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+The Project Gutenberg EBook of Descobrimento das Filippinas pelo navegador
+portuguez Fernão de Magalhães, by Caetano Alberto
+
+This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with
+almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or
+re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included
+with this eBook or online at www.gutenberg.org
+
+
+Title: Descobrimento das Filippinas pelo navegador portuguez Fernão de Magalhães
+
+Author: Caetano Alberto
+
+Release Date: June 26, 2009 [EBook #29243]
+
+Language: Portuguese
+
+Character set encoding: ISO-8859-1
+
+*** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK DESCOBRIMENTO DAS FILIPPINAS ***
+
+
+
+
+Produced by Pedro Saborano (produced from scanned images
+of public domain material from Google Book Search)
+
+
+
+
+
+
+ Notas de transcrição:
+
+ No livro original existia uma errata no final do mesmo.
+ Os erros identificados nessa errata foram corrigidos nesta edição,
+ tendo-se mantido a lista de erros originais. Adicionalmente foram
+ corrigidos alguns erros tipográficos evidentes.
+ Nesta edição em texto simples não se faz referencia às ilustrações
+ presentes no livro impresso, já que não contém informação relevante.
+
+
+
+
+ _CAETANO ALBERTO_
+
+ DESCOBRIMENTO
+
+ DAS
+
+ FILIPPINAS
+
+ PELO NAVEGADOR PORTUGUEZ
+
+ FERNÃO DE MAGALHÃES
+
+ _Edição illustrada_
+
+
+
+
+ LISBOA
+ EMPREZA DO OCCIDENTE
+ Largo do Poço Novo
+ 1898
+
+
+
+
+ DESCOBRIMENTO DAS FILIPPINAS
+
+
+
+
+ _CAETANO ALBERTO_
+
+ DESCOBRIMENTO
+
+ DAS
+
+ FILIPPINAS
+
+ PELO NAVEGADOR PORTUGUEZ
+
+ FERNÃO DE MAGALHÃES
+
+ _Edição illustrada_
+
+
+
+
+ LISBOA
+ EMPREZA DO OCCIDENTE
+ 1898
+
+
+
+
+ _Á memoria de seu tio_
+
+ O CAPITÃO
+
+ Paulo Antonio da Rocha
+
+ _O. e D._
+
+ O Auctor.
+
+
+
+
+I
+
+
+_Primus circumdidisti me._--Foste o primeiro que me circumdou.--Foi esta
+a divisa que Carlos V, o imperador, escreveu na esphera que encimou o
+brazão de Sebastião de Elcano, o afortunado piloto castelhano, que do
+mar do sul trouxe a S. Lucar de Barrameda, a nau _Victoria_, com a
+noticia da descoberta das ilhas Mariannas, tendo dado a volta ao mundo.
+
+Afortunado chamámos a Sebastião de Elcano, e que maior fortuna que
+colher os loiros que deviam cingir a fronte de outro, a quem a sua má
+estrella lhe anoitou a existencia depois de o ter guiado á victoria!
+
+E que outro podia ser que um portuguez a devassar os mares, a circundar
+o globo?!
+
+Que de emprezas arrojadas; que de feitos d'armas; que de acções
+generosas; que de progressos das sciencias se poderão apontar na
+historia, que não encontreis á sua frente primeiro entre os
+primeiros:--o portuguez.
+
+Ah! que até chego a duvidar se estou acordado ou sonhando, quando ouço
+para ahi tanto pessimismo a amesquinhar o nosso valor, a duvidar, a
+descrêr de nós proprios!
+
+Não ha talvez outro exemplo de uma nacionalidade assim!
+
+Tão grande; tão prestimosa; tão brilhante, que o seu nome está escripto
+no mundo inteiro, pelos mares, nas ilhas, nos continentes, nos mais
+reconditos sertões e até nos astros--como adiante veremos--e que tão
+pouco julgue de si; tendo-se por fraca quando tanto é o seu valor;
+julgando-se pobre quando é tão rica, que tem dado prodigamente a outros
+e tanto ainda lhe resta para si; que tendo uma historia tão gloriosa
+como outra não ha, pense que não é d'ella que ha-de viver, como se fosse
+uma Roma cahida, que já não tem a girar-lhe nas veias o mesmo sangue com
+que escreveu essa historia!
+
+Mas então o que valem os feitos dos nossos soldados, que ainda nos
+principios d'este seculo se batiam e levavam de vencida as legiões do
+primeiro capitão, que avassalava o mundo com a sua espada e que veio
+encontrar, n'este recanto da peninsula, os primeiros revezes da guerra
+que o levaram por fim a Santa Helena:--O grande Bonaparte!; mas que
+valem, em nossos dias essas victorias alcançadas em Africa; que
+dispertam a admiração do mundo; que significa ainda o triumpho que
+n'este momento as armas portuguezas estão alcançando na Oceania?; o que
+vale o resurgir das nossas artes, que vão honrar o nome portuguez nos
+certamens onde concorrem os artistas de todo o mundo, como agora, em
+Berlim; que gloria nos vem de um dramaturgo portuguez Pinero (Pinheiro),
+em Inglaterra, alcançar os maiores triumphos nos theatros de Londres, e
+das suas peças percorrerem toda a America; para que orgulhar-mo-nos dos
+Luziadas que é um poema eterno porque canta as glorias de um povo de
+guerreiros e de navegadores; para que serve a expansão d'este paiz
+pequeno, cujos seus filhos affirmam a victalidade da patria pelas cinco
+partes do mundo, em colonias tão importantes como as da America, da
+Africa, da Oceania e da Asia; que importancia tem os nossos homens
+scientificos que se distinguem nos congressos onde se reunem as
+summidades da sciencia; o que quer dizer essa lucta da industria
+portugueza a medir-se com as industrias de outros paizes mais
+adiantados, supprindo as necessidades de um povo civilisado a que a má
+administração das suas finanças acarretou uma crise economica; o que
+importa o renascimento de um paiz que em meio seculo tem realisado todos
+os progressos que o aproximam das nações mais cultas?
+
+Serão proprios de uma raça degenerada, de um paiz perdido, de uma
+civilisação extincta, todas estas manifestações de vida, affirmações de
+força, de lucta pela existencia, sob um sol creador, n'uma terra
+uberrima, que se desentranha em fructos, que encerra thesouros, em suas
+minas, fertilisada por abundantes rios, que tem tudo que ha em outros
+paizes e mais o que elles não teem, que é rica, emfim, de todos os bens
+que a natureza possue e que Deus parece ter reunido aqui como no paraizo
+terreal!
+
+E para que foi que este povo, achando-se apertado no solo que as suas
+espadas conquistaram, se aventurou aos mares a alçar a sua bandeira em
+terras até então desconhecidas, levantando imperios na India e na
+America, avassallando novos mundos onde a familia portugueza póde viver
+como na patria porque são patria tambem de portuguezes.
+
+Mas basta. Não ennumeremos mais o que deveria estar na lembrança de
+todos os filhos de Portugal, o que nunca deveriam esquecer, porque é
+esquecerem-se da sua nacionalidade, do que prova a sua existencia e
+autonomia, do que dá razão da sua vida atravez de todas as vicissitudes
+porque tem passado.
+
+Pois quê! se Portugal não fosse um élo importante da cadeia que liga a
+grande familia da humanidade, teria resistido aos embates da sorte que
+tantas vezes o hão experimentado?
+
+Se elle não tivesse concorrido tão bastamente para a civilisação que o
+mundo disfructa, como teria atravessado por entre os seculos e luctado
+contra as ambições de extranhos que tentaram apagar dos mappas as linhas
+que demarcam as suas fronteiras!
+
+A Polonia succumbe sob o grande collosso porque a sua nacionalidade não
+coopera na transformação porque o mundo passa ao sahir da idade media; o
+mesmo acontece á Hungria. Veneza cahiu quando as novas descobertas
+empanam o brilho da sua navegação e do seu commercio.
+
+Portugal existe e vive porque o ciclo da civilisação de que elle lançou
+os primeiros segmentos ainda não se fechou.
+
+
+
+
+II
+
+
+Que serie de heroes encontramos ao folhear da historia, desde os que
+tentam as primeiras descobertas geographicas até os que fundam imperios
+como Affonso de Albuquerque.
+
+Como as prôas das naus portuguezas foram deliniando, na immensa tabola
+do Oceano os fundamentos da civilisação moderna.
+
+Os argonautas precedem os venezianos nas suas viagens; o scandinavo Leif
+Erik descobre tres seculos antes de Colombo a America do norte e os
+noruegueses estabelecem-se na Islandia; Roger Bacon e o cardeal Pedro
+d'Ailly esboçam os primeiros deliniamentos geographicos, mas tudo isto é
+nebuloso no espirito dos navegadores e cosmographos do seculo XV e faz
+crescer a vontade de conhecer os caminhos do mar, para chegar áquellas
+regiões mysteriosas de que se contavam historias da Fabula.
+
+Christovão Colombo e Amerigo Vespucci estudam e fazem calculos para
+achar o caminho do Oriente de que falla Marco Polo, e o aventuroso
+genovez despresado na sua patria vem offerecer a Portugal os seus
+serviços e pedir-lhe naus para ir á descoberta, mas não é mais feliz nas
+suas pretenções do que o fôra na Italia.
+
+Já Portugal então andava tambem empenhado n'essas emprezas, e o immortal
+infante D. Henrique lançava, na supposta eschola de Sagres, as bases das
+grandes navegações e descobertas que iam seguir-se.
+
+Ali se planeava a grande revolução geographica que se ia operar e que
+seria o fóco de novas revoluções, nas sciencias, nas artes e no
+commercio, o prologo d'esta civilisação que hoje nos maravilha.
+
+Vasco da Gama, mais feliz do que Colombo encontra o caminho da India. Os
+seus marinheiros vencem os mares tenebrosos e quebram o encanto das
+sereias que se rendem ás suas canções maritimas; o indomito Adamastor
+respeita tão grande audacia e deixa passar adiante a frota que entra
+alfim no Oceano Indico.
+
+Depois que serie de descobertas se succedem; que trabalho de civilisação
+de novas gentes se enceta.
+
+Os nossos arsenaes apparelham, sem cessar, naus e caravellas para novos
+emprehendimentos. Desenvolve-se a febre da navegação; cada portuguez é
+um navegador. Portugal quasi se despovoa para ir povoar novas terras
+onde leve a luz da nova civilisação.
+
+Os seus capitães vão continuar para além do Atlantico a sua obra de
+conquista principiada em Ourique. Eram ainda o mesmo peito d'aço, o
+mesmo braço esforçado. A flôr da mocidade adiantava-se; os que ficavam
+tinham inveja dos que partiam. Vieram as emolações, as intrigas da
+côrte, os despeitos, e quantos d'isto foram victimas, os maus, os bons.
+
+Houve, porém, um homem na côrte de D. Manuel, mais audaz, por ventura
+que outros, que acariciava a idéa de dar a volta ao mundo por mares
+ainda não devassados de europeus.
+
+Era a idéa predominante no espirito dos navegadores achar a passagem
+para o mar do Sul que incurtaria o caminho para a India.
+
+Colombo já o pensára, Balboa estivera a ponto de o realisar, mas o
+Destino tinha escripto no seu insondavel livro que seria a um portuguez
+que caberia essa gloria: e esse portuguez, esse homem da côrte de D.
+Manuel;--foi Fernão de Magalhães, que quizera enflorar na corôa de
+Portugal uma nova joia de alto valor, mas que o mesmo Destino quiz que a
+fosse engastar na Corôa de Castella!
+
+
+
+
+III
+
+
+Não é proprio dos espiritos aventurosos medir as suas acções pelas
+regras da prudencia e da boa razão; se assim não fôra deixaria de haver
+a aventura para só prevalecer a fria reflexão, o que tanto monta como o
+mundo ter avançado metade do caminho precorrido nos progressos da
+humanidade: _Audentes fortuna juvat._
+
+Não se esperem aventuras donde só dominar a intelligencia sem participar
+o coração. Os productos da primeira serão admirados e respeitados, mas o
+que o segundo produzir ha-de espantar e maravilhar.
+
+Raro se reunem estas qualidades e por isso, quando se encontram em um só
+homem, esse homem será um heroe, porque encherá de beneficios a
+humanidade.
+
+Comtudo não menos raro é, que a esses homens de espirito e coração
+privilegiados, a humanidade tenha aberto os braços antes de lhe mover
+uma guerra de morte. Porque elles vêem mais longe que o vulgar dos
+espritos, advinhando o que outros não comprehendem, são sempre o alvo da
+inveja dos maus a espicaçar a aversão dos nescios.
+
+É por isso que em todos os tempos a intriga tem envolvido os grandes
+homens, deturpando-lhe as intenções, maculando-lhe o caracter,
+desfazendo de seus meritos, pretendendo annular-lhe as suas obras.
+
+Quantas vezes os ferros de el-rei arroxearam os pulsos dos seus melhores
+servidores; quantas o desgosto matou homens a quem a posteridade tem
+levantado monumentos!
+
+N'este labyrinto da Historia, que os historiadores nem sempre tem podido
+espurgar das paixões, quão difficil é apreciar com justiça o caracter
+dos homens que n'ella mais preponderam por suas acções e influencia.
+
+É n'esta difficuldade que nos encontrâmos para definir nitidamente o
+caracter de Fernão de Magalhães, avaliando as rasões que o levaram a
+deixar a patria e o serviço do seu rei, pelo serviço do imperador das
+Hespanhas, por um paiz que era o emulo de Portugal, nas conquistas e
+descobertas.
+
+É fóra de duvida que Fernão de Magalhães deveria ter um caracter
+independente e ousado, porque outro não se compadecia com o seu espirito
+aventuroso; que esse caracter não seria facilmente maleavel como não se
+amoldaria ás adulações e hypocrisias da côrte, parece seguro; mas viria
+só d'isto o desagrado em que cahiu para com el-rei D. Manuel?
+
+Seria Fernão de Magalhães mais ambicioso que outros, o que não é para
+admirar, visto que o seu espirito se dilatava tanto pelo que outros não
+viam, e essa ambição miraria mais á gloria do que ao interesse material?
+Qualquer das duas seria o bastante para o malquistar com os camaradas e
+com os cortezãos.
+
+É certo que um dos motivos de desgosto de Magalhães foi el-rei
+desattender-lhe o pedido de augmento de pensão, ao voltar de Azamor,
+onde combatera valentemente contra os moiros ao lado de João Soares e
+onde fôra ferido em uma perna, de que ficou coxeando; mas se o augmento
+pouco valia monetariamente, sobrava-lhe em importancia moral porque,
+como diz Faria e Sousa, na _Asia Portugueza_: «Subir cinco reaes em
+dinheiro, é subir muitos graus em qualidade», e Lafitau na _Europa
+Portugueza_: «... crescer aqui um real é crescer muito em opinião».
+
+
+
+
+IV
+
+
+Quando isto succedeu já Fernão de Magalhães havia illustrado o seu nome
+em Africa, tendo feito parte de tres expedições, que de Lisboa partiram
+para aquelles paizes.
+
+A primeira d'essas expedições foi a de 25 de março de 1505, sob o
+commando de D. Francisco d'Almeida. N'ella se alistou Fernão de
+Magalhães, contando 25 annos de idade, pois, segundo parece, nascera
+pelos annos de 1480,[1] deixando os commodos da côrte, onde, segundo diz
+Argenzola, na _Historia de las Malucas_ e _Anales de Aragon_, era pagem
+da rainha D. Leonor e d'el-rei D. Manuel. Preparou-se Magalhães, tanto
+com as coisas espirituaes como materiaes, para a perigosa viagem,
+conforme o costume dos tempos. Confessou-se e sacramentou-se e fez
+testamento, em Belem, a 19 de dezembro de 1504, em que transparece o
+animo com que o testador se achava para as grandes emprezas, pois
+recommenda n'aquelle documento--segundo dá fé Diego de Barros Arana, na
+_Vida e Viagens de Fernão de Magalhães_,[2]--a sua irmã D. Thereza de
+Magalhães, que institue herdeira do seu patrimonio como parente mais
+proximo, casada com João da Silva Telles, gentilhomem da côrte e senhor
+do castello de Pereira de Sabrosa, que transmitta o seu appellido
+juntamente com o seu brazão d'armas a seus herdeiros.
+
+Em 1508 encontrava-se já Fernão de Magalhães em Lisboa de volta
+d'aquella viagem. Havia tomado parte com Nuno Vaz Pereira nas guerras da
+Costa Oriental da Africa para submetter aquelles povos á soberania de
+Portugal, como era necessario para a submissão das possessões da India.
+
+Não nos transmitte a historia os feitos d'armas que elle praticou n'esta
+viagem; é comtudo certo que ella lhe serviu, como as subsequentes, para
+alargar os seus estudos geographicos, como affirmam todos os escriptores
+que de Magalhães se tem occupado.
+
+A segunda viagem encetou-a Fernão de Magalhães em 5 de abril de 1508,
+partindo de Lisboa na frota de Diogo Lopes de Sequeira, composta de
+quatro naus, com objecto de novas descobertas e conquistas no Oriente.
+Malaca era uma das terras mais cubiçadas pelas riquezas que tinha, e
+Sequeira ia encarregado de estabelecer relações com aquelle povo.
+
+A viagem foi bem succedida até Madagascar, mas, proseguindo para Ceylão,
+um grande temporal obrigou os navios a arribar a Cochim, onde residia o
+vice-rei da India D. Francisco d'Almeida. Aqui augmentou Sequeira a sua
+frota com mais um navio e a guarnição com mais 60 homens, largando de
+Cochim a 18 de agosto de 1509.
+
+Chegou Diogo Lopes de Sequeira a Malaca depois de ter reconhecido a ilha
+de Sumatra. Foi, porém, desgraçado o fim d'esta viagem, porque os
+malayos, que a principio receberam bem os portuguezes, não tardou muito
+que conspirassem contra os nossos, tentando assassinar Sequeira,
+tentativa de que Magalhães teve conhecimento e conseguiu frustrar, assim
+como com esforçado valor defendeu seus companheiros de morrerem
+traiçoeiramente ás mãos d'aquelle povo, salvando quantos poude dos que
+se encontravam em terra. Entre estes nomea-se Francisco Serrano, ou
+Serrão, seu companheiro e, parece, parente.
+
+Sequeira voltou para a Europa no melhor navio da frota, tendo mandado
+queimar dois por falta de gente para os tripular, e ordenando que os
+outros officiaes e resto de tripulação fossem para Cochim nos dois
+navios restantes, d'onde depois seguiriam para Portugal.
+
+Assim se observou; porém, a má sorte quiz que os navios se perdessem no
+archipelago de Laquedivas, desfazendo-se nos recifes de Padua, logrando
+salvar-se a tripulação para um ilheu deserto, esperando passar a terra
+povoada.
+
+N'esta conjuntura revela-se a grandeza de animo e o coração generoso de
+Fernão de Magalhães, porque, embarcando-se os seus companheiros nas
+lanchas para procurarem terra hospitaleira, elle se ficou com os
+restantes correndo o risco de, embora perecer, mas nunca os abandonar.
+Assim esperou que os companheiros lhe enviassem o auxilio necessario, e,
+chegado elle, se passou a Cananor, onde encontrou Affonso de
+Albuquerque, que ia de viagem para Ormuz com gente de guerra a dilatar
+suas conquistas na Persia e seguir até o mar Roxo e Egypto.
+
+Recebeu Affonso de Albuquerque a Fernão de Magalhães e aos companheiros,
+que embarcou em sua armada, os quaes o ajudaram a submetter Goa e a
+dominar a costa de Malabar, e depois a tentar nova guerra contra Malaca,
+que é um dos feitos mais gloriosos das armas portuguezas no Oriente e o
+inicio de novos descobrimentos como os das ilhas de Banda e das Molucas,
+centro das ricas e procuradas especiarias.
+
+No regresso d'esta viagem (1512), em que tanto se distinguiu Fernão de
+Magalhães, teve este em recompensa de seus serviços o cargo de moço
+fidalgo do paço, com a pensão de mil réis mensaes com moradia. Esta
+pensão lhe foi melhorada pouco tempo depois, o que muito lhe
+accrescentou o valor e importancia na côrte, como se deprehende dos
+documentos achados por Muñoz no archivo de Lisboa.
+
+A recompensa dada por el-rei D. Manuel a Fernão de Magalhães foi
+incentivo bastante para o bravo portuguez voltar á guerra, procurando na
+sorte das armas augmentar o lustre do seu nome já então galardoado.
+
+Na Africa feria-se uma guerra contra mouros que se batiam denodadamente
+com os portuguezes. Não menos que para a India se dirigiam as vistas do
+rei afortunado para aquelle campo das nossas conquistas, e assim mandou
+aprestar uma grande armada, composta de quatrocentos navios,--segundo
+diz Faria e Sousa, na sua _Africa Portuguesa_,--em que embarcou dezenove
+mil homens de guerra, sob as ordens de seu sobrinho D. Jayme de
+Bragança.
+
+N'esta armada partiu Fernão de Magalhães, emprehendendo a sua terceira
+viagem, em 1513; e não foi esta menos gloriosa para o seu nome que as
+duas primeiras; pois que combatendo ao lado de João Soares contra
+aquelles povos semi-barbaros, occupou a praça de Azamor e defendeu-a
+valorosamente contra as tropas dos reis de Fez e de Mequinez. N'esta
+guerra se excedeu tanto em valor que, a par do ferimento que recebeu em
+uma perna, de que ficou coxeando, lhe foi dado o posto de
+quadrilheiro-mór, ou capitão de uma companhia; e perseguiu de tal modo
+os mouros que aprisionou oitocentos e noventa d'estes e duas mil cabeças
+de gado.
+
+Segundo diz Barros, esta façanha foi origem de desgostos para Fernão de
+Magalhães, porque na repartição da presa levantaram-se tantas
+reclamações e intrigas que chegaram aos ouvidos de el-rei D. Manuel,
+indispondo este monarcha contra o heroe de Azamor.
+
+Quanto de inveja e de mal soffridas ambições andariam n'isto, é o que
+não podemos affirmar; mas, a julgar pelos resultados, mui negras deviam
+ser as côres com que apresentaram a el-rei o quadro do procedimento de
+Magalhães, para que este, depois de se justificar com documentos,
+provando a falsidade das arguições ainda assim não conseguisse
+recompensa regia dos seus serviços e ainda menos perdão da supposta
+culpa.
+
+Ouçamos o que sobre este ponto diz Gaspar Correia, nas suas _Lendas da
+India_, n'aquella linguagem do tempo, e que vamos transcrever quanto
+possivel approximada e intelligivel para a maioria dos leitores de
+agora. «... Fernão de Magalhães, vindo ao reino, allegando a el-rei seus
+serviços, pediu em recompensa lhe accrescentasse cem réis de moradia por
+mez, o que el-rei lhe denegou, por não cahir em sua graça, ou porque
+estava destinado que assim havia de ser. Fernão de Magalhães, aggravado,
+porque muito o pediu a el-rei e elle lh'o não quiz fazer, lhe pediu
+licença de ir viver para quem lhe fizesse mercê e alcançasse mais
+fortuna que com elle, ao que el-rei lhe disse, fizesse o que quizesse, e
+lhe quiz beijar a mão e el-rei lhe a não quiz dar.»
+
+Não se pense d'aqui que a pureza dos costumes do tempo fosse tal que,
+admittindo que Magalhães fosse menos escrupuloso no seu procedimento,
+não lhe pudessem ser levados em conta os serviços prestados ao reino,
+para lhe attenuar a falta; porque é certo que a outros, não mais
+prestantes nem menos ambiciosos, a munificencia do rei encheu de honras
+e prebendas, apesar das faltas commettidas.
+
+As injustiças são de todos os tempos, sem que por isso se deva sempre
+condemnar quem as comette; porque muitas vezes são involuntarias e
+apenas resultado de tramas bem urdidos por terceiros.
+
+Foi, provavelmente, o que aconteceu com Fernão de Magalhães, que tanto
+se sentiu de ver-se injustamente desattendido, que renegou da sua
+nacionalidade de portuguez para offerecer os seus serviços a Castella.
+
+Não se fala da lucta que elle travaria comsigo mesmo para levar a cabo
+esta resolução; mas é bem de suppôr seria enorme, se tivermos em vista
+quanto devia repugnar a um portuguez o trocar a sua nacionalidade pela
+de uma nação, que sempre nos disputou a supremacia, quer nas conquistas
+e descobrimentos, quer na absorpção d'esta gloriosa patria portugueza.
+Enorme lucta, sem duvida, a que se levantou no espirito de Fernão de
+Magalhães; mas como resistir-lhe, se essa resistencia seria a annullação
+dos seus planos audaciosos, que não eram a satisfacção de um capricho,
+vaidade impertinente, ou ambição injusta.
+
+O escudo das suas armas ia ser picado, o nome da sua familia execrando,
+apontado ao desprezo; e elle estimava tanto os pergaminhos de seus
+antepassados, o seu nome, a sua patria, que, ao apartar-se d'ella pela
+primeira vez, recommendara a seus herdeiros, nas desposições
+testamentarias, que lhe guardassem o seu escudo de armas e o
+transmitissem aos seus descendentes.
+
+Enorme lucta, sem duvida; mas ainda maior que essa lucta era o ideal de
+Fernão de Magalhães, que antesonhava o grande progresso geographico que
+realizaria com a sua viagem de circumnavegação do globo, prestando ao
+mundo um alto serviço e cobrindo o seu nome de tanta gloria, que
+faltando á religião da patria, ella não se deshonraria a final de o ter
+por filho.
+
+Deshonra e vergonha seria se Fernão de Magalhães houvesse cruzado os
+braços ante a injustiça dos homens, rojando-se submisso aos pés de um
+throno que o desprezava. Encontrando-se com animo para a audaz empresa
+que planeava, pouco lhe devia importar o ser portuguez ou de outra
+qualquer nacionalidade; essa preoccupação seria futil no meio da sua
+grandiosa obra. Elle tinha fatalmente que realizar os seus planos. Se a
+patria lhe negava os meios de os levar a effeito, elle iria por esse
+mundo fóra procural-os até encontrar quem lh'os facultasse; e foi e
+encontrou!
+
+Se para a Hespanha Fernão de Magalhães conquistou terras, para Portugal
+conquistou a gloria do seu nome. Essas terras poderão um dia deixar de
+ser de Hespanha; mas a gloria do nome de Fernão de Magalhães é que nunca
+deixará de ser de Portugal!
+
+ [1] Não está bem determinada a data do nascimento de Fernão de
+ Magalhães; é, todavia, certo que elle nasceu na aldeia de Sabrosa,
+ de Traz-os-Montes e que seu pae se chamava Pedro, sendo da quarta
+ nobreza de Portugal, ou fidalgo de cotta d'armas e geração que tem
+ insignias de nobreza, tendo a sua familia escudo d'armas
+ enxequetado, ou em quadradinhos como taboleiro de xadrez.
+
+ [2] Este testamento só foi conhecido em 1855, segundo diz Arana, que
+ d'elle teve conhecimento por uma copla de Ferdinand Diniz, que a
+ houve de um herdeiro de Magalhães.
+
+
+
+
+V
+
+
+Mediaram cerca de tres annos entre os successos que levaram Fernão de
+Magalhães a renegar a nacionalidade portugueza, e a sua entrada em
+Sevilha a 20 de outubro de 1517.
+
+Este tempo consumiu-o em estudos de cosmographia e nautica, escrevendo
+tambem a sua obra em castelhano sobre as terras que tinha visitado, á
+qual deu o titulo: _Descripcion de los reinos, costas, puertos e islas
+que hai en el mar de la India oriental i costumbres de sus naturales: su
+gobierno, religion, comercio i navegacion, i de los frutos i efectos que
+producen aquellas vastas regiones, con otras noticias mui curiosas;
+compuesto por Fernando Magallanes, piloto portuguez que lo vio i anduvo
+todo._
+
+Esta obra nunca foi publicada, apesar d'isso extrahiram-se d'ella
+algumas copias, que alteraram muitos pontos essenciaes das viagens de
+Magalhães, o que bastante deprecia o seu conhecimento, e Diego de Barros
+Arana, diz que viu em Madrid uma d'essas copias, de letra do seculo XVI
+que possuia o erudito bibliophilo D. Paschoal de Gayangos.
+
+Aos estudos que Fernão de Magalhães fazia, ora em Lisboa ora no Porto,
+onde tinha mais persistencia, reuniu o conhecimento de Ruy ou Rodrigo
+Faleiro da Covilhã, que segundo diz Oviedo, na sua _Historia jeneral de
+las Indias_, era homem de grandes conhecimentos de cosmographia,
+astrologia e outras sciencias. Faleiro foi de grande auxilio para
+Magalhães porque comprenetrando-se do seu pensamento e dos seus planos
+associou-se calorosamente á empreza, juntando-se-lhe Francisco Faleiro,
+irmão de Rodrigo e que tambem era homem sabido em coisas de nautica.
+
+Magalhães já não se encontrava sosinho com a sua idéa, e isto mais o
+animou a proseguir, nos meios de levar á pratica o audacioso plano.
+
+Sem navios nem meios para os adquirir e aprestar, sem nada poder esperar
+do rei que o despresara, tinha fatalmente que recorrer a Castella, tanto
+mais, que para realisar a sua viagem, não querendo abeirar-se de terras
+portuguezas, precisava tocar em terras sujeitas á Hespanha e onde não
+era permittido estabelecer trafico sem auctorisação do rei de Castella.
+
+A Carlos V ia offerecer os seus serviços e descobrir os seus planos,
+pedindo que lhe fornecesse os meios de os realisar. Mais tarde havia de
+Camões cantar, nos seus immortaes Luziadas, os feitos de Magalhães:
+
+ Eis-aqui as novas partes do Oriente,
+ Que vós outros agora ao mundo daes,
+ Abrindo a porta ao vasto mar patente,
+ Que com tão forte peito navegaes.
+ Mas é tambem razão, que no Ponente
+ D'um Lusitano um feito ainda vejaes,
+ Que de seu Rei mostrando-se aggravado,
+ Caminho ha de fazer nunca cuidado.
+
+ Vedes a grande terra, que contina
+ Vae de Callisto ao seu contrario polo,
+ Que soberba a fará a luzente mina
+ Do metal, que a côr tem do louro Apollo;
+ Castella, vossa amiga, será digna
+ De lançar-lhe o collar ao rudo collo:
+ Varias provincias tem de varias gentes,
+ Em ritos e costumes differentes.
+
+ Mas cá onde mais se alarga, ali tereis
+ Parte tambem c'o pao vermelho nota:
+ De Sancta Cruz o nome lhe poreis;
+ Descobril-a-ha a primeira vossa frota.
+ Ao longo d'esta costa, que tereis,
+ Irá buscando a parte mais remota
+ O Magalhães, no feito com verdade
+ Portuguez, porém não na lealdade.
+
+
+
+
+VI
+
+
+Abandonando a patria e o rei, que tão mal apreciara os seus serviços,
+Fernão de Magalhães se foi a Sevilha, onde, ainda antes, talvez, de
+tratar dos negocios da sua empreza, se lhe prendeu o coração a uns olhos
+negros e pestanudos de uma gentil sevilhana, D. Beatriz, filha de Diogo
+Barboza.
+
+O bravo soldado que combatera na India e na Africa; o arrojado navegador
+que dominara a porcella e queria devassar ignotos mares que a espada de
+Balboa havia desafiado, como diz Alexandre de Humboldt--«com a espada na
+mão mettia-se á agua até aos joelhos, e pensava apossar-se do mar do sul
+em nome de Castella»--o heroe de Azamor, o homem forte que só parecia
+viver para a audaz empreza da circumnavegação do globo, rendeu-se aos
+encantos de uma mulher, que soube conquistar-lhe o coração e a quem
+elle, pouco tempo depois de ter chegado a Sevilha, dava a mão de esposo.
+
+Tambem d'este enlace lhe veio auxilio para os seus planos, porque Diogo
+Barbosa, sogro de Fernão de Magalhães, era, como diz Gaspar Correia:
+«... homem principal, que sabia navegar no mar, porque era muito
+entendido na arte de piloto e era _esperico_--o que quer dizer
+_spherico_ ou cosmographo, que sabe da _sphera_.
+
+Effectivamente, segundo Faria e Sousa, na _Asia Portugueza_ e Lafitau na
+_Histoire des découvertes et conquetes des portugais_, Diogo Barboza
+fizera parte de uma grande expedição que el rei D. Manuel mandou aos
+mares da India, em 1501, indo capitaniando um dos navios da frota de
+João da Nova, a qual derrotou uma esquadra de mouros que traficavam em
+Calcuta e descobriu as ilhas da Conceição e de Santa Helena. Este Diogo
+Barboza deixou o serviço de Portugal e se foi a Castella, onde encontrou
+protecção em D. Alvaro de Portugal, que havia passado aquelle paiz,
+quando seu irmão, o duque de Bragança foi decapitado em Evora por ordem
+de El-rei D. João II (1483). D. Alvaro foi recebido pelos reis
+catholicos como parente, e lhe deram todas as honras inherentes a tão
+alto personagem, confiando-lhe os cargos de presidente do conselho dos
+reis e de alcaide do alcaçar de Sevilha, segundo diz Lopez de Haro, no
+_Nobiliario de España_ e Ortiz de Zuniga, nos _Anales de Sevilla_.
+
+Tão alta protecção teve a sua influencia em Barboza, que foi elevado a
+commendador da ordem de S. Thiago e logar tenente do alcaide do alcaçar
+de Sevilha, e assim collocado, casou com a filha de uma das principaes
+familias de Sevilha, D. Maria Caldeira.
+
+Viveu Fernão de Magalhães com esta familia durante o tempo que esteve
+n'aquella terra e d'ahi lhe veio proveito, porque alem da protecção do
+sogro travou relações com Duarte Barboza sobrinho de Diogo, que tambem
+viajara para a India e explorara aquelles mares, como prova a relação
+das suas viagens, publicada, em parte, na, _Navigazione e viaggi_, do
+colleccionador italiano J. B. Ramusio, publicado em 1554, e completa, na
+_Collecção de noticias para a historia e geographia das nações
+ultramarinas_, publicado em Lisboa, em 1813.
+
+Como se vê, Fernão de Magalhães ia juntando elementos de estudo que lhe
+aproveitavam, ao mesmo tempo que alcançava boas protecções para levar a
+cabo a sua empreza.
+
+Assim se dirigiu em Sevilha, a uma casa chamada da contratação em que se
+tratavam os negocios maritimos e a que Gaspar Correia se refere nas suas
+_Lendas da India_: «Em Sevilha tinha o imperador a casa da contratação,
+com regedores da fazenda que tinham grandes poderes e trafego de
+navegação e armadas. Fernão de Magalhães forte de seu saber e com muita
+vontade de anojar el-rei de Portugal, tratou com os regedores da casa da
+contratação e disse-lhes: que Malaca e Moluco, ilhas que creavam o
+cravo, eram do imperador pelas demarcações que entre ambos havia e por
+isso el-rei de Portugal não tinha direito de possuir estas terras: e que
+isto elle sustentava em presença de quantos doutores que o contestassem,
+pelo que obrigaria a sua cabeça. Os regedores lhe responderam que sabiam
+bem que elle fallava verdade; mas que o imperador não mandava lá seus
+navios, porque não podia navegar em mares da demarcação de el-rei de
+Portugal. Ao que, lhes disse Fernão de Magalhães: Se me derdes navios e
+gente eu navegarei para lá sem tocar em mar ou terra de el-rei de
+Portugal. E se assim o não fizesse lhe cortassem a cabeça. Os regedores
+muito satisfeitos assim escreveram ao imperador o qual lhes respondeu
+que sentia prazer com o dito e muito mais sentiria com o feito: que tudo
+fizessem os regedores, guardando o seu serviço e as coisas de el-rei de
+Portugal, em que não tocassem e antes tudo se perdesse. Com esta
+resposta do imperador fallaram a Magalhães o qual continuou a affirmar o
+que dizia, de que navegaria e ensinaria o caminho por fóra dos mares de
+el-rei de Portugal; que lhe déssem os navios que elle pedisse, gente e
+artilheria e o necessario, que elle cumpriria o que dizia e descobriria
+novas terras na demarcação do imperador e traria oiro e cravo e canella
+e outras riquezas; o que ouviram os regedores desejando muito fazer tão
+grande serviço ao imperador, qual o de descobrir esta navegação, e para
+terem maior certeza, reuniram pilotos e _espericos_ para sobre isto
+discutirem com Magalhães, que a todos deu suas razões e todos
+concordaram no que elle dizia e confirmaram que era homem mui sabido.»
+
+Os mares e terras da demarcação do imperador, a que se referia Fernão de
+Magalhães, eram os comprehendidos na linha divisoria que o Papa
+Alexandre VI marcára a pedido dos reis catholicos afim de evitar
+conflictos entre os reis de Castella e de Portugal, pela diligencia em
+que estas duas nações andavam de descobrir terras desconhecidas.
+
+A linha traçada pelo Papa, ia de um polo ao outro, 100 leguas ao
+occidente dos Açores, dando aos hespanhoes a posse das terras que
+descobrissem para esta parte e aos portuguezes as que descobrissem e
+conquistassem para o oriente.
+
+A bulla de Alexandre VI que isto concedia começa assim: _De nostra mera
+liberalitate, et ex certa sciencia ac de Apostolicæ potestates
+plenitudine_ etc.
+
+De nossa mera liberalidade, sciencia certa e plenitude do nosso poder
+Apostolico etc.
+
+Depois d'esta demarcação os reis de Portugal e os de Castella acordaram
+em fixar a linha divisoria mais 270 leguas ao occidente, pelo que diz
+Muñoz na _Historia del Nuevo Mundo_.
+
+
+
+
+VII
+
+
+As declarações feitas por Fernão de Magalhães na Casa da Contratação de
+Sevilha, não foram sufficientes para esta appoiar abertamente os
+projectos do ousado navegador, e se não fôra a influencia de João de
+Aranda, que se empenhou para que tivesse bom seguimento a proposta de
+Magalhães, talvez este não lograsse ainda o seu intento.
+
+João de Aranda, era feitor da Casa da Contratação, de animo propenso a
+emprezas arriscadas e por isso comprehendeu bem todo o alcance da
+empreza de Magalhães e tanto que prometteu protejel-a mediante alguma
+parte dos lucros que d'ella resultassem.
+
+Foi n'esta occasião que chegaram a Sevilha os dois irmãos Faleiros os
+quaes não concordaram com o que Fernão de Magalhães havia tratado com
+João de Aranda, muito principalmente Rodrigo Faleiro que era homem de
+caracter mais desconfiado e irritavel, e que se considerava a alma da
+empreza de que Magalhães seria o elemento pratico.
+
+Importantes deviam ser os estudos de Rodrigo Faleiro, para que Magalhães
+se sujeita-se ás suas exigencias, transegindo com elle tanto quanto
+possivel, no que bem mostrava a generosidade de animo a par de melhor
+conhecimento pratico do mundo, para debelar as difficuldades que se
+levantavam no seu caminho.
+
+De tal arte soube conciliar tudo para chegar ao seu fim, fazendo boas as
+negociações que havia entabolado com Aranda, firmando, emfim, um
+contracto em Valladolide a 23 de fevereiro de 1518, perante o escrivão
+de suas altezas, Diogo Gonçalves de Sant'Iago, em que elle, Magalhães e
+Rodrigo Faleiro dariam a oitava parte do proveito que resultasse _em
+dinheiro, ou renda, ou officio ou em outra qualquer coisa que seja, de
+qualquer quantidade ou qualidade_ dos descobrimentos que se propunham
+levar a cabo.
+
+Não estava ainda bem firme no throno das Hespanhas o principe Carlos
+d'Austria, o que naturalmente preoccupava o jovem monarcha, não sendo
+por isso muito favoravel a occasião para se occupar das pretenções de
+Magalhães.
+
+Entretanto o navegador portuguez escudado com as protecções que
+grangeára, sempre conseguiu chegar á presença do monarcha e fazer
+exposição dos seus planos, tendo primeiro apresentado aos ministros do
+rei esses mesmos planos, apresentação para a qual muito influiu o bispo
+de Burgos D. João Rodrigues da Fonseca.
+
+É para notar que este bispo de Burgos, que combatera tenazmente os
+planos de Colombo, de Balbôa e de Cortez, se apresentasse na côrte
+protegendo Magalhães com decidido empenho! Não nos diz a historia se
+n'esta protecção iria interesse pessoal, ou a convicção da utilidade
+pratica dos projectos de Magalhães, sendo, todavia, certo que o caracter
+do bispo não era dos de melhor quilate.
+
+Em todo o caso percebe-se que Fernão de Magalhães soubera pôr o bispo de
+seu lado, como já soubera conciliar as divergencias levantadas por
+Faleiro.
+
+Mas ha ainda mais.
+
+Carlos V não accedeu tão de prompto, como a muitos parecerá, depois da
+resposta que dera aos regedores da Casa de Contratação, ás propostas de
+Fernão de Magalhães, e antes levantou duvidas, desconfianças sobre a
+auctoridade em que o ousado portuguez firmava os seus planos.
+
+Era de esperar.
+
+Mas Fernão de Magalhães não se desconcertou. Soccorreu-se das
+observações feitas em suas viagens, do que havia estudado e de quanto
+adquirira de Faleiro; por fim citou uma carta geographica, existente em
+Portugal, levantada por Martinho de Bohemia em que marcava a
+communicação entre o mar do norte e o do sul, e com tanta proficiencia
+discutiu os seus planos que conseguiu desvanecer todas as duvidas no
+espirito de Carlos V, acabando este por lhe conceder quanto pedia,
+mandando lavrar o contracto, o qual se celebrou a 22 de março de 1518.
+Por este contracto foi dado a Fernão de Magalhães e a Faleiro o
+privilegio de, por espaço de dez annos, a nenhum outro navegador ser
+concedido ir a descobertas pelo mesmo caminho que elles. Seriam postos á
+sua disposição cinco navios, armados de artilheria, e guarnecidos com
+234 homens, com mantimentos para 2 annos e mais dava o commando dos
+ditos navios a Fernão de Magalhães e a Faleiro e a vigesima parte dos
+lucros que houvesse d'estes descobrimentos, conferindo-lhe o de
+adiantados e governadores das terras que descobrissem a elles e seus
+descendentes. Alem d'isto ainda Carlos V deu o titulo de capitães d'esta
+esquadrilha a Magalhães e a Faleiro, com 50:000 maravedis de soldo pagos
+pela Casa da Contratação, com toda a auctoridade em terra e no mar, etc.
+
+Não contente ainda com o que tinha concedido, Carlos V, pouco depois de
+celebrado aquelle contracto, ordenou que fosse augmentado o soldo dos
+dois capitães com mais 8:000 maravedis e 30:000 para ajuda de custo;
+mandando tambem que se abreviasse quanto possivel o armamento dos cinco
+navios.
+
+Fernão de Magalhães ia triumphando com a sua idéa, mas não tardou que
+novas difficuldades se levantassem, e d'esta vez era de Portugal que
+vinham.
+
+Soube-se na côrte de D. Manuel do que se estava passando em Hespanha com
+os dois portuguezes, e calculando-se quanto poderiam perigar as
+possessões portuguezas na India, se Fernão de Magalhães levasse por
+diante seu intento, necessario era combatel-o.
+
+Era embaixador portuguez em Hespanha D. Alvaro da Costa, que ali fôra
+pedir a mão da infanta D. Leonor para el-rei D. Manuel. Sob este
+pretexto e quantos mais se podem imaginar, representou contra as
+concessões feitas por Carlos V a Fernão de Magalhães, e com tal arte se
+houve que o monarcha das hespanhas se abalou, chegando a ponto de quasi
+revogar o que estava contractado.
+
+Foi ainda o citado bispo de Burgos que demoveu todas as duvidas.
+
+Fernão de Magalhães iria finalmente á descoberta.
+
+
+
+
+VIII
+
+
+Decorreram seis mezes entre a assignatura do contracto e a partida de
+Magalhães. Foram seis mezes de luctas para o ousado portuguez, em que se
+lhe levantaram difficuldades por todos os lados, desde aquellas que
+Rodrigo Faleiro lhe criou com o seu genio irascivel, até ás que o povo
+de Sevilha, instigado pelos agentes portuguezes para impedirem a
+empreza, oppôz, tentando destruir os navios que estavam a construir para
+a viagem, e contra a vida de Magalhães, desconfiando da lealdade do seu
+procedimento.
+
+Não foi menos importante a falta de dinheiro para occorrer ás despezas
+da expedição, falta que suppriu Christovão de Haro e Affonso Gutierres a
+que tambem acudiram alguns negociantes de Sevilha a instancias do bispo
+de Burgos, devotado protector da empreza.
+
+Faleiro, investido de poderes eguaes aos de Magalhães e de genio mui
+differente d'este, foi impossivel dirigir os trabalhos de commum accordo
+e a tal ponto chegou a desintelligencia entre os dois, que Carlos V sem
+querer melindrar nem um nem outro, mas vendo a impossibilidade de se
+consertarem, determinou por uma real cedula datada de 26 de julho de
+1519, que Faleiro ficasse em Sevilha tratando de aprestar uma outra
+expedição, que seguiria a Magalhães, e que o capitão portuguez partisse
+com o exclussivo de unico commandante superior da esquadrilha.
+
+Tudo se aprestou alfim: a esquadrilha que ia a descoberta compunha-se de
+cinco navios, de que Fernão de Magalhães era o almirante. O primeiro
+d'aquelles navios era o _Trindade_, em que ia Magalhães; o segundo
+_Santo Antonio_ commandado por João de Cartagena, que era ao mesmo tempo
+vedor da armada e tinha o titulo de adjunto de Fernão de Magalhães; o
+terceiro, _Conceição_ do commando de Gaspar de Quesada; o quarto,
+_Victoria_ tendo por commandante Luiz de Mendonça, que era tambem o
+thesoureiro da armada; o quinto, _Santiago_, que era o mais pequeno,
+commandado pelo piloto João Serrano.
+
+Foi a 10 de agosto de 1519 que a esquadrilha levantou ferro, e descendo
+o Guadalquivir, veiu fundear no porto de S. Lucar de Barrameda, para
+quarenta dias depois, a 20 de setembro, soltar as velas ao vento, em
+monção favoravel e aventurar-se por esses mares fóra, sem temor dos
+perigos, á procura da passagem para o mar do sul.
+
+Ia na expedição um interprete indio malayo, christão, que Magalhães
+levava para melhor se entender com os povos que esperava encontrar;
+tambem ia Duarte Barbosa cunhado de Magalhães, que já conhecia a Asia, e
+o italiano Antonio Pigaffetta, que foi o chronista da viagem. Além
+d'este iam outros extrangeiros, como francezes, flamengos e um inglez,
+todos fazendo parte da companha, soldados, marinheiros, artifices
+etc.[3]
+
+As caravellas, com suas proas alterosas, lá iam cortando o mar,
+impellidas pelo vento rijo que lhe empavesava as latinas. Era um dia de
+sol, como só os ha na peninsula Iberica, e os seus raios de ouro
+reflectindo-se nas aguas centuplicavam a luz que illuminava aquelle
+quadro, ao mesmo tempo que alentavam a alma dos valorosos navegantes,
+não deixando esfriar o enthusiasmo que animava todos: os que partiam e
+os que em terra lhe dirigiam as ultimas saudações.
+
+A epocha era d'aquellas aventuras que melhor iam a estes povos,
+hespanhoes e portuguezes que por egual andavam empenhados nas
+descobertas.
+
+ [3] _Vida e Viagens de Fernão de Magalhães_ por Diego de Barros
+ Arana.
+
+
+
+
+IX
+
+
+Que trabalhosa viagem antes de chegar ao porto desejado! Cortada de
+temporaes e de discordias, que de uns e outras não faltaram para
+experimentar o animo do ousado navegador.
+
+Logo nos principios da rota Fernão de Magalhães teve que pôr a ferros a
+João de Cartagena, que se sublevara contra elle por motivo de Magalhães
+mudar de rumo sem o consultar, sendo Cartagena seu adjunto.
+
+A 13 de dezembro dava fundo, na bahia do Guanabára ou Rio de Janeiro, a
+esquadrilha.
+
+É curioso o que conta Pigaffetta do negocio que fizeram com os indigenas
+durante o tempo que ali permaneceram os navios.
+
+Diz elle:
+
+«Aqui fizemos provisão de gallinhas e de _patatas_, um fructo semelhante
+ás pinhas, mas muito doce e exquisito, canna doce, carne de anta
+semelhante á de vacca. Fizemos excellentes negocios. Por um anzol ou por
+uma faca davam-nos cinco ou seis gallinhas; dois ganços por um pente;
+por um espelhinho ou um par de tesouras obtinhamos uma porção de peixe
+suffeciente para alimentar dez pessoas; por um guiso ou uma fita
+traziam-nos os indigenas uma canastra de _patatas_. Por preços tão
+subidos como estes trocámos as figuras dos naipes de cartas: por um rei
+deram-me seis gallinhas e os indios cuidavam fazer um excellente
+negocio.»
+
+Depois de um descanço de quatorze dias no Guanabára de novo se pôz a
+esquadrilha ao mar seguindo rumo parallelo á costa até o Cabo de Santa
+Maria, na embocadura do Rio da Prata, onde entrou a 10 de janeiro de
+1520, para reconhecer as margens, distinguindo nas extensas planicies
+uma elevação a que os navegantes chamaram Monte-Vidi e que mais tarde se
+denominou Montevideo.
+
+A 14 de fevereiro deixou Fernão de Magalhães o Rio da Prata e seguindo a
+linha da costa foi navegando atravez os temporaes até o porto de S.
+Julião, onde arribou a 31 de Março, para ali invernar, pois era chegada
+a estação das chuvas.
+
+Eram os primeiros navegadores europeus que chegavam aquelle porto, que
+de resto encontravam despovoado, e sem viveres de que se podessem
+fornecer!
+
+Havia decorrido seis mezes que tinham largado de S. Lucar de Barrameda.
+
+A confiança que Fernão de Magalhães conseguiu inspirar ao rei de
+Castella, a todos que concorreram para a realisação da sua viagem e até
+aos proprios que o acompanharam, não permaneceu firme, depois d'aquelles
+seis mezes decorridos sem resultado obtido.
+
+Parece fóra de duvida, que o unico verdadeiro crente na empreza era
+Magalhães, o que não admira porque era elle quem melhor conhecia o plano
+tantos annos acariciado na mente.
+
+Os que o acompanhavam não tinham decerto a mesma força de espirito que
+elle, o bastante para lhe esfriar o enthusiasmo, para lhe quebrar o
+animo. Foi assim que, chegados áquelle ponto, sem terem alcançado o
+termo desejado, entenderam por melhor desestir, reclamando de Magalhães
+que, ou alargasse as rações que tinham sido cerseadas, ou voltasse para
+Castella.
+
+Fernão de Magalhães, porém, não era homem que se acobardasse com aquella
+imposição, e protestou que iria até ao fim embora sacrificasse a sua
+vida no cumprimento do dever.
+
+Entretanto os capitães das caravellas não se conformaram com aquella
+resolução, e muito particularmente Gaspar de Quesada, commandante da
+_Conceição_, o qual concebeu um plano de revolta contra o chefe da
+esquadrilha.
+
+Pela noite, quando a escuridão mal deixava distinguir as embarcações
+dispersas no porto de S. Julião, uma lancha largou de bordo da
+_Conceição_; ia n'ella Quesada com trinta homens armados dispostos a dar
+assalto á caravella _Santo Antonio_. Os marinheiros remavam mansamente
+fazendo o menor ruido possivel, para não despertarem a attenção de
+alguem que os podesse ouvir dos outros navios.
+
+Gaspar de Quesada soltara João de Cartagena[4] que levava preso a bordo,
+o qual ficou á testa da caravella. O seu plano era apoderar-se da
+caravella _Santo Antonio_, prender o commandante Alvaro de Mesquita e
+com a força d'estes dois navios reduzir os outros á sua obediencia até á
+_Trindade_, impondo-se assim a Fernão de Magalhães, a quem queria
+obrigar a tratar com mais consideração os capitães e pilotos da
+esquadrilha.
+
+Não foi difficil o assalto: as poucas sentinellas da _Conceição_ foram
+tomadas de surpreza emquanto Quesada com meia duzia dos seus homens, se
+dirigiu ao alojamento de Alvaro de Mesquita para o prender. Entretanto o
+mestre João Elorriaga déra pelos assaltantes e correndo em soccorro do
+seu commandante, travou uma sangrenta lucta em que ficou ferido. Quesada
+vibrou-lhe quatro valentes punhaladas num braço que o prostraram,
+conseguindo por fim pôr a ferros Alvaro de Mesquita e arvorar-se elle
+cammandante da _Santo Antonio_.
+
+Luiz de Mendonça ia feito com Quesada, pelo que os revoltosos tinham
+tres navios, achando-se em maioria para imporem a lei a Magalhães, que
+áquella hora dormia, ainda que talvez pouco tranquillamente, na sua
+caravella _Trindade_.
+
+De manhã é que Magalhães soube da sublevação dos tres capitães porque
+logo da _Victoria_ sahiu uma lancha com um emissario, que veio notificar
+ao chefe da esquadrilha a resolução em que estavam, de não continuarem a
+ser tratados como até ali, de obedecerem cegamente ás ordens d'elle, mas
+sim resolverem tudo de commum accordo.
+
+Isto que á primeira vista póde parecer justo, não o seria nas
+circumstancias que se davam, porque importava o malogro da empreza de
+Magalhães. Os revoltosos não queriam continuar a viagem que tinham por
+temeraria, descrendo de encontrar a passagem para o mar do sul, emquanto
+que Fernão de Magalhães pensava exactamente o contrario, e d'este modo
+era-lhe impossivel transijir, tornando-se imperioso apellar para toda a
+sua auctoridade, empregando a força para submetter os que assim lhe
+faltavam á obediencia.
+
+A força, porém, do chefe achava-se reduzida e em minoria, mas a
+inferioridade numerica nunca acobardou espiritos fortes e da estatura
+moral de Fernão de Magalhães, que nascera, sem duvida, para dominar e
+não para ser dominado.
+
+Era arriscada a empreza; tanto mais razão para não recuar. Se os seus
+capitães vallessem tanto como elle não recuariam como elle não recuava
+perante os perigos. Logo a superioridade de Magalhães era manifesta e de
+molde a não se intimidar com a attitude dos revoltosos.
+
+Magalhães respondeu á notificação que lhe fizeram, ordenando que viessem
+a bordo da _Trindade_ conferenciar com elle os tres chefes da revolta.
+Esta ordem, porém, não foi obedecida, tendo em resposta, que viesse
+Magalhães a bordo da _Santo Antonio_, onde todos se reuniriam para
+resolver.
+
+Não havia que hezitar. Estava lançada a luva, e Fernão de Magalhães nem
+sequer pastanejou para a levantar. Fez tambem o seu plano para dar o
+golpe decisivo.
+
+O alguasil Gonçalo Gomes de Espinoza era homem valente e decidido; pois
+iria elle e mais seis homens de confiança a bordo da _Victoria_, levar a
+ordem para Luiz de Mendonça se apresentar immediatamente no navio do
+chefe.
+
+Levava instrucções particulares que haviam de permittir bom exito d'esta
+vez.
+
+Espinoza acercou-se com a sua chalupa da _Victoria_ e saltando no navio
+logo veio o commandante a quem elle entregou a ordem que levava. Luiz de
+Mendonça leu essa ordem, não sem occultar a desconfiança que lhe
+inspirava, mas emquanto a lia meditando sobre a resposta a dar, Espinoza
+tirou de um punhal que levava escondido e com elle lhe atravessou o
+pescoço. Luiz de Mendonça baqueou e um outro golpe descarregado na
+cabeça por um dos companheiros de Espinoza, deixou-o completamente morto
+sobre a tolda.
+
+Ao mesmo tempo que se dava esta scena tragica, atracava á _Victoria_
+outra chalupa em que vinha Duarte Barboza com mais quinze homens
+armados, que Magalhães mandava, como prevenção para assegurar o triumpho
+dos que se tinham ido expor a uma lucta desegual com a gente d'aquelle
+navio.
+
+Não foi, felizmente, preciso derramar mais sangue, pelo que diz Lopez de
+Recalde, na carta escripta á vista do processo que se instruiu em
+Sevilha em 1521, e que Herrera refere. Morto o commandante, a tripulação
+submetteu-se sem resistencia, e no mastro da _Victoria_ foi içada a
+bandeira do triumpho.
+
+Restava submetter Cartagena e Quesada, mas a sorte de Luiz de Mendonça
+influiu tanto no espirito dos dois capitães, que lhes quebrou o animo
+para tentarem desforra, em presença da firmeza do chefe.
+
+Limitaram-se a tentar a retirada para Castella; mas nem isso
+conseguiram, porque as tres caravellas que estavam fieis a Magalhães,
+foram, por ordem d'este, fundear na entrada do porto, tirando aos
+revoltosos a esperança de poderem sahir com os seus navios sem
+experimentarem a artilheria dos contrarios.
+
+Concertaram então outro plano.
+
+Quesada tinha, como ficou dito, preso a bordo Alvaro de Mesquita, que
+era primo co-irmão de Magalhães, e pensou de o soltar para servir de
+medianeiro entre elle e o chefe da esquadrilha, afim de obter uma
+capitulação favoravel.
+
+Alvaro de Mesquita, porém, logo desenganou Quesada, de que seu primo não
+transigiria; conhecia-o bem para esperar o contrario e toda a tentativa
+de conciliação seria completamente inutil.
+
+Assim descoraçoados os dois capitães revoltosos, apellaram novamente
+para a retirada, projectando sahir do porto n'aquella noite, pondo na
+prôa de um dos navios o Mesquita, para d'ali parlamentar com Magalhães,
+segundo diz Herrera.
+
+Pela noite a _Santo Antonio_ levantou ferro e aproou para sahida,
+aproveitando a hora da maré, desferrando pano pouco a pouco, debaixo de
+grande silencio, com as maiores precauções. O vento, no porto soprava
+brando e só mais para o largo é que o mar, encrespado, indicava vento
+mais rijo.
+
+Vencer a sahida era tudo, porque depois com boa refrega e pano largo,
+ganharia distancia não sendo facil colhel-a nenhum dos navios da
+esquadrilha.
+
+Á cautela, Alvaro de Mesquita fôra mandado para a proa por Quesada, para
+d'ali parlamentar com Magalhães, se da _Trindade_ dessem pela sahida da
+_Santo Antonio_, como era de prever. De facto assim aconteceu, mas o
+modo como da _Trindade_ vieram á fala não deu tempo a parlamentar.
+
+Esta caravella, assim que a _Santo Antonio_ chegou ao alcance, rompeu
+fogo das peças e de mosqueteria, investindo para a abordagem.
+
+Estava lá Magalhães que era tão ousado navegador como soldado. Mandando
+a manobra com precisão e incitando os seus homens ao combate, não tardou
+a abordagem e que estes saltassem no navio sublevado, ouvindo-se então,
+por entre o alarme da desordem e o estrondear dos tiros, vozes que
+perguntavam em alta grita:
+
+--Por quem sois?
+
+Da resposta a esta pergunta dependia a vida ou o exterminio dos
+sublevados, porque Magalhães e a sua gente não contemporisavam.
+
+Quesada, por sua parte tambem incitava os seus homens á resistencia e ao
+combate, mas não inspirava á sua gente a mesma confiança que Magalhães,
+nem tinha o prestigio superior do chefe da esquadrilha.
+
+Foi por isto que não teve meio de resistir á abordagem, e a resposta á
+pergunta que a gente da _Trindade_ ia repetindo insistentemente:--Por
+quem sois? echoou na alma de Quesada como uma sentença de morte, ao
+ouvir gritar:
+
+--Pelo rei nosso senhor e por vossa mercê!
+
+Fernão de Magalhães triumphava mais uma vez dos revoltosos e affirmava o
+seu prestigio entre a gente que o acompanhava, fazendo perder a
+esperança de novas sublevações.
+
+Quesada e todos os cabeças de motim foram presos, e o mesmo succedeu a
+Cartagena, capitão da _Conceição_, que humilhado se entregou.
+
+Restava castigar os sublevados e esse castigo devia ser exemplar para
+que não viessem novas tentativas de revolta pôr em perigo a segurança e
+bom exito da expedição.
+
+Consoante os tempos e a grandeza dos delictos, assim seria a severidade
+da punição.
+
+Magalhães não hesitou na sentença.
+
+No dia 4 de abril, o seguinte áquella noite de desordem, mandou
+Magalhães que o cadaver de Luiz de Mendonça, fosse posto em terra e ali
+esquartejado ás vistas de todos e apregoada a alta traição, que assim
+fôra punida.
+
+Seguidamente foi instaurado a bordo da _Trindade_ um processo, em que
+Alvaro de Mesquita formulou a accusação, sendo os alguazis e escrivães,
+que iam na esquadrilha, encarregados de fazerem o summario e inquerirem
+as testemunhas, o que tudo escripto deveria depois ser apresentado a
+El-rei, quando Magalhães regressasse a Castella, como prova
+justificativa do seu procedimento.[5]
+
+D'esse processo resultou a sentença que condemnou á morte Gaspar de
+Quesada e Luiz Molino, creado d'este.
+
+Passados tres dias, a 7 de abril, teve logar a execução.
+
+Para esse fim foi armado na praia o patibulo e na presença de
+contingentes de todos os navios, decapitado o criminoso, servindo de
+carrasco o Luiz de Molino que por este preço adquiriu o perdão.
+
+O corpo de Quesada tambem foi esquartejado e a sua traição apregoada.
+
+Mas ainda não era tudo. João de Cartagena tambem devia ser punido assim
+como o capellão Pedro Sanches de La Reina, que tambem se averiguou ter
+conspirado contra o chefe da esquadrilha.
+
+O castigo, porém, d'estes revoltosos, parecendo mais equitativo, nem por
+isso foi menos duro, pois que Magalhães os condemnou a ficarem
+abandonados em terra, onde não havia viveres apropriados nem gente.
+
+É facil calcular as inclemencias que aquelles desgraçados soffreriam e
+quão duramente expiaram o seu delicto.
+
+Se Fernão de Magalhães affirmou a sua auctoridade de forma tão cruel,
+deve-lhe ser levado em conta a rudeza dos tempos e a imperiosa
+necessidade que a isto o obrigou, para não vêr completamente perdida a
+sua gloriosa empreza.
+
+ [4] _Vida e Viagens de Fernão de Magalhães_ por Diego de Barros
+ Arana.
+
+ [5] Navarrete publicou este processo a pag. 10 do tomo IV da sua
+ _Coleccion_.
+
+
+
+
+X
+
+
+Fernão de Magalhães conseguira, emfim, restabelecer a ordem na sua
+esquadrilha; mas, se não receava novas sublevações que contrariassem o
+seu proposito, contrariava-o a invernia com todos os rigores de suas
+tormentas, que não o deixava avançar na viagem de exploração.
+
+A impaciencia principiava a apoderar-se do seu espirito, porque o tempo
+ia correndo sem resultado pratico que o animasse, tanto a elle como á
+sua gente.
+
+Chegou o fim de abril e os rigores do inverno pareciam ceder ás
+instancias da primavera risonha e boa.
+
+Tanto bastou para que Magalhães ordenasse um reconhecimento ao Sul da
+bahia de S. Julião, por onde julgava encontrar o almejado estreito ou
+passagem para os mares da India.
+
+Encarregou João Serrão de ir, na caravella _Santiago_, a mais pequena da
+esquadrilha, fazer esse reconhecimento, para o que deu ao ousado piloto
+as instrucções necessarias, recommendando-lhe que seguisse sempre para
+Sul e parallelo á costa, porque assim encontraria o estreito.
+
+Seguio João Serrão as instrucções de Magalhães, costeando cerca de vinte
+legoas, com tempo favoravel, e a 3 de maio encontrou-se na foz de um rio
+com mais de uma legoa de largura.
+
+Seria a entrada do procurado estreito?!
+
+É o que vamos vêr.
+
+Era e é o dia 3 de maio commemorado pela egreja, que celebra a festa da
+exaltação da Santa Cruz, e Serrão commemorando aquelle dia deu ao novo
+rio o nome de Santa Cruz, que ainda hoje tem.
+
+Abundava ali a pesca e os lobos marinhos e de tão grande tamanho como
+ainda não tinham sido vistos; dis Herrera que um d'aquelles animalejos
+despido da pelle, da cabeça e das gorduras, pesava desanove arrobas ou
+dosentos e oitenta e cinco kilos dos pesos actuaes.
+
+Fez Serrão um reconhecimento á costa, mas não encontrou signaes do
+estreito, pelo que proseguio a viagem para Sul, continuando a seguir a
+costa. Um forte temporal, porem, surprehendeu os navegantes, a 22 de
+maio, transtornando-lhe o proseguimento da derrota.
+
+Os escriptores que se referem a este successo divergem emquanto a datas
+e a victimas do naufragio, Diego Arana, porém, segue a ordem
+chronologica dos factos e estabelece aquella data, assim como descreve o
+naufragio e as victimas.
+
+A tempestade foi tão violenta que rasgou todo o panno da caravella; a
+força do mar levou o leme e arrastou o navio á praia onde se fez em
+pedaços, mal dando tempo á tripulação se salvar, perecendo ainda assim
+afogado um preto escravo de Serrão.
+
+Depois das luctas com os homens principiavam as luctas com os elementos,
+para o que era impotente toda a energia de Magalhães.
+
+Dos homens triumphara elle até alli; da furia dos elementos era mais
+difficil e só uma vontade de ferro, disposta a vencer ou morrer, poderia
+alimentar a esperança de triumphar.
+
+Da caravella _Santiago_ apenas restavam despojos que o mar ia trazendo á
+praia, onde os naufragos se encontravam á conta de Deus, sem guarida nem
+conforto algum que lhes alentasse a vida! E comtudo grande distancia os
+separava dos companheiros, que esperavam o seu regresso, no porto de S.
+Julião.
+
+Os naufragos depois de terem caminhado umas seis legoas, para alcançarem
+as margens do rio Santa Cruz, seis legoas que levaram quatro dias a
+percorrer, tal era o cansaço e fraqueza em que estavam, e para mais
+carregados de madeira, destroços do navio naufragado, com que haviam de
+construir uma jangada para atravessar o rio, chegaram emfim ás margens
+do Santa Cruz, quasi mortos de fadiga e de fome, pois que para se
+alimentarem apenas tinham as ervas que encontravam pelo caminho e alguns
+mariscos.
+
+No rio Santa Cruz havia abundancia de peixe para se alimentarem, e
+construiram uma jangada com a madeira que traziam e assim, debaixo de
+grandes perigos atravessaram o rio dois marinheiros para irem participar
+o occorrido ao chefe da esquadrilha, que estava no porto de S. Julião.
+
+Segundo diz Diego Arana, onze dias gastaram os dois marinheiros para
+chegarem a S. Julião e tão penosa foi esta jornada, sem terem quasi que
+comer, que ao apresentarem-se a Magalhães, nem este nem os mais
+companheiros os reconheceram, tão desfigurados vinham.
+
+O tempo continuava tormentoso; as tempestades succediam-se não
+permittindo qualquer tentativa de navegação. Entretanto Magalhães não
+lhe consentia o animo deixar sem prompto auxilio os pobres naufragos da
+_Santiago_, e assim ordenou que logo partissem por terra 24 homens
+carregados de comestiveis, em soccorro d'aquelles desgraçados,
+proporcionando-lhes os meios de virem reunir-se a seus companheiros.
+
+Não foi menos penosa a jornada d'estes 24 homens, sob os rigores do
+tempo e a selvageria dos caminhos. Para saciar a sêde tiveram que
+derreter gelo, pois não encontraram agua de beber, e apesar das
+difficuldades do caminho apressaram quanto poderam a marcha para mais
+breve soccorrerem os seus companheiros.
+
+Dois dias levaram a atravessar o rio na jangada que haviam armado, e
+mais refeitos pela alimentação que tomaram lá se pozeram todos em marcha
+a reunirem-se á esquadrilha, sem perda de um só.
+
+Este contratempo foi de bom aviso para Magalhães que reconheceu quanto
+era temerario o tentar proseguir em reconhecimentos da costa ou passar
+avante, emquanto não se acalmassem os rigores da estação.
+
+A fidelidade e energia de Serrão tornou-se notavel, e Magalhães não o
+desconheceu pois que nomeou o ousado piloto, capitão da caravella
+_Conceição_, justo premio de quem tanto se tinha exposto e soffrido para
+bem cumprir as ordens do chefe.
+
+Emquanto, porém, a esquadrilha invernava no porto de S. Julião,
+Magalhães foi aproveitando o tempo em reparar as caravellas e para isso
+mandou fazer em terra uma casa para forjas onde os ferreiros exercessem
+o seu officio. O frio, porém, era tão intenso que os operarios mal
+podiam fazer uso das mãos, chegando alguns d'elles a perderem os dedos
+gangrenados pelo frio!
+
+Não podendo fazer reconhecimentos por mar, tentou Magalhães fazel-os por
+terra, e então mandou quatro homens armados para o interior a vêr se
+descobriam algumas povoações, onde se podesse fornecer de mantimentos;
+mas trabalho baldado porque a poucas legoas de caminho tiveram que
+retroceder por lhes faltar agua e comestiveis sem encontrarem viv'alma,
+o que lhes deu a convicção de que o paiz não era habitado.
+
+
+
+
+XI
+
+
+Tinha decorrido mais de seis mezes que a esquadrilha estava no porto de
+S. Julião quando um dia appareceu na praia um homem de grande estatura,
+mal coberto com uma pelle de animal, cantando em desconcertada voz,
+pulando e lançando punhados de areia na cabeça, o que pareceu significar
+as suas intenções pacificas, porque, segundo diz o capitão Cook na sua
+_Voyage dans l'hémisphère austral_, os indios da ilha de Malicolo
+lançavam agua na cabeça em signal de paz.
+
+Extranha apparição esta que surprehendeu os navegantes já descoraçoados
+de encontrarem alma viva n'aquellas paragens.
+
+Os hespanhoes repetiram o mesmo signal que o selvagem fizera, de deitar
+areia na cabeça, para assim elle entender que estavam na mesma intenção.
+
+De facto o selvagem acercou-se de um marinheiro que Magalhães mandou a
+terra e com elle veio á presença do chefe da esquadrilha.
+
+Pigafetta descrevendo este selvagem diz: «Era este homem tão alto que a
+sua cintura dava pela nossa cabeça. Bella estatura; rosto amplo e
+arroxeado, olheiras amarellas e como que marcando-lhe as faces duas
+manchas em fórma de coração. Os cabellos, muito curtos, pareciam
+embranquecidos com pós. Cobria o corpo, ainda que mal, com as pelles de
+um animal que abundava n'aquelle paiz. Este animal tem cabeça e orelhas
+de mula, corpo de camello, pernas de veado, cauda de cavallo e relincha
+como este.»
+
+Deve ser o guanaco.
+
+Parece que a surpreza fez augmentar aos olhos dos hespanhoes as
+proporções d'aquelle selvagem, pois que D'Orbigny na sua obra _L'homme
+americain_ referindo-se aos habitantes d'aquellas regiões diz: «Não
+podemos occultar que nos illudiu a apparencia d'estes homens. A largura
+das suas espaduas, cobertas desde a cabeça até os pés com capas de
+pelles de animaes selvagens, cosidas numa só peça, produziram em nós tal
+illusão, que primeiro de os medirmos nos pareceram de extraordinaria
+altura, emquanto que depois de bem observados e medidos directamente,
+ficaram reduzidos ás dimensões vulgares.»
+
+Diz ainda Pigafetta: «Magalhães recebeu com muito agrado este selvagem.
+Ordenou que lhe dessem de comer e o levassem diante de um grande
+espelho, o que o surprehendeu extraordinariamente e encheu de admiração.
+O selvagem que não tinha a menor noção do que fosse um espelho, e que
+pela primeira vez via a sua propria figura, recuou cheio de espanto,
+deitando ao chão quatro homens que estavam atraz d'elle.»
+
+Aquelle primeiro selvagem foi mandado pôr em terra depois de Magalhães
+lhe ter dado alguns presentes, e elle tão contente se foi, que não
+tardou que outros se apresentassem com a mira nas mesmas dadivas.
+
+Eram todos da mesma corpolencia que o primeiro, e como aquelle tinham
+pés enormes, pelo que os navegantes os denominaram Patagões, nome porque
+ainda actualmente são designados os homens d'esta raça.
+
+A todos Magalhães mandou dar comida e presenteou com espelhinhos,
+missangas e outras bugiarias, com o que ficaram muito contentes. Um
+d'elles mais domestico demorou-se alguns dias a bordo da _Trindade_,
+sociando com os marinheiros, que lhe ensinaram algumas palavras
+castelhanas e o baptisaram com o nome de João.
+
+Este João comia os ratos que os marinheiros caçavam, e o fazia com muito
+gosto, até que mostrando vontade de ir para terra o desembarcaram, sem
+que por muitos dias voltassem ás vistas dos navegantes outros selvagens.
+
+Eram tão extraordinarios os habitantes d'aquellas paragens, que
+Magalhães entendeu trazer dois d'elles ao rei de Castella, quando
+regressasse á Europa.
+
+Foi assim que a 28 de julho, voltando á praia quatro selvagens dos que
+já tinham estado a bordo, Magalhães os mandou buscar, retendo no navio
+dois d'elles e mandando para terra os outros.
+
+É curioso o que Pigafetta descreve a respeito da prisão d'estes dois
+patagões: «Foi preciso pôr-lhe grilhões aos pés, enganando-os,
+fazendo-lhes acreditar que os ferros eram presentes e lh'os punham nos
+pés para que os podessem levar para terra.»
+
+Não foi de bom aviso a detenção dos patagões a bordo, porque isto levou
+desconfiança aos que estavam em terra e que, mais numerosos, vieram
+juntar-se de noite, na praia onde accenderam fogueiras, coisa que até
+ali não fôra visto pelos navegantes.
+
+Este facto chamou a attenção de Magalhães, que na manhã seguinte mandou
+sete homens á descoberta para saber o que seria.
+
+Os exploradores, porém, encontraram a praia deserta e apenas vestigios
+das fogueiras, assim como das pégadas dos indigenas impressas sobre a
+areia e na neve que cobria as extensas planicies. Os exploradores,
+apesar do seu limitado numero, não duvidaram de se enternarem em busca
+dos selvagens, mas passaram o dia n'esta diligencia sem encontrarem
+nenhum, resolvendo por fim retirarem-se ao approximar-se a noite.
+
+Foi n'essa occasião que os exploradores se viram acommettidos por um
+bando de patagões, completamente nús e armados de flechas e que, segundo
+parece, os andava seguindo a distancia, sem que até ali tivesse sido
+notado.
+
+Travou-se lucta desproporcionada, porque alem da desegualdade numerica,
+os exploradores apenas levavam um arcabuz, unica arma de fogo com que se
+encontravam, para fazer frente ao inimigo que os atacava.
+
+Diogo Barroza, soldado da guarnição da _Trindade_, caiu morto por uma
+flechada, e a lucta recresceu de intensidade e bravura. Os exploradores
+carregando sobre os selvagens com redobrado valor e luctando corpo a
+corpo, taes estragos lhes fizeram, que o inimigo recuou, fugiu e
+desappareceu para o interior deixando os exploradores senhores do campo.
+
+Só na manhã seguinte voltaram para bordo, depois de terem passado a
+noite á roda de uma fogueira para se aquecerem e na qual assaram uma
+porção de carne, que os selvagens abandonaram na fuga, e que serviu aos
+exploradores de lauta ceia.
+
+Quando Fernão de Magalhães soube do occorrido, quiz vingar a morte do
+soldado da _Trindade_ e mandou para terra vinte homens armados para
+bater os patagões; mas trabalho inutil foi este, porque os selvagens não
+appareceram por mais que os procurassem e os exploradores apenas poderam
+dar sepultura ao cadaver de Diogo Barroza, seu companheiro d'armas.
+
+
+
+
+XII
+
+
+A 24 de agosto largou a esquadrilha do porto de S. Julião, depois de
+quasi cinco mezes ali passados, com bem pouco resultado para os
+progressos da expedição.
+
+Durante esse tempo repararam-se os navios, não sem grandes
+difficuldades, como se sabe, e realisaram-se notaveis modificações nos
+commandos, em resultado da insurreição de Quezada e de Luiz de Mendonça.
+
+Alvaro de Mesquita commandava agora a caravella _Santo Antonio_ e João
+Serrão a _Conceição_. Magalhães confiara o commando da _Victoria_ a seu
+cunhado Duarte Barbosa.
+
+Antes da partida todos da esquadrilha se prepararam espiritualmente com
+os soccorros da religião, confessando-se e commungando, como quem se
+dispunha para grande empreza, consoante o costume do tempo.
+
+Entretanto deu-se a bordo uma scena tocante, que impressionou
+tristemente toda a companha e foi a despedida de João de Cartagena e do
+padre Pedro Sanches que tinham de ser abandonados em terra, conforme a
+sentença que a isso os condemnara.
+
+Era lastimoso o seu estado, com tudo o respeito que Magalhães soubera
+incutir á sua gente, fez com que ninguem se oppuzesse a semelhante
+barbaridade, e os condemnados lá ficaram á mercê, na praia, apenas com
+provisão de bolachas e vinho para alguns dias.
+
+Com que magua e, quem sabe arrependimento, viram os miseros levantar
+ferro os navios e largar as vellas ao vento até desaparecerem na
+distancia do extenso mar, indo-se-lhe n'elles a esperança de voltarem á
+patria, abandonados n'aquellas paragens até ali ignoradas para a
+navegação!
+
+E a frota de Magalhães foi singrando no mesmo rumo que Serrão já levara
+quando fôra explorar a costa d'aquelle mar.
+
+O tempo ia bonançoso, sem chuvas, nem vento rijo; mas já proximos do rio
+Santa Cruz principiou a desenvolver-se temporal e tão violento, que as
+caravellas estiveram a ponto de perder-se.
+
+Diz Barros que Deus e os Corpos dos Santos é que os salvaram,
+referindo-se á apparição dos fogos de Santelmo nos topes dos mastros.
+
+Era crença dos marinheiros n'aquelles tempos, e por muitos annos o foi
+ainda, que quando appareciam aquelles fogos nos topes dos mastros--hoje
+conhecidos como resultantes da electricidade--era signal de estar
+passado o perigo.
+
+Aquelles temporaes detiveram a frota dois mezes no rio Santa Cruz, sem
+Magalhães poder proseguir na sua almejada descoberta.
+
+A 18 de outubro, porém, o tempo parecia ter abrandado mais
+duradouramente, e Magalhães resolveu ir ávante, mandando fazer rumo para
+S. O. sem se afastar da costa.
+
+Principiavam os navios, a entrar em mares até então desconhecidos, e o
+receio dos navegantes era cada vez maior. Vinha a memoria as historias
+phantasticas e horriveis que se contavam d'aquelles mares tenebrosos. A
+superstição invadia todos os espiritos e apavorava os mais ousados. Só
+havia ali um espirito forte que tinha que repartir-se por todos,
+incutindo-lhe animo e confiança: era o de Fernão de Magalhães, firme no
+seu proposito, crente na sua idéa. Com elle tinha que se impôr a todos
+os seus subordinados, fazendo-lhes saber, que haviam de ir até o fim,
+até encontrar a procurada passagem para o mar do Sul, ainda que tivessem
+de chegar a 75.° graus de latitude, ou os seus navios se afundassem no
+meio da porcella.
+
+Não tardou que, de novo, a tempestade assaltasse as frageis caravellas,
+obrigando-as a estar á capa dois dias, mas abonançando ao terceiro,
+permittiu aos navegantes avançarem até 50.° de latitude, avistando a 21
+de outubro, uma lingua de terra para S. O.
+
+Esta vista alegrou Magalhães, que mais se fortaleceu na sua idéa,
+prevendo que aquella lingua de terra devia de ser a embocadura do
+estreito ou passagem para o mar das Indias.
+
+Immediatamente tratou de mandar fazer um reconhecimento por Serrão e por
+Mesquita, que iam respectivamente nas caravellas _Conceição_ e
+_Santiago_.
+
+Mal, porém, estes navios se tinham apartado da frota, quando pela noite
+sobreveio um forte temporal, que se estendeu por toda a costa, pondo em
+imminente perigo tanto as caravellas que tinham ido ao reconhecimento,
+como as que ficaram á espera de noticias.
+
+Parece que a Providencia se comprazia em contrariar tanta audacia e dar
+razão aos medrosos, que quasi tinham por louco o chefe da temeraria
+empreza.
+
+Foi uma noite e um dia de infinda tormenta. As caravellas que haviam
+ancorado, largaram as amarras e abandonaram-se á porcella; a _Conceição_
+e a _Santiago_ correram ao vento sem governo, em perigo de a cada
+momento vararem na costa. Diz Barros que os ventos dominantes, n'aquella
+quadra, eram do Sul, contrarios ao rumo dos navegantes. Tanto bastava
+para difficultar a viagem e augmentar os perigos em mares desconhecidos.
+
+Mas a mesma Providencia que assim experimentava os navegantes, tambem
+lhes accendeu a esperança no meio da tormenta, pois que as duas
+caravellas corridas do tempo, quando os navegantes se julgavam perdidos,
+devisaram estes uma aberturasinha ao longo da costa que lhes pareceu ser
+como que a entrada de alguma bahia.
+
+Manobrando com grande difficuldade, fizeram prôa para lá, e seguindo
+sempre avante transpozeram aquella entrada e encontraram-se n'uma bahia,
+e, como o tempo os não deixasse deter, foram correndo as caravellas até
+que entraram n'outra garganta de terra para além da qual se acharam em
+espaçosa bahia, como ainda não tinham encontrado,
+
+Ali serenou a tempestade, e os navegantes poderam reconhecer onde
+estavam, resolvendo Serrão e Mesquita voltarem a juntar-se a Magalhães a
+participar-lhe a boa nova.
+
+A abertura na costa, para que os navegantes aproaram as suas caravellas,
+foi, sem duvida, um raio de esperança que lhes sorriu entre a porcella,
+e por isso a denominaram estreito de Nossa Senhora da Esperança. Á
+primeira bahia denominaram-n'a depois, de S. Gregorio, e ao segundo
+estreito, de S. Simão.
+
+
+
+
+XIII
+
+
+Emquanto Serrão e Mesquita, luctando com a furia dos elementos,
+conseguiam fazer o reconhecimento ordenado por Magalhães, o audacioso
+capitão mal se tinha podido haver com o resto da frota, que ficára á
+espera á entrada do cabo, a que Magalhães deu o nome de Cabo das Onze
+Mil Virgens, em memoria do dia em que o avistou ser dedicado pela egreja
+áquella festa.
+
+Pelo espirito de Magalhães mais de uma vez, n'aquellas longas horas,
+passou a funebre idéa de que Serrão e Mesquita teriam perecido e mais a
+sua gente, no meio de tão grande tormenta.
+
+O temporal continuava desabrido, e a gente de Magalhães mostrava-se cada
+vez mais apprehensiva, o que augmentava os receios do chefe pelo exito
+da empreza que elle, com bem fundadas razões, via proximo a realisar.
+
+Para maior alarme, viram os navegantes elevarem-se rolos de fumo do lado
+da terra, o que fez suppor que eram fogueiras que os naufragos tivessem
+accendido para dar signal de onde estavam. Isto pareceu certo a
+Magalhães, que logo resolveu ir em soccorro dos naufragos, fosse qual
+fosse o perigo a que se ia expor e o resto da sua gente.
+
+«Quando estavamos, porém, n'esta anciedade, diz Pigaffeta, eis que
+apparecem duas embarcações, de panno largo e bandeiras desfraldadas ao
+vento, saltando por sobre as ondas e se dirigiam para nós. Ao
+approximarem-se dispararam tiros de bombarda, e a sua gente dava gritos
+de alegria, a que correspondemos do mesmo modo, e quando soubemos, por
+elles, que tinham visto a grande extensão da bahia ou do estreito,
+dispozemo-nos para continuar o nosso caminho.»
+
+Pelo que Serrão e Mesquita contou a Fernão de Magalhães, não restava
+duvida que se encontrára, emfim, a passagem procurada. Os exploradores
+haviam reconhecido golfos de mar entre alcantiladas rochas, diziam uns;
+outros julgavam ter achado o estreito, por onde haviam navegado tres
+dias sem lhe encontrar o fim, notando grandes correntes com pequenos
+minguantes, signal evidente de que o estreito levava as suas aguas para
+o poente, ao oceano.
+
+Tudo isto dava acerto ao juizo de Magalhães, o qual mandou dez homens em
+uma chalupa reconhecer a terra.
+
+Esses homens não encontraram gente, mas vestigios. Mais de duzentas
+sepulturas indicavam ter ali havido povoado; devia ser, porém, na
+estação do calor, em que os indios vem estabelecer-se á beira do mar,
+voltando para o interior na estação das chuvas, e era aquella em que os
+exploradores ali se encontravam. Mais viram muitos esqueletos e ossos
+soltos de baleias, espalhados pela praia, signal de grandes temporaes
+que ali arrojavam aquelles cetaceos.
+
+Herrera diz, que por ordem de Magalhães foi a caravella _Santo Antonio_
+fazer novo reconhecimento no canal, mas sem resultado, porque tendo
+Mesquita avançado umas cincoenta leguas, não lhe achou o fim, pelo que
+resolveu voltar á frota a dar parte da sua viagem a Magalhães.
+
+Vinha talvez mais convencido de que o canal ou estreito só teria mais
+perigos para quem o quizesse devassar, do que levaria a bom termo de
+viagem. Magalhães, porém, não se desconcertou com o resultado do
+reconhecimento de Mesquita, e antes resolveu terminantemente seguir
+avante, convencido de que passaria o estreito e encontraria, emfim, o
+mar da India ou do Sul.
+
+Não quiz, porém, levantar ferro, sem reunir na _Trindade_--navio
+almirante--o conselho dos capitães, para lhes communicar a sua resolução
+e saber ao certo dos mantimentos que havia, para que tempo chegariam.
+
+Reunido o conselho, os capitães declararam que havia comestiveis para
+tres mezes. Quanto á resolução que Magalhães lhes communicou todos se
+mostraram concordes, talvez mais por obediencia ao chefe, do que por
+convicção do bom exito do commettimento. Apenas o piloto Estevão Gomes,
+parente ainda de Magalhães, descordou dos seus companheiros, ponderando
+que corriam grande perigo em proseguirem, pois que os temporaes ou as
+calmarias que atrazassem a travessia, poderiam inutilisar tudo, perdendo
+os navios ou reduzindo todos á fome, de que morreriam. Magalhães
+combateu moderamente a opinião de Estevão Gomes, affirmando que o canal
+que encontraram era a passagem para o mar do Sul, e tinha a certeza do
+que dizia, porque, na thesouraria de Portugal vira uma carta de marear
+desenhada por Martim Behaim, em que estava traçada aquella passagem, de
+que não podia duvidar agora. O enthusiasmo de Magalhães chegou a tal
+ponto que disse ao conselho: Ainda que para chegar ao fim tivesse que
+comer as pelles de vacca que forravam as antenas dos navios, não
+retrocederia sem cumprir o que havia tratado com Carlos V.
+
+Todos se submetteram á vontade do chefe, e no dia seguinte a frota
+soltou vellas e navegou pelo estreito fóra até á grande bahia de S.
+Bartholomeu, onde os navegantes depararam com um grupo de ilhas.
+
+A frota lançou ferro, e Magalhães mandou fazer um reconhecimento n'um
+canal ao sul, pelas caravellas _Conceição_ e _Santo Antonio_.
+
+Ao sul ficava terra, a que Magalhães pôz o nome de Terra do Fogo, por
+ter observado, de noite, grandes fogueiras que lá ardiam. Aquellas
+terras ainda hoje conservam esse nome.
+
+Nada adiantou o reconhecimento que Magalhães mandou fazer, porque a
+caravella _Conceição_ voltou breve sem nada trazer de novo, e a _Santo
+Antonio_, debalde a esperaram, não a tornando mais a ver.
+
+Esta falta inquietou sobre modo a Magalhães, pelo receio de que se teria
+perdido o navio, e ainda empregou esforços para o procurar, mas tudo foi
+inutil, dando acerto ao parecer do piloto André de S. Martim, que disse
+a Magalhães que a caravella voltára para Hespanha, como effectivamente
+voltou, tendo a companha sublevado-se contra Mesquita, ao qual
+prenderam, dando o commando do navio a Jeronymo Guerra, que ia a bordo
+como escrivão.
+
+
+
+
+XIV
+
+
+Perdida a esperança de reunir á frota a caravella _Santo Antonio_,
+continuou Magalhães a viagem pelo estreito descobrindo a sudueste o
+cabo, hoje denominado pelos inglezes cabo Froward, mas a que os
+hespanhoes chamaram de Santa Agueda. A latitude austral d'este cabo foi
+marcada pelos navegantes em 50° 40'. O capitão King marcou depois a
+latitude do mesmo cabo em 53° 43', pelo, que, como nota Diego Arana, é
+para admirar que, com os instrumentos bastante imperfeitos de que então
+dispunham os navegantes, podessem fixar com tão pequenas differenças a
+latitude dos logares em que se encontravam, em relação ao equinoxio.
+
+O estreito apresentava, principalmente para o sul, grande quantidade de
+canaes e recifes, quasi impossivel de reconhecer, nas precarias
+condições em que os navegantes se encontravam, extenuados da longa
+viagem que traziam, abatidos pelas doenças e pelos trabalhos,
+desanimados, vivendo mais da esperança que animava o seu chefe que da
+propria convicção de chegarem a bom fim.
+
+Fernão de Magalhães conhecia perfeitamente este estado, e quanto tinha a
+recear de uma sublevação da sua gente se abertamente se negasse a
+acompanhal-o. O que acontecera com a caravella _Santo Antonio_ podia
+estender-se ás outras e elle ser impotente para manter a disciplina. De
+quanta prudencia e tacto precisava para, quasi ao vêr coroados tantos
+trabalhos, não se frustrar a empreza!
+
+Quiz ainda mais uma vez consultar os capitães e pilotos da frota sobre o
+que se devia fazer, para, sabendo o que pensavam, lhe apresentar as
+razões que tinha para seguir ávante. Assim os poderia convencer melhor e
+desfazer os receios levantados no espirito da sua gente.
+
+Só é conhecida a resposta que o piloto da _Victoria_, André de S.
+Martin, deu a esta consulta, e essa não foi favoravel ao proseguimento
+da viagem. Este piloto, que era muito entendido em cosmographia, parece
+que tinha seus aggravos de Magalhães, e, ou por este motivo, ou porque
+ia doente, e tanto que morreu depois na viagem, opinava pelo immediato
+regresso a Hespanha, visto que estava achado o estreito, e o
+proseguimento da viagem até encontrar o mar do Sul era muito arriscado,
+no estado em que os navios se achavam--e ainda peior a gente que os
+tripulava,--para resistir aos temporaes que podessem sobrevir, que
+decerto, atrazariam a viagem, correndo o risco de faltarem os
+mantimentos e todos morrerem á fome se escapassem das tormentas.
+
+Não obstante esta opinião, porventura muito sensata, Magalhães deu suas
+razões para continuar a viagem, e a frota seguiu avante, mau grado da
+maior parte da tripulação.
+
+A certa altura Magalhães mandou uma chalupa com gente explorar o
+estreito para o occidente. Não tinham ainda navegado muito, quando,
+approximando-se da Terra do Fogo, observaram que era cortada por grande
+numero de canaes, que separavam a terra formando pequenas ilhas.
+Seguindo por um d'esses canaes chegaram ao extremo de uma ponta de terra
+para além da qual se descobriu então aos olhos d'aquella gente um mar
+vastissimo, que devia ser, sem duvida, o mar do sul que procuravam.
+
+É facil calcular o alvoroto que aquella descoberta produziu nos
+tripulantes da chalupa; voltaram presurosos a dar a nova a Magalhães,
+tendo gasto tres dias no reconhecimento.
+
+Pigafetta conta que todos choraram de alegria, e em verdade não era para
+menos tão feliz descoberta.
+
+Todos cobraram animo e a frota proseguindo na sua viagem chegou á tal
+ponta de terra, que os navegantes denominaram acertadamente Cabo
+Desejado.
+
+A caravella _Victoria_ ia na frente e, sahido o estreito, que Magalhães
+denominou de Todos os Santos, em razão do dia em que o tinha descoberto,
+destinguiu uma outra ponta de terra onde a costa se quebrava para norte
+e que donominaram Cabo Victoria, em honra do navio que primeiro o
+dobrava. Para além d'este cabo é que se estendia o grande mar do sul.
+
+
+
+
+XV
+
+
+Transposto o estreito a que Magalhães chamou de Todos os Santos, como
+ficou dito, mas que um seculo depois era já conhecido por estreito de
+Magalhães[6] e entrada a frota no mar do Sul, estava ainda assim bem
+longe o termo da penosa viagem, pois que não lhe faltaram perigos e
+trabalhos que passar.
+
+Não foram as tempestades que difficultaram a marcha, porque essas
+felizmente não assaltaram os navegantes n'aquelle mar, e tanto que estes
+lhe chamaram mar Pacifico, que ainda hoje conserva; mas a propria
+miseria em que se viam, faltos de saude e de alimentos, sem encontrarem
+comestiveis nem poderem fazer aguadas nas ilhas a que iam aportando,
+despovoadas e desprovidas das coisas necessarias á vida.
+
+D'esta miseria nos dá boa idéa Pigafetta quando descreve, como
+testemunha presencial, as necessidades e apuros em que se viram os
+navegantes:
+
+«Comiamos bolacha, diz Pigafetta, que estava feita em pó, cheio de
+gorgulhos, que lhe tinham absorvido a substancia alimentar, com um sabor
+acre detestavel da urina de ratos de que estava empregnado. A agua para
+beber era, por egual pôdre e amarga. Para não morrer de fome vimo-nos
+obrigados a roer o coiro que forrava a verga grande e que impedia que a
+madeira desgastasse os cabos; era, porém tão duro o coiro, exposto a
+agua, ao sol e aos ventos, que precisava estar de molho no mar quatro e
+cinco dias, para ficar um pouco mais macio, pondo-o depois ao lume, e
+assim o comiamos. Muitas vezes vimo-nos na necessidade de comermos
+serradura de madeira; e os ratos, tão repugnantes ao homem, chegavam a
+ser o alimento mais apetitoso, pagando-se até por meio ducado cada um.»
+
+«Mas ainda não era tudo. Maior desgraça nos veio atacar, a de uma
+enfermidade que consistia em nos inchar as gengivas cobrindo
+completamente os dentes de ambas as mandibulas, a ponto de que os
+atacados d'aquella doença não podiam tomar nenhum alimento[7]. Além dos
+mortos, cahiram doentes vinte e cinco a trinta marinheiros, com dores
+nos braços, nas pernas e por outras partes do corpo, mas que emfim se
+curaram.
+
+«Pela minha parte não sei dar bastantes graças a Deus, por durante este
+tempo e entre tantos doentes não ter tido a menor doença.»
+
+Não bastavam, porém, tantas provações aos ousados navegadores, porque,
+quando pensavam encontrar os viveres e refrescos de que tanto careciam,
+vendo aproximarem-se de umas ilhas, em volta das quaes navegava grande
+quantidade de barquinhos tripulados, depararam com bandos de selvagens,
+que assaltando os navios, pretendiam roubar quanto podessem. Foi
+necessario repellil-os á viva força e disparar sobre os barcos tiros de
+artilheria. Só depois d'esta recepção é que os navegantes poderam entrar
+com elles em commercio, trocando bagatellas que levavam por alguns
+poucos viveres.
+
+Depressa largou a frota d'aquellas ilhas e Magalhães as denominou ilhas
+dos Ladrões, com que ainda são conhecidas, chamando-se-lhe tambem ilhas
+Mariannas em razão das missões que n'ellas estabeleceu a rainha D. Maria
+Anna de Austria, mãe de Carlos II.
+
+D'estas missões trata largamente o padre Gobien na sua _Histoire des
+Mariannes_, impressa em Paris em 1701.
+
+ [6] Alguns escriptores tem dito que este nome foi posto pelo proprio
+ Magalhães e ainda Buzeta e Bravo assim o dizem no _Diccionario
+ Geographico Historico de las Islas Filipinas_, é, porém, fóra de
+ duvida, que o estreito foi primeiro denominado de Todos os Santos,
+ como vem na relação de Pigafetta e no Diario de Albo.
+
+ Nas cartas geographicas e livros de geographia da segunda metade do
+ seculo XVI já o estreito vem indicado com o nome do seu descobridor,
+ e apenas consta de um aucto lavrado por Pedro Sarmento de Gamboa,
+ quando atravessou o estreito em perseguição do Corsario inglez
+ Drack, elle denominou o estreito Mãe de Deus em razão dos grandes
+ perigos que passou para o atravessar, e de que felizmente sahiu a
+ salvo, pedindo a Filippe II de Castella que lhe conservasse aquelle
+ nome em homenagem á Virgem que tão milagrosamente lhe acudira.
+ Apesar d'isto Filippe II conservou ao estreito o nome do teu
+ descobridor.
+
+ [7] Esta doença é o escorbuto.
+
+
+
+
+XVI
+
+
+Havia mais de tres mezes que Magalhães tinha atravessado o estreito com
+a sua frota e não podera até ali reconhecer as ilhas que encontrara.
+
+Chegou o dia 16 de março de 1521, que era domingo de Lazaro, e com elle
+o descobrimento de um novo archipelago, que Magalhães denominou S.
+Lazaro, em razão do dia em que o descobrira.
+
+A primeira ilha d'este archipelago era a ilha Zamal, assim denominada
+pelos naturaes e que tambem se encontra nos mappas com o nome de Samar,
+e ainda no _Diario de Albo_ com o nome de Suluan e Yunagan, como as
+primeiras ilhas reconhecidas pelos castelhanos.
+
+Foi n'este archipelago que Magalhães desembarcou com parte da sua gente,
+armando duas tendas para os doentes, e descansando alguns dias em terra,
+da penosa e longa viagem que todos traziam.
+
+A ilha escolhida foi a Humunu a que os navegadores chamaram Aguada dos
+Bons Indios, por terem ali feito aguada e por seus habitantes serem
+doceis, quasi timoratos, pelo menos em presença dos visitantes. Com
+elles trocaram das bagatellas que levavam por viveres de que careciam.
+
+Boa gente eram os indigenas d'esta ilha onde os navegantes poderam
+descansar alguns dias; depois do que proseguiram viagem, avistando a 27
+de março outras ilhas para O. e S. O. as quaes verificaram serem tambem
+habitadas.
+
+As novas ilhas denominavam-se Masavá ou Masaguá, Butuan e Calagan,
+comprehendidas no archipelago que Magalhães denominou de S. Lazaro e a
+que depois se chamaram Filippinas em homenagem ao filho de Carlos V[8].
+
+Não foi difficil aos navegantes entrarem em boas relações com os
+habitantes d'estas ilhas, os quaes vieram em barcos ao encontro da frota
+e falaram com Magalhães por meio de um interprete, que os hespanhoes
+levavam e que falava o malayo.
+
+Tão bem se entenderam, que o rei da ilha de Masavá veio a bordo fazer os
+seus comprimentos a Magalhães, trazendo-lhe presentes, que este não quiz
+acceitar, na primeira entrevista, para mostrar que não o movia a cobiça,
+e antes presenteou o rei com mercadorias que levava.
+
+O rei de Masavá mostrou-se muito reconhecido a Magalhães e tanto que,
+pedindo este para com elle trocar viveres por fazendas, o rei lhe mandou
+arroz e do mais que tinha recebendo tecidos de côres, que muito lhe
+agradaram.
+
+Na visita que o rei fez a bordo, Magalhães mostrou-lhe as armaduras
+d'aço dos seus soldados, que os tornava invulneraveis aos golpes ou aos
+tiros das armas de fogo; fez exposição das armas que levava, mandou
+disparar a artilheria, o que tudo causou espanto ao rei indigena.
+
+Isto deu motivo ao rei de Masavá para se considerar honrado com a
+amizade d'aquelles extrangeiros subditos de um rei christão poderoso, e
+por isso dispensou-lhe toda a boa hospitalidade de que dispunha, n'uma
+terra semi-selvagem.
+
+A convite do rei, foi a terra Pigaffeta e outro companheiro para
+conhecerem do paiz em que estavam.
+
+Conta Pigaffeta que, quando desembarcou, o rei levantou as mãos ao ceu,
+e se virou para os visitantes que fizeram outro tanto.
+
+Era isto signal de boa paz e de que tinham os extrangeiros como enviados
+de Deus. Depois dirigiram-se para um alpendre feito de cannas, debaixo
+do qual estava um _balangai_, embarcação de uns cincoenta pés de
+comprido, e se sentaram á poupa com o rei. Ali foi servida carne de
+porco e vinho e só Pigaffeta é que se atrevia a tocar na escodella do
+rei quando bebia. Os da comitiva do rei estavam de pé e armados de
+lanças e escudos.
+
+Apezar da falta de um interprete da lingua, intenderam-se por signaes e
+assim foi Pigaffeta tomando nota da significação de muitas palavras
+escrevendo-as no seu caderno, admirando-se todos muito de o verem
+escrever!
+
+Ao fim do dia tornaram a comer carne de porco guisada e arroz, servido
+em grandes pratos de porcellana, beberam mais vinho por escudellas e
+quando acabou esta refeição, foram para o palacio do rei, que era em
+forma de uma grande meda de feno, coberto de folhas de platano, e
+subiram para os aposentos reaes por uma escada de mão.
+
+Meia hora depois de ali estarem foi servida nova refeição de peixe
+assado, gengibre e vinho. N'essa occasião viu Pigaffeta o filho mais
+velho do rei que veiu sentar-se ao seu lado.
+
+Esta refeição durou mais algum tempo, sendo servido mais peixe e arroz,
+e o companheiro de Pigaffeta bebeu tanto vinho que se embriagou.
+
+Foi um verdadeiro dia de festa depois de tantos mezes de privações.
+
+N'aquella noite Pigaffeta e o seu companheiro dormiram no palacio do rei
+ao lado do principe herdeiro, todos deitados em esteiras de cannas tendo
+por cabeceira almofadas de folhas d'arvores.
+
+Era o mais a que chegavam as commodidades da vida d'aquelle povo, apesar
+de no paiz abundar o ouro, que facilmente se encontrava misturado com a
+terra, em pedaços do tamanho de nozes e de ovos.
+
+No palacio do rei havia jarros e muitos outros objectos fabricados
+d'aquelle metal. O rei trazia brincos de ouro nas orelhas e os copos da
+sua espada tambem eram do precioso metal.
+
+No dia seguinte o rei convidou Pigaffeta e o seu companheiro para
+almoçarem, mas os dois retiraram para bordo, agradecendo a boa
+hospitalidade, beijando n'essa occasião o rei as mãos dos visitantes ao
+que estes corresponderam beijando as mãos do rei.
+
+Assim entabolaram os navegantes relações com a gente da ilha de Masavá
+que tão bem os recebeu, que a frota ali se demorou até 4 de abril, em
+que de novo se fez ao mar no proseguimento da sua derrota.
+
+Durante o tempo, porem, que ali permaneceu passou o domingo de Paschoa e
+n'esse dia desembarcaram uns cincoenta homens meios armados com o
+respectivo commandante, e um padre para dizer missa em terra, n'um altar
+que se armou.
+
+Foi grande a admiração d'aquellas gentes quando isto viram e perguntados
+se não professavam nenhuma religião, responderam erguendo as mãos para o
+ceu, como que dando a entender que reconheciam um ente supremo a que
+chamavam _Abba_.
+
+Assistiram os reis á missa e, ao offertorio beijaram a cruz e adoraram a
+hostia consagrada, imitando tudo que viam fazer aos christãos.
+
+Quando terminou a ceremonia Magalhães apresentou uma cruz grande, diante
+da qual todos se ajoelharam incluindo os indios, e fez entender ao
+regulo que aquella cruz era o estandarte que o rei christão lhe havia
+confiado para implantar em toda a parte que chegasse; que n'aquella
+terra a ia collocar no sitio mais elevado para que todo o mundo a visse
+e a todos desse signal de ali terem sido bem recebidos pelos naturaes, o
+que faria que outros que aportassem aquella ilha os tratassem bem. Que
+os seus habitantes deviam, todas as manhãs fazer adoração aquella cruz,
+por que ella era o symbolo da redempção.
+
+O rei prometteu a Magalhães fazer o que este lhe dizia e ordenar aos
+indios que assim o observassem.
+
+A docilidade d'aquella boa gente deixou captivados os navegantes e
+fortaleceu-lhes o animo para seguirem na sua empreza civilisadora, não
+concorrendo menos para augmentar a auctoridade moral de Magalhães sobre
+a sua gente.
+
+ [8] Alguns escriptores, mesmo os hespanhoes tem confundido estas
+ ilhas do archipelago de S. Lazaro com as ilhas dos Ladrões, que já
+ citámos.
+
+ A obra de Mallot _Les Philippines_, publicada em Paris em 1846 não
+ deixa duvidas a este respeito.
+
+
+
+
+XVII
+
+
+É d'aqui em diante que se vai passar a tragedia mais horrivel, que
+enlutou a temeraria empreza de Magalhães.
+
+A 4 de abril de 1521 largou a frota do archipelago de S. Lazaro, depois
+denominado das Filippinas, como já ficou dito, e dirigiu o rumo para a
+ilha de Zebú, que o regulo de Masavá lhe indicara como um dos portos
+mais importantes e mais proximos, para entrar em commercio.
+
+Effectivamente, decorridos tres dias de viagem, avistaram uma ilha, e
+aproximando-se d'ella viram que era muito povoada de casas construidas
+sobre arvores collossaes.
+
+Era a ilha de Zebú.
+
+Magalhães entrou em commercio com o rei d'aquella ilha, não sem alguma
+difficuldade, pois que o regulo queria que os hespanhoes lhe pagassem
+egual tributo ao que era imposto ás embarcações das ilhas visinhas que
+vinham áquelle porto.
+
+Custou a convencer o rei de que os hespanhoes não lhe pagariam tal
+tributo e, antes pelo contrario o exigiriam para si e lhe fariam guerra,
+se o rei presestisse n'essa imposição.
+
+Trocadas explicações de parte a parte, o rei de Zebú reconheceu a
+inconveniencia e entrou em boa amizade com Magalhães, annuindo a dar
+privilegio aos hespanhoes para estabelecerem commercio na ilha, unica
+exigencia que faziam e direito que se reservavam.
+
+Foram, porem, mais longe as boas relações que entabolaram com aquella
+gente. O rei de Zebú manifestou desejo de ser christão, depois de ouvir
+as façanhas praticadas por portuguezes e hespanhoes, animados da grande
+força moral que a religião do crucificado dava aos que observavam a sua
+lei.
+
+O baptismo do rei de Zebú celebrou-se com grande aparato, e não só este
+rei mas muitos outros regulos ou senhores d'aquella ilha, rainhas e boa
+parte da população receberam a agua do baptismo.
+
+Não se poderá affirmar que a convicção ou a fé os movesse a tão
+facilmente abraçarem a religião de Jesus Christo, porque de certo o
+espirito d'aquella gente não poderia estar preparado para comprehender
+toda a sublimidade do christianismo; mas sim os attrahiu a curiosidade e
+ainda mais a idéa de que o baptismo lhes daria mais coragem e valor para
+vencerem seus inimigos nas guerras que traziam com os povos vizinhos.
+
+Sim, isto sobretudo é que os devia ter attrahido.
+
+Viam alli gente christã que os deslumbrava com o seu poder, que elles
+consideravam como sobrenatural, quando a artilharia disparava tiros
+retumbantes, e a mosquetaria fuzilava lume pelo ar; e sem poderem ainda
+apreciar a grande vantagem das armaduras, contra as quaes se embotariam
+as suas agudas settas, pois não haviam entrado em lucta, o fogo das
+armas lhes bastava para os maravilhar, apesar dos christãos só terem
+dado descargas de polvora secca.
+
+Dominados aquelles indigenas pelo prestigio dos christãos, foi
+relativamente facil a Magalhães obter d'elles quanto queria; e assim o
+rei de Zebú jurou solemnemente fidelidade a Carlos V, e com elle todos
+os senhores da ilha submissão ao imperador das Hespanhas.
+
+Não, obstante o reconhecimento da auctoridade de Carlos V e da submissão
+dos habitantes da ilha de Zebú, o senhor ou rei de outra ilha proxima
+não approvou o procedimento dos seus vizinhos, e por isso, quando alli
+foram os hespanhoes, para entabolar relações, o rei negou-lhes
+obediencia.
+
+Isto deu logar a uma demonstração de força dos hespanhoes, que
+incendiaram uma aldeia da ilha, retirando-se depois nas chalupas.
+
+O regulo que não quizera reconhecer a auctoridade dos extrangeiros,
+chamava-se Silapulapú; mas outro regulo da mesma ilha, chamado Lula,
+mostrou-se mais docil, e tanto, que prometteu a Magalhães o mandar-lhe
+presentes em troca dos que d'elle recebera.
+
+Este Lula, consciente ou inconscientemente, foi a causa da desgraça do
+grande navegador. Elle incitou, por assim dizer, Magalhães a fazer a
+guerra a Silapulapú, e se o fez de boa fé, ou de plano concertado, para
+dar ruina aos christãos, é o que a historia não diz, mas se poderá
+inferir pelo modo como Lula procedeu.
+
+Na manhã de 26 de abril de 1521, enviou Lula um seu filho a Magalhães
+com duas cabras, dizendo-lhe que, se não mandava mais presentes, não era
+por sua culpa, mas porque Silapulapú a isso se havia opposto,
+persistindo em não reconhecer a auctoridade dos hespanhoes. Dizia mais o
+Lula que, se Magalhães lhe mandasse alguns dos seus homens de guerra,
+elle promettia, com a sua gente, reduzir á obediencia o Silapulapú.
+
+Esta simples mensagem de Lula foi para Magalhães como que um repto á sua
+coragem e valentia.
+
+Não se diria nunca que Fernão de Magalhães hesitava um momento quando
+lhe reclamavam o esforço do seu braço, a bravura do seu animo. Elle,
+soldado ousado, que havia ferido guerras em Africa, e que ha tanto tempo
+conservava a espada na bainha, sem ter ensejo de retemperar o aço da sua
+lamina, rechassando o inimigo; elle, a quem a aventura attrahia e
+povoava a sua imaginação das mais seductoras façanhas, encontrava alfim
+novo ensejo para experimentar se o seu braço ainda era o mesmo e se a
+boa estrella, que tinha guiado sempre as suas armas, mais uma vez o
+conduziria á victoria.
+
+As circunstancias, porém, não se apresentavam muito favoraveis, e d'isso
+o quiz convencer João Serrão, homem experiente, que não se deixava
+fascinar pela gloria, mais que duvidosa, da temeridade d'aquelle feito.
+
+Era preciso attender a que a gente de Magalhães estava consideravelmente
+reduzida: uns, tinha-os a morte levado; outros, as doenças e trabalhos
+da viagem os haviam impossibilitado. Os válidos eram poucos, e esses
+mesmos meio depauperados.
+
+Tudo isto ponderou Serrão a Magalhães. O rei de Zebú tambem se mostrou
+contrario á resolução do grande capitão, apesar de não poder calcular
+toda a força e valentia de que os christãos poderiam dispôr, na conta em
+que os tinha de homens extraordinarios, por assim dizer, sobrenaturaes.
+Entretanto sabia que o inimigo era assaz numeroso, e pelo sentimento
+nato de que, contra a força não ha resistencia, elle pensava, a despeito
+de todas as maravilhas creadas no seu espirito, quanto era arriscada e
+talvez fatal para os hespanhoes a lucta que ia travar-se.
+
+Magalhães não attendeu as razões nem os conselhos dos seus e do rei de
+Zebú. Costumado a mandar e a ser obedecido, tanto mais depois de ter
+subjugado os proprios elementos para chegar ao termo da sua empresa,
+nenhumas forças seriam capazes de o demover da resolução que tomára, de
+submetter pelas armas os habitantes da ilha de Mactan que se negavam a
+prestar obediencia.
+
+O numero dos seus soldados pouco lhe importava, como pouco lhe importava
+se o inimigo era assás numeroso. Estava elle com o seu braço e com a sua
+espada costumada á guerra contra infieis. Vencera em Africa muitas vezes
+contra milhares de indigenas, e de que façanhas se poderia orgulhar se
+assim não fôra!
+
+A sua espada e a sua fé valiam por um exercito; sob o seu commando e ao
+seu lado cada soldado valia por mil. Eram assim as guerras d'aquelle
+tempo contra os povos d'alem mar, como o tinham sido na peninsula contra
+os mouros; a cruz levava de vencida o crescente por toda a parte; porque
+não havia de triumphar tambem alli?!
+
+Para quem com tanta firmeza e sacrificio tinha desvendado os mares
+procellosos, para dar a volta ao mundo, luctando tenazmente pela sua
+idéa, tantas vezes contrariada pelos elementos e pelos homens, que valia
+agora a resistencia de uns selvagens?
+
+Muito maiores obstaculos tinha elle destruido no seu caminho,
+sobrando-lhe sempre animo para proseguir avante, e não podia
+comprehender que homens como aquelles que o acompanhavam na temeraria
+empresa que se propôs, que com elle tinham compartilhado dos perigos
+para alli chegarem, se arreceassem agora de entrar em guerra com um
+bando de selvagens, e medissem primeiro cautelosamente as forças para se
+lançarem na lucta, quando nem sabiam ao certo o numero dos inimigos nem
+as armas de que elles dispunham.
+
+O rei de Zebú era suspeito para informar da quantidade e qualidade do
+inimigo. Quem podia affirmar o contrario?
+
+O triumpho das armas christãs importaria a submissão completa e
+incondicional de todos aquelles povos, e o grande capitão não só teria
+coroado a sua empresa de encontrar o mar do sul, mas traria á Hespanha
+tributarios os povos d'aquellas regiões, fascinados e submettidos pelo
+prestigio das suas armas.
+
+Era de tentar a cartada! Quem lhe poderia resistir?!
+
+
+
+
+XVII
+
+
+Passou-se o dia 26 e a noite em aprestos para o ataque.
+
+O grande capitão reuniu todos os homens de guerra, que não excediam a
+sessenta, pelo que diz Diego Arana, armados de couraças e de cascos; o
+resto eram enfermos, incapazes de entrarem em combate. Mandou arrear
+algumas peças de artilharia para as chalupas, escudos sobrecellentes e
+mosquetes, munições e alguns comestiveis, não muitos, pois não os havia
+para larguezas; mas o que faltava ao corpo, abundava no espirito, porque
+a gente de guerra estava desejosa de bater-se, tanto tempo havia
+decorrido que não experimentava armas.
+
+Era natural.
+
+Pela meia noite principiou o embarque nas chalupas.
+
+Havia passado um anno e sete mezes que esses valentes tinham embarcado
+tambem, em S. Lucar de Barrameda, para a famosa expedição, cheios de
+enthusiasmo, a correr aventuras como agora.
+
+Em S. Lucar o sol de agosto aquentava-lhes mais o espirito e inundava de
+luz o mar a que se faziam suas caravelas, levadas como que entre nuvens
+de fumo dos tiros de artilharia, que diziam o ultimo adeus ás terras de
+Hespanha.
+
+Em Zebú, porem, a partida era differente; o véo da noite envolvia a
+terra e os mares; o sol não saudava aquelles valentes, que então como
+agora iam jogar a vida. Tinham de abafar o seu enthusiasmo no meio do
+silencio de uma noite triste e funebre, em que no céo apenas uma ou
+outra estrella vagueava sua luz tremente, como olhos marejados de
+lagrimas. Não havia corações amigos a saudal-os na despedida, mas gente
+barbara e extranha que os olhava temerosa e desconfiada.
+
+Que differença!
+
+E em silencio se fez o embarque, a que assistiu Fernão de Magalhães,
+embarcando elle na ultima chalupa.
+
+O rei de Zebú, com um dos principes e outros senhores da ilha, seguiram
+os christãos em balangais, com indios armados de piques.
+
+Vento fresco encrespava o mar por onde os barcos iam correndo, ora
+orçando da vaga ora arribando para o vento.
+
+Magalhães, de pé, á pôppa da sua chalupa, vigiava todo o governo e
+ordenava a manobra.
+
+Ia satisfeito; pelo seu espirito não passava sombra de receio da
+aventura em que ia lançar-se. As horas pareciam-lhe mais longas que de
+costume; a noite não tinha fim!
+
+Proximo da madrugada chegavam as chalupas á ilha de Mactan, e o primeiro
+impulso de Magalhães foi o desembarcar immediatamente com os seus homens
+de guerra, mas não era possivel. A maré estava baixa e as ondas
+quebravam-se com violencia contra os cachopos da praia, elevando-se
+espumantes para o ar.
+
+Qualquer barco que tentasse abordar á terra correria o risco de se
+despedaçar entre os recifes.
+
+Comtudo a impaciencia de Magalhães não lhe soffria delongas e, sem
+attender ao perigo, ordenou a um mouro, que ia nas chalupas, para que da
+sua parte fosse intimar o regulo de Mactan a reconhecer a soberania do
+rei de Hespanha e prestar obediencia ao rei christão de Zebú, pagando os
+tributos exigidos; de contrario os castigaria pelas armas[9].
+
+Foi-se o mouro com a intimação, e se escapou de mergulhar entre os
+recifes, quasi ia ficando preso na ilha, pois os rebeldes não se
+intimidaram com as suas palavras e antes responderam que: saberiam
+defender-se e resistir aos christãos, pedindo sómente que os não
+atacassem de noite.[10]
+
+Assim voltou, a custo, o mouro a participar ao chefe o resultado da sua
+missão.
+
+Como se poderá descrever o desespero e impaciencia de Magalhães ao saber
+a resposta d'aquelles barbaros, que mais incitava os seus brios de
+guerreiro? Queria desembarcar logo com a sua gente e atacar os rebeldes,
+ainda que de noite, e teria cedido ao primeiro impulso se não fôra o rei
+de Zebú dissuadil-o de tal temeridade, fazendo-lhe conhecer a tactica
+d'aquella gente, que, para se defender, se fosse atacada de noite,
+abriria fojos em volta da ilha, cheios de estacas aguçadas como lanças,
+onde os hespanhoes cahiriam cegamente como em armadilha bem disposta
+para os caçar.
+
+Por isto se conhece a dissimulada astucia d'aquelles barbaros, pedindo
+para os não atacarem de noite, como se para tal não estivessem
+prevenidos, o que certamente incitaria os castelhanos a realizar o
+ataque, mais seguros do resultado.
+
+Magalhães, acreditando ou não no que lhe observou o rei de Zebú,
+precaveu-se do logro e achou por mais seguro realizar o desembarque de
+dia para melhor medir o campo em que tinha de operar.
+
+Mal a aurora despontou, as chalupas approximaram-se da praia tanto
+quanto permittia a maré, que ainda estava baixa, e Magalhães desembarcou
+com parte da sua gente, dando a agua pela cintura a todos, de modo que
+não puderam transportar a artilharia.
+
+Isto obrigou a que nas chalupas ficassem homens a guardar as peças, além
+d'aquelles que tinham de tomar conta nos barcos, o que reduziu o numero
+dos combatentes que acompanhavam o chefe.
+
+Para mais, Magalhães não acceitou o auxilio de gente que lhe offereceu o
+rei de Zebú, talvez por não lhe merecer grande confiança; e, julgando-se
+mais seguro com os seus cincoenta homens, que tantos desembarcariam,
+avançou para terra resoluto a bater os barbaros.
+
+Ainda bem não tinha disposto a sua gente em acção, quando, por um dos
+flancos, lhe surde d'entre o matto uma manga de indios armados de
+flechas e escudos. Trava-se logo a lucta, rompendo os hespanhoes fogo de
+mosquetaria, que pouco alcançava o inimigo. Este despedia-lhe suas
+flechas, que se embotavam contra os cascos e couraças dos christãos; mas
+bem não tinha começado o ataque, quando outra manga apparece pelo flanco
+opposto a atacal-os, o que obrigou Magalhães a dividir a sua gente em
+duas columnas, para fazer frente ao inimigo.
+
+Cresce a lucta, redobra o esforço.
+
+As flechas são impotentes contra as couraças, mas a mosquetaria vai
+derribando os indios, ganhando os christãos terreno.
+
+Não se acobardam os barbaros com as perdas soffridas, e disputam a
+posição com inesperado valor. Em alguma cousa se fiam para arrostarem
+com os christãos. Contam com a sua superioridade numerica, que não tarda
+a ser reforçada, e agora apparece pela frente outra manga, tanto ou mais
+numerosa que as primeiras, arrogante e bem armada de varas de madeira
+endurecidas ao fogo, que ferem como laminas de aço.
+
+Magalhães e a sua gente vêem-se cercados por todos os lados. Elle, só á
+sua conta, tem rechassado um bom numero de indios; braço vigoroso, animo
+decidido, não cansa.
+
+Tenta dividir o inimigo; e manda lançar fogo á povoação, para que elle
+corra a dominar o incendio.
+
+Mas esta estrategia não dá resultado, porque os indios mais se
+exasperam, e alguns, correndo sobre os incendiarios, ainda colhem dois a
+quem logo dão a morte.
+
+As numerosas mangas vão crescendo cada vez mais sobre os hespanhoes,
+arremessando-lhe um sem numero de flechas, varas e pedras, que lhes
+atiram os cascos fóra da cabeça.
+
+Alguns, considerando-se perdidos, já fogem para a praia e entram na
+agua, que lhes chega quasi aos hombros, em procura das chalupas, onde se
+refugiam.
+
+Magalhães resiste sempre, acompanhado pelos mais fieis e corajosos, que
+todos se batem com denodo.
+
+Os indios, vendo que as suas flechas resvalam das couraças e caem na
+areia sem causar damno ao inimigo, apontam-n'as mais baixas, procurando
+ferir as pernas dos adversarios. Este expediente dá-lhes resultado,
+porque os homens de Magalhães debandam em maior numero, sentindo-se
+feridos. Entretanto é ao chefe que os indios mais assestam as suas
+pontarias até que uma flecha lhe acerta n'uma perna.
+
+Magalhães não perde um momento a sua coragem, sustenta a lucta e anima
+os seus a que o egualem.
+
+--Por Santiago matemos estes miseraveis!
+
+E batia-se para a frente e para os lados, levando com a sua lança a
+morte aos inimigos, que não o poupavam.
+
+Por duas vezes lhe fazem saltar fóra da cabeça o casco com pedradas que
+lhe atiram.
+
+Mas elle não se estonteia nem recua; põe-n'o de novo e continua na
+tremenda lucta.
+
+Agora é uma flecha que se lhe crava na face, mas elle cresce sobre o
+audacioso, embebendo-lhe a lança no corpo! Outra flecha trespassa-lhe o
+braço direito quando elle vai a desembainhar a espada, que fica na
+bainha. Solta então um rugido de dôr e de desespero, porque se vê
+desarmado.
+
+Grita pelos seus, mas inutilmente, porque uns jazem por terra e outros
+teem-se precipitado para as chalupas.
+
+Sente-se abandonado no meio do inimigo. Um esforço supremo para se
+desaffrontar. Sobra-lhe na alma coragem para bater-se até a morte, mas
+fallece-lhe no corpo força para reagir.
+
+Os indios percebem que o valente capitão já os não póde ferir, e
+lançam-se sobre elle como chacaes.
+
+Deitam-n'o por terra, e elle ainda se ergue uma e mais vezes com esforço
+heroico, a clamar pela sua gente; mas ninguem o ouve nem lhe póde
+acudir.
+
+Nem um d'entre elles, diz Pigafetta, havia que não estivesse ferido e
+pudesse soccorrer ou vingar o seu chefe. Precipitaram-se para as
+chalupas, que estavam prestes a partir, e deveram a sua salvação á morte
+de Magalhães, porque, quando elle succumbiu, os indios correram todos
+para o logar onde elle tinha cahido.
+
+Fernão de Magalhães poderia então, como o infante D. Pedro, em
+Alfarrobeira, soltar aquella phrase memoravel:
+
+--Vingar ahi villanagem!
+
+Não havia já resistencia possivel.
+
+Os indios cahiram em massa sobre o desventurado capitão; crivaram-n'o de
+flechas, lançaram sobre elle pedras para o acabarem de matar, e só
+quando estavam bem seguros de que elle já não tinha alento de vida, é
+que deixaram a presa!
+
+ [9] Diego Arana, _Vida e Viagens de Fernão de Magalhães_.
+
+ [10] _Idem._
+
+
+
+
+XVIII
+
+
+Morreu o grande capitão ás mãos dos selvagens de Mactan, n'uma lucta tão
+heroica quanto ingloria, para quem se tinha proposto a tão grande
+empresa e a levara a cabo através de todas as difficuldades e perigos.
+
+Fernão de Magalhães, costumado a vencer até os proprios elementos,
+levou-se de enthusiasmo e não mediu o perigo de assim se expôr á morte
+que lhe traria ruina para elle e para a sua gente, que sem o chefe e
+desprestigiada, bem poderia ser victima d'aquelles selvagens, e perder o
+fructo de tantos sacrificios, ficando ignorado do velho mundo o
+resultado da aventurosa viagem, se nenhum dos ousados mareantes lograsse
+voltar á Europa, como quasi ia succedendo.
+
+A morte do heroe teve effeitos desastrosos para toda a expedição, que
+desde aquelle momento perdeu o prestigio que a fazia respeitar e temer
+no espirito dos habitantes das ilhas.
+
+O rei de Zebú, que tão docil se mostrara, chegando a fazer-se christão e
+a alliar-se com estes contra os selvagens de Mactan, depressa mudou de
+idéas e concertou com os seus para dar morte aos castelhanos
+traiçoeiramente.
+
+Cinco dias depois do triste acontecimento que acabamos de narrar, a 1 de
+maio de 1521, nova desgraça viera ferir os castelhanos. Moveu-a a
+intriga e o despeito de um escravo de Magalhães, que era o lingua da
+expedição, pelo que refere Pigafetta e conforme o que Sebastião de
+Elcano declarou no inquerito que, em 1522, se levantou sobre a viagem de
+Magalhães e tragico fim do valoroso capitão.
+
+Aquelle escravo tinha seus aggravos de Duarte Barbosa que, com Serrão,
+tomara o commando da frota, e para vingar-se persuadiu o rei de Zebú de
+que os christãos o queriam trazer captivo para a Europa. Esta falsa
+denuncia foi como que o fogo lançado ao rastilho, pois de mais estava já
+o rei de Zebú incitado pelos regulos de Mactan, que o ameaçavam de morte
+e destruir-lhe os seus dominios se elle não desse cabo dos castelhanos.
+
+Faltando-lhe, porém, a coragem para se defrontar com os europeus em
+lucta leal, o rei de Zebú recorreu á traição. Continuou a mostrar-se
+muito amigo dos castelhanos e fiel subdito do rei de Castella, ao qual
+queria mandar um valioso presente. Para fazer entrega d'esse presente
+convidou os commandantes Barbosa e Serrão a jantarem com elle em terra e
+que trouxessem os immediatos e mais pessoas da frota que entendessem,
+com o que lhe dariam grande honra.
+
+Duarte Barbosa, João Serrão e mais vinte e sete homens, entre os quaes
+se encontravam Luiz Affonso de Goes, portuguez arvorado commandante da
+caravella _Victoria_, depois da morte de Magalhães, o piloto André de
+San Martin, Sancho de Heredia e Leão da Espeleta, escrivães da frota, e
+o capellão Pedro da Valderrama.[11]
+
+Foi isto na manhã do citado dia 1.º de maio. O rei de Zebú com alguma
+gente de seu sequito aguardava na praia a chegada dos convidados e, logo
+que estes desembarcaram, encaminharam-se todos para um palmar, á sombra
+do qual estava preparada a refeição.
+
+O logar não podia ser mais ameno para resguardar dos raios ardentes do
+sol, que a custo penetravam aqui e acolá por entre as fisgas das largas
+folhas das palmeiras que formavam abobada sobre o recinto do festim,
+vindo reflectir nos vasos de ouro e nas porcellanas dispostas sobre a
+esteira que fazia de mesa, como era uso.
+
+O rei apparentava toda a docilidade e gentileza de que podia dispôr, e
+com elle a sua côrte se mostrava em extremo submissa aos christãos, de
+modo que nada fazia suspeitar da traição que tinham armado; só João
+Serrão desconfiava de alguma cilada, mas pouco valeu a sua desconfiança,
+porque Duarte Barbosa, nada receando, instou com elle para que o
+acompanhasse, e Serrão accedeu para não ser tido por timorato ou
+cobarde.
+
+Em volta da esteira todos se sentaram e principiaram a servir-se do que
+havia, comendo e bebendo em boa convivencia; mas cedo reconheceram o
+engano, porque um bando de indigenas armados, que surdiu de emboscada,
+lançou-se traiçoeiramente sobre os castelhanos e logo se armou alli uma
+lucta braço a braço, cada vez mais terrivel, sendo os indigenas em tão
+grande numero que impossivel era submettel-os.
+
+Os castelhanos foram todos assassinados e só João Serrão escapou
+n'aquelle momento á furia dos selvagens por um certo prestigio que tinha
+sobre elles.
+
+De pouco isso lhe valeu! Dois tripulantes, mais felizes que seus
+companheiros, que em terra pereceram na lucta desegual, haviam-se
+afastado ao desembarque, suspeitando de alguma cilada, e assim que
+conheceram a traição, foram-se para bordo a dar parte ao piloto
+portuguez João Carvalho do que occorrera em terra. Carvalho
+immediatamente mandou approximar os navios da terra e rompeu fogo de
+artilharia contra a ilha.
+
+Os indigenas, sentindo os tiros, apoderam-se de João Serrão depois de
+encarniçada lucta, em que este ficou mal ferido, e atando-o de pés e
+mãos, conduziram-n'o á praia ás vistas dos seus companheiros que dos
+navios continuavam a fazer fogo sobre a ilha.
+
+Serrão vê-se perdido e grita e clama para os seus que cessem fogo e
+tragam presentes áquella gente para o resgatar. A confusão, porém, é
+enorme; João Carvalho não póde dar ouvidos a taes clamores, e receia
+nova traição dos indigenas, para se apoderarem do resto da sua gente e
+dos mal defendidos navios.
+
+Para que se não perca tudo ingloriamente, só resta abandonar aquellas
+ilhas e fazer-se ao mar, para voltar a Hespanha como pudesse, e,
+emquanto João Serrão ficava na praia gritando para que o salvassem,
+porque o matariam assim que os navios largassem suas velas, João
+Carvalho foi ordenando as manobras e aproando ao mar as caravellas.
+
+Serrão, a quem os indigenas, no primeiro impeto, haviam poupado a vida,
+soffreu as torturas de morrer inanime ás mãos d'aquelles selvagens,
+vendo fugir-lhe a unica esperança de salvação, que por momentos o
+animara, com a partida da frota.[12]
+
+Triste e vergonhosa retirada aquella para gente que a tanto se afoitara;
+mas é evidente que já faltava alli o espirito do grande capitão
+portuguez que a animara e conduzira, por vontade ou por força, a dar a
+volta dos mares, realizando a primeira viagem de circumnavegação.
+
+Em Mactan deixaram Magalhães morto, que nem seu cadaver puderam arrancar
+do poder dos indigenas, e assim perderam a alma d'aquella empresa que
+assombrou o mundo; em Zebú ficavam Duarte Barbosa e João Serrão com seus
+companheiros victimas de uma traição.
+
+De melhor sorte eram dignos aquelles bravos, que nem tiveram quem alli
+os vingasse.
+
+ [11] Diego Arana, _Vida e viagens de Fernão de Magalhães_.
+
+ [12] Pigafetta, liv. II--Herrera, dec. III, liv. I, cap. X.
+
+ Sobre este ponto encontro uma discordancia em Gaspar Correia quando
+ este se refere á morte de Fernão de Magalhães, no tomo II das
+ _Lendas da India_.
+
+ Segundo o phantasioso chronista, Fernão de Magalhães não morreu ás
+ mãos dos indigenas da ilha de Mactan, mas sim no banquete do rei de
+ Zebú, tendo ficado vencedor em Mactan, o que discorda completamente
+ de todos os chronistas que referem esta viagem e das declarações
+ feitas por Sebastião de Elcano e seus companheiros, no processo
+ instaurado em Sevilha no anno de 1522.
+
+ Gaspar Correia, na sua linguagem barbaresca, que modificaremos para
+ melhor ser entendida hoje, diz, referindo-se ao combate com os
+ indigenas de Mactan: «O rei corrido, vendo-se assim destroçado,
+ concertou traição com o rei christão e fez com elle ajuste de casar
+ com sua filha e com juras que, morrendo elle, que era velho, tudo
+ lhe deixava e viveriam sempre amigos, porque os castelhanos se iriam
+ embora, e se não acceitasse isto e lhe não desse modo de matar os
+ castelhanos, lhe faria guerra. O que o rei christão, como homem
+ brutal, consentiu na traição e preparou grande festa e banquete pelo
+ vencimento, e convidou Magalhães, que foi ao banquete com trinta
+ homens os mais honrados e bem vestidos, onde estando todos no
+ banquete folgando, entraram os inimigos armados e mataram a
+ Magalhães e os castelhanos, não escapando nenhum e o Serrão o
+ despiram e arrastaram á praia onde o justiçaram e mataram
+ arrastado.»
+
+
+
+
+XIX
+
+
+Foram mais previdentes que humanos os mareantes, que se fizeram á vela
+sem empregar alguns meios de salvar o Serrão e vingar a morte de seus
+companheiros. Mas nem por isso foram mais felizes no proseguimento de
+sua viagem, que a fortuna raro corôa acção ruim.
+
+Chegados á ilha de Bohol, agora uma das Filippinas, reconheceram quanto
+era reduzido o pessoal para as manobras das tres embarcações que
+restavam da flotilha de Magalhães. Apenas havia 115 homens, e por isso
+João Carvalho, que ia commandando agora a frota, determinou que se
+lançasse fogo á caravella _Conceição_, por ser a mais arruinada, e a
+tripulação d'esta fosse distribuida pela _Victoria_ e _Trindade_.
+
+Assim aportaram a mais algumas ilhas do archipelago e em todas tractaram
+e fizeram commercio com os naturaes.
+
+Na ilha de Borneo, porém, onde aportaram a 8 de julho, iam ficando
+captivos, ou mortos se, suspeitando da traição que os naturaes lhe
+preparavam, não largassem immediatamente para o mar, vendo que se
+dirigia para os navios grande numero de pirogas e juncos cheios de gente
+armada.
+
+Foi preciso fazer fogo de artilharia sobre aquelles barcos, com o que
+destruiram a muitos chegando a aprisionar 16 homens e treze mulheres.
+
+Entre os prisioneiros contaram o filho do rei da ilha de Luzon, o que
+seguramente era boa presa, para com ella João Carvalho resgatar um filho
+seu e mais dois castelhanos que haviam ficado em terra, quando as
+caravellas tiveram que se fazer ao largo. Mas não o entendeu assim o
+Carvalho, preferindo receber ouro pelo resgate, o que valeu o mesmo que
+sacrificar o filho e os dois companheiros, porque os insulanos não lhe
+entregaram os captivos a despeito de todas as diligencias que elle fez
+para esse fim.
+
+Era, por desgraça, o justo premio do que praticára em Zebú.
+
+D'esta torpeza cedo teve que se arrepender o Carvalho, que certamente
+não seria com acções d'este jaez que elle, havia de conservar e até
+augmentar seu prestigio entre os demais.
+
+D'ahi lhe resultou seguramente o ser deposto por seus companheiros que,
+reunidos, resolveram dar o commando da _Trindade_ a Gonçalo Gomez de
+Espinosa, e o da _Victoria_ a João Sebastião de Elcano, fidalgo
+biscainho, que até ahi se conservara na sombra.
+
+Foram estes dois capitães que conseguiram levar seus navios até as
+Molucas, não sem grandes difficuldades, pois não tinham a latitude certa
+em que demoravam. Valeram-se para isso de pilotos que aprisionaram, em
+embarcações que iam encontrando por aquelles mares, e d'este modo
+lograram seu intento com grande alegria e proveito, segundo refere
+Pigafetta.
+
+Foi a 8 de novembro que a _Victoria_ e a _Trindade_ fundearam no porto
+da ilha de Tidore. Haviam chegado, emfim, ás terras das especiarias,
+sonho dourado d'aquelles tempos e que déra causa áquella viagem
+aventurosa.
+
+Os portuguezes já por alli tinham andado e disposto os naturaes para o
+tracto com os europeus, e por isso os hespanhoes encontraram melhor
+acolhimento, facilitando o seu commercio, em que trocaram tecidos por
+cannella, noz-moscada, pimenta e cravo.
+
+Os capitães celebraram tractados de commercio e vassallagem com os
+regulos e, apressando o regresso, para trazerem tão boas novas a Carlos
+V e á patria, dispuseram-se a partir em meio de dezembro.
+
+Só porém a caravella _Victoria_ pôde largar da ilha de Tidore, a 21 de
+dezembro, ficando a _Trindade_ de querena, pois precisava de grande
+concerto nas obras vivas.
+
+A _Victoria_ veiu tocando em mais algumas ilhas, provendo-se de sandalo
+e de cannella, seguindo a rota que os portuguezes faziam nas suas
+viagens para a India, segundo diz Pigafetta.
+
+Trazia 60 homens de tripulação, entre estes treze naturaes da ilha; mas
+os trabalhos, as doenças e as insubordinações vieram dizimando esta
+gente, morrendo uns e tendo que se executarem outros por seus delictos
+graves.
+
+Quando a _Victoria_ aportou á ilha de Sant'Iago de Cabo Verde, a 9 de
+junho de 1522, obrigada pela fome, que já victimara alguns homens de sua
+tripulação, estava cada vez mais reduzida.
+
+Em Sant'Iago não foram mais felizes, porque os portuguezes, ciosos de
+que extranhos andassem em exploração de mares e terras que a elles só
+competia, quizeram apresar o navio castelhano e a gente que n'elle
+vinha, logo que souberam, por denuncia de um tripulante, da viagem que
+vinham fazendo.
+
+A _Victoria_ teve, por isso, de largar precipitadamente, não sem lhe
+ficarem em terra doze homens prisioneiros dos portuguezes.
+
+Finalmente a 6 de setembro de 1522 chegava á bahia de S. Lucar de
+Barrameda a _Victoria_, commandada pelo afortunado Sebastião de Elcano e
+com dezoito homens dos 265 que tres annos antes haviam partido na
+expedição.
+
+Dia de jubilo para alguns e de tristeza para muitos foi o da chegada da
+_Victoria_ a S. Lucar de Barrameda. Os que se regosijavam por ver chegar
+os que lhe pertenciam, mal acalmavam os lamentos das viuvas, das mães ou
+das irmãs, que debalde procuravam entre os recemchegados, os maridos, os
+filhos ou os irmãos.
+
+Eram tão poucos os que voltavam e tantos os que haviam partido!
+
+Que de sacrificios não custara aquella viagem; que de vidas immoladas á
+civilização, desde a do chefe da frota até a do mais obscuro marinheiro!
+
+Entretanto a noticia do regresso espalhava-se por toda a Hespanha,
+levando a admiração e o espanto á gente por aquelles ousados
+navegadores.
+
+Carlos V, que chegara da Allemanha, ao saber a boa nova escrevia a
+Sebastião de Elcano, ordenando-lhe que fosse á sua presença a contar-lhe
+da viagem: «E quero, dizia, que me informeis mui particularmente da
+viagem que haveis feito, e do que n'ella succedeu, e vos mando que, logo
+que esta vejais, tomeis duas pessoas das que comvosco vieram, das mais
+cordatas e de melhor razão, e vos partais com ellas para onde eu
+estiver, que por este correio escrevo aos officiaes da Casa de
+Contractação das Indias, que vos vistam e vos assistam com todo o
+necessario a vós e ás dictas duas pessoas».[13]
+
+Sebastião de Elcano apressou-se a ir á presença de Carlos V, que estava
+em Sevilha, fazendo-se acompanhar de Pigafetta, o qual apresentou ao
+imperador um livro manuscripto, relatando dia a dia a viagem de
+circumnavegação.
+
+Carlos V ficou maravilhado e encheu de honras e pensões Sebastião de
+Elcano, mais afortunado que Fernão de Magalhães a quem essas honras e
+pensões deviam pertencer. Ao piloto hespanhol concedeu Carlos V a pensão
+annual de 500 ducados de ouro, auctorização para se acompanhar sempre de
+dois homens armados, e um brasão de armas quartelado, representando
+scenas da viagem, e tendo por timbre um globo com a inscripção: _Primus
+circumdidiste me._
+
+Eram o brasão e timbre que deviam pertencer a Fernão de Magalhães, que
+tão infeliz foi que nem sequer o pôde legar a seus descendentes, como
+era seu desejo.
+
+O filho e esposa de Magalhães pouco sobreviveram ao grande capitão, pois
+que o primeiro morreu em 1521 e a segunda um anno depois; e o mesmo
+succedeu a Diogo Barbosa, seu sogro, e mais parentes, que poucos annos
+se lograram, desapparecendo assim no tumulo os poucos herdeiros do
+grande navegador.
+
+A fortuna vária não deixou pois a Magalhães gosar os fructos da sua
+gloriosa empresa; outro colheu os louros e os brasões de tal feito; mas
+não é o nome d'este afortunado que a historia commemora; não é a
+Sebastião de Elcano que a sciencia venera e agradece os beneficios que
+lhe legou, e sim a Fernão de Magalhães, porque foi elle que lidou para
+obter os navios em que devia fazer a travessia dos mares, e com que
+custo o conseguiu elle! foi Magalhães que dirigiu os mareantes e os
+reduziu á obediencia tantas vezes quantas contra elle tentaram
+revoltar-se; foi elle que affrontou a resistencia dos homens e a furia
+dos elementos; que, zombou das tempestades e jogou a vida quando, todos
+e tudo conspirava contra ella, e levou avante a sua idéa, incutindo
+animo quando todos desfalleciam, e assim chegou ao fim, circumnavegando
+os mares, passando de um mar ao outro, sem outro guia que os seus
+proprios calculos, deixando ao mundo aberta a passagem para o mar do
+sul, passagem que nenhum navegador antes d'elle lograra encontrar.
+
+É de Fernão de Magalhães a gloria; foi este portuguez que deixou o nome
+seu memorado nos mares do novo mundo, como nas cartas geographicas está
+gravado; e não bastando isto, o nome do grande portuguez elevou-se ao
+espaço infinito e com elle marcou nos ares duas bellas nebulosas que são
+conhecidas por nuvens de Magalhães.
+
+Duradoura gloria esta que viverá tanto como o mundo. Nos mares e nos
+céos o nome de Fernão de Magalhães!
+
+Diz John Herschel, em uma carta datada do Cabo da Boa Esperança, em 13
+de junho de 1836:[14] «As nuvens de Magalhães, _nubecula major_ e
+_nubecula minor_, são muito notaveis. A maior compõe-se de acervos
+estellares irregularmente dispostos, de outros acervos esphericos e de
+estrellas nebulosas entremeadas de nebulosas irreductiveis. Estas
+ultimas parecem formadas por uma poeira estellar. O proprio telescopio
+de 20 pés não tem bastante poder para as revelar estrellas.
+
+«Aquellas nebulosas produzem uma claridade geral que illumina o espaço
+da visão e estabelece um fundo esplendoroso em que se distingue tudo que
+n'elle está disseminado. Nenhuma outra região celeste junta tantas
+nebulosas e acervos estellares em egual espaço.
+
+«A _nubecula minor_ é menos formosa; offerece numero maior de
+nebulosidades irreductiveis, e os acervos estellares que se vêem são
+mais escassos e menos brilhantes.»
+
+A. de Humboldt, falando d'estas nuvens, diz:[15] «das duas nuvens de
+Magalhães que giram em volta do polo austral, d'este polo tão despovoado
+de estrellas que podia chamar-se uma região devastada, a maior,
+principalmente, parece, conforme investigações modernas, uma quantiosa
+accumulação de acervos esphericos de estrellas de maior ou menor
+grandeza e de nebulosidades irreductiveis. O aspecto d'estas nuvens, a
+esplendorosa constellação do navio Argos, a via lactea que se vai
+dilatando entre o Escorpião, o Centauro, e o Cruzeiro tambem, não tenho
+duvida em dizel-o, o aspecto pittoresco de todo o céo austral produziu
+em minha alma uma inolvidavel impressão.»
+
+André Corsali fala da existencia d'estas nuvens, na sua _Viagem a
+Cochim_, e Pedro Martyr de Anghiera tambem, no seu livro _De Rebus
+Oceanicis et Orbe Novo_; o illustre secretario de D. Fernando de Aragão,
+attribuindo aos portuguezes o descobrimento d'estas nuvens, diz:
+Assecuti sunt portucalenses alterius poli gradum quinquagesimum amplius
+ubi punctum circumeuntes _quas dam nubeculas_ licet intueri veluti in
+lactea via sparsos fulgores per universi coeli globum intra spatii
+latitudinem.[16]
+
+Ao nome de nuvens do cabo, por que as conheceram os pilotos portuguezes
+primeiro que os hollandezes e dinamarquezes, prevaleceu o nome de
+Magalhães, com que a sciencia as designou, e n'isto vai honra á memoria
+do arrojado navegador portuguez que, não tendo a fortuna de receber em
+vida o premio do extraordinario descobrimento, teve a invejavel gloria
+de deixar o seu nome gravado nos mares e nos céos, como os deuses da
+Mythologia.
+
+D'estes conta a fabula, mas d'aquelle fala a historia humana.
+
+É bom recordar estas glorias que, sendo de um homem, são da humanidade
+em geral e d'este velho e glorioso paiz em especial, porque Fernão de
+Magalhães era portuguez.
+
+ [13] _Collecion de documentos inéditos para la historia de España_,
+ tom. I, p. 247.
+
+ [14] _Cosmos_ T. I pag. 451.
+
+ [15] Obra citada.
+
+ [16] _Oceanica._ Dec. III lib. I, pag. 217, por Pedro Martyr de
+ Anghiera.
+
+
+
+
+ * * * * *
+
+
+ERRATAS MAIS IMPORTANTES
+
+ Pag. 9 linha 1.ª leia-se circumdidiste
+ » » » 2.ª » circumdou
+ » 11 » 11.ª » dramaturgo
+ » 12 » 5.ª » serão proprios
+ » 20 » 5.ª » espiritos, adivinhando o
+ que outros não comprehendem,
+ são sempre o alvo da inveja
+ dos maus a espicaçar
+ » 34 » 10.ª » persistencia
+ » 35 » 3.ª » permittido
+ » 46 » 5.ª » Martinho de Bohemia
+ » 51 » 25.ª » impellidas
+ » 55 » 19.ª » acariciado
+ » 59 » 6.ª » pestanejou
+ » » » 15.ª » permittir
+ » 61 » 9.ª » descoraçoados
+ » 68 » 4.ª » _Santiago_
+ » 69 » 3.ª » surprehendeu
+ » » » 27.ª » _Santiago_
+ » 71 » 5.ª » _Santiago_
+ » 73 » 13.ª » descoraçoados
+ » 80 » 9.ª » oppusesse
+ » 81 » 19.ª » superstição invadia
+ » 82 » 15.ª » _Santiago_
+ » » » 19.ª » em imminente perigo
+ » » » 29.ª » _Santiago_
+ » 89 » 16.ª » aquelles cetaceos
+ » 102 nota » _Les Philippines_
+ » 108 linha 11.ª » desembarcaram
+
+
+
+
+EMPREZA DO OCCIDENTE
+
+DE
+
+CAETANO ALBERTO
+
+CATALOGO DE ALGUMAS OBRAS Á VENDA
+
+
+O OCCIDENTE
+
+_Revista Illustrada de Portugal e do Extrangeiro_
+
+Publicação tri-mensal--Assignatura permanente. Preço para Portugal, anno
+3$800, semestre 1$900, trimestre 950, numero avulso ou á entrega 120
+réis. Colonias portuguezas d'Africa, anno 4$000, semestre 2$000.
+Extrangeiro, anno 5$000, semestre 2$500 réis. Está no 21.º anno de
+publicação. Vendem-se collecções e volumes isolados. Preços dos 3
+primeiros volumes, cada um 3$000 brochado, e 4$000 encadernado. Os
+volumes seguintes ou desde 1881 até ao presente: cada um 4$000 brochado,
+5$000 encadernado.
+
+A campanha d'Africa contada por um sargento
+
+Illustrada com 40 gravuras, retratos dos heroes da campanha, vistas e
+combates 1 vol. 300 réis--pelo correio 320. Encadernado em percaline 500
+reis.
+
+
+AVENTURAS DE UMA NOVIÇA
+
+Versão de Esteves Pereira, illustrado com o retrato da Heroina. 1 vol.
+200 réis.
+
+
+LIVROS PARA RIR
+
+_Sapatos de Defuncto_, por Leite Bastos, illustrações de Manuel de
+Macedo e Caetano Alberto, 1 vol. edição de luxo 600 réis.
+
+_Viagem à roda da Parvónia_, pelo commendador Gil Vaz, illustrações de
+Manuel de Macedo--1 vol. 500 réis.
+
+_O Nariz do Tabellião_, por E. About, traducção de Pin-Sél, illustrado
+com uma capa a côres--1 vol. 200 réis.
+
+
+DICCIONARIO DAS SEIS LINGUAS
+
+Francez-Portuguez e Portuguez-Francez.
+
+Francez-Allemão e Allemão-Francez.
+
+Francez-Hespanhol e Hespanhol Francez.
+
+Francez-Inglez e Inglez-Francez.
+
+Francez-Italiano e Italiano-Francez.
+
+Um só volume comprehendendo 80 fasciculos de 16 pag. 8.º port.
+
+Em publicação cada fasciculo 30 réis.
+
+Typ. de A. E. Barata.--Rua Nova do Loureiro, 25 a 39
+
+
+
+
+
+End of the Project Gutenberg EBook of Descobrimento das Filippinas pelo
+navegador portuguez Fernão de Magalhães, by Caetano Alberto
+
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+and help preserve free future access to Project Gutenberg-tm electronic
+works. See paragraph 1.E below.
+
+1.C. The Project Gutenberg Literary Archive Foundation ("the Foundation"
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+Gutenberg-tm electronic works. Nearly all the individual works in the
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+Gutenberg Literary Archive Foundation was created to provide a secure
+and permanent future for Project Gutenberg-tm and future generations.
+To learn more about the Project Gutenberg Literary Archive Foundation
+and how your efforts and donations can help, see Sections 3 and 4
+and the Foundation web page at https://www.pglaf.org.
+
+
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+Foundation
+
+The Project Gutenberg Literary Archive Foundation is a non profit
+501(c)(3) educational corporation organized under the laws of the
+state of Mississippi and granted tax exempt status by the Internal
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+throughout numerous locations. Its business office is located at
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+ <title>O Descobrimento das Filippinas, por Caetano Alberto</title>
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+<pre>
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+The Project Gutenberg EBook of Descobrimento das Filippinas pelo navegador
+portuguez Fernão de Magalhães, by Caetano Alberto
+
+This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with
+almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or
+re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included
+with this eBook or online at www.gutenberg.org
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+
+Title: Descobrimento das Filippinas pelo navegador portuguez Fernão de Magalhães
+
+Author: Caetano Alberto
+
+Release Date: June 26, 2009 [EBook #29243]
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+Language: Portuguese
+
+Character set encoding: ISO-8859-1
+
+*** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK DESCOBRIMENTO DAS FILIPPINAS ***
+
+
+
+
+Produced by Pedro Saborano (produced from scanned images
+of public domain material from Google Book Search)
+
+
+
+
+
+
+</pre>
+
+<div class="fbox"> <b>Notas de transcrição:</b><br>
+No livro original existia uma errata no final do mesmo. Os erros identificados
+nessa errata foram corrigidos nesta edição, tendo-se mantido a lista de erros originais.<br>
+Adicionalmente foram corrigidos alguns erros tipográficos evidentes.
+</div>
+
+<p>&nbsp;</p>
+<p>&nbsp;</p>
+
+<div style="text-align:center; border: solid 2px #000;">
+<p><em>CAETANO ALBERTO</em></p>
+
+<hr style="border: 0; border-bottom: double 3px #000; width: 80%;">
+
+<p style="font-size: 1.2em;">DESCOBRIMENTO</p>
+
+<p style="font-size: 0.8em;">DAS</p>
+
+<p style="font-size: 2.5em; margin: 0.5em;">FILIPPINAS</p>
+
+<p style="font-size: 0.6em;">PELO NAVEGADOR PORTUGUEZ</p>
+
+<p>FERNÃO DE MAGALHÃES</p>
+
+<p>&mdash;</p>
+
+<p><em>Edição illustrada</em></p>
+
+<p style="text-align: center;"><img width="30%" align="bottom" border="0"
+src="images/logo.png" alt="Logotipo"></p>
+
+<p style="font-size: 0.8em;">LISBOA<br>
+
+E<small>MPREZA DO </small>O<small>CCIDENTE</small><br>
+
+Largo do Poço Novo<br>
+&mdash;<br>
+
+1898</p>
+</div>
+
+<p>&nbsp;</p>
+<p>&nbsp;</p>
+<p>&nbsp;</p>
+<p>&nbsp;</p>
+
+<hr style="border: 0; border-bottom: solid 3px #000; width: 80%;">
+
+<p style="text-align:center;font-size: 1.5em;">
+DESCOBRIMENTO DAS FILIPPINAS</p>
+
+<hr style="border: 0; border-bottom: solid 3px #000; width: 80%;">
+<p>&nbsp;</p>
+<p>&nbsp;</p>
+<p>&nbsp;</p>
+<p>&nbsp;</p>
+
+<div style="text-align:center;">
+<p><em>CAETANO ALBERTO</em></p>
+
+<hr style="border: 0; border-bottom: double 3px #000; width: 80%;">
+
+<p style="font-size: 1.2em;">DESCOBRIMENTO</p>
+
+<p style="font-size: 0.8em;">DAS</p>
+
+<p style="font-size: 2.5em; margin: 0.5em;">FILIPPINAS</p>
+
+<p style="font-size: 0.6em;">PELO NAVEGADOR PORTUGUEZ</p>
+
+<p>FERNÃO DE MAGALHÃES</p>
+
+<p>&mdash;</p>
+
+<p><em>Edição illustrada</em></p>
+
+<p style="text-align: center;"><img width="30%" align="bottom" border="0"
+src="images/logo.png" alt="Logotipo"></p>
+
+<p style="font-size: 0.8em;">LISBOA<br>
+
+E<small>MPREZA DO </small>O<small>CCIDENTE</small><br>
+
+&mdash;<br>
+
+1898</p>
+</div>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<div style="text-align:center;">
+<p style="font-size: 1.2em;"><em>Á memoria de seu tio</em></p>
+
+<p style="font-size: 0.8em;">O CAPITÃO</p>
+
+<p style="font-size: 2em;">Paulo Antonio da Rocha</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+<p style="font-size: 0.8em;"><em>O. e D.</em></p>
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p style="text-align: right;">O Auctor.</p>
+</div>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p style="text-align: center;"><img width="90%" align="bottom" border="0"
+src="images/fmagalhaes.png" alt="Fernão de Magalhães"><br>Fernão de Magalhães</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p><span class="pn">{9}</span></p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<div id="corpo">
+<h1>I</h1>
+
+<p><em>Primus circumdidisti me.</em>&mdash;Foste o primeiro que me circumdou.&mdash;Foi
+esta a divisa que Carlos V, o imperador, escreveu na esphera que encimou o
+brazão de Sebastião de Elcano, o afortunado piloto castelhano, que do mar do
+sul trouxe a S. Lucar de Barrameda, a nau <em>Victoria</em>, com a noticia da
+descoberta das ilhas Mariannas, tendo dado a volta ao mundo.</p>
+
+<p>Afortunado chamámos a Sebastião de Elcano, e que maior fortuna que colher os
+loiros que deviam cingir a fronte de outro, a quem a sua má estrella lhe
+anoitou a existencia depois de o ter guiado á victoria!</p>
+
+<p>E que outro podia ser que um portuguez a devassar os mares, a circundar o
+globo?!</p>
+
+<p>Que de emprezas arrojadas; que de feitos d'armas; que de acções generosas;
+que de<span class="pn">{10}</span> progressos das sciencias se poderão apontar
+na historia, que não encontreis á sua frente primeiro entre os primeiros:&mdash;o
+portuguez.</p>
+
+<p>Ah! que até chego a duvidar se estou acordado ou sonhando, quando ouço para
+ahi tanto pessimismo a amesquinhar o nosso valor, a duvidar, a descrêr de nós
+proprios!</p>
+
+<p>Não ha talvez outro exemplo de uma nacionalidade assim!</p>
+
+<p>Tão grande; tão prestimosa; tão brilhante, que o seu nome está escripto no
+mundo inteiro, pelos mares, nas ilhas, nos continentes, nos mais reconditos
+sertões e até nos astros&mdash;como adiante veremos&mdash;e que tão pouco julgue de si;
+tendo-se por fraca quando tanto é o seu valor; julgando-se pobre quando é tão
+rica, que tem dado prodigamente a outros e tanto ainda lhe resta para si; que
+tendo uma historia tão gloriosa como outra não ha, pense que não é d'ella que
+ha-de viver, como se fosse uma Roma cahida, que já não tem a girar-lhe nas
+veias o mesmo sangue com que escreveu essa historia!</p>
+
+<p>Mas então o que valem os feitos dos nossos soldados, que ainda nos
+principios d'este seculo se batiam e levavam de vencida as legiões do primeiro
+capitão, que avassalava o mundo com a sua espada e que veio encontrar, n'este
+recanto da peninsula, os primeiros revezes da guerra que o levaram por<span
+class="pn">{11}</span> fim a Santa Helena:&mdash;O grande Bonaparte!; mas que valem,
+em nossos dias essas victorias alcançadas em Africa; que dispertam a admiração
+do mundo; que significa ainda o triumpho que n'este momento as armas
+portuguezas estão alcançando na Oceania?; o que vale o resurgir das nossas
+artes, que vão honrar o nome portuguez nos certamens onde concorrem os artistas
+de todo o mundo, como agora, em Berlim; que gloria nos vem de um dramaturgo
+portuguez Pinero (Pinheiro), em Inglaterra, alcançar os maiores triumphos nos
+theatros de Londres, e das suas peças percorrerem toda a America; para que
+orgulhar-mo-nos dos Luziadas que é um poema eterno porque canta as glorias de
+um povo de guerreiros e de navegadores; para que serve a expansão d'este paiz
+pequeno, cujos seus filhos affirmam a victalidade da patria pelas cinco partes
+do mundo, em colonias tão importantes como as da America, da Africa, da Oceania
+e da Asia; que importancia tem os nossos homens scientificos que se distinguem
+nos congressos onde se reunem as summidades da sciencia; o que quer dizer essa
+lucta da industria portugueza a medir-se com as industrias de outros paizes
+mais adiantados, supprindo as necessidades de um povo civilisado a que a má
+administração das suas finanças acarretou uma<span class="pn">{12}</span> crise
+economica; o que importa o renascimento de um paiz que em meio seculo tem
+realisado todos os progressos que o aproximam das nações mais cultas?</p>
+
+<p>Serão proprios de uma raça degenerada, de um paiz perdido, de uma
+civilisação extincta, todas estas manifestações de vida, affirmações de força,
+de lucta pela existencia, sob um sol creador, n'uma terra uberrima, que se
+desentranha em fructos, que encerra thesouros, em suas minas, fertilisada por
+abundantes rios, que tem tudo que ha em outros paizes e mais o que elles não
+teem, que é rica, emfim, de todos os bens que a natureza possue e que Deus
+parece ter reunido aqui como no paraizo terreal!</p>
+
+<p>E para que foi que este povo, achando-se apertado no solo que as suas
+espadas conquistaram, se aventurou aos mares a alçar a sua bandeira em terras
+até então desconhecidas, levantando imperios na India e na America,
+avassallando novos mundos onde a familia portugueza póde viver como na patria
+porque são patria tambem de portuguezes.</p>
+
+<p>Mas basta. Não ennumeremos mais o que deveria estar na lembrança de todos os
+filhos de Portugal, o que nunca deveriam esquecer, porque é esquecerem-se da
+sua nacionalidade, do que prova a sua existencia<span class="pn">{13}</span> e
+autonomia, do que dá razão da sua vida atravez de todas as vicissitudes porque
+tem passado.</p>
+
+<p>Pois quê! se Portugal não fosse um élo importante da cadeia que liga a
+grande familia da humanidade, teria resistido aos embates da sorte que tantas
+vezes o hão experimentado?</p>
+
+<p>Se elle não tivesse concorrido tão bastamente para a civilisação que o mundo
+disfructa, como teria atravessado por entre os seculos e luctado contra as
+ambições de extranhos que tentaram apagar dos mappas as linhas que demarcam as
+suas fronteiras!</p>
+
+<p>A Polonia succumbe sob o grande collosso porque a sua nacionalidade não
+coopera na transformação porque o mundo passa ao sahir da idade media; o mesmo
+acontece á Hungria. Veneza cahiu quando as novas descobertas empanam o brilho
+da sua navegação e do seu commercio.</p>
+
+<p>Portugal existe e vive porque o ciclo da civilisação de que elle lançou os
+primeiros segmentos ainda não se fechou.<span class="pn">{14}<br>{15}</span></p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<h1>II</h1>
+
+<p>Que serie de heroes encontramos ao folhear da historia, desde os que tentam
+as primeiras descobertas geographicas até os que fundam imperios como Affonso
+de Albuquerque.</p>
+
+<p>Como as prôas das naus portuguezas foram deliniando, na immensa tabola do
+Oceano os fundamentos da civilisação moderna.</p>
+
+<p>Os argonautas precedem os venezianos nas suas viagens; o scandinavo Leif
+Erik descobre tres seculos antes de Colombo a America do norte e os noruegueses
+estabelecem-se na Islandia; Roger Bacon e o cardeal Pedro d'Ailly esboçam os
+primeiros deliniamentos geographicos, mas tudo isto é nebuloso no espirito dos
+navegadores e cosmographos do seculo <small>XV</small> e faz crescer a vontade
+de conhecer os caminhos do mar,<span class="pn">{16}</span> para chegar
+áquellas regiões mysteriosas de que se contavam historias da Fabula.</p>
+
+<p>Christovão Colombo e Amerigo Vespucci estudam e fazem calculos para achar o
+caminho do Oriente de que falla Marco Polo, e o aventuroso genovez despresado
+na sua patria vem offerecer a Portugal os seus serviços e pedir-lhe naus para
+ir á descoberta, mas não é mais feliz nas suas pretenções do que o fôra na
+Italia.</p>
+
+<p>Já Portugal então andava tambem empenhado n'essas emprezas, e o immortal
+infante D. Henrique lançava, na supposta eschola de Sagres, as bases das
+grandes navegações e descobertas que iam seguir-se.</p>
+
+<p>Ali se planeava a grande revolução geographica que se ia operar e que seria
+o fóco de novas revoluções, nas sciencias, nas artes e no commercio, o prologo
+d'esta civilisação que hoje nos maravilha.</p>
+
+<p>Vasco da Gama, mais feliz do que Colombo encontra o caminho da India. Os
+seus marinheiros vencem os mares tenebrosos e quebram o encanto das sereias que
+se rendem ás suas canções maritimas; o indomito Adamastor respeita tão grande
+audacia e deixa passar adiante a frota que entra alfim no Oceano Indico.</p>
+
+<p>Depois que serie de descobertas se succedem;<span class="pn">{17}</span> que
+trabalho de civilisação de novas gentes se enceta.</p>
+
+<p>Os nossos arsenaes apparelham, sem cessar, naus e caravellas para novos
+emprehendimentos. Desenvolve-se a febre da navegação; cada portuguez é um
+navegador. Portugal quasi se despovoa para ir povoar novas terras onde leve a
+luz da nova civilisação.</p>
+
+<p>Os seus capitães vão continuar para além do Atlantico a sua obra de
+conquista principiada em Ourique. Eram ainda o mesmo peito d'aço, o mesmo braço
+esforçado. A flôr da mocidade adiantava-se; os que ficavam tinham inveja dos
+que partiam. Vieram as emolações, as intrigas da côrte, os despeitos, e quantos
+d'isto foram victimas, os maus, os bons.</p>
+
+<p>Houve, porém, um homem na côrte de D. Manuel, mais audaz, por ventura que
+outros, que acariciava a idéa de dar a volta ao mundo por mares ainda não
+devassados de europeus.</p>
+
+<p>Era a idéa predominante no espirito dos navegadores achar a passagem para o
+mar do Sul que incurtaria o caminho para a India.</p>
+
+<p>Colombo já o pensára, Balboa estivera a ponto de o realisar, mas o Destino
+tinha escripto no seu insondavel livro que seria a<span class="pn">{18}</span>
+um portuguez que caberia essa gloria: e esse portuguez, esse homem da côrte de
+D. Manuel;&mdash;foi Fernão de Magalhães, que quizera enflorar na corôa de Portugal
+uma nova joia de alto valor, mas que o mesmo Destino quiz que a fosse engastar
+na Corôa de Castella!<span class="pn">{19}</span></p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<h1>III</h1>
+
+<p>Não é proprio dos espiritos aventurosos medir as suas acções pelas regras da
+prudencia e da boa razão; se assim não fôra deixaria de haver a aventura para
+só prevalecer a fria reflexão, o que tanto monta como o mundo ter avançado
+metade do caminho precorrido nos progressos da humanidade: <em>Audentes fortuna
+juvat.</em></p>
+
+<p>Não se esperem aventuras donde só dominar a intelligencia sem participar o
+coração. Os productos da primeira serão admirados e respeitados, mas o que o
+segundo produzir ha-de espantar e maravilhar.</p>
+
+<p>Raro se reunem estas qualidades e por isso, quando se encontram em um só
+homem, esse homem será um heroe, porque encherá de beneficios a humanidade.</p>
+
+<p>Comtudo não menos raro é, que a esses<span class="pn">{20}</span> homens de
+espirito e coração privilegiados, a humanidade tenha aberto os braços antes de
+lhe mover uma guerra de morte. Porque elles vêem mais longe que o vulgar dos
+espritos, advinhando o que outros não comprehendem, são sempre o alvo da inveja
+dos maus a espicaçar a aversão dos nescios.</p>
+
+<p>É por isso que em todos os tempos a intriga tem envolvido os grandes homens,
+deturpando-lhe as intenções, maculando-lhe o caracter, desfazendo de seus
+meritos, pretendendo annular-lhe as suas obras.</p>
+
+<p>Quantas vezes os ferros de el-rei arroxearam os pulsos dos seus melhores
+servidores; quantas o desgosto matou homens a quem a posteridade tem levantado
+monumentos!</p>
+
+<p>N'este labyrinto da Historia, que os historiadores nem sempre tem podido
+espurgar das paixões, quão difficil é apreciar com justiça o caracter dos
+homens que n'ella mais preponderam por suas acções e influencia.</p>
+
+<p>É n'esta difficuldade que nos encontrâmos para definir nitidamente o
+caracter de Fernão de Magalhães, avaliando as rasões que o levaram a deixar a
+patria e o serviço do seu rei, pelo serviço do imperador das Hespanhas, por um
+paiz que era o emulo de Portugal, nas conquistas e descobertas.</p>
+
+<p>É fóra de duvida que Fernão de Magalhães deveria ter um caracter
+independente<span class="pn">{21}</span> e ousado, porque outro não se
+compadecia com o seu espirito aventuroso; que esse caracter não seria
+facilmente maleavel como não se amoldaria ás adulações e hypocrisias da côrte,
+parece seguro; mas viria só d'isto o desagrado em que cahiu para com el-rei D.
+Manuel?</p>
+
+<p>Seria Fernão de Magalhães mais ambicioso que outros, o que não é para
+admirar, visto que o seu espirito se dilatava tanto pelo que outros não viam, e
+essa ambição miraria mais á gloria do que ao interesse material? Qualquer das
+duas seria o bastante para o malquistar com os camaradas e com os cortezãos.
+</p>
+
+<p>É certo que um dos motivos de desgosto de Magalhães foi el-rei
+desattender-lhe o pedido de augmento de pensão, ao voltar de Azamor, onde
+combatera valentemente contra os moiros ao lado de João Soares e onde fôra
+ferido em uma perna, de que ficou coxeando; mas se o augmento pouco valia
+monetariamente, sobrava-lhe em importancia moral porque, como diz Faria e
+Sousa, na <em>Asia Portugueza</em>: «Subir cinco reaes em dinheiro, é subir
+muitos graus em qualidade», e Lafitau na <em>Europa Portugueza</em>: «...
+crescer aqui um real é crescer muito em opinião».<span
+class="pn">{22}<br>{23}</span></p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<h1>IV</h1>
+
+<p>Quando isto succedeu já Fernão de Magalhães havia illustrado o seu nome em
+Africa, tendo feito parte de tres expedições, que de Lisboa partiram para
+aquelles paizes.</p>
+
+<p>A primeira d'essas expedições foi a de 25 de março de 1505, sob o commando
+de D. Francisco d'Almeida. N'ella se alistou Fernão de Magalhães, contando 25
+annos de idade, pois, segundo parece, nascera pelos annos de 1480,<a
+name="tex2html1" href="#foot93"><sup>[1]</sup></a> deixando os commodos da
+côrte, onde, segundo diz Argenzola, na<span class="pn">{24}</span> <em>Historia
+de las Malucas</em> e <em>Anales de Aragon</em>, era pagem da rainha D. Leonor
+e d'el-rei D. Manuel. Preparou-se Magalhães, tanto com as coisas espirituaes
+como materiaes, para a perigosa viagem, conforme o costume dos tempos.
+Confessou-se e sacramentou-se e fez testamento, em Belem, a 19 de dezembro de
+1504, em que transparece o animo com que o testador se achava para as grandes
+emprezas, pois recommenda n'aquelle documento&mdash;segundo dá fé Diego de Barros
+Arana, na <em>Vida e Viagens de Fernão de Magalhães</em>,<a name="tex2html2"
+href="#foot98"><sup>[2]</sup></a>&mdash;a sua irmã D. Thereza de Magalhães, que
+institue herdeira do seu patrimonio como parente mais proximo, casada com João
+da Silva Telles, gentilhomem da côrte e senhor do castello de Pereira de
+Sabrosa, que transmitta o seu appellido juntamente com o seu brazão d'armas a
+seus herdeiros.</p>
+
+<p>Em 1508 encontrava-se já Fernão de Magalhães em Lisboa de volta d'aquella
+viagem. Havia tomado parte com Nuno Vaz Pereira nas guerras da Costa Oriental
+da Africa para submetter aquelles povos á soberania de Portugal, como era
+necessario para a submissão das possessões da India.<span
+class="pn">{25}</span></p>
+
+<p>Não nos transmitte a historia os feitos d'armas que elle praticou n'esta
+viagem; é comtudo certo que ella lhe serviu, como as subsequentes, para alargar
+os seus estudos geographicos, como affirmam todos os escriptores que de
+Magalhães se tem occupado.</p>
+
+<p>A segunda viagem encetou-a Fernão de Magalhães em 5 de abril de 1508,
+partindo de Lisboa na frota de Diogo Lopes de Sequeira, composta de quatro
+naus, com objecto de novas descobertas e conquistas no Oriente. Malaca era uma
+das terras mais cubiçadas pelas riquezas que tinha, e Sequeira ia encarregado
+de estabelecer relações com aquelle povo.</p>
+
+<p>A viagem foi bem succedida até Madagascar, mas, proseguindo para Ceylão, um
+grande temporal obrigou os navios a arribar a Cochim, onde residia o vice-rei
+da India D. Francisco d'Almeida. Aqui augmentou Sequeira a sua frota com mais
+um navio e a guarnição com mais 60 homens, largando de Cochim a 18 de agosto de
+1509.</p>
+
+<p>Chegou Diogo Lopes de Sequeira a Malaca depois de ter reconhecido a ilha de
+Sumatra. Foi, porém, desgraçado o fim d'esta viagem, porque os malayos, que a
+principio receberam bem os portuguezes, não tardou muito que conspirassem
+contra os nossos,<span class="pn">{26}</span> tentando assassinar Sequeira,
+tentativa de que Magalhães teve conhecimento e conseguiu frustrar, assim como
+com esforçado valor defendeu seus companheiros de morrerem traiçoeiramente ás
+mãos d'aquelle povo, salvando quantos poude dos que se encontravam em terra.
+Entre estes nomea-se Francisco Serrano, ou Serrão, seu companheiro e, parece,
+parente.</p>
+
+<p>Sequeira voltou para a Europa no melhor navio da frota, tendo mandado
+queimar dois por falta de gente para os tripular, e ordenando que os outros
+officiaes e resto de tripulação fossem para Cochim nos dois navios restantes,
+d'onde depois seguiriam para Portugal.</p>
+
+<p>Assim se observou; porém, a má sorte quiz que os navios se perdessem no
+archipelago de Laquedivas, desfazendo-se nos recifes de Padua, logrando
+salvar-se a tripulação para um ilheu deserto, esperando passar a terra povoada.
+</p>
+
+<p>N'esta conjuntura revela-se a grandeza de animo e o coração generoso de
+Fernão de Magalhães, porque, embarcando-se os seus companheiros nas lanchas
+para procurarem terra hospitaleira, elle se ficou com os restantes correndo o
+risco de, embora perecer, mas nunca os abandonar. Assim esperou que os
+companheiros lhe enviassem o auxilio<span class="pn">{27}</span> necessario, e,
+chegado elle, se passou a Cananor, onde encontrou Affonso de Albuquerque, que
+ia de viagem para Ormuz com gente de guerra a dilatar suas conquistas na Persia
+e seguir até o mar Roxo e Egypto.</p>
+
+<p>Recebeu Affonso de Albuquerque a Fernão de Magalhães e aos companheiros, que
+embarcou em sua armada, os quaes o ajudaram a submetter Goa e a dominar a costa
+de Malabar, e depois a tentar nova guerra contra Malaca, que é um dos feitos
+mais gloriosos das armas portuguezas no Oriente e o inicio de novos
+descobrimentos como os das ilhas de Banda e das Molucas, centro das ricas e
+procuradas especiarias.</p>
+
+<p>No regresso d'esta viagem (1512), em que tanto se distinguiu Fernão de
+Magalhães, teve este em recompensa de seus serviços o cargo de moço fidalgo do
+paço, com a pensão de mil réis mensaes com moradia. Esta pensão lhe foi
+melhorada pouco tempo depois, o que muito lhe accrescentou o valor e
+importancia na côrte, como se deprehende dos documentos achados por Muñoz no
+archivo de Lisboa.</p>
+
+<p>A recompensa dada por el-rei D. Manuel a Fernão de Magalhães foi incentivo
+bastante para o bravo portuguez voltar á guerra, procurando na sorte das armas
+augmentar<span class="pn">{28}</span> o lustre do seu nome já então galardoado.
+</p>
+
+<p>Na Africa feria-se uma guerra contra mouros que se batiam denodadamente com
+os portuguezes. Não menos que para a India se dirigiam as vistas do rei
+afortunado para aquelle campo das nossas conquistas, e assim mandou aprestar
+uma grande armada, composta de quatrocentos navios,&mdash;segundo diz Faria e Sousa,
+na sua <em>Africa Portuguesa</em>,&mdash;em que embarcou dezenove mil homens de
+guerra, sob as ordens de seu sobrinho D. Jayme de Bragança.</p>
+
+<p>N'esta armada partiu Fernão de Magalhães, emprehendendo a sua terceira
+viagem, em 1513; e não foi esta menos gloriosa para o seu nome que as duas
+primeiras; pois que combatendo ao lado de João Soares contra aquelles povos
+semi-barbaros, occupou a praça de Azamor e defendeu-a valorosamente contra as
+tropas dos reis de Fez e de Mequinez. N'esta guerra se excedeu tanto em valor
+que, a par do ferimento que recebeu em uma perna, de que ficou coxeando, lhe
+foi dado o posto de quadrilheiro-mór, ou capitão de uma companhia; e perseguiu
+de tal modo os mouros que aprisionou oitocentos e noventa d'estes e duas mil
+cabeças de gado.</p>
+
+<p>Segundo diz Barros, esta façanha foi origem de desgostos para Fernão de
+Magalhães,<span class="pn">{29}</span> porque na repartição da presa
+levantaram-se tantas reclamações e intrigas que chegaram aos ouvidos de el-rei
+D. Manuel, indispondo este monarcha contra o heroe de Azamor.</p>
+
+<p>Quanto de inveja e de mal soffridas ambições andariam n'isto, é o que não
+podemos affirmar; mas, a julgar pelos resultados, mui negras deviam ser as
+côres com que apresentaram a el-rei o quadro do procedimento de Magalhães, para
+que este, depois de se justificar com documentos, provando a falsidade das
+arguições ainda assim não conseguisse recompensa regia dos seus serviços e
+ainda menos perdão da supposta culpa.</p>
+
+<p>Ouçamos o que sobre este ponto diz Gaspar Correia, nas suas <em>Lendas da
+India</em>, n'aquella linguagem do tempo, e que vamos transcrever quanto
+possivel approximada e intelligivel para a maioria dos leitores de agora. «...
+Fernão de Magalhães, vindo ao reino, allegando a el-rei seus serviços, pediu em
+recompensa lhe accrescentasse cem réis de moradia por mez, o que el-rei lhe
+denegou, por não cahir em sua graça, ou porque estava destinado que assim havia
+de ser. Fernão de Magalhães, aggravado, porque muito o pediu a el-rei e elle
+lh'o não quiz fazer, lhe pediu licença de ir viver para quem lhe fizesse mercê
+e alcançasse mais fortuna<span class="pn">{30}</span> que com elle, ao que
+el-rei lhe disse, fizesse o que quizesse, e lhe quiz beijar a mão e el-rei lhe
+a não quiz dar.»</p>
+
+<p>Não se pense d'aqui que a pureza dos costumes do tempo fosse tal que,
+admittindo que Magalhães fosse menos escrupuloso no seu procedimento, não lhe
+pudessem ser levados em conta os serviços prestados ao reino, para lhe attenuar
+a falta; porque é certo que a outros, não mais prestantes nem menos ambiciosos,
+a munificencia do rei encheu de honras e prebendas, apesar das faltas
+commettidas.</p>
+
+<p>As injustiças são de todos os tempos, sem que por isso se deva sempre
+condemnar quem as comette; porque muitas vezes são involuntarias e apenas
+resultado de tramas bem urdidos por terceiros.</p>
+
+<p>Foi, provavelmente, o que aconteceu com Fernão de Magalhães, que tanto se
+sentiu de ver-se injustamente desattendido, que renegou da sua nacionalidade de
+portuguez para offerecer os seus serviços a Castella.</p>
+
+<p>Não se fala da lucta que elle travaria comsigo mesmo para levar a cabo esta
+resolução; mas é bem de suppôr seria enorme, se tivermos em vista quanto devia
+repugnar a um portuguez o trocar a sua nacionalidade pela de uma nação, que
+sempre nos disputou a supremacia, quer nas conquistas<span
+class="pn">{31}</span> e descobrimentos, quer na absorpção d'esta gloriosa
+patria portugueza. Enorme lucta, sem duvida, a que se levantou no espirito de
+Fernão de Magalhães; mas como resistir-lhe, se essa resistencia seria a
+annullação dos seus planos audaciosos, que não eram a satisfacção de um
+capricho, vaidade impertinente, ou ambição injusta.</p>
+
+<p>O escudo das suas armas ia ser picado, o nome da sua familia execrando,
+apontado ao desprezo; e elle estimava tanto os pergaminhos de seus
+antepassados, o seu nome, a sua patria, que, ao apartar-se d'ella pela primeira
+vez, recommendara a seus herdeiros, nas desposições testamentarias, que lhe
+guardassem o seu escudo de armas e o transmitissem aos seus descendentes.</p>
+
+<p>Enorme lucta, sem duvida; mas ainda maior que essa lucta era o ideal de
+Fernão de Magalhães, que antesonhava o grande progresso geographico que
+realizaria com a sua viagem de circumnavegação do globo, prestando ao mundo um
+alto serviço e cobrindo o seu nome de tanta gloria, que faltando á religião da
+patria, ella não se deshonraria a final de o ter por filho.</p>
+
+<p>Deshonra e vergonha seria se Fernão de Magalhães houvesse cruzado os braços
+ante a injustiça dos homens, rojando-se submisso aos pés de um throno que o
+desprezava. Encontrando-se<span class="pn">{32}</span> com animo para a audaz
+empresa que planeava, pouco lhe devia importar o ser portuguez ou de outra
+qualquer nacionalidade; essa preoccupação seria futil no meio da sua grandiosa
+obra. Elle tinha fatalmente que realizar os seus planos. Se a patria lhe negava
+os meios de os levar a effeito, elle iria por esse mundo fóra procural-os até
+encontrar quem lh'os facultasse; e foi e encontrou!</p>
+
+<p>Se para a Hespanha Fernão de Magalhães conquistou terras, para Portugal
+conquistou a gloria do seu nome. Essas terras poderão um dia deixar de ser de
+Hespanha; mas a gloria do nome de Fernão de Magalhães é que nunca deixará de
+ser de Portugal!<span class="pn">{33}</span></p>
+
+<div class="rodape">
+<p><a name="foot93" href="#tex2html1"><sup>[1]</sup></a> Não está bem
+determinada a data do nascimento de Fernão de Magalhães; é, todavia, certo que
+elle nasceu na aldeia de Sabrosa, de Traz-os-Montes e que seu pae se chamava
+Pedro, sendo da quarta nobreza de Portugal, ou fidalgo de cotta d'armas e
+geração que tem insignias de nobreza, tendo a sua familia escudo d'armas
+enxequetado, ou em quadradinhos como taboleiro de xadrez.</p>
+
+<p><a name="foot98" href="#tex2html2"><sup>[2]</sup></a> Este testamento só foi
+conhecido em 1855, segundo diz Arana, que d'elle teve conhecimento por uma
+copla de Ferdinand Diniz, que a houve de um herdeiro de Magalhães.</p>
+</div>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<h1>V</h1>
+
+<p>Mediaram cerca de tres annos entre os successos que levaram Fernão de
+Magalhães a renegar a nacionalidade portugueza, e a sua entrada em Sevilha a 20
+de outubro de 1517.</p>
+
+<p>Este tempo consumiu-o em estudos de cosmographia e nautica, escrevendo
+tambem a sua obra em castelhano sobre as terras que tinha visitado, á qual deu
+o titulo: <em>Descripcion de los reinos, costas, puertos e islas que hai en el
+mar de la India oriental i costumbres de sus naturales: su gobierno, religion,
+comercio i navegacion, i de los frutos i efectos que producen aquellas vastas
+regiones, con otras noticias mui curiosas; compuesto por Fernando Magallanes,
+piloto portuguez que lo vio i anduvo todo.</em></p>
+
+<p>Esta obra nunca foi publicada, apesar d'isso<span class="pn">{34}</span>
+extrahiram-se d'ella algumas copias, que alteraram muitos pontos essenciaes das
+viagens de Magalhães, o que bastante deprecia o seu conhecimento, e Diego de
+Barros Arana, diz que viu em Madrid uma d'essas copias, de letra do seculo
+<small>XVI</small> que possuia o erudito bibliophilo D. Paschoal de Gayangos.
+</p>
+
+<p>Aos estudos que Fernão de Magalhães fazia, ora em Lisboa ora no Porto, onde
+tinha mais persistencia, reuniu o conhecimento de Ruy ou Rodrigo Faleiro da
+Covilhã, que segundo diz Oviedo, na sua <em>Historia jeneral de las
+Indias</em>, era homem de grandes conhecimentos de cosmographia, astrologia e
+outras sciencias. Faleiro foi de grande auxilio para Magalhães porque
+comprenetrando-se do seu pensamento e dos seus planos associou-se calorosamente
+á empreza, juntando-se-lhe Francisco Faleiro, irmão de Rodrigo e que tambem era
+homem sabido em coisas de nautica.</p>
+
+<p>Magalhães já não se encontrava sosinho com a sua idéa, e isto mais o animou
+a proseguir, nos meios de levar á pratica o audacioso plano.</p>
+
+<p>Sem navios nem meios para os adquirir e aprestar, sem nada poder esperar do
+rei que o despresara, tinha fatalmente que recorrer a Castella, tanto mais, que
+para realisar a sua viagem, não querendo abeirar-se<span class="pn">{35}</span>
+de terras portuguezas, precisava tocar em terras sujeitas á Hespanha e onde não
+era permittido estabelecer trafico sem auctorisação do rei de Castella.</p>
+
+<p>A Carlos V ia offerecer os seus serviços e descobrir os seus planos, pedindo
+que lhe fornecesse os meios de os realisar. Mais tarde havia de Camões cantar,
+nos seus immortaes Luziadas, os feitos de Magalhães:</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<blockquote>
+ Eis-aqui as novas partes do Oriente, <br>
+ Que vós outros agora ao mundo daes, <br>
+ Abrindo a porta ao vasto mar patente, <br>
+ Que com tão forte peito navegaes. <br>
+ Mas é tambem razão, que no Ponente <br>
+ D'um Lusitano um feito ainda vejaes, <br>
+ Que de seu Rei mostrando-se aggravado, <br>
+ Caminho ha de fazer nunca cuidado. </blockquote>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<blockquote>
+ Vedes a grande terra, que contina <br>
+ Vae de Callisto ao seu contrario polo, <br>
+ Que soberba a fará a luzente mina <br>
+ Do metal, que a côr tem do louro Apollo; <br>
+ Castella, vossa amiga, será digna <br>
+ De lançar-lhe o collar ao rudo collo: <br>
+ Varias provincias tem de varias gentes, <br>
+ Em ritos e costumes differentes. </blockquote>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<blockquote>
+ Mas cá onde mais se alarga, ali tereis <br>
+ Parte tambem c'o pao vermelho nota: <br>
+ De Sancta Cruz o nome lhe poreis; <br>
+ Descobril-a-ha a primeira vossa frota. <br>
+ Ao longo d'esta costa, que tereis, <br>
+ Irá buscando a parte mais remota <br>
+ O Magalhães, no feito com verdade <br>
+ Portuguez, porém não na lealdade.<span class="pn">{36}<br>{37}</span>
+</blockquote>
+
+<h1>VI</h1>
+
+<p>Abandonando a patria e o rei, que tão mal apreciara os seus serviços, Fernão
+de Magalhães se foi a Sevilha, onde, ainda antes, talvez, de tratar dos
+negocios da sua empreza, se lhe prendeu o coração a uns olhos negros e
+pestanudos de uma gentil sevilhana, D. Beatriz, filha de Diogo Barboza.</p>
+
+<p>O bravo soldado que combatera na India e na Africa; o arrojado navegador que
+dominara a porcella e queria devassar ignotos mares que a espada de Balboa
+havia desafiado, como diz Alexandre de Humboldt&mdash;«com a espada na mão mettia-se
+á agua até aos joelhos, e pensava apossar-se do mar do sul em nome de
+Castella»&mdash;o heroe de Azamor, o homem forte que só parecia viver para a audaz
+empreza da circumnavegação do globo, rendeu-se aos encantos<span
+class="pn">{38}</span> de uma mulher, que soube conquistar-lhe o coração e a
+quem elle, pouco tempo depois de ter chegado a Sevilha, dava a mão de esposo.
+</p>
+
+<p>Tambem d'este enlace lhe veio auxilio para os seus planos, porque Diogo
+Barbosa, sogro de Fernão de Magalhães, era, como diz Gaspar Correia: «... homem
+principal, que sabia navegar no mar, porque era muito entendido na arte de
+piloto e era <em>esperico</em>&mdash;o que quer dizer <em>spherico</em> ou
+cosmographo, que sabe da <em>sphera</em>.</p>
+
+<p>Effectivamente, segundo Faria e Sousa, na <em>Asia Portugueza</em> e Lafitau
+na <em>Histoire des découvertes et conquetes des portugais</em>, Diogo Barboza
+fizera parte de uma grande expedição que el rei D. Manuel mandou aos mares da
+India, em 1501, indo capitaniando um dos navios da frota de João da Nova, a
+qual derrotou uma esquadra de mouros que traficavam em Calcuta e descobriu as
+ilhas da Conceição e de Santa Helena. Este Diogo Barboza deixou o serviço de
+Portugal e se foi a Castella, onde encontrou protecção em D. Alvaro de
+Portugal, que havia passado aquelle paiz, quando seu irmão, o duque de Bragança
+foi decapitado em Evora por ordem de El-rei D. João II (1483). D. Alvaro foi
+recebido pelos reis catholicos como parente, e lhe deram todas as honras<span
+class="pn">{39}</span> inherentes a tão alto personagem, confiando-lhe os
+cargos de presidente do conselho dos reis e de alcaide do alcaçar de Sevilha,
+segundo diz Lopez de Haro, no <em>Nobiliario de España</em> e Ortiz de Zuniga,
+nos <em>Anales de Sevilla</em>.</p>
+
+<p>Tão alta protecção teve a sua influencia em Barboza, que foi elevado a
+commendador da ordem de S. Thiago e logar tenente do alcaide do alcaçar de
+Sevilha, e assim collocado, casou com a filha de uma das principaes familias de
+Sevilha, D. Maria Caldeira.</p>
+
+<p>Viveu Fernão de Magalhães com esta familia durante o tempo que esteve
+n'aquella terra e d'ahi lhe veio proveito, porque alem da protecção do sogro
+travou relações com Duarte Barboza sobrinho de Diogo, que tambem viajara para a
+India e explorara aquelles mares, como prova a relação das suas viagens,
+publicada, em parte, na, <em>Navigazione e viaggi</em>, do colleccionador
+italiano J. B. Ramusio, publicado em 1554, e completa, na <em>Collecção de
+noticias para a historia e geographia das nações ultramarinas</em>, publicado
+em Lisboa, em 1813.</p>
+
+<p>Como se vê, Fernão de Magalhães ia juntando elementos de estudo que lhe
+aproveitavam, ao mesmo tempo que alcançava boas protecções para levar a cabo a
+sua empreza.<span class="pn">{40}</span></p>
+
+<p>Assim se dirigiu em Sevilha, a uma casa chamada da contratação em que se
+tratavam os negocios maritimos e a que Gaspar Correia se refere nas suas
+<em>Lendas da India</em>: «Em Sevilha tinha o imperador a casa da contratação,
+com regedores da fazenda que tinham grandes poderes e trafego de navegação e
+armadas. Fernão de Magalhães forte de seu saber e com muita vontade de anojar
+el-rei de Portugal, tratou com os regedores da casa da contratação e
+disse-lhes: que Malaca e Moluco, ilhas que creavam o cravo, eram do imperador
+pelas demarcações que entre ambos havia e por isso el-rei de Portugal não tinha
+direito de possuir estas terras: e que isto elle sustentava em presença de
+quantos doutores que o contestassem, pelo que obrigaria a sua cabeça. Os
+regedores lhe responderam que sabiam bem que elle fallava verdade; mas que o
+imperador não mandava lá seus navios, porque não podia navegar em mares da
+demarcação de el-rei de Portugal. Ao que, lhes disse Fernão de Magalhães: Se me
+derdes navios e gente eu navegarei para lá sem tocar em mar ou terra de el-rei
+de Portugal. E se assim o não fizesse lhe cortassem a cabeça. Os regedores
+muito satisfeitos assim escreveram ao imperador o qual lhes respondeu que
+sentia prazer com o dito e muito mais sentiria com o<span
+class="pn">{41}</span> feito: que tudo fizessem os regedores, guardando o seu
+serviço e as coisas de el-rei de Portugal, em que não tocassem e antes tudo se
+perdesse. Com esta resposta do imperador fallaram a Magalhães o qual continuou
+a affirmar o que dizia, de que navegaria e ensinaria o caminho por fóra dos
+mares de el-rei de Portugal; que lhe déssem os navios que elle pedisse, gente e
+artilheria e o necessario, que elle cumpriria o que dizia e descobriria novas
+terras na demarcação do imperador e traria oiro e cravo e canella e outras
+riquezas; o que ouviram os regedores desejando muito fazer tão grande serviço
+ao imperador, qual o de descobrir esta navegação, e para terem maior certeza,
+reuniram pilotos e <em>espericos</em> para sobre isto discutirem com Magalhães,
+que a todos deu suas razões e todos concordaram no que elle dizia e confirmaram
+que era homem mui sabido.»</p>
+
+<p>Os mares e terras da demarcação do imperador, a que se referia Fernão de
+Magalhães, eram os comprehendidos na linha divisoria que o Papa Alexandre VI
+marcára a pedido dos reis catholicos afim de evitar conflictos entre os reis de
+Castella e de Portugal, pela diligencia em que estas duas nações andavam de
+descobrir terras desconhecidas.</p>
+
+<p>A linha traçada pelo Papa, ia de um polo<span class="pn">{42}</span> ao
+outro, 100 leguas ao occidente dos Açores, dando aos hespanhoes a posse das
+terras que descobrissem para esta parte e aos portuguezes as que descobrissem e
+conquistassem para o oriente.</p>
+
+<p>A bulla de Alexandre VI que isto concedia começa assim: <em>De nostra mera
+liberalitate, et ex certa sciencia ac de Apostolicæ potestates plenitudine</em>
+etc.</p>
+
+<p>De nossa mera liberalidade, sciencia certa e plenitude do nosso poder
+Apostolico etc.</p>
+
+<p>Depois d'esta demarcação os reis de Portugal e os de Castella acordaram em
+fixar a linha divisoria mais 270 leguas ao occidente, pelo que diz Muñoz na
+<em>Historia del Nuevo Mundo</em>.<span class="pn">{43}</span></p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<h1>VII</h1>
+
+<p>As declarações feitas por Fernão de Magalhães na Casa da Contratação de
+Sevilha, não foram sufficientes para esta appoiar abertamente os projectos do
+ousado navegador, e se não fôra a influencia de João de Aranda, que se empenhou
+para que tivesse bom seguimento a proposta de Magalhães, talvez este não
+lograsse ainda o seu intento.</p>
+
+<p>João de Aranda, era feitor da Casa da Contratação, de animo propenso a
+emprezas arriscadas e por isso comprehendeu bem todo o alcance da empreza de
+Magalhães e tanto que prometteu protejel-a mediante alguma parte dos lucros que
+d'ella resultassem.</p>
+
+<p>Foi n'esta occasião que chegaram a Sevilha os dois irmãos Faleiros os quaes
+não concordaram com o que Fernão de Magalhães havia tratado com João de Aranda,
+muito principalmente Rodrigo Faleiro que era<span class="pn">{44}</span> homem
+de caracter mais desconfiado e irritavel, e que se considerava a alma da
+empreza de que Magalhães seria o elemento pratico.</p>
+
+<p>Importantes deviam ser os estudos de Rodrigo Faleiro, para que Magalhães se
+sujeita-se ás suas exigencias, transegindo com elle tanto quanto possivel, no
+que bem mostrava a generosidade de animo a par de melhor conhecimento pratico
+do mundo, para debelar as difficuldades que se levantavam no seu caminho.</p>
+
+<p>De tal arte soube conciliar tudo para chegar ao seu fim, fazendo boas as
+negociações que havia entabolado com Aranda, firmando, emfim, um contracto em
+Valladolide a 23 de fevereiro de 1518, perante o escrivão de suas altezas,
+Diogo Gonçalves de Sant'Iago, em que elle, Magalhães e Rodrigo Faleiro dariam a
+oitava parte do proveito que resultasse <em>em dinheiro, ou renda, ou officio
+ou em outra qualquer coisa que seja, de qualquer quantidade ou qualidade</em>
+dos descobrimentos que se propunham levar a cabo.</p>
+
+<p>Não estava ainda bem firme no throno das Hespanhas o principe Carlos
+d'Austria, o que naturalmente preoccupava o jovem monarcha, não sendo por isso
+muito favoravel a occasião para se occupar das pretenções de Magalhães.</p>
+
+<p>Entretanto o navegador portuguez escudado<span class="pn">{45}</span> com as
+protecções que grangeára, sempre conseguiu chegar á presença do monarcha e
+fazer exposição dos seus planos, tendo primeiro apresentado aos ministros do
+rei esses mesmos planos, apresentação para a qual muito influiu o bispo de
+Burgos D. João Rodrigues da Fonseca.</p>
+
+<p>É para notar que este bispo de Burgos, que combatera tenazmente os planos de
+Colombo, de Balbôa e de Cortez, se apresentasse na côrte protegendo Magalhães
+com decidido empenho! Não nos diz a historia se n'esta protecção iria interesse
+pessoal, ou a convicção da utilidade pratica dos projectos de Magalhães, sendo,
+todavia, certo que o caracter do bispo não era dos de melhor quilate.</p>
+
+<p>Em todo o caso percebe-se que Fernão de Magalhães soubera pôr o bispo de seu
+lado, como já soubera conciliar as divergencias levantadas por Faleiro.</p>
+
+<p>Mas ha ainda mais.</p>
+
+<p>Carlos V não accedeu tão de prompto, como a muitos parecerá, depois da
+resposta que dera aos regedores da Casa de Contratação, ás propostas de Fernão
+de Magalhães, e antes levantou duvidas, desconfianças sobre a auctoridade em
+que o ousado portuguez firmava os seus planos.</p>
+
+<p>Era de esperar.</p>
+
+<p>Mas Fernão de Magalhães não se desconcertou.<span class="pn">{46}</span>
+Soccorreu-se das observações feitas em suas viagens, do que havia estudado e de
+quanto adquirira de Faleiro; por fim citou uma carta geographica, existente em
+Portugal, levantada por Martinho de Bohemia em que marcava a communicação entre
+o mar do norte e o do sul, e com tanta proficiencia discutiu os seus planos que
+conseguiu desvanecer todas as duvidas no espirito de Carlos V, acabando este
+por lhe conceder quanto pedia, mandando lavrar o contracto, o qual se celebrou
+a 22 de março de 1518. Por este contracto foi dado a Fernão de Magalhães e a
+Faleiro o privilegio de, por espaço de dez annos, a nenhum outro navegador ser
+concedido ir a descobertas pelo mesmo caminho que elles. Seriam postos á sua
+disposição cinco navios, armados de artilheria, e guarnecidos com 234 homens,
+com mantimentos para 2 annos e mais dava o commando dos ditos navios a Fernão
+de Magalhães e a Faleiro e a vigesima parte dos lucros que houvesse d'estes
+descobrimentos, conferindo-lhe o de adiantados e governadores das terras que
+descobrissem a elles e seus descendentes. Alem d'isto ainda Carlos V deu o
+titulo de capitães d'esta esquadrilha a Magalhães e a Faleiro, com 50:000
+maravedis de soldo pagos pela Casa da Contratação, com toda a auctoridade em
+terra e no mar, etc.<span class="pn">{47}</span></p>
+
+<p>Não contente ainda com o que tinha concedido, Carlos V, pouco depois de
+celebrado aquelle contracto, ordenou que fosse augmentado o soldo dos dois
+capitães com mais 8:000 maravedis e 30:000 para ajuda de custo; mandando tambem
+que se abreviasse quanto possivel o armamento dos cinco navios.</p>
+
+<p>Fernão de Magalhães ia triumphando com a sua idéa, mas não tardou que novas
+difficuldades se levantassem, e d'esta vez era de Portugal que vinham.</p>
+
+<p>Soube-se na côrte de D. Manuel do que se estava passando em Hespanha com os
+dois portuguezes, e calculando-se quanto poderiam perigar as possessões
+portuguezas na India, se Fernão de Magalhães levasse por diante seu intento,
+necessario era combatel-o.</p>
+
+<p>Era embaixador portuguez em Hespanha D. Alvaro da Costa, que ali fôra pedir
+a mão da infanta D. Leonor para el-rei D. Manuel. Sob este pretexto e quantos
+mais se podem imaginar, representou contra as concessões feitas por Carlos V a
+Fernão de Magalhães, e com tal arte se houve que o monarcha das hespanhas se
+abalou, chegando a ponto de quasi revogar o que estava contractado.</p>
+
+<p>Foi ainda o citado bispo de Burgos que demoveu todas as duvidas.</p>
+
+<p>Fernão de Magalhães iria finalmente á descoberta.<span
+class="pn">{48}<br>{49}</span></p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<h1>VIII</h1>
+
+<p>Decorreram seis mezes entre a assignatura do contracto e a partida de
+Magalhães. Foram seis mezes de luctas para o ousado portuguez, em que se lhe
+levantaram difficuldades por todos os lados, desde aquellas que Rodrigo Faleiro
+lhe criou com o seu genio irascivel, até ás que o povo de Sevilha, instigado
+pelos agentes portuguezes para impedirem a empreza, oppôz, tentando destruir os
+navios que estavam a construir para a viagem, e contra a vida de Magalhães,
+desconfiando da lealdade do seu procedimento.</p>
+
+<p>Não foi menos importante a falta de dinheiro para occorrer ás despezas da
+expedição, falta que suppriu Christovão de Haro e Affonso Gutierres a que
+tambem acudiram<span class="pn">{50}</span> alguns negociantes de Sevilha a
+instancias do bispo de Burgos, devotado protector da empreza.</p>
+
+<p>Faleiro, investido de poderes eguaes aos de Magalhães e de genio mui
+differente d'este, foi impossivel dirigir os trabalhos de commum accordo e a
+tal ponto chegou a desintelligencia entre os dois, que Carlos V sem querer
+melindrar nem um nem outro, mas vendo a impossibilidade de se consertarem,
+determinou por uma real cedula datada de 26 de julho de 1519, que Faleiro
+ficasse em Sevilha tratando de aprestar uma outra expedição, que seguiria a
+Magalhães, e que o capitão portuguez partisse com o exclussivo de unico
+commandante superior da esquadrilha.</p>
+
+<p>Tudo se aprestou alfim: a esquadrilha que ia a descoberta compunha-se de
+cinco navios, de que Fernão de Magalhães era o almirante. O primeiro d'aquelles
+navios era o <em>Trindade</em>, em que ia Magalhães; o segundo <em>Santo
+Antonio</em> commandado por João de Cartagena, que era ao mesmo tempo vedor da
+armada e tinha o titulo de adjunto de Fernão de Magalhães; o terceiro,
+<em>Conceição</em> do commando de Gaspar de Quesada; o quarto,
+<em>Victoria</em> tendo por commandante Luiz de Mendonça, que era tambem o
+thesoureiro da armada; o quinto, <em>Santiago</em>, que<span
+class="pn">{51}</span> era o mais pequeno, commandado pelo piloto João Serrano.
+</p>
+
+<p>Foi a 10 de agosto de 1519 que a esquadrilha levantou ferro, e descendo o
+Guadalquivir, veiu fundear no porto de S. Lucar de Barrameda, para quarenta
+dias depois, a 20 de setembro, soltar as velas ao vento, em monção favoravel e
+aventurar-se por esses mares fóra, sem temor dos perigos, á procura da passagem
+para o mar do sul.</p>
+
+<p>Ia na expedição um interprete indio malayo, christão, que Magalhães levava
+para melhor se entender com os povos que esperava encontrar; tambem ia Duarte
+Barbosa cunhado de Magalhães, que já conhecia a Asia, e o italiano Antonio
+Pigaffetta, que foi o chronista da viagem. Além d'este iam outros extrangeiros,
+como francezes, flamengos e um inglez, todos fazendo parte da companha,
+soldados, marinheiros, artifices etc.<a name="tex2html3"
+href="#foot397"><sup>[3]</sup></a></p>
+
+<p>As caravellas, com suas proas alterosas, lá iam cortando o mar, impellidas
+pelo vento rijo que lhe empavesava as latinas. Era um dia de sol, como só os ha
+na peninsula Iberica, e os seus raios de ouro reflectindo-se nas aguas
+centuplicavam a luz que illuminava aquelle quadro, ao mesmo tempo que<span
+class="pn">{52}</span> alentavam a alma dos valorosos navegantes, não deixando
+esfriar o enthusiasmo que animava todos: os que partiam e os que em terra lhe
+dirigiam as ultimas saudações.</p>
+
+<p>A epocha era d'aquellas aventuras que melhor iam a estes povos, hespanhoes e
+portuguezes que por egual andavam empenhados nas descobertas.<span
+class="pn">{53}</span></p>
+
+<div class="rodape">
+<p><a name="foot397" href="#tex2html3"><sup>[3]</sup></a> <em>Vida e Viagens de
+Fernão de Magalhães</em> por Diego de Barros Arana.</p>
+</div>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<h1>IX</h1>
+
+<p>Que trabalhosa viagem antes de chegar ao porto desejado! Cortada de
+temporaes e de discordias, que de uns e outras não faltaram para experimentar o
+animo do ousado navegador.</p>
+
+<p>Logo nos principios da rota Fernão de Magalhães teve que pôr a ferros a João
+de Cartagena, que se sublevara contra elle por motivo de Magalhães mudar de
+rumo sem o consultar, sendo Cartagena seu adjunto.</p>
+
+<p>A 13 de dezembro dava fundo, na bahia do Guanabára ou Rio de Janeiro, a
+esquadrilha.</p>
+
+<p>É curioso o que conta Pigaffetta do negocio que fizeram com os indigenas
+durante o tempo que ali permaneceram os navios.</p>
+
+<p>Diz elle:<span class="pn">{54}</span></p>
+
+<p>«Aqui fizemos provisão de gallinhas e de <em>patatas</em>, um fructo
+semelhante ás pinhas, mas muito doce e exquisito, canna doce, carne de anta
+semelhante á de vacca. Fizemos excellentes negocios. Por um anzol ou por uma
+faca davam-nos cinco ou seis gallinhas; dois ganços por um pente; por um
+espelhinho ou um par de tesouras obtinhamos uma porção de peixe suffeciente
+para alimentar dez pessoas; por um guiso ou uma fita traziam-nos os indigenas
+uma canastra de <em>patatas</em>. Por preços tão subidos como estes trocámos as
+figuras dos naipes de cartas: por um rei deram-me seis gallinhas e os indios
+cuidavam fazer um excellente negocio.»</p>
+
+<p>Depois de um descanço de quatorze dias no Guanabára de novo se pôz a
+esquadrilha ao mar seguindo rumo parallelo á costa até o Cabo de Santa Maria,
+na embocadura do Rio da Prata, onde entrou a 10 de janeiro de 1520, para
+reconhecer as margens, distinguindo nas extensas planicies uma elevação a que
+os navegantes chamaram Monte-Vidi e que mais tarde se denominou Montevideo.</p>
+
+<p>A 14 de fevereiro deixou Fernão de Magalhães o Rio da Prata e seguindo a
+linha da costa foi navegando atravez os temporaes até o porto de S. Julião,
+onde arribou<span class="pn">{55}</span> a 31 de Março, para ali invernar, pois
+era chegada a estação das chuvas.</p>
+
+<p>Eram os primeiros navegadores europeus que chegavam aquelle porto, que de
+resto encontravam despovoado, e sem viveres de que se podessem fornecer!</p>
+
+<p>Havia decorrido seis mezes que tinham largado de S. Lucar de Barrameda.</p>
+
+<p>A confiança que Fernão de Magalhães conseguiu inspirar ao rei de Castella, a
+todos que concorreram para a realisação da sua viagem e até aos proprios que o
+acompanharam, não permaneceu firme, depois d'aquelles seis mezes decorridos sem
+resultado obtido.</p>
+
+<p>Parece fóra de duvida, que o unico verdadeiro crente na empreza era
+Magalhães, o que não admira porque era elle quem melhor conhecia o plano tantos
+annos acariciado na mente.</p>
+
+<p>Os que o acompanhavam não tinham decerto a mesma força de espirito que elle,
+o bastante para lhe esfriar o enthusiasmo, para lhe quebrar o animo. Foi assim
+que, chegados áquelle ponto, sem terem alcançado o termo desejado, entenderam
+por melhor desestir, reclamando de Magalhães que, ou alargasse as rações que
+tinham sido cerseadas, ou voltasse para Castella.</p>
+
+<p>Fernão de Magalhães, porém, não era<span class="pn">{56}</span> homem que se
+acobardasse com aquella imposição, e protestou que iria até ao fim embora
+sacrificasse a sua vida no cumprimento do dever.</p>
+
+<p>Entretanto os capitães das caravellas não se conformaram com aquella
+resolução, e muito particularmente Gaspar de Quesada, commandante da
+<em>Conceição</em>, o qual concebeu um plano de revolta contra o chefe da
+esquadrilha.</p>
+
+<p>Pela noite, quando a escuridão mal deixava distinguir as embarcações
+dispersas no porto de S. Julião, uma lancha largou de bordo da
+<em>Conceição</em>; ia n'ella Quesada com trinta homens armados dispostos a dar
+assalto á caravella <em>Santo Antonio</em>. Os marinheiros remavam mansamente
+fazendo o menor ruido possivel, para não despertarem a attenção de alguem que
+os podesse ouvir dos outros navios.</p>
+
+<p>Gaspar de Quesada soltara João de Cartagena<a name="tex2html4"
+href="#foot398"><sup>[4]</sup></a> que levava preso a bordo, o qual ficou á
+testa da caravella. O seu plano era apoderar-se da caravella <em>Santo
+Antonio</em>, prender o commandante Alvaro de Mesquita e com a força d'estes
+dois navios reduzir os outros á sua obediencia até á <em>Trindade</em>,
+impondo-se<span class="pn">{57}</span> assim a Fernão de Magalhães, a quem
+queria obrigar a tratar com mais consideração os capitães e pilotos da
+esquadrilha.</p>
+
+<p>Não foi difficil o assalto: as poucas sentinellas da <em>Conceição</em>
+foram tomadas de surpreza emquanto Quesada com meia duzia dos seus homens, se
+dirigiu ao alojamento de Alvaro de Mesquita para o prender. Entretanto o mestre
+João Elorriaga déra pelos assaltantes e correndo em soccorro do seu
+commandante, travou uma sangrenta lucta em que ficou ferido. Quesada vibrou-lhe
+quatro valentes punhaladas num braço que o prostraram, conseguindo por fim pôr
+a ferros Alvaro de Mesquita e arvorar-se elle cammandante da <em>Santo
+Antonio</em>.</p>
+
+<p>Luiz de Mendonça ia feito com Quesada, pelo que os revoltosos tinham tres
+navios, achando-se em maioria para imporem a lei a Magalhães, que áquella hora
+dormia, ainda que talvez pouco tranquillamente, na sua caravella
+<em>Trindade</em>.</p>
+
+<p>De manhã é que Magalhães soube da sublevação dos tres capitães porque logo
+da <em>Victoria</em> sahiu uma lancha com um emissario, que veio notificar ao
+chefe da esquadrilha a resolução em que estavam, de não continuarem a ser
+tratados como até ali, de obedecerem cegamente ás ordens d'elle, mas sim
+resolverem tudo de commum accordo.<span class="pn">{58}</span></p>
+
+<p>Isto que á primeira vista póde parecer justo, não o seria nas circumstancias
+que se davam, porque importava o malogro da empreza de Magalhães. Os revoltosos
+não queriam continuar a viagem que tinham por temeraria, descrendo de encontrar
+a passagem para o mar do sul, emquanto que Fernão de Magalhães pensava
+exactamente o contrario, e d'este modo era-lhe impossivel transijir,
+tornando-se imperioso apellar para toda a sua auctoridade, empregando a força
+para submetter os que assim lhe faltavam á obediencia.</p>
+
+<p>A força, porém, do chefe achava-se reduzida e em minoria, mas a
+inferioridade numerica nunca acobardou espiritos fortes e da estatura moral de
+Fernão de Magalhães, que nascera, sem duvida, para dominar e não para ser
+dominado.</p>
+
+<p>Era arriscada a empreza; tanto mais razão para não recuar. Se os seus
+capitães vallessem tanto como elle não recuariam como elle não recuava perante
+os perigos. Logo a superioridade de Magalhães era manifesta e de molde a não se
+intimidar com a attitude dos revoltosos.</p>
+
+<p>Magalhães respondeu á notificação que lhe fizeram, ordenando que viessem a
+bordo da <em>Trindade</em> conferenciar com elle os tres chefes da revolta.
+Esta ordem, porém, não<span class="pn">{59}</span> foi obedecida, tendo em
+resposta, que viesse Magalhães a bordo da <em>Santo Antonio</em>, onde todos se
+reuniriam para resolver.</p>
+
+<p>Não havia que hezitar. Estava lançada a luva, e Fernão de Magalhães nem
+sequer pastanejou para a levantar. Fez tambem o seu plano para dar o golpe
+decisivo.</p>
+
+<p>O alguasil Gonçalo Gomes de Espinoza era homem valente e decidido; pois iria
+elle e mais seis homens de confiança a bordo da <em>Victoria</em>, levar a
+ordem para Luiz de Mendonça se apresentar immediatamente no navio do chefe.</p>
+
+<p>Levava instrucções particulares que haviam de permittir bom exito d'esta
+vez.</p>
+
+<p>Espinoza acercou-se com a sua chalupa da <em>Victoria</em> e saltando no
+navio logo veio o commandante a quem elle entregou a ordem que levava. Luiz de
+Mendonça leu essa ordem, não sem occultar a desconfiança que lhe inspirava, mas
+emquanto a lia meditando sobre a resposta a dar, Espinoza tirou de um punhal
+que levava escondido e com elle lhe atravessou o pescoço. Luiz de Mendonça
+baqueou e um outro golpe descarregado na cabeça por um dos companheiros de
+Espinoza, deixou-o completamente morto sobre a tolda.</p>
+
+<p>Ao mesmo tempo que se dava esta scena tragica, atracava á <em>Victoria</em>
+outra chalupa em<span class="pn">{60}</span> que vinha Duarte Barboza com mais
+quinze homens armados, que Magalhães mandava, como prevenção para assegurar o
+triumpho dos que se tinham ido expor a uma lucta desegual com a gente d'aquelle
+navio.</p>
+
+<p>Não foi, felizmente, preciso derramar mais sangue, pelo que diz Lopez de
+Recalde, na carta escripta á vista do processo que se instruiu em Sevilha em
+1521, e que Herrera refere. Morto o commandante, a tripulação submetteu-se sem
+resistencia, e no mastro da <em>Victoria</em> foi içada a bandeira do triumpho.
+</p>
+
+<p>Restava submetter Cartagena e Quesada, mas a sorte de Luiz de Mendonça
+influiu tanto no espirito dos dois capitães, que lhes quebrou o animo para
+tentarem desforra, em presença da firmeza do chefe.</p>
+
+<p>Limitaram-se a tentar a retirada para Castella; mas nem isso conseguiram,
+porque as tres caravellas que estavam fieis a Magalhães, foram, por ordem
+d'este, fundear na entrada do porto, tirando aos revoltosos a esperança de
+poderem sahir com os seus navios sem experimentarem a artilheria dos
+contrarios.</p>
+
+<p>Concertaram então outro plano.</p>
+
+<p>Quesada tinha, como ficou dito, preso a bordo Alvaro de Mesquita, que era
+primo co-irmão de Magalhães, e pensou de o soltar<span class="pn">{61}</span>
+para servir de medianeiro entre elle e o chefe da esquadrilha, afim de obter
+uma capitulação favoravel.</p>
+
+<p>Alvaro de Mesquita, porém, logo desenganou Quesada, de que seu primo não
+transigiria; conhecia-o bem para esperar o contrario e toda a tentativa de
+conciliação seria completamente inutil.</p>
+
+<p>Assim descoraçoados os dois capitães revoltosos, apellaram novamente para a
+retirada, projectando sahir do porto n'aquella noite, pondo na prôa de um dos
+navios o Mesquita, para d'ali parlamentar com Magalhães, segundo diz Herrera.
+</p>
+
+<p>Pela noite a <em>Santo Antonio</em> levantou ferro e aproou para sahida,
+aproveitando a hora da maré, desferrando pano pouco a pouco, debaixo de grande
+silencio, com as maiores precauções. O vento, no porto soprava brando e só mais
+para o largo é que o mar, encrespado, indicava vento mais rijo.</p>
+
+<p>Vencer a sahida era tudo, porque depois com boa refrega e pano largo,
+ganharia distancia não sendo facil colhel-a nenhum dos navios da esquadrilha.
+</p>
+
+<p>Á cautela, Alvaro de Mesquita fôra mandado para a proa por Quesada, para
+d'ali parlamentar com Magalhães, se da <em>Trindade</em> dessem pela sahida da
+<em>Santo Antonio</em>, como era de prever. De facto assim aconteceu,<span
+class="pn">{62}</span> mas o modo como da <em>Trindade</em> vieram á fala não
+deu tempo a parlamentar.</p>
+
+<p>Esta caravella, assim que a <em>Santo Antonio</em> chegou ao alcance, rompeu
+fogo das peças e de mosqueteria, investindo para a abordagem.</p>
+
+<p>Estava lá Magalhães que era tão ousado navegador como soldado. Mandando a
+manobra com precisão e incitando os seus homens ao combate, não tardou a
+abordagem e que estes saltassem no navio sublevado, ouvindo-se então, por entre
+o alarme da desordem e o estrondear dos tiros, vozes que perguntavam em alta
+grita:</p>
+
+<p>&mdash;Por quem sois?</p>
+
+<p>Da resposta a esta pergunta dependia a vida ou o exterminio dos sublevados,
+porque Magalhães e a sua gente não contemporisavam.</p>
+
+<p>Quesada, por sua parte tambem incitava os seus homens á resistencia e ao
+combate, mas não inspirava á sua gente a mesma confiança que Magalhães, nem
+tinha o prestigio superior do chefe da esquadrilha.</p>
+
+<p>Foi por isto que não teve meio de resistir á abordagem, e a resposta á
+pergunta que a gente da <em>Trindade</em> ia repetindo insistentemente:&mdash;Por
+quem sois? echoou na alma de Quesada como uma sentença de morte, ao ouvir
+gritar:<span class="pn">{63}</span></p>
+
+<p>&mdash;Pelo rei nosso senhor e por vossa mercê!</p>
+
+<p>Fernão de Magalhães triumphava mais uma vez dos revoltosos e affirmava o seu
+prestigio entre a gente que o acompanhava, fazendo perder a esperança de novas
+sublevações.</p>
+
+<p>Quesada e todos os cabeças de motim foram presos, e o mesmo succedeu a
+Cartagena, capitão da <em>Conceição</em>, que humilhado se entregou.</p>
+
+<p>Restava castigar os sublevados e esse castigo devia ser exemplar para que
+não viessem novas tentativas de revolta pôr em perigo a segurança e bom exito
+da expedição.</p>
+
+<p>Consoante os tempos e a grandeza dos delictos, assim seria a severidade da
+punição.</p>
+
+<p>Magalhães não hesitou na sentença.</p>
+
+<p>No dia 4 de abril, o seguinte áquella noite de desordem, mandou Magalhães
+que o cadaver de Luiz de Mendonça, fosse posto em terra e ali esquartejado ás
+vistas de todos e apregoada a alta traição, que assim fôra punida.</p>
+
+<p>Seguidamente foi instaurado a bordo da <em>Trindade</em> um processo, em que
+Alvaro de Mesquita formulou a accusação, sendo os alguazis e escrivães, que iam
+na esquadrilha,<span class="pn">{64}</span> encarregados de fazerem o summario
+e inquerirem as testemunhas, o que tudo escripto deveria depois ser apresentado
+a El-rei, quando Magalhães regressasse a Castella, como prova justificativa do
+seu procedimento.<a name="tex2html5" href="#foot399"><sup>[5]</sup></a></p>
+
+<p>D'esse processo resultou a sentença que condemnou á morte Gaspar de Quesada
+e Luiz Molino, creado d'este.</p>
+
+<p>Passados tres dias, a 7 de abril, teve logar a execução.</p>
+
+<p>Para esse fim foi armado na praia o patibulo e na presença de contingentes
+de todos os navios, decapitado o criminoso, servindo de carrasco o Luiz de
+Molino que por este preço adquiriu o perdão.</p>
+
+<p>O corpo de Quesada tambem foi esquartejado e a sua traição apregoada.</p>
+
+<p>Mas ainda não era tudo. João de Cartagena tambem devia ser punido assim como
+o capellão Pedro Sanches de La Reina, que tambem se averiguou ter conspirado
+contra o chefe da esquadrilha.</p>
+
+<p>O castigo, porém, d'estes revoltosos, parecendo mais equitativo, nem por
+isso foi menos duro, pois que Magalhães os condemnou a ficarem abandonados em
+terra,<span class="pn">{65}</span> onde não havia viveres apropriados nem
+gente.</p>
+
+<p>É facil calcular as inclemencias que aquelles desgraçados soffreriam e quão
+duramente expiaram o seu delicto.</p>
+
+<p>Se Fernão de Magalhães affirmou a sua auctoridade de forma tão cruel,
+deve-lhe ser levado em conta a rudeza dos tempos e a imperiosa necessidade que
+a isto o obrigou, para não vêr completamente perdida a sua gloriosa
+empreza.<span class="pn">{66}<br>{67}</span></p>
+
+<div class="rodape">
+<p><a name="foot398" href="#tex2html4"><sup>[4]</sup></a> <em>Vida e Viagens de
+Fernão de Magalhães</em> por Diego de Barros Arana.</p>
+
+<p><a name="foot399" href="#tex2html5"><sup>[5]</sup></a> Navarrete publicou
+este processo a pag. 10 do tomo <small>IV</small> da sua <em>Coleccion</em>.</p>
+</div>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<h1>X</h1>
+
+<p>Fernão de Magalhães conseguira, emfim, restabelecer a ordem na sua
+esquadrilha; mas, se não receava novas sublevações que contrariassem o seu
+proposito, contrariava-o a invernia com todos os rigores de suas tormentas, que
+não o deixava avançar na viagem de exploração.</p>
+
+<p>A impaciencia principiava a apoderar-se do seu espirito, porque o tempo ia
+correndo sem resultado pratico que o animasse, tanto a elle como á sua gente.
+</p>
+
+<p>Chegou o fim de abril e os rigores do inverno pareciam ceder ás instancias
+da primavera risonha e boa.</p>
+
+<p>Tanto bastou para que Magalhães ordenasse um reconhecimento ao Sul da bahia
+de S. Julião, por onde julgava encontrar o almejado<span class="pn">{68}</span>
+estreito ou passagem para os mares da India.</p>
+
+<p>Encarregou João Serrão de ir, na caravella <em>Santiago</em>, a mais pequena
+da esquadrilha, fazer esse reconhecimento, para o que deu ao ousado piloto as
+instrucções necessarias, recommendando-lhe que seguisse sempre para Sul e
+parallelo á costa, porque assim encontraria o estreito.</p>
+
+<p>Seguio João Serrão as instrucções de Magalhães, costeando cerca de vinte
+legoas, com tempo favoravel, e a 3 de maio encontrou-se na foz de um rio com
+mais de uma legoa de largura.</p>
+
+<p>Seria a entrada do procurado estreito?!</p>
+
+<p>É o que vamos vêr.</p>
+
+<p>Era e é o dia 3 de maio commemorado pela egreja, que celebra a festa da
+exaltação da Santa Cruz, e Serrão commemorando aquelle dia deu ao novo rio o
+nome de Santa Cruz, que ainda hoje tem.</p>
+
+<p>Abundava ali a pesca e os lobos marinhos e de tão grande tamanho como ainda
+não tinham sido vistos; dis Herrera que um d'aquelles animalejos despido da
+pelle, da cabeça e das gorduras, pesava desanove arrobas ou dosentos e oitenta
+e cinco kilos dos pesos actuaes.</p>
+
+<p>Fez Serrão um reconhecimento á costa, mas não encontrou signaes do estreito,
+pelo<span class="pn">{69}</span> que proseguio a viagem para Sul, continuando a
+seguir a costa. Um forte temporal, porem, surprehendeu os navegantes, a 22 de
+maio, transtornando-lhe o proseguimento da derrota.</p>
+
+<p>Os escriptores que se referem a este successo divergem emquanto a datas e a
+victimas do naufragio, Diego Arana, porém, segue a ordem chronologica dos
+factos e estabelece aquella data, assim como descreve o naufragio e as
+victimas.</p>
+
+<p>A tempestade foi tão violenta que rasgou todo o panno da caravella; a força
+do mar levou o leme e arrastou o navio á praia onde se fez em pedaços, mal
+dando tempo á tripulação se salvar, perecendo ainda assim afogado um preto
+escravo de Serrão.</p>
+
+<p>Depois das luctas com os homens principiavam as luctas com os elementos,
+para o que era impotente toda a energia de Magalhães.</p>
+
+<p>Dos homens triumphara elle até alli; da furia dos elementos era mais
+difficil e só uma vontade de ferro, disposta a vencer ou morrer, poderia
+alimentar a esperança de triumphar.</p>
+
+<p>Da caravella <em>Santiago</em> apenas restavam despojos que o mar ia
+trazendo á praia, onde os naufragos se encontravam á conta de Deus, sem guarida
+nem conforto algum que lhes alentasse<span class="pn">{70}</span> a vida! E
+comtudo grande distancia os separava dos companheiros, que esperavam o seu
+regresso, no porto de S. Julião.</p>
+
+<p>Os naufragos depois de terem caminhado umas seis legoas, para alcançarem as
+margens do rio Santa Cruz, seis legoas que levaram quatro dias a percorrer, tal
+era o cansaço e fraqueza em que estavam, e para mais carregados de madeira,
+destroços do navio naufragado, com que haviam de construir uma jangada para
+atravessar o rio, chegaram emfim ás margens do Santa Cruz, quasi mortos de
+fadiga e de fome, pois que para se alimentarem apenas tinham as ervas que
+encontravam pelo caminho e alguns mariscos.</p>
+
+<p>No rio Santa Cruz havia abundancia de peixe para se alimentarem, e
+construiram uma jangada com a madeira que traziam e assim, debaixo de grandes
+perigos atravessaram o rio dois marinheiros para irem participar o occorrido ao
+chefe da esquadrilha, que estava no porto de S. Julião.</p>
+
+<p>Segundo diz Diego Arana, onze dias gastaram os dois marinheiros para
+chegarem a S. Julião e tão penosa foi esta jornada, sem terem quasi que comer,
+que ao apresentarem-se a Magalhães, nem este nem os mais companheiros os
+reconheceram, tão desfigurados vinham.</p>
+
+<p>O tempo continuava tormentoso; as tempestades<span class="pn">{71}</span>
+succediam-se não permittindo qualquer tentativa de navegação. Entretanto
+Magalhães não lhe consentia o animo deixar sem prompto auxilio os pobres
+naufragos da <em>Santiago</em>, e assim ordenou que logo partissem por terra 24
+homens carregados de comestiveis, em soccorro d'aquelles desgraçados,
+proporcionando-lhes os meios de virem reunir-se a seus companheiros.</p>
+
+<p>Não foi menos penosa a jornada d'estes 24 homens, sob os rigores do tempo e
+a selvageria dos caminhos. Para saciar a sêde tiveram que derreter gelo, pois
+não encontraram agua de beber, e apesar das difficuldades do caminho apressaram
+quanto poderam a marcha para mais breve soccorrerem os seus companheiros.</p>
+
+<p>Dois dias levaram a atravessar o rio na jangada que haviam armado, e mais
+refeitos pela alimentação que tomaram lá se pozeram todos em marcha a
+reunirem-se á esquadrilha, sem perda de um só.</p>
+
+<p>Este contratempo foi de bom aviso para Magalhães que reconheceu quanto era
+temerario o tentar proseguir em reconhecimentos da costa ou passar avante,
+emquanto não se acalmassem os rigores da estação.</p>
+
+<p>A fidelidade e energia de Serrão tornou-se notavel, e Magalhães não o
+desconheceu pois que nomeou o ousado piloto, capitão da<span
+class="pn">{72}</span> caravella <em>Conceição</em>, justo premio de quem tanto
+se tinha exposto e soffrido para bem cumprir as ordens do chefe.</p>
+
+<p>Emquanto, porém, a esquadrilha invernava no porto de S. Julião, Magalhães
+foi aproveitando o tempo em reparar as caravellas e para isso mandou fazer em
+terra uma casa para forjas onde os ferreiros exercessem o seu officio. O frio,
+porém, era tão intenso que os operarios mal podiam fazer uso das mãos, chegando
+alguns d'elles a perderem os dedos gangrenados pelo frio!</p>
+
+<p>Não podendo fazer reconhecimentos por mar, tentou Magalhães fazel-os por
+terra, e então mandou quatro homens armados para o interior a vêr se descobriam
+algumas povoações, onde se podesse fornecer de mantimentos; mas trabalho
+baldado porque a poucas legoas de caminho tiveram que retroceder por lhes
+faltar agua e comestiveis sem encontrarem viv'alma, o que lhes deu a convicção
+de que o paiz não era habitado.<span class="pn">{73}</span></p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<h1>XI</h1>
+
+<p>Tinha decorrido mais de seis mezes que a esquadrilha estava no porto de S.
+Julião quando um dia appareceu na praia um homem de grande estatura, mal
+coberto com uma pelle de animal, cantando em desconcertada voz, pulando e
+lançando punhados de areia na cabeça, o que pareceu significar as suas
+intenções pacificas, porque, segundo diz o capitão Cook na sua <em>Voyage dans
+l'hémisphère austral</em>, os indios da ilha de Malicolo lançavam agua na
+cabeça em signal de paz.</p>
+
+<p>Extranha apparição esta que surprehendeu os navegantes já descoraçoados de
+encontrarem alma viva n'aquellas paragens.</p>
+
+<p>Os hespanhoes repetiram o mesmo signal que o selvagem fizera, de deitar
+areia na cabeça, para assim elle entender que estavam na mesma intenção.<span
+class="pn">{74}</span></p>
+
+<p>De facto o selvagem acercou-se de um marinheiro que Magalhães mandou a terra
+e com elle veio á presença do chefe da esquadrilha.</p>
+
+<p>Pigafetta descrevendo este selvagem diz: «Era este homem tão alto que a sua
+cintura dava pela nossa cabeça. Bella estatura; rosto amplo e arroxeado,
+olheiras amarellas e como que marcando-lhe as faces duas manchas em fórma de
+coração. Os cabellos, muito curtos, pareciam embranquecidos com pós. Cobria o
+corpo, ainda que mal, com as pelles de um animal que abundava n'aquelle paiz.
+Este animal tem cabeça e orelhas de mula, corpo de camello, pernas de veado,
+cauda de cavallo e relincha como este.»</p>
+
+<p>Deve ser o guanaco.</p>
+
+<p>Parece que a surpreza fez augmentar aos olhos dos hespanhoes as proporções
+d'aquelle selvagem, pois que D'Orbigny na sua obra <em>L'homme americain</em>
+referindo-se aos habitantes d'aquellas regiões diz: «Não podemos occultar que
+nos illudiu a apparencia d'estes homens. A largura das suas espaduas, cobertas
+desde a cabeça até os pés com capas de pelles de animaes selvagens, cosidas
+numa só peça, produziram em nós tal illusão, que primeiro de os medirmos nos
+pareceram de extraordinaria altura, emquanto que depois de bem observados e
+medidos directamente, ficaram reduzidos ás dimensões vulgares.»<span
+class="pn">{75}</span></p>
+
+<p>Diz ainda Pigafetta: «Magalhães recebeu com muito agrado este selvagem.
+Ordenou que lhe dessem de comer e o levassem diante de um grande espelho, o que
+o surprehendeu extraordinariamente e encheu de admiração. O selvagem que não
+tinha a menor noção do que fosse um espelho, e que pela primeira vez via a sua
+propria figura, recuou cheio de espanto, deitando ao chão quatro homens que
+estavam atraz d'elle.»</p>
+
+<p>Aquelle primeiro selvagem foi mandado pôr em terra depois de Magalhães lhe
+ter dado alguns presentes, e elle tão contente se foi, que não tardou que
+outros se apresentassem com a mira nas mesmas dadivas.</p>
+
+<p>Eram todos da mesma corpolencia que o primeiro, e como aquelle tinham pés
+enormes, pelo que os navegantes os denominaram Patagões, nome porque ainda
+actualmente são designados os homens d'esta raça.</p>
+
+<p>A todos Magalhães mandou dar comida e presenteou com espelhinhos, missangas
+e outras bugiarias, com o que ficaram muito contentes. Um d'elles mais
+domestico demorou-se alguns dias a bordo da <em>Trindade</em>, sociando com os
+marinheiros, que lhe ensinaram algumas palavras castelhanas e o baptisaram com
+o nome de João.</p>
+
+<p>Este João comia os ratos que os marinheiros caçavam, e o fazia com muito
+gosto,<span class="pn">{76}</span> até que mostrando vontade de ir para terra o
+desembarcaram, sem que por muitos dias voltassem ás vistas dos navegantes
+outros selvagens.</p>
+
+<p>Eram tão extraordinarios os habitantes d'aquellas paragens, que Magalhães
+entendeu trazer dois d'elles ao rei de Castella, quando regressasse á Europa.
+</p>
+
+<p>Foi assim que a 28 de julho, voltando á praia quatro selvagens dos que já
+tinham estado a bordo, Magalhães os mandou buscar, retendo no navio dois
+d'elles e mandando para terra os outros.</p>
+
+<p>É curioso o que Pigafetta descreve a respeito da prisão d'estes dois
+patagões: «Foi preciso pôr-lhe grilhões aos pés, enganando-os, fazendo-lhes
+acreditar que os ferros eram presentes e lh'os punham nos pés para que os
+podessem levar para terra.»</p>
+
+<p>Não foi de bom aviso a detenção dos patagões a bordo, porque isto levou
+desconfiança aos que estavam em terra e que, mais numerosos, vieram juntar-se
+de noite, na praia onde accenderam fogueiras, coisa que até ali não fôra visto
+pelos navegantes.</p>
+
+<p>Este facto chamou a attenção de Magalhães, que na manhã seguinte mandou sete
+homens á descoberta para saber o que seria.</p>
+
+<p>Os exploradores, porém, encontraram a praia deserta e apenas vestigios das
+fogueiras,<span class="pn">{77}</span> assim como das pégadas dos indigenas
+impressas sobre a areia e na neve que cobria as extensas planicies. Os
+exploradores, apesar do seu limitado numero, não duvidaram de se enternarem em
+busca dos selvagens, mas passaram o dia n'esta diligencia sem encontrarem
+nenhum, resolvendo por fim retirarem-se ao approximar-se a noite.</p>
+
+<p>Foi n'essa occasião que os exploradores se viram acommettidos por um bando
+de patagões, completamente nús e armados de flechas e que, segundo parece, os
+andava seguindo a distancia, sem que até ali tivesse sido notado.</p>
+
+<p>Travou-se lucta desproporcionada, porque alem da desegualdade numerica, os
+exploradores apenas levavam um arcabuz, unica arma de fogo com que se
+encontravam, para fazer frente ao inimigo que os atacava.</p>
+
+<p>Diogo Barroza, soldado da guarnição da <em>Trindade</em>, caiu morto por uma
+flechada, e a lucta recresceu de intensidade e bravura. Os exploradores
+carregando sobre os selvagens com redobrado valor e luctando corpo a corpo,
+taes estragos lhes fizeram, que o inimigo recuou, fugiu e desappareceu para o
+interior deixando os exploradores senhores do campo.</p>
+
+<p>Só na manhã seguinte voltaram para bordo, depois de terem passado a noite á
+roda de uma fogueira para se aquecerem e na qual<span class="pn">{78}</span>
+assaram uma porção de carne, que os selvagens abandonaram na fuga, e que serviu
+aos exploradores de lauta ceia.</p>
+
+<p>Quando Fernão de Magalhães soube do occorrido, quiz vingar a morte do
+soldado da <em>Trindade</em> e mandou para terra vinte homens armados para
+bater os patagões; mas trabalho inutil foi este, porque os selvagens não
+appareceram por mais que os procurassem e os exploradores apenas poderam dar
+sepultura ao cadaver de Diogo Barroza, seu companheiro d'armas.<span
+class="pn">{79}</span></p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<h1>XII</h1>
+
+<p>A 24 de agosto largou a esquadrilha do porto de S. Julião, depois de quasi
+cinco mezes ali passados, com bem pouco resultado para os progressos da
+expedição.</p>
+
+<p>Durante esse tempo repararam-se os navios, não sem grandes difficuldades,
+como se sabe, e realisaram-se notaveis modificações nos commandos, em resultado
+da insurreição de Quezada e de Luiz de Mendonça.</p>
+
+<p>Alvaro de Mesquita commandava agora a caravella <em>Santo Antonio</em> e
+João Serrão a <em>Conceição</em>. Magalhães confiara o commando da
+<em>Victoria</em> a seu cunhado Duarte Barbosa.</p>
+
+<p>Antes da partida todos da esquadrilha se prepararam espiritualmente com os
+soccorros da religião, confessando-se e commungando, como quem se dispunha para
+grande empreza, consoante o costume do tempo.<span class="pn">{80}</span></p>
+
+<p>Entretanto deu-se a bordo uma scena tocante, que impressionou tristemente
+toda a companha e foi a despedida de João de Cartagena e do padre Pedro Sanches
+que tinham de ser abandonados em terra, conforme a sentença que a isso os
+condemnara.</p>
+
+<p>Era lastimoso o seu estado, com tudo o respeito que Magalhães soubera
+incutir á sua gente, fez com que ninguem se oppuzesse a semelhante barbaridade,
+e os condemnados lá ficaram á mercê, na praia, apenas com provisão de bolachas
+e vinho para alguns dias.</p>
+
+<p>Com que magua e, quem sabe arrependimento, viram os miseros levantar ferro
+os navios e largar as vellas ao vento até desaparecerem na distancia do extenso
+mar, indo-se-lhe n'elles a esperança de voltarem á patria, abandonados
+n'aquellas paragens até ali ignoradas para a navegação!</p>
+
+<p>E a frota de Magalhães foi singrando no mesmo rumo que Serrão já levara
+quando fôra explorar a costa d'aquelle mar.</p>
+
+<p>O tempo ia bonançoso, sem chuvas, nem vento rijo; mas já proximos do rio
+Santa Cruz principiou a desenvolver-se temporal e tão violento, que as
+caravellas estiveram a ponto de perder-se.</p>
+
+<p>Diz Barros que Deus e os Corpos dos Santos é que os salvaram, referindo-se á
+apparição dos fogos de Santelmo nos topes dos mastros.<span
+class="pn">{81}</span></p>
+
+<p>Era crença dos marinheiros n'aquelles tempos, e por muitos annos o foi
+ainda, que quando appareciam aquelles fogos nos topes dos mastros&mdash;hoje
+conhecidos como resultantes da electricidade&mdash;era signal de estar passado o
+perigo.</p>
+
+<p>Aquelles temporaes detiveram a frota dois mezes no rio Santa Cruz, sem
+Magalhães poder proseguir na sua almejada descoberta.</p>
+
+<p>A 18 de outubro, porém, o tempo parecia ter abrandado mais duradouramente, e
+Magalhães resolveu ir ávante, mandando fazer rumo para S. O. sem se afastar da
+costa.</p>
+
+<p>Principiavam os navios, a entrar em mares até então desconhecidos, e o
+receio dos navegantes era cada vez maior. Vinha a memoria as historias
+phantasticas e horriveis que se contavam d'aquelles mares tenebrosos. A
+superstição invadia todos os espiritos e apavorava os mais ousados. Só havia
+ali um espirito forte que tinha que repartir-se por todos, incutindo-lhe animo
+e confiança: era o de Fernão de Magalhães, firme no seu proposito, crente na
+sua idéa. Com elle tinha que se impôr a todos os seus subordinados,
+fazendo-lhes saber, que haviam de ir até o fim, até encontrar a procurada
+passagem para o mar do Sul, ainda que tivessem de chegar a 75.° graus de
+latitude, ou os seus navios se afundassem no meio da porcella.<span
+class="pn">{82}</span></p>
+
+<p>Não tardou que, de novo, a tempestade assaltasse as frageis caravellas,
+obrigando-as a estar á capa dois dias, mas abonançando ao terceiro, permittiu
+aos navegantes avançarem até 50.° de latitude, avistando a 21 de outubro, uma
+lingua de terra para S. O.</p>
+
+<p>Esta vista alegrou Magalhães, que mais se fortaleceu na sua idéa, prevendo
+que aquella lingua de terra devia de ser a embocadura do estreito ou passagem
+para o mar das Indias.</p>
+
+<p>Immediatamente tratou de mandar fazer um reconhecimento por Serrão e por
+Mesquita, que iam respectivamente nas caravellas <em>Conceição</em> e
+<em>Santiago</em>.</p>
+
+<p>Mal, porém, estes navios se tinham apartado da frota, quando pela noite
+sobreveio um forte temporal, que se estendeu por toda a costa, pondo em
+imminente perigo tanto as caravellas que tinham ido ao reconhecimento, como as
+que ficaram á espera de noticias.</p>
+
+<p>Parece que a Providencia se comprazia em contrariar tanta audacia e dar
+razão aos medrosos, que quasi tinham por louco o chefe da temeraria empreza.
+</p>
+
+<p>Foi uma noite e um dia de infinda tormenta. As caravellas que haviam
+ancorado, largaram as amarras e abandonaram-se á porcella; a <em>Conceição</em>
+e a <em>Santiago</em> correram ao vento sem governo, em perigo de a cada<span
+class="pn">{83}</span> momento vararem na costa. Diz Barros que os ventos
+dominantes, n'aquella quadra, eram do Sul, contrarios ao rumo dos navegantes.
+Tanto bastava para difficultar a viagem e augmentar os perigos em mares
+desconhecidos.</p>
+
+<p>Mas a mesma Providencia que assim experimentava os navegantes, tambem lhes
+accendeu a esperança no meio da tormenta, pois que as duas caravellas corridas
+do tempo, quando os navegantes se julgavam perdidos, devisaram estes uma
+aberturasinha ao longo da costa que lhes pareceu ser como que a entrada de
+alguma bahia.</p>
+
+<p>Manobrando com grande difficuldade, fizeram prôa para lá, e seguindo sempre
+avante transpozeram aquella entrada e encontraram-se n'uma bahia, e, como o
+tempo os não deixasse deter, foram correndo as caravellas até que entraram
+n'outra garganta de terra para além da qual se acharam em espaçosa bahia, como
+ainda não tinham encontrado.</p>
+
+<p>Ali serenou a tempestade, e os navegantes poderam reconhecer onde estavam,
+resolvendo Serrão e Mesquita voltarem a juntar-se a Magalhães a participar-lhe
+a boa nova.</p>
+
+<p>A abertura na costa, para que os navegantes aproaram as suas caravellas,
+foi, sem duvida, um raio de esperança que lhes sorriu<span
+class="pn">{84}</span> entre a porcella, e por isso a denominaram estreito de
+Nossa Senhora da Esperança. Á primeira bahia denominaram-n'a depois, de S.
+Gregorio, e ao segundo estreito, de S. Simão.<span class="pn">{85}</span></p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<h1>XIII</h1>
+
+<p>Emquanto Serrão e Mesquita, luctando com a furia dos elementos, conseguiam
+fazer o reconhecimento ordenado por Magalhães, o audacioso capitão mal se tinha
+podido haver com o resto da frota, que ficára á espera á entrada do cabo, a que
+Magalhães deu o nome de Cabo das Onze Mil Virgens, em memoria do dia em que o
+avistou ser dedicado pela egreja áquella festa.</p>
+
+<p>Pelo espirito de Magalhães mais de uma vez, n'aquellas longas horas, passou
+a funebre idéa de que Serrão e Mesquita teriam perecido e mais a sua gente, no
+meio de tão grande tormenta.</p>
+
+<p>O temporal continuava desabrido, e a gente de Magalhães mostrava-se cada vez
+mais apprehensiva, o que augmentava os receios do chefe pelo exito da empreza
+que<span class="pn">{86}</span> elle, com bem fundadas razões, via proximo a
+realisar.</p>
+
+<p>Para maior alarme, viram os navegantes elevarem-se rolos de fumo do lado da
+terra, o que fez suppor que eram fogueiras que os naufragos tivessem accendido
+para dar signal de onde estavam. Isto pareceu certo a Magalhães, que logo
+resolveu ir em soccorro dos naufragos, fosse qual fosse o perigo a que se ia
+expor e o resto da sua gente.</p>
+
+<p>«Quando estavamos, porém, n'esta anciedade, diz Pigaffeta, eis que apparecem
+duas embarcações, de panno largo e bandeiras desfraldadas ao vento, saltando
+por sobre as ondas e se dirigiam para nós. Ao approximarem-se dispararam tiros
+de bombarda, e a sua gente dava gritos de alegria, a que correspondemos do
+mesmo modo, e quando soubemos, por elles, que tinham visto a grande extensão da
+bahia ou do estreito, dispozemo-nos para continuar o nosso caminho.»</p>
+
+<p>Pelo que Serrão e Mesquita contou a Fernão de Magalhães, não restava duvida
+que se encontrára, emfim, a passagem procurada. Os exploradores haviam
+reconhecido golfos de mar entre alcantiladas rochas, diziam uns; outros
+julgavam ter achado o estreito, por onde haviam navegado tres dias sem lhe
+encontrar o fim, notando grandes correntes com pequenos minguantes, signal
+evidente<span class="pn">{87}<br>{88}<br>{89}</span> de que o estreito levava as suas aguas para o poente, ao
+oceano.</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p style="text-align: center;"><img width="90%" align="bottom" border="0"
+src="images/ilust1.png" alt="Ilustração 1"></p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Tudo isto dava acerto ao juizo de Magalhães, o qual mandou dez homens em uma
+chalupa reconhecer a terra.</p>
+
+<p>Esses homens não encontraram gente, mas vestigios. Mais de duzentas
+sepulturas indicavam ter ali havido povoado; devia ser, porém, na estação do
+calor, em que os indios vem estabelecer-se á beira do mar, voltando para o
+interior na estação das chuvas, e era aquella em que os exploradores ali se
+encontravam. Mais viram muitos esqueletos e ossos soltos de baleias, espalhados
+pela praia, signal de grandes temporaes que ali arrojavam aquelles cetaceos.
+</p>
+
+<p>Herrera diz, que por ordem de Magalhães foi a caravella <em>Santo
+Antonio</em> fazer novo reconhecimento no canal, mas sem resultado, porque
+tendo Mesquita avançado umas cincoenta leguas, não lhe achou o fim, pelo que
+resolveu voltar á frota a dar parte da sua viagem a Magalhães.</p>
+
+<p>Vinha talvez mais convencido de que o canal ou estreito só teria mais
+perigos para quem o quizesse devassar, do que levaria a bom termo de viagem.
+Magalhães, porém, não se desconcertou com o resultado do reconhecimento de
+Mesquita, e antes resolveu terminantemente seguir avante, convencido<span
+class="pn">{90}</span> de que passaria o estreito e encontraria, emfim, o mar
+da India ou do Sul.</p>
+
+<p>Não quiz, porém, levantar ferro, sem reunir na <em>Trindade</em>&mdash;navio
+almirante&mdash;o conselho dos capitães, para lhes communicar a sua resolução e
+saber ao certo dos mantimentos que havia, para que tempo chegariam.</p>
+
+<p>Reunido o conselho, os capitães declararam que havia comestiveis para tres
+mezes. Quanto á resolução que Magalhães lhes communicou todos se mostraram
+concordes, talvez mais por obediencia ao chefe, do que por convicção do bom
+exito do commettimento. Apenas o piloto Estevão Gomes, parente ainda de
+Magalhães, descordou dos seus companheiros, ponderando que corriam grande
+perigo em proseguirem, pois que os temporaes ou as calmarias que atrazassem a
+travessia, poderiam inutilisar tudo, perdendo os navios ou reduzindo todos á
+fome, de que morreriam. Magalhães combateu moderamente a opinião de Estevão
+Gomes, affirmando que o canal que encontraram era a passagem para o mar do Sul,
+e tinha a certeza do que dizia, porque, na thesouraria de Portugal vira uma
+carta de marear desenhada por Martim Behaim, em que estava traçada aquella
+passagem, de que não podia duvidar agora. O enthusiasmo de Magalhães<span
+class="pn">{91}</span> chegou a tal ponto que disse ao conselho: Ainda que para
+chegar ao fim tivesse que comer as pelles de vacca que forravam as antenas dos
+navios, não retrocederia sem cumprir o que havia tratado com Carlos V.</p>
+
+<p>Todos se submetteram á vontade do chefe, e no dia seguinte a frota soltou
+vellas e navegou pelo estreito fóra até á grande bahia de S. Bartholomeu, onde
+os navegantes depararam com um grupo de ilhas.</p>
+
+<p>A frota lançou ferro, e Magalhães mandou fazer um reconhecimento n'um canal
+ao sul, pelas caravellas <em>Conceição</em> e <em>Santo Antonio</em>.</p>
+
+<p>Ao sul ficava terra, a que Magalhães pôz o nome de Terra do Fogo, por ter
+observado, de noite, grandes fogueiras que lá ardiam. Aquellas terras ainda
+hoje conservam esse nome.</p>
+
+<p>Nada adiantou o reconhecimento que Magalhães mandou fazer, porque a
+caravella <em>Conceição</em> voltou breve sem nada trazer de novo, e a
+<em>Santo Antonio</em>, debalde a esperaram, não a tornando mais a ver.</p>
+
+<p>Esta falta inquietou sobre modo a Magalhães, pelo receio de que se teria
+perdido o navio, e ainda empregou esforços para o procurar, mas tudo foi
+inutil, dando acerto ao parecer do piloto André de S. Martim, que disse a
+Magalhães que a caravella voltára<span class="pn">{92}</span> para Hespanha,
+como effectivamente voltou, tendo a companha sublevado-se contra Mesquita, ao
+qual prenderam, dando o commando do navio a Jeronymo Guerra, que ia a bordo
+como escrivão.<span class="pn">{93}</span></p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<h1>XIV</h1>
+
+<p>Perdida a esperança de reunir á frota a caravella <em>Santo Antonio</em>,
+continuou Magalhães a viagem pelo estreito descobrindo a sudueste o cabo, hoje
+denominado pelos inglezes cabo Froward, mas a que os hespanhoes chamaram de
+Santa Agueda. A latitude austral d'este cabo foi marcada pelos navegantes em
+50° 40'. O capitão King marcou depois a latitude do mesmo cabo em 53° 43',
+pelo, que, como nota Diego Arana, é para admirar que, com os instrumentos
+bastante imperfeitos de que então dispunham os navegantes, podessem fixar com
+tão pequenas differenças a latitude dos logares em que se encontravam, em
+relação ao equinoxio.</p>
+
+<p>O estreito apresentava, principalmente<span class="pn">{94}</span> para o
+sul, grande quantidade de canaes e recifes, quasi impossivel de reconhecer, nas
+precarias condições em que os navegantes se encontravam, extenuados da longa
+viagem que traziam, abatidos pelas doenças e pelos trabalhos, desanimados,
+vivendo mais da esperança que animava o seu chefe que da propria convicção de
+chegarem a bom fim.</p>
+
+<p>Fernão de Magalhães conhecia perfeitamente este estado, e quanto tinha a
+recear de uma sublevação da sua gente se abertamente se negasse a acompanhal-o.
+O que acontecera com a caravella <em>Santo Antonio</em> podia estender-se ás
+outras e elle ser impotente para manter a disciplina. De quanta prudencia e
+tacto precisava para, quasi ao vêr coroados tantos trabalhos, não se frustrar a
+empreza!</p>
+
+<p>Quiz ainda mais uma vez consultar os capitães e pilotos da frota sobre o que
+se devia fazer, para, sabendo o que pensavam, lhe apresentar as razões que
+tinha para seguir ávante. Assim os poderia convencer melhor e desfazer os
+receios levantados no espirito da sua gente.</p>
+
+<p>Só é conhecida a resposta que o piloto da <em>Victoria</em>, André de S.
+Martin, deu a esta consulta, e essa não foi favoravel ao proseguimento da
+viagem. Este piloto, que era muito entendido em cosmographia, parece<span
+class="pn">{95}</span> que tinha seus aggravos de Magalhães, e, ou por este
+motivo, ou porque ia doente, e tanto que morreu depois na viagem, opinava pelo
+immediato regresso a Hespanha, visto que estava achado o estreito, e o
+proseguimento da viagem até encontrar o mar do Sul era muito arriscado, no
+estado em que os navios se achavam&mdash;e ainda peior a gente que os
+tripulava,&mdash;para resistir aos temporaes que podessem sobrevir, que decerto,
+atrazariam a viagem, correndo o risco de faltarem os mantimentos e todos
+morrerem á fome se escapassem das tormentas.</p>
+
+<p>Não obstante esta opinião, porventura muito sensata, Magalhães deu suas
+razões para continuar a viagem, e a frota seguiu avante, mau grado da maior
+parte da tripulação.</p>
+
+<p>A certa altura Magalhães mandou uma chalupa com gente explorar o estreito
+para o occidente. Não tinham ainda navegado muito, quando, approximando-se da
+Terra do Fogo, observaram que era cortada por grande numero de canaes, que
+separavam a terra formando pequenas ilhas. Seguindo por um d'esses canaes
+chegaram ao extremo de uma ponta de terra para além da qual se descobriu então
+aos olhos d'aquella gente um mar vastissimo, que devia ser, sem duvida, o mar
+do sul que procuravam.</p>
+
+<p>É facil calcular o alvoroto que aquella<span class="pn">{96}</span>
+descoberta produziu nos tripulantes da chalupa; voltaram presurosos a dar a
+nova a Magalhães, tendo gasto tres dias no reconhecimento.</p>
+
+<p>Pigafetta conta que todos choraram de alegria, e em verdade não era para
+menos tão feliz descoberta.</p>
+
+<p>Todos cobraram animo e a frota proseguindo na sua viagem chegou á tal ponta
+de terra, que os navegantes denominaram acertadamente Cabo Desejado.</p>
+
+<p>A caravella <em>Victoria</em> ia na frente e, sahido o estreito, que
+Magalhães denominou de Todos os Santos, em razão do dia em que o tinha
+descoberto, destinguiu uma outra ponta de terra onde a costa se quebrava para
+norte e que donominaram Cabo Victoria, em honra do navio que primeiro o
+dobrava. Para além d'este cabo é que se estendia o grande mar do sul.<span
+class="pn">{97}</span></p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<h1>XV</h1>
+
+<p>Transposto o estreito a que Magalhães chamou de Todos os Santos, como ficou
+dito, mas que um seculo depois era já conhecido por estreito de Magalhães<a
+name="tex2html6" href="#foot400"><sup>[6]</sup></a> e entrada a frota no mar do
+Sul, estava ainda assim bem longe o termo da penosa viagem, pois que não lhe
+faltaram perigos e trabalhos que passar.<span class="pn">{98}</span></p>
+
+<p>Não foram as tempestades que difficultaram a marcha, porque essas felizmente
+não assaltaram os navegantes n'aquelle mar, e tanto que estes lhe chamaram mar
+Pacifico, que ainda hoje conserva; mas a propria miseria em que se viam, faltos
+de saude e de alimentos, sem encontrarem comestiveis nem poderem fazer aguadas
+nas ilhas a que iam aportando, despovoadas e desprovidas das coisas necessarias
+á vida.</p>
+
+<p>D'esta miseria nos dá boa idéa Pigafetta quando descreve, como testemunha
+presencial, as necessidades e apuros em que se viram os navegantes:</p>
+
+<p>«Comiamos bolacha, diz Pigafetta, que estava feita em pó, cheio de
+gorgulhos, que lhe tinham absorvido a substancia alimentar, com um sabor acre
+detestavel da urina de ratos de que estava empregnado. A agua para beber era,
+por egual pôdre e amarga. Para não morrer de fome vimo-nos obrigados a roer o
+coiro que forrava a verga grande e que impedia que a madeira desgastasse os
+cabos; era, porém tão duro o coiro, exposto a agua, ao sol e aos ventos, que
+precisava estar de molho no mar quatro e cinco dias, para ficar um pouco mais
+macio, pondo-o depois ao lume, e assim o comiamos. Muitas vezes vimo-nos na
+necessidade de comermos serradura de madeira; e os ratos, tão repugnantes<span
+class="pn">{99}</span> ao homem, chegavam a ser o alimento mais apetitoso,
+pagando-se até por meio ducado cada um.»</p>
+
+<p>«Mas ainda não era tudo. Maior desgraça nos veio atacar, a de uma
+enfermidade que consistia em nos inchar as gengivas cobrindo completamente os
+dentes de ambas as mandibulas, a ponto de que os atacados d'aquella doença não
+podiam tomar nenhum alimento<a name="tex2html7"
+href="#foot277"><sup>[7]</sup></a>. Além dos mortos, cahiram doentes vinte e
+cinco a trinta marinheiros, com dores nos braços, nas pernas e por outras
+partes do corpo, mas que emfim se curaram.</p>
+
+<p>«Pela minha parte não sei dar bastantes graças a Deus, por durante este
+tempo e entre tantos doentes não ter tido a menor doença.»</p>
+
+<p>Não bastavam, porém, tantas provações aos ousados navegadores, porque,
+quando pensavam encontrar os viveres e refrescos de que tanto careciam, vendo
+aproximarem-se de umas ilhas, em volta das quaes navegava grande quantidade de
+barquinhos tripulados, depararam com bandos de selvagens, que assaltando os
+navios, pretendiam roubar quanto podessem. Foi necessario repellil-os á viva
+força e disparar sobre os barcos tiros de artilheria. Só depois d'esta
+recepção<span class="pn">{100}</span> é que os navegantes poderam entrar com
+elles em commercio, trocando bagatellas que levavam por alguns poucos viveres.
+</p>
+
+<p>Depressa largou a frota d'aquellas ilhas e Magalhães as denominou ilhas dos
+Ladrões, com que ainda são conhecidas, chamando-se-lhe tambem ilhas Mariannas
+em razão das missões que n'ellas estabeleceu a rainha D. Maria Anna de Austria,
+mãe de Carlos II.</p>
+
+<p>D'estas missões trata largamente o padre Gobien na sua <em>Histoire des
+Mariannes</em>, impressa em Paris em 1701.<span class="pn">{101}</span></p>
+
+<div class="rodape">
+<p><a name="foot400" href="#tex2html6"><sup>[6]</sup></a> Alguns escriptores
+tem dito que este nome foi posto pelo proprio Magalhães e ainda Buzeta e Bravo
+assim o dizem no <em>Diccionario Geographico Historico de las Islas
+Filipinas</em>, é, porém, fóra de duvida, que o estreito foi primeiro
+denominado de Todos os Santos, como vem na relação de Pigafetta e no Diario de
+Albo.</p>
+
+<p>Nas cartas geographicas e livros de geographia da segunda metade do seculo
+<small>XVI</small> já o estreito vem indicado com o nome do seu descobridor, e
+apenas consta de um aucto lavrado por Pedro Sarmento de Gamboa, quando
+atravessou o estreito em perseguição do Corsario inglez Drack, elle denominou o
+estreito Mãe de Deus em razão dos grandes perigos que passou para o atravessar,
+e de que felizmente sahiu a salvo, pedindo a Filippe II de Castella que lhe
+conservasse aquelle nome em homenagem á Virgem que tão milagrosamente lhe
+acudira. Apesar d'isto Filippe II conservou ao estreito o nome do teu
+descobridor.</p>
+
+<p><a name="foot277" href="#tex2html7"><sup>[7]</sup></a> Esta doença é o
+escorbuto.</p>
+</div>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<h1>XVI</h1>
+
+<p>Havia mais de tres mezes que Magalhães tinha atravessado o estreito com a
+sua frota e não podera até ali reconhecer as ilhas que encontrara.</p>
+
+<p>Chegou o dia 16 de março de 1521, que era domingo de Lazaro, e com elle o
+descobrimento de um novo archipelago, que Magalhães denominou S. Lazaro, em
+razão do dia em que o descobrira.</p>
+
+<p>A primeira ilha d'este archipelago era a ilha Zamal, assim denominada pelos
+naturaes e que tambem se encontra nos mappas com o nome de Samar, e ainda no
+<em>Diario de Albo</em> com o nome de Suluan e Yunagan, como as primeiras ilhas
+reconhecidas pelos castelhanos.</p>
+
+<p>Foi n'este archipelago que Magalhães desembarcou com parte da sua gente,
+armando<span class="pn">{102}</span> duas tendas para os doentes, e descansando
+alguns dias em terra, da penosa e longa viagem que todos traziam.</p>
+
+<p>A ilha escolhida foi a Humunu a que os navegadores chamaram Aguada dos Bons
+Indios, por terem ali feito aguada e por seus habitantes serem doceis, quasi
+timoratos, pelo menos em presença dos visitantes. Com elles trocaram das
+bagatellas que levavam por viveres de que careciam.</p>
+
+<p>Boa gente eram os indigenas d'esta ilha onde os navegantes poderam descansar
+alguns dias; depois do que proseguiram viagem, avistando a 27 de março outras
+ilhas para O. e S. O. as quaes verificaram serem tambem habitadas.</p>
+
+<p>As novas ilhas denominavam-se Masavá ou Masaguá, Butuan e Calagan,
+comprehendidas no archipelago que Magalhães denominou de S. Lazaro e a que
+depois se chamaram Filippinas em homenagem ao filho de Carlos V<a
+name="tex2html8" href="#foot401"><sup>[8]</sup></a>.</p>
+
+<p>Não foi difficil aos navegantes entrarem em boas relações com os habitantes
+d'estas ilhas, os quaes vieram em barcos ao encontro<span
+class="pn">{103}<br>{104}<br>{105}</span> da frota e falaram com Magalhães por meio de um
+interprete, que os hespanhoes levavam e que falava o malayo.</p>
+
+<p style="text-align: center;"><img width="90%" align="bottom" border="0"
+src="images/ilust2.png" alt="Um balangai das ilhas de S. Lazaro ou Filippinas"><br>
+Um balangai das ilhas de S. Lazaro ou Filippinas</p>
+
+<p>Tão bem se entenderam, que o rei da ilha de Masavá veio a bordo fazer os
+seus comprimentos a Magalhães, trazendo-lhe presentes, que este não quiz
+acceitar, na primeira entrevista, para mostrar que não o movia a cobiça, e
+antes presenteou o rei com mercadorias que levava.</p>
+
+<p>O rei de Masavá mostrou-se muito reconhecido a Magalhães e tanto que,
+pedindo este para com elle trocar viveres por fazendas, o rei lhe mandou arroz
+e do mais que tinha recebendo tecidos de côres, que muito lhe agradaram.</p>
+
+<p>Na visita que o rei fez a bordo, Magalhães mostrou-lhe as armaduras d'aço
+dos seus soldados, que os tornava invulneraveis aos golpes ou aos tiros das
+armas de fogo; fez exposição das armas que levava, mandou disparar a
+artilheria, o que tudo causou espanto ao rei indigena.</p>
+
+<p>Isto deu motivo ao rei de Masavá para se considerar honrado com a amizade
+d'aquelles extrangeiros subditos de um rei christão poderoso, e por isso
+dispensou-lhe toda a boa hospitalidade de que dispunha, n'uma terra
+semi-selvagem.</p>
+
+<p>A convite do rei, foi a terra Pigaffeta e<span class="pn">{106}</span> outro
+companheiro para conhecerem do paiz em que estavam.</p>
+
+<p>Conta Pigaffeta que, quando desembarcou, o rei levantou as mãos ao ceu, e se
+virou para os visitantes que fizeram outro tanto.</p>
+
+<p>Era isto signal de boa paz e de que tinham os extrangeiros como enviados de
+Deus. Depois dirigiram-se para um alpendre feito de cannas, debaixo do qual
+estava um <em>balangai</em>, embarcação de uns cincoenta pés de comprido, e se
+sentaram á poupa com o rei. Ali foi servida carne de porco e vinho e só
+Pigaffeta é que se atrevia a tocar na escodella do rei quando bebia. Os da
+comitiva do rei estavam de pé e armados de lanças e escudos.</p>
+
+<p>Apezar da falta de um interprete da lingua, intenderam-se por signaes e
+assim foi Pigaffeta tomando nota da significação de muitas palavras
+escrevendo-as no seu caderno, admirando-se todos muito de o verem escrever!</p>
+
+<p>Ao fim do dia tornaram a comer carne de porco guisada e arroz, servido em
+grandes pratos de porcellana, beberam mais vinho por escudellas e quando acabou
+esta refeição, foram para o palacio do rei, que era em forma de uma grande meda
+de feno, coberto de folhas de platano, e subiram para os<span
+class="pn">{107}</span> aposentos reaes por uma escada de mão.</p>
+
+<p>Meia hora depois de ali estarem foi servida nova refeição de peixe assado,
+gengibre e vinho. N'essa occasião viu Pigaffeta o filho mais velho do rei que
+veiu sentar-se ao seu lado.</p>
+
+<p>Esta refeição durou mais algum tempo, sendo servido mais peixe e arroz, e o
+companheiro de Pigaffeta bebeu tanto vinho que se embriagou.</p>
+
+<p>Foi um verdadeiro dia de festa depois de tantos mezes de privações.</p>
+
+<p>N'aquella noite Pigaffeta e o seu companheiro dormiram no palacio do rei ao
+lado do principe herdeiro, todos deitados em esteiras de cannas tendo por
+cabeceira almofadas de folhas d'arvores.</p>
+
+<p>Era o mais a que chegavam as commodidades da vida d'aquelle povo, apesar de
+no paiz abundar o ouro, que facilmente se encontrava misturado com a terra, em
+pedaços do tamanho de nozes e de ovos.</p>
+
+<p>No palacio do rei havia jarros e muitos outros objectos fabricados d'aquelle
+metal. O rei trazia brincos de ouro nas orelhas e os copos da sua espada tambem
+eram do precioso metal.</p>
+
+<p>No dia seguinte o rei convidou Pigaffeta e o seu companheiro para almoçarem,
+mas os dois retiraram para bordo, agradecendo<span class="pn">{108}</span> a
+boa hospitalidade, beijando n'essa occasião o rei as mãos dos visitantes ao que
+estes corresponderam beijando as mãos do rei.</p>
+
+<p>Assim entabolaram os navegantes relações com a gente da ilha de Masavá que
+tão bem os recebeu, que a frota ali se demorou até 4 de abril, em que de novo
+se fez ao mar no proseguimento da sua derrota.</p>
+
+<p>Durante o tempo, porem, que ali permaneceu passou o domingo de Paschoa e
+n'esse dia desembarcaram uns cincoenta homens meios armados com o respectivo
+commandante, e um padre para dizer missa em terra, n'um altar que se armou.</p>
+
+<p>Foi grande a admiração d'aquellas gentes quando isto viram e perguntados se
+não professavam nenhuma religião, responderam erguendo as mãos para o ceu, como
+que dando a entender que reconheciam um ente supremo a que chamavam
+<em>Abba</em>.</p>
+
+<p>Assistiram os reis á missa e, ao offertorio beijaram a cruz e adoraram a
+hostia consagrada, imitando tudo que viam fazer aos christãos.</p>
+
+<p>Quando terminou a ceremonia Magalhães apresentou uma cruz grande, diante da
+qual todos se ajoelharam incluindo os indios, e fez entender ao regulo que
+aquella cruz era o estandarte que o rei christão lhe havia confiado para
+implantar em toda a parte que<span class="pn">{109}</span> chegasse; que
+n'aquella terra a ia collocar no sitio mais elevado para que todo o mundo a
+visse e a todos desse signal de ali terem sido bem recebidos pelos naturaes, o
+que faria que outros que aportassem aquella ilha os tratassem bem. Que os seus
+habitantes deviam, todas as manhãs fazer adoração aquella cruz, por que ella
+era o symbolo da redempção.</p>
+
+<p>O rei prometteu a Magalhães fazer o que este lhe dizia e ordenar aos indios
+que assim o observassem.</p>
+
+<p>A docilidade d'aquella boa gente deixou captivados os navegantes e
+fortaleceu-lhes o animo para seguirem na sua empreza civilisadora, não
+concorrendo menos para augmentar a auctoridade moral de Magalhães sobre a sua
+gente.<span class="pn">{110}<br>{111}</span></p>
+
+<div class="rodape">
+<p><a name="foot401" href="#tex2html8"><sup>[8]</sup></a> Alguns escriptores,
+mesmo os hespanhoes tem confundido estas ilhas do archipelago de S. Lazaro com
+as ilhas dos Ladrões, que já citámos.</p>
+
+<p>A obra de Mallot <em>Les Philippines</em>, publicada em Paris em 1846 não
+deixa duvidas a este respeito.</p>
+</div>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<h1>XVII</h1>
+
+<p>É d'aqui em diante que se vai passar a tragedia mais horrivel, que enlutou a
+temeraria empreza de Magalhães.</p>
+
+<p>A 4 de abril de 1521 largou a frota do archipelago de S. Lazaro, depois
+denominado das Filippinas, como já ficou dito, e dirigiu o rumo para a ilha de
+Zebú, que o regulo de Masavá lhe indicara como um dos portos mais importantes e
+mais proximos, para entrar em commercio.</p>
+
+<p>Effectivamente, decorridos tres dias de viagem, avistaram uma ilha, e
+aproximando-se d'ella viram que era muito povoada de casas construidas sobre
+arvores collossaes.</p>
+
+<p>Era a ilha de Zebú.</p>
+
+<p>Magalhães entrou em commercio com o rei d'aquella ilha, não sem alguma
+difficuldade,<span class="pn">{112}</span> pois que o regulo queria que os
+hespanhoes lhe pagassem egual tributo ao que era imposto ás embarcações das
+ilhas visinhas que vinham áquelle porto.</p>
+
+<p>Custou a convencer o rei de que os hespanhoes não lhe pagariam tal tributo
+e, antes pelo contrario o exigiriam para si e lhe fariam guerra, se o rei
+presestisse n'essa imposição.</p>
+
+<p>Trocadas explicações de parte a parte, o rei de Zebú reconheceu a
+inconveniencia e entrou em boa amizade com Magalhães, annuindo a dar privilegio
+aos hespanhoes para estabelecerem commercio na ilha, unica exigencia que faziam
+e direito que se reservavam.</p>
+
+<p>Foram, porem, mais longe as boas relações que entabolaram com aquella gente.
+O rei de Zebú manifestou desejo de ser christão, depois de ouvir as façanhas
+praticadas por portuguezes e hespanhoes, animados da grande força moral que a
+religião do crucificado dava aos que observavam a sua lei.</p>
+
+<p>O baptismo do rei de Zebú celebrou-se com grande aparato, e não só este rei
+mas muitos outros regulos ou senhores d'aquella ilha, rainhas e boa parte da
+população receberam a agua do baptismo.</p>
+
+<p>Não se poderá affirmar que a convicção ou a fé os movesse a tão facilmente
+abraçarem<span class="pn">{113}</span> a religião de Jesus Christo, porque de
+certo o espirito d'aquella gente não poderia estar preparado para comprehender
+toda a sublimidade do christianismo; mas sim os attrahiu a curiosidade e ainda
+mais a idéa de que o baptismo lhes daria mais coragem e valor para vencerem
+seus inimigos nas guerras que traziam com os povos vizinhos.</p>
+
+<p>Sim, isto sobretudo é que os devia ter attrahido.</p>
+
+<p>Viam alli gente christã que os deslumbrava com o seu poder, que elles
+consideravam como sobrenatural, quando a artilharia disparava tiros
+retumbantes, e a mosquetaria fuzilava lume pelo ar; e sem poderem ainda
+apreciar a grande vantagem das armaduras, contra as quaes se embotariam as suas
+agudas settas, pois não haviam entrado em lucta, o fogo das armas lhes bastava
+para os maravilhar, apesar dos christãos só terem dado descargas de polvora
+secca.</p>
+
+<p>Dominados aquelles indigenas pelo prestigio dos christãos, foi relativamente
+facil a Magalhães obter d'elles quanto queria; e assim o rei de Zebú jurou
+solemnemente fidelidade a Carlos V, e com elle todos os senhores da ilha
+submissão ao imperador das Hespanhas.</p>
+
+<p>Não, obstante o reconhecimento da auctoridade de Carlos V e da submissão dos
+habitantes<span class="pn">{114}</span> da ilha de Zebú, o senhor ou rei de
+outra ilha proxima não approvou o procedimento dos seus vizinhos, e por isso,
+quando alli foram os hespanhoes, para entabolar relações, o rei negou-lhes
+obediencia.</p>
+
+<p>Isto deu logar a uma demonstração de força dos hespanhoes, que incendiaram
+uma aldeia da ilha, retirando-se depois nas chalupas.</p>
+
+<p>O regulo que não quizera reconhecer a auctoridade dos extrangeiros,
+chamava-se Silapulapú; mas outro regulo da mesma ilha, chamado Lula, mostrou-se
+mais docil, e tanto, que prometteu a Magalhães o mandar-lhe presentes em troca
+dos que d'elle recebera.</p>
+
+<p>Este Lula, consciente ou inconscientemente, foi a causa da desgraça do
+grande navegador. Elle incitou, por assim dizer, Magalhães a fazer a guerra a
+Silapulapú, e se o fez de boa fé, ou de plano concertado, para dar ruina aos
+christãos, é o que a historia não diz, mas se poderá inferir pelo modo como
+Lula procedeu.</p>
+
+<p>Na manhã de 26 de abril de 1521, enviou Lula um seu filho a Magalhães com
+duas cabras, dizendo-lhe que, se não mandava mais presentes, não era por sua
+culpa, mas porque Silapulapú a isso se havia opposto, persistindo em não
+reconhecer a auctoridade dos hespanhoes. Dizia mais o Lula<span
+class="pn">{115}</span> que, se Magalhães lhe mandasse alguns dos seus homens
+de guerra, elle promettia, com a sua gente, reduzir á obediencia o Silapulapú.
+</p>
+
+<p>Esta simples mensagem de Lula foi para Magalhães como que um repto á sua
+coragem e valentia.</p>
+
+<p>Não se diria nunca que Fernão de Magalhães hesitava um momento quando lhe
+reclamavam o esforço do seu braço, a bravura do seu animo. Elle, soldado
+ousado, que havia ferido guerras em Africa, e que ha tanto tempo conservava a
+espada na bainha, sem ter ensejo de retemperar o aço da sua lamina, rechassando
+o inimigo; elle, a quem a aventura attrahia e povoava a sua imaginação das mais
+seductoras façanhas, encontrava alfim novo ensejo para experimentar se o seu
+braço ainda era o mesmo e se a boa estrella, que tinha guiado sempre as suas
+armas, mais uma vez o conduziria á victoria.</p>
+
+<p>As circunstancias, porém, não se apresentavam muito favoraveis, e d'isso o
+quiz convencer João Serrão, homem experiente, que não se deixava fascinar pela
+gloria, mais que duvidosa, da temeridade d'aquelle feito.</p>
+
+<p>Era preciso attender a que a gente de Magalhães estava consideravelmente
+reduzida: uns, tinha-os a morte levado; outros, as doenças e trabalhos da
+viagem os haviam<span class="pn">{116}</span> impossibilitado. Os válidos eram
+poucos, e esses mesmos meio depauperados.</p>
+
+<p>Tudo isto ponderou Serrão a Magalhães. O rei de Zebú tambem se mostrou
+contrario á resolução do grande capitão, apesar de não poder calcular toda a
+força e valentia de que os christãos poderiam dispôr, na conta em que os tinha
+de homens extraordinarios, por assim dizer, sobrenaturaes. Entretanto sabia que
+o inimigo era assaz numeroso, e pelo sentimento nato de que, contra a força não
+ha resistencia, elle pensava, a despeito de todas as maravilhas creadas no seu
+espirito, quanto era arriscada e talvez fatal para os hespanhoes a lucta que ia
+travar-se.</p>
+
+<p>Magalhães não attendeu as razões nem os conselhos dos seus e do rei de Zebú.
+Costumado a mandar e a ser obedecido, tanto mais depois de ter subjugado os
+proprios elementos para chegar ao termo da sua empresa, nenhumas forças seriam
+capazes de o demover da resolução que tomára, de submetter pelas armas os
+habitantes da ilha de Mactan que se negavam a prestar obediencia.</p>
+
+<p>O numero dos seus soldados pouco lhe importava, como pouco lhe importava se
+o inimigo era assás numeroso. Estava elle com o seu braço e com a sua espada
+costumada á guerra contra infieis. Vencera em Africa<span
+class="pn">{117}</span> muitas vezes contra milhares de indigenas, e de que
+façanhas se poderia orgulhar se assim não fôra!</p>
+
+<p>A sua espada e a sua fé valiam por um exercito; sob o seu commando e ao seu
+lado cada soldado valia por mil. Eram assim as guerras d'aquelle tempo contra
+os povos d'alem mar, como o tinham sido na peninsula contra os mouros; a cruz
+levava de vencida o crescente por toda a parte; porque não havia de triumphar
+tambem alli?!</p>
+
+<p>Para quem com tanta firmeza e sacrificio tinha desvendado os mares
+procellosos, para dar a volta ao mundo, luctando tenazmente pela sua idéa,
+tantas vezes contrariada pelos elementos e pelos homens, que valia agora a
+resistencia de uns selvagens?</p>
+
+<p>Muito maiores obstaculos tinha elle destruido no seu caminho, sobrando-lhe
+sempre animo para proseguir avante, e não podia comprehender que homens como
+aquelles que o acompanhavam na temeraria empresa que se propôs, que com elle
+tinham compartilhado dos perigos para alli chegarem, se arreceassem agora de
+entrar em guerra com um bando de selvagens, e medissem primeiro cautelosamente
+as forças para se lançarem na lucta, quando nem sabiam ao certo o numero dos
+inimigos nem as armas de que elles dispunham.<span class="pn">{118}</span></p>
+
+<p>O rei de Zebú era suspeito para informar da quantidade e qualidade do
+inimigo. Quem podia affirmar o contrario?</p>
+
+<p>O triumpho das armas christãs importaria a submissão completa e
+incondicional de todos aquelles povos, e o grande capitão não só teria coroado
+a sua empresa de encontrar o mar do sul, mas traria á Hespanha tributarios os
+povos d'aquellas regiões, fascinados e submettidos pelo prestigio das suas
+armas.</p>
+
+<p>Era de tentar a cartada! Quem lhe poderia resistir?!<span
+class="pn">{119}</span></p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<h1>XVII</h1>
+
+<p>Passou-se o dia 26 e a noite em aprestos para o ataque.</p>
+
+<p>O grande capitão reuniu todos os homens de guerra, que não excediam a
+sessenta, pelo que diz Diego Arana, armados de couraças e de cascos; o resto
+eram enfermos, incapazes de entrarem em combate. Mandou arrear algumas peças de
+artilharia para as chalupas, escudos sobrecellentes e mosquetes, munições e
+alguns comestiveis, não muitos, pois não os havia para larguezas; mas o que
+faltava ao corpo, abundava no espirito, porque a gente de guerra estava
+desejosa de bater-se, tanto tempo havia decorrido que não experimentava armas.
+</p>
+
+<p>Era natural.<span class="pn">{120}</span></p>
+
+<p>Pela meia noite principiou o embarque nas chalupas.</p>
+
+<p>Havia passado um anno e sete mezes que esses valentes tinham embarcado
+tambem, em S. Lucar de Barrameda, para a famosa expedição, cheios de
+enthusiasmo, a correr aventuras como agora.</p>
+
+<p>Em S. Lucar o sol de agosto aquentava-lhes mais o espirito e inundava de luz
+o mar a que se faziam suas caravelas, levadas como que entre nuvens de fumo dos
+tiros de artilharia, que diziam o ultimo adeus ás terras de Hespanha.</p>
+
+<p>Em Zebú, porem, a partida era differente; o véo da noite envolvia a terra e
+os mares; o sol não saudava aquelles valentes, que então como agora iam jogar a
+vida. Tinham de abafar o seu enthusiasmo no meio do silencio de uma noite
+triste e funebre, em que no céo apenas uma ou outra estrella vagueava sua luz
+tremente, como olhos marejados de lagrimas. Não havia corações amigos a
+saudal-os na despedida, mas gente barbara e extranha que os olhava temerosa e
+desconfiada.</p>
+
+<p>Que differença!</p>
+
+<p>E em silencio se fez o embarque, a que assistiu Fernão de Magalhães,
+embarcando elle na ultima chalupa.</p>
+
+<p>O rei de Zebú, com um dos principes e<span class="pn">{121}</span> outros
+senhores da ilha, seguiram os christãos em balangais, com indios armados de
+piques.</p>
+
+<p>Vento fresco encrespava o mar por onde os barcos iam correndo, ora orçando
+da vaga ora arribando para o vento.</p>
+
+<p>Magalhães, de pé, á pôppa da sua chalupa, vigiava todo o governo e ordenava
+a manobra.</p>
+
+<p>Ia satisfeito; pelo seu espirito não passava sombra de receio da aventura em
+que ia lançar-se. As horas pareciam-lhe mais longas que de costume; a noite não
+tinha fim!</p>
+
+<p>Proximo da madrugada chegavam as chalupas á ilha de Mactan, e o primeiro
+impulso de Magalhães foi o desembarcar immediatamente com os seus homens de
+guerra, mas não era possivel. A maré estava baixa e as ondas quebravam-se com
+violencia contra os cachopos da praia, elevando-se espumantes para o ar.</p>
+
+<p>Qualquer barco que tentasse abordar á terra correria o risco de se
+despedaçar entre os recifes.</p>
+
+<p>Comtudo a impaciencia de Magalhães não lhe soffria delongas e, sem attender
+ao perigo, ordenou a um mouro, que ia nas chalupas, para que da sua parte fosse
+intimar o regulo de Mactan a reconhecer a soberania do rei de Hespanha e
+prestar obediencia ao rei christão de Zebú, pagando os<span
+class="pn">{122}</span> tributos exigidos; de contrario os castigaria pelas
+armas<a name="tex2html9" href="#foot403"><sup>[9]</sup></a>.</p>
+
+<p>Foi-se o mouro com a intimação, e se escapou de mergulhar entre os recifes,
+quasi ia ficando preso na ilha, pois os rebeldes não se intimidaram com as suas
+palavras e antes responderam que: saberiam defender-se e resistir aos
+christãos, pedindo sómente que os não atacassem de noite.<a name="tex2html10"
+href="#foot404"><sup>[10]</sup></a></p>
+
+<p>Assim voltou, a custo, o mouro a participar ao chefe o resultado da sua
+missão.</p>
+
+<p>Como se poderá descrever o desespero e impaciencia de Magalhães ao saber a
+resposta d'aquelles barbaros, que mais incitava os seus brios de guerreiro?
+Queria desembarcar logo com a sua gente e atacar os rebeldes, ainda que de
+noite, e teria cedido ao primeiro impulso se não fôra o rei de Zebú dissuadil-o
+de tal temeridade, fazendo-lhe conhecer a tactica d'aquella gente, que, para se
+defender, se fosse atacada de noite, abriria fojos em volta da ilha, cheios de
+estacas aguçadas como lanças, onde os hespanhoes cahiriam cegamente como em
+armadilha bem disposta para os caçar.</p>
+
+<p>Por isto se conhece a dissimulada astucia<span class="pn">{123}</span>
+d'aquelles barbaros, pedindo para os não atacarem de noite, como se para tal
+não estivessem prevenidos, o que certamente incitaria os castelhanos a realizar
+o ataque, mais seguros do resultado.</p>
+
+<p>Magalhães, acreditando ou não no que lhe observou o rei de Zebú, precaveu-se
+do logro e achou por mais seguro realizar o desembarque de dia para melhor
+medir o campo em que tinha de operar.</p>
+
+<p>Mal a aurora despontou, as chalupas approximaram-se da praia tanto quanto
+permittia a maré, que ainda estava baixa, e Magalhães desembarcou com parte da
+sua gente, dando a agua pela cintura a todos, de modo que não puderam
+transportar a artilharia.</p>
+
+<p>Isto obrigou a que nas chalupas ficassem homens a guardar as peças, além
+d'aquelles que tinham de tomar conta nos barcos, o que reduziu o numero dos
+combatentes que acompanhavam o chefe.</p>
+
+<p>Para mais, Magalhães não acceitou o auxilio de gente que lhe offereceu o rei
+de Zebú, talvez por não lhe merecer grande confiança; e, julgando-se mais
+seguro com os seus cincoenta homens, que tantos desembarcariam, avançou para
+terra resoluto a bater os barbaros.</p>
+
+<p>Ainda bem não tinha disposto a sua gente em acção, quando, por um dos
+flancos,<span class="pn">{124}</span> lhe surde d'entre o matto uma manga de
+indios armados de flechas e escudos. Trava-se logo a lucta, rompendo os
+hespanhoes fogo de mosquetaria, que pouco alcançava o inimigo. Este
+despedia-lhe suas flechas, que se embotavam contra os cascos e couraças dos
+christãos; mas bem não tinha começado o ataque, quando outra manga apparece
+pelo flanco opposto a atacal-os, o que obrigou Magalhães a dividir a sua gente
+em duas columnas, para fazer frente ao inimigo.</p>
+
+<p>Cresce a lucta, redobra o esforço.</p>
+
+<p>As flechas são impotentes contra as couraças, mas a mosquetaria vai
+derribando os indios, ganhando os christãos terreno.</p>
+
+<p>Não se acobardam os barbaros com as perdas soffridas, e disputam a posição
+com inesperado valor. Em alguma cousa se fiam para arrostarem com os christãos.
+Contam com a sua superioridade numerica, que não tarda a ser reforçada, e agora
+apparece pela frente outra manga, tanto ou mais numerosa que as primeiras,
+arrogante e bem armada de varas de madeira endurecidas ao fogo, que ferem como
+laminas de aço.</p>
+
+<p>Magalhães e a sua gente vêem-se cercados por todos os lados. Elle, só á sua
+conta, tem rechassado um bom numero de indios; braço vigoroso, animo decidido,
+não cansa.<span class="pn">{125}</span></p>
+
+<p>Tenta dividir o inimigo; e manda lançar fogo á povoação, para que elle corra
+a dominar o incendio.</p>
+
+<p>Mas esta estrategia não dá resultado, porque os indios mais se exasperam, e
+alguns, correndo sobre os incendiarios, ainda colhem dois a quem logo dão a
+morte.</p>
+
+<p>As numerosas mangas vão crescendo cada vez mais sobre os hespanhoes,
+arremessando-lhe um sem numero de flechas, varas e pedras, que lhes atiram os
+cascos fóra da cabeça.</p>
+
+<p>Alguns, considerando-se perdidos, já fogem para a praia e entram na agua,
+que lhes chega quasi aos hombros, em procura das chalupas, onde se refugiam.
+</p>
+
+<p>Magalhães resiste sempre, acompanhado pelos mais fieis e corajosos, que
+todos se batem com denodo.</p>
+
+<p>Os indios, vendo que as suas flechas resvalam das couraças e caem na areia
+sem causar damno ao inimigo, apontam-n'as mais baixas, procurando ferir as
+pernas dos adversarios. Este expediente dá-lhes resultado, porque os homens de
+Magalhães debandam em maior numero, sentindo-se feridos. Entretanto é ao chefe
+que os indios mais assestam as suas pontarias até que uma flecha lhe acerta
+n'uma perna.</p>
+
+<p>Magalhães não perde um momento a sua<span class="pn">{126}</span> coragem,
+sustenta a lucta e anima os seus a que o egualem.</p>
+
+<p>&mdash;Por Santiago matemos estes miseraveis!</p>
+
+<p>E batia-se para a frente e para os lados, levando com a sua lança a morte
+aos inimigos, que não o poupavam.</p>
+
+<p>Por duas vezes lhe fazem saltar fóra da cabeça o casco com pedradas que lhe
+atiram.</p>
+
+<p>Mas elle não se estonteia nem recua; põe-n'o de novo e continua na tremenda
+lucta.</p>
+
+<p>Agora é uma flecha que se lhe crava na face, mas elle cresce sobre o
+audacioso, embebendo-lhe a lança no corpo! Outra flecha trespassa-lhe o braço
+direito quando elle vai a desembainhar a espada, que fica na bainha. Solta
+então um rugido de dôr e de desespero, porque se vê desarmado.</p>
+
+<p>Grita pelos seus, mas inutilmente, porque uns jazem por terra e outros
+teem-se precipitado para as chalupas.</p>
+
+<p>Sente-se abandonado no meio do inimigo. Um esforço supremo para se
+desaffrontar. Sobra-lhe na alma coragem para bater-se até a morte, mas
+fallece-lhe no corpo força para reagir.</p>
+
+<p>Os indios percebem que o valente capitão já os não póde ferir, e lançam-se
+sobre elle como chacaes.<span class="pn">{127}</span></p>
+
+<p>Deitam-n'o por terra, e elle ainda se ergue uma e mais vezes com esforço
+heroico, a clamar pela sua gente; mas ninguem o ouve nem lhe póde acudir.</p>
+
+<p>Nem um d'entre elles, diz Pigafetta, havia que não estivesse ferido e
+pudesse soccorrer ou vingar o seu chefe. Precipitaram-se para as chalupas, que
+estavam prestes a partir, e deveram a sua salvação á morte de Magalhães,
+porque, quando elle succumbiu, os indios correram todos para o logar onde elle
+tinha cahido.</p>
+
+<p>Fernão de Magalhães poderia então, como o infante D. Pedro, em Alfarrobeira,
+soltar aquella phrase memoravel:</p>
+
+<p>&mdash;Vingar ahi villanagem!</p>
+
+<p>Não havia já resistencia possivel.</p>
+
+<p>Os indios cahiram em massa sobre o desventurado capitão; crivaram-n'o de
+flechas, lançaram sobre elle pedras para o acabarem de matar, e só quando
+estavam bem seguros de que elle já não tinha alento de vida, é que deixaram a
+presa!<span class="pn">{128}<br>{129}</span></p>
+
+<div class="rodape">
+<p><a name="foot403" href="#tex2html9"><sup>[9]</sup></a> Diego Arana, <em>Vida
+e Viagens de Fernão de Magalhães</em>.</p>
+
+<p><a name="foot404" href="#tex2html10"><sup>[10]</sup></a> <em>Idem.</em></p>
+</div>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<h1>XVIII</h1>
+
+<p>Morreu o grande capitão ás mãos dos selvagens de Mactan, n'uma lucta tão
+heroica quanto ingloria, para quem se tinha proposto a tão grande empresa e a
+levara a cabo através de todas as difficuldades e perigos.</p>
+
+<p>Fernão de Magalhães, costumado a vencer até os proprios elementos, levou-se
+de enthusiasmo e não mediu o perigo de assim se expôr á morte que lhe traria
+ruina para elle e para a sua gente, que sem o chefe e desprestigiada, bem
+poderia ser victima d'aquelles selvagens, e perder o fructo de tantos
+sacrificios, ficando ignorado do velho mundo o resultado da aventurosa viagem,
+se nenhum dos ousados mareantes lograsse voltar á Europa, como quasi ia
+succedendo.</p>
+
+<p>A morte do heroe teve effeitos desastrosos para toda a expedição, que desde
+aquelle<span class="pn">{130}</span> momento perdeu o prestigio que a fazia
+respeitar e temer no espirito dos habitantes das ilhas.</p>
+
+<p>O rei de Zebú, que tão docil se mostrara, chegando a fazer-se christão e a
+alliar-se com estes contra os selvagens de Mactan, depressa mudou de idéas e
+concertou com os seus para dar morte aos castelhanos traiçoeiramente.</p>
+
+<p>Cinco dias depois do triste acontecimento que acabamos de narrar, a 1 de
+maio de 1521, nova desgraça viera ferir os castelhanos. Moveu-a a intriga e o
+despeito de um escravo de Magalhães, que era o lingua da expedição, pelo que
+refere Pigafetta e conforme o que Sebastião de Elcano declarou no inquerito
+que, em 1522, se levantou sobre a viagem de Magalhães e tragico fim do valoroso
+capitão.</p>
+
+<p>Aquelle escravo tinha seus aggravos de Duarte Barbosa que, com Serrão,
+tomara o commando da frota, e para vingar-se persuadiu o rei de Zebú de que os
+christãos o queriam trazer captivo para a Europa. Esta falsa denuncia foi como
+que o fogo lançado ao rastilho, pois de mais estava já o rei de Zebú incitado
+pelos regulos de Mactan, que o ameaçavam de morte e destruir-lhe os seus
+dominios se elle não desse cabo dos castelhanos.<span class="pn">{131}</span>
+</p>
+
+<p>Faltando-lhe, porém, a coragem para se defrontar com os europeus em lucta
+leal, o rei de Zebú recorreu á traição. Continuou a mostrar-se muito amigo dos
+castelhanos e fiel subdito do rei de Castella, ao qual queria mandar um valioso
+presente. Para fazer entrega d'esse presente convidou os commandantes Barbosa e
+Serrão a jantarem com elle em terra e que trouxessem os immediatos e mais
+pessoas da frota que entendessem, com o que lhe dariam grande honra.</p>
+
+<p>Duarte Barbosa, João Serrão e mais vinte e sete homens, entre os quaes se
+encontravam Luiz Affonso de Goes, portuguez arvorado commandante da caravella
+<em>Victoria</em>, depois da morte de Magalhães, o piloto André de San Martin,
+Sancho de Heredia e Leão da Espeleta, escrivães da frota, e o capellão Pedro da
+Valderrama.<a name="tex2html11" href="#foot405"><sup>[11]</sup></a></p>
+
+<p>Foi isto na manhã do citado dia 1.º de maio. O rei de Zebú com alguma gente
+de seu sequito aguardava na praia a chegada dos convidados e, logo que estes
+desembarcaram, encaminharam-se todos para um palmar, á sombra do qual estava
+preparada a refeição.</p>
+
+<p>O logar não podia ser mais ameno para resguardar dos raios ardentes do sol,
+que a<span class="pn">{132}</span> custo penetravam aqui e acolá por entre as
+fisgas das largas folhas das palmeiras que formavam abobada sobre o recinto do
+festim, vindo reflectir nos vasos de ouro e nas porcellanas dispostas sobre a
+esteira que fazia de mesa, como era uso.</p>
+
+<p>O rei apparentava toda a docilidade e gentileza de que podia dispôr, e com
+elle a sua côrte se mostrava em extremo submissa aos christãos, de modo que
+nada fazia suspeitar da traição que tinham armado; só João Serrão desconfiava
+de alguma cilada, mas pouco valeu a sua desconfiança, porque Duarte Barbosa,
+nada receando, instou com elle para que o acompanhasse, e Serrão accedeu para
+não ser tido por timorato ou cobarde.</p>
+
+<p>Em volta da esteira todos se sentaram e principiaram a servir-se do que
+havia, comendo e bebendo em boa convivencia; mas cedo reconheceram o engano,
+porque um bando de indigenas armados, que surdiu de emboscada, lançou-se
+traiçoeiramente sobre os castelhanos e logo se armou alli uma lucta braço a
+braço, cada vez mais terrivel, sendo os indigenas em tão grande numero que
+impossivel era submettel-os.</p>
+
+<p>Os castelhanos foram todos assassinados e só João Serrão escapou n'aquelle
+momento á furia dos selvagens por um certo prestigio que tinha sobre
+elles.<span class="pn">{133}</span></p>
+
+<p>De pouco isso lhe valeu! Dois tripulantes, mais felizes que seus
+companheiros, que em terra pereceram na lucta desegual, haviam-se afastado ao
+desembarque, suspeitando de alguma cilada, e assim que conheceram a traição,
+foram-se para bordo a dar parte ao piloto portuguez João Carvalho do que
+occorrera em terra. Carvalho immediatamente mandou approximar os navios da
+terra e rompeu fogo de artilharia contra a ilha.</p>
+
+<p>Os indigenas, sentindo os tiros, apoderam-se de João Serrão depois de
+encarniçada lucta, em que este ficou mal ferido, e atando-o de pés e mãos,
+conduziram-n'o á praia ás vistas dos seus companheiros que dos navios
+continuavam a fazer fogo sobre a ilha.</p>
+
+<p>Serrão vê-se perdido e grita e clama para os seus que cessem fogo e tragam
+presentes áquella gente para o resgatar. A confusão, porém, é enorme; João
+Carvalho não póde dar ouvidos a taes clamores, e receia nova traição dos
+indigenas, para se apoderarem do resto da sua gente e dos mal defendidos
+navios.</p>
+
+<p>Para que se não perca tudo ingloriamente, só resta abandonar aquellas ilhas
+e fazer-se ao mar, para voltar a Hespanha como pudesse, e, emquanto João Serrão
+ficava na praia gritando para que o salvassem, porque o matariam assim que os
+navios largassem suas<span class="pn">{134}</span> velas, João Carvalho foi
+ordenando as manobras e aproando ao mar as caravellas.</p>
+
+<p>Serrão, a quem os indigenas, no primeiro impeto, haviam poupado a vida,
+soffreu as torturas de morrer inanime ás mãos d'aquelles selvagens, vendo
+fugir-lhe a unica esperança de salvação, que por momentos o animara, com a
+partida da frota.<a name="tex2html12" href="#foot406"><sup>[12]</sup></a></p>
+
+<p>Triste e vergonhosa retirada aquella para gente que a tanto se afoitara; mas
+é evidente que já faltava alli o espirito do grande capitão portuguez que a
+animara e conduzira, por vontade ou por força, a dar a volta dos mares,
+realizando a primeira viagem de circumnavegação.<span class="pn">{135}</span>
+</p>
+
+<p>Em Mactan deixaram Magalhães morto, que nem seu cadaver puderam arrancar do
+poder dos indigenas, e assim perderam a alma d'aquella empresa que assombrou o
+mundo; em Zebú ficavam Duarte Barbosa e João Serrão com seus companheiros
+victimas de uma traição.</p>
+
+<p>De melhor sorte eram dignos aquelles bravos, que nem tiveram quem alli os
+vingasse.<span class="pn">{136}<br>{137}</span></p>
+
+<div class="rodape">
+<p><a name="foot405" href="#tex2html11"><sup>[11]</sup></a> Diego Arana,
+<em>Vida e viagens de Fernão de Magalhães</em>.</p>
+
+<p><a name="foot406" href="#tex2html12"><sup>[12]</sup></a> Pigafetta, liv.
+<small>II</small>&mdash;Herrera, dec. <small>III</small>, liv. <small>I</small>, cap.
+<small>X</small>.</p>
+
+<p>Sobre este ponto encontro uma discordancia em Gaspar Correia quando este se
+refere á morte de Fernão de Magalhães, no tomo <small>II</small> das <em>Lendas
+da India</em>.</p>
+
+<p>Segundo o phantasioso chronista, Fernão de Magalhães não morreu ás mãos dos
+indigenas da ilha de Mactan, mas sim no banquete do rei de Zebú, tendo ficado
+vencedor em Mactan, o que discorda completamente de todos os chronistas que
+referem esta viagem e das declarações feitas por Sebastião de Elcano e seus
+companheiros, no processo instaurado em Sevilha no anno de 1522.</p>
+
+<p>Gaspar Correia, na sua linguagem barbaresca, que modificaremos para melhor
+ser entendida hoje, diz, referindo-se ao combate com os indigenas de Mactan: «O
+rei corrido, vendo-se assim destroçado, concertou traição com o rei christão e
+fez com elle ajuste de casar com sua filha e com juras que, morrendo elle, que
+era velho, tudo lhe deixava e viveriam sempre amigos, porque os castelhanos se
+iriam embora, e se não acceitasse isto e lhe não desse modo de matar os
+castelhanos, lhe faria guerra. O que o rei christão, como homem brutal,
+consentiu na traição e preparou grande festa e banquete pelo vencimento, e
+convidou Magalhães, que foi ao banquete com trinta homens os mais honrados e
+bem vestidos, onde estando todos no banquete folgando, entraram os inimigos
+armados e mataram a Magalhães e os castelhanos, não escapando nenhum e o Serrão
+o despiram e arrastaram á praia onde o justiçaram e mataram arrastado.»</p>
+</div>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<h1>XIX</h1>
+
+<p>Foram mais previdentes que humanos os mareantes, que se fizeram á vela sem
+empregar alguns meios de salvar o Serrão e vingar a morte de seus companheiros.
+Mas nem por isso foram mais felizes no proseguimento de sua viagem, que a
+fortuna raro corôa acção ruim.</p>
+
+<p>Chegados á ilha de Bohol, agora uma das Filippinas, reconheceram quanto era
+reduzido o pessoal para as manobras das tres embarcações que restavam da
+flotilha de Magalhães. Apenas havia 115 homens, e por isso João Carvalho, que
+ia commandando agora a frota, determinou que se lançasse fogo á caravella
+<em>Conceição</em>, por ser a mais arruinada, e a tripulação d'esta fosse
+distribuida pela <em>Victoria</em> e <em>Trindade</em>.</p>
+
+<p>Assim aportaram a mais algumas ilhas do<span class="pn">{138}</span>
+archipelago e em todas tractaram e fizeram commercio com os naturaes.</p>
+
+<p>Na ilha de Borneo, porém, onde aportaram a 8 de julho, iam ficando captivos,
+ou mortos se, suspeitando da traição que os naturaes lhe preparavam, não
+largassem immediatamente para o mar, vendo que se dirigia para os navios grande
+numero de pirogas e juncos cheios de gente armada.</p>
+
+<p>Foi preciso fazer fogo de artilharia sobre aquelles barcos, com o que
+destruiram a muitos chegando a aprisionar 16 homens e treze mulheres.</p>
+
+<p>Entre os prisioneiros contaram o filho do rei da ilha de Luzon, o que
+seguramente era boa presa, para com ella João Carvalho resgatar um filho seu e
+mais dois castelhanos que haviam ficado em terra, quando as caravellas tiveram
+que se fazer ao largo. Mas não o entendeu assim o Carvalho, preferindo receber
+ouro pelo resgate, o que valeu o mesmo que sacrificar o filho e os dois
+companheiros, porque os insulanos não lhe entregaram os captivos a despeito de
+todas as diligencias que elle fez para esse fim.</p>
+
+<p>Era, por desgraça, o justo premio do que praticára em Zebú.</p>
+
+<p>D'esta torpeza cedo teve que se arrepender o Carvalho, que certamente não
+seria com acções d'este jaez que elle, havia de<span class="pn">{139}</span>
+conservar e até augmentar seu prestigio entre os demais.</p>
+
+<p>D'ahi lhe resultou seguramente o ser deposto por seus companheiros que,
+reunidos, resolveram dar o commando da <em>Trindade</em> a Gonçalo Gomez de
+Espinosa, e o da <em>Victoria</em> a João Sebastião de Elcano, fidalgo
+biscainho, que até ahi se conservara na sombra.</p>
+
+<p>Foram estes dois capitães que conseguiram levar seus navios até as Molucas,
+não sem grandes difficuldades, pois não tinham a latitude certa em que
+demoravam. Valeram-se para isso de pilotos que aprisionaram, em embarcações que
+iam encontrando por aquelles mares, e d'este modo lograram seu intento com
+grande alegria e proveito, segundo refere Pigafetta.</p>
+
+<p>Foi a 8 de novembro que a <em>Victoria</em> e a <em>Trindade</em> fundearam
+no porto da ilha de Tidore. Haviam chegado, emfim, ás terras das especiarias,
+sonho dourado d'aquelles tempos e que déra causa áquella viagem aventurosa.</p>
+
+<p>Os portuguezes já por alli tinham andado e disposto os naturaes para o
+tracto com os europeus, e por isso os hespanhoes encontraram melhor
+acolhimento, facilitando o seu commercio, em que trocaram tecidos por cannella,
+noz-moscada, pimenta e cravo.<span class="pn">{140}</span></p>
+
+<p>Os capitães celebraram tractados de commercio e vassallagem com os regulos
+e, apressando o regresso, para trazerem tão boas novas a Carlos V e á patria,
+dispuseram-se a partir em meio de dezembro.</p>
+
+<p>Só porém a caravella <em>Victoria</em> pôde largar da ilha de Tidore, a 21
+de dezembro, ficando a <em>Trindade</em> de querena, pois precisava de grande
+concerto nas obras vivas.</p>
+
+<p>A <em>Victoria</em> veiu tocando em mais algumas ilhas, provendo-se de
+sandalo e de cannella, seguindo a rota que os portuguezes faziam nas suas
+viagens para a India, segundo diz Pigafetta.</p>
+
+<p>Trazia 60 homens de tripulação, entre estes treze naturaes da ilha; mas os
+trabalhos, as doenças e as insubordinações vieram dizimando esta gente,
+morrendo uns e tendo que se executarem outros por seus delictos graves.</p>
+
+<p>Quando a <em>Victoria</em> aportou á ilha de Sant'Iago de Cabo Verde, a 9 de
+junho de 1522, obrigada pela fome, que já victimara alguns homens de sua
+tripulação, estava cada vez mais reduzida.</p>
+
+<p>Em Sant'Iago não foram mais felizes, porque os portuguezes, ciosos de que
+extranhos andassem em exploração de mares e terras que a elles só competia,
+quizeram apresar o navio castelhano e a gente que<span class="pn">{141}</span>
+n'elle vinha, logo que souberam, por denuncia de um tripulante, da viagem que
+vinham fazendo.</p>
+
+<p>A <em>Victoria</em> teve, por isso, de largar precipitadamente, não sem lhe
+ficarem em terra doze homens prisioneiros dos portuguezes.</p>
+
+<p>Finalmente a 6 de setembro de 1522 chegava á bahia de S. Lucar de Barrameda
+a <em>Victoria</em>, commandada pelo afortunado Sebastião de Elcano e com
+dezoito homens dos 265 que tres annos antes haviam partido na expedição.</p>
+
+<p>Dia de jubilo para alguns e de tristeza para muitos foi o da chegada da
+<em>Victoria</em> a S. Lucar de Barrameda. Os que se regosijavam por ver chegar
+os que lhe pertenciam, mal acalmavam os lamentos das viuvas, das mães ou das
+irmãs, que debalde procuravam entre os recemchegados, os maridos, os filhos ou
+os irmãos.</p>
+
+<p>Eram tão poucos os que voltavam e tantos os que haviam partido!</p>
+
+<p>Que de sacrificios não custara aquella viagem; que de vidas immoladas á
+civilização, desde a do chefe da frota até a do mais obscuro marinheiro!</p>
+
+<p>Entretanto a noticia do regresso espalhava-se por toda a Hespanha, levando a
+admiração e o espanto á gente por aquelles ousados navegadores.<span
+class="pn">{142}</span></p>
+
+<p>Carlos V, que chegara da Allemanha, ao saber a boa nova escrevia a Sebastião
+de Elcano, ordenando-lhe que fosse á sua presença a contar-lhe da viagem: «E
+quero, dizia, que me informeis mui particularmente da viagem que haveis feito,
+e do que n'ella succedeu, e vos mando que, logo que esta vejais, tomeis duas
+pessoas das que comvosco vieram, das mais cordatas e de melhor razão, e vos
+partais com ellas para onde eu estiver, que por este correio escrevo aos
+officiaes da Casa de Contractação das Indias, que vos vistam e vos assistam com
+todo o necessario a vós e ás dictas duas pessoas».<a name="tex2html13"
+href="#foot407"><sup>[13]</sup></a></p>
+
+<p>Sebastião de Elcano apressou-se a ir á presença de Carlos V, que estava em
+Sevilha, fazendo-se acompanhar de Pigafetta, o qual apresentou ao imperador um
+livro manuscripto, relatando dia a dia a viagem de circumnavegação.</p>
+
+<p>Carlos V ficou maravilhado e encheu de honras e pensões Sebastião de Elcano,
+mais afortunado que Fernão de Magalhães a quem essas honras e pensões deviam
+pertencer. Ao piloto hespanhol concedeu Carlos V a pensão annual de 500 ducados
+de ouro, auctorização para se acompanhar sempre<span class="pn">{143}</span> de
+dois homens armados, e um brasão de armas quartelado, representando scenas da
+viagem, e tendo por timbre um globo com a inscripção: <em>Primus circumdidiste
+me.</em></p>
+
+<p>Eram o brasão e timbre que deviam pertencer a Fernão de Magalhães, que tão
+infeliz foi que nem sequer o pôde legar a seus descendentes, como era seu
+desejo.</p>
+
+<p>O filho e esposa de Magalhães pouco sobreviveram ao grande capitão, pois que
+o primeiro morreu em 1521 e a segunda um anno depois; e o mesmo succedeu a
+Diogo Barbosa, seu sogro, e mais parentes, que poucos annos se lograram,
+desapparecendo assim no tumulo os poucos herdeiros do grande navegador.</p>
+
+<p>A fortuna vária não deixou pois a Magalhães gosar os fructos da sua gloriosa
+empresa; outro colheu os louros e os brasões de tal feito; mas não é o nome
+d'este afortunado que a historia commemora; não é a Sebastião de Elcano que a
+sciencia venera e agradece os beneficios que lhe legou, e sim a Fernão de
+Magalhães, porque foi elle que lidou para obter os navios em que devia fazer a
+travessia dos mares, e com que custo o conseguiu elle! foi Magalhães que
+dirigiu os mareantes e os reduziu á obediencia tantas vezes quantas contra elle
+tentaram revoltar-se; foi elle que affrontou a resistencia dos<span
+class="pn">{144}</span> homens e a furia dos elementos; que, zombou das
+tempestades e jogou a vida quando, todos e tudo conspirava contra ella, e levou
+avante a sua idéa, incutindo animo quando todos desfalleciam, e assim chegou ao
+fim, circumnavegando os mares, passando de um mar ao outro, sem outro guia que
+os seus proprios calculos, deixando ao mundo aberta a passagem para o mar do
+sul, passagem que nenhum navegador antes d'elle lograra encontrar.</p>
+
+<p>É de Fernão de Magalhães a gloria; foi este portuguez que deixou o nome seu
+memorado nos mares do novo mundo, como nas cartas geographicas está gravado; e
+não bastando isto, o nome do grande portuguez elevou-se ao espaço infinito e
+com elle marcou nos ares duas bellas nebulosas que são conhecidas por nuvens de
+Magalhães.</p>
+
+<p>Duradoura gloria esta que viverá tanto como o mundo. Nos mares e nos céos o
+nome de Fernão de Magalhães!</p>
+
+<p>Diz John Herschel, em uma carta datada do Cabo da Boa Esperança, em 13 de
+junho de 1836:<a name="tex2html14" href="#foot408"><sup>[14]</sup></a> «As
+nuvens de Magalhães, <em>nubecula major</em> e <em>nubecula minor</em>, são
+muito notaveis. A maior compõe-se de acervos estellares irregularmente
+dispostos, de outros<span class="pn">{145}</span> acervos esphericos e de
+estrellas nebulosas entremeadas de nebulosas irreductiveis. Estas ultimas
+parecem formadas por uma poeira estellar. O proprio telescopio de 20 pés não
+tem bastante poder para as revelar estrellas.</p>
+
+<p>«Aquellas nebulosas produzem uma claridade geral que illumina o espaço da
+visão e estabelece um fundo esplendoroso em que se distingue tudo que n'elle
+está disseminado. Nenhuma outra região celeste junta tantas nebulosas e acervos
+estellares em egual espaço.</p>
+
+<p>«A <em>nubecula minor</em> é menos formosa; offerece numero maior de
+nebulosidades irreductiveis, e os acervos estellares que se vêem são mais
+escassos e menos brilhantes.»</p>
+
+<p>A. de Humboldt, falando d'estas nuvens, diz:<a name="tex2html15"
+href="#foot369"><sup>[15]</sup></a> «das duas nuvens de Magalhães que giram em
+volta do polo austral, d'este polo tão despovoado de estrellas que podia
+chamar-se uma região devastada, a maior, principalmente, parece, conforme
+investigações modernas, uma quantiosa accumulação de acervos esphericos de
+estrellas de maior ou menor grandeza e de nebulosidades irreductiveis. O
+aspecto d'estas nuvens, a esplendorosa constellação do navio Argos, a via
+lactea que se vai dilatando entre o Escorpião, o<span class="pn">{146}</span>
+Centauro, e o Cruzeiro tambem, não tenho duvida em dizel-o, o aspecto
+pittoresco de todo o céo austral produziu em minha alma uma inolvidavel
+impressão.»</p>
+
+<p>André Corsali fala da existencia d'estas nuvens, na sua <em>Viagem a
+Cochim</em>, e Pedro Martyr de Anghiera tambem, no seu livro <em>De Rebus
+Oceanicis et Orbe Novo</em>; o illustre secretario de D. Fernando de Aragão,
+attribuindo aos portuguezes o descobrimento d'estas nuvens, diz: Assecuti sunt
+portucalenses alterius poli gradum quinquagesimum amplius ubi punctum
+circumeuntes <em>quas dam nubeculas</em> licet intueri veluti in lactea via
+sparsos fulgores per universi c½li globum intra spatii latitudinem.<a
+name="tex2html16" href="#foot409"><sup>[16]</sup></a></p>
+
+<p>Ao nome de nuvens do cabo, por que as conheceram os pilotos portuguezes
+primeiro que os hollandezes e dinamarquezes, prevaleceu o nome de Magalhães,
+com que a sciencia as designou, e n'isto vai honra á memoria do arrojado
+navegador portuguez que, não tendo a fortuna de receber em vida o premio do
+extraordinario descobrimento, teve a invejavel gloria de deixar o seu nome
+gravado nos mares e nos céos, como os deuses da Mythologia.<span
+class="pn">{147}</span></p>
+
+<p>D'estes conta a fabula, mas d'aquelle fala a historia humana.</p>
+
+<p>É bom recordar estas glorias que, sendo de um homem, são da humanidade em
+geral e d'este velho e glorioso paiz em especial, porque Fernão de Magalhães
+era portuguez.<span class="pn">{148}</span></p>
+
+<div class="rodape">
+<p><a name="foot407" href="#tex2html13"><sup>[13]</sup></a> <em>Collecion de
+documentos inéditos para la historia de España</em>, tom. I, p. 247.</p>
+
+<p><a name="foot408" href="#tex2html14"><sup>[14]</sup></a> <em>Cosmos</em> T.
+I pag. 451.</p>
+
+<p><a name="foot369" href="#tex2html15"><sup>[15]</sup></a> Obra citada.</p>
+
+<p><a name="foot409" href="#tex2html16"><sup>[16]</sup></a> <em>Oceanica.</em>
+Dec. III lib. I, pag. 217, por Pedro Martyr de Anghiera.</p>
+</div>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+<h2>ERRATAS MAIS IMPORTANTES</h2>
+
+<table border="0" align="center" summary="Errata">
+<tr>
+ <td>Pag.</td>
+ <td>9</td>
+ <td>linha</td>
+ <td>1.ª</td>
+ <td>leia-se</td>
+ <td>circumdidiste</td></tr>
+<tr>
+ <td>»</td>
+ <td>»</td>
+ <td>»</td>
+ <td>2.ª</td>
+ <td>»</td>
+ <td>circumdou</td></tr>
+<tr>
+ <td>»</td>
+ <td>11</td>
+ <td>»</td>
+ <td>11.ª</td>
+ <td>»</td>
+ <td>dramaturgo</td></tr>
+<tr>
+ <td>»</td>
+ <td>12</td>
+ <td>»</td>
+ <td>5.ª</td>
+ <td>»</td>
+ <td>serão proprios</td></tr>
+<tr>
+ <td>»</td>
+ <td>20</td>
+ <td>»</td>
+ <td>5.ª</td>
+ <td>»</td>
+ <td>espiritos, adivinhando o que outros não comprehendem, são sempre o alvo da inveja dos maus a espicaçar</td></tr>
+<tr>
+ <td>»</td>
+ <td>34</td>
+ <td>»</td>
+ <td>10.ª</td>
+ <td>»</td>
+ <td>persistencia</td></tr>
+<tr>
+ <td>»</td>
+ <td>35</td>
+ <td>»</td>
+ <td>3.ª</td>
+ <td>»</td>
+ <td>permittido</td></tr>
+<tr>
+ <td>»</td>
+ <td>46</td>
+ <td>»</td>
+ <td>5.ª</td>
+ <td>»</td>
+ <td>Martinho de Bohemia</td></tr>
+<tr>
+ <td>»</td>
+ <td>51</td>
+ <td>»</td>
+ <td>25.ª</td>
+ <td>»</td>
+ <td>impellidas</td></tr>
+<tr>
+ <td>»</td>
+ <td>55</td>
+ <td>»</td>
+ <td>19.ª</td>
+ <td>»</td>
+ <td>acariciado</td></tr>
+<tr>
+ <td>»</td>
+ <td>59</td>
+ <td>»</td>
+ <td>6.ª</td>
+ <td>»</td>
+ <td>pestanejou</td></tr>
+<tr>
+ <td>»</td>
+ <td>»</td>
+ <td>»</td>
+ <td>15.ª</td>
+ <td>»</td>
+ <td>permittir</td></tr>
+<tr>
+ <td>»</td>
+ <td>61</td>
+ <td>»</td>
+ <td>9.ª</td>
+ <td>»</td>
+ <td>descoraçoados</td></tr>
+<tr>
+ <td>»</td>
+ <td>68</td>
+ <td>»</td>
+ <td>4.ª</td>
+ <td>»</td>
+ <td><em>Santiago</em></td></tr>
+<tr>
+ <td>»</td>
+ <td>69</td>
+ <td>»</td>
+ <td>3.ª</td>
+ <td>»</td>
+ <td>surprehendeu</td></tr>
+<tr>
+ <td>»</td>
+ <td>»</td>
+ <td>»</td>
+ <td>27.ª</td>
+ <td>»</td>
+ <td><em>Santiago</em></td></tr>
+<tr>
+ <td>»</td>
+ <td>71</td>
+ <td>»</td>
+ <td>5.ª</td>
+ <td>»</td>
+ <td><em>Santiago</em></td></tr>
+<tr>
+ <td>»</td>
+ <td>73</td>
+ <td>»</td>
+ <td>13.ª</td>
+ <td>»</td>
+ <td>descoraçoados</td></tr>
+<tr>
+ <td>»</td>
+ <td>80</td>
+ <td>»</td>
+ <td>9.ª</td>
+ <td>»</td>
+ <td>oppusesse</td></tr>
+<tr>
+ <td>»</td>
+ <td>81</td>
+ <td>»</td>
+ <td>19.ª</td>
+ <td>»</td>
+ <td>superstição invadia</td></tr>
+<tr>
+ <td>»</td>
+ <td>82</td>
+ <td>»</td>
+ <td>15.ª</td>
+ <td>»</td>
+ <td><em>Santiago</em></td></tr>
+<tr>
+ <td>»</td>
+ <td>»</td>
+ <td>»</td>
+ <td>19.ª</td>
+ <td>»</td>
+ <td>em imminente perigo</td></tr>
+<tr>
+ <td>»</td>
+ <td>»</td>
+ <td>»</td>
+ <td>29.ª</td>
+ <td>»</td>
+ <td><em>Santiago</em></td></tr>
+<tr>
+ <td>»</td>
+ <td>89</td>
+ <td>»</td>
+ <td>16.ª</td>
+ <td>»</td>
+ <td>aquelles cetaceos</td></tr>
+<tr>
+ <td>»</td>
+ <td>102</td>
+ <td>nota </td>
+ <td></td>
+ <td>»</td>
+ <td><em>Les Philippines</em></td></tr>
+<tr>
+ <td>»</td>
+ <td>108</td>
+ <td>linha</td>
+ <td>11.ª</td>
+ <td>»</td>
+ <td>desembarcaram</td></tr>
+</table>
+
+<p><span class="pn">{149}<br>{150}</span></p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p style="text-align: center; font-size: 1.2em;">EMPREZA DO OCCIDENTE</p>
+
+<p style="text-align: center; font-size: 0.8em;">DE</p>
+
+<p style="text-align: center;">CAETANO ALBERTO</p>
+<p style="text-align: center;">&mdash;&mdash;</p>
+
+<p style="text-align: center; font-size: 1.2em;">CATALOGO DE ALGUMAS OBRAS Á VENDA</p>
+
+<p style="text-align: center; font-size: 1.5em;">O OCCIDENTE</p>
+
+<p style="text-align: center; font-size: 0.8em;"><em>Revista Illustrada de Portugal e do Extrangeiro</em></p>
+
+<p>Publicação tri-mensal&mdash;Assignatura permanente. Preço para Portugal, anno
+3$800, semestre 1$900, trimestre 950, numero avulso ou á entrega 120 réis.
+Colonias portuguezas d'Africa, anno 4$000, semestre 2$000. Extrangeiro, anno
+5$000, semestre 2$500 réis. Está no 21.º anno de publicação. Vendem-se
+collecções e volumes isolados. Preços dos 3 primeiros volumes, cada um 3$000
+brochado, e 4$000 encadernado. Os volumes seguintes ou desde 1881 até ao
+presente: cada um 4$000 brochado, 5$000 encadernado.</p>
+
+<p style="text-align: center; font-size: 1.2em;">A campanha d'Africa contada por um sargento</p>
+
+<p>Illustrada com 40 gravuras, retratos dos heroes da campanha, vistas e
+combates 1 vol. 300 réis&mdash;pelo correio 320. Encadernado em percaline 500 reis.
+</p>
+
+<p style="text-align: center; font-size: 1.2em;">AVENTURAS DE UMA NOVIÇA</p>
+
+<p>Versão de Esteves Pereira, illustrado com o retrato da Heroina. 1 vol. 200
+réis.</p>
+
+<p style="text-align: center; font-size: 1.2em;">LIVROS PARA RIR</p>
+
+<p><em>Sapatos de Defuncto</em>, por Leite Bastos, illustrações de Manuel de
+Macedo e Caetano Alberto, 1 vol. edição de luxo 600 réis.</p>
+
+<p><em>Viagem à roda da Parvónia</em>, pelo commendador Gil Vaz, illustrações
+de Manuel de Macedo&mdash;1 vol. 500 réis.</p>
+
+<p><em>O Nariz do Tabellião</em>, por E. About, traducção de Pin-Sél,
+illustrado com uma capa a côres&mdash;1 vol. 200 réis.</p>
+
+<p style="text-align: center; font-size: 1.2em;">DICCIONARIO DAS SEIS LINGUAS</p>
+
+<p>Francez-Portuguez e Portuguez-Francez.</p>
+
+<p>Francez-Allemão e Allemão-Francez.</p>
+
+<p>Francez-Hespanhol e Hespanhol Francez.</p>
+
+<p>Francez-Inglez e Inglez-Francez.</p>
+
+<p>Francez-Italiano e Italiano-Francez.</p>
+
+<p>Um só volume comprehendendo 80 fasciculos de 16 pag. 8.º port.</p>
+
+<p>Em publicação cada fasciculo 30 réis.</p>
+</div>
+
+<hr style="border: 0; border-bottom: solid 2px #000; width: 80%;">
+
+<p style="text-align: center; font-size: 0.8em;">Typ. de A. E. Barata.&mdash;Rua Nova do Loureiro, 25 a 39</p>
+
+
+
+
+
+
+
+<pre>
+
+
+
+
+
+End of the Project Gutenberg EBook of Descobrimento das Filippinas pelo
+navegador portuguez Fernão de Magalhães, by Caetano Alberto
+
+*** END OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK DESCOBRIMENTO DAS FILIPPINAS ***
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+such as creation of derivative works, reports, performances and
+research. They may be modified and printed and given away--you may do
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+subject to the trademark license, especially commercial
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+
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+entity to whom you paid the fee as set forth in paragraph 1.E.8.
+
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+used on or associated in any way with an electronic work by people who
+agree to be bound by the terms of this agreement. There are a few
+things that you can do with most Project Gutenberg-tm electronic works
+even without complying with the full terms of this agreement. See
+paragraph 1.C below. There are a lot of things you can do with Project
+Gutenberg-tm electronic works if you follow the terms of this agreement
+and help preserve free future access to Project Gutenberg-tm electronic
+works. See paragraph 1.E below.
+
+1.C. The Project Gutenberg Literary Archive Foundation ("the Foundation"
+or PGLAF), owns a compilation copyright in the collection of Project
+Gutenberg-tm electronic works. Nearly all the individual works in the
+collection are in the public domain in the United States. If an
+individual work is in the public domain in the United States and you are
+located in the United States, we do not claim a right to prevent you from
+copying, distributing, performing, displaying or creating derivative
+works based on the work as long as all references to Project Gutenberg
+are removed. Of course, we hope that you will support the Project
+Gutenberg-tm mission of promoting free access to electronic works by
+freely sharing Project Gutenberg-tm works in compliance with the terms of
+this agreement for keeping the Project Gutenberg-tm name associated with
+the work. You can easily comply with the terms of this agreement by
+keeping this work in the same format with its attached full Project
+Gutenberg-tm License when you share it without charge with others.
+
+1.D. The copyright laws of the place where you are located also govern
+what you can do with this work. Copyright laws in most countries are in
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+creating derivative works based on this work or any other Project
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+States.
+
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+phrase "Project Gutenberg" appears, or with which the phrase "Project
+Gutenberg" is associated) is accessed, displayed, performed, viewed,
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+
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+almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or
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+
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+posted with permission of the copyright holder), the work can be copied
+and distributed to anyone in the United States without paying any fees
+or charges. If you are redistributing or providing access to a work
+with the phrase "Project Gutenberg" associated with or appearing on the
+work, you must comply either with the requirements of paragraphs 1.E.1
+through 1.E.7 or obtain permission for the use of the work and the
+Project Gutenberg-tm trademark as set forth in paragraphs 1.E.8 or
+1.E.9.
+
+1.E.3. If an individual Project Gutenberg-tm electronic work is posted
+with the permission of the copyright holder, your use and distribution
+must comply with both paragraphs 1.E.1 through 1.E.7 and any additional
+terms imposed by the copyright holder. Additional terms will be linked
+to the Project Gutenberg-tm License for all works posted with the
+permission of the copyright holder found at the beginning of this work.
+
+1.E.4. Do not unlink or detach or remove the full Project Gutenberg-tm
+License terms from this work, or any files containing a part of this
+work or any other work associated with Project Gutenberg-tm.
+
+1.E.5. Do not copy, display, perform, distribute or redistribute this
+electronic work, or any part of this electronic work, without
+prominently displaying the sentence set forth in paragraph 1.E.1 with
+active links or immediate access to the full terms of the Project
+Gutenberg-tm License.
+
+1.E.6. You may convert to and distribute this work in any binary,
+compressed, marked up, nonproprietary or proprietary form, including any
+word processing or hypertext form. However, if you provide access to or
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+request, of the work in its original "Plain Vanilla ASCII" or other
+form. Any alternate format must include the full Project Gutenberg-tm
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+
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+
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+ and discontinue all use of and all access to other copies of
+ Project Gutenberg-tm works.
+
+- You provide, in accordance with paragraph 1.F.3, a full refund of any
+ money paid for a work or a replacement copy, if a defect in the
+ electronic work is discovered and reported to you within 90 days
+ of receipt of the work.
+
+- You comply with all other terms of this agreement for free
+ distribution of Project Gutenberg-tm works.
+
+1.E.9. If you wish to charge a fee or distribute a Project Gutenberg-tm
+electronic work or group of works on different terms than are set
+forth in this agreement, you must obtain permission in writing from
+both the Project Gutenberg Literary Archive Foundation and Michael
+Hart, the owner of the Project Gutenberg-tm trademark. Contact the
+Foundation as set forth in Section 3 below.
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+1.F.
+
+1.F.1. Project Gutenberg volunteers and employees expend considerable
+effort to identify, do copyright research on, transcribe and proofread
+public domain works in creating the Project Gutenberg-tm
+collection. Despite these efforts, Project Gutenberg-tm electronic
+works, and the medium on which they may be stored, may contain
+"Defects," such as, but not limited to, incomplete, inaccurate or
+corrupt data, transcription errors, a copyright or other intellectual
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+LIABLE TO YOU FOR ACTUAL, DIRECT, INDIRECT, CONSEQUENTIAL, PUNITIVE OR
+INCIDENTAL DAMAGES EVEN IF YOU GIVE NOTICE OF THE POSSIBILITY OF SUCH
+DAMAGE.
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+defect in this electronic work within 90 days of receiving it, you can
+receive a refund of the money (if any) you paid for it by sending a
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+received the work on a physical medium, you must return the medium with
+your written explanation. The person or entity that provided you with
+the defective work may elect to provide a replacement copy in lieu of a
+refund. If you received the work electronically, the person or entity
+providing it to you may choose to give you a second opportunity to
+receive the work electronically in lieu of a refund. If the second copy
+is also defective, you may demand a refund in writing without further
+opportunities to fix the problem.
+
+1.F.4. Except for the limited right of replacement or refund set forth
+in paragraph 1.F.3, this work is provided to you 'AS-IS' WITH NO OTHER
+WARRANTIES OF ANY KIND, EXPRESS OR IMPLIED, INCLUDING BUT NOT LIMITED TO
+WARRANTIES OF MERCHANTIBILITY OR FITNESS FOR ANY PURPOSE.
+
+1.F.5. Some states do not allow disclaimers of certain implied
+warranties or the exclusion or limitation of certain types of damages.
+If any disclaimer or limitation set forth in this agreement violates the
+law of the state applicable to this agreement, the agreement shall be
+interpreted to make the maximum disclaimer or limitation permitted by
+the applicable state law. The invalidity or unenforceability of any
+provision of this agreement shall not void the remaining provisions.
+
+1.F.6. INDEMNITY - You agree to indemnify and hold the Foundation, the
+trademark owner, any agent or employee of the Foundation, anyone
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+with this agreement, and any volunteers associated with the production,
+promotion and distribution of Project Gutenberg-tm electronic works,
+harmless from all liability, costs and expenses, including legal fees,
+that arise directly or indirectly from any of the following which you do
+or cause to occur: (a) distribution of this or any Project Gutenberg-tm
+work, (b) alteration, modification, or additions or deletions to any
+Project Gutenberg-tm work, and (c) any Defect you cause.
+
+
+Section 2. Information about the Mission of Project Gutenberg-tm
+
+Project Gutenberg-tm is synonymous with the free distribution of
+electronic works in formats readable by the widest variety of computers
+including obsolete, old, middle-aged and new computers. It exists
+because of the efforts of hundreds of volunteers and donations from
+people in all walks of life.
+
+Volunteers and financial support to provide volunteers with the
+assistance they need are critical to reaching Project Gutenberg-tm's
+goals and ensuring that the Project Gutenberg-tm collection will
+remain freely available for generations to come. In 2001, the Project
+Gutenberg Literary Archive Foundation was created to provide a secure
+and permanent future for Project Gutenberg-tm and future generations.
+To learn more about the Project Gutenberg Literary Archive Foundation
+and how your efforts and donations can help, see Sections 3 and 4
+and the Foundation web page at https://www.pglaf.org.
+
+
+Section 3. Information about the Project Gutenberg Literary Archive
+Foundation
+
+The Project Gutenberg Literary Archive Foundation is a non profit
+501(c)(3) educational corporation organized under the laws of the
+state of Mississippi and granted tax exempt status by the Internal
+Revenue Service. The Foundation's EIN or federal tax identification
+number is 64-6221541. Its 501(c)(3) letter is posted at
+https://pglaf.org/fundraising. Contributions to the Project Gutenberg
+Literary Archive Foundation are tax deductible to the full extent
+permitted by U.S. federal laws and your state's laws.
+
+The Foundation's principal office is located at 4557 Melan Dr. S.
+Fairbanks, AK, 99712., but its volunteers and employees are scattered
+throughout numerous locations. Its business office is located at
+809 North 1500 West, Salt Lake City, UT 84116, (801) 596-1887, email
+business@pglaf.org. Email contact links and up to date contact
+information can be found at the Foundation's web site and official
+page at https://pglaf.org
+
+For additional contact information:
+ Dr. Gregory B. Newby
+ Chief Executive and Director
+ gbnewby@pglaf.org
+
+
+Section 4. Information about Donations to the Project Gutenberg
+Literary Archive Foundation
+
+Project Gutenberg-tm depends upon and cannot survive without wide
+spread public support and donations to carry out its mission of
+increasing the number of public domain and licensed works that can be
+freely distributed in machine readable form accessible by the widest
+array of equipment including outdated equipment. Many small donations
+($1 to $5,000) are particularly important to maintaining tax exempt
+status with the IRS.
+
+The Foundation is committed to complying with the laws regulating
+charities and charitable donations in all 50 states of the United
+States. Compliance requirements are not uniform and it takes a
+considerable effort, much paperwork and many fees to meet and keep up
+with these requirements. We do not solicit donations in locations
+where we have not received written confirmation of compliance. To
+SEND DONATIONS or determine the status of compliance for any
+particular state visit https://pglaf.org
+
+While we cannot and do not solicit contributions from states where we
+have not met the solicitation requirements, we know of no prohibition
+against accepting unsolicited donations from donors in such states who
+approach us with offers to donate.
+
+International donations are gratefully accepted, but we cannot make
+any statements concerning tax treatment of donations received from
+outside the United States. U.S. laws alone swamp our small staff.
+
+Please check the Project Gutenberg Web pages for current donation
+methods and addresses. Donations are accepted in a number of other
+ways including including checks, online payments and credit card
+donations. To donate, please visit: https://pglaf.org/donate
+
+
+Section 5. General Information About Project Gutenberg-tm electronic
+works.
+
+Professor Michael S. Hart was the originator of the Project Gutenberg-tm
+concept of a library of electronic works that could be freely shared
+with anyone. For thirty years, he produced and distributed Project
+Gutenberg-tm eBooks with only a loose network of volunteer support.
+
+
+Project Gutenberg-tm eBooks are often created from several printed
+editions, all of which are confirmed as Public Domain in the U.S.
+unless a copyright notice is included. Thus, we do not necessarily
+keep eBooks in compliance with any particular paper edition.
+
+
+Most people start at our Web site which has the main PG search facility:
+
+ https://www.gutenberg.org
+
+This Web site includes information about Project Gutenberg-tm,
+including how to make donations to the Project Gutenberg Literary
+Archive Foundation, how to help produce our new eBooks, and how to
+subscribe to our email newsletter to hear about new eBooks.
+
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+This eBook, including all associated images, markup, improvements,
+metadata, and any other content or labor, has been confirmed to be
+in the PUBLIC DOMAIN IN THE UNITED STATES.
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+Procedures for determining public domain status are described in
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+jurisdictions other than the United States. Anyone seeking to utilize
+this eBook outside of the United States should confirm copyright
+status under the laws that apply to them.
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