trata da exploração e construcção de uma linha telegraphica
+paga na fórma adoptada para a construcção do referido caminho de ferro.</p>
+
+<p>«O art. 7.º prevê o caso de que os melhoramentos a effectuar no porto de
+Lourenço Marques sejam mais devidos á parte ingleza do caminho de ferro,
+que á portugueza, cabendo á commissão mixta decidir se essa despeza
+deverá ser por conta da parte britannica».</p>
+
+<p>Como se disse, estes art. 5.º, 6.º e 7.º, são derivados ou
+amplificativos do art. 4.º, o qual tem duas feições por onde ser
+avaliado; a feição economica ou aduaneira e fiscal, e a feição politica,
+se assim a quizerem denominar, e tal é a que diz respeito á concessão da
+passagem de tropas.</p>
+
+<p>Ficará ésta para ser depois considerada, visto ser a que mais
+sobresaltos causa, e mais melindres provoca; mas pode desde já
+attender-se ao outro ponto.</p>
+
+<p>A isenção de direitos nos artigos de transito, e <i>não de consumo</i>, em
+nada prejudica os rendimentos aduaneiros de Lourenço Marques.</p>
+
+<p>O commercio de transito, sendo dos artigos não destinados ao consumo do
+paiz pelo qual transitam, logo que não haja essa faculdade de transitar,
+deixarão esse caminho, é evidente; mas nem por isso dará mais proventos
+aos pontos aduaneiros do paiz pelo qual deixará de transitar e para os
+quaes se não destinava. É uma doutrina curiosa aquella, que estabelece
+como sendo prejuizo proprio, aquillo que é para bem alheio, embora da
+negação d'esse bem nos não resulte vantagem. No caso actual porém, deve
+attender-se que todo esse transito <i>gratuito de direitos</i>, e que a não
+ser tal não existirá, e procurará outra via, ainda assim é proficuo
+indirectamente em razão do movimento e actividade que vem crear em
+localidades, aliás condemnadas á inacção actual. As restricções n'este
+caso seriam tão pouco plausiveis, como se o dono de um <span class="pagenum">[44]</span> terreno
+inculto que nada produz, preferisse assim conserval-o, antes do que ter
+d'elle algum provento, quando este tivesse por unico inconveniente o ser
+aproveitavel ao terreno de um visinho, melhor e mais laborioso cultor!</p>
+
+<p>A isenção de direitos no commercio de transito é hoje materia corrente,
+entre paizes limitrophes, não só pelo que se refere á navegação dos rios
+mas tambem ao movimento pelas linhas internas de caminhos de ferro,
+fiscalisando-se nas fronteiras, mediante estações aduaneiras mixtas, e
+por isso é de accordo com esta doutrina sensata, e com ésta pratica em
+nações cultas e adiantadas, que ella se estabelece no tratado, com
+relação ao proposto caminho de ferro; melhoramento este, bem como o do
+telegrapho, que será ocioso demonstrar que se torna hoje uma necessidade
+impreterivel, attentas as condições do Transwaal, e os tratados que já
+se haviam ratificado com aquella parte das possessões inglezas, e que,
+como assumpto de direito internacional, não caducou perante a annexação
+d'aquella republica. Mas para convencer do pouco ou nenhum fundamento
+com que tanto se assustam os que accusam o tratado de lesivo, de
+ruinoso, e de insolito, é conveniente lembrar o que se consigna no
+tratado já referido entre Portugal e Hespanha sobre a navegação do
+Douro. Alli é imposta a reciproca obrigação de crear depositos de porto
+franco, tanto no Porto como na fronteira, para receber isentos de
+direitos, os generos que em transito navegarem pelo Douro tanto em
+barcos portuguezes como hespanhoes.</p>
+
+<p>Continuando na analyse:</p>
+
+<p>O art. 8.º «uniformisa a pauta aduaneira para os productos importados de
+ambas as nações, e quando por ventura tenha de ser alterada, em termos a
+crear os fundos necessarios á construcção do caminho de ferro, essa
+alteração será reputada temporaria e cessará logo que as causas que a
+originaram deixem de existir.»</p>
+
+<p>O art. 9.º auctorisa «uma commissão mixta a organisar uma pauta para ser
+adoptada pelos governos.»</p>
+
+<p>Ha n'estes artigos o desenvolvimento pratico das duas differentes
+medidas; uma a da uniformisação de direitos nas fronteiras, adoptando-se
+uma pauta permanente, e podendo sómente ser augmentada por excepção, e
+para satisfazer <span class="pagenum">[45]</span> os encargos do caminho de ferro; outra a que se
+refere ao modo de confeccionar a pauta de accordo entre os dois
+governos.</p>
+
+<p>Na verdade, quando outros estados, em mui differentes condições de vida,
+de industria e de producção, tem procurado formar as ligas aduaneiras,
+tendentes a supprimir, pela egualdade de direitos, as alfandegas fiscaes
+da fronteira, é irrisorio que se queira ter nas possessões d'Africa um
+systema de alfandegas de raia e de postos fiscaes, com pessoal
+organisado e mantido para impedir o trafico, como se tal trafico podesse
+existir sob taes peias, e como se tal fiscalisação fosse possivel em
+terras onde tanto abunda o elemento do contrabando, como escasseia o
+pessoal adequado para montar essa immensa e complicada machina fiscal.</p>
+
+<p>A uniformidade de direitos está tambem consignada no tratado de
+navegação do Douro, onde se estabeleceu a obrigação reciproca de fazer
+as obras necessarias á facilidade da navegação, bem como que os direitos
+de navegação seriam fixados por uma tarifa e regulamento, <i>elaborado por
+uma commissão mixta</i>, cujas disposições fossem uniformes e perfeitamente
+eguaes para os subditos de ambas as nações.</p>
+
+<p>Com relação á conservação da pauta actual, sem augmento senão
+excepcional e temporario, para o fim de occorrer ás despezas do caminho
+de ferro e obras do porto de Lourenço Marques, póde dar-se como resposta
+aos impugnadores o seguinte:</p>
+
+<p>Em 1877 foi promulgada a pauta da alfandega da provincia de Moçambique,
+reduzindo enormemente os direitos de importação, e fixando-os em grande
+parte <i>ad valorem</i>, pauta formulada de accordo com principios que não
+são da escola prohibitiva. Soaram vozes alarmantes, profetizando o
+desfalque dos rendimentos da provincia, pelo supposto motivo de que
+minguaria o rendimento aduaneiro. Os factos porém vieram dar o
+desmentido, que deveria convencer os espiritos menos seguros na
+influencia de reformas d'esta ordem.</p>
+
+<p>As alfandegas da provincia, cujo rendimento anterior á reforma não ia
+alem de 80 contos, em 1877-78 que foi o primeiro anno em que vigorou a
+nova pauta, renderam <span class="pagenum">[46]</span> mais de 96 contos. E em 1878-79, subiu o
+rendimento a mais de 111 contos, isto é quasi 40 por cento de augmento!</p>
+
+<p>Se para os terroristas, a quem o Tratado amedronta, valessem citações de
+exemplos, e a auctoridade dos economistas e publicistas, poderia
+ser-lhes apresentado o que se lê n'uma obra do sr. Vicente Ferrer Netto
+de Paiva, intitulada <i>Elementos do Direito das Gentes</i>, e publicada em
+Coimbra desde 1843. É provavel que a doutrina liberal sustentada
+n'aquella data, tenha maior cabimento hoje.</p>
+
+<p>Com relação aos tratados de commercio, diz-se n'aquella publicação: «§
+107. Ha muito tempo que a Economia politica tem demonstrado com
+raciocinios os mais proprios a convencer os espiritos, que a melhor
+politica que os governos deviam seguir nas relações commerciaes entre
+nações, era renunciar ás prohibições e adoptar a maxima <i>deixar obrar</i>,
+á qual se deve acrescentar est'outra <i>dae saída aos productos da
+industria, protegendo por estações navaes o commercio em paragens
+distantes</i>. E § 27. <i>Se todas as nações adoptassem os verdadeiros
+principios de economia politica nada de prohibições, liberdade plena de
+commercio, seria consequencia necessaria a liberdade de transito de
+mercadorias estrangeiras. Porém vigorando infelizmente o systema
+contrario, forçoso é ás nações restringir muitas vezes esta liberdade de
+transito em favor da industria nacional.</i>»</p>
+
+<p>Venha á authoria outro artigo do tratado. É o artigo 10.º authorisa os
+governos a estabelecer um «accordo sobre a importação e commercio de
+armas e munições de guerra nos dominios respectivos.»</p>
+
+<p>Este artigo é um mero regulamento que se pode dizer policial e
+preventivo, com applicação ás condições especiaes das localidades, e das
+populações visinhas e indigenas. O seu fim é conter dentro dos limites
+que a prudencia aconselha, e a segurança commum reclama, uma especie de
+commercio, que sem taes restricções poderia tornar-se perigoso, e ser
+conducente a favorecer rebelliões, quando se manifestassem. Desde que é
+tão razoavel, prudente e bilateral em seus effeitos e garantias, não
+póde soffrer impugnação; e quando esta lhe fosse feita, nem mereceria
+ser discutida.</p> <span class="pagenum">[47]</span>
+
+<p>Proseguindo com o tratado, vejamos o outro artigo que é:</p>
+
+<p>O artigo 11.º «permitte a extradição de criminosos em condições que
+serão previamente estipuladas.»</p>
+
+<p>Este artigo em vista da notavel differença que se dá na doutrina penal
+dos dois paizes, podia merecer reparo, se não ficasse dependente de uma
+convenção em separado, a fim de designar as circumstancias e condições
+de sua applicação. Essa dependencia está n'elle expressa.</p>
+
+<p>Estão hoje generalisados os tratados de extradição de criminosos que
+ainda não ha muito eram olhados com um certo desfavor. Mas as causas que
+os determinam são a segurança mutua das sociedades constituindo nações,
+desde que a facilidade e rapidez das communicações, auxiliariam a
+perpetração de crimes, uma vez que para ficarem impunes, bastasse
+conseguir o ingresso no territorio d'outro Estado. Ainda assim Portugal
+concluiu não ha muitos annos um tratado de extradição com a Hespanha,
+que vae tão longe, que até o seu principal resultado é favorecer o
+recrutamento da nação visinha, por isso que é extensivo ao crime de
+deserção. Se isto acontece em dois paizes limitrophes da Europa, mais
+razão de ser se encontra para elle nos dominios d'Africa. Não é este
+portanto um assumpto sobre o qual possa haver increpação de valor, e
+tanto mais, desde que os atritos que podessem haver na mutuidade das
+condições, ficam prevenidos na clausula inclusa de <i>jure constituendo</i>.</p>
+
+<p>Outro ponto do tratado, que tem servido para thema das increpações dos
+seus impugnadores, é o que diz respeito ao artigo 12.º Estatue o mutuo
+auxilio dos dois governos, em termos de acabar de vez com o trafico de
+escravos na costa oriental d'Africa, obrigando-se o governo portuguez a
+authorisar o governador de Moçambique a permittir que os vazos
+cruzadores inglezes operem livremente nas agoas territoriaes portuguezas
+nos portos das costas de Moçambique que não estejam occupados por
+habitantes brancos e aonde não estejam presentes empregados portuguezes.
+Os mesmos poderes serão dados, se necessarios forem para esse fim, aos
+governadores inglezes do sul da Africa.»</p>
+
+<p>Para se avaliar a importancia d'este artigo, é necessario considerar que
+a abolição do trafico da escravatura, é <span class="pagenum">[48]</span> moral, politica e
+humanitariamente um empenho e um compromisso a que Portugal está
+obrigado, e do qual não ha razões que o possam desviar.</p>
+
+<p>A civilisação da Africa assim o exige, a humanidade o impõe; e a
+politica interna e externa do governo portuguez está n'isso tão
+consubstanciada, que seria uma affronta aos seus precedentes e ao decoro
+nacional, se ousasse desviar-se de tal proposito.</p>
+
+<p>Se na costa occidental o trafico está extincto, infelizmente não
+acontece outro tanto da banda oriental, onde elle encontra incentivos na
+especulação dos traficantes, no auxilio dos regulos, e nas condições
+locaes de uma costa extensa e abundante em pontos e angras menos
+vigiadas, e até escassas de população, e portanto privadas de
+authoridades que possam velar pelo cumprimento das leis e tratados que
+prohibem o infame trafico.</p>
+
+<p>Taes disposições legaes e prohibitivas não são só as que resultam do
+nosso direito interno, mas tambem as que são impostas internacionalmente,
+e já de ha muito pelo outro tratado com a Gram-Bretanha de julho de
+1842, tratado cujo fim e disposições se referem exclusivamente á
+abolição do trafico.</p>
+
+<p>No dito tratado já se encontram disposições, que se fossem conhecidas
+pelos terroristas, que veem agora nas presentes clausulas uma offensa á
+dignidade nacional, certamente não dariam tão gratuita qualificação, a
+uma acção commum de forças alliadas, tendentes a desempenhar um fim
+tambem de commum intento e interesse.</p>
+
+<p>Foi pelo tratado de 1842 declarado acto de pirataria o trafico, e como
+tal d'ahi resulta, que todo o navio n'elle incurso, está perante as
+nações contratantes, fóra da lei das gentes. Estipulou-se mais n'aquelle
+tratado, que as duas nações consentiam mutuamente que os navios
+cruzadores das suas respectivas marinhas, podessem visitar e dar busca
+ás embarcações das duas nações suspeitas de se empregarem no trafico, ou
+esquipadas com esse intento, fazendo excepção a este reciproco direito
+de busca, quando o navio suspeito se achasse fundeado em qualquer porto
+ou ancoradouro pertencente a qualquer das duas partes contratantes, ou
+ao alcance do tiro das baterias de terra; mas ainda n'este caso de se
+achar fundeado o <span class="pagenum">[49]</span> navio suspeito, em portos ou ancoradouro das aguas
+territoriaes, far-se-hia representação ás authoridades do paiz para
+tomarem as medidas tendentes a não serem violadas as estipulações do
+tratado.</p>
+
+<p>Se remontarmos mais longe para considerar a applicação d'esta mutua
+concessão, veremos que ainda antes do tratado de 1842, foi celebrada
+pelo governador d'Angola vice-almirante Noronha, com o commandante
+Tucker das forças navaes inglezas, uma convenção tendente a tornar
+effectivas as disposições do decreto de 1836 pela qual foi prohibido o
+trafico; e n'essa convenção se estipulava que os navios de guerra
+inglezes e portuguezes se coadjuvariam mutuamente quando em vista, para
+o fim de capturar qualquer navio ou navios com carga de escravos.</p>
+
+<p>Praticamente, ninguem ignora qual a simultaneidade de acção que desde
+taes epocas sempre foi exercida nas costas d'Africa pelos cruzadores
+inglezes e portuguezes, e principalmente desde que a firmeza, coragem e
+energia de um bravo official portuguez, o commandante Gonçalves Cardoso,
+soube manter a dignidade nacional, e estabelecer a confiança na mesma,
+quando antes de existir o tratado, elle se oppôz pela demonstração da
+força, ás pretenções illegitimas de um official inglez, que
+desconhecendo o direito alheio, ou abusando da sua missão, pretendia
+visitar um navio dentro do porto onde elle se achava fundeado, e onde
+por tanto havia quem representasse a authoridade da soberania local.</p>
+
+<p>Um tal acto de energia, acompanhado de outros procedimentos que eram uma
+garantia da boa fé e da lealdade no cumprimento das obrigações
+internacionaes, foi motivo de se estabelecer então uma confiança e
+intelligencia reciproca; e não é menos digna de menção a circumstancia,
+de que o proprio governo inglez não duvidou elogiar o procedimento
+brioso do valente official portuguez, que assim soube honrar a bandeira
+do seu paiz. A sobranceria infundada, é aborrecida. A altivez com
+fundamento e dignidade, é acatada. <i>Noblesse oblige</i>, tem um grande
+alcance no trato internacional.</p>
+
+<p>No actual tratado, este direito commum de visita, tendente ao mesmo fim,
+é confirmado, e não é portanto uma novidade. Ha porém uma ampliação ao
+seu exercicio, desde <span class="pagenum">[50]</span> que se estabelece a fortuita faculdade de
+formar expedições mixtas para cooperarem de accordo, podendo as forças
+navaes de qualquer das nações, ter liberdade de acção nas agoas
+territoriaes, mesmo separadas das outras, mas tudo isto é subordinado ás
+condições de reciprocidade, e alem d'isso limitado a serem empregadas de
+<i>tempo a tempo</i>, conforme recrudescer o trafico, e <i>só em quanto durarem
+taes expedições</i>, de mais a mais dependentes estas de <i>authorisação
+resultante de plenos poderes</i> conferidos ao governador de Moçambique,
+que o habilitem a <i>authorisal-as</i>.</p>
+
+<p>Ainda a caução vae mais longe, por isso que essa <i>acção independente</i>
+com taes formalidades auctorisada, é só extensiva aos pontos da costa
+<i>não occupados por habitantes brancos</i>, e onde não estejam presentes
+auctoridades portuguezas. Bem se deixa ver, que o fim de taes expedições
+e de taes auctorisações é motivado pelas condições locaes da costa
+deserta e inhabitada, onde o dominio é sómente nominal, onde o trafico
+portanto se acouta, e onde a acção repressiva não é prejudicial senão ao
+mesmo trafico prohibido. Pois que receio póde haver d'essa acção assim
+auctorisada para um fim que é reciprocamente desejado? Se uma tal acção
+fosse para um fim illegal ou propotente, não se pactuava o accordo, mas
+procedia-se differentemente.</p>
+
+<p>Ortolan, publicista moderno, tratando do direito de asylo, e da
+immunidade das aguas territoriaes dentro da linha de respeito,
+baseiando-se na auctoridade de outros publicistas, chega á seguinte
+conclusão: «On conçoit que les opérations militaires d'une nation
+maritime ne comportent pas une précision mathématique aussi rigoureuse,
+que l'officier commandant, lorsqu'il n'a eu vue qu'une côte inculte,
+inhabitée, denuée de tout signe de la puissance territoriale, ne puisse
+se laisser entraîner au delà de la règle précise, et qu'il soit évident
+qu'il n'a pas eu l'intention d'offenser l'État neutre ni de violer son
+droit d'empire.»</p>
+
+<p>A circumstancia de uma costa maritima pertencente a um estado, ser ou
+não ser habitada, é tão attendivel nas questões de immunidade de aguas
+territoriaes, que auctores ha que opinam, que ao belligerante
+perseguindo o seu inimigo no alto mar, é licito de entrar em sua
+perseguição <span class="pagenum">[51]</span> nas aguas territoriaes, continuando o combate <i>dum
+fervet opus</i>, embora esse inimigo procurasse refugio nas aguas
+territoriaes, quando for em costas deshabitadas.</p>
+
+<p>Se nos pontos controvertidos em direito internacional é conveniente
+fixar sua interpretação quando se fórmam convenções, ninguem poderá
+negar que no caso actual o tratado foi previdente. A circumstancia das
+costas não occupadas por habitantes brancos, isto é, costas selvagens,
+serem o valhacouto de negreiros, tornava recommendavel a fixação de um
+ponto de direito, pelo consentimento reciproco, e reciproca applicação,
+e do qual resulta a desejada vantagem de mais facilmente perseguir o
+trafico, sem desvantagem ou lezão para os habitantes d'aquellas costas,
+desde que ellas ou não tem habitantes, ou só são povoadas pelo preto
+selvagem, e não por gente branca nem por empregados que sejam o symbolo
+e representação da auctoridade territorial. Qualquer pois que fosse a
+feição de immunidade ou soberania das aguas territoriaes, todo o
+escrupulo deve cessar desde que, além da reciprocidade das condições,
+fica justificada a mutua concessão pelo conseguimento do fim, sem
+desvantagem nem desdouro pelo emprego dos meios.</p>
+
+<p>Contém por ultimo o tratado mais dois artigos e são:</p>
+
+<p>Art. 13.º e 14.º «Referem-se ás communicações que se deverão estabelecer
+entre as auctoridades dos dois governos com respeito ao comercio de
+escravos e á approvação e ratificação do tratado.»</p>
+
+<p>São estes artigos de natureza a não soffrerem impugnação ou discussão,
+desde que tem o caracter de explicativo um, e de regulamentar o outro.
+Concluiriam pois aqui as observações sobre o que o tratado estipula, se
+não restassem ainda para analysar as disposições do art. 4.º na parte
+que se refere ao embarque, desembarque e passagem de tropas, desde
+Lourenço Marques até ás fronteiras britannicas do interior, e do livre
+transito de taes tropas pelo caminho de ferro que deverá facilitar e
+tornar effectivas taes concessões.</p>
+
+<p>Analyse-se pois esse ponto, para elucidação dos illudidos, e para
+tranquillisar os amedrontados.</p> <span class="pagenum">[52]</span>
+
+
+
+
+<h1>VII</h1>
+
+
+<p>Se os publicistas, em questões de direito das gentes tem conseguido
+homologar opiniões que estabelecem doutrinas e principios acceites
+internacionalmente, egual homogeneidade de pensamento não se encontra
+nos criticos, que talvez por sentimentos louvaveis, mas nem sempre
+justos, se occupam em apreciar a seu talante certos factos, com aquella
+facilidade que frequentemente acompanha quem tem a liberdade da censura,
+sem ter a responsabilidade da acção. Não admira portanto que n'essas
+apreciações tão faceis como gratuitas, se encontre uma variedade notavel
+de pensamentos, não só na condemnação das obras alheias, mas até na
+graduação com que de preferencia se fulmina mais este do que aquelle
+inconveniente entre os tantos que lhe notam. D'ahi vem que para
+descriminar qual seja o ponto mais negro do carregado horisonte que os
+amedronta, fica-se perplexo, desde que, para uns o nucleo da tempestade
+com que o tratado nos ameaça, está na faculdade das expedições mixtas;
+para outros está no livre commercio de transito com fiscalisação
+reciproca; para alguns na livre navegação do Zambeze, para outros o
+grande perigo, o grande compromettimento, o grande desaire nacional, a
+grande quebra de independencia, está na <i>concessão</i> do transito de
+tropas e munições, effectuado mediante o aproveitamento do caminho de
+ferro de Lourenço Marques á fronteira dos dominios britannicos. Vejamos
+qual seja a gravidade do facto.</p> <span class="pagenum">[53]</span>
+
+<p>A passagem pacifica de tropas, ou de munições atravez de um território,
+desde que é feita por uma <i>concessão</i> e não por uma imposição ou
+violencia, tem na propria expressão que a enuncia, a prova de que se
+reconheceu no consentidor, o direito que teria de negar ou facultar tal
+<i>concessão</i>.</p>
+
+<p>Esse direito de negar ou facultar, quando versa sobre um acto ou
+procedimento alheio, e em referencia a um objecto possuido, é
+implicitamente a confirmação do direito de propriedade sobre o tal
+objecto.</p>
+
+<p>Assim é que a <i>concessão</i>, que o tratado consignou da parte de Portugal,
+para o transito no seu dominio, é a confirmação e o reconhecimento do
+direito de propriedade sobre o territorio que constitue tal dominio. Ora
+a confirmação de um tal direito por acto publico e solemne, será tudo
+excepto a negação d'esse direito. Portanto em vez de um perigo para a
+posse, é uma garantia moral que a esta se dá.</p>
+
+<p>Ha um principio que a razão natural apresenta, que a conveniencia dicta,
+e que a lei internacional estabelece, qual é, que toda a nação
+constituida e independente deve ter um territorio proprio, sobre o qual
+exerça um direito de plena propriedade no sentido collectivo. Desde que
+existe a propriedade resulta d'ahi como consequencia o direito de
+exclusivamente usar d'esse territorio, bem como de restringir ou de
+facultar o seu uso. É isto, conforme Vattel, o que constitue o <i>dominio</i>
+e a <i>soberania</i> (Liv. I, § 204.º). Mas segundo o mesmo publicista (Liv.
+II, § 117.º), o direito de posse territorial não deve destruir um
+direito natural e primitivo que constitue uma restricção tacita
+d'aquelle, qual é o do transito de pessoas no interesse geral do genero
+humano, toda a vez que d'esse transito não resulte risco ou prejuizo.</p>
+
+<p>O desejo de evitar numerosas citações, não deve impedir que fique
+consignada tambem a opinião do sr. Netto de Paiva, pois no seu <i>Elemento
+de direito das gentes</i>, já citado (§ 26), se confirma plenamente esta
+doutrina, dizendo: «A propriedade não tem podido tirar ás nações o
+direito geral de correr a terra para o commercio e outras communicações
+que os homens hão mister. Este interesse geral do genero humano abrange
+todos os povos e individuos, <span class="pagenum">[54]</span> e faz com que qualquer soberano não
+deva refusar o <i>transito de homens</i>, isto é, a passagem dos estrangeiros
+pelo seu paiz, não lhe resultando d'ahi risco ou prejuizo.»</p>
+
+<p>Segue-se portanto, que o direito de propriedade que toda a nação exerce
+sobre seu território lhe permitte negar o <i>transito ás pessoas quando
+conheça que lhe resulta um damno</i>; mas implicitamente impõe o dever de o
+não impedir quando seja innocente; e por isso Vattel (Liv. 3.º § 119.º)
+estabelece «que o transito inoffensivo (innocente) é devido a todas as
+nações com as quaes se vive em paz e este dever é extensivo tanto ás
+tropas como aos particulares. É porém ao dono do territorio que compete
+decidir se tal transito é innocente, e é difficil que a passagem de um
+exercito o seja.»</p>
+
+<p>E accrescenta n'outra parte (Liv. 2.º § 128.º) «Este direito de uso
+innocente, não é um direito perfeito como o da necessidade, por isso que
+é <i>o dono quem julga</i> se o uso que se quer fazer do que lhe pertence,
+lhe causará damno ou incommodo.»</p>
+
+<p>É pois evidente, segundo esta doutrina, que n'um estado de paz, não só é
+licito a uma nação conceder o transito pelo seu territorio, mas até que
+só o poderá negar quando d'ahi lhe resulte prejuizo proprio.</p>
+
+<p>Applicando as theorias de direito ao ponto em questão e no que diz
+respeito ao transito de tropas de Lourenço Marques atravez do territorio
+portuguez, e em condições de paz, conclue-se que nada obsta a que a
+soberania territorial tenha o direito da <i>concessão</i>. Poderia oppôr-se
+se o julgasse prejudicial. Mas o que é uma faculdade não é uma
+obrigação. Fica pois sendo uma questão incidental aquella que diz
+respeito á <i>conveniencia ou inconveniencia</i>, na perspectiva de prejuizos
+ou damnos que causaria a passagem de um exercito.</p>
+
+<p>Trazendo o assumpto para o terreno pratico, qual será o damno, o
+prejuizo, o incommodo que resultará para o districto de Lourenço
+Marques, se o caminho de ferro que para o Transwaal passar atravez do
+seu territorio, tiver que augmentar em certas occasiões a extensão de
+seus comboyos, ou a força de suas locomotivas, a fim de dar passagem a
+soldados inglezes? Que mal, que desfalque, que risco correrão as
+estações intermediarias ou terminaes <span class="pagenum">[55]</span> da via ferrea, quando um
+pessoal militar disciplinado; passe em simples transito em frente
+d'ellas, ou n'ellas se abasteça de artigos de consumo? Que principio de
+direito interno ou externo é n'isto violado, ou offendido? Pois se ha o
+direito de o permittir, se não ha obrigação de o prohibir, e se até em
+vez de prejuizo houver vantagem para o trafico e exploração, que razão
+plausivel se póde invocar para condemnar tal concessão?</p>
+
+<p>Bem pelo contrario, tal <i>concessão</i>, implicitamente corrobora o direito
+de posse territorial, bem como tem por effeito outras vantagens locaes,
+que são as resultantes dos interesses auferidos pelo augmento de trafico
+e de mercadejo.</p>
+
+<p>E se em confirmação do principio procurarmos exemplos de outra ordem,
+mas de genero analogo, quantas vezes se tem visto desembarcarem forças
+navaes em paiz estrangeiro, e mesmo no nosso porto de Lisboa, para
+exercicios, para apparato funebre, ou para outros fins, mediante uma
+simples permissão e annuencia da auctoridade local? É porque a concessão
+reconhece o direito, assim como o uso d'aquella não prejudica este.</p>
+
+<p>Quanto fica exposto subentende-se ser applicavel a um estado de paz, por
+isso que se trata de um transito innocente, sem intenção hostil, ou
+acção oppressiva, ou que affecte os direitos d'outra nação.</p>
+
+<p>É certo porém que no estado de guerra entre nações, a questão do
+transito de tropas pelo territorio de um paiz, está subordinada a outras
+considerações; que são as que resultam das relações entre belligerantes
+e neutros, e que são reguladas pelos direitos e deveres reciprocos de
+uns e outros.</p>
+
+<p>Desde que dois estados se acham em guerra, elles são <i>belligerantes</i>;
+mas outro estado que fique estranho á luta; continuando em relações
+pacificas para com um e outro belligerante, é considerado <i>neutro</i>.
+D'ahi lhe resulta o <i>dever</i> de proceder imparcialmente para com os
+belligerantes, assim como o <i>direito</i> de ter o seu territorio immune e
+isento de quaesquer actos de hostilidade em que aquelles estão
+empenhados. Em tal caso, a passagem de tropas pelo territorio do neutro,
+que fosse concedida egualmente a ambas as nações belligerantes, embora
+parecesse uma concessão <span class="pagenum">[56]</span> reciproca; e portanto uma neutralidade
+passiva, não o será, por isso que por condições geographicas poderia
+tornar-se mais aproveitavel e vantajosa para uma do que para outra das
+nações em guerra. Seria este o caso de <i>não ser innocente</i> o transito de
+forças, e d'ahi resulta para os neutros o dever de o não permittir pelo
+seu territorio, como sendo a reciprocidade do direito que tem á
+inviolabilidade d'este.</p>
+
+<p>É esta uma doutrina corrente e clara, e sobre cuja essencia não ha
+discordancia entre os publicistas, pois se funda em razões tão logicas
+como concludentes. Não é pois o <i>damno</i> ou <i>prejuizo</i> que causariam as
+tropas em transito no territorio, o que obsta á sua passagem, mas sim a
+<i>falta de imparcialidade</i> que d'ahi resultaria para com os
+belligerantes. É pois ésta uma condição referida a tempo de guerra, e
+não em condições de paz, como aquellas a que o tratado se refere.</p>
+
+<p>Estes principios, que regulam o procedimento dos neutros, teem
+applicação principalmente entre estados cujos territorios são
+confinantes com um ou outro dos belligerantes; pois é evidente que
+quando esta circumstancia não se apresentar, não póde praticamente
+dar-se tal applicação.</p>
+
+<p>Além disso e em vista do exposto, se nas phases politicas internacionaes
+da Europa, o transito de tropas sería uma falta de cumprimento dos
+deveres da neutralidade, egual alcance não póde ter quando applicado ao
+caso especial da Africa; pois ainda que a Inglaterra estivesse empenhada
+numa guerra europea e Portugal fosse neutro, tal transito não affectava
+em nada os direitos das nações belligerantes.</p>
+
+<p>A neutralidade é um estado todo relativo.</p>
+
+<p>Ella póde sómente dar-se n'uma nação, perante outras duas ou mais nações
+em guerra.</p>
+
+<p>Não ha estado neutro sem que hajam belligerantes.</p>
+
+<p>Aquelle singular a par d'este plural, tem como consequencia, que a
+neutralidade é uma phase internacional, derivada das relações reciprocas
+entre, <i>pelo menos, tres nações differentes</i>; isto é, duas em guerra e
+uma terceira estranha á guerra.</p>
+
+<p>Esta phase que se observa frequentemente na Europa, <span class="pagenum">[57]</span> e que póde
+occorrer na America, continentes onde existem muitas nações
+constituidas, não póde dar-se de egual modo onde as relações entre
+estados constituidos são limitadas ás duas nações contratantes do
+tratado, isto é, entre Portugal e Inglaterra, e com relação aos seus
+dominios do sul e oriente da Africa.</p>
+
+<p>Quaesquer que possam ser as relações entre estes visinhos territoriaes,
+não ha alli uma <i>terceira nação</i> reconhecida e constituida, perante a
+qual Portugal ou a Inglaterra possam ter a condição de neutro, e
+portanto claro está que não póde haver violação de neutralidade desde
+que esta não tem existencia.</p>
+
+<p>Não é mister recorrer a um esforço de imaginação para se perceber que
+não ha alli senão duas nacionalidades.</p>
+
+<p>As tribus mais ou menos selvagens, sujeitas a regulos ou chefes, quer
+estes sejam Cetewayos ou Bongas, não constituem estados reconhecidos
+pelo direito publico internacional. D'ahi provém que as guerras na
+Africa não apresentam aquelle caracter nem o alcance politico que ellas
+teem na Europa. Alli, quer sejam contra zulus, cafres, ou outra
+negreria, não tomam tanto a feição de guerra publica, como de um
+expediente activo para reprimir aggressões, suffocar revoltas, ou
+submetter rebeldes, inflingindo-lhes castigo. Por isso taes luctas não
+affectam as relações internacionaes, nem o equilibrio das potencias, que
+de longe as contemplam com aquella indifferença, que só póde ser
+modificada pela tendencia a preferir o predominio da civilisação
+européa, sobre a barbarie africana. É só sob este ponto de vista,
+meramente moral, que se não ha neutros tambem não haverá indifferentes.
+É o caso em que o genero se antepõe á especie.</p>
+
+<p>Finalmente na questão sujeita só restaria uma hypothese a considerar, e
+que sería o caso de guerra entre as duas nações contratantes.</p>
+
+<p>Quando tal acontecesse, caducaria <i>ipso facto</i> o tratado, e portanto os
+seus effeitos; pois é uma consequencia do estado de guerra entre duas
+nações, que todas as pendencias deixam de ser resolvidas pelas regras do
+direito, desde que se appella para a força que as decida. <i>Inter arma
+silent leges.</i> Em tal caso, o transito <i>não pacifico</i> de tropas já não
+seria uma concessão, nem se pediria licença para <span class="pagenum">[58]</span> o effectuar.
+Cessava a inviolabilidade e não havia que respeitar a independencia
+territorial, que o tratado serviu para garantir na paz, bem como para
+auferir as vantagens reciprocas que d'esse estado resultam. Portanto a
+doutrina acima exposta, explica, autorisa e justifica tudo quanto o
+tratado estabelece e garante a tal respeito.</p> <span class="pagenum">[59]</span>
+
+
+
+
+<h1>VIII</h1>
+
+
+<p>Se houver de se considerar ainda o tratado não já pelas especulações de
+theorias, e rasões de direito, mas pelo lado pratico, e pelo aspecto das
+reciprocas vantagens, a apreciação desapaixonada de suas estipulações, e
+dos resultados que d'estas se devem seguir, levará facilmente á
+convicção, de que elle é não só d'uma conveniencia indisputavel mas de
+uma necessidade impreterivel.</p>
+
+<p>Elle é não só uma medida de grande alcance debaixo do ponto de vista
+internacional das duas nações contratantes, mas tambem considerado como
+a satisfação a uma exigencia da civilisação.</p>
+
+<p>A Africa precisa de ser explorada e aproveitada como manancial de
+riquezas e como centro de novos mercados, em beneficio do commercio e da
+industria de todas as nações civilisadas.</p>
+
+<p>Ha alli só duas nações da Europa, ás quaes portanto incumbe facilitar os
+meios, e combinar a acção commum n'esta grande obra. Contrarial-a, seria
+crime de lesa humanidade. Essas duas nações são Portugal e Inglaterra.</p>
+
+<p>A Inglaterra tem alli dominios importantes e prosperos, que podem e
+devem ser o foco donde parta a luz que vá illuminar as densas trevas do
+continente negro. Portugal possue um extenso littoral, onde se encontram
+os elementos geographicos e hydrographicos mais adaptados para tornar
+pratica a acção d'aquelles elementos, que devem conduzir á realisação do
+grande fim.</p> <span class="pagenum">[60]</span>
+
+<p>A acção commum das duas nações torna-se um meio indispensavel. Unidas, o
+resultado será util e glorioso para ambas. Desunidas e desaccordes, será
+contrariar e difficultar esse grandioso e necessario empenho.</p>
+
+<p>Mas toda a teimosia em querer persistir n'aquella inacção, n'aquelle
+marasmo, symbolisado e causado pelo systema de restricções, e de leis
+prohibitivas, seria querer affrontar as leis do progresso, seria querer
+perpetuar no seculo XIX o systema do <i>mare clausum</i>, ou aquellas
+condições da existencia exclusivista, que teriam rasão de ser no seculo
+XVI, mas que hoje em dia para a nação que a ellas se aferrasse, seria um
+motivo de desconceito entre as nações civilisadas e cultas.</p>
+
+<p>É frivola a invocação de passadas glorias de seculos já decorridos, toda
+a vez que para prestar-lhes culto, se deixa perder seu resultado, não as
+illustrando no presente por procedimentos que mostrem ser dignos
+d'ellas, os que ao invocal-as as aproveitam de accordo com as
+tendencias, indole e necessidades do seculo em que vivemos. Para isso, é
+urgente entrar n'uma situação de <i>collaboradores</i>, e não de impecedores,
+em tudo quanto é concernente ás aspirações do progresso, não só no
+regimen interno, mas nas praticas que tem mais longiquo e vasto alcance.</p>
+
+<p>Na communidade de interesses que tornam as nações solidarias, não se
+póde apresentar a mão espalmada para conter a onda, e apresentar tão
+inutil barreira com o fim de conter as tendencias do progresso. Cada
+epoca tem suas aspirações, e é baldado esforço o querer arrostar com
+ellas, desde que a civilisação exija caminhar.</p>
+
+<p>Quando o proprietario de um terreno o deixa inculto, reservado e
+impeditivo, em prejuiso manifesto dos visinhos ou da communa, ha no
+direito interno de cada paiz, os meios de o expropriar pela rasão de
+utilidade publica. Não convem, que pelo apego a certas praticas que
+destoam do systema harmonico em que todas as nações são interessadas, se
+dê motivo a que hajam de nos considerar como o proprietario impeditivo e
+retrogrado, nem pretexto para pedirem sentença de expropriação por
+utilidade internacional.</p>
+
+<p>O tratado entre Portugal e Inglaterra, de 30 de maio de 1879, para
+<i>fomentar e alargar as relações commerciaes</i> <span class="pagenum">[61]</span> <i>entre os seus
+dominios limitrophes na Africa, promover a completa extincção do trafico
+d'escravos e auxiliar-se mutuamente a fim de cooperar na obra da
+civilisação da Africa</i>, tem n'estas invocações da sua causa e de seus
+fins, um titulo honroso para ambas as nações contratantes.</p>
+
+<p>Qualquer que fosse a nação com a qual Portugal em identidade de
+condições o negociasse, ella tinha no seu titulo a sua justificação. Mas
+cresce de ponto o valor d'esta, quando o seu alcance politico e
+commercial é compartilhado e cooperado pela nação, com a qual Portugal
+está vinculado pelas mais activas relações commerciaes, ligações
+politicas, e inveterada alliança, como se dá com a Gram-Bretanha. É esta
+a nação cujo commercio com Portugal é de uma tal importancia, que só
+poderia comprehender-se sua valia quando elle deixasse de existir activo
+e assiduo.</p>
+
+<p>É a Inglaterra a potencia com a qual Portugal não póde deixar de manter
+relações as mais amigaveis. Se suas antigas allianças são um penhor de
+mutua vantagem, tambem seus passados feitos na historia tem pontos de
+assimilação, que as deveriam tornar sempre solidarias na mutua amisade.
+Portugal devassou o Oriente, e abriu o passo á Inglaterra n'aquellas
+regiões onde ésta ostenta um dos mais vastos imperios do mundo. Portugal
+fez o Brazil, a Inglaterra fez os Estados-Unidos d'America. Portugal e
+Inglaterra foram o fulcro da alavanca que serviu para derribar o maior
+potentado, que no começo d'este seculo dispoz dos destinos da Europa.</p>
+
+<p>Portugal é hoje um estado pequeno em extensão e em preponderancia
+politica; a Inglaterra é uma grande potencia. O tratado é a união do
+fraco com o forte. Que importa? Se o forte póde ser altivo quando se
+julgue offendido pelo fraco, tambem saberá ser leal quando lealmente
+considerado. O forte será austero quando o fraco é indiscreto, mas
+tambem usa ser cordato e discreto quando no fraco encontra lealdade e
+dignidade. Não se contraponha pois como em argumento contra o tratado, a
+expressão trivial de que o <i>direito do mais forte prevalece sempre</i>.
+Isto é meramente falso, porque então em vez de direito haveria a
+prepotencia, e éssa não se estipula nos tratados. Se tal affirmação
+valesse, seria a negação do direito convencional, <span class="pagenum">[62]</span> não haveria
+tratados nem convenções entre nações, porque sempre haveria differença
+de poderios; seria a negação do direito publico europeu; seria
+implicitamente sanccionar o uso da força, elevando ésta a unico arbitro
+que houvesse de prevalecer entre nações; seria proclamar as insidias na
+paz e os latrocinios na guerra como a feição permanente das relações
+entre estados. N'uma palavra, seria a negação de todas as idéas de
+progresso e de fraternidade dos povos, e seria voltar ás epocas antigas
+da historia, quando as regras do direito das gentes se limitavam áquella
+barbara simplicidade, de considerar synonymas as qualificações de
+<i>barbaro, estrangeiro, inimigo</i>.</p>
+
+<p>A uma tão retrograda doutrina, ou ás tendencias que para ella
+conduzissem, poderia antepôr-se outra, mais razoavel, mais justa e mais
+conforme aos dictames que o direito publico consigna e que a civilisação
+proclama, e tal é, que os tratados são para as nações pequenas, uma
+garantia moral e effectiva da sua <i>independencia</i>, e do seu direito de
+<i>egualdade</i> internacional, desde que os tratados publicos são phases,
+que só se dão entre nações independentes e como taes reconhecidas. Uma
+nação que vivesse isolada, como os papuas da Nova Guiné, ou como
+outr'ora os estados do Dey d'Argel, ou os piratas Tunesinos de
+Barbaroxa, não mereceria entre as outras, uma consideração superior
+áquella que um individuo merece, quando bisonhamente se encerra no
+domicilio e não tem trato nem cortejo com os visinhos com quem vive
+desconfiado.</p>
+
+<p>Se a razão de prepotencia é tão inconvenientemente invocada como regra,
+tambem é extemporaneamente chamada a terreno no actual procedimento
+entre Portugal e Inglaterra. A bahia de Lourenço Marques já esteve em
+parte em poder d'aquella nação. Disputada em pleito, foi acceite a
+arbitragem de uma terceira potencia. A Inglaterra, se quizesse ser
+prepotente, e se valesse o argumento da possibilidade de o vir a ser,
+não teria de certo acceitado tal arbitragem, como tambem acceitou ácerca
+de Bolama. Ceder perante as razões de direito quando tal cedencia é da
+parte mais forte e já occupante, é acto e procedimento que não authorisa
+a que se chame prepotente quem assim procede.</p>
+
+<p>Nem se diga que a acceitação do principio da arbitragem, estatuido como
+tal no congresso de Paris de 1856, <span class="pagenum">[63]</span> fosse n'estes casos obrigatoria.
+Para o não ser, bastava seguir o precedente usado pela França em 1859,
+quando tres annos depois d'aquelle congresso europeu effectuado na sua
+capital, recusou a Portugal, o sujeitar á arbitragem a questão do
+negreiro «Charles &amp; George.»</p>
+
+<p>Durante a campanha dos inglezes na Africa austral, contra as tribus
+zulus, uma diversão de força que desembarcando em Lourenço Marques os
+atacasse de flanco, teria sido operação tactica de grande vantagem para
+a Inglaterra. Para assim o conseguir, alem de outros meios, teriam
+aquelle tão inculcado, o da prepotencia. Mas qual foi a prepotencia
+usada pelos que, tendo aberto mão de Lourenço Marques, nem mesmo
+beliscaram o melindre dos novos occupantes, com o solicitar a
+<i>concessão</i> para effectuar tal transito? É necessario ser justo para
+merecer justiça.</p>
+
+<p>No tratado entre Portugal e Inglaterra não ha pois para os espiritos
+despreoccupados, e imparciaes, nem <i>lesão de independencia</i>, como
+gratuitamente allegam seus impugnadores, nem <i>quebra de dignidade
+nacional</i>. Pelo contrario, ha a confirmação e reconhecimento formal de
+posse e soberania territorial, com usufruição reciproca das vantagens
+commerciaes, que da boa harmonia e acção commum devem resultar. Ha mais
+ainda; e é o honroso encargo de contribuir para a civilisação da Africa,
+em homenagem ás aspirações, e com direito aos applausos, de todas as
+nações cultas. Não é isto obra da prepotencia do forte, mas sim do
+reciproco accordo entre duas nações, ás quaes a Providencia preparou os
+meios de decidir do futuro da Africa.</p>
+
+<p>Estabelecer as regras de mutuos procedimentos, estipular as concessões
+bilateraes, e annuir a taes compromissos, não é <i>quebra de dignidade</i>. É
+seguir o exemplo do que as potencias europeas tem praticado e estatuido
+nos grandes congressos internacionaes, quando se tem pretendido definir
+principios e regular assumptos, não de interesse especial, mas sim de
+vantagem internacional. Assim n'aquelle congresso de Paris de 1856, onde
+se consignou o recurso da arbitragem, tambem se estatuiu, com adherencia
+de todos os estados alli representados, a abolição do corso maritimo, a
+immunidade dos carregamentos neutros sob bandeira inimiga, a notificação
+e effectividade dos bloqueios, etc., e ninguem se lembrou de affirmar,
+que a annuencia ou <span class="pagenum">[64]</span> sujeição a todos estes principios assim
+definidos, importasse <i>quebra de dignidade</i> nem offensa de nacionalidade
+para qualquer das potencias que os acceitavam <i>collectivamente</i>, embora
+differentes fossem os interesses resultantes da sua plena e indivisa
+acceitação.</p>
+
+<p>Tem alguma analogia o que o congresso de 1856 fez relativamente á
+Europa, com o que representa o tratado de Lourenço Marques com relação á
+Africa.</p>
+
+<p>Então as principaes potencias da Europa, concordavam em assumptos que
+mais ou menos interessavam a politica europea.</p>
+
+<p>Agora Portugal e Inglaterra, as unicas nações reconhecidas com dominio
+n'Africa austral e oriental, submettem-se reciprocamente ás
+estipulações, em que concordaram para interesse d'aquelles dominios, que
+exclusivamente possuem n'aquella parte do Mundo, que não deve ficar fora
+da lei do progresso.</p>
+
+<p>Portugal não perde porque póde lucrar a Inglaterra, e esta não perde
+porque lucra Portugal. Ambas lucrarão materialmente; e muito lucrará
+tambem Portugal moralmente quando a par e em condições de <i>egualdade
+internacional</i> com uma das primeiras nações do Mundo, poder ufanar-se da
+gloria de haver contribuido para a obra grandiosa da civilisação da
+Africa.</p> <span class="pagenum">[65]</span>
+
+
+
+
+<h1>IX</h1>
+
+
+<p>Ao contemplar a situação que a Portugal cabe n'este assumpto, e a
+perspectiva das vantagens ou desdouros que d'ella podem depender,
+conforme a politica e procedimentos que forem adoptados, quaesquer
+reflexões que nos animos desejosos do bem e da boa reputação do seu paiz
+poderiam originar-se, estão bem definidas n'aquellas palavras de uma
+authoridade digna do melhor conceito, pelo seu conhecimento do assumpto,
+e pela sua comprovada illustração. Tal é a do sr. Augusto de Castilho,
+digno official da armada, que durante varios annos governou com superior
+intelligencia o districto de Lourenço Marques.</p>
+
+<p>N'uma memoria a tal respeito recentemente publicada, diz elle entre
+outras cousas, o seguinte:</p>
+
+<p>«No assumpto (de Lourenço Marques) somos tão directamente interessados,
+que devemos tirar partido das circumstancias, e prepararmo-nos da
+maneira mais vantajosa para promover a prosperidade do districto de
+Lourenço Marques.</p>
+
+<p>«Lembremo-nos de que persistindo nós na politica de <i>isolamento e
+inacção que nos teem distinguido</i>, estamol-o criminosamente conservando
+agrilhoado a um revoltante estacionamento; <i>fica inutil para nós e
+inutil para os outros</i>.</p>
+
+<p>«Lourenço Marques sem o caminho de ferro não passa do que tem sido ha
+300 annos; não porque não tenha em si os recursos para o seu
+desenvolvimento; mas porque <span class="pagenum">[66]</span> não ha entre nós o genio colonisador,
+não ha iniciativa e não ha capitaes.</p>
+
+<p>«A Africa felizmente é grande bastante, e tem logar para muita gente;
+está porém ainda n'um tal estado de atrazo e mesmo tão pouco conhecida
+em geral, que ha alli muito campo para que todos trabalhemos sem nos
+acotovelarmos e incommodarmos mutuamente.</p>
+
+<p>«Concorra cada um segundo suas forças para o concerto geral e unisono, e
+veremos que os beneficos resultados se não hão de fazer esperar muito.
+Pelo facto de sermos nós os possuidores do melhor porto de toda a costa
+da Africa austral e oriental, desde o cabo da Boa Esperança até
+Moçambique, <i>não é licito já hoje que conservemos fechado esse porto</i>, e
+o territorio adjacente ao nosso e os territorios estrangeiros que com
+elle confinam, privados dos beneficios civilisadores que elles teem
+direito a exigir da nossa dominação de tantos annos.</p>
+
+<p>«A politica das nossas auctoridades na costa oriental deveria ser uma
+politica de <i>cordura</i>, de <i>intelligencia</i> e de <i>conciliação para com os
+nossos visinhos, attenuar em vez de avolumar, umas mesquinhas e mal
+entendidas rivalidades</i> que nascem em alguns individuos pouco
+instruidos, ou mesmo mal intencionados, e a que só uma imprensa que
+falseie a sua missão, pode dar importancia e corpo.</p>
+
+<p>«E antes de mais nada, lembremo-nos de que em assumptos africanos,
+<i>parar é retroceder, é demolir o que está feito</i>, é ser inevitavelmente
+atropellado. Trabalhar é a civilisação, é o engrandecimento do nosso bom
+nome, é a perpetuação das nossas passadas tradições.</p>
+
+<p>«Trabalhemos pois, cada um no seu tanto, cada um conforme as suas
+forças, cada um por seu modo, mas todos com a mira no grande lábaro
+sagrado que se chama a patria».</p>
+
+<p>Com aquelle enthusiasmo que nasce da convicção profunda, assim se
+expressava o sr. Castilho, pouco antes da nova feição que o assumpto
+tomou, em vista do addiamento da sua solução, pela recusa da camara
+electiva do parlamento portuguez em ratifical-o; addiamento votado em 7
+do corrente junho, um anno depois da negociação concluida, como se um
+anno não fosse prazo demasiado para pensar na importancia de uma
+convenção, que por <span class="pagenum">[67]</span> seu caracter de internacional não deveria estar
+sujeita áquellas contingencias comesinhas, a que se subordinam as
+questões concernentes ás ninharias de regimen interno.</p>
+
+<p>Os escrupulos sobre attribuições, aliás claramente estatuidas, podem
+n'um caso d'estes ser taxados, não de acto de consciencia, mas de
+pretexto frivolo.</p>
+
+<p>O addiar é ás vezes peior do que o rejeitar. Este póde ser consequencia
+de um estudo mal comprehendido; aquelle por tardio e capcioso dá logar a
+ser interpretado como desattenção e indifferença, menos de esperar para
+com os que aguardam uma decisão, nunca presumindo que ésta seja uma
+extemporanea evasiva, como ás vezes se usa para com os mendigos
+importunos.</p>
+
+<p>Addiar não é somente, como diz o sr. Castilho, <i>parar, retroceder,
+demolir</i>; é tambem dar plausibilidade áquella imputação que nos fez Sir
+C. Napier na sua historia da guerra civil da successão, quando affirma
+ser o caracter predominante dos portuguezes, mesmo nas occasiões
+urgentes, <i>não fazer hoje nada do que se pode deixar para ámanhã</i>,
+accrescentando que como nação nada poderemos <i>emquanto não riscarmos
+aquella palavra «ámanhã» do nosso diccionario</i>.</p>
+
+<p>Addiar, é sempre mau, pelo que significa em absoluto; e mais ainda no
+caso especial, em que a pachorra no proceder e a evasiva no decidir, dão
+causa a provocar para o acto, uma qualificação publica de falta de
+cortezia, o que entre nações póde ser interpretado como a reserva de
+outra designação, que nem é lisongeiro pensar n'ella, nem nas possiveis
+consequencias.</p>
+
+<p>É sempre mau o addiamento do que é urgente de resolver; mas peior é
+ainda a pretenção de o impôr aos que não seguem o culto do <i>ámanhã</i> de
+que falla Napier. Para alguns a dilação de um dia, é menos indifferente
+do que para outros a de um anno. Por isso os assumptos internacionaes,
+em que é necessario sair da politica domestica, difficilmente pódem
+estar subordinados á rotina caseira que pode prejudical-os. Nem as
+questiunculas de politica partidaria podem sanar quaesquer faltas,
+mediante a acrimonia das recriminações. Poderão éstas significar justos
+desabafos, mas nada com estes lucrará a causa do Paíz.</p>
+
+<p>Se existe o mal, a todos cumpre desejar-lhe o remedio <span class="pagenum">[68]</span> e procural-o,
+de preferencia a apontar os culpados. Se peccar é mau, peior é ser
+impenitente. Não foi para estes que Metastasio disse: «Cangianno i sagj
+secondo il lor miglior consiglio.»</p>
+
+<p>Consignando estas ponderações ácerca do tratado de 30 de maio de 1879,
+sua importancia e conveniencia, ha um ponto ácerca do qual não resta
+duvida, e tal é a persuasão de que, nem o desassombro e franqueza com
+que ellas são expressas, nem a convicção mais intima e leal que as
+dicta, poderão poupar a quem as redige, de ser apodado de
+antipatriotico.</p>
+
+<p>Quem assim fôr peremptoriamente sentenciado no tribunal dos impugnadores
+do tratado, terá como attenuação, o lembrar-se de que ficará em boa
+companhia. Em todo o caso basta-lhe a consciencia de não merecer tal
+sentença.</p>
+
+<p>É aquelle o argumento, ou antes o recurso de que se servem, os que
+encontram menos difficuldade em o dizer, do que de facilidade em o
+provar; mas julgam assim acobertar a injustiça do dito, escudando-o com
+a invocação de um sentimentalismo, que para ter valor deveria pelo menos
+não ser deslocado.</p>
+
+<p>Haverá quem de boa fé esteja illudido nas suas apreciações pró ou
+contra; haverá quem obedeça ás influencias de qualquer logar commum
+muito vulgarisado; outros porém terão menos desculpa, e taes são os que
+impugnam o tratado ainda antes de o ter lido, ou aliás sem o ter
+comprehendido.</p>
+
+<p>O patriotismo não está sómente nas vãs declamações. Os que sinceramente
+desejam para Portugal uma posição honrosa e distincta, e a sua elevação
+no conceito das nações cultas, não podem ser indifferentes a tudo quanto
+haja de contribuir para que, mediante a sensata apreciação das cousas, a
+atilada conducta dos homens de estado, e o bom juizo dos poderes
+publicos, um tão importante e melindroso assumpto internacional, obtenha
+prompta solução, condigna d'elle, e das nações n'elle empenhadas, de
+cujo accordo, harmonia, amisade, e leal cooperação, estão dependentes,
+não só os seus reciprocos interesses, como tambem outros de tão vasto
+alcance, quaes são os do progresso e da civilisação de uma grande parte
+do Mundo.</p>
+
+<p>Lisboa. Junho de 1880.</p>
+</div>
+
+
+
+
+
+
+
+<pre>
+
+
+
+
+
+End of the Project Gutenberg EBook of A Influencia Europea na Africa perante
+a Civilisação e as Relações Internacionaes, by Carlos Testa
+
+*** END OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK INFLUENCIA EUROPEA ***
+
+***** This file should be named 25635-h.htm or 25635-h.zip *****
+This and all associated files of various formats will be found in:
+ http://www.gutenberg.org/2/5/6/3/25635/
+
+Produced by Pedro Saborano and the Online Distributed
+Proofreading Team at http://www.pgdp.net (This book was
+produced from scanned images of public domain material
+from the Google Print project.)
+
+
+Updated editions will replace the previous one--the old editions
+will be renamed.
+
+Creating the works from public domain print editions means that no
+one owns a United States copyright in these works, so the Foundation
+(and you!) can copy and distribute it in the United States without
+permission and without paying copyright royalties. Special rules,
+set forth in the General Terms of Use part of this license, apply to
+copying and distributing Project Gutenberg-tm electronic works to
+protect the PROJECT GUTENBERG-tm concept and trademark. Project
+Gutenberg is a registered trademark, and may not be used if you
+charge for the eBooks, unless you receive specific permission. If you
+do not charge anything for copies of this eBook, complying with the
+rules is very easy. You may use this eBook for nearly any purpose
+such as creation of derivative works, reports, performances and
+research. They may be modified and printed and given away--you may do
+practically ANYTHING with public domain eBooks. Redistribution is
+subject to the trademark license, especially commercial
+redistribution.
+
+
+
+*** START: FULL LICENSE ***
+
+THE FULL PROJECT GUTENBERG LICENSE
+PLEASE READ THIS BEFORE YOU DISTRIBUTE OR USE THIS WORK
+
+To protect the Project Gutenberg-tm mission of promoting the free
+distribution of electronic works, by using or distributing this work
+(or any other work associated in any way with the phrase "Project
+Gutenberg"), you agree to comply with all the terms of the Full Project
+Gutenberg-tm License (available with this file or online at
+http://gutenberg.org/license).
+
+
+Section 1. General Terms of Use and Redistributing Project Gutenberg-tm
+electronic works
+
+1.A. By reading or using any part of this Project Gutenberg-tm
+electronic work, you indicate that you have read, understand, agree to
+and accept all the terms of this license and intellectual property
+(trademark/copyright) agreement. If you do not agree to abide by all
+the terms of this agreement, you must cease using and return or destroy
+all copies of Project Gutenberg-tm electronic works in your possession.
+If you paid a fee for obtaining a copy of or access to a Project
+Gutenberg-tm electronic work and you do not agree to be bound by the
+terms of this agreement, you may obtain a refund from the person or
+entity to whom you paid the fee as set forth in paragraph 1.E.8.
+
+1.B. "Project Gutenberg" is a registered trademark. It may only be
+used on or associated in any way with an electronic work by people who
+agree to be bound by the terms of this agreement. There are a few
+things that you can do with most Project Gutenberg-tm electronic works
+even without complying with the full terms of this agreement. See
+paragraph 1.C below. There are a lot of things you can do with Project
+Gutenberg-tm electronic works if you follow the terms of this agreement
+and help preserve free future access to Project Gutenberg-tm electronic
+works. See paragraph 1.E below.
+
+1.C. The Project Gutenberg Literary Archive Foundation ("the Foundation"
+or PGLAF), owns a compilation copyright in the collection of Project
+Gutenberg-tm electronic works. Nearly all the individual works in the
+collection are in the public domain in the United States. If an
+individual work is in the public domain in the United States and you are
+located in the United States, we do not claim a right to prevent you from
+copying, distributing, performing, displaying or creating derivative
+works based on the work as long as all references to Project Gutenberg
+are removed. Of course, we hope that you will support the Project
+Gutenberg-tm mission of promoting free access to electronic works by
+freely sharing Project Gutenberg-tm works in compliance with the terms of
+this agreement for keeping the Project Gutenberg-tm name associated with
+the work. You can easily comply with the terms of this agreement by
+keeping this work in the same format with its attached full Project
+Gutenberg-tm License when you share it without charge with others.
+
+1.D. The copyright laws of the place where you are located also govern
+what you can do with this work. Copyright laws in most countries are in
+a constant state of change. If you are outside the United States, check
+the laws of your country in addition to the terms of this agreement
+before downloading, copying, displaying, performing, distributing or
+creating derivative works based on this work or any other Project
+Gutenberg-tm work. The Foundation makes no representations concerning
+the copyright status of any work in any country outside the United
+States.
+
+1.E. Unless you have removed all references to Project Gutenberg:
+
+1.E.1. The following sentence, with active links to, or other immediate
+access to, the full Project Gutenberg-tm License must appear prominently
+whenever any copy of a Project Gutenberg-tm work (any work on which the
+phrase "Project Gutenberg" appears, or with which the phrase "Project
+Gutenberg" is associated) is accessed, displayed, performed, viewed,
+copied or distributed:
+
+This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with
+almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or
+re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included
+with this eBook or online at www.gutenberg.org
+
+1.E.2. If an individual Project Gutenberg-tm electronic work is derived
+from the public domain (does not contain a notice indicating that it is
+posted with permission of the copyright holder), the work can be copied
+and distributed to anyone in the United States without paying any fees
+or charges. If you are redistributing or providing access to a work
+with the phrase "Project Gutenberg" associated with or appearing on the
+work, you must comply either with the requirements of paragraphs 1.E.1
+through 1.E.7 or obtain permission for the use of the work and the
+Project Gutenberg-tm trademark as set forth in paragraphs 1.E.8 or
+1.E.9.
+
+1.E.3. If an individual Project Gutenberg-tm electronic work is posted
+with the permission of the copyright holder, your use and distribution
+must comply with both paragraphs 1.E.1 through 1.E.7 and any additional
+terms imposed by the copyright holder. Additional terms will be linked
+to the Project Gutenberg-tm License for all works posted with the
+permission of the copyright holder found at the beginning of this work.
+
+1.E.4. Do not unlink or detach or remove the full Project Gutenberg-tm
+License terms from this work, or any files containing a part of this
+work or any other work associated with Project Gutenberg-tm.
+
+1.E.5. Do not copy, display, perform, distribute or redistribute this
+electronic work, or any part of this electronic work, without
+prominently displaying the sentence set forth in paragraph 1.E.1 with
+active links or immediate access to the full terms of the Project
+Gutenberg-tm License.
+
+1.E.6. You may convert to and distribute this work in any binary,
+compressed, marked up, nonproprietary or proprietary form, including any
+word processing or hypertext form. However, if you provide access to or
+distribute copies of a Project Gutenberg-tm work in a format other than
+"Plain Vanilla ASCII" or other format used in the official version
+posted on the official Project Gutenberg-tm web site (www.gutenberg.org),
+you must, at no additional cost, fee or expense to the user, provide a
+copy, a means of exporting a copy, or a means of obtaining a copy upon
+request, of the work in its original "Plain Vanilla ASCII" or other
+form. Any alternate format must include the full Project Gutenberg-tm
+License as specified in paragraph 1.E.1.
+
+1.E.7. Do not charge a fee for access to, viewing, displaying,
+performing, copying or distributing any Project Gutenberg-tm works
+unless you comply with paragraph 1.E.8 or 1.E.9.
+
+1.E.8. You may charge a reasonable fee for copies of or providing
+access to or distributing Project Gutenberg-tm electronic works provided
+that
+
+- You pay a royalty fee of 20% of the gross profits you derive from
+ the use of Project Gutenberg-tm works calculated using the method
+ you already use to calculate your applicable taxes. The fee is
+ owed to the owner of the Project Gutenberg-tm trademark, but he
+ has agreed to donate royalties under this paragraph to the
+ Project Gutenberg Literary Archive Foundation. Royalty payments
+ must be paid within 60 days following each date on which you
+ prepare (or are legally required to prepare) your periodic tax
+ returns. Royalty payments should be clearly marked as such and
+ sent to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation at the
+ address specified in Section 4, "Information about donations to
+ the Project Gutenberg Literary Archive Foundation."
+
+- You provide a full refund of any money paid by a user who notifies
+ you in writing (or by e-mail) within 30 days of receipt that s/he
+ does not agree to the terms of the full Project Gutenberg-tm
+ License. You must require such a user to return or
+ destroy all copies of the works possessed in a physical medium
+ and discontinue all use of and all access to other copies of
+ Project Gutenberg-tm works.
+
+- You provide, in accordance with paragraph 1.F.3, a full refund of any
+ money paid for a work or a replacement copy, if a defect in the
+ electronic work is discovered and reported to you within 90 days
+ of receipt of the work.
+
+- You comply with all other terms of this agreement for free
+ distribution of Project Gutenberg-tm works.
+
+1.E.9. If you wish to charge a fee or distribute a Project Gutenberg-tm
+electronic work or group of works on different terms than are set
+forth in this agreement, you must obtain permission in writing from
+both the Project Gutenberg Literary Archive Foundation and Michael
+Hart, the owner of the Project Gutenberg-tm trademark. Contact the
+Foundation as set forth in Section 3 below.
+
+1.F.
+
+1.F.1. Project Gutenberg volunteers and employees expend considerable
+effort to identify, do copyright research on, transcribe and proofread
+public domain works in creating the Project Gutenberg-tm
+collection. Despite these efforts, Project Gutenberg-tm electronic
+works, and the medium on which they may be stored, may contain
+"Defects," such as, but not limited to, incomplete, inaccurate or
+corrupt data, transcription errors, a copyright or other intellectual
+property infringement, a defective or damaged disk or other medium, a
+computer virus, or computer codes that damage or cannot be read by
+your equipment.
+
+1.F.2. LIMITED WARRANTY, DISCLAIMER OF DAMAGES - Except for the "Right
+of Replacement or Refund" described in paragraph 1.F.3, the Project
+Gutenberg Literary Archive Foundation, the owner of the Project
+Gutenberg-tm trademark, and any other party distributing a Project
+Gutenberg-tm electronic work under this agreement, disclaim all
+liability to you for damages, costs and expenses, including legal
+fees. YOU AGREE THAT YOU HAVE NO REMEDIES FOR NEGLIGENCE, STRICT
+LIABILITY, BREACH OF WARRANTY OR BREACH OF CONTRACT EXCEPT THOSE
+PROVIDED IN PARAGRAPH F3. YOU AGREE THAT THE FOUNDATION, THE
+TRADEMARK OWNER, AND ANY DISTRIBUTOR UNDER THIS AGREEMENT WILL NOT BE
+LIABLE TO YOU FOR ACTUAL, DIRECT, INDIRECT, CONSEQUENTIAL, PUNITIVE OR
+INCIDENTAL DAMAGES EVEN IF YOU GIVE NOTICE OF THE POSSIBILITY OF SUCH
+DAMAGE.
+
+1.F.3. LIMITED RIGHT OF REPLACEMENT OR REFUND - If you discover a
+defect in this electronic work within 90 days of receiving it, you can
+receive a refund of the money (if any) you paid for it by sending a
+written explanation to the person you received the work from. If you
+received the work on a physical medium, you must return the medium with
+your written explanation. The person or entity that provided you with
+the defective work may elect to provide a replacement copy in lieu of a
+refund. If you received the work electronically, the person or entity
+providing it to you may choose to give you a second opportunity to
+receive the work electronically in lieu of a refund. If the second copy
+is also defective, you may demand a refund in writing without further
+opportunities to fix the problem.
+
+1.F.4. Except for the limited right of replacement or refund set forth
+in paragraph 1.F.3, this work is provided to you 'AS-IS' WITH NO OTHER
+WARRANTIES OF ANY KIND, EXPRESS OR IMPLIED, INCLUDING BUT NOT LIMITED TO
+WARRANTIES OF MERCHANTIBILITY OR FITNESS FOR ANY PURPOSE.
+
+1.F.5. Some states do not allow disclaimers of certain implied
+warranties or the exclusion or limitation of certain types of damages.
+If any disclaimer or limitation set forth in this agreement violates the
+law of the state applicable to this agreement, the agreement shall be
+interpreted to make the maximum disclaimer or limitation permitted by
+the applicable state law. The invalidity or unenforceability of any
+provision of this agreement shall not void the remaining provisions.
+
+1.F.6. INDEMNITY - You agree to indemnify and hold the Foundation, the
+trademark owner, any agent or employee of the Foundation, anyone
+providing copies of Project Gutenberg-tm electronic works in accordance
+with this agreement, and any volunteers associated with the production,
+promotion and distribution of Project Gutenberg-tm electronic works,
+harmless from all liability, costs and expenses, including legal fees,
+that arise directly or indirectly from any of the following which you do
+or cause to occur: (a) distribution of this or any Project Gutenberg-tm
+work, (b) alteration, modification, or additions or deletions to any
+Project Gutenberg-tm work, and (c) any Defect you cause.
+
+
+Section 2. Information about the Mission of Project Gutenberg-tm
+
+Project Gutenberg-tm is synonymous with the free distribution of
+electronic works in formats readable by the widest variety of computers
+including obsolete, old, middle-aged and new computers. It exists
+because of the efforts of hundreds of volunteers and donations from
+people in all walks of life.
+
+Volunteers and financial support to provide volunteers with the
+assistance they need, is critical to reaching Project Gutenberg-tm's
+goals and ensuring that the Project Gutenberg-tm collection will
+remain freely available for generations to come. In 2001, the Project
+Gutenberg Literary Archive Foundation was created to provide a secure
+and permanent future for Project Gutenberg-tm and future generations.
+To learn more about the Project Gutenberg Literary Archive Foundation
+and how your efforts and donations can help, see Sections 3 and 4
+and the Foundation web page at http://www.pglaf.org.
+
+
+Section 3. Information about the Project Gutenberg Literary Archive
+Foundation
+
+The Project Gutenberg Literary Archive Foundation is a non profit
+501(c)(3) educational corporation organized under the laws of the
+state of Mississippi and granted tax exempt status by the Internal
+Revenue Service. The Foundation's EIN or federal tax identification
+number is 64-6221541. Its 501(c)(3) letter is posted at
+http://pglaf.org/fundraising. Contributions to the Project Gutenberg
+Literary Archive Foundation are tax deductible to the full extent
+permitted by U.S. federal laws and your state's laws.
+
+The Foundation's principal office is located at 4557 Melan Dr. S.
+Fairbanks, AK, 99712., but its volunteers and employees are scattered
+throughout numerous locations. Its business office is located at
+809 North 1500 West, Salt Lake City, UT 84116, (801) 596-1887, email
+business@pglaf.org. Email contact links and up to date contact
+information can be found at the Foundation's web site and official
+page at http://pglaf.org
+
+For additional contact information:
+ Dr. Gregory B. Newby
+ Chief Executive and Director
+ gbnewby@pglaf.org
+
+
+Section 4. Information about Donations to the Project Gutenberg
+Literary Archive Foundation
+
+Project Gutenberg-tm depends upon and cannot survive without wide
+spread public support and donations to carry out its mission of
+increasing the number of public domain and licensed works that can be
+freely distributed in machine readable form accessible by the widest
+array of equipment including outdated equipment. Many small donations
+($1 to $5,000) are particularly important to maintaining tax exempt
+status with the IRS.
+
+The Foundation is committed to complying with the laws regulating
+charities and charitable donations in all 50 states of the United
+States. Compliance requirements are not uniform and it takes a
+considerable effort, much paperwork and many fees to meet and keep up
+with these requirements. We do not solicit donations in locations
+where we have not received written confirmation of compliance. To
+SEND DONATIONS or determine the status of compliance for any
+particular state visit http://pglaf.org
+
+While we cannot and do not solicit contributions from states where we
+have not met the solicitation requirements, we know of no prohibition
+against accepting unsolicited donations from donors in such states who
+approach us with offers to donate.
+
+International donations are gratefully accepted, but we cannot make
+any statements concerning tax treatment of donations received from
+outside the United States. U.S. laws alone swamp our small staff.
+
+Please check the Project Gutenberg Web pages for current donation
+methods and addresses. Donations are accepted in a number of other
+ways including checks, online payments and credit card donations.
+To donate, please visit: http://pglaf.org/donate
+
+
+Section 5. General Information About Project Gutenberg-tm electronic
+works.
+
+Professor Michael S. Hart is the originator of the Project Gutenberg-tm
+concept of a library of electronic works that could be freely shared
+with anyone. For thirty years, he produced and distributed Project
+Gutenberg-tm eBooks with only a loose network of volunteer support.
+
+
+Project Gutenberg-tm eBooks are often created from several printed
+editions, all of which are confirmed as Public Domain in the U.S.
+unless a copyright notice is included. Thus, we do not necessarily
+keep eBooks in compliance with any particular paper edition.
+
+
+Most people start at our Web site which has the main PG search facility:
+
+ http://www.gutenberg.org
+
+This Web site includes information about Project Gutenberg-tm,
+including how to make donations to the Project Gutenberg Literary
+Archive Foundation, how to help produce our new eBooks, and how to
+subscribe to our email newsletter to hear about new eBooks.
+
+
+</pre>
+
+</body>
+</html>
diff --git a/25635-page-images/p0001.png b/25635-page-images/p0001.png
new file mode 100644
index 0000000..aa1ae6d
--- /dev/null
+++ b/25635-page-images/p0001.png
Binary files differ
diff --git a/25635-page-images/p0003.png b/25635-page-images/p0003.png
new file mode 100644
index 0000000..76e4229
--- /dev/null
+++ b/25635-page-images/p0003.png
Binary files differ
diff --git a/25635-page-images/p0004.png b/25635-page-images/p0004.png
new file mode 100644
index 0000000..71340f0
--- /dev/null
+++ b/25635-page-images/p0004.png
Binary files differ
diff --git a/25635-page-images/p0005.png b/25635-page-images/p0005.png
new file mode 100644
index 0000000..9802361
--- /dev/null
+++ b/25635-page-images/p0005.png
Binary files differ
diff --git a/25635-page-images/p0006.png b/25635-page-images/p0006.png
new file mode 100644
index 0000000..cd10526
--- /dev/null
+++ b/25635-page-images/p0006.png
Binary files differ
diff --git a/25635-page-images/p0007.png b/25635-page-images/p0007.png
new file mode 100644
index 0000000..bba0235
--- /dev/null
+++ b/25635-page-images/p0007.png
Binary files differ
diff --git a/25635-page-images/p0008.png b/25635-page-images/p0008.png
new file mode 100644
index 0000000..873826d
--- /dev/null
+++ b/25635-page-images/p0008.png
Binary files differ
diff --git a/25635-page-images/p0009.png b/25635-page-images/p0009.png
new file mode 100644
index 0000000..e6fc65f
--- /dev/null
+++ b/25635-page-images/p0009.png
Binary files differ
diff --git a/25635-page-images/p0010.png b/25635-page-images/p0010.png
new file mode 100644
index 0000000..2198231
--- /dev/null
+++ b/25635-page-images/p0010.png
Binary files differ
diff --git a/25635-page-images/p0011.png b/25635-page-images/p0011.png
new file mode 100644
index 0000000..22890be
--- /dev/null
+++ b/25635-page-images/p0011.png
Binary files differ
diff --git a/25635-page-images/p0012.png b/25635-page-images/p0012.png
new file mode 100644
index 0000000..3ee1cae
--- /dev/null
+++ b/25635-page-images/p0012.png
Binary files differ
diff --git a/25635-page-images/p0013.png b/25635-page-images/p0013.png
new file mode 100644
index 0000000..71c4f52
--- /dev/null
+++ b/25635-page-images/p0013.png
Binary files differ
diff --git a/25635-page-images/p0014.png b/25635-page-images/p0014.png
new file mode 100644
index 0000000..7853301
--- /dev/null
+++ b/25635-page-images/p0014.png
Binary files differ
diff --git a/25635-page-images/p0015.png b/25635-page-images/p0015.png
new file mode 100644
index 0000000..4884ad6
--- /dev/null
+++ b/25635-page-images/p0015.png
Binary files differ
diff --git a/25635-page-images/p0016.png b/25635-page-images/p0016.png
new file mode 100644
index 0000000..84e55e6
--- /dev/null
+++ b/25635-page-images/p0016.png
Binary files differ
diff --git a/25635-page-images/p0017.png b/25635-page-images/p0017.png
new file mode 100644
index 0000000..fdeedda
--- /dev/null
+++ b/25635-page-images/p0017.png
Binary files differ
diff --git a/25635-page-images/p0018.png b/25635-page-images/p0018.png
new file mode 100644
index 0000000..705c545
--- /dev/null
+++ b/25635-page-images/p0018.png
Binary files differ
diff --git a/25635-page-images/p0019.png b/25635-page-images/p0019.png
new file mode 100644
index 0000000..83994b6
--- /dev/null
+++ b/25635-page-images/p0019.png
Binary files differ
diff --git a/25635-page-images/p0020.png b/25635-page-images/p0020.png
new file mode 100644
index 0000000..8b2c92a
--- /dev/null
+++ b/25635-page-images/p0020.png
Binary files differ
diff --git a/25635-page-images/p0021.png b/25635-page-images/p0021.png
new file mode 100644
index 0000000..19a208d
--- /dev/null
+++ b/25635-page-images/p0021.png
Binary files differ
diff --git a/25635-page-images/p0022.png b/25635-page-images/p0022.png
new file mode 100644
index 0000000..7063851
--- /dev/null
+++ b/25635-page-images/p0022.png
Binary files differ
diff --git a/25635-page-images/p0023.png b/25635-page-images/p0023.png
new file mode 100644
index 0000000..1735caf
--- /dev/null
+++ b/25635-page-images/p0023.png
Binary files differ
diff --git a/25635-page-images/p0024.png b/25635-page-images/p0024.png
new file mode 100644
index 0000000..f6ed038
--- /dev/null
+++ b/25635-page-images/p0024.png
Binary files differ
diff --git a/25635-page-images/p0025.png b/25635-page-images/p0025.png
new file mode 100644
index 0000000..0230627
--- /dev/null
+++ b/25635-page-images/p0025.png
Binary files differ
diff --git a/25635-page-images/p0026.png b/25635-page-images/p0026.png
new file mode 100644
index 0000000..17c2c7e
--- /dev/null
+++ b/25635-page-images/p0026.png
Binary files differ
diff --git a/25635-page-images/p0027.png b/25635-page-images/p0027.png
new file mode 100644
index 0000000..b81b2ea
--- /dev/null
+++ b/25635-page-images/p0027.png
Binary files differ
diff --git a/25635-page-images/p0028.png b/25635-page-images/p0028.png
new file mode 100644
index 0000000..4bd12de
--- /dev/null
+++ b/25635-page-images/p0028.png
Binary files differ
diff --git a/25635-page-images/p0029.png b/25635-page-images/p0029.png
new file mode 100644
index 0000000..de615e7
--- /dev/null
+++ b/25635-page-images/p0029.png
Binary files differ
diff --git a/25635-page-images/p0030.png b/25635-page-images/p0030.png
new file mode 100644
index 0000000..20d28c4
--- /dev/null
+++ b/25635-page-images/p0030.png
Binary files differ
diff --git a/25635-page-images/p0031.png b/25635-page-images/p0031.png
new file mode 100644
index 0000000..2c28b0b
--- /dev/null
+++ b/25635-page-images/p0031.png
Binary files differ
diff --git a/25635-page-images/p0032.png b/25635-page-images/p0032.png
new file mode 100644
index 0000000..b842975
--- /dev/null
+++ b/25635-page-images/p0032.png
Binary files differ
diff --git a/25635-page-images/p0033.png b/25635-page-images/p0033.png
new file mode 100644
index 0000000..e84cbdf
--- /dev/null
+++ b/25635-page-images/p0033.png
Binary files differ
diff --git a/25635-page-images/p0034.png b/25635-page-images/p0034.png
new file mode 100644
index 0000000..f0c0701
--- /dev/null
+++ b/25635-page-images/p0034.png
Binary files differ
diff --git a/25635-page-images/p0035.png b/25635-page-images/p0035.png
new file mode 100644
index 0000000..a3fd85d
--- /dev/null
+++ b/25635-page-images/p0035.png
Binary files differ
diff --git a/25635-page-images/p0036.png b/25635-page-images/p0036.png
new file mode 100644
index 0000000..a316c65
--- /dev/null
+++ b/25635-page-images/p0036.png
Binary files differ
diff --git a/25635-page-images/p0037.png b/25635-page-images/p0037.png
new file mode 100644
index 0000000..c37f413
--- /dev/null
+++ b/25635-page-images/p0037.png
Binary files differ
diff --git a/25635-page-images/p0038.png b/25635-page-images/p0038.png
new file mode 100644
index 0000000..33646f7
--- /dev/null
+++ b/25635-page-images/p0038.png
Binary files differ
diff --git a/25635-page-images/p0039.png b/25635-page-images/p0039.png
new file mode 100644
index 0000000..1a17834
--- /dev/null
+++ b/25635-page-images/p0039.png
Binary files differ
diff --git a/25635-page-images/p0040.png b/25635-page-images/p0040.png
new file mode 100644
index 0000000..245520c
--- /dev/null
+++ b/25635-page-images/p0040.png
Binary files differ
diff --git a/25635-page-images/p0041.png b/25635-page-images/p0041.png
new file mode 100644
index 0000000..cc3ff2c
--- /dev/null
+++ b/25635-page-images/p0041.png
Binary files differ
diff --git a/25635-page-images/p0042.png b/25635-page-images/p0042.png
new file mode 100644
index 0000000..22cd424
--- /dev/null
+++ b/25635-page-images/p0042.png
Binary files differ
diff --git a/25635-page-images/p0043.png b/25635-page-images/p0043.png
new file mode 100644
index 0000000..fcb1a16
--- /dev/null
+++ b/25635-page-images/p0043.png
Binary files differ
diff --git a/25635-page-images/p0044.png b/25635-page-images/p0044.png
new file mode 100644
index 0000000..825c6d4
--- /dev/null
+++ b/25635-page-images/p0044.png
Binary files differ
diff --git a/25635-page-images/p0045.png b/25635-page-images/p0045.png
new file mode 100644
index 0000000..d5a2927
--- /dev/null
+++ b/25635-page-images/p0045.png
Binary files differ
diff --git a/25635-page-images/p0046.png b/25635-page-images/p0046.png
new file mode 100644
index 0000000..ad4bb20
--- /dev/null
+++ b/25635-page-images/p0046.png
Binary files differ
diff --git a/25635-page-images/p0047.png b/25635-page-images/p0047.png
new file mode 100644
index 0000000..91c2774
--- /dev/null
+++ b/25635-page-images/p0047.png
Binary files differ
diff --git a/25635-page-images/p0048.png b/25635-page-images/p0048.png
new file mode 100644
index 0000000..6006989
--- /dev/null
+++ b/25635-page-images/p0048.png
Binary files differ
diff --git a/25635-page-images/p0049.png b/25635-page-images/p0049.png
new file mode 100644
index 0000000..2ddaa2f
--- /dev/null
+++ b/25635-page-images/p0049.png
Binary files differ
diff --git a/25635-page-images/p0050.png b/25635-page-images/p0050.png
new file mode 100644
index 0000000..20fc21a
--- /dev/null
+++ b/25635-page-images/p0050.png
Binary files differ
diff --git a/25635-page-images/p0051.png b/25635-page-images/p0051.png
new file mode 100644
index 0000000..438a868
--- /dev/null
+++ b/25635-page-images/p0051.png
Binary files differ
diff --git a/25635-page-images/p0052.png b/25635-page-images/p0052.png
new file mode 100644
index 0000000..330d77d
--- /dev/null
+++ b/25635-page-images/p0052.png
Binary files differ
diff --git a/25635-page-images/p0053.png b/25635-page-images/p0053.png
new file mode 100644
index 0000000..5640253
--- /dev/null
+++ b/25635-page-images/p0053.png
Binary files differ
diff --git a/25635-page-images/p0054.png b/25635-page-images/p0054.png
new file mode 100644
index 0000000..e0a0075
--- /dev/null
+++ b/25635-page-images/p0054.png
Binary files differ
diff --git a/25635-page-images/p0055.png b/25635-page-images/p0055.png
new file mode 100644
index 0000000..3feb022
--- /dev/null
+++ b/25635-page-images/p0055.png
Binary files differ
diff --git a/25635-page-images/p0056.png b/25635-page-images/p0056.png
new file mode 100644
index 0000000..4ebfaa6
--- /dev/null
+++ b/25635-page-images/p0056.png
Binary files differ
diff --git a/25635-page-images/p0057.png b/25635-page-images/p0057.png
new file mode 100644
index 0000000..d982b75
--- /dev/null
+++ b/25635-page-images/p0057.png
Binary files differ
diff --git a/25635-page-images/p0058.png b/25635-page-images/p0058.png
new file mode 100644
index 0000000..99ece11
--- /dev/null
+++ b/25635-page-images/p0058.png
Binary files differ
diff --git a/25635-page-images/p0059.png b/25635-page-images/p0059.png
new file mode 100644
index 0000000..5e7f12c
--- /dev/null
+++ b/25635-page-images/p0059.png
Binary files differ
diff --git a/25635-page-images/p0060.png b/25635-page-images/p0060.png
new file mode 100644
index 0000000..330d0f8
--- /dev/null
+++ b/25635-page-images/p0060.png
Binary files differ
diff --git a/25635-page-images/p0061.png b/25635-page-images/p0061.png
new file mode 100644
index 0000000..ef77f3d
--- /dev/null
+++ b/25635-page-images/p0061.png
Binary files differ
diff --git a/25635-page-images/p0062.png b/25635-page-images/p0062.png
new file mode 100644
index 0000000..1319ee2
--- /dev/null
+++ b/25635-page-images/p0062.png
Binary files differ
diff --git a/25635-page-images/p0063.png b/25635-page-images/p0063.png
new file mode 100644
index 0000000..e0bc376
--- /dev/null
+++ b/25635-page-images/p0063.png
Binary files differ
diff --git a/25635-page-images/p0064.png b/25635-page-images/p0064.png
new file mode 100644
index 0000000..f1c3e28
--- /dev/null
+++ b/25635-page-images/p0064.png
Binary files differ
diff --git a/25635-page-images/p0065.png b/25635-page-images/p0065.png
new file mode 100644
index 0000000..7d45a8a
--- /dev/null
+++ b/25635-page-images/p0065.png
Binary files differ
diff --git a/25635-page-images/p0066.png b/25635-page-images/p0066.png
new file mode 100644
index 0000000..6fb34c9
--- /dev/null
+++ b/25635-page-images/p0066.png
Binary files differ
diff --git a/25635-page-images/p0067.png b/25635-page-images/p0067.png
new file mode 100644
index 0000000..8d7b0b7
--- /dev/null
+++ b/25635-page-images/p0067.png
Binary files differ
diff --git a/25635-page-images/p0068.png b/25635-page-images/p0068.png
new file mode 100644
index 0000000..1ee79dd
--- /dev/null
+++ b/25635-page-images/p0068.png
Binary files differ
diff --git a/LICENSE.txt b/LICENSE.txt
new file mode 100644
index 0000000..6312041
--- /dev/null
+++ b/LICENSE.txt
@@ -0,0 +1,11 @@
+This eBook, including all associated images, markup, improvements,
+metadata, and any other content or labor, has been confirmed to be
+in the PUBLIC DOMAIN IN THE UNITED STATES.
+
+Procedures for determining public domain status are described in
+the "Copyright How-To" at https://www.gutenberg.org.
+
+No investigation has been made concerning possible copyrights in
+jurisdictions other than the United States. Anyone seeking to utilize
+this eBook outside of the United States should confirm copyright
+status under the laws that apply to them.
diff --git a/README.md b/README.md
new file mode 100644
index 0000000..d6403d6
--- /dev/null
+++ b/README.md
@@ -0,0 +1,2 @@
+Project Gutenberg (https://www.gutenberg.org) public repository for
+eBook #25635 (https://www.gutenberg.org/ebooks/25635)