diff options
| author | Roger Frank <rfrank@pglaf.org> | 2025-10-15 02:47:08 -0700 |
|---|---|---|
| committer | Roger Frank <rfrank@pglaf.org> | 2025-10-15 02:47:08 -0700 |
| commit | 12f40f7cc19bb3b185eda98bc0a3cbce19807cdb (patch) | |
| tree | 547490ed7da66c8f772a3b53294e7b861cc68af1 | |
| -rw-r--r-- | .gitattributes | 3 | ||||
| -rw-r--r-- | 29243-8.txt | 3273 | ||||
| -rw-r--r-- | 29243-8.zip | bin | 0 -> 60271 bytes | |||
| -rw-r--r-- | 29243-h.zip | bin | 0 -> 786790 bytes | |||
| -rw-r--r-- | 29243-h/29243-h.htm | 3476 | ||||
| -rw-r--r-- | 29243-h/images/fmagalhaes.png | bin | 0 -> 206303 bytes | |||
| -rw-r--r-- | 29243-h/images/ilust1.png | bin | 0 -> 282661 bytes | |||
| -rw-r--r-- | 29243-h/images/ilust2.png | bin | 0 -> 186732 bytes | |||
| -rw-r--r-- | 29243-h/images/logo.png | bin | 0 -> 47258 bytes | |||
| -rw-r--r-- | LICENSE.txt | 11 | ||||
| -rw-r--r-- | README.md | 2 |
11 files changed, 6765 insertions, 0 deletions
diff --git a/.gitattributes b/.gitattributes new file mode 100644 index 0000000..6833f05 --- /dev/null +++ b/.gitattributes @@ -0,0 +1,3 @@ +* text=auto +*.txt text +*.md text diff --git a/29243-8.txt b/29243-8.txt new file mode 100644 index 0000000..51d1aef --- /dev/null +++ b/29243-8.txt @@ -0,0 +1,3273 @@ +The Project Gutenberg EBook of Descobrimento das Filippinas pelo navegador +portuguez Fernão de Magalhães, by Caetano Alberto + +This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with +almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or +re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included +with this eBook or online at www.gutenberg.org + + +Title: Descobrimento das Filippinas pelo navegador portuguez Fernão de Magalhães + +Author: Caetano Alberto + +Release Date: June 26, 2009 [EBook #29243] + +Language: Portuguese + +Character set encoding: ISO-8859-1 + +*** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK DESCOBRIMENTO DAS FILIPPINAS *** + + + + +Produced by Pedro Saborano (produced from scanned images +of public domain material from Google Book Search) + + + + + + + Notas de transcrição: + + No livro original existia uma errata no final do mesmo. + Os erros identificados nessa errata foram corrigidos nesta edição, + tendo-se mantido a lista de erros originais. Adicionalmente foram + corrigidos alguns erros tipográficos evidentes. + Nesta edição em texto simples não se faz referencia às ilustrações + presentes no livro impresso, já que não contém informação relevante. + + + + + _CAETANO ALBERTO_ + + DESCOBRIMENTO + + DAS + + FILIPPINAS + + PELO NAVEGADOR PORTUGUEZ + + FERNÃO DE MAGALHÃES + + _Edição illustrada_ + + + + + LISBOA + EMPREZA DO OCCIDENTE + Largo do Poço Novo + 1898 + + + + + DESCOBRIMENTO DAS FILIPPINAS + + + + + _CAETANO ALBERTO_ + + DESCOBRIMENTO + + DAS + + FILIPPINAS + + PELO NAVEGADOR PORTUGUEZ + + FERNÃO DE MAGALHÃES + + _Edição illustrada_ + + + + + LISBOA + EMPREZA DO OCCIDENTE + 1898 + + + + + _Á memoria de seu tio_ + + O CAPITÃO + + Paulo Antonio da Rocha + + _O. e D._ + + O Auctor. + + + + +I + + +_Primus circumdidisti me._--Foste o primeiro que me circumdou.--Foi esta +a divisa que Carlos V, o imperador, escreveu na esphera que encimou o +brazão de Sebastião de Elcano, o afortunado piloto castelhano, que do +mar do sul trouxe a S. Lucar de Barrameda, a nau _Victoria_, com a +noticia da descoberta das ilhas Mariannas, tendo dado a volta ao mundo. + +Afortunado chamámos a Sebastião de Elcano, e que maior fortuna que +colher os loiros que deviam cingir a fronte de outro, a quem a sua má +estrella lhe anoitou a existencia depois de o ter guiado á victoria! + +E que outro podia ser que um portuguez a devassar os mares, a circundar +o globo?! + +Que de emprezas arrojadas; que de feitos d'armas; que de acções +generosas; que de progressos das sciencias se poderão apontar na +historia, que não encontreis á sua frente primeiro entre os +primeiros:--o portuguez. + +Ah! que até chego a duvidar se estou acordado ou sonhando, quando ouço +para ahi tanto pessimismo a amesquinhar o nosso valor, a duvidar, a +descrêr de nós proprios! + +Não ha talvez outro exemplo de uma nacionalidade assim! + +Tão grande; tão prestimosa; tão brilhante, que o seu nome está escripto +no mundo inteiro, pelos mares, nas ilhas, nos continentes, nos mais +reconditos sertões e até nos astros--como adiante veremos--e que tão +pouco julgue de si; tendo-se por fraca quando tanto é o seu valor; +julgando-se pobre quando é tão rica, que tem dado prodigamente a outros +e tanto ainda lhe resta para si; que tendo uma historia tão gloriosa +como outra não ha, pense que não é d'ella que ha-de viver, como se fosse +uma Roma cahida, que já não tem a girar-lhe nas veias o mesmo sangue com +que escreveu essa historia! + +Mas então o que valem os feitos dos nossos soldados, que ainda nos +principios d'este seculo se batiam e levavam de vencida as legiões do +primeiro capitão, que avassalava o mundo com a sua espada e que veio +encontrar, n'este recanto da peninsula, os primeiros revezes da guerra +que o levaram por fim a Santa Helena:--O grande Bonaparte!; mas que +valem, em nossos dias essas victorias alcançadas em Africa; que +dispertam a admiração do mundo; que significa ainda o triumpho que +n'este momento as armas portuguezas estão alcançando na Oceania?; o que +vale o resurgir das nossas artes, que vão honrar o nome portuguez nos +certamens onde concorrem os artistas de todo o mundo, como agora, em +Berlim; que gloria nos vem de um dramaturgo portuguez Pinero (Pinheiro), +em Inglaterra, alcançar os maiores triumphos nos theatros de Londres, e +das suas peças percorrerem toda a America; para que orgulhar-mo-nos dos +Luziadas que é um poema eterno porque canta as glorias de um povo de +guerreiros e de navegadores; para que serve a expansão d'este paiz +pequeno, cujos seus filhos affirmam a victalidade da patria pelas cinco +partes do mundo, em colonias tão importantes como as da America, da +Africa, da Oceania e da Asia; que importancia tem os nossos homens +scientificos que se distinguem nos congressos onde se reunem as +summidades da sciencia; o que quer dizer essa lucta da industria +portugueza a medir-se com as industrias de outros paizes mais +adiantados, supprindo as necessidades de um povo civilisado a que a má +administração das suas finanças acarretou uma crise economica; o que +importa o renascimento de um paiz que em meio seculo tem realisado todos +os progressos que o aproximam das nações mais cultas? + +Serão proprios de uma raça degenerada, de um paiz perdido, de uma +civilisação extincta, todas estas manifestações de vida, affirmações de +força, de lucta pela existencia, sob um sol creador, n'uma terra +uberrima, que se desentranha em fructos, que encerra thesouros, em suas +minas, fertilisada por abundantes rios, que tem tudo que ha em outros +paizes e mais o que elles não teem, que é rica, emfim, de todos os bens +que a natureza possue e que Deus parece ter reunido aqui como no paraizo +terreal! + +E para que foi que este povo, achando-se apertado no solo que as suas +espadas conquistaram, se aventurou aos mares a alçar a sua bandeira em +terras até então desconhecidas, levantando imperios na India e na +America, avassallando novos mundos onde a familia portugueza póde viver +como na patria porque são patria tambem de portuguezes. + +Mas basta. Não ennumeremos mais o que deveria estar na lembrança de +todos os filhos de Portugal, o que nunca deveriam esquecer, porque é +esquecerem-se da sua nacionalidade, do que prova a sua existencia e +autonomia, do que dá razão da sua vida atravez de todas as vicissitudes +porque tem passado. + +Pois quê! se Portugal não fosse um élo importante da cadeia que liga a +grande familia da humanidade, teria resistido aos embates da sorte que +tantas vezes o hão experimentado? + +Se elle não tivesse concorrido tão bastamente para a civilisação que o +mundo disfructa, como teria atravessado por entre os seculos e luctado +contra as ambições de extranhos que tentaram apagar dos mappas as linhas +que demarcam as suas fronteiras! + +A Polonia succumbe sob o grande collosso porque a sua nacionalidade não +coopera na transformação porque o mundo passa ao sahir da idade media; o +mesmo acontece á Hungria. Veneza cahiu quando as novas descobertas +empanam o brilho da sua navegação e do seu commercio. + +Portugal existe e vive porque o ciclo da civilisação de que elle lançou +os primeiros segmentos ainda não se fechou. + + + + +II + + +Que serie de heroes encontramos ao folhear da historia, desde os que +tentam as primeiras descobertas geographicas até os que fundam imperios +como Affonso de Albuquerque. + +Como as prôas das naus portuguezas foram deliniando, na immensa tabola +do Oceano os fundamentos da civilisação moderna. + +Os argonautas precedem os venezianos nas suas viagens; o scandinavo Leif +Erik descobre tres seculos antes de Colombo a America do norte e os +noruegueses estabelecem-se na Islandia; Roger Bacon e o cardeal Pedro +d'Ailly esboçam os primeiros deliniamentos geographicos, mas tudo isto é +nebuloso no espirito dos navegadores e cosmographos do seculo XV e faz +crescer a vontade de conhecer os caminhos do mar, para chegar áquellas +regiões mysteriosas de que se contavam historias da Fabula. + +Christovão Colombo e Amerigo Vespucci estudam e fazem calculos para +achar o caminho do Oriente de que falla Marco Polo, e o aventuroso +genovez despresado na sua patria vem offerecer a Portugal os seus +serviços e pedir-lhe naus para ir á descoberta, mas não é mais feliz nas +suas pretenções do que o fôra na Italia. + +Já Portugal então andava tambem empenhado n'essas emprezas, e o immortal +infante D. Henrique lançava, na supposta eschola de Sagres, as bases das +grandes navegações e descobertas que iam seguir-se. + +Ali se planeava a grande revolução geographica que se ia operar e que +seria o fóco de novas revoluções, nas sciencias, nas artes e no +commercio, o prologo d'esta civilisação que hoje nos maravilha. + +Vasco da Gama, mais feliz do que Colombo encontra o caminho da India. Os +seus marinheiros vencem os mares tenebrosos e quebram o encanto das +sereias que se rendem ás suas canções maritimas; o indomito Adamastor +respeita tão grande audacia e deixa passar adiante a frota que entra +alfim no Oceano Indico. + +Depois que serie de descobertas se succedem; que trabalho de civilisação +de novas gentes se enceta. + +Os nossos arsenaes apparelham, sem cessar, naus e caravellas para novos +emprehendimentos. Desenvolve-se a febre da navegação; cada portuguez é +um navegador. Portugal quasi se despovoa para ir povoar novas terras +onde leve a luz da nova civilisação. + +Os seus capitães vão continuar para além do Atlantico a sua obra de +conquista principiada em Ourique. Eram ainda o mesmo peito d'aço, o +mesmo braço esforçado. A flôr da mocidade adiantava-se; os que ficavam +tinham inveja dos que partiam. Vieram as emolações, as intrigas da +côrte, os despeitos, e quantos d'isto foram victimas, os maus, os bons. + +Houve, porém, um homem na côrte de D. Manuel, mais audaz, por ventura +que outros, que acariciava a idéa de dar a volta ao mundo por mares +ainda não devassados de europeus. + +Era a idéa predominante no espirito dos navegadores achar a passagem +para o mar do Sul que incurtaria o caminho para a India. + +Colombo já o pensára, Balboa estivera a ponto de o realisar, mas o +Destino tinha escripto no seu insondavel livro que seria a um portuguez +que caberia essa gloria: e esse portuguez, esse homem da côrte de D. +Manuel;--foi Fernão de Magalhães, que quizera enflorar na corôa de +Portugal uma nova joia de alto valor, mas que o mesmo Destino quiz que a +fosse engastar na Corôa de Castella! + + + + +III + + +Não é proprio dos espiritos aventurosos medir as suas acções pelas +regras da prudencia e da boa razão; se assim não fôra deixaria de haver +a aventura para só prevalecer a fria reflexão, o que tanto monta como o +mundo ter avançado metade do caminho precorrido nos progressos da +humanidade: _Audentes fortuna juvat._ + +Não se esperem aventuras donde só dominar a intelligencia sem participar +o coração. Os productos da primeira serão admirados e respeitados, mas o +que o segundo produzir ha-de espantar e maravilhar. + +Raro se reunem estas qualidades e por isso, quando se encontram em um só +homem, esse homem será um heroe, porque encherá de beneficios a +humanidade. + +Comtudo não menos raro é, que a esses homens de espirito e coração +privilegiados, a humanidade tenha aberto os braços antes de lhe mover +uma guerra de morte. Porque elles vêem mais longe que o vulgar dos +espritos, advinhando o que outros não comprehendem, são sempre o alvo da +inveja dos maus a espicaçar a aversão dos nescios. + +É por isso que em todos os tempos a intriga tem envolvido os grandes +homens, deturpando-lhe as intenções, maculando-lhe o caracter, +desfazendo de seus meritos, pretendendo annular-lhe as suas obras. + +Quantas vezes os ferros de el-rei arroxearam os pulsos dos seus melhores +servidores; quantas o desgosto matou homens a quem a posteridade tem +levantado monumentos! + +N'este labyrinto da Historia, que os historiadores nem sempre tem podido +espurgar das paixões, quão difficil é apreciar com justiça o caracter +dos homens que n'ella mais preponderam por suas acções e influencia. + +É n'esta difficuldade que nos encontrâmos para definir nitidamente o +caracter de Fernão de Magalhães, avaliando as rasões que o levaram a +deixar a patria e o serviço do seu rei, pelo serviço do imperador das +Hespanhas, por um paiz que era o emulo de Portugal, nas conquistas e +descobertas. + +É fóra de duvida que Fernão de Magalhães deveria ter um caracter +independente e ousado, porque outro não se compadecia com o seu espirito +aventuroso; que esse caracter não seria facilmente maleavel como não se +amoldaria ás adulações e hypocrisias da côrte, parece seguro; mas viria +só d'isto o desagrado em que cahiu para com el-rei D. Manuel? + +Seria Fernão de Magalhães mais ambicioso que outros, o que não é para +admirar, visto que o seu espirito se dilatava tanto pelo que outros não +viam, e essa ambição miraria mais á gloria do que ao interesse material? +Qualquer das duas seria o bastante para o malquistar com os camaradas e +com os cortezãos. + +É certo que um dos motivos de desgosto de Magalhães foi el-rei +desattender-lhe o pedido de augmento de pensão, ao voltar de Azamor, +onde combatera valentemente contra os moiros ao lado de João Soares e +onde fôra ferido em uma perna, de que ficou coxeando; mas se o augmento +pouco valia monetariamente, sobrava-lhe em importancia moral porque, +como diz Faria e Sousa, na _Asia Portugueza_: «Subir cinco reaes em +dinheiro, é subir muitos graus em qualidade», e Lafitau na _Europa +Portugueza_: «... crescer aqui um real é crescer muito em opinião». + + + + +IV + + +Quando isto succedeu já Fernão de Magalhães havia illustrado o seu nome +em Africa, tendo feito parte de tres expedições, que de Lisboa partiram +para aquelles paizes. + +A primeira d'essas expedições foi a de 25 de março de 1505, sob o +commando de D. Francisco d'Almeida. N'ella se alistou Fernão de +Magalhães, contando 25 annos de idade, pois, segundo parece, nascera +pelos annos de 1480,[1] deixando os commodos da côrte, onde, segundo diz +Argenzola, na _Historia de las Malucas_ e _Anales de Aragon_, era pagem +da rainha D. Leonor e d'el-rei D. Manuel. Preparou-se Magalhães, tanto +com as coisas espirituaes como materiaes, para a perigosa viagem, +conforme o costume dos tempos. Confessou-se e sacramentou-se e fez +testamento, em Belem, a 19 de dezembro de 1504, em que transparece o +animo com que o testador se achava para as grandes emprezas, pois +recommenda n'aquelle documento--segundo dá fé Diego de Barros Arana, na +_Vida e Viagens de Fernão de Magalhães_,[2]--a sua irmã D. Thereza de +Magalhães, que institue herdeira do seu patrimonio como parente mais +proximo, casada com João da Silva Telles, gentilhomem da côrte e senhor +do castello de Pereira de Sabrosa, que transmitta o seu appellido +juntamente com o seu brazão d'armas a seus herdeiros. + +Em 1508 encontrava-se já Fernão de Magalhães em Lisboa de volta +d'aquella viagem. Havia tomado parte com Nuno Vaz Pereira nas guerras da +Costa Oriental da Africa para submetter aquelles povos á soberania de +Portugal, como era necessario para a submissão das possessões da India. + +Não nos transmitte a historia os feitos d'armas que elle praticou n'esta +viagem; é comtudo certo que ella lhe serviu, como as subsequentes, para +alargar os seus estudos geographicos, como affirmam todos os escriptores +que de Magalhães se tem occupado. + +A segunda viagem encetou-a Fernão de Magalhães em 5 de abril de 1508, +partindo de Lisboa na frota de Diogo Lopes de Sequeira, composta de +quatro naus, com objecto de novas descobertas e conquistas no Oriente. +Malaca era uma das terras mais cubiçadas pelas riquezas que tinha, e +Sequeira ia encarregado de estabelecer relações com aquelle povo. + +A viagem foi bem succedida até Madagascar, mas, proseguindo para Ceylão, +um grande temporal obrigou os navios a arribar a Cochim, onde residia o +vice-rei da India D. Francisco d'Almeida. Aqui augmentou Sequeira a sua +frota com mais um navio e a guarnição com mais 60 homens, largando de +Cochim a 18 de agosto de 1509. + +Chegou Diogo Lopes de Sequeira a Malaca depois de ter reconhecido a ilha +de Sumatra. Foi, porém, desgraçado o fim d'esta viagem, porque os +malayos, que a principio receberam bem os portuguezes, não tardou muito +que conspirassem contra os nossos, tentando assassinar Sequeira, +tentativa de que Magalhães teve conhecimento e conseguiu frustrar, assim +como com esforçado valor defendeu seus companheiros de morrerem +traiçoeiramente ás mãos d'aquelle povo, salvando quantos poude dos que +se encontravam em terra. Entre estes nomea-se Francisco Serrano, ou +Serrão, seu companheiro e, parece, parente. + +Sequeira voltou para a Europa no melhor navio da frota, tendo mandado +queimar dois por falta de gente para os tripular, e ordenando que os +outros officiaes e resto de tripulação fossem para Cochim nos dois +navios restantes, d'onde depois seguiriam para Portugal. + +Assim se observou; porém, a má sorte quiz que os navios se perdessem no +archipelago de Laquedivas, desfazendo-se nos recifes de Padua, logrando +salvar-se a tripulação para um ilheu deserto, esperando passar a terra +povoada. + +N'esta conjuntura revela-se a grandeza de animo e o coração generoso de +Fernão de Magalhães, porque, embarcando-se os seus companheiros nas +lanchas para procurarem terra hospitaleira, elle se ficou com os +restantes correndo o risco de, embora perecer, mas nunca os abandonar. +Assim esperou que os companheiros lhe enviassem o auxilio necessario, e, +chegado elle, se passou a Cananor, onde encontrou Affonso de +Albuquerque, que ia de viagem para Ormuz com gente de guerra a dilatar +suas conquistas na Persia e seguir até o mar Roxo e Egypto. + +Recebeu Affonso de Albuquerque a Fernão de Magalhães e aos companheiros, +que embarcou em sua armada, os quaes o ajudaram a submetter Goa e a +dominar a costa de Malabar, e depois a tentar nova guerra contra Malaca, +que é um dos feitos mais gloriosos das armas portuguezas no Oriente e o +inicio de novos descobrimentos como os das ilhas de Banda e das Molucas, +centro das ricas e procuradas especiarias. + +No regresso d'esta viagem (1512), em que tanto se distinguiu Fernão de +Magalhães, teve este em recompensa de seus serviços o cargo de moço +fidalgo do paço, com a pensão de mil réis mensaes com moradia. Esta +pensão lhe foi melhorada pouco tempo depois, o que muito lhe +accrescentou o valor e importancia na côrte, como se deprehende dos +documentos achados por Muñoz no archivo de Lisboa. + +A recompensa dada por el-rei D. Manuel a Fernão de Magalhães foi +incentivo bastante para o bravo portuguez voltar á guerra, procurando na +sorte das armas augmentar o lustre do seu nome já então galardoado. + +Na Africa feria-se uma guerra contra mouros que se batiam denodadamente +com os portuguezes. Não menos que para a India se dirigiam as vistas do +rei afortunado para aquelle campo das nossas conquistas, e assim mandou +aprestar uma grande armada, composta de quatrocentos navios,--segundo +diz Faria e Sousa, na sua _Africa Portuguesa_,--em que embarcou dezenove +mil homens de guerra, sob as ordens de seu sobrinho D. Jayme de +Bragança. + +N'esta armada partiu Fernão de Magalhães, emprehendendo a sua terceira +viagem, em 1513; e não foi esta menos gloriosa para o seu nome que as +duas primeiras; pois que combatendo ao lado de João Soares contra +aquelles povos semi-barbaros, occupou a praça de Azamor e defendeu-a +valorosamente contra as tropas dos reis de Fez e de Mequinez. N'esta +guerra se excedeu tanto em valor que, a par do ferimento que recebeu em +uma perna, de que ficou coxeando, lhe foi dado o posto de +quadrilheiro-mór, ou capitão de uma companhia; e perseguiu de tal modo +os mouros que aprisionou oitocentos e noventa d'estes e duas mil cabeças +de gado. + +Segundo diz Barros, esta façanha foi origem de desgostos para Fernão de +Magalhães, porque na repartição da presa levantaram-se tantas +reclamações e intrigas que chegaram aos ouvidos de el-rei D. Manuel, +indispondo este monarcha contra o heroe de Azamor. + +Quanto de inveja e de mal soffridas ambições andariam n'isto, é o que +não podemos affirmar; mas, a julgar pelos resultados, mui negras deviam +ser as côres com que apresentaram a el-rei o quadro do procedimento de +Magalhães, para que este, depois de se justificar com documentos, +provando a falsidade das arguições ainda assim não conseguisse +recompensa regia dos seus serviços e ainda menos perdão da supposta +culpa. + +Ouçamos o que sobre este ponto diz Gaspar Correia, nas suas _Lendas da +India_, n'aquella linguagem do tempo, e que vamos transcrever quanto +possivel approximada e intelligivel para a maioria dos leitores de +agora. «... Fernão de Magalhães, vindo ao reino, allegando a el-rei seus +serviços, pediu em recompensa lhe accrescentasse cem réis de moradia por +mez, o que el-rei lhe denegou, por não cahir em sua graça, ou porque +estava destinado que assim havia de ser. Fernão de Magalhães, aggravado, +porque muito o pediu a el-rei e elle lh'o não quiz fazer, lhe pediu +licença de ir viver para quem lhe fizesse mercê e alcançasse mais +fortuna que com elle, ao que el-rei lhe disse, fizesse o que quizesse, e +lhe quiz beijar a mão e el-rei lhe a não quiz dar.» + +Não se pense d'aqui que a pureza dos costumes do tempo fosse tal que, +admittindo que Magalhães fosse menos escrupuloso no seu procedimento, +não lhe pudessem ser levados em conta os serviços prestados ao reino, +para lhe attenuar a falta; porque é certo que a outros, não mais +prestantes nem menos ambiciosos, a munificencia do rei encheu de honras +e prebendas, apesar das faltas commettidas. + +As injustiças são de todos os tempos, sem que por isso se deva sempre +condemnar quem as comette; porque muitas vezes são involuntarias e +apenas resultado de tramas bem urdidos por terceiros. + +Foi, provavelmente, o que aconteceu com Fernão de Magalhães, que tanto +se sentiu de ver-se injustamente desattendido, que renegou da sua +nacionalidade de portuguez para offerecer os seus serviços a Castella. + +Não se fala da lucta que elle travaria comsigo mesmo para levar a cabo +esta resolução; mas é bem de suppôr seria enorme, se tivermos em vista +quanto devia repugnar a um portuguez o trocar a sua nacionalidade pela +de uma nação, que sempre nos disputou a supremacia, quer nas conquistas +e descobrimentos, quer na absorpção d'esta gloriosa patria portugueza. +Enorme lucta, sem duvida, a que se levantou no espirito de Fernão de +Magalhães; mas como resistir-lhe, se essa resistencia seria a annullação +dos seus planos audaciosos, que não eram a satisfacção de um capricho, +vaidade impertinente, ou ambição injusta. + +O escudo das suas armas ia ser picado, o nome da sua familia execrando, +apontado ao desprezo; e elle estimava tanto os pergaminhos de seus +antepassados, o seu nome, a sua patria, que, ao apartar-se d'ella pela +primeira vez, recommendara a seus herdeiros, nas desposições +testamentarias, que lhe guardassem o seu escudo de armas e o +transmitissem aos seus descendentes. + +Enorme lucta, sem duvida; mas ainda maior que essa lucta era o ideal de +Fernão de Magalhães, que antesonhava o grande progresso geographico que +realizaria com a sua viagem de circumnavegação do globo, prestando ao +mundo um alto serviço e cobrindo o seu nome de tanta gloria, que +faltando á religião da patria, ella não se deshonraria a final de o ter +por filho. + +Deshonra e vergonha seria se Fernão de Magalhães houvesse cruzado os +braços ante a injustiça dos homens, rojando-se submisso aos pés de um +throno que o desprezava. Encontrando-se com animo para a audaz empresa +que planeava, pouco lhe devia importar o ser portuguez ou de outra +qualquer nacionalidade; essa preoccupação seria futil no meio da sua +grandiosa obra. Elle tinha fatalmente que realizar os seus planos. Se a +patria lhe negava os meios de os levar a effeito, elle iria por esse +mundo fóra procural-os até encontrar quem lh'os facultasse; e foi e +encontrou! + +Se para a Hespanha Fernão de Magalhães conquistou terras, para Portugal +conquistou a gloria do seu nome. Essas terras poderão um dia deixar de +ser de Hespanha; mas a gloria do nome de Fernão de Magalhães é que nunca +deixará de ser de Portugal! + + [1] Não está bem determinada a data do nascimento de Fernão de + Magalhães; é, todavia, certo que elle nasceu na aldeia de Sabrosa, + de Traz-os-Montes e que seu pae se chamava Pedro, sendo da quarta + nobreza de Portugal, ou fidalgo de cotta d'armas e geração que tem + insignias de nobreza, tendo a sua familia escudo d'armas + enxequetado, ou em quadradinhos como taboleiro de xadrez. + + [2] Este testamento só foi conhecido em 1855, segundo diz Arana, que + d'elle teve conhecimento por uma copla de Ferdinand Diniz, que a + houve de um herdeiro de Magalhães. + + + + +V + + +Mediaram cerca de tres annos entre os successos que levaram Fernão de +Magalhães a renegar a nacionalidade portugueza, e a sua entrada em +Sevilha a 20 de outubro de 1517. + +Este tempo consumiu-o em estudos de cosmographia e nautica, escrevendo +tambem a sua obra em castelhano sobre as terras que tinha visitado, á +qual deu o titulo: _Descripcion de los reinos, costas, puertos e islas +que hai en el mar de la India oriental i costumbres de sus naturales: su +gobierno, religion, comercio i navegacion, i de los frutos i efectos que +producen aquellas vastas regiones, con otras noticias mui curiosas; +compuesto por Fernando Magallanes, piloto portuguez que lo vio i anduvo +todo._ + +Esta obra nunca foi publicada, apesar d'isso extrahiram-se d'ella +algumas copias, que alteraram muitos pontos essenciaes das viagens de +Magalhães, o que bastante deprecia o seu conhecimento, e Diego de Barros +Arana, diz que viu em Madrid uma d'essas copias, de letra do seculo XVI +que possuia o erudito bibliophilo D. Paschoal de Gayangos. + +Aos estudos que Fernão de Magalhães fazia, ora em Lisboa ora no Porto, +onde tinha mais persistencia, reuniu o conhecimento de Ruy ou Rodrigo +Faleiro da Covilhã, que segundo diz Oviedo, na sua _Historia jeneral de +las Indias_, era homem de grandes conhecimentos de cosmographia, +astrologia e outras sciencias. Faleiro foi de grande auxilio para +Magalhães porque comprenetrando-se do seu pensamento e dos seus planos +associou-se calorosamente á empreza, juntando-se-lhe Francisco Faleiro, +irmão de Rodrigo e que tambem era homem sabido em coisas de nautica. + +Magalhães já não se encontrava sosinho com a sua idéa, e isto mais o +animou a proseguir, nos meios de levar á pratica o audacioso plano. + +Sem navios nem meios para os adquirir e aprestar, sem nada poder esperar +do rei que o despresara, tinha fatalmente que recorrer a Castella, tanto +mais, que para realisar a sua viagem, não querendo abeirar-se de terras +portuguezas, precisava tocar em terras sujeitas á Hespanha e onde não +era permittido estabelecer trafico sem auctorisação do rei de Castella. + +A Carlos V ia offerecer os seus serviços e descobrir os seus planos, +pedindo que lhe fornecesse os meios de os realisar. Mais tarde havia de +Camões cantar, nos seus immortaes Luziadas, os feitos de Magalhães: + + Eis-aqui as novas partes do Oriente, + Que vós outros agora ao mundo daes, + Abrindo a porta ao vasto mar patente, + Que com tão forte peito navegaes. + Mas é tambem razão, que no Ponente + D'um Lusitano um feito ainda vejaes, + Que de seu Rei mostrando-se aggravado, + Caminho ha de fazer nunca cuidado. + + Vedes a grande terra, que contina + Vae de Callisto ao seu contrario polo, + Que soberba a fará a luzente mina + Do metal, que a côr tem do louro Apollo; + Castella, vossa amiga, será digna + De lançar-lhe o collar ao rudo collo: + Varias provincias tem de varias gentes, + Em ritos e costumes differentes. + + Mas cá onde mais se alarga, ali tereis + Parte tambem c'o pao vermelho nota: + De Sancta Cruz o nome lhe poreis; + Descobril-a-ha a primeira vossa frota. + Ao longo d'esta costa, que tereis, + Irá buscando a parte mais remota + O Magalhães, no feito com verdade + Portuguez, porém não na lealdade. + + + + +VI + + +Abandonando a patria e o rei, que tão mal apreciara os seus serviços, +Fernão de Magalhães se foi a Sevilha, onde, ainda antes, talvez, de +tratar dos negocios da sua empreza, se lhe prendeu o coração a uns olhos +negros e pestanudos de uma gentil sevilhana, D. Beatriz, filha de Diogo +Barboza. + +O bravo soldado que combatera na India e na Africa; o arrojado navegador +que dominara a porcella e queria devassar ignotos mares que a espada de +Balboa havia desafiado, como diz Alexandre de Humboldt--«com a espada na +mão mettia-se á agua até aos joelhos, e pensava apossar-se do mar do sul +em nome de Castella»--o heroe de Azamor, o homem forte que só parecia +viver para a audaz empreza da circumnavegação do globo, rendeu-se aos +encantos de uma mulher, que soube conquistar-lhe o coração e a quem +elle, pouco tempo depois de ter chegado a Sevilha, dava a mão de esposo. + +Tambem d'este enlace lhe veio auxilio para os seus planos, porque Diogo +Barbosa, sogro de Fernão de Magalhães, era, como diz Gaspar Correia: +«... homem principal, que sabia navegar no mar, porque era muito +entendido na arte de piloto e era _esperico_--o que quer dizer +_spherico_ ou cosmographo, que sabe da _sphera_. + +Effectivamente, segundo Faria e Sousa, na _Asia Portugueza_ e Lafitau na +_Histoire des découvertes et conquetes des portugais_, Diogo Barboza +fizera parte de uma grande expedição que el rei D. Manuel mandou aos +mares da India, em 1501, indo capitaniando um dos navios da frota de +João da Nova, a qual derrotou uma esquadra de mouros que traficavam em +Calcuta e descobriu as ilhas da Conceição e de Santa Helena. Este Diogo +Barboza deixou o serviço de Portugal e se foi a Castella, onde encontrou +protecção em D. Alvaro de Portugal, que havia passado aquelle paiz, +quando seu irmão, o duque de Bragança foi decapitado em Evora por ordem +de El-rei D. João II (1483). D. Alvaro foi recebido pelos reis +catholicos como parente, e lhe deram todas as honras inherentes a tão +alto personagem, confiando-lhe os cargos de presidente do conselho dos +reis e de alcaide do alcaçar de Sevilha, segundo diz Lopez de Haro, no +_Nobiliario de España_ e Ortiz de Zuniga, nos _Anales de Sevilla_. + +Tão alta protecção teve a sua influencia em Barboza, que foi elevado a +commendador da ordem de S. Thiago e logar tenente do alcaide do alcaçar +de Sevilha, e assim collocado, casou com a filha de uma das principaes +familias de Sevilha, D. Maria Caldeira. + +Viveu Fernão de Magalhães com esta familia durante o tempo que esteve +n'aquella terra e d'ahi lhe veio proveito, porque alem da protecção do +sogro travou relações com Duarte Barboza sobrinho de Diogo, que tambem +viajara para a India e explorara aquelles mares, como prova a relação +das suas viagens, publicada, em parte, na, _Navigazione e viaggi_, do +colleccionador italiano J. B. Ramusio, publicado em 1554, e completa, na +_Collecção de noticias para a historia e geographia das nações +ultramarinas_, publicado em Lisboa, em 1813. + +Como se vê, Fernão de Magalhães ia juntando elementos de estudo que lhe +aproveitavam, ao mesmo tempo que alcançava boas protecções para levar a +cabo a sua empreza. + +Assim se dirigiu em Sevilha, a uma casa chamada da contratação em que se +tratavam os negocios maritimos e a que Gaspar Correia se refere nas suas +_Lendas da India_: «Em Sevilha tinha o imperador a casa da contratação, +com regedores da fazenda que tinham grandes poderes e trafego de +navegação e armadas. Fernão de Magalhães forte de seu saber e com muita +vontade de anojar el-rei de Portugal, tratou com os regedores da casa da +contratação e disse-lhes: que Malaca e Moluco, ilhas que creavam o +cravo, eram do imperador pelas demarcações que entre ambos havia e por +isso el-rei de Portugal não tinha direito de possuir estas terras: e que +isto elle sustentava em presença de quantos doutores que o contestassem, +pelo que obrigaria a sua cabeça. Os regedores lhe responderam que sabiam +bem que elle fallava verdade; mas que o imperador não mandava lá seus +navios, porque não podia navegar em mares da demarcação de el-rei de +Portugal. Ao que, lhes disse Fernão de Magalhães: Se me derdes navios e +gente eu navegarei para lá sem tocar em mar ou terra de el-rei de +Portugal. E se assim o não fizesse lhe cortassem a cabeça. Os regedores +muito satisfeitos assim escreveram ao imperador o qual lhes respondeu +que sentia prazer com o dito e muito mais sentiria com o feito: que tudo +fizessem os regedores, guardando o seu serviço e as coisas de el-rei de +Portugal, em que não tocassem e antes tudo se perdesse. Com esta +resposta do imperador fallaram a Magalhães o qual continuou a affirmar o +que dizia, de que navegaria e ensinaria o caminho por fóra dos mares de +el-rei de Portugal; que lhe déssem os navios que elle pedisse, gente e +artilheria e o necessario, que elle cumpriria o que dizia e descobriria +novas terras na demarcação do imperador e traria oiro e cravo e canella +e outras riquezas; o que ouviram os regedores desejando muito fazer tão +grande serviço ao imperador, qual o de descobrir esta navegação, e para +terem maior certeza, reuniram pilotos e _espericos_ para sobre isto +discutirem com Magalhães, que a todos deu suas razões e todos +concordaram no que elle dizia e confirmaram que era homem mui sabido.» + +Os mares e terras da demarcação do imperador, a que se referia Fernão de +Magalhães, eram os comprehendidos na linha divisoria que o Papa +Alexandre VI marcára a pedido dos reis catholicos afim de evitar +conflictos entre os reis de Castella e de Portugal, pela diligencia em +que estas duas nações andavam de descobrir terras desconhecidas. + +A linha traçada pelo Papa, ia de um polo ao outro, 100 leguas ao +occidente dos Açores, dando aos hespanhoes a posse das terras que +descobrissem para esta parte e aos portuguezes as que descobrissem e +conquistassem para o oriente. + +A bulla de Alexandre VI que isto concedia começa assim: _De nostra mera +liberalitate, et ex certa sciencia ac de Apostolicæ potestates +plenitudine_ etc. + +De nossa mera liberalidade, sciencia certa e plenitude do nosso poder +Apostolico etc. + +Depois d'esta demarcação os reis de Portugal e os de Castella acordaram +em fixar a linha divisoria mais 270 leguas ao occidente, pelo que diz +Muñoz na _Historia del Nuevo Mundo_. + + + + +VII + + +As declarações feitas por Fernão de Magalhães na Casa da Contratação de +Sevilha, não foram sufficientes para esta appoiar abertamente os +projectos do ousado navegador, e se não fôra a influencia de João de +Aranda, que se empenhou para que tivesse bom seguimento a proposta de +Magalhães, talvez este não lograsse ainda o seu intento. + +João de Aranda, era feitor da Casa da Contratação, de animo propenso a +emprezas arriscadas e por isso comprehendeu bem todo o alcance da +empreza de Magalhães e tanto que prometteu protejel-a mediante alguma +parte dos lucros que d'ella resultassem. + +Foi n'esta occasião que chegaram a Sevilha os dois irmãos Faleiros os +quaes não concordaram com o que Fernão de Magalhães havia tratado com +João de Aranda, muito principalmente Rodrigo Faleiro que era homem de +caracter mais desconfiado e irritavel, e que se considerava a alma da +empreza de que Magalhães seria o elemento pratico. + +Importantes deviam ser os estudos de Rodrigo Faleiro, para que Magalhães +se sujeita-se ás suas exigencias, transegindo com elle tanto quanto +possivel, no que bem mostrava a generosidade de animo a par de melhor +conhecimento pratico do mundo, para debelar as difficuldades que se +levantavam no seu caminho. + +De tal arte soube conciliar tudo para chegar ao seu fim, fazendo boas as +negociações que havia entabolado com Aranda, firmando, emfim, um +contracto em Valladolide a 23 de fevereiro de 1518, perante o escrivão +de suas altezas, Diogo Gonçalves de Sant'Iago, em que elle, Magalhães e +Rodrigo Faleiro dariam a oitava parte do proveito que resultasse _em +dinheiro, ou renda, ou officio ou em outra qualquer coisa que seja, de +qualquer quantidade ou qualidade_ dos descobrimentos que se propunham +levar a cabo. + +Não estava ainda bem firme no throno das Hespanhas o principe Carlos +d'Austria, o que naturalmente preoccupava o jovem monarcha, não sendo +por isso muito favoravel a occasião para se occupar das pretenções de +Magalhães. + +Entretanto o navegador portuguez escudado com as protecções que +grangeára, sempre conseguiu chegar á presença do monarcha e fazer +exposição dos seus planos, tendo primeiro apresentado aos ministros do +rei esses mesmos planos, apresentação para a qual muito influiu o bispo +de Burgos D. João Rodrigues da Fonseca. + +É para notar que este bispo de Burgos, que combatera tenazmente os +planos de Colombo, de Balbôa e de Cortez, se apresentasse na côrte +protegendo Magalhães com decidido empenho! Não nos diz a historia se +n'esta protecção iria interesse pessoal, ou a convicção da utilidade +pratica dos projectos de Magalhães, sendo, todavia, certo que o caracter +do bispo não era dos de melhor quilate. + +Em todo o caso percebe-se que Fernão de Magalhães soubera pôr o bispo de +seu lado, como já soubera conciliar as divergencias levantadas por +Faleiro. + +Mas ha ainda mais. + +Carlos V não accedeu tão de prompto, como a muitos parecerá, depois da +resposta que dera aos regedores da Casa de Contratação, ás propostas de +Fernão de Magalhães, e antes levantou duvidas, desconfianças sobre a +auctoridade em que o ousado portuguez firmava os seus planos. + +Era de esperar. + +Mas Fernão de Magalhães não se desconcertou. Soccorreu-se das +observações feitas em suas viagens, do que havia estudado e de quanto +adquirira de Faleiro; por fim citou uma carta geographica, existente em +Portugal, levantada por Martinho de Bohemia em que marcava a +communicação entre o mar do norte e o do sul, e com tanta proficiencia +discutiu os seus planos que conseguiu desvanecer todas as duvidas no +espirito de Carlos V, acabando este por lhe conceder quanto pedia, +mandando lavrar o contracto, o qual se celebrou a 22 de março de 1518. +Por este contracto foi dado a Fernão de Magalhães e a Faleiro o +privilegio de, por espaço de dez annos, a nenhum outro navegador ser +concedido ir a descobertas pelo mesmo caminho que elles. Seriam postos á +sua disposição cinco navios, armados de artilheria, e guarnecidos com +234 homens, com mantimentos para 2 annos e mais dava o commando dos +ditos navios a Fernão de Magalhães e a Faleiro e a vigesima parte dos +lucros que houvesse d'estes descobrimentos, conferindo-lhe o de +adiantados e governadores das terras que descobrissem a elles e seus +descendentes. Alem d'isto ainda Carlos V deu o titulo de capitães d'esta +esquadrilha a Magalhães e a Faleiro, com 50:000 maravedis de soldo pagos +pela Casa da Contratação, com toda a auctoridade em terra e no mar, etc. + +Não contente ainda com o que tinha concedido, Carlos V, pouco depois de +celebrado aquelle contracto, ordenou que fosse augmentado o soldo dos +dois capitães com mais 8:000 maravedis e 30:000 para ajuda de custo; +mandando tambem que se abreviasse quanto possivel o armamento dos cinco +navios. + +Fernão de Magalhães ia triumphando com a sua idéa, mas não tardou que +novas difficuldades se levantassem, e d'esta vez era de Portugal que +vinham. + +Soube-se na côrte de D. Manuel do que se estava passando em Hespanha com +os dois portuguezes, e calculando-se quanto poderiam perigar as +possessões portuguezas na India, se Fernão de Magalhães levasse por +diante seu intento, necessario era combatel-o. + +Era embaixador portuguez em Hespanha D. Alvaro da Costa, que ali fôra +pedir a mão da infanta D. Leonor para el-rei D. Manuel. Sob este +pretexto e quantos mais se podem imaginar, representou contra as +concessões feitas por Carlos V a Fernão de Magalhães, e com tal arte se +houve que o monarcha das hespanhas se abalou, chegando a ponto de quasi +revogar o que estava contractado. + +Foi ainda o citado bispo de Burgos que demoveu todas as duvidas. + +Fernão de Magalhães iria finalmente á descoberta. + + + + +VIII + + +Decorreram seis mezes entre a assignatura do contracto e a partida de +Magalhães. Foram seis mezes de luctas para o ousado portuguez, em que se +lhe levantaram difficuldades por todos os lados, desde aquellas que +Rodrigo Faleiro lhe criou com o seu genio irascivel, até ás que o povo +de Sevilha, instigado pelos agentes portuguezes para impedirem a +empreza, oppôz, tentando destruir os navios que estavam a construir para +a viagem, e contra a vida de Magalhães, desconfiando da lealdade do seu +procedimento. + +Não foi menos importante a falta de dinheiro para occorrer ás despezas +da expedição, falta que suppriu Christovão de Haro e Affonso Gutierres a +que tambem acudiram alguns negociantes de Sevilha a instancias do bispo +de Burgos, devotado protector da empreza. + +Faleiro, investido de poderes eguaes aos de Magalhães e de genio mui +differente d'este, foi impossivel dirigir os trabalhos de commum accordo +e a tal ponto chegou a desintelligencia entre os dois, que Carlos V sem +querer melindrar nem um nem outro, mas vendo a impossibilidade de se +consertarem, determinou por uma real cedula datada de 26 de julho de +1519, que Faleiro ficasse em Sevilha tratando de aprestar uma outra +expedição, que seguiria a Magalhães, e que o capitão portuguez partisse +com o exclussivo de unico commandante superior da esquadrilha. + +Tudo se aprestou alfim: a esquadrilha que ia a descoberta compunha-se de +cinco navios, de que Fernão de Magalhães era o almirante. O primeiro +d'aquelles navios era o _Trindade_, em que ia Magalhães; o segundo +_Santo Antonio_ commandado por João de Cartagena, que era ao mesmo tempo +vedor da armada e tinha o titulo de adjunto de Fernão de Magalhães; o +terceiro, _Conceição_ do commando de Gaspar de Quesada; o quarto, +_Victoria_ tendo por commandante Luiz de Mendonça, que era tambem o +thesoureiro da armada; o quinto, _Santiago_, que era o mais pequeno, +commandado pelo piloto João Serrano. + +Foi a 10 de agosto de 1519 que a esquadrilha levantou ferro, e descendo +o Guadalquivir, veiu fundear no porto de S. Lucar de Barrameda, para +quarenta dias depois, a 20 de setembro, soltar as velas ao vento, em +monção favoravel e aventurar-se por esses mares fóra, sem temor dos +perigos, á procura da passagem para o mar do sul. + +Ia na expedição um interprete indio malayo, christão, que Magalhães +levava para melhor se entender com os povos que esperava encontrar; +tambem ia Duarte Barbosa cunhado de Magalhães, que já conhecia a Asia, e +o italiano Antonio Pigaffetta, que foi o chronista da viagem. Além +d'este iam outros extrangeiros, como francezes, flamengos e um inglez, +todos fazendo parte da companha, soldados, marinheiros, artifices +etc.[3] + +As caravellas, com suas proas alterosas, lá iam cortando o mar, +impellidas pelo vento rijo que lhe empavesava as latinas. Era um dia de +sol, como só os ha na peninsula Iberica, e os seus raios de ouro +reflectindo-se nas aguas centuplicavam a luz que illuminava aquelle +quadro, ao mesmo tempo que alentavam a alma dos valorosos navegantes, +não deixando esfriar o enthusiasmo que animava todos: os que partiam e +os que em terra lhe dirigiam as ultimas saudações. + +A epocha era d'aquellas aventuras que melhor iam a estes povos, +hespanhoes e portuguezes que por egual andavam empenhados nas +descobertas. + + [3] _Vida e Viagens de Fernão de Magalhães_ por Diego de Barros + Arana. + + + + +IX + + +Que trabalhosa viagem antes de chegar ao porto desejado! Cortada de +temporaes e de discordias, que de uns e outras não faltaram para +experimentar o animo do ousado navegador. + +Logo nos principios da rota Fernão de Magalhães teve que pôr a ferros a +João de Cartagena, que se sublevara contra elle por motivo de Magalhães +mudar de rumo sem o consultar, sendo Cartagena seu adjunto. + +A 13 de dezembro dava fundo, na bahia do Guanabára ou Rio de Janeiro, a +esquadrilha. + +É curioso o que conta Pigaffetta do negocio que fizeram com os indigenas +durante o tempo que ali permaneceram os navios. + +Diz elle: + +«Aqui fizemos provisão de gallinhas e de _patatas_, um fructo semelhante +ás pinhas, mas muito doce e exquisito, canna doce, carne de anta +semelhante á de vacca. Fizemos excellentes negocios. Por um anzol ou por +uma faca davam-nos cinco ou seis gallinhas; dois ganços por um pente; +por um espelhinho ou um par de tesouras obtinhamos uma porção de peixe +suffeciente para alimentar dez pessoas; por um guiso ou uma fita +traziam-nos os indigenas uma canastra de _patatas_. Por preços tão +subidos como estes trocámos as figuras dos naipes de cartas: por um rei +deram-me seis gallinhas e os indios cuidavam fazer um excellente +negocio.» + +Depois de um descanço de quatorze dias no Guanabára de novo se pôz a +esquadrilha ao mar seguindo rumo parallelo á costa até o Cabo de Santa +Maria, na embocadura do Rio da Prata, onde entrou a 10 de janeiro de +1520, para reconhecer as margens, distinguindo nas extensas planicies +uma elevação a que os navegantes chamaram Monte-Vidi e que mais tarde se +denominou Montevideo. + +A 14 de fevereiro deixou Fernão de Magalhães o Rio da Prata e seguindo a +linha da costa foi navegando atravez os temporaes até o porto de S. +Julião, onde arribou a 31 de Março, para ali invernar, pois era chegada +a estação das chuvas. + +Eram os primeiros navegadores europeus que chegavam aquelle porto, que +de resto encontravam despovoado, e sem viveres de que se podessem +fornecer! + +Havia decorrido seis mezes que tinham largado de S. Lucar de Barrameda. + +A confiança que Fernão de Magalhães conseguiu inspirar ao rei de +Castella, a todos que concorreram para a realisação da sua viagem e até +aos proprios que o acompanharam, não permaneceu firme, depois d'aquelles +seis mezes decorridos sem resultado obtido. + +Parece fóra de duvida, que o unico verdadeiro crente na empreza era +Magalhães, o que não admira porque era elle quem melhor conhecia o plano +tantos annos acariciado na mente. + +Os que o acompanhavam não tinham decerto a mesma força de espirito que +elle, o bastante para lhe esfriar o enthusiasmo, para lhe quebrar o +animo. Foi assim que, chegados áquelle ponto, sem terem alcançado o +termo desejado, entenderam por melhor desestir, reclamando de Magalhães +que, ou alargasse as rações que tinham sido cerseadas, ou voltasse para +Castella. + +Fernão de Magalhães, porém, não era homem que se acobardasse com aquella +imposição, e protestou que iria até ao fim embora sacrificasse a sua +vida no cumprimento do dever. + +Entretanto os capitães das caravellas não se conformaram com aquella +resolução, e muito particularmente Gaspar de Quesada, commandante da +_Conceição_, o qual concebeu um plano de revolta contra o chefe da +esquadrilha. + +Pela noite, quando a escuridão mal deixava distinguir as embarcações +dispersas no porto de S. Julião, uma lancha largou de bordo da +_Conceição_; ia n'ella Quesada com trinta homens armados dispostos a dar +assalto á caravella _Santo Antonio_. Os marinheiros remavam mansamente +fazendo o menor ruido possivel, para não despertarem a attenção de +alguem que os podesse ouvir dos outros navios. + +Gaspar de Quesada soltara João de Cartagena[4] que levava preso a bordo, +o qual ficou á testa da caravella. O seu plano era apoderar-se da +caravella _Santo Antonio_, prender o commandante Alvaro de Mesquita e +com a força d'estes dois navios reduzir os outros á sua obediencia até á +_Trindade_, impondo-se assim a Fernão de Magalhães, a quem queria +obrigar a tratar com mais consideração os capitães e pilotos da +esquadrilha. + +Não foi difficil o assalto: as poucas sentinellas da _Conceição_ foram +tomadas de surpreza emquanto Quesada com meia duzia dos seus homens, se +dirigiu ao alojamento de Alvaro de Mesquita para o prender. Entretanto o +mestre João Elorriaga déra pelos assaltantes e correndo em soccorro do +seu commandante, travou uma sangrenta lucta em que ficou ferido. Quesada +vibrou-lhe quatro valentes punhaladas num braço que o prostraram, +conseguindo por fim pôr a ferros Alvaro de Mesquita e arvorar-se elle +cammandante da _Santo Antonio_. + +Luiz de Mendonça ia feito com Quesada, pelo que os revoltosos tinham +tres navios, achando-se em maioria para imporem a lei a Magalhães, que +áquella hora dormia, ainda que talvez pouco tranquillamente, na sua +caravella _Trindade_. + +De manhã é que Magalhães soube da sublevação dos tres capitães porque +logo da _Victoria_ sahiu uma lancha com um emissario, que veio notificar +ao chefe da esquadrilha a resolução em que estavam, de não continuarem a +ser tratados como até ali, de obedecerem cegamente ás ordens d'elle, mas +sim resolverem tudo de commum accordo. + +Isto que á primeira vista póde parecer justo, não o seria nas +circumstancias que se davam, porque importava o malogro da empreza de +Magalhães. Os revoltosos não queriam continuar a viagem que tinham por +temeraria, descrendo de encontrar a passagem para o mar do sul, emquanto +que Fernão de Magalhães pensava exactamente o contrario, e d'este modo +era-lhe impossivel transijir, tornando-se imperioso apellar para toda a +sua auctoridade, empregando a força para submetter os que assim lhe +faltavam á obediencia. + +A força, porém, do chefe achava-se reduzida e em minoria, mas a +inferioridade numerica nunca acobardou espiritos fortes e da estatura +moral de Fernão de Magalhães, que nascera, sem duvida, para dominar e +não para ser dominado. + +Era arriscada a empreza; tanto mais razão para não recuar. Se os seus +capitães vallessem tanto como elle não recuariam como elle não recuava +perante os perigos. Logo a superioridade de Magalhães era manifesta e de +molde a não se intimidar com a attitude dos revoltosos. + +Magalhães respondeu á notificação que lhe fizeram, ordenando que viessem +a bordo da _Trindade_ conferenciar com elle os tres chefes da revolta. +Esta ordem, porém, não foi obedecida, tendo em resposta, que viesse +Magalhães a bordo da _Santo Antonio_, onde todos se reuniriam para +resolver. + +Não havia que hezitar. Estava lançada a luva, e Fernão de Magalhães nem +sequer pastanejou para a levantar. Fez tambem o seu plano para dar o +golpe decisivo. + +O alguasil Gonçalo Gomes de Espinoza era homem valente e decidido; pois +iria elle e mais seis homens de confiança a bordo da _Victoria_, levar a +ordem para Luiz de Mendonça se apresentar immediatamente no navio do +chefe. + +Levava instrucções particulares que haviam de permittir bom exito d'esta +vez. + +Espinoza acercou-se com a sua chalupa da _Victoria_ e saltando no navio +logo veio o commandante a quem elle entregou a ordem que levava. Luiz de +Mendonça leu essa ordem, não sem occultar a desconfiança que lhe +inspirava, mas emquanto a lia meditando sobre a resposta a dar, Espinoza +tirou de um punhal que levava escondido e com elle lhe atravessou o +pescoço. Luiz de Mendonça baqueou e um outro golpe descarregado na +cabeça por um dos companheiros de Espinoza, deixou-o completamente morto +sobre a tolda. + +Ao mesmo tempo que se dava esta scena tragica, atracava á _Victoria_ +outra chalupa em que vinha Duarte Barboza com mais quinze homens +armados, que Magalhães mandava, como prevenção para assegurar o triumpho +dos que se tinham ido expor a uma lucta desegual com a gente d'aquelle +navio. + +Não foi, felizmente, preciso derramar mais sangue, pelo que diz Lopez de +Recalde, na carta escripta á vista do processo que se instruiu em +Sevilha em 1521, e que Herrera refere. Morto o commandante, a tripulação +submetteu-se sem resistencia, e no mastro da _Victoria_ foi içada a +bandeira do triumpho. + +Restava submetter Cartagena e Quesada, mas a sorte de Luiz de Mendonça +influiu tanto no espirito dos dois capitães, que lhes quebrou o animo +para tentarem desforra, em presença da firmeza do chefe. + +Limitaram-se a tentar a retirada para Castella; mas nem isso +conseguiram, porque as tres caravellas que estavam fieis a Magalhães, +foram, por ordem d'este, fundear na entrada do porto, tirando aos +revoltosos a esperança de poderem sahir com os seus navios sem +experimentarem a artilheria dos contrarios. + +Concertaram então outro plano. + +Quesada tinha, como ficou dito, preso a bordo Alvaro de Mesquita, que +era primo co-irmão de Magalhães, e pensou de o soltar para servir de +medianeiro entre elle e o chefe da esquadrilha, afim de obter uma +capitulação favoravel. + +Alvaro de Mesquita, porém, logo desenganou Quesada, de que seu primo não +transigiria; conhecia-o bem para esperar o contrario e toda a tentativa +de conciliação seria completamente inutil. + +Assim descoraçoados os dois capitães revoltosos, apellaram novamente +para a retirada, projectando sahir do porto n'aquella noite, pondo na +prôa de um dos navios o Mesquita, para d'ali parlamentar com Magalhães, +segundo diz Herrera. + +Pela noite a _Santo Antonio_ levantou ferro e aproou para sahida, +aproveitando a hora da maré, desferrando pano pouco a pouco, debaixo de +grande silencio, com as maiores precauções. O vento, no porto soprava +brando e só mais para o largo é que o mar, encrespado, indicava vento +mais rijo. + +Vencer a sahida era tudo, porque depois com boa refrega e pano largo, +ganharia distancia não sendo facil colhel-a nenhum dos navios da +esquadrilha. + +Á cautela, Alvaro de Mesquita fôra mandado para a proa por Quesada, para +d'ali parlamentar com Magalhães, se da _Trindade_ dessem pela sahida da +_Santo Antonio_, como era de prever. De facto assim aconteceu, mas o +modo como da _Trindade_ vieram á fala não deu tempo a parlamentar. + +Esta caravella, assim que a _Santo Antonio_ chegou ao alcance, rompeu +fogo das peças e de mosqueteria, investindo para a abordagem. + +Estava lá Magalhães que era tão ousado navegador como soldado. Mandando +a manobra com precisão e incitando os seus homens ao combate, não tardou +a abordagem e que estes saltassem no navio sublevado, ouvindo-se então, +por entre o alarme da desordem e o estrondear dos tiros, vozes que +perguntavam em alta grita: + +--Por quem sois? + +Da resposta a esta pergunta dependia a vida ou o exterminio dos +sublevados, porque Magalhães e a sua gente não contemporisavam. + +Quesada, por sua parte tambem incitava os seus homens á resistencia e ao +combate, mas não inspirava á sua gente a mesma confiança que Magalhães, +nem tinha o prestigio superior do chefe da esquadrilha. + +Foi por isto que não teve meio de resistir á abordagem, e a resposta á +pergunta que a gente da _Trindade_ ia repetindo insistentemente:--Por +quem sois? echoou na alma de Quesada como uma sentença de morte, ao +ouvir gritar: + +--Pelo rei nosso senhor e por vossa mercê! + +Fernão de Magalhães triumphava mais uma vez dos revoltosos e affirmava o +seu prestigio entre a gente que o acompanhava, fazendo perder a +esperança de novas sublevações. + +Quesada e todos os cabeças de motim foram presos, e o mesmo succedeu a +Cartagena, capitão da _Conceição_, que humilhado se entregou. + +Restava castigar os sublevados e esse castigo devia ser exemplar para +que não viessem novas tentativas de revolta pôr em perigo a segurança e +bom exito da expedição. + +Consoante os tempos e a grandeza dos delictos, assim seria a severidade +da punição. + +Magalhães não hesitou na sentença. + +No dia 4 de abril, o seguinte áquella noite de desordem, mandou +Magalhães que o cadaver de Luiz de Mendonça, fosse posto em terra e ali +esquartejado ás vistas de todos e apregoada a alta traição, que assim +fôra punida. + +Seguidamente foi instaurado a bordo da _Trindade_ um processo, em que +Alvaro de Mesquita formulou a accusação, sendo os alguazis e escrivães, +que iam na esquadrilha, encarregados de fazerem o summario e inquerirem +as testemunhas, o que tudo escripto deveria depois ser apresentado a +El-rei, quando Magalhães regressasse a Castella, como prova +justificativa do seu procedimento.[5] + +D'esse processo resultou a sentença que condemnou á morte Gaspar de +Quesada e Luiz Molino, creado d'este. + +Passados tres dias, a 7 de abril, teve logar a execução. + +Para esse fim foi armado na praia o patibulo e na presença de +contingentes de todos os navios, decapitado o criminoso, servindo de +carrasco o Luiz de Molino que por este preço adquiriu o perdão. + +O corpo de Quesada tambem foi esquartejado e a sua traição apregoada. + +Mas ainda não era tudo. João de Cartagena tambem devia ser punido assim +como o capellão Pedro Sanches de La Reina, que tambem se averiguou ter +conspirado contra o chefe da esquadrilha. + +O castigo, porém, d'estes revoltosos, parecendo mais equitativo, nem por +isso foi menos duro, pois que Magalhães os condemnou a ficarem +abandonados em terra, onde não havia viveres apropriados nem gente. + +É facil calcular as inclemencias que aquelles desgraçados soffreriam e +quão duramente expiaram o seu delicto. + +Se Fernão de Magalhães affirmou a sua auctoridade de forma tão cruel, +deve-lhe ser levado em conta a rudeza dos tempos e a imperiosa +necessidade que a isto o obrigou, para não vêr completamente perdida a +sua gloriosa empreza. + + [4] _Vida e Viagens de Fernão de Magalhães_ por Diego de Barros + Arana. + + [5] Navarrete publicou este processo a pag. 10 do tomo IV da sua + _Coleccion_. + + + + +X + + +Fernão de Magalhães conseguira, emfim, restabelecer a ordem na sua +esquadrilha; mas, se não receava novas sublevações que contrariassem o +seu proposito, contrariava-o a invernia com todos os rigores de suas +tormentas, que não o deixava avançar na viagem de exploração. + +A impaciencia principiava a apoderar-se do seu espirito, porque o tempo +ia correndo sem resultado pratico que o animasse, tanto a elle como á +sua gente. + +Chegou o fim de abril e os rigores do inverno pareciam ceder ás +instancias da primavera risonha e boa. + +Tanto bastou para que Magalhães ordenasse um reconhecimento ao Sul da +bahia de S. Julião, por onde julgava encontrar o almejado estreito ou +passagem para os mares da India. + +Encarregou João Serrão de ir, na caravella _Santiago_, a mais pequena da +esquadrilha, fazer esse reconhecimento, para o que deu ao ousado piloto +as instrucções necessarias, recommendando-lhe que seguisse sempre para +Sul e parallelo á costa, porque assim encontraria o estreito. + +Seguio João Serrão as instrucções de Magalhães, costeando cerca de vinte +legoas, com tempo favoravel, e a 3 de maio encontrou-se na foz de um rio +com mais de uma legoa de largura. + +Seria a entrada do procurado estreito?! + +É o que vamos vêr. + +Era e é o dia 3 de maio commemorado pela egreja, que celebra a festa da +exaltação da Santa Cruz, e Serrão commemorando aquelle dia deu ao novo +rio o nome de Santa Cruz, que ainda hoje tem. + +Abundava ali a pesca e os lobos marinhos e de tão grande tamanho como +ainda não tinham sido vistos; dis Herrera que um d'aquelles animalejos +despido da pelle, da cabeça e das gorduras, pesava desanove arrobas ou +dosentos e oitenta e cinco kilos dos pesos actuaes. + +Fez Serrão um reconhecimento á costa, mas não encontrou signaes do +estreito, pelo que proseguio a viagem para Sul, continuando a seguir a +costa. Um forte temporal, porem, surprehendeu os navegantes, a 22 de +maio, transtornando-lhe o proseguimento da derrota. + +Os escriptores que se referem a este successo divergem emquanto a datas +e a victimas do naufragio, Diego Arana, porém, segue a ordem +chronologica dos factos e estabelece aquella data, assim como descreve o +naufragio e as victimas. + +A tempestade foi tão violenta que rasgou todo o panno da caravella; a +força do mar levou o leme e arrastou o navio á praia onde se fez em +pedaços, mal dando tempo á tripulação se salvar, perecendo ainda assim +afogado um preto escravo de Serrão. + +Depois das luctas com os homens principiavam as luctas com os elementos, +para o que era impotente toda a energia de Magalhães. + +Dos homens triumphara elle até alli; da furia dos elementos era mais +difficil e só uma vontade de ferro, disposta a vencer ou morrer, poderia +alimentar a esperança de triumphar. + +Da caravella _Santiago_ apenas restavam despojos que o mar ia trazendo á +praia, onde os naufragos se encontravam á conta de Deus, sem guarida nem +conforto algum que lhes alentasse a vida! E comtudo grande distancia os +separava dos companheiros, que esperavam o seu regresso, no porto de S. +Julião. + +Os naufragos depois de terem caminhado umas seis legoas, para alcançarem +as margens do rio Santa Cruz, seis legoas que levaram quatro dias a +percorrer, tal era o cansaço e fraqueza em que estavam, e para mais +carregados de madeira, destroços do navio naufragado, com que haviam de +construir uma jangada para atravessar o rio, chegaram emfim ás margens +do Santa Cruz, quasi mortos de fadiga e de fome, pois que para se +alimentarem apenas tinham as ervas que encontravam pelo caminho e alguns +mariscos. + +No rio Santa Cruz havia abundancia de peixe para se alimentarem, e +construiram uma jangada com a madeira que traziam e assim, debaixo de +grandes perigos atravessaram o rio dois marinheiros para irem participar +o occorrido ao chefe da esquadrilha, que estava no porto de S. Julião. + +Segundo diz Diego Arana, onze dias gastaram os dois marinheiros para +chegarem a S. Julião e tão penosa foi esta jornada, sem terem quasi que +comer, que ao apresentarem-se a Magalhães, nem este nem os mais +companheiros os reconheceram, tão desfigurados vinham. + +O tempo continuava tormentoso; as tempestades succediam-se não +permittindo qualquer tentativa de navegação. Entretanto Magalhães não +lhe consentia o animo deixar sem prompto auxilio os pobres naufragos da +_Santiago_, e assim ordenou que logo partissem por terra 24 homens +carregados de comestiveis, em soccorro d'aquelles desgraçados, +proporcionando-lhes os meios de virem reunir-se a seus companheiros. + +Não foi menos penosa a jornada d'estes 24 homens, sob os rigores do +tempo e a selvageria dos caminhos. Para saciar a sêde tiveram que +derreter gelo, pois não encontraram agua de beber, e apesar das +difficuldades do caminho apressaram quanto poderam a marcha para mais +breve soccorrerem os seus companheiros. + +Dois dias levaram a atravessar o rio na jangada que haviam armado, e +mais refeitos pela alimentação que tomaram lá se pozeram todos em marcha +a reunirem-se á esquadrilha, sem perda de um só. + +Este contratempo foi de bom aviso para Magalhães que reconheceu quanto +era temerario o tentar proseguir em reconhecimentos da costa ou passar +avante, emquanto não se acalmassem os rigores da estação. + +A fidelidade e energia de Serrão tornou-se notavel, e Magalhães não o +desconheceu pois que nomeou o ousado piloto, capitão da caravella +_Conceição_, justo premio de quem tanto se tinha exposto e soffrido para +bem cumprir as ordens do chefe. + +Emquanto, porém, a esquadrilha invernava no porto de S. Julião, +Magalhães foi aproveitando o tempo em reparar as caravellas e para isso +mandou fazer em terra uma casa para forjas onde os ferreiros exercessem +o seu officio. O frio, porém, era tão intenso que os operarios mal +podiam fazer uso das mãos, chegando alguns d'elles a perderem os dedos +gangrenados pelo frio! + +Não podendo fazer reconhecimentos por mar, tentou Magalhães fazel-os por +terra, e então mandou quatro homens armados para o interior a vêr se +descobriam algumas povoações, onde se podesse fornecer de mantimentos; +mas trabalho baldado porque a poucas legoas de caminho tiveram que +retroceder por lhes faltar agua e comestiveis sem encontrarem viv'alma, +o que lhes deu a convicção de que o paiz não era habitado. + + + + +XI + + +Tinha decorrido mais de seis mezes que a esquadrilha estava no porto de +S. Julião quando um dia appareceu na praia um homem de grande estatura, +mal coberto com uma pelle de animal, cantando em desconcertada voz, +pulando e lançando punhados de areia na cabeça, o que pareceu significar +as suas intenções pacificas, porque, segundo diz o capitão Cook na sua +_Voyage dans l'hémisphère austral_, os indios da ilha de Malicolo +lançavam agua na cabeça em signal de paz. + +Extranha apparição esta que surprehendeu os navegantes já descoraçoados +de encontrarem alma viva n'aquellas paragens. + +Os hespanhoes repetiram o mesmo signal que o selvagem fizera, de deitar +areia na cabeça, para assim elle entender que estavam na mesma intenção. + +De facto o selvagem acercou-se de um marinheiro que Magalhães mandou a +terra e com elle veio á presença do chefe da esquadrilha. + +Pigafetta descrevendo este selvagem diz: «Era este homem tão alto que a +sua cintura dava pela nossa cabeça. Bella estatura; rosto amplo e +arroxeado, olheiras amarellas e como que marcando-lhe as faces duas +manchas em fórma de coração. Os cabellos, muito curtos, pareciam +embranquecidos com pós. Cobria o corpo, ainda que mal, com as pelles de +um animal que abundava n'aquelle paiz. Este animal tem cabeça e orelhas +de mula, corpo de camello, pernas de veado, cauda de cavallo e relincha +como este.» + +Deve ser o guanaco. + +Parece que a surpreza fez augmentar aos olhos dos hespanhoes as +proporções d'aquelle selvagem, pois que D'Orbigny na sua obra _L'homme +americain_ referindo-se aos habitantes d'aquellas regiões diz: «Não +podemos occultar que nos illudiu a apparencia d'estes homens. A largura +das suas espaduas, cobertas desde a cabeça até os pés com capas de +pelles de animaes selvagens, cosidas numa só peça, produziram em nós tal +illusão, que primeiro de os medirmos nos pareceram de extraordinaria +altura, emquanto que depois de bem observados e medidos directamente, +ficaram reduzidos ás dimensões vulgares.» + +Diz ainda Pigafetta: «Magalhães recebeu com muito agrado este selvagem. +Ordenou que lhe dessem de comer e o levassem diante de um grande +espelho, o que o surprehendeu extraordinariamente e encheu de admiração. +O selvagem que não tinha a menor noção do que fosse um espelho, e que +pela primeira vez via a sua propria figura, recuou cheio de espanto, +deitando ao chão quatro homens que estavam atraz d'elle.» + +Aquelle primeiro selvagem foi mandado pôr em terra depois de Magalhães +lhe ter dado alguns presentes, e elle tão contente se foi, que não +tardou que outros se apresentassem com a mira nas mesmas dadivas. + +Eram todos da mesma corpolencia que o primeiro, e como aquelle tinham +pés enormes, pelo que os navegantes os denominaram Patagões, nome porque +ainda actualmente são designados os homens d'esta raça. + +A todos Magalhães mandou dar comida e presenteou com espelhinhos, +missangas e outras bugiarias, com o que ficaram muito contentes. Um +d'elles mais domestico demorou-se alguns dias a bordo da _Trindade_, +sociando com os marinheiros, que lhe ensinaram algumas palavras +castelhanas e o baptisaram com o nome de João. + +Este João comia os ratos que os marinheiros caçavam, e o fazia com muito +gosto, até que mostrando vontade de ir para terra o desembarcaram, sem +que por muitos dias voltassem ás vistas dos navegantes outros selvagens. + +Eram tão extraordinarios os habitantes d'aquellas paragens, que +Magalhães entendeu trazer dois d'elles ao rei de Castella, quando +regressasse á Europa. + +Foi assim que a 28 de julho, voltando á praia quatro selvagens dos que +já tinham estado a bordo, Magalhães os mandou buscar, retendo no navio +dois d'elles e mandando para terra os outros. + +É curioso o que Pigafetta descreve a respeito da prisão d'estes dois +patagões: «Foi preciso pôr-lhe grilhões aos pés, enganando-os, +fazendo-lhes acreditar que os ferros eram presentes e lh'os punham nos +pés para que os podessem levar para terra.» + +Não foi de bom aviso a detenção dos patagões a bordo, porque isto levou +desconfiança aos que estavam em terra e que, mais numerosos, vieram +juntar-se de noite, na praia onde accenderam fogueiras, coisa que até +ali não fôra visto pelos navegantes. + +Este facto chamou a attenção de Magalhães, que na manhã seguinte mandou +sete homens á descoberta para saber o que seria. + +Os exploradores, porém, encontraram a praia deserta e apenas vestigios +das fogueiras, assim como das pégadas dos indigenas impressas sobre a +areia e na neve que cobria as extensas planicies. Os exploradores, +apesar do seu limitado numero, não duvidaram de se enternarem em busca +dos selvagens, mas passaram o dia n'esta diligencia sem encontrarem +nenhum, resolvendo por fim retirarem-se ao approximar-se a noite. + +Foi n'essa occasião que os exploradores se viram acommettidos por um +bando de patagões, completamente nús e armados de flechas e que, segundo +parece, os andava seguindo a distancia, sem que até ali tivesse sido +notado. + +Travou-se lucta desproporcionada, porque alem da desegualdade numerica, +os exploradores apenas levavam um arcabuz, unica arma de fogo com que se +encontravam, para fazer frente ao inimigo que os atacava. + +Diogo Barroza, soldado da guarnição da _Trindade_, caiu morto por uma +flechada, e a lucta recresceu de intensidade e bravura. Os exploradores +carregando sobre os selvagens com redobrado valor e luctando corpo a +corpo, taes estragos lhes fizeram, que o inimigo recuou, fugiu e +desappareceu para o interior deixando os exploradores senhores do campo. + +Só na manhã seguinte voltaram para bordo, depois de terem passado a +noite á roda de uma fogueira para se aquecerem e na qual assaram uma +porção de carne, que os selvagens abandonaram na fuga, e que serviu aos +exploradores de lauta ceia. + +Quando Fernão de Magalhães soube do occorrido, quiz vingar a morte do +soldado da _Trindade_ e mandou para terra vinte homens armados para +bater os patagões; mas trabalho inutil foi este, porque os selvagens não +appareceram por mais que os procurassem e os exploradores apenas poderam +dar sepultura ao cadaver de Diogo Barroza, seu companheiro d'armas. + + + + +XII + + +A 24 de agosto largou a esquadrilha do porto de S. Julião, depois de +quasi cinco mezes ali passados, com bem pouco resultado para os +progressos da expedição. + +Durante esse tempo repararam-se os navios, não sem grandes +difficuldades, como se sabe, e realisaram-se notaveis modificações nos +commandos, em resultado da insurreição de Quezada e de Luiz de Mendonça. + +Alvaro de Mesquita commandava agora a caravella _Santo Antonio_ e João +Serrão a _Conceição_. Magalhães confiara o commando da _Victoria_ a seu +cunhado Duarte Barbosa. + +Antes da partida todos da esquadrilha se prepararam espiritualmente com +os soccorros da religião, confessando-se e commungando, como quem se +dispunha para grande empreza, consoante o costume do tempo. + +Entretanto deu-se a bordo uma scena tocante, que impressionou +tristemente toda a companha e foi a despedida de João de Cartagena e do +padre Pedro Sanches que tinham de ser abandonados em terra, conforme a +sentença que a isso os condemnara. + +Era lastimoso o seu estado, com tudo o respeito que Magalhães soubera +incutir á sua gente, fez com que ninguem se oppuzesse a semelhante +barbaridade, e os condemnados lá ficaram á mercê, na praia, apenas com +provisão de bolachas e vinho para alguns dias. + +Com que magua e, quem sabe arrependimento, viram os miseros levantar +ferro os navios e largar as vellas ao vento até desaparecerem na +distancia do extenso mar, indo-se-lhe n'elles a esperança de voltarem á +patria, abandonados n'aquellas paragens até ali ignoradas para a +navegação! + +E a frota de Magalhães foi singrando no mesmo rumo que Serrão já levara +quando fôra explorar a costa d'aquelle mar. + +O tempo ia bonançoso, sem chuvas, nem vento rijo; mas já proximos do rio +Santa Cruz principiou a desenvolver-se temporal e tão violento, que as +caravellas estiveram a ponto de perder-se. + +Diz Barros que Deus e os Corpos dos Santos é que os salvaram, +referindo-se á apparição dos fogos de Santelmo nos topes dos mastros. + +Era crença dos marinheiros n'aquelles tempos, e por muitos annos o foi +ainda, que quando appareciam aquelles fogos nos topes dos mastros--hoje +conhecidos como resultantes da electricidade--era signal de estar +passado o perigo. + +Aquelles temporaes detiveram a frota dois mezes no rio Santa Cruz, sem +Magalhães poder proseguir na sua almejada descoberta. + +A 18 de outubro, porém, o tempo parecia ter abrandado mais +duradouramente, e Magalhães resolveu ir ávante, mandando fazer rumo para +S. O. sem se afastar da costa. + +Principiavam os navios, a entrar em mares até então desconhecidos, e o +receio dos navegantes era cada vez maior. Vinha a memoria as historias +phantasticas e horriveis que se contavam d'aquelles mares tenebrosos. A +superstição invadia todos os espiritos e apavorava os mais ousados. Só +havia ali um espirito forte que tinha que repartir-se por todos, +incutindo-lhe animo e confiança: era o de Fernão de Magalhães, firme no +seu proposito, crente na sua idéa. Com elle tinha que se impôr a todos +os seus subordinados, fazendo-lhes saber, que haviam de ir até o fim, +até encontrar a procurada passagem para o mar do Sul, ainda que tivessem +de chegar a 75.° graus de latitude, ou os seus navios se afundassem no +meio da porcella. + +Não tardou que, de novo, a tempestade assaltasse as frageis caravellas, +obrigando-as a estar á capa dois dias, mas abonançando ao terceiro, +permittiu aos navegantes avançarem até 50.° de latitude, avistando a 21 +de outubro, uma lingua de terra para S. O. + +Esta vista alegrou Magalhães, que mais se fortaleceu na sua idéa, +prevendo que aquella lingua de terra devia de ser a embocadura do +estreito ou passagem para o mar das Indias. + +Immediatamente tratou de mandar fazer um reconhecimento por Serrão e por +Mesquita, que iam respectivamente nas caravellas _Conceição_ e +_Santiago_. + +Mal, porém, estes navios se tinham apartado da frota, quando pela noite +sobreveio um forte temporal, que se estendeu por toda a costa, pondo em +imminente perigo tanto as caravellas que tinham ido ao reconhecimento, +como as que ficaram á espera de noticias. + +Parece que a Providencia se comprazia em contrariar tanta audacia e dar +razão aos medrosos, que quasi tinham por louco o chefe da temeraria +empreza. + +Foi uma noite e um dia de infinda tormenta. As caravellas que haviam +ancorado, largaram as amarras e abandonaram-se á porcella; a _Conceição_ +e a _Santiago_ correram ao vento sem governo, em perigo de a cada +momento vararem na costa. Diz Barros que os ventos dominantes, n'aquella +quadra, eram do Sul, contrarios ao rumo dos navegantes. Tanto bastava +para difficultar a viagem e augmentar os perigos em mares desconhecidos. + +Mas a mesma Providencia que assim experimentava os navegantes, tambem +lhes accendeu a esperança no meio da tormenta, pois que as duas +caravellas corridas do tempo, quando os navegantes se julgavam perdidos, +devisaram estes uma aberturasinha ao longo da costa que lhes pareceu ser +como que a entrada de alguma bahia. + +Manobrando com grande difficuldade, fizeram prôa para lá, e seguindo +sempre avante transpozeram aquella entrada e encontraram-se n'uma bahia, +e, como o tempo os não deixasse deter, foram correndo as caravellas até +que entraram n'outra garganta de terra para além da qual se acharam em +espaçosa bahia, como ainda não tinham encontrado, + +Ali serenou a tempestade, e os navegantes poderam reconhecer onde +estavam, resolvendo Serrão e Mesquita voltarem a juntar-se a Magalhães a +participar-lhe a boa nova. + +A abertura na costa, para que os navegantes aproaram as suas caravellas, +foi, sem duvida, um raio de esperança que lhes sorriu entre a porcella, +e por isso a denominaram estreito de Nossa Senhora da Esperança. Á +primeira bahia denominaram-n'a depois, de S. Gregorio, e ao segundo +estreito, de S. Simão. + + + + +XIII + + +Emquanto Serrão e Mesquita, luctando com a furia dos elementos, +conseguiam fazer o reconhecimento ordenado por Magalhães, o audacioso +capitão mal se tinha podido haver com o resto da frota, que ficára á +espera á entrada do cabo, a que Magalhães deu o nome de Cabo das Onze +Mil Virgens, em memoria do dia em que o avistou ser dedicado pela egreja +áquella festa. + +Pelo espirito de Magalhães mais de uma vez, n'aquellas longas horas, +passou a funebre idéa de que Serrão e Mesquita teriam perecido e mais a +sua gente, no meio de tão grande tormenta. + +O temporal continuava desabrido, e a gente de Magalhães mostrava-se cada +vez mais apprehensiva, o que augmentava os receios do chefe pelo exito +da empreza que elle, com bem fundadas razões, via proximo a realisar. + +Para maior alarme, viram os navegantes elevarem-se rolos de fumo do lado +da terra, o que fez suppor que eram fogueiras que os naufragos tivessem +accendido para dar signal de onde estavam. Isto pareceu certo a +Magalhães, que logo resolveu ir em soccorro dos naufragos, fosse qual +fosse o perigo a que se ia expor e o resto da sua gente. + +«Quando estavamos, porém, n'esta anciedade, diz Pigaffeta, eis que +apparecem duas embarcações, de panno largo e bandeiras desfraldadas ao +vento, saltando por sobre as ondas e se dirigiam para nós. Ao +approximarem-se dispararam tiros de bombarda, e a sua gente dava gritos +de alegria, a que correspondemos do mesmo modo, e quando soubemos, por +elles, que tinham visto a grande extensão da bahia ou do estreito, +dispozemo-nos para continuar o nosso caminho.» + +Pelo que Serrão e Mesquita contou a Fernão de Magalhães, não restava +duvida que se encontrára, emfim, a passagem procurada. Os exploradores +haviam reconhecido golfos de mar entre alcantiladas rochas, diziam uns; +outros julgavam ter achado o estreito, por onde haviam navegado tres +dias sem lhe encontrar o fim, notando grandes correntes com pequenos +minguantes, signal evidente de que o estreito levava as suas aguas para +o poente, ao oceano. + +Tudo isto dava acerto ao juizo de Magalhães, o qual mandou dez homens em +uma chalupa reconhecer a terra. + +Esses homens não encontraram gente, mas vestigios. Mais de duzentas +sepulturas indicavam ter ali havido povoado; devia ser, porém, na +estação do calor, em que os indios vem estabelecer-se á beira do mar, +voltando para o interior na estação das chuvas, e era aquella em que os +exploradores ali se encontravam. Mais viram muitos esqueletos e ossos +soltos de baleias, espalhados pela praia, signal de grandes temporaes +que ali arrojavam aquelles cetaceos. + +Herrera diz, que por ordem de Magalhães foi a caravella _Santo Antonio_ +fazer novo reconhecimento no canal, mas sem resultado, porque tendo +Mesquita avançado umas cincoenta leguas, não lhe achou o fim, pelo que +resolveu voltar á frota a dar parte da sua viagem a Magalhães. + +Vinha talvez mais convencido de que o canal ou estreito só teria mais +perigos para quem o quizesse devassar, do que levaria a bom termo de +viagem. Magalhães, porém, não se desconcertou com o resultado do +reconhecimento de Mesquita, e antes resolveu terminantemente seguir +avante, convencido de que passaria o estreito e encontraria, emfim, o +mar da India ou do Sul. + +Não quiz, porém, levantar ferro, sem reunir na _Trindade_--navio +almirante--o conselho dos capitães, para lhes communicar a sua resolução +e saber ao certo dos mantimentos que havia, para que tempo chegariam. + +Reunido o conselho, os capitães declararam que havia comestiveis para +tres mezes. Quanto á resolução que Magalhães lhes communicou todos se +mostraram concordes, talvez mais por obediencia ao chefe, do que por +convicção do bom exito do commettimento. Apenas o piloto Estevão Gomes, +parente ainda de Magalhães, descordou dos seus companheiros, ponderando +que corriam grande perigo em proseguirem, pois que os temporaes ou as +calmarias que atrazassem a travessia, poderiam inutilisar tudo, perdendo +os navios ou reduzindo todos á fome, de que morreriam. Magalhães +combateu moderamente a opinião de Estevão Gomes, affirmando que o canal +que encontraram era a passagem para o mar do Sul, e tinha a certeza do +que dizia, porque, na thesouraria de Portugal vira uma carta de marear +desenhada por Martim Behaim, em que estava traçada aquella passagem, de +que não podia duvidar agora. O enthusiasmo de Magalhães chegou a tal +ponto que disse ao conselho: Ainda que para chegar ao fim tivesse que +comer as pelles de vacca que forravam as antenas dos navios, não +retrocederia sem cumprir o que havia tratado com Carlos V. + +Todos se submetteram á vontade do chefe, e no dia seguinte a frota +soltou vellas e navegou pelo estreito fóra até á grande bahia de S. +Bartholomeu, onde os navegantes depararam com um grupo de ilhas. + +A frota lançou ferro, e Magalhães mandou fazer um reconhecimento n'um +canal ao sul, pelas caravellas _Conceição_ e _Santo Antonio_. + +Ao sul ficava terra, a que Magalhães pôz o nome de Terra do Fogo, por +ter observado, de noite, grandes fogueiras que lá ardiam. Aquellas +terras ainda hoje conservam esse nome. + +Nada adiantou o reconhecimento que Magalhães mandou fazer, porque a +caravella _Conceição_ voltou breve sem nada trazer de novo, e a _Santo +Antonio_, debalde a esperaram, não a tornando mais a ver. + +Esta falta inquietou sobre modo a Magalhães, pelo receio de que se teria +perdido o navio, e ainda empregou esforços para o procurar, mas tudo foi +inutil, dando acerto ao parecer do piloto André de S. Martim, que disse +a Magalhães que a caravella voltára para Hespanha, como effectivamente +voltou, tendo a companha sublevado-se contra Mesquita, ao qual +prenderam, dando o commando do navio a Jeronymo Guerra, que ia a bordo +como escrivão. + + + + +XIV + + +Perdida a esperança de reunir á frota a caravella _Santo Antonio_, +continuou Magalhães a viagem pelo estreito descobrindo a sudueste o +cabo, hoje denominado pelos inglezes cabo Froward, mas a que os +hespanhoes chamaram de Santa Agueda. A latitude austral d'este cabo foi +marcada pelos navegantes em 50° 40'. O capitão King marcou depois a +latitude do mesmo cabo em 53° 43', pelo, que, como nota Diego Arana, é +para admirar que, com os instrumentos bastante imperfeitos de que então +dispunham os navegantes, podessem fixar com tão pequenas differenças a +latitude dos logares em que se encontravam, em relação ao equinoxio. + +O estreito apresentava, principalmente para o sul, grande quantidade de +canaes e recifes, quasi impossivel de reconhecer, nas precarias +condições em que os navegantes se encontravam, extenuados da longa +viagem que traziam, abatidos pelas doenças e pelos trabalhos, +desanimados, vivendo mais da esperança que animava o seu chefe que da +propria convicção de chegarem a bom fim. + +Fernão de Magalhães conhecia perfeitamente este estado, e quanto tinha a +recear de uma sublevação da sua gente se abertamente se negasse a +acompanhal-o. O que acontecera com a caravella _Santo Antonio_ podia +estender-se ás outras e elle ser impotente para manter a disciplina. De +quanta prudencia e tacto precisava para, quasi ao vêr coroados tantos +trabalhos, não se frustrar a empreza! + +Quiz ainda mais uma vez consultar os capitães e pilotos da frota sobre o +que se devia fazer, para, sabendo o que pensavam, lhe apresentar as +razões que tinha para seguir ávante. Assim os poderia convencer melhor e +desfazer os receios levantados no espirito da sua gente. + +Só é conhecida a resposta que o piloto da _Victoria_, André de S. +Martin, deu a esta consulta, e essa não foi favoravel ao proseguimento +da viagem. Este piloto, que era muito entendido em cosmographia, parece +que tinha seus aggravos de Magalhães, e, ou por este motivo, ou porque +ia doente, e tanto que morreu depois na viagem, opinava pelo immediato +regresso a Hespanha, visto que estava achado o estreito, e o +proseguimento da viagem até encontrar o mar do Sul era muito arriscado, +no estado em que os navios se achavam--e ainda peior a gente que os +tripulava,--para resistir aos temporaes que podessem sobrevir, que +decerto, atrazariam a viagem, correndo o risco de faltarem os +mantimentos e todos morrerem á fome se escapassem das tormentas. + +Não obstante esta opinião, porventura muito sensata, Magalhães deu suas +razões para continuar a viagem, e a frota seguiu avante, mau grado da +maior parte da tripulação. + +A certa altura Magalhães mandou uma chalupa com gente explorar o +estreito para o occidente. Não tinham ainda navegado muito, quando, +approximando-se da Terra do Fogo, observaram que era cortada por grande +numero de canaes, que separavam a terra formando pequenas ilhas. +Seguindo por um d'esses canaes chegaram ao extremo de uma ponta de terra +para além da qual se descobriu então aos olhos d'aquella gente um mar +vastissimo, que devia ser, sem duvida, o mar do sul que procuravam. + +É facil calcular o alvoroto que aquella descoberta produziu nos +tripulantes da chalupa; voltaram presurosos a dar a nova a Magalhães, +tendo gasto tres dias no reconhecimento. + +Pigafetta conta que todos choraram de alegria, e em verdade não era para +menos tão feliz descoberta. + +Todos cobraram animo e a frota proseguindo na sua viagem chegou á tal +ponta de terra, que os navegantes denominaram acertadamente Cabo +Desejado. + +A caravella _Victoria_ ia na frente e, sahido o estreito, que Magalhães +denominou de Todos os Santos, em razão do dia em que o tinha descoberto, +destinguiu uma outra ponta de terra onde a costa se quebrava para norte +e que donominaram Cabo Victoria, em honra do navio que primeiro o +dobrava. Para além d'este cabo é que se estendia o grande mar do sul. + + + + +XV + + +Transposto o estreito a que Magalhães chamou de Todos os Santos, como +ficou dito, mas que um seculo depois era já conhecido por estreito de +Magalhães[6] e entrada a frota no mar do Sul, estava ainda assim bem +longe o termo da penosa viagem, pois que não lhe faltaram perigos e +trabalhos que passar. + +Não foram as tempestades que difficultaram a marcha, porque essas +felizmente não assaltaram os navegantes n'aquelle mar, e tanto que estes +lhe chamaram mar Pacifico, que ainda hoje conserva; mas a propria +miseria em que se viam, faltos de saude e de alimentos, sem encontrarem +comestiveis nem poderem fazer aguadas nas ilhas a que iam aportando, +despovoadas e desprovidas das coisas necessarias á vida. + +D'esta miseria nos dá boa idéa Pigafetta quando descreve, como +testemunha presencial, as necessidades e apuros em que se viram os +navegantes: + +«Comiamos bolacha, diz Pigafetta, que estava feita em pó, cheio de +gorgulhos, que lhe tinham absorvido a substancia alimentar, com um sabor +acre detestavel da urina de ratos de que estava empregnado. A agua para +beber era, por egual pôdre e amarga. Para não morrer de fome vimo-nos +obrigados a roer o coiro que forrava a verga grande e que impedia que a +madeira desgastasse os cabos; era, porém tão duro o coiro, exposto a +agua, ao sol e aos ventos, que precisava estar de molho no mar quatro e +cinco dias, para ficar um pouco mais macio, pondo-o depois ao lume, e +assim o comiamos. Muitas vezes vimo-nos na necessidade de comermos +serradura de madeira; e os ratos, tão repugnantes ao homem, chegavam a +ser o alimento mais apetitoso, pagando-se até por meio ducado cada um.» + +«Mas ainda não era tudo. Maior desgraça nos veio atacar, a de uma +enfermidade que consistia em nos inchar as gengivas cobrindo +completamente os dentes de ambas as mandibulas, a ponto de que os +atacados d'aquella doença não podiam tomar nenhum alimento[7]. Além dos +mortos, cahiram doentes vinte e cinco a trinta marinheiros, com dores +nos braços, nas pernas e por outras partes do corpo, mas que emfim se +curaram. + +«Pela minha parte não sei dar bastantes graças a Deus, por durante este +tempo e entre tantos doentes não ter tido a menor doença.» + +Não bastavam, porém, tantas provações aos ousados navegadores, porque, +quando pensavam encontrar os viveres e refrescos de que tanto careciam, +vendo aproximarem-se de umas ilhas, em volta das quaes navegava grande +quantidade de barquinhos tripulados, depararam com bandos de selvagens, +que assaltando os navios, pretendiam roubar quanto podessem. Foi +necessario repellil-os á viva força e disparar sobre os barcos tiros de +artilheria. Só depois d'esta recepção é que os navegantes poderam entrar +com elles em commercio, trocando bagatellas que levavam por alguns +poucos viveres. + +Depressa largou a frota d'aquellas ilhas e Magalhães as denominou ilhas +dos Ladrões, com que ainda são conhecidas, chamando-se-lhe tambem ilhas +Mariannas em razão das missões que n'ellas estabeleceu a rainha D. Maria +Anna de Austria, mãe de Carlos II. + +D'estas missões trata largamente o padre Gobien na sua _Histoire des +Mariannes_, impressa em Paris em 1701. + + [6] Alguns escriptores tem dito que este nome foi posto pelo proprio + Magalhães e ainda Buzeta e Bravo assim o dizem no _Diccionario + Geographico Historico de las Islas Filipinas_, é, porém, fóra de + duvida, que o estreito foi primeiro denominado de Todos os Santos, + como vem na relação de Pigafetta e no Diario de Albo. + + Nas cartas geographicas e livros de geographia da segunda metade do + seculo XVI já o estreito vem indicado com o nome do seu descobridor, + e apenas consta de um aucto lavrado por Pedro Sarmento de Gamboa, + quando atravessou o estreito em perseguição do Corsario inglez + Drack, elle denominou o estreito Mãe de Deus em razão dos grandes + perigos que passou para o atravessar, e de que felizmente sahiu a + salvo, pedindo a Filippe II de Castella que lhe conservasse aquelle + nome em homenagem á Virgem que tão milagrosamente lhe acudira. + Apesar d'isto Filippe II conservou ao estreito o nome do teu + descobridor. + + [7] Esta doença é o escorbuto. + + + + +XVI + + +Havia mais de tres mezes que Magalhães tinha atravessado o estreito com +a sua frota e não podera até ali reconhecer as ilhas que encontrara. + +Chegou o dia 16 de março de 1521, que era domingo de Lazaro, e com elle +o descobrimento de um novo archipelago, que Magalhães denominou S. +Lazaro, em razão do dia em que o descobrira. + +A primeira ilha d'este archipelago era a ilha Zamal, assim denominada +pelos naturaes e que tambem se encontra nos mappas com o nome de Samar, +e ainda no _Diario de Albo_ com o nome de Suluan e Yunagan, como as +primeiras ilhas reconhecidas pelos castelhanos. + +Foi n'este archipelago que Magalhães desembarcou com parte da sua gente, +armando duas tendas para os doentes, e descansando alguns dias em terra, +da penosa e longa viagem que todos traziam. + +A ilha escolhida foi a Humunu a que os navegadores chamaram Aguada dos +Bons Indios, por terem ali feito aguada e por seus habitantes serem +doceis, quasi timoratos, pelo menos em presença dos visitantes. Com +elles trocaram das bagatellas que levavam por viveres de que careciam. + +Boa gente eram os indigenas d'esta ilha onde os navegantes poderam +descansar alguns dias; depois do que proseguiram viagem, avistando a 27 +de março outras ilhas para O. e S. O. as quaes verificaram serem tambem +habitadas. + +As novas ilhas denominavam-se Masavá ou Masaguá, Butuan e Calagan, +comprehendidas no archipelago que Magalhães denominou de S. Lazaro e a +que depois se chamaram Filippinas em homenagem ao filho de Carlos V[8]. + +Não foi difficil aos navegantes entrarem em boas relações com os +habitantes d'estas ilhas, os quaes vieram em barcos ao encontro da frota +e falaram com Magalhães por meio de um interprete, que os hespanhoes +levavam e que falava o malayo. + +Tão bem se entenderam, que o rei da ilha de Masavá veio a bordo fazer os +seus comprimentos a Magalhães, trazendo-lhe presentes, que este não quiz +acceitar, na primeira entrevista, para mostrar que não o movia a cobiça, +e antes presenteou o rei com mercadorias que levava. + +O rei de Masavá mostrou-se muito reconhecido a Magalhães e tanto que, +pedindo este para com elle trocar viveres por fazendas, o rei lhe mandou +arroz e do mais que tinha recebendo tecidos de côres, que muito lhe +agradaram. + +Na visita que o rei fez a bordo, Magalhães mostrou-lhe as armaduras +d'aço dos seus soldados, que os tornava invulneraveis aos golpes ou aos +tiros das armas de fogo; fez exposição das armas que levava, mandou +disparar a artilheria, o que tudo causou espanto ao rei indigena. + +Isto deu motivo ao rei de Masavá para se considerar honrado com a +amizade d'aquelles extrangeiros subditos de um rei christão poderoso, e +por isso dispensou-lhe toda a boa hospitalidade de que dispunha, n'uma +terra semi-selvagem. + +A convite do rei, foi a terra Pigaffeta e outro companheiro para +conhecerem do paiz em que estavam. + +Conta Pigaffeta que, quando desembarcou, o rei levantou as mãos ao ceu, +e se virou para os visitantes que fizeram outro tanto. + +Era isto signal de boa paz e de que tinham os extrangeiros como enviados +de Deus. Depois dirigiram-se para um alpendre feito de cannas, debaixo +do qual estava um _balangai_, embarcação de uns cincoenta pés de +comprido, e se sentaram á poupa com o rei. Ali foi servida carne de +porco e vinho e só Pigaffeta é que se atrevia a tocar na escodella do +rei quando bebia. Os da comitiva do rei estavam de pé e armados de +lanças e escudos. + +Apezar da falta de um interprete da lingua, intenderam-se por signaes e +assim foi Pigaffeta tomando nota da significação de muitas palavras +escrevendo-as no seu caderno, admirando-se todos muito de o verem +escrever! + +Ao fim do dia tornaram a comer carne de porco guisada e arroz, servido +em grandes pratos de porcellana, beberam mais vinho por escudellas e +quando acabou esta refeição, foram para o palacio do rei, que era em +forma de uma grande meda de feno, coberto de folhas de platano, e +subiram para os aposentos reaes por uma escada de mão. + +Meia hora depois de ali estarem foi servida nova refeição de peixe +assado, gengibre e vinho. N'essa occasião viu Pigaffeta o filho mais +velho do rei que veiu sentar-se ao seu lado. + +Esta refeição durou mais algum tempo, sendo servido mais peixe e arroz, +e o companheiro de Pigaffeta bebeu tanto vinho que se embriagou. + +Foi um verdadeiro dia de festa depois de tantos mezes de privações. + +N'aquella noite Pigaffeta e o seu companheiro dormiram no palacio do rei +ao lado do principe herdeiro, todos deitados em esteiras de cannas tendo +por cabeceira almofadas de folhas d'arvores. + +Era o mais a que chegavam as commodidades da vida d'aquelle povo, apesar +de no paiz abundar o ouro, que facilmente se encontrava misturado com a +terra, em pedaços do tamanho de nozes e de ovos. + +No palacio do rei havia jarros e muitos outros objectos fabricados +d'aquelle metal. O rei trazia brincos de ouro nas orelhas e os copos da +sua espada tambem eram do precioso metal. + +No dia seguinte o rei convidou Pigaffeta e o seu companheiro para +almoçarem, mas os dois retiraram para bordo, agradecendo a boa +hospitalidade, beijando n'essa occasião o rei as mãos dos visitantes ao +que estes corresponderam beijando as mãos do rei. + +Assim entabolaram os navegantes relações com a gente da ilha de Masavá +que tão bem os recebeu, que a frota ali se demorou até 4 de abril, em +que de novo se fez ao mar no proseguimento da sua derrota. + +Durante o tempo, porem, que ali permaneceu passou o domingo de Paschoa e +n'esse dia desembarcaram uns cincoenta homens meios armados com o +respectivo commandante, e um padre para dizer missa em terra, n'um altar +que se armou. + +Foi grande a admiração d'aquellas gentes quando isto viram e perguntados +se não professavam nenhuma religião, responderam erguendo as mãos para o +ceu, como que dando a entender que reconheciam um ente supremo a que +chamavam _Abba_. + +Assistiram os reis á missa e, ao offertorio beijaram a cruz e adoraram a +hostia consagrada, imitando tudo que viam fazer aos christãos. + +Quando terminou a ceremonia Magalhães apresentou uma cruz grande, diante +da qual todos se ajoelharam incluindo os indios, e fez entender ao +regulo que aquella cruz era o estandarte que o rei christão lhe havia +confiado para implantar em toda a parte que chegasse; que n'aquella +terra a ia collocar no sitio mais elevado para que todo o mundo a visse +e a todos desse signal de ali terem sido bem recebidos pelos naturaes, o +que faria que outros que aportassem aquella ilha os tratassem bem. Que +os seus habitantes deviam, todas as manhãs fazer adoração aquella cruz, +por que ella era o symbolo da redempção. + +O rei prometteu a Magalhães fazer o que este lhe dizia e ordenar aos +indios que assim o observassem. + +A docilidade d'aquella boa gente deixou captivados os navegantes e +fortaleceu-lhes o animo para seguirem na sua empreza civilisadora, não +concorrendo menos para augmentar a auctoridade moral de Magalhães sobre +a sua gente. + + [8] Alguns escriptores, mesmo os hespanhoes tem confundido estas + ilhas do archipelago de S. Lazaro com as ilhas dos Ladrões, que já + citámos. + + A obra de Mallot _Les Philippines_, publicada em Paris em 1846 não + deixa duvidas a este respeito. + + + + +XVII + + +É d'aqui em diante que se vai passar a tragedia mais horrivel, que +enlutou a temeraria empreza de Magalhães. + +A 4 de abril de 1521 largou a frota do archipelago de S. Lazaro, depois +denominado das Filippinas, como já ficou dito, e dirigiu o rumo para a +ilha de Zebú, que o regulo de Masavá lhe indicara como um dos portos +mais importantes e mais proximos, para entrar em commercio. + +Effectivamente, decorridos tres dias de viagem, avistaram uma ilha, e +aproximando-se d'ella viram que era muito povoada de casas construidas +sobre arvores collossaes. + +Era a ilha de Zebú. + +Magalhães entrou em commercio com o rei d'aquella ilha, não sem alguma +difficuldade, pois que o regulo queria que os hespanhoes lhe pagassem +egual tributo ao que era imposto ás embarcações das ilhas visinhas que +vinham áquelle porto. + +Custou a convencer o rei de que os hespanhoes não lhe pagariam tal +tributo e, antes pelo contrario o exigiriam para si e lhe fariam guerra, +se o rei presestisse n'essa imposição. + +Trocadas explicações de parte a parte, o rei de Zebú reconheceu a +inconveniencia e entrou em boa amizade com Magalhães, annuindo a dar +privilegio aos hespanhoes para estabelecerem commercio na ilha, unica +exigencia que faziam e direito que se reservavam. + +Foram, porem, mais longe as boas relações que entabolaram com aquella +gente. O rei de Zebú manifestou desejo de ser christão, depois de ouvir +as façanhas praticadas por portuguezes e hespanhoes, animados da grande +força moral que a religião do crucificado dava aos que observavam a sua +lei. + +O baptismo do rei de Zebú celebrou-se com grande aparato, e não só este +rei mas muitos outros regulos ou senhores d'aquella ilha, rainhas e boa +parte da população receberam a agua do baptismo. + +Não se poderá affirmar que a convicção ou a fé os movesse a tão +facilmente abraçarem a religião de Jesus Christo, porque de certo o +espirito d'aquella gente não poderia estar preparado para comprehender +toda a sublimidade do christianismo; mas sim os attrahiu a curiosidade e +ainda mais a idéa de que o baptismo lhes daria mais coragem e valor para +vencerem seus inimigos nas guerras que traziam com os povos vizinhos. + +Sim, isto sobretudo é que os devia ter attrahido. + +Viam alli gente christã que os deslumbrava com o seu poder, que elles +consideravam como sobrenatural, quando a artilharia disparava tiros +retumbantes, e a mosquetaria fuzilava lume pelo ar; e sem poderem ainda +apreciar a grande vantagem das armaduras, contra as quaes se embotariam +as suas agudas settas, pois não haviam entrado em lucta, o fogo das +armas lhes bastava para os maravilhar, apesar dos christãos só terem +dado descargas de polvora secca. + +Dominados aquelles indigenas pelo prestigio dos christãos, foi +relativamente facil a Magalhães obter d'elles quanto queria; e assim o +rei de Zebú jurou solemnemente fidelidade a Carlos V, e com elle todos +os senhores da ilha submissão ao imperador das Hespanhas. + +Não, obstante o reconhecimento da auctoridade de Carlos V e da submissão +dos habitantes da ilha de Zebú, o senhor ou rei de outra ilha proxima +não approvou o procedimento dos seus vizinhos, e por isso, quando alli +foram os hespanhoes, para entabolar relações, o rei negou-lhes +obediencia. + +Isto deu logar a uma demonstração de força dos hespanhoes, que +incendiaram uma aldeia da ilha, retirando-se depois nas chalupas. + +O regulo que não quizera reconhecer a auctoridade dos extrangeiros, +chamava-se Silapulapú; mas outro regulo da mesma ilha, chamado Lula, +mostrou-se mais docil, e tanto, que prometteu a Magalhães o mandar-lhe +presentes em troca dos que d'elle recebera. + +Este Lula, consciente ou inconscientemente, foi a causa da desgraça do +grande navegador. Elle incitou, por assim dizer, Magalhães a fazer a +guerra a Silapulapú, e se o fez de boa fé, ou de plano concertado, para +dar ruina aos christãos, é o que a historia não diz, mas se poderá +inferir pelo modo como Lula procedeu. + +Na manhã de 26 de abril de 1521, enviou Lula um seu filho a Magalhães +com duas cabras, dizendo-lhe que, se não mandava mais presentes, não era +por sua culpa, mas porque Silapulapú a isso se havia opposto, +persistindo em não reconhecer a auctoridade dos hespanhoes. Dizia mais o +Lula que, se Magalhães lhe mandasse alguns dos seus homens de guerra, +elle promettia, com a sua gente, reduzir á obediencia o Silapulapú. + +Esta simples mensagem de Lula foi para Magalhães como que um repto á sua +coragem e valentia. + +Não se diria nunca que Fernão de Magalhães hesitava um momento quando +lhe reclamavam o esforço do seu braço, a bravura do seu animo. Elle, +soldado ousado, que havia ferido guerras em Africa, e que ha tanto tempo +conservava a espada na bainha, sem ter ensejo de retemperar o aço da sua +lamina, rechassando o inimigo; elle, a quem a aventura attrahia e +povoava a sua imaginação das mais seductoras façanhas, encontrava alfim +novo ensejo para experimentar se o seu braço ainda era o mesmo e se a +boa estrella, que tinha guiado sempre as suas armas, mais uma vez o +conduziria á victoria. + +As circunstancias, porém, não se apresentavam muito favoraveis, e d'isso +o quiz convencer João Serrão, homem experiente, que não se deixava +fascinar pela gloria, mais que duvidosa, da temeridade d'aquelle feito. + +Era preciso attender a que a gente de Magalhães estava consideravelmente +reduzida: uns, tinha-os a morte levado; outros, as doenças e trabalhos +da viagem os haviam impossibilitado. Os válidos eram poucos, e esses +mesmos meio depauperados. + +Tudo isto ponderou Serrão a Magalhães. O rei de Zebú tambem se mostrou +contrario á resolução do grande capitão, apesar de não poder calcular +toda a força e valentia de que os christãos poderiam dispôr, na conta em +que os tinha de homens extraordinarios, por assim dizer, sobrenaturaes. +Entretanto sabia que o inimigo era assaz numeroso, e pelo sentimento +nato de que, contra a força não ha resistencia, elle pensava, a despeito +de todas as maravilhas creadas no seu espirito, quanto era arriscada e +talvez fatal para os hespanhoes a lucta que ia travar-se. + +Magalhães não attendeu as razões nem os conselhos dos seus e do rei de +Zebú. Costumado a mandar e a ser obedecido, tanto mais depois de ter +subjugado os proprios elementos para chegar ao termo da sua empresa, +nenhumas forças seriam capazes de o demover da resolução que tomára, de +submetter pelas armas os habitantes da ilha de Mactan que se negavam a +prestar obediencia. + +O numero dos seus soldados pouco lhe importava, como pouco lhe importava +se o inimigo era assás numeroso. Estava elle com o seu braço e com a sua +espada costumada á guerra contra infieis. Vencera em Africa muitas vezes +contra milhares de indigenas, e de que façanhas se poderia orgulhar se +assim não fôra! + +A sua espada e a sua fé valiam por um exercito; sob o seu commando e ao +seu lado cada soldado valia por mil. Eram assim as guerras d'aquelle +tempo contra os povos d'alem mar, como o tinham sido na peninsula contra +os mouros; a cruz levava de vencida o crescente por toda a parte; porque +não havia de triumphar tambem alli?! + +Para quem com tanta firmeza e sacrificio tinha desvendado os mares +procellosos, para dar a volta ao mundo, luctando tenazmente pela sua +idéa, tantas vezes contrariada pelos elementos e pelos homens, que valia +agora a resistencia de uns selvagens? + +Muito maiores obstaculos tinha elle destruido no seu caminho, +sobrando-lhe sempre animo para proseguir avante, e não podia +comprehender que homens como aquelles que o acompanhavam na temeraria +empresa que se propôs, que com elle tinham compartilhado dos perigos +para alli chegarem, se arreceassem agora de entrar em guerra com um +bando de selvagens, e medissem primeiro cautelosamente as forças para se +lançarem na lucta, quando nem sabiam ao certo o numero dos inimigos nem +as armas de que elles dispunham. + +O rei de Zebú era suspeito para informar da quantidade e qualidade do +inimigo. Quem podia affirmar o contrario? + +O triumpho das armas christãs importaria a submissão completa e +incondicional de todos aquelles povos, e o grande capitão não só teria +coroado a sua empresa de encontrar o mar do sul, mas traria á Hespanha +tributarios os povos d'aquellas regiões, fascinados e submettidos pelo +prestigio das suas armas. + +Era de tentar a cartada! Quem lhe poderia resistir?! + + + + +XVII + + +Passou-se o dia 26 e a noite em aprestos para o ataque. + +O grande capitão reuniu todos os homens de guerra, que não excediam a +sessenta, pelo que diz Diego Arana, armados de couraças e de cascos; o +resto eram enfermos, incapazes de entrarem em combate. Mandou arrear +algumas peças de artilharia para as chalupas, escudos sobrecellentes e +mosquetes, munições e alguns comestiveis, não muitos, pois não os havia +para larguezas; mas o que faltava ao corpo, abundava no espirito, porque +a gente de guerra estava desejosa de bater-se, tanto tempo havia +decorrido que não experimentava armas. + +Era natural. + +Pela meia noite principiou o embarque nas chalupas. + +Havia passado um anno e sete mezes que esses valentes tinham embarcado +tambem, em S. Lucar de Barrameda, para a famosa expedição, cheios de +enthusiasmo, a correr aventuras como agora. + +Em S. Lucar o sol de agosto aquentava-lhes mais o espirito e inundava de +luz o mar a que se faziam suas caravelas, levadas como que entre nuvens +de fumo dos tiros de artilharia, que diziam o ultimo adeus ás terras de +Hespanha. + +Em Zebú, porem, a partida era differente; o véo da noite envolvia a +terra e os mares; o sol não saudava aquelles valentes, que então como +agora iam jogar a vida. Tinham de abafar o seu enthusiasmo no meio do +silencio de uma noite triste e funebre, em que no céo apenas uma ou +outra estrella vagueava sua luz tremente, como olhos marejados de +lagrimas. Não havia corações amigos a saudal-os na despedida, mas gente +barbara e extranha que os olhava temerosa e desconfiada. + +Que differença! + +E em silencio se fez o embarque, a que assistiu Fernão de Magalhães, +embarcando elle na ultima chalupa. + +O rei de Zebú, com um dos principes e outros senhores da ilha, seguiram +os christãos em balangais, com indios armados de piques. + +Vento fresco encrespava o mar por onde os barcos iam correndo, ora +orçando da vaga ora arribando para o vento. + +Magalhães, de pé, á pôppa da sua chalupa, vigiava todo o governo e +ordenava a manobra. + +Ia satisfeito; pelo seu espirito não passava sombra de receio da +aventura em que ia lançar-se. As horas pareciam-lhe mais longas que de +costume; a noite não tinha fim! + +Proximo da madrugada chegavam as chalupas á ilha de Mactan, e o primeiro +impulso de Magalhães foi o desembarcar immediatamente com os seus homens +de guerra, mas não era possivel. A maré estava baixa e as ondas +quebravam-se com violencia contra os cachopos da praia, elevando-se +espumantes para o ar. + +Qualquer barco que tentasse abordar á terra correria o risco de se +despedaçar entre os recifes. + +Comtudo a impaciencia de Magalhães não lhe soffria delongas e, sem +attender ao perigo, ordenou a um mouro, que ia nas chalupas, para que da +sua parte fosse intimar o regulo de Mactan a reconhecer a soberania do +rei de Hespanha e prestar obediencia ao rei christão de Zebú, pagando os +tributos exigidos; de contrario os castigaria pelas armas[9]. + +Foi-se o mouro com a intimação, e se escapou de mergulhar entre os +recifes, quasi ia ficando preso na ilha, pois os rebeldes não se +intimidaram com as suas palavras e antes responderam que: saberiam +defender-se e resistir aos christãos, pedindo sómente que os não +atacassem de noite.[10] + +Assim voltou, a custo, o mouro a participar ao chefe o resultado da sua +missão. + +Como se poderá descrever o desespero e impaciencia de Magalhães ao saber +a resposta d'aquelles barbaros, que mais incitava os seus brios de +guerreiro? Queria desembarcar logo com a sua gente e atacar os rebeldes, +ainda que de noite, e teria cedido ao primeiro impulso se não fôra o rei +de Zebú dissuadil-o de tal temeridade, fazendo-lhe conhecer a tactica +d'aquella gente, que, para se defender, se fosse atacada de noite, +abriria fojos em volta da ilha, cheios de estacas aguçadas como lanças, +onde os hespanhoes cahiriam cegamente como em armadilha bem disposta +para os caçar. + +Por isto se conhece a dissimulada astucia d'aquelles barbaros, pedindo +para os não atacarem de noite, como se para tal não estivessem +prevenidos, o que certamente incitaria os castelhanos a realizar o +ataque, mais seguros do resultado. + +Magalhães, acreditando ou não no que lhe observou o rei de Zebú, +precaveu-se do logro e achou por mais seguro realizar o desembarque de +dia para melhor medir o campo em que tinha de operar. + +Mal a aurora despontou, as chalupas approximaram-se da praia tanto +quanto permittia a maré, que ainda estava baixa, e Magalhães desembarcou +com parte da sua gente, dando a agua pela cintura a todos, de modo que +não puderam transportar a artilharia. + +Isto obrigou a que nas chalupas ficassem homens a guardar as peças, além +d'aquelles que tinham de tomar conta nos barcos, o que reduziu o numero +dos combatentes que acompanhavam o chefe. + +Para mais, Magalhães não acceitou o auxilio de gente que lhe offereceu o +rei de Zebú, talvez por não lhe merecer grande confiança; e, julgando-se +mais seguro com os seus cincoenta homens, que tantos desembarcariam, +avançou para terra resoluto a bater os barbaros. + +Ainda bem não tinha disposto a sua gente em acção, quando, por um dos +flancos, lhe surde d'entre o matto uma manga de indios armados de +flechas e escudos. Trava-se logo a lucta, rompendo os hespanhoes fogo de +mosquetaria, que pouco alcançava o inimigo. Este despedia-lhe suas +flechas, que se embotavam contra os cascos e couraças dos christãos; mas +bem não tinha começado o ataque, quando outra manga apparece pelo flanco +opposto a atacal-os, o que obrigou Magalhães a dividir a sua gente em +duas columnas, para fazer frente ao inimigo. + +Cresce a lucta, redobra o esforço. + +As flechas são impotentes contra as couraças, mas a mosquetaria vai +derribando os indios, ganhando os christãos terreno. + +Não se acobardam os barbaros com as perdas soffridas, e disputam a +posição com inesperado valor. Em alguma cousa se fiam para arrostarem +com os christãos. Contam com a sua superioridade numerica, que não tarda +a ser reforçada, e agora apparece pela frente outra manga, tanto ou mais +numerosa que as primeiras, arrogante e bem armada de varas de madeira +endurecidas ao fogo, que ferem como laminas de aço. + +Magalhães e a sua gente vêem-se cercados por todos os lados. Elle, só á +sua conta, tem rechassado um bom numero de indios; braço vigoroso, animo +decidido, não cansa. + +Tenta dividir o inimigo; e manda lançar fogo á povoação, para que elle +corra a dominar o incendio. + +Mas esta estrategia não dá resultado, porque os indios mais se +exasperam, e alguns, correndo sobre os incendiarios, ainda colhem dois a +quem logo dão a morte. + +As numerosas mangas vão crescendo cada vez mais sobre os hespanhoes, +arremessando-lhe um sem numero de flechas, varas e pedras, que lhes +atiram os cascos fóra da cabeça. + +Alguns, considerando-se perdidos, já fogem para a praia e entram na +agua, que lhes chega quasi aos hombros, em procura das chalupas, onde se +refugiam. + +Magalhães resiste sempre, acompanhado pelos mais fieis e corajosos, que +todos se batem com denodo. + +Os indios, vendo que as suas flechas resvalam das couraças e caem na +areia sem causar damno ao inimigo, apontam-n'as mais baixas, procurando +ferir as pernas dos adversarios. Este expediente dá-lhes resultado, +porque os homens de Magalhães debandam em maior numero, sentindo-se +feridos. Entretanto é ao chefe que os indios mais assestam as suas +pontarias até que uma flecha lhe acerta n'uma perna. + +Magalhães não perde um momento a sua coragem, sustenta a lucta e anima +os seus a que o egualem. + +--Por Santiago matemos estes miseraveis! + +E batia-se para a frente e para os lados, levando com a sua lança a +morte aos inimigos, que não o poupavam. + +Por duas vezes lhe fazem saltar fóra da cabeça o casco com pedradas que +lhe atiram. + +Mas elle não se estonteia nem recua; põe-n'o de novo e continua na +tremenda lucta. + +Agora é uma flecha que se lhe crava na face, mas elle cresce sobre o +audacioso, embebendo-lhe a lança no corpo! Outra flecha trespassa-lhe o +braço direito quando elle vai a desembainhar a espada, que fica na +bainha. Solta então um rugido de dôr e de desespero, porque se vê +desarmado. + +Grita pelos seus, mas inutilmente, porque uns jazem por terra e outros +teem-se precipitado para as chalupas. + +Sente-se abandonado no meio do inimigo. Um esforço supremo para se +desaffrontar. Sobra-lhe na alma coragem para bater-se até a morte, mas +fallece-lhe no corpo força para reagir. + +Os indios percebem que o valente capitão já os não póde ferir, e +lançam-se sobre elle como chacaes. + +Deitam-n'o por terra, e elle ainda se ergue uma e mais vezes com esforço +heroico, a clamar pela sua gente; mas ninguem o ouve nem lhe póde +acudir. + +Nem um d'entre elles, diz Pigafetta, havia que não estivesse ferido e +pudesse soccorrer ou vingar o seu chefe. Precipitaram-se para as +chalupas, que estavam prestes a partir, e deveram a sua salvação á morte +de Magalhães, porque, quando elle succumbiu, os indios correram todos +para o logar onde elle tinha cahido. + +Fernão de Magalhães poderia então, como o infante D. Pedro, em +Alfarrobeira, soltar aquella phrase memoravel: + +--Vingar ahi villanagem! + +Não havia já resistencia possivel. + +Os indios cahiram em massa sobre o desventurado capitão; crivaram-n'o de +flechas, lançaram sobre elle pedras para o acabarem de matar, e só +quando estavam bem seguros de que elle já não tinha alento de vida, é +que deixaram a presa! + + [9] Diego Arana, _Vida e Viagens de Fernão de Magalhães_. + + [10] _Idem._ + + + + +XVIII + + +Morreu o grande capitão ás mãos dos selvagens de Mactan, n'uma lucta tão +heroica quanto ingloria, para quem se tinha proposto a tão grande +empresa e a levara a cabo através de todas as difficuldades e perigos. + +Fernão de Magalhães, costumado a vencer até os proprios elementos, +levou-se de enthusiasmo e não mediu o perigo de assim se expôr á morte +que lhe traria ruina para elle e para a sua gente, que sem o chefe e +desprestigiada, bem poderia ser victima d'aquelles selvagens, e perder o +fructo de tantos sacrificios, ficando ignorado do velho mundo o +resultado da aventurosa viagem, se nenhum dos ousados mareantes lograsse +voltar á Europa, como quasi ia succedendo. + +A morte do heroe teve effeitos desastrosos para toda a expedição, que +desde aquelle momento perdeu o prestigio que a fazia respeitar e temer +no espirito dos habitantes das ilhas. + +O rei de Zebú, que tão docil se mostrara, chegando a fazer-se christão e +a alliar-se com estes contra os selvagens de Mactan, depressa mudou de +idéas e concertou com os seus para dar morte aos castelhanos +traiçoeiramente. + +Cinco dias depois do triste acontecimento que acabamos de narrar, a 1 de +maio de 1521, nova desgraça viera ferir os castelhanos. Moveu-a a +intriga e o despeito de um escravo de Magalhães, que era o lingua da +expedição, pelo que refere Pigafetta e conforme o que Sebastião de +Elcano declarou no inquerito que, em 1522, se levantou sobre a viagem de +Magalhães e tragico fim do valoroso capitão. + +Aquelle escravo tinha seus aggravos de Duarte Barbosa que, com Serrão, +tomara o commando da frota, e para vingar-se persuadiu o rei de Zebú de +que os christãos o queriam trazer captivo para a Europa. Esta falsa +denuncia foi como que o fogo lançado ao rastilho, pois de mais estava já +o rei de Zebú incitado pelos regulos de Mactan, que o ameaçavam de morte +e destruir-lhe os seus dominios se elle não desse cabo dos castelhanos. + +Faltando-lhe, porém, a coragem para se defrontar com os europeus em +lucta leal, o rei de Zebú recorreu á traição. Continuou a mostrar-se +muito amigo dos castelhanos e fiel subdito do rei de Castella, ao qual +queria mandar um valioso presente. Para fazer entrega d'esse presente +convidou os commandantes Barbosa e Serrão a jantarem com elle em terra e +que trouxessem os immediatos e mais pessoas da frota que entendessem, +com o que lhe dariam grande honra. + +Duarte Barbosa, João Serrão e mais vinte e sete homens, entre os quaes +se encontravam Luiz Affonso de Goes, portuguez arvorado commandante da +caravella _Victoria_, depois da morte de Magalhães, o piloto André de +San Martin, Sancho de Heredia e Leão da Espeleta, escrivães da frota, e +o capellão Pedro da Valderrama.[11] + +Foi isto na manhã do citado dia 1.º de maio. O rei de Zebú com alguma +gente de seu sequito aguardava na praia a chegada dos convidados e, logo +que estes desembarcaram, encaminharam-se todos para um palmar, á sombra +do qual estava preparada a refeição. + +O logar não podia ser mais ameno para resguardar dos raios ardentes do +sol, que a custo penetravam aqui e acolá por entre as fisgas das largas +folhas das palmeiras que formavam abobada sobre o recinto do festim, +vindo reflectir nos vasos de ouro e nas porcellanas dispostas sobre a +esteira que fazia de mesa, como era uso. + +O rei apparentava toda a docilidade e gentileza de que podia dispôr, e +com elle a sua côrte se mostrava em extremo submissa aos christãos, de +modo que nada fazia suspeitar da traição que tinham armado; só João +Serrão desconfiava de alguma cilada, mas pouco valeu a sua desconfiança, +porque Duarte Barbosa, nada receando, instou com elle para que o +acompanhasse, e Serrão accedeu para não ser tido por timorato ou +cobarde. + +Em volta da esteira todos se sentaram e principiaram a servir-se do que +havia, comendo e bebendo em boa convivencia; mas cedo reconheceram o +engano, porque um bando de indigenas armados, que surdiu de emboscada, +lançou-se traiçoeiramente sobre os castelhanos e logo se armou alli uma +lucta braço a braço, cada vez mais terrivel, sendo os indigenas em tão +grande numero que impossivel era submettel-os. + +Os castelhanos foram todos assassinados e só João Serrão escapou +n'aquelle momento á furia dos selvagens por um certo prestigio que tinha +sobre elles. + +De pouco isso lhe valeu! Dois tripulantes, mais felizes que seus +companheiros, que em terra pereceram na lucta desegual, haviam-se +afastado ao desembarque, suspeitando de alguma cilada, e assim que +conheceram a traição, foram-se para bordo a dar parte ao piloto +portuguez João Carvalho do que occorrera em terra. Carvalho +immediatamente mandou approximar os navios da terra e rompeu fogo de +artilharia contra a ilha. + +Os indigenas, sentindo os tiros, apoderam-se de João Serrão depois de +encarniçada lucta, em que este ficou mal ferido, e atando-o de pés e +mãos, conduziram-n'o á praia ás vistas dos seus companheiros que dos +navios continuavam a fazer fogo sobre a ilha. + +Serrão vê-se perdido e grita e clama para os seus que cessem fogo e +tragam presentes áquella gente para o resgatar. A confusão, porém, é +enorme; João Carvalho não póde dar ouvidos a taes clamores, e receia +nova traição dos indigenas, para se apoderarem do resto da sua gente e +dos mal defendidos navios. + +Para que se não perca tudo ingloriamente, só resta abandonar aquellas +ilhas e fazer-se ao mar, para voltar a Hespanha como pudesse, e, +emquanto João Serrão ficava na praia gritando para que o salvassem, +porque o matariam assim que os navios largassem suas velas, João +Carvalho foi ordenando as manobras e aproando ao mar as caravellas. + +Serrão, a quem os indigenas, no primeiro impeto, haviam poupado a vida, +soffreu as torturas de morrer inanime ás mãos d'aquelles selvagens, +vendo fugir-lhe a unica esperança de salvação, que por momentos o +animara, com a partida da frota.[12] + +Triste e vergonhosa retirada aquella para gente que a tanto se afoitara; +mas é evidente que já faltava alli o espirito do grande capitão +portuguez que a animara e conduzira, por vontade ou por força, a dar a +volta dos mares, realizando a primeira viagem de circumnavegação. + +Em Mactan deixaram Magalhães morto, que nem seu cadaver puderam arrancar +do poder dos indigenas, e assim perderam a alma d'aquella empresa que +assombrou o mundo; em Zebú ficavam Duarte Barbosa e João Serrão com seus +companheiros victimas de uma traição. + +De melhor sorte eram dignos aquelles bravos, que nem tiveram quem alli +os vingasse. + + [11] Diego Arana, _Vida e viagens de Fernão de Magalhães_. + + [12] Pigafetta, liv. II--Herrera, dec. III, liv. I, cap. X. + + Sobre este ponto encontro uma discordancia em Gaspar Correia quando + este se refere á morte de Fernão de Magalhães, no tomo II das + _Lendas da India_. + + Segundo o phantasioso chronista, Fernão de Magalhães não morreu ás + mãos dos indigenas da ilha de Mactan, mas sim no banquete do rei de + Zebú, tendo ficado vencedor em Mactan, o que discorda completamente + de todos os chronistas que referem esta viagem e das declarações + feitas por Sebastião de Elcano e seus companheiros, no processo + instaurado em Sevilha no anno de 1522. + + Gaspar Correia, na sua linguagem barbaresca, que modificaremos para + melhor ser entendida hoje, diz, referindo-se ao combate com os + indigenas de Mactan: «O rei corrido, vendo-se assim destroçado, + concertou traição com o rei christão e fez com elle ajuste de casar + com sua filha e com juras que, morrendo elle, que era velho, tudo + lhe deixava e viveriam sempre amigos, porque os castelhanos se iriam + embora, e se não acceitasse isto e lhe não desse modo de matar os + castelhanos, lhe faria guerra. O que o rei christão, como homem + brutal, consentiu na traição e preparou grande festa e banquete pelo + vencimento, e convidou Magalhães, que foi ao banquete com trinta + homens os mais honrados e bem vestidos, onde estando todos no + banquete folgando, entraram os inimigos armados e mataram a + Magalhães e os castelhanos, não escapando nenhum e o Serrão o + despiram e arrastaram á praia onde o justiçaram e mataram + arrastado.» + + + + +XIX + + +Foram mais previdentes que humanos os mareantes, que se fizeram á vela +sem empregar alguns meios de salvar o Serrão e vingar a morte de seus +companheiros. Mas nem por isso foram mais felizes no proseguimento de +sua viagem, que a fortuna raro corôa acção ruim. + +Chegados á ilha de Bohol, agora uma das Filippinas, reconheceram quanto +era reduzido o pessoal para as manobras das tres embarcações que +restavam da flotilha de Magalhães. Apenas havia 115 homens, e por isso +João Carvalho, que ia commandando agora a frota, determinou que se +lançasse fogo á caravella _Conceição_, por ser a mais arruinada, e a +tripulação d'esta fosse distribuida pela _Victoria_ e _Trindade_. + +Assim aportaram a mais algumas ilhas do archipelago e em todas tractaram +e fizeram commercio com os naturaes. + +Na ilha de Borneo, porém, onde aportaram a 8 de julho, iam ficando +captivos, ou mortos se, suspeitando da traição que os naturaes lhe +preparavam, não largassem immediatamente para o mar, vendo que se +dirigia para os navios grande numero de pirogas e juncos cheios de gente +armada. + +Foi preciso fazer fogo de artilharia sobre aquelles barcos, com o que +destruiram a muitos chegando a aprisionar 16 homens e treze mulheres. + +Entre os prisioneiros contaram o filho do rei da ilha de Luzon, o que +seguramente era boa presa, para com ella João Carvalho resgatar um filho +seu e mais dois castelhanos que haviam ficado em terra, quando as +caravellas tiveram que se fazer ao largo. Mas não o entendeu assim o +Carvalho, preferindo receber ouro pelo resgate, o que valeu o mesmo que +sacrificar o filho e os dois companheiros, porque os insulanos não lhe +entregaram os captivos a despeito de todas as diligencias que elle fez +para esse fim. + +Era, por desgraça, o justo premio do que praticára em Zebú. + +D'esta torpeza cedo teve que se arrepender o Carvalho, que certamente +não seria com acções d'este jaez que elle, havia de conservar e até +augmentar seu prestigio entre os demais. + +D'ahi lhe resultou seguramente o ser deposto por seus companheiros que, +reunidos, resolveram dar o commando da _Trindade_ a Gonçalo Gomez de +Espinosa, e o da _Victoria_ a João Sebastião de Elcano, fidalgo +biscainho, que até ahi se conservara na sombra. + +Foram estes dois capitães que conseguiram levar seus navios até as +Molucas, não sem grandes difficuldades, pois não tinham a latitude certa +em que demoravam. Valeram-se para isso de pilotos que aprisionaram, em +embarcações que iam encontrando por aquelles mares, e d'este modo +lograram seu intento com grande alegria e proveito, segundo refere +Pigafetta. + +Foi a 8 de novembro que a _Victoria_ e a _Trindade_ fundearam no porto +da ilha de Tidore. Haviam chegado, emfim, ás terras das especiarias, +sonho dourado d'aquelles tempos e que déra causa áquella viagem +aventurosa. + +Os portuguezes já por alli tinham andado e disposto os naturaes para o +tracto com os europeus, e por isso os hespanhoes encontraram melhor +acolhimento, facilitando o seu commercio, em que trocaram tecidos por +cannella, noz-moscada, pimenta e cravo. + +Os capitães celebraram tractados de commercio e vassallagem com os +regulos e, apressando o regresso, para trazerem tão boas novas a Carlos +V e á patria, dispuseram-se a partir em meio de dezembro. + +Só porém a caravella _Victoria_ pôde largar da ilha de Tidore, a 21 de +dezembro, ficando a _Trindade_ de querena, pois precisava de grande +concerto nas obras vivas. + +A _Victoria_ veiu tocando em mais algumas ilhas, provendo-se de sandalo +e de cannella, seguindo a rota que os portuguezes faziam nas suas +viagens para a India, segundo diz Pigafetta. + +Trazia 60 homens de tripulação, entre estes treze naturaes da ilha; mas +os trabalhos, as doenças e as insubordinações vieram dizimando esta +gente, morrendo uns e tendo que se executarem outros por seus delictos +graves. + +Quando a _Victoria_ aportou á ilha de Sant'Iago de Cabo Verde, a 9 de +junho de 1522, obrigada pela fome, que já victimara alguns homens de sua +tripulação, estava cada vez mais reduzida. + +Em Sant'Iago não foram mais felizes, porque os portuguezes, ciosos de +que extranhos andassem em exploração de mares e terras que a elles só +competia, quizeram apresar o navio castelhano e a gente que n'elle +vinha, logo que souberam, por denuncia de um tripulante, da viagem que +vinham fazendo. + +A _Victoria_ teve, por isso, de largar precipitadamente, não sem lhe +ficarem em terra doze homens prisioneiros dos portuguezes. + +Finalmente a 6 de setembro de 1522 chegava á bahia de S. Lucar de +Barrameda a _Victoria_, commandada pelo afortunado Sebastião de Elcano e +com dezoito homens dos 265 que tres annos antes haviam partido na +expedição. + +Dia de jubilo para alguns e de tristeza para muitos foi o da chegada da +_Victoria_ a S. Lucar de Barrameda. Os que se regosijavam por ver chegar +os que lhe pertenciam, mal acalmavam os lamentos das viuvas, das mães ou +das irmãs, que debalde procuravam entre os recemchegados, os maridos, os +filhos ou os irmãos. + +Eram tão poucos os que voltavam e tantos os que haviam partido! + +Que de sacrificios não custara aquella viagem; que de vidas immoladas á +civilização, desde a do chefe da frota até a do mais obscuro marinheiro! + +Entretanto a noticia do regresso espalhava-se por toda a Hespanha, +levando a admiração e o espanto á gente por aquelles ousados +navegadores. + +Carlos V, que chegara da Allemanha, ao saber a boa nova escrevia a +Sebastião de Elcano, ordenando-lhe que fosse á sua presença a contar-lhe +da viagem: «E quero, dizia, que me informeis mui particularmente da +viagem que haveis feito, e do que n'ella succedeu, e vos mando que, logo +que esta vejais, tomeis duas pessoas das que comvosco vieram, das mais +cordatas e de melhor razão, e vos partais com ellas para onde eu +estiver, que por este correio escrevo aos officiaes da Casa de +Contractação das Indias, que vos vistam e vos assistam com todo o +necessario a vós e ás dictas duas pessoas».[13] + +Sebastião de Elcano apressou-se a ir á presença de Carlos V, que estava +em Sevilha, fazendo-se acompanhar de Pigafetta, o qual apresentou ao +imperador um livro manuscripto, relatando dia a dia a viagem de +circumnavegação. + +Carlos V ficou maravilhado e encheu de honras e pensões Sebastião de +Elcano, mais afortunado que Fernão de Magalhães a quem essas honras e +pensões deviam pertencer. Ao piloto hespanhol concedeu Carlos V a pensão +annual de 500 ducados de ouro, auctorização para se acompanhar sempre de +dois homens armados, e um brasão de armas quartelado, representando +scenas da viagem, e tendo por timbre um globo com a inscripção: _Primus +circumdidiste me._ + +Eram o brasão e timbre que deviam pertencer a Fernão de Magalhães, que +tão infeliz foi que nem sequer o pôde legar a seus descendentes, como +era seu desejo. + +O filho e esposa de Magalhães pouco sobreviveram ao grande capitão, pois +que o primeiro morreu em 1521 e a segunda um anno depois; e o mesmo +succedeu a Diogo Barbosa, seu sogro, e mais parentes, que poucos annos +se lograram, desapparecendo assim no tumulo os poucos herdeiros do +grande navegador. + +A fortuna vária não deixou pois a Magalhães gosar os fructos da sua +gloriosa empresa; outro colheu os louros e os brasões de tal feito; mas +não é o nome d'este afortunado que a historia commemora; não é a +Sebastião de Elcano que a sciencia venera e agradece os beneficios que +lhe legou, e sim a Fernão de Magalhães, porque foi elle que lidou para +obter os navios em que devia fazer a travessia dos mares, e com que +custo o conseguiu elle! foi Magalhães que dirigiu os mareantes e os +reduziu á obediencia tantas vezes quantas contra elle tentaram +revoltar-se; foi elle que affrontou a resistencia dos homens e a furia +dos elementos; que, zombou das tempestades e jogou a vida quando, todos +e tudo conspirava contra ella, e levou avante a sua idéa, incutindo +animo quando todos desfalleciam, e assim chegou ao fim, circumnavegando +os mares, passando de um mar ao outro, sem outro guia que os seus +proprios calculos, deixando ao mundo aberta a passagem para o mar do +sul, passagem que nenhum navegador antes d'elle lograra encontrar. + +É de Fernão de Magalhães a gloria; foi este portuguez que deixou o nome +seu memorado nos mares do novo mundo, como nas cartas geographicas está +gravado; e não bastando isto, o nome do grande portuguez elevou-se ao +espaço infinito e com elle marcou nos ares duas bellas nebulosas que são +conhecidas por nuvens de Magalhães. + +Duradoura gloria esta que viverá tanto como o mundo. Nos mares e nos +céos o nome de Fernão de Magalhães! + +Diz John Herschel, em uma carta datada do Cabo da Boa Esperança, em 13 +de junho de 1836:[14] «As nuvens de Magalhães, _nubecula major_ e +_nubecula minor_, são muito notaveis. A maior compõe-se de acervos +estellares irregularmente dispostos, de outros acervos esphericos e de +estrellas nebulosas entremeadas de nebulosas irreductiveis. Estas +ultimas parecem formadas por uma poeira estellar. O proprio telescopio +de 20 pés não tem bastante poder para as revelar estrellas. + +«Aquellas nebulosas produzem uma claridade geral que illumina o espaço +da visão e estabelece um fundo esplendoroso em que se distingue tudo que +n'elle está disseminado. Nenhuma outra região celeste junta tantas +nebulosas e acervos estellares em egual espaço. + +«A _nubecula minor_ é menos formosa; offerece numero maior de +nebulosidades irreductiveis, e os acervos estellares que se vêem são +mais escassos e menos brilhantes.» + +A. de Humboldt, falando d'estas nuvens, diz:[15] «das duas nuvens de +Magalhães que giram em volta do polo austral, d'este polo tão despovoado +de estrellas que podia chamar-se uma região devastada, a maior, +principalmente, parece, conforme investigações modernas, uma quantiosa +accumulação de acervos esphericos de estrellas de maior ou menor +grandeza e de nebulosidades irreductiveis. O aspecto d'estas nuvens, a +esplendorosa constellação do navio Argos, a via lactea que se vai +dilatando entre o Escorpião, o Centauro, e o Cruzeiro tambem, não tenho +duvida em dizel-o, o aspecto pittoresco de todo o céo austral produziu +em minha alma uma inolvidavel impressão.» + +André Corsali fala da existencia d'estas nuvens, na sua _Viagem a +Cochim_, e Pedro Martyr de Anghiera tambem, no seu livro _De Rebus +Oceanicis et Orbe Novo_; o illustre secretario de D. Fernando de Aragão, +attribuindo aos portuguezes o descobrimento d'estas nuvens, diz: +Assecuti sunt portucalenses alterius poli gradum quinquagesimum amplius +ubi punctum circumeuntes _quas dam nubeculas_ licet intueri veluti in +lactea via sparsos fulgores per universi coeli globum intra spatii +latitudinem.[16] + +Ao nome de nuvens do cabo, por que as conheceram os pilotos portuguezes +primeiro que os hollandezes e dinamarquezes, prevaleceu o nome de +Magalhães, com que a sciencia as designou, e n'isto vai honra á memoria +do arrojado navegador portuguez que, não tendo a fortuna de receber em +vida o premio do extraordinario descobrimento, teve a invejavel gloria +de deixar o seu nome gravado nos mares e nos céos, como os deuses da +Mythologia. + +D'estes conta a fabula, mas d'aquelle fala a historia humana. + +É bom recordar estas glorias que, sendo de um homem, são da humanidade +em geral e d'este velho e glorioso paiz em especial, porque Fernão de +Magalhães era portuguez. + + [13] _Collecion de documentos inéditos para la historia de España_, + tom. I, p. 247. + + [14] _Cosmos_ T. I pag. 451. + + [15] Obra citada. + + [16] _Oceanica._ Dec. III lib. I, pag. 217, por Pedro Martyr de + Anghiera. + + + + + * * * * * + + +ERRATAS MAIS IMPORTANTES + + Pag. 9 linha 1.ª leia-se circumdidiste + » » » 2.ª » circumdou + » 11 » 11.ª » dramaturgo + » 12 » 5.ª » serão proprios + » 20 » 5.ª » espiritos, adivinhando o + que outros não comprehendem, + são sempre o alvo da inveja + dos maus a espicaçar + » 34 » 10.ª » persistencia + » 35 » 3.ª » permittido + » 46 » 5.ª » Martinho de Bohemia + » 51 » 25.ª » impellidas + » 55 » 19.ª » acariciado + » 59 » 6.ª » pestanejou + » » » 15.ª » permittir + » 61 » 9.ª » descoraçoados + » 68 » 4.ª » _Santiago_ + » 69 » 3.ª » surprehendeu + » » » 27.ª » _Santiago_ + » 71 » 5.ª » _Santiago_ + » 73 » 13.ª » descoraçoados + » 80 » 9.ª » oppusesse + » 81 » 19.ª » superstição invadia + » 82 » 15.ª » _Santiago_ + » » » 19.ª » em imminente perigo + » » » 29.ª » _Santiago_ + » 89 » 16.ª » aquelles cetaceos + » 102 nota » _Les Philippines_ + » 108 linha 11.ª » desembarcaram + + + + +EMPREZA DO OCCIDENTE + +DE + +CAETANO ALBERTO + +CATALOGO DE ALGUMAS OBRAS Á VENDA + + +O OCCIDENTE + +_Revista Illustrada de Portugal e do Extrangeiro_ + +Publicação tri-mensal--Assignatura permanente. Preço para Portugal, anno +3$800, semestre 1$900, trimestre 950, numero avulso ou á entrega 120 +réis. Colonias portuguezas d'Africa, anno 4$000, semestre 2$000. +Extrangeiro, anno 5$000, semestre 2$500 réis. Está no 21.º anno de +publicação. Vendem-se collecções e volumes isolados. Preços dos 3 +primeiros volumes, cada um 3$000 brochado, e 4$000 encadernado. Os +volumes seguintes ou desde 1881 até ao presente: cada um 4$000 brochado, +5$000 encadernado. + +A campanha d'Africa contada por um sargento + +Illustrada com 40 gravuras, retratos dos heroes da campanha, vistas e +combates 1 vol. 300 réis--pelo correio 320. Encadernado em percaline 500 +reis. + + +AVENTURAS DE UMA NOVIÇA + +Versão de Esteves Pereira, illustrado com o retrato da Heroina. 1 vol. +200 réis. + + +LIVROS PARA RIR + +_Sapatos de Defuncto_, por Leite Bastos, illustrações de Manuel de +Macedo e Caetano Alberto, 1 vol. edição de luxo 600 réis. + +_Viagem à roda da Parvónia_, pelo commendador Gil Vaz, illustrações de +Manuel de Macedo--1 vol. 500 réis. + +_O Nariz do Tabellião_, por E. About, traducção de Pin-Sél, illustrado +com uma capa a côres--1 vol. 200 réis. + + +DICCIONARIO DAS SEIS LINGUAS + +Francez-Portuguez e Portuguez-Francez. + +Francez-Allemão e Allemão-Francez. + +Francez-Hespanhol e Hespanhol Francez. + +Francez-Inglez e Inglez-Francez. + +Francez-Italiano e Italiano-Francez. + +Um só volume comprehendendo 80 fasciculos de 16 pag. 8.º port. + +Em publicação cada fasciculo 30 réis. + +Typ. de A. E. Barata.--Rua Nova do Loureiro, 25 a 39 + + + + + +End of the Project Gutenberg EBook of Descobrimento das Filippinas pelo +navegador portuguez Fernão de Magalhães, by Caetano Alberto + +*** END OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK DESCOBRIMENTO DAS FILIPPINAS *** + +***** This file should be named 29243-8.txt or 29243-8.zip ***** +This and all associated files of various formats will be found in: + https://www.gutenberg.org/2/9/2/4/29243/ + +Produced by Pedro Saborano (produced from scanned images +of public domain material from Google Book Search) + + +Updated editions will replace the previous one--the old editions +will be renamed. + +Creating the works from public domain print editions means that no +one owns a United States copyright in these works, so the Foundation +(and you!) can copy and distribute it in the United States without +permission and without paying copyright royalties. Special rules, +set forth in the General Terms of Use part of this license, apply to +copying and distributing Project Gutenberg-tm electronic works to +protect the PROJECT GUTENBERG-tm concept and trademark. Project +Gutenberg is a registered trademark, and may not be used if you +charge for the eBooks, unless you receive specific permission. If you +do not charge anything for copies of this eBook, complying with the +rules is very easy. You may use this eBook for nearly any purpose +such as creation of derivative works, reports, performances and +research. They may be modified and printed and given away--you may do +practically ANYTHING with public domain eBooks. Redistribution is +subject to the trademark license, especially commercial +redistribution. + + + +*** START: FULL LICENSE *** + +THE FULL PROJECT GUTENBERG LICENSE +PLEASE READ THIS BEFORE YOU DISTRIBUTE OR USE THIS WORK + +To protect the Project Gutenberg-tm mission of promoting the free +distribution of electronic works, by using or distributing this work +(or any other work associated in any way with the phrase "Project +Gutenberg"), you agree to comply with all the terms of the Full Project +Gutenberg-tm License (available with this file or online at +https://gutenberg.org/license). + + +Section 1. General Terms of Use and Redistributing Project Gutenberg-tm +electronic works + +1.A. By reading or using any part of this Project Gutenberg-tm +electronic work, you indicate that you have read, understand, agree to +and accept all the terms of this license and intellectual property +(trademark/copyright) agreement. If you do not agree to abide by all +the terms of this agreement, you must cease using and return or destroy +all copies of Project Gutenberg-tm electronic works in your possession. +If you paid a fee for obtaining a copy of or access to a Project +Gutenberg-tm electronic work and you do not agree to be bound by the +terms of this agreement, you may obtain a refund from the person or +entity to whom you paid the fee as set forth in paragraph 1.E.8. + +1.B. "Project Gutenberg" is a registered trademark. It may only be +used on or associated in any way with an electronic work by people who +agree to be bound by the terms of this agreement. There are a few +things that you can do with most Project Gutenberg-tm electronic works +even without complying with the full terms of this agreement. See +paragraph 1.C below. There are a lot of things you can do with Project +Gutenberg-tm electronic works if you follow the terms of this agreement +and help preserve free future access to Project Gutenberg-tm electronic +works. See paragraph 1.E below. + +1.C. The Project Gutenberg Literary Archive Foundation ("the Foundation" +or PGLAF), owns a compilation copyright in the collection of Project +Gutenberg-tm electronic works. Nearly all the individual works in the +collection are in the public domain in the United States. If an +individual work is in the public domain in the United States and you are +located in the United States, we do not claim a right to prevent you from +copying, distributing, performing, displaying or creating derivative +works based on the work as long as all references to Project Gutenberg +are removed. Of course, we hope that you will support the Project +Gutenberg-tm mission of promoting free access to electronic works by +freely sharing Project Gutenberg-tm works in compliance with the terms of +this agreement for keeping the Project Gutenberg-tm name associated with +the work. You can easily comply with the terms of this agreement by +keeping this work in the same format with its attached full Project +Gutenberg-tm License when you share it without charge with others. + +1.D. The copyright laws of the place where you are located also govern +what you can do with this work. Copyright laws in most countries are in +a constant state of change. If you are outside the United States, check +the laws of your country in addition to the terms of this agreement +before downloading, copying, displaying, performing, distributing or +creating derivative works based on this work or any other Project +Gutenberg-tm work. The Foundation makes no representations concerning +the copyright status of any work in any country outside the United +States. + +1.E. Unless you have removed all references to Project Gutenberg: + +1.E.1. The following sentence, with active links to, or other immediate +access to, the full Project Gutenberg-tm License must appear prominently +whenever any copy of a Project Gutenberg-tm work (any work on which the +phrase "Project Gutenberg" appears, or with which the phrase "Project +Gutenberg" is associated) is accessed, displayed, performed, viewed, +copied or distributed: + +This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with +almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or +re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included +with this eBook or online at www.gutenberg.org + +1.E.2. If an individual Project Gutenberg-tm electronic work is derived +from the public domain (does not contain a notice indicating that it is +posted with permission of the copyright holder), the work can be copied +and distributed to anyone in the United States without paying any fees +or charges. If you are redistributing or providing access to a work +with the phrase "Project Gutenberg" associated with or appearing on the +work, you must comply either with the requirements of paragraphs 1.E.1 +through 1.E.7 or obtain permission for the use of the work and the +Project Gutenberg-tm trademark as set forth in paragraphs 1.E.8 or +1.E.9. + +1.E.3. If an individual Project Gutenberg-tm electronic work is posted +with the permission of the copyright holder, your use and distribution +must comply with both paragraphs 1.E.1 through 1.E.7 and any additional +terms imposed by the copyright holder. Additional terms will be linked +to the Project Gutenberg-tm License for all works posted with the +permission of the copyright holder found at the beginning of this work. + +1.E.4. Do not unlink or detach or remove the full Project Gutenberg-tm +License terms from this work, or any files containing a part of this +work or any other work associated with Project Gutenberg-tm. + +1.E.5. Do not copy, display, perform, distribute or redistribute this +electronic work, or any part of this electronic work, without +prominently displaying the sentence set forth in paragraph 1.E.1 with +active links or immediate access to the full terms of the Project +Gutenberg-tm License. + +1.E.6. You may convert to and distribute this work in any binary, +compressed, marked up, nonproprietary or proprietary form, including any +word processing or hypertext form. However, if you provide access to or +distribute copies of a Project Gutenberg-tm work in a format other than +"Plain Vanilla ASCII" or other format used in the official version +posted on the official Project Gutenberg-tm web site (www.gutenberg.org), +you must, at no additional cost, fee or expense to the user, provide a +copy, a means of exporting a copy, or a means of obtaining a copy upon +request, of the work in its original "Plain Vanilla ASCII" or other +form. Any alternate format must include the full Project Gutenberg-tm +License as specified in paragraph 1.E.1. + +1.E.7. Do not charge a fee for access to, viewing, displaying, +performing, copying or distributing any Project Gutenberg-tm works +unless you comply with paragraph 1.E.8 or 1.E.9. + +1.E.8. You may charge a reasonable fee for copies of or providing +access to or distributing Project Gutenberg-tm electronic works provided +that + +- You pay a royalty fee of 20% of the gross profits you derive from + the use of Project Gutenberg-tm works calculated using the method + you already use to calculate your applicable taxes. The fee is + owed to the owner of the Project Gutenberg-tm trademark, but he + has agreed to donate royalties under this paragraph to the + Project Gutenberg Literary Archive Foundation. Royalty payments + must be paid within 60 days following each date on which you + prepare (or are legally required to prepare) your periodic tax + returns. Royalty payments should be clearly marked as such and + sent to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation at the + address specified in Section 4, "Information about donations to + the Project Gutenberg Literary Archive Foundation." + +- You provide a full refund of any money paid by a user who notifies + you in writing (or by e-mail) within 30 days of receipt that s/he + does not agree to the terms of the full Project Gutenberg-tm + License. You must require such a user to return or + destroy all copies of the works possessed in a physical medium + and discontinue all use of and all access to other copies of + Project Gutenberg-tm works. + +- You provide, in accordance with paragraph 1.F.3, a full refund of any + money paid for a work or a replacement copy, if a defect in the + electronic work is discovered and reported to you within 90 days + of receipt of the work. + +- You comply with all other terms of this agreement for free + distribution of Project Gutenberg-tm works. + +1.E.9. If you wish to charge a fee or distribute a Project Gutenberg-tm +electronic work or group of works on different terms than are set +forth in this agreement, you must obtain permission in writing from +both the Project Gutenberg Literary Archive Foundation and Michael +Hart, the owner of the Project Gutenberg-tm trademark. Contact the +Foundation as set forth in Section 3 below. + +1.F. + +1.F.1. Project Gutenberg volunteers and employees expend considerable +effort to identify, do copyright research on, transcribe and proofread +public domain works in creating the Project Gutenberg-tm +collection. Despite these efforts, Project Gutenberg-tm electronic +works, and the medium on which they may be stored, may contain +"Defects," such as, but not limited to, incomplete, inaccurate or +corrupt data, transcription errors, a copyright or other intellectual +property infringement, a defective or damaged disk or other medium, a +computer virus, or computer codes that damage or cannot be read by +your equipment. + +1.F.2. LIMITED WARRANTY, DISCLAIMER OF DAMAGES - Except for the "Right +of Replacement or Refund" described in paragraph 1.F.3, the Project +Gutenberg Literary Archive Foundation, the owner of the Project +Gutenberg-tm trademark, and any other party distributing a Project +Gutenberg-tm electronic work under this agreement, disclaim all +liability to you for damages, costs and expenses, including legal +fees. YOU AGREE THAT YOU HAVE NO REMEDIES FOR NEGLIGENCE, STRICT +LIABILITY, BREACH OF WARRANTY OR BREACH OF CONTRACT EXCEPT THOSE +PROVIDED IN PARAGRAPH F3. YOU AGREE THAT THE FOUNDATION, THE +TRADEMARK OWNER, AND ANY DISTRIBUTOR UNDER THIS AGREEMENT WILL NOT BE +LIABLE TO YOU FOR ACTUAL, DIRECT, INDIRECT, CONSEQUENTIAL, PUNITIVE OR +INCIDENTAL DAMAGES EVEN IF YOU GIVE NOTICE OF THE POSSIBILITY OF SUCH +DAMAGE. + +1.F.3. LIMITED RIGHT OF REPLACEMENT OR REFUND - If you discover a +defect in this electronic work within 90 days of receiving it, you can +receive a refund of the money (if any) you paid for it by sending a +written explanation to the person you received the work from. If you +received the work on a physical medium, you must return the medium with +your written explanation. The person or entity that provided you with +the defective work may elect to provide a replacement copy in lieu of a +refund. If you received the work electronically, the person or entity +providing it to you may choose to give you a second opportunity to +receive the work electronically in lieu of a refund. If the second copy +is also defective, you may demand a refund in writing without further +opportunities to fix the problem. + +1.F.4. Except for the limited right of replacement or refund set forth +in paragraph 1.F.3, this work is provided to you 'AS-IS' WITH NO OTHER +WARRANTIES OF ANY KIND, EXPRESS OR IMPLIED, INCLUDING BUT NOT LIMITED TO +WARRANTIES OF MERCHANTIBILITY OR FITNESS FOR ANY PURPOSE. + +1.F.5. Some states do not allow disclaimers of certain implied +warranties or the exclusion or limitation of certain types of damages. +If any disclaimer or limitation set forth in this agreement violates the +law of the state applicable to this agreement, the agreement shall be +interpreted to make the maximum disclaimer or limitation permitted by +the applicable state law. The invalidity or unenforceability of any +provision of this agreement shall not void the remaining provisions. + +1.F.6. INDEMNITY - You agree to indemnify and hold the Foundation, the +trademark owner, any agent or employee of the Foundation, anyone +providing copies of Project Gutenberg-tm electronic works in accordance +with this agreement, and any volunteers associated with the production, +promotion and distribution of Project Gutenberg-tm electronic works, +harmless from all liability, costs and expenses, including legal fees, +that arise directly or indirectly from any of the following which you do +or cause to occur: (a) distribution of this or any Project Gutenberg-tm +work, (b) alteration, modification, or additions or deletions to any +Project Gutenberg-tm work, and (c) any Defect you cause. + + +Section 2. Information about the Mission of Project Gutenberg-tm + +Project Gutenberg-tm is synonymous with the free distribution of +electronic works in formats readable by the widest variety of computers +including obsolete, old, middle-aged and new computers. It exists +because of the efforts of hundreds of volunteers and donations from +people in all walks of life. + +Volunteers and financial support to provide volunteers with the +assistance they need are critical to reaching Project Gutenberg-tm's +goals and ensuring that the Project Gutenberg-tm collection will +remain freely available for generations to come. In 2001, the Project +Gutenberg Literary Archive Foundation was created to provide a secure +and permanent future for Project Gutenberg-tm and future generations. +To learn more about the Project Gutenberg Literary Archive Foundation +and how your efforts and donations can help, see Sections 3 and 4 +and the Foundation web page at https://www.pglaf.org. + + +Section 3. Information about the Project Gutenberg Literary Archive +Foundation + +The Project Gutenberg Literary Archive Foundation is a non profit +501(c)(3) educational corporation organized under the laws of the +state of Mississippi and granted tax exempt status by the Internal +Revenue Service. The Foundation's EIN or federal tax identification +number is 64-6221541. Its 501(c)(3) letter is posted at +https://pglaf.org/fundraising. Contributions to the Project Gutenberg +Literary Archive Foundation are tax deductible to the full extent +permitted by U.S. federal laws and your state's laws. + +The Foundation's principal office is located at 4557 Melan Dr. S. +Fairbanks, AK, 99712., but its volunteers and employees are scattered +throughout numerous locations. Its business office is located at +809 North 1500 West, Salt Lake City, UT 84116, (801) 596-1887, email +business@pglaf.org. Email contact links and up to date contact +information can be found at the Foundation's web site and official +page at https://pglaf.org + +For additional contact information: + Dr. Gregory B. Newby + Chief Executive and Director + gbnewby@pglaf.org + + +Section 4. Information about Donations to the Project Gutenberg +Literary Archive Foundation + +Project Gutenberg-tm depends upon and cannot survive without wide +spread public support and donations to carry out its mission of +increasing the number of public domain and licensed works that can be +freely distributed in machine readable form accessible by the widest +array of equipment including outdated equipment. Many small donations +($1 to $5,000) are particularly important to maintaining tax exempt +status with the IRS. + +The Foundation is committed to complying with the laws regulating +charities and charitable donations in all 50 states of the United +States. Compliance requirements are not uniform and it takes a +considerable effort, much paperwork and many fees to meet and keep up +with these requirements. We do not solicit donations in locations +where we have not received written confirmation of compliance. To +SEND DONATIONS or determine the status of compliance for any +particular state visit https://pglaf.org + +While we cannot and do not solicit contributions from states where we +have not met the solicitation requirements, we know of no prohibition +against accepting unsolicited donations from donors in such states who +approach us with offers to donate. + +International donations are gratefully accepted, but we cannot make +any statements concerning tax treatment of donations received from +outside the United States. U.S. laws alone swamp our small staff. + +Please check the Project Gutenberg Web pages for current donation +methods and addresses. Donations are accepted in a number of other +ways including including checks, online payments and credit card +donations. To donate, please visit: https://pglaf.org/donate + + +Section 5. General Information About Project Gutenberg-tm electronic +works. + +Professor Michael S. Hart was the originator of the Project Gutenberg-tm +concept of a library of electronic works that could be freely shared +with anyone. For thirty years, he produced and distributed Project +Gutenberg-tm eBooks with only a loose network of volunteer support. + + +Project Gutenberg-tm eBooks are often created from several printed +editions, all of which are confirmed as Public Domain in the U.S. +unless a copyright notice is included. Thus, we do not necessarily +keep eBooks in compliance with any particular paper edition. + + +Most people start at our Web site which has the main PG search facility: + + https://www.gutenberg.org + +This Web site includes information about Project Gutenberg-tm, +including how to make donations to the Project Gutenberg Literary +Archive Foundation, how to help produce our new eBooks, and how to +subscribe to our email newsletter to hear about new eBooks. diff --git a/29243-8.zip b/29243-8.zip Binary files differnew file mode 100644 index 0000000..6ff9e80 --- /dev/null +++ b/29243-8.zip diff --git a/29243-h.zip b/29243-h.zip Binary files differnew file mode 100644 index 0000000..a629548 --- /dev/null +++ b/29243-h.zip diff --git a/29243-h/29243-h.htm b/29243-h/29243-h.htm new file mode 100644 index 0000000..b187f10 --- /dev/null +++ b/29243-h/29243-h.htm @@ -0,0 +1,3476 @@ +<!DOCTYPE HTML PUBLIC "-//W3C//DTD HTML 4.0 Transitional//EN"> +<html lang="pt"> +<head> + <title>O Descobrimento das Filippinas, por Caetano Alberto</title> + <meta name="Author" content="Caetano Alberto"> + <meta name="Publisher" content="Empresa do Occidente"> + <meta name="Date" content="Lisboa, 1898"> + <meta http-equiv="content-type" content="text/html; charset=iso-8859-15"> + <style type="text/css"> + body{margin-left: 10%; + margin-right: 10%; + } + .pn { + text-indent: 0em; + position: absolute; + left: 92%; + font-size: smaller; + text-align: right; + color: silver; + } + #corpo p{text-align: justify; text-indent: 1em;} + h1,h2 {text-align: center; margin-top: 3em; margin-bottom: 2em;} + #corpo p.sinopse {margin: 0; font-size: small; text-indent: 0;} + .rodape { + font-size: 0.8em; + margin: 2em; + } + .fbox {border: solid black 1px; background-color: #FFFFCC; font-size: 75%; margin-left: 10%; margin-right: 10%;} + + </style> +</head> + +<body> + + +<pre> + +The Project Gutenberg EBook of Descobrimento das Filippinas pelo navegador +portuguez Fernão de Magalhães, by Caetano Alberto + +This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with +almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or +re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included +with this eBook or online at www.gutenberg.org + + +Title: Descobrimento das Filippinas pelo navegador portuguez Fernão de Magalhães + +Author: Caetano Alberto + +Release Date: June 26, 2009 [EBook #29243] + +Language: Portuguese + +Character set encoding: ISO-8859-1 + +*** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK DESCOBRIMENTO DAS FILIPPINAS *** + + + + +Produced by Pedro Saborano (produced from scanned images +of public domain material from Google Book Search) + + + + + + +</pre> + +<div class="fbox"> <b>Notas de transcrição:</b><br> +No livro original existia uma errata no final do mesmo. Os erros identificados +nessa errata foram corrigidos nesta edição, tendo-se mantido a lista de erros originais.<br> +Adicionalmente foram corrigidos alguns erros tipográficos evidentes. +</div> + +<p> </p> +<p> </p> + +<div style="text-align:center; border: solid 2px #000;"> +<p><em>CAETANO ALBERTO</em></p> + +<hr style="border: 0; border-bottom: double 3px #000; width: 80%;"> + +<p style="font-size: 1.2em;">DESCOBRIMENTO</p> + +<p style="font-size: 0.8em;">DAS</p> + +<p style="font-size: 2.5em; margin: 0.5em;">FILIPPINAS</p> + +<p style="font-size: 0.6em;">PELO NAVEGADOR PORTUGUEZ</p> + +<p>FERNÃO DE MAGALHÃES</p> + +<p>—</p> + +<p><em>Edição illustrada</em></p> + +<p style="text-align: center;"><img width="30%" align="bottom" border="0" +src="images/logo.png" alt="Logotipo"></p> + +<p style="font-size: 0.8em;">LISBOA<br> + +E<small>MPREZA DO </small>O<small>CCIDENTE</small><br> + +Largo do Poço Novo<br> +—<br> + +1898</p> +</div> + +<p> </p> +<p> </p> +<p> </p> +<p> </p> + +<hr style="border: 0; border-bottom: solid 3px #000; width: 80%;"> + +<p style="text-align:center;font-size: 1.5em;"> +DESCOBRIMENTO DAS FILIPPINAS</p> + +<hr style="border: 0; border-bottom: solid 3px #000; width: 80%;"> +<p> </p> +<p> </p> +<p> </p> +<p> </p> + +<div style="text-align:center;"> +<p><em>CAETANO ALBERTO</em></p> + +<hr style="border: 0; border-bottom: double 3px #000; width: 80%;"> + +<p style="font-size: 1.2em;">DESCOBRIMENTO</p> + +<p style="font-size: 0.8em;">DAS</p> + +<p style="font-size: 2.5em; margin: 0.5em;">FILIPPINAS</p> + +<p style="font-size: 0.6em;">PELO NAVEGADOR PORTUGUEZ</p> + +<p>FERNÃO DE MAGALHÃES</p> + +<p>—</p> + +<p><em>Edição illustrada</em></p> + +<p style="text-align: center;"><img width="30%" align="bottom" border="0" +src="images/logo.png" alt="Logotipo"></p> + +<p style="font-size: 0.8em;">LISBOA<br> + +E<small>MPREZA DO </small>O<small>CCIDENTE</small><br> + +—<br> + +1898</p> +</div> + +<p> </p> + +<p> </p> + +<div style="text-align:center;"> +<p style="font-size: 1.2em;"><em>Á memoria de seu tio</em></p> + +<p style="font-size: 0.8em;">O CAPITÃO</p> + +<p style="font-size: 2em;">Paulo Antonio da Rocha</p> + +<p> </p> + +<p> </p> +<p style="font-size: 0.8em;"><em>O. e D.</em></p> +<p> </p> + +<p> </p> + +<p style="text-align: right;">O Auctor.</p> +</div> + +<p> </p> + +<p> </p> + +<p style="text-align: center;"><img width="90%" align="bottom" border="0" +src="images/fmagalhaes.png" alt="Fernão de Magalhães"><br>Fernão de Magalhães</p> + +<p> </p> + +<p><span class="pn">{9}</span></p> + +<p> </p> + +<div id="corpo"> +<h1>I</h1> + +<p><em>Primus circumdidisti me.</em>—Foste o primeiro que me circumdou.—Foi +esta a divisa que Carlos V, o imperador, escreveu na esphera que encimou o +brazão de Sebastião de Elcano, o afortunado piloto castelhano, que do mar do +sul trouxe a S. Lucar de Barrameda, a nau <em>Victoria</em>, com a noticia da +descoberta das ilhas Mariannas, tendo dado a volta ao mundo.</p> + +<p>Afortunado chamámos a Sebastião de Elcano, e que maior fortuna que colher os +loiros que deviam cingir a fronte de outro, a quem a sua má estrella lhe +anoitou a existencia depois de o ter guiado á victoria!</p> + +<p>E que outro podia ser que um portuguez a devassar os mares, a circundar o +globo?!</p> + +<p>Que de emprezas arrojadas; que de feitos d'armas; que de acções generosas; +que de<span class="pn">{10}</span> progressos das sciencias se poderão apontar +na historia, que não encontreis á sua frente primeiro entre os primeiros:—o +portuguez.</p> + +<p>Ah! que até chego a duvidar se estou acordado ou sonhando, quando ouço para +ahi tanto pessimismo a amesquinhar o nosso valor, a duvidar, a descrêr de nós +proprios!</p> + +<p>Não ha talvez outro exemplo de uma nacionalidade assim!</p> + +<p>Tão grande; tão prestimosa; tão brilhante, que o seu nome está escripto no +mundo inteiro, pelos mares, nas ilhas, nos continentes, nos mais reconditos +sertões e até nos astros—como adiante veremos—e que tão pouco julgue de si; +tendo-se por fraca quando tanto é o seu valor; julgando-se pobre quando é tão +rica, que tem dado prodigamente a outros e tanto ainda lhe resta para si; que +tendo uma historia tão gloriosa como outra não ha, pense que não é d'ella que +ha-de viver, como se fosse uma Roma cahida, que já não tem a girar-lhe nas +veias o mesmo sangue com que escreveu essa historia!</p> + +<p>Mas então o que valem os feitos dos nossos soldados, que ainda nos +principios d'este seculo se batiam e levavam de vencida as legiões do primeiro +capitão, que avassalava o mundo com a sua espada e que veio encontrar, n'este +recanto da peninsula, os primeiros revezes da guerra que o levaram por<span +class="pn">{11}</span> fim a Santa Helena:—O grande Bonaparte!; mas que valem, +em nossos dias essas victorias alcançadas em Africa; que dispertam a admiração +do mundo; que significa ainda o triumpho que n'este momento as armas +portuguezas estão alcançando na Oceania?; o que vale o resurgir das nossas +artes, que vão honrar o nome portuguez nos certamens onde concorrem os artistas +de todo o mundo, como agora, em Berlim; que gloria nos vem de um dramaturgo +portuguez Pinero (Pinheiro), em Inglaterra, alcançar os maiores triumphos nos +theatros de Londres, e das suas peças percorrerem toda a America; para que +orgulhar-mo-nos dos Luziadas que é um poema eterno porque canta as glorias de +um povo de guerreiros e de navegadores; para que serve a expansão d'este paiz +pequeno, cujos seus filhos affirmam a victalidade da patria pelas cinco partes +do mundo, em colonias tão importantes como as da America, da Africa, da Oceania +e da Asia; que importancia tem os nossos homens scientificos que se distinguem +nos congressos onde se reunem as summidades da sciencia; o que quer dizer essa +lucta da industria portugueza a medir-se com as industrias de outros paizes +mais adiantados, supprindo as necessidades de um povo civilisado a que a má +administração das suas finanças acarretou uma<span class="pn">{12}</span> crise +economica; o que importa o renascimento de um paiz que em meio seculo tem +realisado todos os progressos que o aproximam das nações mais cultas?</p> + +<p>Serão proprios de uma raça degenerada, de um paiz perdido, de uma +civilisação extincta, todas estas manifestações de vida, affirmações de força, +de lucta pela existencia, sob um sol creador, n'uma terra uberrima, que se +desentranha em fructos, que encerra thesouros, em suas minas, fertilisada por +abundantes rios, que tem tudo que ha em outros paizes e mais o que elles não +teem, que é rica, emfim, de todos os bens que a natureza possue e que Deus +parece ter reunido aqui como no paraizo terreal!</p> + +<p>E para que foi que este povo, achando-se apertado no solo que as suas +espadas conquistaram, se aventurou aos mares a alçar a sua bandeira em terras +até então desconhecidas, levantando imperios na India e na America, +avassallando novos mundos onde a familia portugueza póde viver como na patria +porque são patria tambem de portuguezes.</p> + +<p>Mas basta. Não ennumeremos mais o que deveria estar na lembrança de todos os +filhos de Portugal, o que nunca deveriam esquecer, porque é esquecerem-se da +sua nacionalidade, do que prova a sua existencia<span class="pn">{13}</span> e +autonomia, do que dá razão da sua vida atravez de todas as vicissitudes porque +tem passado.</p> + +<p>Pois quê! se Portugal não fosse um élo importante da cadeia que liga a +grande familia da humanidade, teria resistido aos embates da sorte que tantas +vezes o hão experimentado?</p> + +<p>Se elle não tivesse concorrido tão bastamente para a civilisação que o mundo +disfructa, como teria atravessado por entre os seculos e luctado contra as +ambições de extranhos que tentaram apagar dos mappas as linhas que demarcam as +suas fronteiras!</p> + +<p>A Polonia succumbe sob o grande collosso porque a sua nacionalidade não +coopera na transformação porque o mundo passa ao sahir da idade media; o mesmo +acontece á Hungria. Veneza cahiu quando as novas descobertas empanam o brilho +da sua navegação e do seu commercio.</p> + +<p>Portugal existe e vive porque o ciclo da civilisação de que elle lançou os +primeiros segmentos ainda não se fechou.<span class="pn">{14}<br>{15}</span></p> + +<p> </p> + +<h1>II</h1> + +<p>Que serie de heroes encontramos ao folhear da historia, desde os que tentam +as primeiras descobertas geographicas até os que fundam imperios como Affonso +de Albuquerque.</p> + +<p>Como as prôas das naus portuguezas foram deliniando, na immensa tabola do +Oceano os fundamentos da civilisação moderna.</p> + +<p>Os argonautas precedem os venezianos nas suas viagens; o scandinavo Leif +Erik descobre tres seculos antes de Colombo a America do norte e os noruegueses +estabelecem-se na Islandia; Roger Bacon e o cardeal Pedro d'Ailly esboçam os +primeiros deliniamentos geographicos, mas tudo isto é nebuloso no espirito dos +navegadores e cosmographos do seculo <small>XV</small> e faz crescer a vontade +de conhecer os caminhos do mar,<span class="pn">{16}</span> para chegar +áquellas regiões mysteriosas de que se contavam historias da Fabula.</p> + +<p>Christovão Colombo e Amerigo Vespucci estudam e fazem calculos para achar o +caminho do Oriente de que falla Marco Polo, e o aventuroso genovez despresado +na sua patria vem offerecer a Portugal os seus serviços e pedir-lhe naus para +ir á descoberta, mas não é mais feliz nas suas pretenções do que o fôra na +Italia.</p> + +<p>Já Portugal então andava tambem empenhado n'essas emprezas, e o immortal +infante D. Henrique lançava, na supposta eschola de Sagres, as bases das +grandes navegações e descobertas que iam seguir-se.</p> + +<p>Ali se planeava a grande revolução geographica que se ia operar e que seria +o fóco de novas revoluções, nas sciencias, nas artes e no commercio, o prologo +d'esta civilisação que hoje nos maravilha.</p> + +<p>Vasco da Gama, mais feliz do que Colombo encontra o caminho da India. Os +seus marinheiros vencem os mares tenebrosos e quebram o encanto das sereias que +se rendem ás suas canções maritimas; o indomito Adamastor respeita tão grande +audacia e deixa passar adiante a frota que entra alfim no Oceano Indico.</p> + +<p>Depois que serie de descobertas se succedem;<span class="pn">{17}</span> que +trabalho de civilisação de novas gentes se enceta.</p> + +<p>Os nossos arsenaes apparelham, sem cessar, naus e caravellas para novos +emprehendimentos. Desenvolve-se a febre da navegação; cada portuguez é um +navegador. Portugal quasi se despovoa para ir povoar novas terras onde leve a +luz da nova civilisação.</p> + +<p>Os seus capitães vão continuar para além do Atlantico a sua obra de +conquista principiada em Ourique. Eram ainda o mesmo peito d'aço, o mesmo braço +esforçado. A flôr da mocidade adiantava-se; os que ficavam tinham inveja dos +que partiam. Vieram as emolações, as intrigas da côrte, os despeitos, e quantos +d'isto foram victimas, os maus, os bons.</p> + +<p>Houve, porém, um homem na côrte de D. Manuel, mais audaz, por ventura que +outros, que acariciava a idéa de dar a volta ao mundo por mares ainda não +devassados de europeus.</p> + +<p>Era a idéa predominante no espirito dos navegadores achar a passagem para o +mar do Sul que incurtaria o caminho para a India.</p> + +<p>Colombo já o pensára, Balboa estivera a ponto de o realisar, mas o Destino +tinha escripto no seu insondavel livro que seria a<span class="pn">{18}</span> +um portuguez que caberia essa gloria: e esse portuguez, esse homem da côrte de +D. Manuel;—foi Fernão de Magalhães, que quizera enflorar na corôa de Portugal +uma nova joia de alto valor, mas que o mesmo Destino quiz que a fosse engastar +na Corôa de Castella!<span class="pn">{19}</span></p> + +<p> </p> + +<h1>III</h1> + +<p>Não é proprio dos espiritos aventurosos medir as suas acções pelas regras da +prudencia e da boa razão; se assim não fôra deixaria de haver a aventura para +só prevalecer a fria reflexão, o que tanto monta como o mundo ter avançado +metade do caminho precorrido nos progressos da humanidade: <em>Audentes fortuna +juvat.</em></p> + +<p>Não se esperem aventuras donde só dominar a intelligencia sem participar o +coração. Os productos da primeira serão admirados e respeitados, mas o que o +segundo produzir ha-de espantar e maravilhar.</p> + +<p>Raro se reunem estas qualidades e por isso, quando se encontram em um só +homem, esse homem será um heroe, porque encherá de beneficios a humanidade.</p> + +<p>Comtudo não menos raro é, que a esses<span class="pn">{20}</span> homens de +espirito e coração privilegiados, a humanidade tenha aberto os braços antes de +lhe mover uma guerra de morte. Porque elles vêem mais longe que o vulgar dos +espritos, advinhando o que outros não comprehendem, são sempre o alvo da inveja +dos maus a espicaçar a aversão dos nescios.</p> + +<p>É por isso que em todos os tempos a intriga tem envolvido os grandes homens, +deturpando-lhe as intenções, maculando-lhe o caracter, desfazendo de seus +meritos, pretendendo annular-lhe as suas obras.</p> + +<p>Quantas vezes os ferros de el-rei arroxearam os pulsos dos seus melhores +servidores; quantas o desgosto matou homens a quem a posteridade tem levantado +monumentos!</p> + +<p>N'este labyrinto da Historia, que os historiadores nem sempre tem podido +espurgar das paixões, quão difficil é apreciar com justiça o caracter dos +homens que n'ella mais preponderam por suas acções e influencia.</p> + +<p>É n'esta difficuldade que nos encontrâmos para definir nitidamente o +caracter de Fernão de Magalhães, avaliando as rasões que o levaram a deixar a +patria e o serviço do seu rei, pelo serviço do imperador das Hespanhas, por um +paiz que era o emulo de Portugal, nas conquistas e descobertas.</p> + +<p>É fóra de duvida que Fernão de Magalhães deveria ter um caracter +independente<span class="pn">{21}</span> e ousado, porque outro não se +compadecia com o seu espirito aventuroso; que esse caracter não seria +facilmente maleavel como não se amoldaria ás adulações e hypocrisias da côrte, +parece seguro; mas viria só d'isto o desagrado em que cahiu para com el-rei D. +Manuel?</p> + +<p>Seria Fernão de Magalhães mais ambicioso que outros, o que não é para +admirar, visto que o seu espirito se dilatava tanto pelo que outros não viam, e +essa ambição miraria mais á gloria do que ao interesse material? Qualquer das +duas seria o bastante para o malquistar com os camaradas e com os cortezãos. +</p> + +<p>É certo que um dos motivos de desgosto de Magalhães foi el-rei +desattender-lhe o pedido de augmento de pensão, ao voltar de Azamor, onde +combatera valentemente contra os moiros ao lado de João Soares e onde fôra +ferido em uma perna, de que ficou coxeando; mas se o augmento pouco valia +monetariamente, sobrava-lhe em importancia moral porque, como diz Faria e +Sousa, na <em>Asia Portugueza</em>: «Subir cinco reaes em dinheiro, é subir +muitos graus em qualidade», e Lafitau na <em>Europa Portugueza</em>: «... +crescer aqui um real é crescer muito em opinião».<span +class="pn">{22}<br>{23}</span></p> + +<p> </p> + +<h1>IV</h1> + +<p>Quando isto succedeu já Fernão de Magalhães havia illustrado o seu nome em +Africa, tendo feito parte de tres expedições, que de Lisboa partiram para +aquelles paizes.</p> + +<p>A primeira d'essas expedições foi a de 25 de março de 1505, sob o commando +de D. Francisco d'Almeida. N'ella se alistou Fernão de Magalhães, contando 25 +annos de idade, pois, segundo parece, nascera pelos annos de 1480,<a +name="tex2html1" href="#foot93"><sup>[1]</sup></a> deixando os commodos da +côrte, onde, segundo diz Argenzola, na<span class="pn">{24}</span> <em>Historia +de las Malucas</em> e <em>Anales de Aragon</em>, era pagem da rainha D. Leonor +e d'el-rei D. Manuel. Preparou-se Magalhães, tanto com as coisas espirituaes +como materiaes, para a perigosa viagem, conforme o costume dos tempos. +Confessou-se e sacramentou-se e fez testamento, em Belem, a 19 de dezembro de +1504, em que transparece o animo com que o testador se achava para as grandes +emprezas, pois recommenda n'aquelle documento—segundo dá fé Diego de Barros +Arana, na <em>Vida e Viagens de Fernão de Magalhães</em>,<a name="tex2html2" +href="#foot98"><sup>[2]</sup></a>—a sua irmã D. Thereza de Magalhães, que +institue herdeira do seu patrimonio como parente mais proximo, casada com João +da Silva Telles, gentilhomem da côrte e senhor do castello de Pereira de +Sabrosa, que transmitta o seu appellido juntamente com o seu brazão d'armas a +seus herdeiros.</p> + +<p>Em 1508 encontrava-se já Fernão de Magalhães em Lisboa de volta d'aquella +viagem. Havia tomado parte com Nuno Vaz Pereira nas guerras da Costa Oriental +da Africa para submetter aquelles povos á soberania de Portugal, como era +necessario para a submissão das possessões da India.<span +class="pn">{25}</span></p> + +<p>Não nos transmitte a historia os feitos d'armas que elle praticou n'esta +viagem; é comtudo certo que ella lhe serviu, como as subsequentes, para alargar +os seus estudos geographicos, como affirmam todos os escriptores que de +Magalhães se tem occupado.</p> + +<p>A segunda viagem encetou-a Fernão de Magalhães em 5 de abril de 1508, +partindo de Lisboa na frota de Diogo Lopes de Sequeira, composta de quatro +naus, com objecto de novas descobertas e conquistas no Oriente. Malaca era uma +das terras mais cubiçadas pelas riquezas que tinha, e Sequeira ia encarregado +de estabelecer relações com aquelle povo.</p> + +<p>A viagem foi bem succedida até Madagascar, mas, proseguindo para Ceylão, um +grande temporal obrigou os navios a arribar a Cochim, onde residia o vice-rei +da India D. Francisco d'Almeida. Aqui augmentou Sequeira a sua frota com mais +um navio e a guarnição com mais 60 homens, largando de Cochim a 18 de agosto de +1509.</p> + +<p>Chegou Diogo Lopes de Sequeira a Malaca depois de ter reconhecido a ilha de +Sumatra. Foi, porém, desgraçado o fim d'esta viagem, porque os malayos, que a +principio receberam bem os portuguezes, não tardou muito que conspirassem +contra os nossos,<span class="pn">{26}</span> tentando assassinar Sequeira, +tentativa de que Magalhães teve conhecimento e conseguiu frustrar, assim como +com esforçado valor defendeu seus companheiros de morrerem traiçoeiramente ás +mãos d'aquelle povo, salvando quantos poude dos que se encontravam em terra. +Entre estes nomea-se Francisco Serrano, ou Serrão, seu companheiro e, parece, +parente.</p> + +<p>Sequeira voltou para a Europa no melhor navio da frota, tendo mandado +queimar dois por falta de gente para os tripular, e ordenando que os outros +officiaes e resto de tripulação fossem para Cochim nos dois navios restantes, +d'onde depois seguiriam para Portugal.</p> + +<p>Assim se observou; porém, a má sorte quiz que os navios se perdessem no +archipelago de Laquedivas, desfazendo-se nos recifes de Padua, logrando +salvar-se a tripulação para um ilheu deserto, esperando passar a terra povoada. +</p> + +<p>N'esta conjuntura revela-se a grandeza de animo e o coração generoso de +Fernão de Magalhães, porque, embarcando-se os seus companheiros nas lanchas +para procurarem terra hospitaleira, elle se ficou com os restantes correndo o +risco de, embora perecer, mas nunca os abandonar. Assim esperou que os +companheiros lhe enviassem o auxilio<span class="pn">{27}</span> necessario, e, +chegado elle, se passou a Cananor, onde encontrou Affonso de Albuquerque, que +ia de viagem para Ormuz com gente de guerra a dilatar suas conquistas na Persia +e seguir até o mar Roxo e Egypto.</p> + +<p>Recebeu Affonso de Albuquerque a Fernão de Magalhães e aos companheiros, que +embarcou em sua armada, os quaes o ajudaram a submetter Goa e a dominar a costa +de Malabar, e depois a tentar nova guerra contra Malaca, que é um dos feitos +mais gloriosos das armas portuguezas no Oriente e o inicio de novos +descobrimentos como os das ilhas de Banda e das Molucas, centro das ricas e +procuradas especiarias.</p> + +<p>No regresso d'esta viagem (1512), em que tanto se distinguiu Fernão de +Magalhães, teve este em recompensa de seus serviços o cargo de moço fidalgo do +paço, com a pensão de mil réis mensaes com moradia. Esta pensão lhe foi +melhorada pouco tempo depois, o que muito lhe accrescentou o valor e +importancia na côrte, como se deprehende dos documentos achados por Muñoz no +archivo de Lisboa.</p> + +<p>A recompensa dada por el-rei D. Manuel a Fernão de Magalhães foi incentivo +bastante para o bravo portuguez voltar á guerra, procurando na sorte das armas +augmentar<span class="pn">{28}</span> o lustre do seu nome já então galardoado. +</p> + +<p>Na Africa feria-se uma guerra contra mouros que se batiam denodadamente com +os portuguezes. Não menos que para a India se dirigiam as vistas do rei +afortunado para aquelle campo das nossas conquistas, e assim mandou aprestar +uma grande armada, composta de quatrocentos navios,—segundo diz Faria e Sousa, +na sua <em>Africa Portuguesa</em>,—em que embarcou dezenove mil homens de +guerra, sob as ordens de seu sobrinho D. Jayme de Bragança.</p> + +<p>N'esta armada partiu Fernão de Magalhães, emprehendendo a sua terceira +viagem, em 1513; e não foi esta menos gloriosa para o seu nome que as duas +primeiras; pois que combatendo ao lado de João Soares contra aquelles povos +semi-barbaros, occupou a praça de Azamor e defendeu-a valorosamente contra as +tropas dos reis de Fez e de Mequinez. N'esta guerra se excedeu tanto em valor +que, a par do ferimento que recebeu em uma perna, de que ficou coxeando, lhe +foi dado o posto de quadrilheiro-mór, ou capitão de uma companhia; e perseguiu +de tal modo os mouros que aprisionou oitocentos e noventa d'estes e duas mil +cabeças de gado.</p> + +<p>Segundo diz Barros, esta façanha foi origem de desgostos para Fernão de +Magalhães,<span class="pn">{29}</span> porque na repartição da presa +levantaram-se tantas reclamações e intrigas que chegaram aos ouvidos de el-rei +D. Manuel, indispondo este monarcha contra o heroe de Azamor.</p> + +<p>Quanto de inveja e de mal soffridas ambições andariam n'isto, é o que não +podemos affirmar; mas, a julgar pelos resultados, mui negras deviam ser as +côres com que apresentaram a el-rei o quadro do procedimento de Magalhães, para +que este, depois de se justificar com documentos, provando a falsidade das +arguições ainda assim não conseguisse recompensa regia dos seus serviços e +ainda menos perdão da supposta culpa.</p> + +<p>Ouçamos o que sobre este ponto diz Gaspar Correia, nas suas <em>Lendas da +India</em>, n'aquella linguagem do tempo, e que vamos transcrever quanto +possivel approximada e intelligivel para a maioria dos leitores de agora. «... +Fernão de Magalhães, vindo ao reino, allegando a el-rei seus serviços, pediu em +recompensa lhe accrescentasse cem réis de moradia por mez, o que el-rei lhe +denegou, por não cahir em sua graça, ou porque estava destinado que assim havia +de ser. Fernão de Magalhães, aggravado, porque muito o pediu a el-rei e elle +lh'o não quiz fazer, lhe pediu licença de ir viver para quem lhe fizesse mercê +e alcançasse mais fortuna<span class="pn">{30}</span> que com elle, ao que +el-rei lhe disse, fizesse o que quizesse, e lhe quiz beijar a mão e el-rei lhe +a não quiz dar.»</p> + +<p>Não se pense d'aqui que a pureza dos costumes do tempo fosse tal que, +admittindo que Magalhães fosse menos escrupuloso no seu procedimento, não lhe +pudessem ser levados em conta os serviços prestados ao reino, para lhe attenuar +a falta; porque é certo que a outros, não mais prestantes nem menos ambiciosos, +a munificencia do rei encheu de honras e prebendas, apesar das faltas +commettidas.</p> + +<p>As injustiças são de todos os tempos, sem que por isso se deva sempre +condemnar quem as comette; porque muitas vezes são involuntarias e apenas +resultado de tramas bem urdidos por terceiros.</p> + +<p>Foi, provavelmente, o que aconteceu com Fernão de Magalhães, que tanto se +sentiu de ver-se injustamente desattendido, que renegou da sua nacionalidade de +portuguez para offerecer os seus serviços a Castella.</p> + +<p>Não se fala da lucta que elle travaria comsigo mesmo para levar a cabo esta +resolução; mas é bem de suppôr seria enorme, se tivermos em vista quanto devia +repugnar a um portuguez o trocar a sua nacionalidade pela de uma nação, que +sempre nos disputou a supremacia, quer nas conquistas<span +class="pn">{31}</span> e descobrimentos, quer na absorpção d'esta gloriosa +patria portugueza. Enorme lucta, sem duvida, a que se levantou no espirito de +Fernão de Magalhães; mas como resistir-lhe, se essa resistencia seria a +annullação dos seus planos audaciosos, que não eram a satisfacção de um +capricho, vaidade impertinente, ou ambição injusta.</p> + +<p>O escudo das suas armas ia ser picado, o nome da sua familia execrando, +apontado ao desprezo; e elle estimava tanto os pergaminhos de seus +antepassados, o seu nome, a sua patria, que, ao apartar-se d'ella pela primeira +vez, recommendara a seus herdeiros, nas desposições testamentarias, que lhe +guardassem o seu escudo de armas e o transmitissem aos seus descendentes.</p> + +<p>Enorme lucta, sem duvida; mas ainda maior que essa lucta era o ideal de +Fernão de Magalhães, que antesonhava o grande progresso geographico que +realizaria com a sua viagem de circumnavegação do globo, prestando ao mundo um +alto serviço e cobrindo o seu nome de tanta gloria, que faltando á religião da +patria, ella não se deshonraria a final de o ter por filho.</p> + +<p>Deshonra e vergonha seria se Fernão de Magalhães houvesse cruzado os braços +ante a injustiça dos homens, rojando-se submisso aos pés de um throno que o +desprezava. Encontrando-se<span class="pn">{32}</span> com animo para a audaz +empresa que planeava, pouco lhe devia importar o ser portuguez ou de outra +qualquer nacionalidade; essa preoccupação seria futil no meio da sua grandiosa +obra. Elle tinha fatalmente que realizar os seus planos. Se a patria lhe negava +os meios de os levar a effeito, elle iria por esse mundo fóra procural-os até +encontrar quem lh'os facultasse; e foi e encontrou!</p> + +<p>Se para a Hespanha Fernão de Magalhães conquistou terras, para Portugal +conquistou a gloria do seu nome. Essas terras poderão um dia deixar de ser de +Hespanha; mas a gloria do nome de Fernão de Magalhães é que nunca deixará de +ser de Portugal!<span class="pn">{33}</span></p> + +<div class="rodape"> +<p><a name="foot93" href="#tex2html1"><sup>[1]</sup></a> Não está bem +determinada a data do nascimento de Fernão de Magalhães; é, todavia, certo que +elle nasceu na aldeia de Sabrosa, de Traz-os-Montes e que seu pae se chamava +Pedro, sendo da quarta nobreza de Portugal, ou fidalgo de cotta d'armas e +geração que tem insignias de nobreza, tendo a sua familia escudo d'armas +enxequetado, ou em quadradinhos como taboleiro de xadrez.</p> + +<p><a name="foot98" href="#tex2html2"><sup>[2]</sup></a> Este testamento só foi +conhecido em 1855, segundo diz Arana, que d'elle teve conhecimento por uma +copla de Ferdinand Diniz, que a houve de um herdeiro de Magalhães.</p> +</div> + +<p> </p> + +<h1>V</h1> + +<p>Mediaram cerca de tres annos entre os successos que levaram Fernão de +Magalhães a renegar a nacionalidade portugueza, e a sua entrada em Sevilha a 20 +de outubro de 1517.</p> + +<p>Este tempo consumiu-o em estudos de cosmographia e nautica, escrevendo +tambem a sua obra em castelhano sobre as terras que tinha visitado, á qual deu +o titulo: <em>Descripcion de los reinos, costas, puertos e islas que hai en el +mar de la India oriental i costumbres de sus naturales: su gobierno, religion, +comercio i navegacion, i de los frutos i efectos que producen aquellas vastas +regiones, con otras noticias mui curiosas; compuesto por Fernando Magallanes, +piloto portuguez que lo vio i anduvo todo.</em></p> + +<p>Esta obra nunca foi publicada, apesar d'isso<span class="pn">{34}</span> +extrahiram-se d'ella algumas copias, que alteraram muitos pontos essenciaes das +viagens de Magalhães, o que bastante deprecia o seu conhecimento, e Diego de +Barros Arana, diz que viu em Madrid uma d'essas copias, de letra do seculo +<small>XVI</small> que possuia o erudito bibliophilo D. Paschoal de Gayangos. +</p> + +<p>Aos estudos que Fernão de Magalhães fazia, ora em Lisboa ora no Porto, onde +tinha mais persistencia, reuniu o conhecimento de Ruy ou Rodrigo Faleiro da +Covilhã, que segundo diz Oviedo, na sua <em>Historia jeneral de las +Indias</em>, era homem de grandes conhecimentos de cosmographia, astrologia e +outras sciencias. Faleiro foi de grande auxilio para Magalhães porque +comprenetrando-se do seu pensamento e dos seus planos associou-se calorosamente +á empreza, juntando-se-lhe Francisco Faleiro, irmão de Rodrigo e que tambem era +homem sabido em coisas de nautica.</p> + +<p>Magalhães já não se encontrava sosinho com a sua idéa, e isto mais o animou +a proseguir, nos meios de levar á pratica o audacioso plano.</p> + +<p>Sem navios nem meios para os adquirir e aprestar, sem nada poder esperar do +rei que o despresara, tinha fatalmente que recorrer a Castella, tanto mais, que +para realisar a sua viagem, não querendo abeirar-se<span class="pn">{35}</span> +de terras portuguezas, precisava tocar em terras sujeitas á Hespanha e onde não +era permittido estabelecer trafico sem auctorisação do rei de Castella.</p> + +<p>A Carlos V ia offerecer os seus serviços e descobrir os seus planos, pedindo +que lhe fornecesse os meios de os realisar. Mais tarde havia de Camões cantar, +nos seus immortaes Luziadas, os feitos de Magalhães:</p> + +<p> </p> + +<blockquote> + Eis-aqui as novas partes do Oriente, <br> + Que vós outros agora ao mundo daes, <br> + Abrindo a porta ao vasto mar patente, <br> + Que com tão forte peito navegaes. <br> + Mas é tambem razão, que no Ponente <br> + D'um Lusitano um feito ainda vejaes, <br> + Que de seu Rei mostrando-se aggravado, <br> + Caminho ha de fazer nunca cuidado. </blockquote> + +<p> </p> + +<blockquote> + Vedes a grande terra, que contina <br> + Vae de Callisto ao seu contrario polo, <br> + Que soberba a fará a luzente mina <br> + Do metal, que a côr tem do louro Apollo; <br> + Castella, vossa amiga, será digna <br> + De lançar-lhe o collar ao rudo collo: <br> + Varias provincias tem de varias gentes, <br> + Em ritos e costumes differentes. </blockquote> + +<p> </p> + +<blockquote> + Mas cá onde mais se alarga, ali tereis <br> + Parte tambem c'o pao vermelho nota: <br> + De Sancta Cruz o nome lhe poreis; <br> + Descobril-a-ha a primeira vossa frota. <br> + Ao longo d'esta costa, que tereis, <br> + Irá buscando a parte mais remota <br> + O Magalhães, no feito com verdade <br> + Portuguez, porém não na lealdade.<span class="pn">{36}<br>{37}</span> +</blockquote> + +<h1>VI</h1> + +<p>Abandonando a patria e o rei, que tão mal apreciara os seus serviços, Fernão +de Magalhães se foi a Sevilha, onde, ainda antes, talvez, de tratar dos +negocios da sua empreza, se lhe prendeu o coração a uns olhos negros e +pestanudos de uma gentil sevilhana, D. Beatriz, filha de Diogo Barboza.</p> + +<p>O bravo soldado que combatera na India e na Africa; o arrojado navegador que +dominara a porcella e queria devassar ignotos mares que a espada de Balboa +havia desafiado, como diz Alexandre de Humboldt—«com a espada na mão mettia-se +á agua até aos joelhos, e pensava apossar-se do mar do sul em nome de +Castella»—o heroe de Azamor, o homem forte que só parecia viver para a audaz +empreza da circumnavegação do globo, rendeu-se aos encantos<span +class="pn">{38}</span> de uma mulher, que soube conquistar-lhe o coração e a +quem elle, pouco tempo depois de ter chegado a Sevilha, dava a mão de esposo. +</p> + +<p>Tambem d'este enlace lhe veio auxilio para os seus planos, porque Diogo +Barbosa, sogro de Fernão de Magalhães, era, como diz Gaspar Correia: «... homem +principal, que sabia navegar no mar, porque era muito entendido na arte de +piloto e era <em>esperico</em>—o que quer dizer <em>spherico</em> ou +cosmographo, que sabe da <em>sphera</em>.</p> + +<p>Effectivamente, segundo Faria e Sousa, na <em>Asia Portugueza</em> e Lafitau +na <em>Histoire des découvertes et conquetes des portugais</em>, Diogo Barboza +fizera parte de uma grande expedição que el rei D. Manuel mandou aos mares da +India, em 1501, indo capitaniando um dos navios da frota de João da Nova, a +qual derrotou uma esquadra de mouros que traficavam em Calcuta e descobriu as +ilhas da Conceição e de Santa Helena. Este Diogo Barboza deixou o serviço de +Portugal e se foi a Castella, onde encontrou protecção em D. Alvaro de +Portugal, que havia passado aquelle paiz, quando seu irmão, o duque de Bragança +foi decapitado em Evora por ordem de El-rei D. João II (1483). D. Alvaro foi +recebido pelos reis catholicos como parente, e lhe deram todas as honras<span +class="pn">{39}</span> inherentes a tão alto personagem, confiando-lhe os +cargos de presidente do conselho dos reis e de alcaide do alcaçar de Sevilha, +segundo diz Lopez de Haro, no <em>Nobiliario de España</em> e Ortiz de Zuniga, +nos <em>Anales de Sevilla</em>.</p> + +<p>Tão alta protecção teve a sua influencia em Barboza, que foi elevado a +commendador da ordem de S. Thiago e logar tenente do alcaide do alcaçar de +Sevilha, e assim collocado, casou com a filha de uma das principaes familias de +Sevilha, D. Maria Caldeira.</p> + +<p>Viveu Fernão de Magalhães com esta familia durante o tempo que esteve +n'aquella terra e d'ahi lhe veio proveito, porque alem da protecção do sogro +travou relações com Duarte Barboza sobrinho de Diogo, que tambem viajara para a +India e explorara aquelles mares, como prova a relação das suas viagens, +publicada, em parte, na, <em>Navigazione e viaggi</em>, do colleccionador +italiano J. B. Ramusio, publicado em 1554, e completa, na <em>Collecção de +noticias para a historia e geographia das nações ultramarinas</em>, publicado +em Lisboa, em 1813.</p> + +<p>Como se vê, Fernão de Magalhães ia juntando elementos de estudo que lhe +aproveitavam, ao mesmo tempo que alcançava boas protecções para levar a cabo a +sua empreza.<span class="pn">{40}</span></p> + +<p>Assim se dirigiu em Sevilha, a uma casa chamada da contratação em que se +tratavam os negocios maritimos e a que Gaspar Correia se refere nas suas +<em>Lendas da India</em>: «Em Sevilha tinha o imperador a casa da contratação, +com regedores da fazenda que tinham grandes poderes e trafego de navegação e +armadas. Fernão de Magalhães forte de seu saber e com muita vontade de anojar +el-rei de Portugal, tratou com os regedores da casa da contratação e +disse-lhes: que Malaca e Moluco, ilhas que creavam o cravo, eram do imperador +pelas demarcações que entre ambos havia e por isso el-rei de Portugal não tinha +direito de possuir estas terras: e que isto elle sustentava em presença de +quantos doutores que o contestassem, pelo que obrigaria a sua cabeça. Os +regedores lhe responderam que sabiam bem que elle fallava verdade; mas que o +imperador não mandava lá seus navios, porque não podia navegar em mares da +demarcação de el-rei de Portugal. Ao que, lhes disse Fernão de Magalhães: Se me +derdes navios e gente eu navegarei para lá sem tocar em mar ou terra de el-rei +de Portugal. E se assim o não fizesse lhe cortassem a cabeça. Os regedores +muito satisfeitos assim escreveram ao imperador o qual lhes respondeu que +sentia prazer com o dito e muito mais sentiria com o<span +class="pn">{41}</span> feito: que tudo fizessem os regedores, guardando o seu +serviço e as coisas de el-rei de Portugal, em que não tocassem e antes tudo se +perdesse. Com esta resposta do imperador fallaram a Magalhães o qual continuou +a affirmar o que dizia, de que navegaria e ensinaria o caminho por fóra dos +mares de el-rei de Portugal; que lhe déssem os navios que elle pedisse, gente e +artilheria e o necessario, que elle cumpriria o que dizia e descobriria novas +terras na demarcação do imperador e traria oiro e cravo e canella e outras +riquezas; o que ouviram os regedores desejando muito fazer tão grande serviço +ao imperador, qual o de descobrir esta navegação, e para terem maior certeza, +reuniram pilotos e <em>espericos</em> para sobre isto discutirem com Magalhães, +que a todos deu suas razões e todos concordaram no que elle dizia e confirmaram +que era homem mui sabido.»</p> + +<p>Os mares e terras da demarcação do imperador, a que se referia Fernão de +Magalhães, eram os comprehendidos na linha divisoria que o Papa Alexandre VI +marcára a pedido dos reis catholicos afim de evitar conflictos entre os reis de +Castella e de Portugal, pela diligencia em que estas duas nações andavam de +descobrir terras desconhecidas.</p> + +<p>A linha traçada pelo Papa, ia de um polo<span class="pn">{42}</span> ao +outro, 100 leguas ao occidente dos Açores, dando aos hespanhoes a posse das +terras que descobrissem para esta parte e aos portuguezes as que descobrissem e +conquistassem para o oriente.</p> + +<p>A bulla de Alexandre VI que isto concedia começa assim: <em>De nostra mera +liberalitate, et ex certa sciencia ac de Apostolicæ potestates plenitudine</em> +etc.</p> + +<p>De nossa mera liberalidade, sciencia certa e plenitude do nosso poder +Apostolico etc.</p> + +<p>Depois d'esta demarcação os reis de Portugal e os de Castella acordaram em +fixar a linha divisoria mais 270 leguas ao occidente, pelo que diz Muñoz na +<em>Historia del Nuevo Mundo</em>.<span class="pn">{43}</span></p> + +<p> </p> + +<h1>VII</h1> + +<p>As declarações feitas por Fernão de Magalhães na Casa da Contratação de +Sevilha, não foram sufficientes para esta appoiar abertamente os projectos do +ousado navegador, e se não fôra a influencia de João de Aranda, que se empenhou +para que tivesse bom seguimento a proposta de Magalhães, talvez este não +lograsse ainda o seu intento.</p> + +<p>João de Aranda, era feitor da Casa da Contratação, de animo propenso a +emprezas arriscadas e por isso comprehendeu bem todo o alcance da empreza de +Magalhães e tanto que prometteu protejel-a mediante alguma parte dos lucros que +d'ella resultassem.</p> + +<p>Foi n'esta occasião que chegaram a Sevilha os dois irmãos Faleiros os quaes +não concordaram com o que Fernão de Magalhães havia tratado com João de Aranda, +muito principalmente Rodrigo Faleiro que era<span class="pn">{44}</span> homem +de caracter mais desconfiado e irritavel, e que se considerava a alma da +empreza de que Magalhães seria o elemento pratico.</p> + +<p>Importantes deviam ser os estudos de Rodrigo Faleiro, para que Magalhães se +sujeita-se ás suas exigencias, transegindo com elle tanto quanto possivel, no +que bem mostrava a generosidade de animo a par de melhor conhecimento pratico +do mundo, para debelar as difficuldades que se levantavam no seu caminho.</p> + +<p>De tal arte soube conciliar tudo para chegar ao seu fim, fazendo boas as +negociações que havia entabolado com Aranda, firmando, emfim, um contracto em +Valladolide a 23 de fevereiro de 1518, perante o escrivão de suas altezas, +Diogo Gonçalves de Sant'Iago, em que elle, Magalhães e Rodrigo Faleiro dariam a +oitava parte do proveito que resultasse <em>em dinheiro, ou renda, ou officio +ou em outra qualquer coisa que seja, de qualquer quantidade ou qualidade</em> +dos descobrimentos que se propunham levar a cabo.</p> + +<p>Não estava ainda bem firme no throno das Hespanhas o principe Carlos +d'Austria, o que naturalmente preoccupava o jovem monarcha, não sendo por isso +muito favoravel a occasião para se occupar das pretenções de Magalhães.</p> + +<p>Entretanto o navegador portuguez escudado<span class="pn">{45}</span> com as +protecções que grangeára, sempre conseguiu chegar á presença do monarcha e +fazer exposição dos seus planos, tendo primeiro apresentado aos ministros do +rei esses mesmos planos, apresentação para a qual muito influiu o bispo de +Burgos D. João Rodrigues da Fonseca.</p> + +<p>É para notar que este bispo de Burgos, que combatera tenazmente os planos de +Colombo, de Balbôa e de Cortez, se apresentasse na côrte protegendo Magalhães +com decidido empenho! Não nos diz a historia se n'esta protecção iria interesse +pessoal, ou a convicção da utilidade pratica dos projectos de Magalhães, sendo, +todavia, certo que o caracter do bispo não era dos de melhor quilate.</p> + +<p>Em todo o caso percebe-se que Fernão de Magalhães soubera pôr o bispo de seu +lado, como já soubera conciliar as divergencias levantadas por Faleiro.</p> + +<p>Mas ha ainda mais.</p> + +<p>Carlos V não accedeu tão de prompto, como a muitos parecerá, depois da +resposta que dera aos regedores da Casa de Contratação, ás propostas de Fernão +de Magalhães, e antes levantou duvidas, desconfianças sobre a auctoridade em +que o ousado portuguez firmava os seus planos.</p> + +<p>Era de esperar.</p> + +<p>Mas Fernão de Magalhães não se desconcertou.<span class="pn">{46}</span> +Soccorreu-se das observações feitas em suas viagens, do que havia estudado e de +quanto adquirira de Faleiro; por fim citou uma carta geographica, existente em +Portugal, levantada por Martinho de Bohemia em que marcava a communicação entre +o mar do norte e o do sul, e com tanta proficiencia discutiu os seus planos que +conseguiu desvanecer todas as duvidas no espirito de Carlos V, acabando este +por lhe conceder quanto pedia, mandando lavrar o contracto, o qual se celebrou +a 22 de março de 1518. Por este contracto foi dado a Fernão de Magalhães e a +Faleiro o privilegio de, por espaço de dez annos, a nenhum outro navegador ser +concedido ir a descobertas pelo mesmo caminho que elles. Seriam postos á sua +disposição cinco navios, armados de artilheria, e guarnecidos com 234 homens, +com mantimentos para 2 annos e mais dava o commando dos ditos navios a Fernão +de Magalhães e a Faleiro e a vigesima parte dos lucros que houvesse d'estes +descobrimentos, conferindo-lhe o de adiantados e governadores das terras que +descobrissem a elles e seus descendentes. Alem d'isto ainda Carlos V deu o +titulo de capitães d'esta esquadrilha a Magalhães e a Faleiro, com 50:000 +maravedis de soldo pagos pela Casa da Contratação, com toda a auctoridade em +terra e no mar, etc.<span class="pn">{47}</span></p> + +<p>Não contente ainda com o que tinha concedido, Carlos V, pouco depois de +celebrado aquelle contracto, ordenou que fosse augmentado o soldo dos dois +capitães com mais 8:000 maravedis e 30:000 para ajuda de custo; mandando tambem +que se abreviasse quanto possivel o armamento dos cinco navios.</p> + +<p>Fernão de Magalhães ia triumphando com a sua idéa, mas não tardou que novas +difficuldades se levantassem, e d'esta vez era de Portugal que vinham.</p> + +<p>Soube-se na côrte de D. Manuel do que se estava passando em Hespanha com os +dois portuguezes, e calculando-se quanto poderiam perigar as possessões +portuguezas na India, se Fernão de Magalhães levasse por diante seu intento, +necessario era combatel-o.</p> + +<p>Era embaixador portuguez em Hespanha D. Alvaro da Costa, que ali fôra pedir +a mão da infanta D. Leonor para el-rei D. Manuel. Sob este pretexto e quantos +mais se podem imaginar, representou contra as concessões feitas por Carlos V a +Fernão de Magalhães, e com tal arte se houve que o monarcha das hespanhas se +abalou, chegando a ponto de quasi revogar o que estava contractado.</p> + +<p>Foi ainda o citado bispo de Burgos que demoveu todas as duvidas.</p> + +<p>Fernão de Magalhães iria finalmente á descoberta.<span +class="pn">{48}<br>{49}</span></p> + +<p> </p> + +<h1>VIII</h1> + +<p>Decorreram seis mezes entre a assignatura do contracto e a partida de +Magalhães. Foram seis mezes de luctas para o ousado portuguez, em que se lhe +levantaram difficuldades por todos os lados, desde aquellas que Rodrigo Faleiro +lhe criou com o seu genio irascivel, até ás que o povo de Sevilha, instigado +pelos agentes portuguezes para impedirem a empreza, oppôz, tentando destruir os +navios que estavam a construir para a viagem, e contra a vida de Magalhães, +desconfiando da lealdade do seu procedimento.</p> + +<p>Não foi menos importante a falta de dinheiro para occorrer ás despezas da +expedição, falta que suppriu Christovão de Haro e Affonso Gutierres a que +tambem acudiram<span class="pn">{50}</span> alguns negociantes de Sevilha a +instancias do bispo de Burgos, devotado protector da empreza.</p> + +<p>Faleiro, investido de poderes eguaes aos de Magalhães e de genio mui +differente d'este, foi impossivel dirigir os trabalhos de commum accordo e a +tal ponto chegou a desintelligencia entre os dois, que Carlos V sem querer +melindrar nem um nem outro, mas vendo a impossibilidade de se consertarem, +determinou por uma real cedula datada de 26 de julho de 1519, que Faleiro +ficasse em Sevilha tratando de aprestar uma outra expedição, que seguiria a +Magalhães, e que o capitão portuguez partisse com o exclussivo de unico +commandante superior da esquadrilha.</p> + +<p>Tudo se aprestou alfim: a esquadrilha que ia a descoberta compunha-se de +cinco navios, de que Fernão de Magalhães era o almirante. O primeiro d'aquelles +navios era o <em>Trindade</em>, em que ia Magalhães; o segundo <em>Santo +Antonio</em> commandado por João de Cartagena, que era ao mesmo tempo vedor da +armada e tinha o titulo de adjunto de Fernão de Magalhães; o terceiro, +<em>Conceição</em> do commando de Gaspar de Quesada; o quarto, +<em>Victoria</em> tendo por commandante Luiz de Mendonça, que era tambem o +thesoureiro da armada; o quinto, <em>Santiago</em>, que<span +class="pn">{51}</span> era o mais pequeno, commandado pelo piloto João Serrano. +</p> + +<p>Foi a 10 de agosto de 1519 que a esquadrilha levantou ferro, e descendo o +Guadalquivir, veiu fundear no porto de S. Lucar de Barrameda, para quarenta +dias depois, a 20 de setembro, soltar as velas ao vento, em monção favoravel e +aventurar-se por esses mares fóra, sem temor dos perigos, á procura da passagem +para o mar do sul.</p> + +<p>Ia na expedição um interprete indio malayo, christão, que Magalhães levava +para melhor se entender com os povos que esperava encontrar; tambem ia Duarte +Barbosa cunhado de Magalhães, que já conhecia a Asia, e o italiano Antonio +Pigaffetta, que foi o chronista da viagem. Além d'este iam outros extrangeiros, +como francezes, flamengos e um inglez, todos fazendo parte da companha, +soldados, marinheiros, artifices etc.<a name="tex2html3" +href="#foot397"><sup>[3]</sup></a></p> + +<p>As caravellas, com suas proas alterosas, lá iam cortando o mar, impellidas +pelo vento rijo que lhe empavesava as latinas. Era um dia de sol, como só os ha +na peninsula Iberica, e os seus raios de ouro reflectindo-se nas aguas +centuplicavam a luz que illuminava aquelle quadro, ao mesmo tempo que<span +class="pn">{52}</span> alentavam a alma dos valorosos navegantes, não deixando +esfriar o enthusiasmo que animava todos: os que partiam e os que em terra lhe +dirigiam as ultimas saudações.</p> + +<p>A epocha era d'aquellas aventuras que melhor iam a estes povos, hespanhoes e +portuguezes que por egual andavam empenhados nas descobertas.<span +class="pn">{53}</span></p> + +<div class="rodape"> +<p><a name="foot397" href="#tex2html3"><sup>[3]</sup></a> <em>Vida e Viagens de +Fernão de Magalhães</em> por Diego de Barros Arana.</p> +</div> + +<p> </p> + +<h1>IX</h1> + +<p>Que trabalhosa viagem antes de chegar ao porto desejado! Cortada de +temporaes e de discordias, que de uns e outras não faltaram para experimentar o +animo do ousado navegador.</p> + +<p>Logo nos principios da rota Fernão de Magalhães teve que pôr a ferros a João +de Cartagena, que se sublevara contra elle por motivo de Magalhães mudar de +rumo sem o consultar, sendo Cartagena seu adjunto.</p> + +<p>A 13 de dezembro dava fundo, na bahia do Guanabára ou Rio de Janeiro, a +esquadrilha.</p> + +<p>É curioso o que conta Pigaffetta do negocio que fizeram com os indigenas +durante o tempo que ali permaneceram os navios.</p> + +<p>Diz elle:<span class="pn">{54}</span></p> + +<p>«Aqui fizemos provisão de gallinhas e de <em>patatas</em>, um fructo +semelhante ás pinhas, mas muito doce e exquisito, canna doce, carne de anta +semelhante á de vacca. Fizemos excellentes negocios. Por um anzol ou por uma +faca davam-nos cinco ou seis gallinhas; dois ganços por um pente; por um +espelhinho ou um par de tesouras obtinhamos uma porção de peixe suffeciente +para alimentar dez pessoas; por um guiso ou uma fita traziam-nos os indigenas +uma canastra de <em>patatas</em>. Por preços tão subidos como estes trocámos as +figuras dos naipes de cartas: por um rei deram-me seis gallinhas e os indios +cuidavam fazer um excellente negocio.»</p> + +<p>Depois de um descanço de quatorze dias no Guanabára de novo se pôz a +esquadrilha ao mar seguindo rumo parallelo á costa até o Cabo de Santa Maria, +na embocadura do Rio da Prata, onde entrou a 10 de janeiro de 1520, para +reconhecer as margens, distinguindo nas extensas planicies uma elevação a que +os navegantes chamaram Monte-Vidi e que mais tarde se denominou Montevideo.</p> + +<p>A 14 de fevereiro deixou Fernão de Magalhães o Rio da Prata e seguindo a +linha da costa foi navegando atravez os temporaes até o porto de S. Julião, +onde arribou<span class="pn">{55}</span> a 31 de Março, para ali invernar, pois +era chegada a estação das chuvas.</p> + +<p>Eram os primeiros navegadores europeus que chegavam aquelle porto, que de +resto encontravam despovoado, e sem viveres de que se podessem fornecer!</p> + +<p>Havia decorrido seis mezes que tinham largado de S. Lucar de Barrameda.</p> + +<p>A confiança que Fernão de Magalhães conseguiu inspirar ao rei de Castella, a +todos que concorreram para a realisação da sua viagem e até aos proprios que o +acompanharam, não permaneceu firme, depois d'aquelles seis mezes decorridos sem +resultado obtido.</p> + +<p>Parece fóra de duvida, que o unico verdadeiro crente na empreza era +Magalhães, o que não admira porque era elle quem melhor conhecia o plano tantos +annos acariciado na mente.</p> + +<p>Os que o acompanhavam não tinham decerto a mesma força de espirito que elle, +o bastante para lhe esfriar o enthusiasmo, para lhe quebrar o animo. Foi assim +que, chegados áquelle ponto, sem terem alcançado o termo desejado, entenderam +por melhor desestir, reclamando de Magalhães que, ou alargasse as rações que +tinham sido cerseadas, ou voltasse para Castella.</p> + +<p>Fernão de Magalhães, porém, não era<span class="pn">{56}</span> homem que se +acobardasse com aquella imposição, e protestou que iria até ao fim embora +sacrificasse a sua vida no cumprimento do dever.</p> + +<p>Entretanto os capitães das caravellas não se conformaram com aquella +resolução, e muito particularmente Gaspar de Quesada, commandante da +<em>Conceição</em>, o qual concebeu um plano de revolta contra o chefe da +esquadrilha.</p> + +<p>Pela noite, quando a escuridão mal deixava distinguir as embarcações +dispersas no porto de S. Julião, uma lancha largou de bordo da +<em>Conceição</em>; ia n'ella Quesada com trinta homens armados dispostos a dar +assalto á caravella <em>Santo Antonio</em>. Os marinheiros remavam mansamente +fazendo o menor ruido possivel, para não despertarem a attenção de alguem que +os podesse ouvir dos outros navios.</p> + +<p>Gaspar de Quesada soltara João de Cartagena<a name="tex2html4" +href="#foot398"><sup>[4]</sup></a> que levava preso a bordo, o qual ficou á +testa da caravella. O seu plano era apoderar-se da caravella <em>Santo +Antonio</em>, prender o commandante Alvaro de Mesquita e com a força d'estes +dois navios reduzir os outros á sua obediencia até á <em>Trindade</em>, +impondo-se<span class="pn">{57}</span> assim a Fernão de Magalhães, a quem +queria obrigar a tratar com mais consideração os capitães e pilotos da +esquadrilha.</p> + +<p>Não foi difficil o assalto: as poucas sentinellas da <em>Conceição</em> +foram tomadas de surpreza emquanto Quesada com meia duzia dos seus homens, se +dirigiu ao alojamento de Alvaro de Mesquita para o prender. Entretanto o mestre +João Elorriaga déra pelos assaltantes e correndo em soccorro do seu +commandante, travou uma sangrenta lucta em que ficou ferido. Quesada vibrou-lhe +quatro valentes punhaladas num braço que o prostraram, conseguindo por fim pôr +a ferros Alvaro de Mesquita e arvorar-se elle cammandante da <em>Santo +Antonio</em>.</p> + +<p>Luiz de Mendonça ia feito com Quesada, pelo que os revoltosos tinham tres +navios, achando-se em maioria para imporem a lei a Magalhães, que áquella hora +dormia, ainda que talvez pouco tranquillamente, na sua caravella +<em>Trindade</em>.</p> + +<p>De manhã é que Magalhães soube da sublevação dos tres capitães porque logo +da <em>Victoria</em> sahiu uma lancha com um emissario, que veio notificar ao +chefe da esquadrilha a resolução em que estavam, de não continuarem a ser +tratados como até ali, de obedecerem cegamente ás ordens d'elle, mas sim +resolverem tudo de commum accordo.<span class="pn">{58}</span></p> + +<p>Isto que á primeira vista póde parecer justo, não o seria nas circumstancias +que se davam, porque importava o malogro da empreza de Magalhães. Os revoltosos +não queriam continuar a viagem que tinham por temeraria, descrendo de encontrar +a passagem para o mar do sul, emquanto que Fernão de Magalhães pensava +exactamente o contrario, e d'este modo era-lhe impossivel transijir, +tornando-se imperioso apellar para toda a sua auctoridade, empregando a força +para submetter os que assim lhe faltavam á obediencia.</p> + +<p>A força, porém, do chefe achava-se reduzida e em minoria, mas a +inferioridade numerica nunca acobardou espiritos fortes e da estatura moral de +Fernão de Magalhães, que nascera, sem duvida, para dominar e não para ser +dominado.</p> + +<p>Era arriscada a empreza; tanto mais razão para não recuar. Se os seus +capitães vallessem tanto como elle não recuariam como elle não recuava perante +os perigos. Logo a superioridade de Magalhães era manifesta e de molde a não se +intimidar com a attitude dos revoltosos.</p> + +<p>Magalhães respondeu á notificação que lhe fizeram, ordenando que viessem a +bordo da <em>Trindade</em> conferenciar com elle os tres chefes da revolta. +Esta ordem, porém, não<span class="pn">{59}</span> foi obedecida, tendo em +resposta, que viesse Magalhães a bordo da <em>Santo Antonio</em>, onde todos se +reuniriam para resolver.</p> + +<p>Não havia que hezitar. Estava lançada a luva, e Fernão de Magalhães nem +sequer pastanejou para a levantar. Fez tambem o seu plano para dar o golpe +decisivo.</p> + +<p>O alguasil Gonçalo Gomes de Espinoza era homem valente e decidido; pois iria +elle e mais seis homens de confiança a bordo da <em>Victoria</em>, levar a +ordem para Luiz de Mendonça se apresentar immediatamente no navio do chefe.</p> + +<p>Levava instrucções particulares que haviam de permittir bom exito d'esta +vez.</p> + +<p>Espinoza acercou-se com a sua chalupa da <em>Victoria</em> e saltando no +navio logo veio o commandante a quem elle entregou a ordem que levava. Luiz de +Mendonça leu essa ordem, não sem occultar a desconfiança que lhe inspirava, mas +emquanto a lia meditando sobre a resposta a dar, Espinoza tirou de um punhal +que levava escondido e com elle lhe atravessou o pescoço. Luiz de Mendonça +baqueou e um outro golpe descarregado na cabeça por um dos companheiros de +Espinoza, deixou-o completamente morto sobre a tolda.</p> + +<p>Ao mesmo tempo que se dava esta scena tragica, atracava á <em>Victoria</em> +outra chalupa em<span class="pn">{60}</span> que vinha Duarte Barboza com mais +quinze homens armados, que Magalhães mandava, como prevenção para assegurar o +triumpho dos que se tinham ido expor a uma lucta desegual com a gente d'aquelle +navio.</p> + +<p>Não foi, felizmente, preciso derramar mais sangue, pelo que diz Lopez de +Recalde, na carta escripta á vista do processo que se instruiu em Sevilha em +1521, e que Herrera refere. Morto o commandante, a tripulação submetteu-se sem +resistencia, e no mastro da <em>Victoria</em> foi içada a bandeira do triumpho. +</p> + +<p>Restava submetter Cartagena e Quesada, mas a sorte de Luiz de Mendonça +influiu tanto no espirito dos dois capitães, que lhes quebrou o animo para +tentarem desforra, em presença da firmeza do chefe.</p> + +<p>Limitaram-se a tentar a retirada para Castella; mas nem isso conseguiram, +porque as tres caravellas que estavam fieis a Magalhães, foram, por ordem +d'este, fundear na entrada do porto, tirando aos revoltosos a esperança de +poderem sahir com os seus navios sem experimentarem a artilheria dos +contrarios.</p> + +<p>Concertaram então outro plano.</p> + +<p>Quesada tinha, como ficou dito, preso a bordo Alvaro de Mesquita, que era +primo co-irmão de Magalhães, e pensou de o soltar<span class="pn">{61}</span> +para servir de medianeiro entre elle e o chefe da esquadrilha, afim de obter +uma capitulação favoravel.</p> + +<p>Alvaro de Mesquita, porém, logo desenganou Quesada, de que seu primo não +transigiria; conhecia-o bem para esperar o contrario e toda a tentativa de +conciliação seria completamente inutil.</p> + +<p>Assim descoraçoados os dois capitães revoltosos, apellaram novamente para a +retirada, projectando sahir do porto n'aquella noite, pondo na prôa de um dos +navios o Mesquita, para d'ali parlamentar com Magalhães, segundo diz Herrera. +</p> + +<p>Pela noite a <em>Santo Antonio</em> levantou ferro e aproou para sahida, +aproveitando a hora da maré, desferrando pano pouco a pouco, debaixo de grande +silencio, com as maiores precauções. O vento, no porto soprava brando e só mais +para o largo é que o mar, encrespado, indicava vento mais rijo.</p> + +<p>Vencer a sahida era tudo, porque depois com boa refrega e pano largo, +ganharia distancia não sendo facil colhel-a nenhum dos navios da esquadrilha. +</p> + +<p>Á cautela, Alvaro de Mesquita fôra mandado para a proa por Quesada, para +d'ali parlamentar com Magalhães, se da <em>Trindade</em> dessem pela sahida da +<em>Santo Antonio</em>, como era de prever. De facto assim aconteceu,<span +class="pn">{62}</span> mas o modo como da <em>Trindade</em> vieram á fala não +deu tempo a parlamentar.</p> + +<p>Esta caravella, assim que a <em>Santo Antonio</em> chegou ao alcance, rompeu +fogo das peças e de mosqueteria, investindo para a abordagem.</p> + +<p>Estava lá Magalhães que era tão ousado navegador como soldado. Mandando a +manobra com precisão e incitando os seus homens ao combate, não tardou a +abordagem e que estes saltassem no navio sublevado, ouvindo-se então, por entre +o alarme da desordem e o estrondear dos tiros, vozes que perguntavam em alta +grita:</p> + +<p>—Por quem sois?</p> + +<p>Da resposta a esta pergunta dependia a vida ou o exterminio dos sublevados, +porque Magalhães e a sua gente não contemporisavam.</p> + +<p>Quesada, por sua parte tambem incitava os seus homens á resistencia e ao +combate, mas não inspirava á sua gente a mesma confiança que Magalhães, nem +tinha o prestigio superior do chefe da esquadrilha.</p> + +<p>Foi por isto que não teve meio de resistir á abordagem, e a resposta á +pergunta que a gente da <em>Trindade</em> ia repetindo insistentemente:—Por +quem sois? echoou na alma de Quesada como uma sentença de morte, ao ouvir +gritar:<span class="pn">{63}</span></p> + +<p>—Pelo rei nosso senhor e por vossa mercê!</p> + +<p>Fernão de Magalhães triumphava mais uma vez dos revoltosos e affirmava o seu +prestigio entre a gente que o acompanhava, fazendo perder a esperança de novas +sublevações.</p> + +<p>Quesada e todos os cabeças de motim foram presos, e o mesmo succedeu a +Cartagena, capitão da <em>Conceição</em>, que humilhado se entregou.</p> + +<p>Restava castigar os sublevados e esse castigo devia ser exemplar para que +não viessem novas tentativas de revolta pôr em perigo a segurança e bom exito +da expedição.</p> + +<p>Consoante os tempos e a grandeza dos delictos, assim seria a severidade da +punição.</p> + +<p>Magalhães não hesitou na sentença.</p> + +<p>No dia 4 de abril, o seguinte áquella noite de desordem, mandou Magalhães +que o cadaver de Luiz de Mendonça, fosse posto em terra e ali esquartejado ás +vistas de todos e apregoada a alta traição, que assim fôra punida.</p> + +<p>Seguidamente foi instaurado a bordo da <em>Trindade</em> um processo, em que +Alvaro de Mesquita formulou a accusação, sendo os alguazis e escrivães, que iam +na esquadrilha,<span class="pn">{64}</span> encarregados de fazerem o summario +e inquerirem as testemunhas, o que tudo escripto deveria depois ser apresentado +a El-rei, quando Magalhães regressasse a Castella, como prova justificativa do +seu procedimento.<a name="tex2html5" href="#foot399"><sup>[5]</sup></a></p> + +<p>D'esse processo resultou a sentença que condemnou á morte Gaspar de Quesada +e Luiz Molino, creado d'este.</p> + +<p>Passados tres dias, a 7 de abril, teve logar a execução.</p> + +<p>Para esse fim foi armado na praia o patibulo e na presença de contingentes +de todos os navios, decapitado o criminoso, servindo de carrasco o Luiz de +Molino que por este preço adquiriu o perdão.</p> + +<p>O corpo de Quesada tambem foi esquartejado e a sua traição apregoada.</p> + +<p>Mas ainda não era tudo. João de Cartagena tambem devia ser punido assim como +o capellão Pedro Sanches de La Reina, que tambem se averiguou ter conspirado +contra o chefe da esquadrilha.</p> + +<p>O castigo, porém, d'estes revoltosos, parecendo mais equitativo, nem por +isso foi menos duro, pois que Magalhães os condemnou a ficarem abandonados em +terra,<span class="pn">{65}</span> onde não havia viveres apropriados nem +gente.</p> + +<p>É facil calcular as inclemencias que aquelles desgraçados soffreriam e quão +duramente expiaram o seu delicto.</p> + +<p>Se Fernão de Magalhães affirmou a sua auctoridade de forma tão cruel, +deve-lhe ser levado em conta a rudeza dos tempos e a imperiosa necessidade que +a isto o obrigou, para não vêr completamente perdida a sua gloriosa +empreza.<span class="pn">{66}<br>{67}</span></p> + +<div class="rodape"> +<p><a name="foot398" href="#tex2html4"><sup>[4]</sup></a> <em>Vida e Viagens de +Fernão de Magalhães</em> por Diego de Barros Arana.</p> + +<p><a name="foot399" href="#tex2html5"><sup>[5]</sup></a> Navarrete publicou +este processo a pag. 10 do tomo <small>IV</small> da sua <em>Coleccion</em>.</p> +</div> + +<p> </p> + +<h1>X</h1> + +<p>Fernão de Magalhães conseguira, emfim, restabelecer a ordem na sua +esquadrilha; mas, se não receava novas sublevações que contrariassem o seu +proposito, contrariava-o a invernia com todos os rigores de suas tormentas, que +não o deixava avançar na viagem de exploração.</p> + +<p>A impaciencia principiava a apoderar-se do seu espirito, porque o tempo ia +correndo sem resultado pratico que o animasse, tanto a elle como á sua gente. +</p> + +<p>Chegou o fim de abril e os rigores do inverno pareciam ceder ás instancias +da primavera risonha e boa.</p> + +<p>Tanto bastou para que Magalhães ordenasse um reconhecimento ao Sul da bahia +de S. Julião, por onde julgava encontrar o almejado<span class="pn">{68}</span> +estreito ou passagem para os mares da India.</p> + +<p>Encarregou João Serrão de ir, na caravella <em>Santiago</em>, a mais pequena +da esquadrilha, fazer esse reconhecimento, para o que deu ao ousado piloto as +instrucções necessarias, recommendando-lhe que seguisse sempre para Sul e +parallelo á costa, porque assim encontraria o estreito.</p> + +<p>Seguio João Serrão as instrucções de Magalhães, costeando cerca de vinte +legoas, com tempo favoravel, e a 3 de maio encontrou-se na foz de um rio com +mais de uma legoa de largura.</p> + +<p>Seria a entrada do procurado estreito?!</p> + +<p>É o que vamos vêr.</p> + +<p>Era e é o dia 3 de maio commemorado pela egreja, que celebra a festa da +exaltação da Santa Cruz, e Serrão commemorando aquelle dia deu ao novo rio o +nome de Santa Cruz, que ainda hoje tem.</p> + +<p>Abundava ali a pesca e os lobos marinhos e de tão grande tamanho como ainda +não tinham sido vistos; dis Herrera que um d'aquelles animalejos despido da +pelle, da cabeça e das gorduras, pesava desanove arrobas ou dosentos e oitenta +e cinco kilos dos pesos actuaes.</p> + +<p>Fez Serrão um reconhecimento á costa, mas não encontrou signaes do estreito, +pelo<span class="pn">{69}</span> que proseguio a viagem para Sul, continuando a +seguir a costa. Um forte temporal, porem, surprehendeu os navegantes, a 22 de +maio, transtornando-lhe o proseguimento da derrota.</p> + +<p>Os escriptores que se referem a este successo divergem emquanto a datas e a +victimas do naufragio, Diego Arana, porém, segue a ordem chronologica dos +factos e estabelece aquella data, assim como descreve o naufragio e as +victimas.</p> + +<p>A tempestade foi tão violenta que rasgou todo o panno da caravella; a força +do mar levou o leme e arrastou o navio á praia onde se fez em pedaços, mal +dando tempo á tripulação se salvar, perecendo ainda assim afogado um preto +escravo de Serrão.</p> + +<p>Depois das luctas com os homens principiavam as luctas com os elementos, +para o que era impotente toda a energia de Magalhães.</p> + +<p>Dos homens triumphara elle até alli; da furia dos elementos era mais +difficil e só uma vontade de ferro, disposta a vencer ou morrer, poderia +alimentar a esperança de triumphar.</p> + +<p>Da caravella <em>Santiago</em> apenas restavam despojos que o mar ia +trazendo á praia, onde os naufragos se encontravam á conta de Deus, sem guarida +nem conforto algum que lhes alentasse<span class="pn">{70}</span> a vida! E +comtudo grande distancia os separava dos companheiros, que esperavam o seu +regresso, no porto de S. Julião.</p> + +<p>Os naufragos depois de terem caminhado umas seis legoas, para alcançarem as +margens do rio Santa Cruz, seis legoas que levaram quatro dias a percorrer, tal +era o cansaço e fraqueza em que estavam, e para mais carregados de madeira, +destroços do navio naufragado, com que haviam de construir uma jangada para +atravessar o rio, chegaram emfim ás margens do Santa Cruz, quasi mortos de +fadiga e de fome, pois que para se alimentarem apenas tinham as ervas que +encontravam pelo caminho e alguns mariscos.</p> + +<p>No rio Santa Cruz havia abundancia de peixe para se alimentarem, e +construiram uma jangada com a madeira que traziam e assim, debaixo de grandes +perigos atravessaram o rio dois marinheiros para irem participar o occorrido ao +chefe da esquadrilha, que estava no porto de S. Julião.</p> + +<p>Segundo diz Diego Arana, onze dias gastaram os dois marinheiros para +chegarem a S. Julião e tão penosa foi esta jornada, sem terem quasi que comer, +que ao apresentarem-se a Magalhães, nem este nem os mais companheiros os +reconheceram, tão desfigurados vinham.</p> + +<p>O tempo continuava tormentoso; as tempestades<span class="pn">{71}</span> +succediam-se não permittindo qualquer tentativa de navegação. Entretanto +Magalhães não lhe consentia o animo deixar sem prompto auxilio os pobres +naufragos da <em>Santiago</em>, e assim ordenou que logo partissem por terra 24 +homens carregados de comestiveis, em soccorro d'aquelles desgraçados, +proporcionando-lhes os meios de virem reunir-se a seus companheiros.</p> + +<p>Não foi menos penosa a jornada d'estes 24 homens, sob os rigores do tempo e +a selvageria dos caminhos. Para saciar a sêde tiveram que derreter gelo, pois +não encontraram agua de beber, e apesar das difficuldades do caminho apressaram +quanto poderam a marcha para mais breve soccorrerem os seus companheiros.</p> + +<p>Dois dias levaram a atravessar o rio na jangada que haviam armado, e mais +refeitos pela alimentação que tomaram lá se pozeram todos em marcha a +reunirem-se á esquadrilha, sem perda de um só.</p> + +<p>Este contratempo foi de bom aviso para Magalhães que reconheceu quanto era +temerario o tentar proseguir em reconhecimentos da costa ou passar avante, +emquanto não se acalmassem os rigores da estação.</p> + +<p>A fidelidade e energia de Serrão tornou-se notavel, e Magalhães não o +desconheceu pois que nomeou o ousado piloto, capitão da<span +class="pn">{72}</span> caravella <em>Conceição</em>, justo premio de quem tanto +se tinha exposto e soffrido para bem cumprir as ordens do chefe.</p> + +<p>Emquanto, porém, a esquadrilha invernava no porto de S. Julião, Magalhães +foi aproveitando o tempo em reparar as caravellas e para isso mandou fazer em +terra uma casa para forjas onde os ferreiros exercessem o seu officio. O frio, +porém, era tão intenso que os operarios mal podiam fazer uso das mãos, chegando +alguns d'elles a perderem os dedos gangrenados pelo frio!</p> + +<p>Não podendo fazer reconhecimentos por mar, tentou Magalhães fazel-os por +terra, e então mandou quatro homens armados para o interior a vêr se descobriam +algumas povoações, onde se podesse fornecer de mantimentos; mas trabalho +baldado porque a poucas legoas de caminho tiveram que retroceder por lhes +faltar agua e comestiveis sem encontrarem viv'alma, o que lhes deu a convicção +de que o paiz não era habitado.<span class="pn">{73}</span></p> + +<p> </p> + +<h1>XI</h1> + +<p>Tinha decorrido mais de seis mezes que a esquadrilha estava no porto de S. +Julião quando um dia appareceu na praia um homem de grande estatura, mal +coberto com uma pelle de animal, cantando em desconcertada voz, pulando e +lançando punhados de areia na cabeça, o que pareceu significar as suas +intenções pacificas, porque, segundo diz o capitão Cook na sua <em>Voyage dans +l'hémisphère austral</em>, os indios da ilha de Malicolo lançavam agua na +cabeça em signal de paz.</p> + +<p>Extranha apparição esta que surprehendeu os navegantes já descoraçoados de +encontrarem alma viva n'aquellas paragens.</p> + +<p>Os hespanhoes repetiram o mesmo signal que o selvagem fizera, de deitar +areia na cabeça, para assim elle entender que estavam na mesma intenção.<span +class="pn">{74}</span></p> + +<p>De facto o selvagem acercou-se de um marinheiro que Magalhães mandou a terra +e com elle veio á presença do chefe da esquadrilha.</p> + +<p>Pigafetta descrevendo este selvagem diz: «Era este homem tão alto que a sua +cintura dava pela nossa cabeça. Bella estatura; rosto amplo e arroxeado, +olheiras amarellas e como que marcando-lhe as faces duas manchas em fórma de +coração. Os cabellos, muito curtos, pareciam embranquecidos com pós. Cobria o +corpo, ainda que mal, com as pelles de um animal que abundava n'aquelle paiz. +Este animal tem cabeça e orelhas de mula, corpo de camello, pernas de veado, +cauda de cavallo e relincha como este.»</p> + +<p>Deve ser o guanaco.</p> + +<p>Parece que a surpreza fez augmentar aos olhos dos hespanhoes as proporções +d'aquelle selvagem, pois que D'Orbigny na sua obra <em>L'homme americain</em> +referindo-se aos habitantes d'aquellas regiões diz: «Não podemos occultar que +nos illudiu a apparencia d'estes homens. A largura das suas espaduas, cobertas +desde a cabeça até os pés com capas de pelles de animaes selvagens, cosidas +numa só peça, produziram em nós tal illusão, que primeiro de os medirmos nos +pareceram de extraordinaria altura, emquanto que depois de bem observados e +medidos directamente, ficaram reduzidos ás dimensões vulgares.»<span +class="pn">{75}</span></p> + +<p>Diz ainda Pigafetta: «Magalhães recebeu com muito agrado este selvagem. +Ordenou que lhe dessem de comer e o levassem diante de um grande espelho, o que +o surprehendeu extraordinariamente e encheu de admiração. O selvagem que não +tinha a menor noção do que fosse um espelho, e que pela primeira vez via a sua +propria figura, recuou cheio de espanto, deitando ao chão quatro homens que +estavam atraz d'elle.»</p> + +<p>Aquelle primeiro selvagem foi mandado pôr em terra depois de Magalhães lhe +ter dado alguns presentes, e elle tão contente se foi, que não tardou que +outros se apresentassem com a mira nas mesmas dadivas.</p> + +<p>Eram todos da mesma corpolencia que o primeiro, e como aquelle tinham pés +enormes, pelo que os navegantes os denominaram Patagões, nome porque ainda +actualmente são designados os homens d'esta raça.</p> + +<p>A todos Magalhães mandou dar comida e presenteou com espelhinhos, missangas +e outras bugiarias, com o que ficaram muito contentes. Um d'elles mais +domestico demorou-se alguns dias a bordo da <em>Trindade</em>, sociando com os +marinheiros, que lhe ensinaram algumas palavras castelhanas e o baptisaram com +o nome de João.</p> + +<p>Este João comia os ratos que os marinheiros caçavam, e o fazia com muito +gosto,<span class="pn">{76}</span> até que mostrando vontade de ir para terra o +desembarcaram, sem que por muitos dias voltassem ás vistas dos navegantes +outros selvagens.</p> + +<p>Eram tão extraordinarios os habitantes d'aquellas paragens, que Magalhães +entendeu trazer dois d'elles ao rei de Castella, quando regressasse á Europa. +</p> + +<p>Foi assim que a 28 de julho, voltando á praia quatro selvagens dos que já +tinham estado a bordo, Magalhães os mandou buscar, retendo no navio dois +d'elles e mandando para terra os outros.</p> + +<p>É curioso o que Pigafetta descreve a respeito da prisão d'estes dois +patagões: «Foi preciso pôr-lhe grilhões aos pés, enganando-os, fazendo-lhes +acreditar que os ferros eram presentes e lh'os punham nos pés para que os +podessem levar para terra.»</p> + +<p>Não foi de bom aviso a detenção dos patagões a bordo, porque isto levou +desconfiança aos que estavam em terra e que, mais numerosos, vieram juntar-se +de noite, na praia onde accenderam fogueiras, coisa que até ali não fôra visto +pelos navegantes.</p> + +<p>Este facto chamou a attenção de Magalhães, que na manhã seguinte mandou sete +homens á descoberta para saber o que seria.</p> + +<p>Os exploradores, porém, encontraram a praia deserta e apenas vestigios das +fogueiras,<span class="pn">{77}</span> assim como das pégadas dos indigenas +impressas sobre a areia e na neve que cobria as extensas planicies. Os +exploradores, apesar do seu limitado numero, não duvidaram de se enternarem em +busca dos selvagens, mas passaram o dia n'esta diligencia sem encontrarem +nenhum, resolvendo por fim retirarem-se ao approximar-se a noite.</p> + +<p>Foi n'essa occasião que os exploradores se viram acommettidos por um bando +de patagões, completamente nús e armados de flechas e que, segundo parece, os +andava seguindo a distancia, sem que até ali tivesse sido notado.</p> + +<p>Travou-se lucta desproporcionada, porque alem da desegualdade numerica, os +exploradores apenas levavam um arcabuz, unica arma de fogo com que se +encontravam, para fazer frente ao inimigo que os atacava.</p> + +<p>Diogo Barroza, soldado da guarnição da <em>Trindade</em>, caiu morto por uma +flechada, e a lucta recresceu de intensidade e bravura. Os exploradores +carregando sobre os selvagens com redobrado valor e luctando corpo a corpo, +taes estragos lhes fizeram, que o inimigo recuou, fugiu e desappareceu para o +interior deixando os exploradores senhores do campo.</p> + +<p>Só na manhã seguinte voltaram para bordo, depois de terem passado a noite á +roda de uma fogueira para se aquecerem e na qual<span class="pn">{78}</span> +assaram uma porção de carne, que os selvagens abandonaram na fuga, e que serviu +aos exploradores de lauta ceia.</p> + +<p>Quando Fernão de Magalhães soube do occorrido, quiz vingar a morte do +soldado da <em>Trindade</em> e mandou para terra vinte homens armados para +bater os patagões; mas trabalho inutil foi este, porque os selvagens não +appareceram por mais que os procurassem e os exploradores apenas poderam dar +sepultura ao cadaver de Diogo Barroza, seu companheiro d'armas.<span +class="pn">{79}</span></p> + +<p> </p> + +<h1>XII</h1> + +<p>A 24 de agosto largou a esquadrilha do porto de S. Julião, depois de quasi +cinco mezes ali passados, com bem pouco resultado para os progressos da +expedição.</p> + +<p>Durante esse tempo repararam-se os navios, não sem grandes difficuldades, +como se sabe, e realisaram-se notaveis modificações nos commandos, em resultado +da insurreição de Quezada e de Luiz de Mendonça.</p> + +<p>Alvaro de Mesquita commandava agora a caravella <em>Santo Antonio</em> e +João Serrão a <em>Conceição</em>. Magalhães confiara o commando da +<em>Victoria</em> a seu cunhado Duarte Barbosa.</p> + +<p>Antes da partida todos da esquadrilha se prepararam espiritualmente com os +soccorros da religião, confessando-se e commungando, como quem se dispunha para +grande empreza, consoante o costume do tempo.<span class="pn">{80}</span></p> + +<p>Entretanto deu-se a bordo uma scena tocante, que impressionou tristemente +toda a companha e foi a despedida de João de Cartagena e do padre Pedro Sanches +que tinham de ser abandonados em terra, conforme a sentença que a isso os +condemnara.</p> + +<p>Era lastimoso o seu estado, com tudo o respeito que Magalhães soubera +incutir á sua gente, fez com que ninguem se oppuzesse a semelhante barbaridade, +e os condemnados lá ficaram á mercê, na praia, apenas com provisão de bolachas +e vinho para alguns dias.</p> + +<p>Com que magua e, quem sabe arrependimento, viram os miseros levantar ferro +os navios e largar as vellas ao vento até desaparecerem na distancia do extenso +mar, indo-se-lhe n'elles a esperança de voltarem á patria, abandonados +n'aquellas paragens até ali ignoradas para a navegação!</p> + +<p>E a frota de Magalhães foi singrando no mesmo rumo que Serrão já levara +quando fôra explorar a costa d'aquelle mar.</p> + +<p>O tempo ia bonançoso, sem chuvas, nem vento rijo; mas já proximos do rio +Santa Cruz principiou a desenvolver-se temporal e tão violento, que as +caravellas estiveram a ponto de perder-se.</p> + +<p>Diz Barros que Deus e os Corpos dos Santos é que os salvaram, referindo-se á +apparição dos fogos de Santelmo nos topes dos mastros.<span +class="pn">{81}</span></p> + +<p>Era crença dos marinheiros n'aquelles tempos, e por muitos annos o foi +ainda, que quando appareciam aquelles fogos nos topes dos mastros—hoje +conhecidos como resultantes da electricidade—era signal de estar passado o +perigo.</p> + +<p>Aquelles temporaes detiveram a frota dois mezes no rio Santa Cruz, sem +Magalhães poder proseguir na sua almejada descoberta.</p> + +<p>A 18 de outubro, porém, o tempo parecia ter abrandado mais duradouramente, e +Magalhães resolveu ir ávante, mandando fazer rumo para S. O. sem se afastar da +costa.</p> + +<p>Principiavam os navios, a entrar em mares até então desconhecidos, e o +receio dos navegantes era cada vez maior. Vinha a memoria as historias +phantasticas e horriveis que se contavam d'aquelles mares tenebrosos. A +superstição invadia todos os espiritos e apavorava os mais ousados. Só havia +ali um espirito forte que tinha que repartir-se por todos, incutindo-lhe animo +e confiança: era o de Fernão de Magalhães, firme no seu proposito, crente na +sua idéa. Com elle tinha que se impôr a todos os seus subordinados, +fazendo-lhes saber, que haviam de ir até o fim, até encontrar a procurada +passagem para o mar do Sul, ainda que tivessem de chegar a 75.° graus de +latitude, ou os seus navios se afundassem no meio da porcella.<span +class="pn">{82}</span></p> + +<p>Não tardou que, de novo, a tempestade assaltasse as frageis caravellas, +obrigando-as a estar á capa dois dias, mas abonançando ao terceiro, permittiu +aos navegantes avançarem até 50.° de latitude, avistando a 21 de outubro, uma +lingua de terra para S. O.</p> + +<p>Esta vista alegrou Magalhães, que mais se fortaleceu na sua idéa, prevendo +que aquella lingua de terra devia de ser a embocadura do estreito ou passagem +para o mar das Indias.</p> + +<p>Immediatamente tratou de mandar fazer um reconhecimento por Serrão e por +Mesquita, que iam respectivamente nas caravellas <em>Conceição</em> e +<em>Santiago</em>.</p> + +<p>Mal, porém, estes navios se tinham apartado da frota, quando pela noite +sobreveio um forte temporal, que se estendeu por toda a costa, pondo em +imminente perigo tanto as caravellas que tinham ido ao reconhecimento, como as +que ficaram á espera de noticias.</p> + +<p>Parece que a Providencia se comprazia em contrariar tanta audacia e dar +razão aos medrosos, que quasi tinham por louco o chefe da temeraria empreza. +</p> + +<p>Foi uma noite e um dia de infinda tormenta. As caravellas que haviam +ancorado, largaram as amarras e abandonaram-se á porcella; a <em>Conceição</em> +e a <em>Santiago</em> correram ao vento sem governo, em perigo de a cada<span +class="pn">{83}</span> momento vararem na costa. Diz Barros que os ventos +dominantes, n'aquella quadra, eram do Sul, contrarios ao rumo dos navegantes. +Tanto bastava para difficultar a viagem e augmentar os perigos em mares +desconhecidos.</p> + +<p>Mas a mesma Providencia que assim experimentava os navegantes, tambem lhes +accendeu a esperança no meio da tormenta, pois que as duas caravellas corridas +do tempo, quando os navegantes se julgavam perdidos, devisaram estes uma +aberturasinha ao longo da costa que lhes pareceu ser como que a entrada de +alguma bahia.</p> + +<p>Manobrando com grande difficuldade, fizeram prôa para lá, e seguindo sempre +avante transpozeram aquella entrada e encontraram-se n'uma bahia, e, como o +tempo os não deixasse deter, foram correndo as caravellas até que entraram +n'outra garganta de terra para além da qual se acharam em espaçosa bahia, como +ainda não tinham encontrado.</p> + +<p>Ali serenou a tempestade, e os navegantes poderam reconhecer onde estavam, +resolvendo Serrão e Mesquita voltarem a juntar-se a Magalhães a participar-lhe +a boa nova.</p> + +<p>A abertura na costa, para que os navegantes aproaram as suas caravellas, +foi, sem duvida, um raio de esperança que lhes sorriu<span +class="pn">{84}</span> entre a porcella, e por isso a denominaram estreito de +Nossa Senhora da Esperança. Á primeira bahia denominaram-n'a depois, de S. +Gregorio, e ao segundo estreito, de S. Simão.<span class="pn">{85}</span></p> + +<p> </p> + +<h1>XIII</h1> + +<p>Emquanto Serrão e Mesquita, luctando com a furia dos elementos, conseguiam +fazer o reconhecimento ordenado por Magalhães, o audacioso capitão mal se tinha +podido haver com o resto da frota, que ficára á espera á entrada do cabo, a que +Magalhães deu o nome de Cabo das Onze Mil Virgens, em memoria do dia em que o +avistou ser dedicado pela egreja áquella festa.</p> + +<p>Pelo espirito de Magalhães mais de uma vez, n'aquellas longas horas, passou +a funebre idéa de que Serrão e Mesquita teriam perecido e mais a sua gente, no +meio de tão grande tormenta.</p> + +<p>O temporal continuava desabrido, e a gente de Magalhães mostrava-se cada vez +mais apprehensiva, o que augmentava os receios do chefe pelo exito da empreza +que<span class="pn">{86}</span> elle, com bem fundadas razões, via proximo a +realisar.</p> + +<p>Para maior alarme, viram os navegantes elevarem-se rolos de fumo do lado da +terra, o que fez suppor que eram fogueiras que os naufragos tivessem accendido +para dar signal de onde estavam. Isto pareceu certo a Magalhães, que logo +resolveu ir em soccorro dos naufragos, fosse qual fosse o perigo a que se ia +expor e o resto da sua gente.</p> + +<p>«Quando estavamos, porém, n'esta anciedade, diz Pigaffeta, eis que apparecem +duas embarcações, de panno largo e bandeiras desfraldadas ao vento, saltando +por sobre as ondas e se dirigiam para nós. Ao approximarem-se dispararam tiros +de bombarda, e a sua gente dava gritos de alegria, a que correspondemos do +mesmo modo, e quando soubemos, por elles, que tinham visto a grande extensão da +bahia ou do estreito, dispozemo-nos para continuar o nosso caminho.»</p> + +<p>Pelo que Serrão e Mesquita contou a Fernão de Magalhães, não restava duvida +que se encontrára, emfim, a passagem procurada. Os exploradores haviam +reconhecido golfos de mar entre alcantiladas rochas, diziam uns; outros +julgavam ter achado o estreito, por onde haviam navegado tres dias sem lhe +encontrar o fim, notando grandes correntes com pequenos minguantes, signal +evidente<span class="pn">{87}<br>{88}<br>{89}</span> de que o estreito levava as suas aguas para o poente, ao +oceano.</p> + +<p> </p> + +<p style="text-align: center;"><img width="90%" align="bottom" border="0" +src="images/ilust1.png" alt="Ilustração 1"></p> + +<p> </p> + +<p>Tudo isto dava acerto ao juizo de Magalhães, o qual mandou dez homens em uma +chalupa reconhecer a terra.</p> + +<p>Esses homens não encontraram gente, mas vestigios. Mais de duzentas +sepulturas indicavam ter ali havido povoado; devia ser, porém, na estação do +calor, em que os indios vem estabelecer-se á beira do mar, voltando para o +interior na estação das chuvas, e era aquella em que os exploradores ali se +encontravam. Mais viram muitos esqueletos e ossos soltos de baleias, espalhados +pela praia, signal de grandes temporaes que ali arrojavam aquelles cetaceos. +</p> + +<p>Herrera diz, que por ordem de Magalhães foi a caravella <em>Santo +Antonio</em> fazer novo reconhecimento no canal, mas sem resultado, porque +tendo Mesquita avançado umas cincoenta leguas, não lhe achou o fim, pelo que +resolveu voltar á frota a dar parte da sua viagem a Magalhães.</p> + +<p>Vinha talvez mais convencido de que o canal ou estreito só teria mais +perigos para quem o quizesse devassar, do que levaria a bom termo de viagem. +Magalhães, porém, não se desconcertou com o resultado do reconhecimento de +Mesquita, e antes resolveu terminantemente seguir avante, convencido<span +class="pn">{90}</span> de que passaria o estreito e encontraria, emfim, o mar +da India ou do Sul.</p> + +<p>Não quiz, porém, levantar ferro, sem reunir na <em>Trindade</em>—navio +almirante—o conselho dos capitães, para lhes communicar a sua resolução e +saber ao certo dos mantimentos que havia, para que tempo chegariam.</p> + +<p>Reunido o conselho, os capitães declararam que havia comestiveis para tres +mezes. Quanto á resolução que Magalhães lhes communicou todos se mostraram +concordes, talvez mais por obediencia ao chefe, do que por convicção do bom +exito do commettimento. Apenas o piloto Estevão Gomes, parente ainda de +Magalhães, descordou dos seus companheiros, ponderando que corriam grande +perigo em proseguirem, pois que os temporaes ou as calmarias que atrazassem a +travessia, poderiam inutilisar tudo, perdendo os navios ou reduzindo todos á +fome, de que morreriam. Magalhães combateu moderamente a opinião de Estevão +Gomes, affirmando que o canal que encontraram era a passagem para o mar do Sul, +e tinha a certeza do que dizia, porque, na thesouraria de Portugal vira uma +carta de marear desenhada por Martim Behaim, em que estava traçada aquella +passagem, de que não podia duvidar agora. O enthusiasmo de Magalhães<span +class="pn">{91}</span> chegou a tal ponto que disse ao conselho: Ainda que para +chegar ao fim tivesse que comer as pelles de vacca que forravam as antenas dos +navios, não retrocederia sem cumprir o que havia tratado com Carlos V.</p> + +<p>Todos se submetteram á vontade do chefe, e no dia seguinte a frota soltou +vellas e navegou pelo estreito fóra até á grande bahia de S. Bartholomeu, onde +os navegantes depararam com um grupo de ilhas.</p> + +<p>A frota lançou ferro, e Magalhães mandou fazer um reconhecimento n'um canal +ao sul, pelas caravellas <em>Conceição</em> e <em>Santo Antonio</em>.</p> + +<p>Ao sul ficava terra, a que Magalhães pôz o nome de Terra do Fogo, por ter +observado, de noite, grandes fogueiras que lá ardiam. Aquellas terras ainda +hoje conservam esse nome.</p> + +<p>Nada adiantou o reconhecimento que Magalhães mandou fazer, porque a +caravella <em>Conceição</em> voltou breve sem nada trazer de novo, e a +<em>Santo Antonio</em>, debalde a esperaram, não a tornando mais a ver.</p> + +<p>Esta falta inquietou sobre modo a Magalhães, pelo receio de que se teria +perdido o navio, e ainda empregou esforços para o procurar, mas tudo foi +inutil, dando acerto ao parecer do piloto André de S. Martim, que disse a +Magalhães que a caravella voltára<span class="pn">{92}</span> para Hespanha, +como effectivamente voltou, tendo a companha sublevado-se contra Mesquita, ao +qual prenderam, dando o commando do navio a Jeronymo Guerra, que ia a bordo +como escrivão.<span class="pn">{93}</span></p> + +<p> </p> + +<h1>XIV</h1> + +<p>Perdida a esperança de reunir á frota a caravella <em>Santo Antonio</em>, +continuou Magalhães a viagem pelo estreito descobrindo a sudueste o cabo, hoje +denominado pelos inglezes cabo Froward, mas a que os hespanhoes chamaram de +Santa Agueda. A latitude austral d'este cabo foi marcada pelos navegantes em +50° 40'. O capitão King marcou depois a latitude do mesmo cabo em 53° 43', +pelo, que, como nota Diego Arana, é para admirar que, com os instrumentos +bastante imperfeitos de que então dispunham os navegantes, podessem fixar com +tão pequenas differenças a latitude dos logares em que se encontravam, em +relação ao equinoxio.</p> + +<p>O estreito apresentava, principalmente<span class="pn">{94}</span> para o +sul, grande quantidade de canaes e recifes, quasi impossivel de reconhecer, nas +precarias condições em que os navegantes se encontravam, extenuados da longa +viagem que traziam, abatidos pelas doenças e pelos trabalhos, desanimados, +vivendo mais da esperança que animava o seu chefe que da propria convicção de +chegarem a bom fim.</p> + +<p>Fernão de Magalhães conhecia perfeitamente este estado, e quanto tinha a +recear de uma sublevação da sua gente se abertamente se negasse a acompanhal-o. +O que acontecera com a caravella <em>Santo Antonio</em> podia estender-se ás +outras e elle ser impotente para manter a disciplina. De quanta prudencia e +tacto precisava para, quasi ao vêr coroados tantos trabalhos, não se frustrar a +empreza!</p> + +<p>Quiz ainda mais uma vez consultar os capitães e pilotos da frota sobre o que +se devia fazer, para, sabendo o que pensavam, lhe apresentar as razões que +tinha para seguir ávante. Assim os poderia convencer melhor e desfazer os +receios levantados no espirito da sua gente.</p> + +<p>Só é conhecida a resposta que o piloto da <em>Victoria</em>, André de S. +Martin, deu a esta consulta, e essa não foi favoravel ao proseguimento da +viagem. Este piloto, que era muito entendido em cosmographia, parece<span +class="pn">{95}</span> que tinha seus aggravos de Magalhães, e, ou por este +motivo, ou porque ia doente, e tanto que morreu depois na viagem, opinava pelo +immediato regresso a Hespanha, visto que estava achado o estreito, e o +proseguimento da viagem até encontrar o mar do Sul era muito arriscado, no +estado em que os navios se achavam—e ainda peior a gente que os +tripulava,—para resistir aos temporaes que podessem sobrevir, que decerto, +atrazariam a viagem, correndo o risco de faltarem os mantimentos e todos +morrerem á fome se escapassem das tormentas.</p> + +<p>Não obstante esta opinião, porventura muito sensata, Magalhães deu suas +razões para continuar a viagem, e a frota seguiu avante, mau grado da maior +parte da tripulação.</p> + +<p>A certa altura Magalhães mandou uma chalupa com gente explorar o estreito +para o occidente. Não tinham ainda navegado muito, quando, approximando-se da +Terra do Fogo, observaram que era cortada por grande numero de canaes, que +separavam a terra formando pequenas ilhas. Seguindo por um d'esses canaes +chegaram ao extremo de uma ponta de terra para além da qual se descobriu então +aos olhos d'aquella gente um mar vastissimo, que devia ser, sem duvida, o mar +do sul que procuravam.</p> + +<p>É facil calcular o alvoroto que aquella<span class="pn">{96}</span> +descoberta produziu nos tripulantes da chalupa; voltaram presurosos a dar a +nova a Magalhães, tendo gasto tres dias no reconhecimento.</p> + +<p>Pigafetta conta que todos choraram de alegria, e em verdade não era para +menos tão feliz descoberta.</p> + +<p>Todos cobraram animo e a frota proseguindo na sua viagem chegou á tal ponta +de terra, que os navegantes denominaram acertadamente Cabo Desejado.</p> + +<p>A caravella <em>Victoria</em> ia na frente e, sahido o estreito, que +Magalhães denominou de Todos os Santos, em razão do dia em que o tinha +descoberto, destinguiu uma outra ponta de terra onde a costa se quebrava para +norte e que donominaram Cabo Victoria, em honra do navio que primeiro o +dobrava. Para além d'este cabo é que se estendia o grande mar do sul.<span +class="pn">{97}</span></p> + +<p> </p> + +<h1>XV</h1> + +<p>Transposto o estreito a que Magalhães chamou de Todos os Santos, como ficou +dito, mas que um seculo depois era já conhecido por estreito de Magalhães<a +name="tex2html6" href="#foot400"><sup>[6]</sup></a> e entrada a frota no mar do +Sul, estava ainda assim bem longe o termo da penosa viagem, pois que não lhe +faltaram perigos e trabalhos que passar.<span class="pn">{98}</span></p> + +<p>Não foram as tempestades que difficultaram a marcha, porque essas felizmente +não assaltaram os navegantes n'aquelle mar, e tanto que estes lhe chamaram mar +Pacifico, que ainda hoje conserva; mas a propria miseria em que se viam, faltos +de saude e de alimentos, sem encontrarem comestiveis nem poderem fazer aguadas +nas ilhas a que iam aportando, despovoadas e desprovidas das coisas necessarias +á vida.</p> + +<p>D'esta miseria nos dá boa idéa Pigafetta quando descreve, como testemunha +presencial, as necessidades e apuros em que se viram os navegantes:</p> + +<p>«Comiamos bolacha, diz Pigafetta, que estava feita em pó, cheio de +gorgulhos, que lhe tinham absorvido a substancia alimentar, com um sabor acre +detestavel da urina de ratos de que estava empregnado. A agua para beber era, +por egual pôdre e amarga. Para não morrer de fome vimo-nos obrigados a roer o +coiro que forrava a verga grande e que impedia que a madeira desgastasse os +cabos; era, porém tão duro o coiro, exposto a agua, ao sol e aos ventos, que +precisava estar de molho no mar quatro e cinco dias, para ficar um pouco mais +macio, pondo-o depois ao lume, e assim o comiamos. Muitas vezes vimo-nos na +necessidade de comermos serradura de madeira; e os ratos, tão repugnantes<span +class="pn">{99}</span> ao homem, chegavam a ser o alimento mais apetitoso, +pagando-se até por meio ducado cada um.»</p> + +<p>«Mas ainda não era tudo. Maior desgraça nos veio atacar, a de uma +enfermidade que consistia em nos inchar as gengivas cobrindo completamente os +dentes de ambas as mandibulas, a ponto de que os atacados d'aquella doença não +podiam tomar nenhum alimento<a name="tex2html7" +href="#foot277"><sup>[7]</sup></a>. Além dos mortos, cahiram doentes vinte e +cinco a trinta marinheiros, com dores nos braços, nas pernas e por outras +partes do corpo, mas que emfim se curaram.</p> + +<p>«Pela minha parte não sei dar bastantes graças a Deus, por durante este +tempo e entre tantos doentes não ter tido a menor doença.»</p> + +<p>Não bastavam, porém, tantas provações aos ousados navegadores, porque, +quando pensavam encontrar os viveres e refrescos de que tanto careciam, vendo +aproximarem-se de umas ilhas, em volta das quaes navegava grande quantidade de +barquinhos tripulados, depararam com bandos de selvagens, que assaltando os +navios, pretendiam roubar quanto podessem. Foi necessario repellil-os á viva +força e disparar sobre os barcos tiros de artilheria. Só depois d'esta +recepção<span class="pn">{100}</span> é que os navegantes poderam entrar com +elles em commercio, trocando bagatellas que levavam por alguns poucos viveres. +</p> + +<p>Depressa largou a frota d'aquellas ilhas e Magalhães as denominou ilhas dos +Ladrões, com que ainda são conhecidas, chamando-se-lhe tambem ilhas Mariannas +em razão das missões que n'ellas estabeleceu a rainha D. Maria Anna de Austria, +mãe de Carlos II.</p> + +<p>D'estas missões trata largamente o padre Gobien na sua <em>Histoire des +Mariannes</em>, impressa em Paris em 1701.<span class="pn">{101}</span></p> + +<div class="rodape"> +<p><a name="foot400" href="#tex2html6"><sup>[6]</sup></a> Alguns escriptores +tem dito que este nome foi posto pelo proprio Magalhães e ainda Buzeta e Bravo +assim o dizem no <em>Diccionario Geographico Historico de las Islas +Filipinas</em>, é, porém, fóra de duvida, que o estreito foi primeiro +denominado de Todos os Santos, como vem na relação de Pigafetta e no Diario de +Albo.</p> + +<p>Nas cartas geographicas e livros de geographia da segunda metade do seculo +<small>XVI</small> já o estreito vem indicado com o nome do seu descobridor, e +apenas consta de um aucto lavrado por Pedro Sarmento de Gamboa, quando +atravessou o estreito em perseguição do Corsario inglez Drack, elle denominou o +estreito Mãe de Deus em razão dos grandes perigos que passou para o atravessar, +e de que felizmente sahiu a salvo, pedindo a Filippe II de Castella que lhe +conservasse aquelle nome em homenagem á Virgem que tão milagrosamente lhe +acudira. Apesar d'isto Filippe II conservou ao estreito o nome do teu +descobridor.</p> + +<p><a name="foot277" href="#tex2html7"><sup>[7]</sup></a> Esta doença é o +escorbuto.</p> +</div> + +<p> </p> + +<h1>XVI</h1> + +<p>Havia mais de tres mezes que Magalhães tinha atravessado o estreito com a +sua frota e não podera até ali reconhecer as ilhas que encontrara.</p> + +<p>Chegou o dia 16 de março de 1521, que era domingo de Lazaro, e com elle o +descobrimento de um novo archipelago, que Magalhães denominou S. Lazaro, em +razão do dia em que o descobrira.</p> + +<p>A primeira ilha d'este archipelago era a ilha Zamal, assim denominada pelos +naturaes e que tambem se encontra nos mappas com o nome de Samar, e ainda no +<em>Diario de Albo</em> com o nome de Suluan e Yunagan, como as primeiras ilhas +reconhecidas pelos castelhanos.</p> + +<p>Foi n'este archipelago que Magalhães desembarcou com parte da sua gente, +armando<span class="pn">{102}</span> duas tendas para os doentes, e descansando +alguns dias em terra, da penosa e longa viagem que todos traziam.</p> + +<p>A ilha escolhida foi a Humunu a que os navegadores chamaram Aguada dos Bons +Indios, por terem ali feito aguada e por seus habitantes serem doceis, quasi +timoratos, pelo menos em presença dos visitantes. Com elles trocaram das +bagatellas que levavam por viveres de que careciam.</p> + +<p>Boa gente eram os indigenas d'esta ilha onde os navegantes poderam descansar +alguns dias; depois do que proseguiram viagem, avistando a 27 de março outras +ilhas para O. e S. O. as quaes verificaram serem tambem habitadas.</p> + +<p>As novas ilhas denominavam-se Masavá ou Masaguá, Butuan e Calagan, +comprehendidas no archipelago que Magalhães denominou de S. Lazaro e a que +depois se chamaram Filippinas em homenagem ao filho de Carlos V<a +name="tex2html8" href="#foot401"><sup>[8]</sup></a>.</p> + +<p>Não foi difficil aos navegantes entrarem em boas relações com os habitantes +d'estas ilhas, os quaes vieram em barcos ao encontro<span +class="pn">{103}<br>{104}<br>{105}</span> da frota e falaram com Magalhães por meio de um +interprete, que os hespanhoes levavam e que falava o malayo.</p> + +<p style="text-align: center;"><img width="90%" align="bottom" border="0" +src="images/ilust2.png" alt="Um balangai das ilhas de S. Lazaro ou Filippinas"><br> +Um balangai das ilhas de S. Lazaro ou Filippinas</p> + +<p>Tão bem se entenderam, que o rei da ilha de Masavá veio a bordo fazer os +seus comprimentos a Magalhães, trazendo-lhe presentes, que este não quiz +acceitar, na primeira entrevista, para mostrar que não o movia a cobiça, e +antes presenteou o rei com mercadorias que levava.</p> + +<p>O rei de Masavá mostrou-se muito reconhecido a Magalhães e tanto que, +pedindo este para com elle trocar viveres por fazendas, o rei lhe mandou arroz +e do mais que tinha recebendo tecidos de côres, que muito lhe agradaram.</p> + +<p>Na visita que o rei fez a bordo, Magalhães mostrou-lhe as armaduras d'aço +dos seus soldados, que os tornava invulneraveis aos golpes ou aos tiros das +armas de fogo; fez exposição das armas que levava, mandou disparar a +artilheria, o que tudo causou espanto ao rei indigena.</p> + +<p>Isto deu motivo ao rei de Masavá para se considerar honrado com a amizade +d'aquelles extrangeiros subditos de um rei christão poderoso, e por isso +dispensou-lhe toda a boa hospitalidade de que dispunha, n'uma terra +semi-selvagem.</p> + +<p>A convite do rei, foi a terra Pigaffeta e<span class="pn">{106}</span> outro +companheiro para conhecerem do paiz em que estavam.</p> + +<p>Conta Pigaffeta que, quando desembarcou, o rei levantou as mãos ao ceu, e se +virou para os visitantes que fizeram outro tanto.</p> + +<p>Era isto signal de boa paz e de que tinham os extrangeiros como enviados de +Deus. Depois dirigiram-se para um alpendre feito de cannas, debaixo do qual +estava um <em>balangai</em>, embarcação de uns cincoenta pés de comprido, e se +sentaram á poupa com o rei. Ali foi servida carne de porco e vinho e só +Pigaffeta é que se atrevia a tocar na escodella do rei quando bebia. Os da +comitiva do rei estavam de pé e armados de lanças e escudos.</p> + +<p>Apezar da falta de um interprete da lingua, intenderam-se por signaes e +assim foi Pigaffeta tomando nota da significação de muitas palavras +escrevendo-as no seu caderno, admirando-se todos muito de o verem escrever!</p> + +<p>Ao fim do dia tornaram a comer carne de porco guisada e arroz, servido em +grandes pratos de porcellana, beberam mais vinho por escudellas e quando acabou +esta refeição, foram para o palacio do rei, que era em forma de uma grande meda +de feno, coberto de folhas de platano, e subiram para os<span +class="pn">{107}</span> aposentos reaes por uma escada de mão.</p> + +<p>Meia hora depois de ali estarem foi servida nova refeição de peixe assado, +gengibre e vinho. N'essa occasião viu Pigaffeta o filho mais velho do rei que +veiu sentar-se ao seu lado.</p> + +<p>Esta refeição durou mais algum tempo, sendo servido mais peixe e arroz, e o +companheiro de Pigaffeta bebeu tanto vinho que se embriagou.</p> + +<p>Foi um verdadeiro dia de festa depois de tantos mezes de privações.</p> + +<p>N'aquella noite Pigaffeta e o seu companheiro dormiram no palacio do rei ao +lado do principe herdeiro, todos deitados em esteiras de cannas tendo por +cabeceira almofadas de folhas d'arvores.</p> + +<p>Era o mais a que chegavam as commodidades da vida d'aquelle povo, apesar de +no paiz abundar o ouro, que facilmente se encontrava misturado com a terra, em +pedaços do tamanho de nozes e de ovos.</p> + +<p>No palacio do rei havia jarros e muitos outros objectos fabricados d'aquelle +metal. O rei trazia brincos de ouro nas orelhas e os copos da sua espada tambem +eram do precioso metal.</p> + +<p>No dia seguinte o rei convidou Pigaffeta e o seu companheiro para almoçarem, +mas os dois retiraram para bordo, agradecendo<span class="pn">{108}</span> a +boa hospitalidade, beijando n'essa occasião o rei as mãos dos visitantes ao que +estes corresponderam beijando as mãos do rei.</p> + +<p>Assim entabolaram os navegantes relações com a gente da ilha de Masavá que +tão bem os recebeu, que a frota ali se demorou até 4 de abril, em que de novo +se fez ao mar no proseguimento da sua derrota.</p> + +<p>Durante o tempo, porem, que ali permaneceu passou o domingo de Paschoa e +n'esse dia desembarcaram uns cincoenta homens meios armados com o respectivo +commandante, e um padre para dizer missa em terra, n'um altar que se armou.</p> + +<p>Foi grande a admiração d'aquellas gentes quando isto viram e perguntados se +não professavam nenhuma religião, responderam erguendo as mãos para o ceu, como +que dando a entender que reconheciam um ente supremo a que chamavam +<em>Abba</em>.</p> + +<p>Assistiram os reis á missa e, ao offertorio beijaram a cruz e adoraram a +hostia consagrada, imitando tudo que viam fazer aos christãos.</p> + +<p>Quando terminou a ceremonia Magalhães apresentou uma cruz grande, diante da +qual todos se ajoelharam incluindo os indios, e fez entender ao regulo que +aquella cruz era o estandarte que o rei christão lhe havia confiado para +implantar em toda a parte que<span class="pn">{109}</span> chegasse; que +n'aquella terra a ia collocar no sitio mais elevado para que todo o mundo a +visse e a todos desse signal de ali terem sido bem recebidos pelos naturaes, o +que faria que outros que aportassem aquella ilha os tratassem bem. Que os seus +habitantes deviam, todas as manhãs fazer adoração aquella cruz, por que ella +era o symbolo da redempção.</p> + +<p>O rei prometteu a Magalhães fazer o que este lhe dizia e ordenar aos indios +que assim o observassem.</p> + +<p>A docilidade d'aquella boa gente deixou captivados os navegantes e +fortaleceu-lhes o animo para seguirem na sua empreza civilisadora, não +concorrendo menos para augmentar a auctoridade moral de Magalhães sobre a sua +gente.<span class="pn">{110}<br>{111}</span></p> + +<div class="rodape"> +<p><a name="foot401" href="#tex2html8"><sup>[8]</sup></a> Alguns escriptores, +mesmo os hespanhoes tem confundido estas ilhas do archipelago de S. Lazaro com +as ilhas dos Ladrões, que já citámos.</p> + +<p>A obra de Mallot <em>Les Philippines</em>, publicada em Paris em 1846 não +deixa duvidas a este respeito.</p> +</div> + +<p> </p> + +<h1>XVII</h1> + +<p>É d'aqui em diante que se vai passar a tragedia mais horrivel, que enlutou a +temeraria empreza de Magalhães.</p> + +<p>A 4 de abril de 1521 largou a frota do archipelago de S. Lazaro, depois +denominado das Filippinas, como já ficou dito, e dirigiu o rumo para a ilha de +Zebú, que o regulo de Masavá lhe indicara como um dos portos mais importantes e +mais proximos, para entrar em commercio.</p> + +<p>Effectivamente, decorridos tres dias de viagem, avistaram uma ilha, e +aproximando-se d'ella viram que era muito povoada de casas construidas sobre +arvores collossaes.</p> + +<p>Era a ilha de Zebú.</p> + +<p>Magalhães entrou em commercio com o rei d'aquella ilha, não sem alguma +difficuldade,<span class="pn">{112}</span> pois que o regulo queria que os +hespanhoes lhe pagassem egual tributo ao que era imposto ás embarcações das +ilhas visinhas que vinham áquelle porto.</p> + +<p>Custou a convencer o rei de que os hespanhoes não lhe pagariam tal tributo +e, antes pelo contrario o exigiriam para si e lhe fariam guerra, se o rei +presestisse n'essa imposição.</p> + +<p>Trocadas explicações de parte a parte, o rei de Zebú reconheceu a +inconveniencia e entrou em boa amizade com Magalhães, annuindo a dar privilegio +aos hespanhoes para estabelecerem commercio na ilha, unica exigencia que faziam +e direito que se reservavam.</p> + +<p>Foram, porem, mais longe as boas relações que entabolaram com aquella gente. +O rei de Zebú manifestou desejo de ser christão, depois de ouvir as façanhas +praticadas por portuguezes e hespanhoes, animados da grande força moral que a +religião do crucificado dava aos que observavam a sua lei.</p> + +<p>O baptismo do rei de Zebú celebrou-se com grande aparato, e não só este rei +mas muitos outros regulos ou senhores d'aquella ilha, rainhas e boa parte da +população receberam a agua do baptismo.</p> + +<p>Não se poderá affirmar que a convicção ou a fé os movesse a tão facilmente +abraçarem<span class="pn">{113}</span> a religião de Jesus Christo, porque de +certo o espirito d'aquella gente não poderia estar preparado para comprehender +toda a sublimidade do christianismo; mas sim os attrahiu a curiosidade e ainda +mais a idéa de que o baptismo lhes daria mais coragem e valor para vencerem +seus inimigos nas guerras que traziam com os povos vizinhos.</p> + +<p>Sim, isto sobretudo é que os devia ter attrahido.</p> + +<p>Viam alli gente christã que os deslumbrava com o seu poder, que elles +consideravam como sobrenatural, quando a artilharia disparava tiros +retumbantes, e a mosquetaria fuzilava lume pelo ar; e sem poderem ainda +apreciar a grande vantagem das armaduras, contra as quaes se embotariam as suas +agudas settas, pois não haviam entrado em lucta, o fogo das armas lhes bastava +para os maravilhar, apesar dos christãos só terem dado descargas de polvora +secca.</p> + +<p>Dominados aquelles indigenas pelo prestigio dos christãos, foi relativamente +facil a Magalhães obter d'elles quanto queria; e assim o rei de Zebú jurou +solemnemente fidelidade a Carlos V, e com elle todos os senhores da ilha +submissão ao imperador das Hespanhas.</p> + +<p>Não, obstante o reconhecimento da auctoridade de Carlos V e da submissão dos +habitantes<span class="pn">{114}</span> da ilha de Zebú, o senhor ou rei de +outra ilha proxima não approvou o procedimento dos seus vizinhos, e por isso, +quando alli foram os hespanhoes, para entabolar relações, o rei negou-lhes +obediencia.</p> + +<p>Isto deu logar a uma demonstração de força dos hespanhoes, que incendiaram +uma aldeia da ilha, retirando-se depois nas chalupas.</p> + +<p>O regulo que não quizera reconhecer a auctoridade dos extrangeiros, +chamava-se Silapulapú; mas outro regulo da mesma ilha, chamado Lula, mostrou-se +mais docil, e tanto, que prometteu a Magalhães o mandar-lhe presentes em troca +dos que d'elle recebera.</p> + +<p>Este Lula, consciente ou inconscientemente, foi a causa da desgraça do +grande navegador. Elle incitou, por assim dizer, Magalhães a fazer a guerra a +Silapulapú, e se o fez de boa fé, ou de plano concertado, para dar ruina aos +christãos, é o que a historia não diz, mas se poderá inferir pelo modo como +Lula procedeu.</p> + +<p>Na manhã de 26 de abril de 1521, enviou Lula um seu filho a Magalhães com +duas cabras, dizendo-lhe que, se não mandava mais presentes, não era por sua +culpa, mas porque Silapulapú a isso se havia opposto, persistindo em não +reconhecer a auctoridade dos hespanhoes. Dizia mais o Lula<span +class="pn">{115}</span> que, se Magalhães lhe mandasse alguns dos seus homens +de guerra, elle promettia, com a sua gente, reduzir á obediencia o Silapulapú. +</p> + +<p>Esta simples mensagem de Lula foi para Magalhães como que um repto á sua +coragem e valentia.</p> + +<p>Não se diria nunca que Fernão de Magalhães hesitava um momento quando lhe +reclamavam o esforço do seu braço, a bravura do seu animo. Elle, soldado +ousado, que havia ferido guerras em Africa, e que ha tanto tempo conservava a +espada na bainha, sem ter ensejo de retemperar o aço da sua lamina, rechassando +o inimigo; elle, a quem a aventura attrahia e povoava a sua imaginação das mais +seductoras façanhas, encontrava alfim novo ensejo para experimentar se o seu +braço ainda era o mesmo e se a boa estrella, que tinha guiado sempre as suas +armas, mais uma vez o conduziria á victoria.</p> + +<p>As circunstancias, porém, não se apresentavam muito favoraveis, e d'isso o +quiz convencer João Serrão, homem experiente, que não se deixava fascinar pela +gloria, mais que duvidosa, da temeridade d'aquelle feito.</p> + +<p>Era preciso attender a que a gente de Magalhães estava consideravelmente +reduzida: uns, tinha-os a morte levado; outros, as doenças e trabalhos da +viagem os haviam<span class="pn">{116}</span> impossibilitado. Os válidos eram +poucos, e esses mesmos meio depauperados.</p> + +<p>Tudo isto ponderou Serrão a Magalhães. O rei de Zebú tambem se mostrou +contrario á resolução do grande capitão, apesar de não poder calcular toda a +força e valentia de que os christãos poderiam dispôr, na conta em que os tinha +de homens extraordinarios, por assim dizer, sobrenaturaes. Entretanto sabia que +o inimigo era assaz numeroso, e pelo sentimento nato de que, contra a força não +ha resistencia, elle pensava, a despeito de todas as maravilhas creadas no seu +espirito, quanto era arriscada e talvez fatal para os hespanhoes a lucta que ia +travar-se.</p> + +<p>Magalhães não attendeu as razões nem os conselhos dos seus e do rei de Zebú. +Costumado a mandar e a ser obedecido, tanto mais depois de ter subjugado os +proprios elementos para chegar ao termo da sua empresa, nenhumas forças seriam +capazes de o demover da resolução que tomára, de submetter pelas armas os +habitantes da ilha de Mactan que se negavam a prestar obediencia.</p> + +<p>O numero dos seus soldados pouco lhe importava, como pouco lhe importava se +o inimigo era assás numeroso. Estava elle com o seu braço e com a sua espada +costumada á guerra contra infieis. Vencera em Africa<span +class="pn">{117}</span> muitas vezes contra milhares de indigenas, e de que +façanhas se poderia orgulhar se assim não fôra!</p> + +<p>A sua espada e a sua fé valiam por um exercito; sob o seu commando e ao seu +lado cada soldado valia por mil. Eram assim as guerras d'aquelle tempo contra +os povos d'alem mar, como o tinham sido na peninsula contra os mouros; a cruz +levava de vencida o crescente por toda a parte; porque não havia de triumphar +tambem alli?!</p> + +<p>Para quem com tanta firmeza e sacrificio tinha desvendado os mares +procellosos, para dar a volta ao mundo, luctando tenazmente pela sua idéa, +tantas vezes contrariada pelos elementos e pelos homens, que valia agora a +resistencia de uns selvagens?</p> + +<p>Muito maiores obstaculos tinha elle destruido no seu caminho, sobrando-lhe +sempre animo para proseguir avante, e não podia comprehender que homens como +aquelles que o acompanhavam na temeraria empresa que se propôs, que com elle +tinham compartilhado dos perigos para alli chegarem, se arreceassem agora de +entrar em guerra com um bando de selvagens, e medissem primeiro cautelosamente +as forças para se lançarem na lucta, quando nem sabiam ao certo o numero dos +inimigos nem as armas de que elles dispunham.<span class="pn">{118}</span></p> + +<p>O rei de Zebú era suspeito para informar da quantidade e qualidade do +inimigo. Quem podia affirmar o contrario?</p> + +<p>O triumpho das armas christãs importaria a submissão completa e +incondicional de todos aquelles povos, e o grande capitão não só teria coroado +a sua empresa de encontrar o mar do sul, mas traria á Hespanha tributarios os +povos d'aquellas regiões, fascinados e submettidos pelo prestigio das suas +armas.</p> + +<p>Era de tentar a cartada! Quem lhe poderia resistir?!<span +class="pn">{119}</span></p> + +<p> </p> + +<h1>XVII</h1> + +<p>Passou-se o dia 26 e a noite em aprestos para o ataque.</p> + +<p>O grande capitão reuniu todos os homens de guerra, que não excediam a +sessenta, pelo que diz Diego Arana, armados de couraças e de cascos; o resto +eram enfermos, incapazes de entrarem em combate. Mandou arrear algumas peças de +artilharia para as chalupas, escudos sobrecellentes e mosquetes, munições e +alguns comestiveis, não muitos, pois não os havia para larguezas; mas o que +faltava ao corpo, abundava no espirito, porque a gente de guerra estava +desejosa de bater-se, tanto tempo havia decorrido que não experimentava armas. +</p> + +<p>Era natural.<span class="pn">{120}</span></p> + +<p>Pela meia noite principiou o embarque nas chalupas.</p> + +<p>Havia passado um anno e sete mezes que esses valentes tinham embarcado +tambem, em S. Lucar de Barrameda, para a famosa expedição, cheios de +enthusiasmo, a correr aventuras como agora.</p> + +<p>Em S. Lucar o sol de agosto aquentava-lhes mais o espirito e inundava de luz +o mar a que se faziam suas caravelas, levadas como que entre nuvens de fumo dos +tiros de artilharia, que diziam o ultimo adeus ás terras de Hespanha.</p> + +<p>Em Zebú, porem, a partida era differente; o véo da noite envolvia a terra e +os mares; o sol não saudava aquelles valentes, que então como agora iam jogar a +vida. Tinham de abafar o seu enthusiasmo no meio do silencio de uma noite +triste e funebre, em que no céo apenas uma ou outra estrella vagueava sua luz +tremente, como olhos marejados de lagrimas. Não havia corações amigos a +saudal-os na despedida, mas gente barbara e extranha que os olhava temerosa e +desconfiada.</p> + +<p>Que differença!</p> + +<p>E em silencio se fez o embarque, a que assistiu Fernão de Magalhães, +embarcando elle na ultima chalupa.</p> + +<p>O rei de Zebú, com um dos principes e<span class="pn">{121}</span> outros +senhores da ilha, seguiram os christãos em balangais, com indios armados de +piques.</p> + +<p>Vento fresco encrespava o mar por onde os barcos iam correndo, ora orçando +da vaga ora arribando para o vento.</p> + +<p>Magalhães, de pé, á pôppa da sua chalupa, vigiava todo o governo e ordenava +a manobra.</p> + +<p>Ia satisfeito; pelo seu espirito não passava sombra de receio da aventura em +que ia lançar-se. As horas pareciam-lhe mais longas que de costume; a noite não +tinha fim!</p> + +<p>Proximo da madrugada chegavam as chalupas á ilha de Mactan, e o primeiro +impulso de Magalhães foi o desembarcar immediatamente com os seus homens de +guerra, mas não era possivel. A maré estava baixa e as ondas quebravam-se com +violencia contra os cachopos da praia, elevando-se espumantes para o ar.</p> + +<p>Qualquer barco que tentasse abordar á terra correria o risco de se +despedaçar entre os recifes.</p> + +<p>Comtudo a impaciencia de Magalhães não lhe soffria delongas e, sem attender +ao perigo, ordenou a um mouro, que ia nas chalupas, para que da sua parte fosse +intimar o regulo de Mactan a reconhecer a soberania do rei de Hespanha e +prestar obediencia ao rei christão de Zebú, pagando os<span +class="pn">{122}</span> tributos exigidos; de contrario os castigaria pelas +armas<a name="tex2html9" href="#foot403"><sup>[9]</sup></a>.</p> + +<p>Foi-se o mouro com a intimação, e se escapou de mergulhar entre os recifes, +quasi ia ficando preso na ilha, pois os rebeldes não se intimidaram com as suas +palavras e antes responderam que: saberiam defender-se e resistir aos +christãos, pedindo sómente que os não atacassem de noite.<a name="tex2html10" +href="#foot404"><sup>[10]</sup></a></p> + +<p>Assim voltou, a custo, o mouro a participar ao chefe o resultado da sua +missão.</p> + +<p>Como se poderá descrever o desespero e impaciencia de Magalhães ao saber a +resposta d'aquelles barbaros, que mais incitava os seus brios de guerreiro? +Queria desembarcar logo com a sua gente e atacar os rebeldes, ainda que de +noite, e teria cedido ao primeiro impulso se não fôra o rei de Zebú dissuadil-o +de tal temeridade, fazendo-lhe conhecer a tactica d'aquella gente, que, para se +defender, se fosse atacada de noite, abriria fojos em volta da ilha, cheios de +estacas aguçadas como lanças, onde os hespanhoes cahiriam cegamente como em +armadilha bem disposta para os caçar.</p> + +<p>Por isto se conhece a dissimulada astucia<span class="pn">{123}</span> +d'aquelles barbaros, pedindo para os não atacarem de noite, como se para tal +não estivessem prevenidos, o que certamente incitaria os castelhanos a realizar +o ataque, mais seguros do resultado.</p> + +<p>Magalhães, acreditando ou não no que lhe observou o rei de Zebú, precaveu-se +do logro e achou por mais seguro realizar o desembarque de dia para melhor +medir o campo em que tinha de operar.</p> + +<p>Mal a aurora despontou, as chalupas approximaram-se da praia tanto quanto +permittia a maré, que ainda estava baixa, e Magalhães desembarcou com parte da +sua gente, dando a agua pela cintura a todos, de modo que não puderam +transportar a artilharia.</p> + +<p>Isto obrigou a que nas chalupas ficassem homens a guardar as peças, além +d'aquelles que tinham de tomar conta nos barcos, o que reduziu o numero dos +combatentes que acompanhavam o chefe.</p> + +<p>Para mais, Magalhães não acceitou o auxilio de gente que lhe offereceu o rei +de Zebú, talvez por não lhe merecer grande confiança; e, julgando-se mais +seguro com os seus cincoenta homens, que tantos desembarcariam, avançou para +terra resoluto a bater os barbaros.</p> + +<p>Ainda bem não tinha disposto a sua gente em acção, quando, por um dos +flancos,<span class="pn">{124}</span> lhe surde d'entre o matto uma manga de +indios armados de flechas e escudos. Trava-se logo a lucta, rompendo os +hespanhoes fogo de mosquetaria, que pouco alcançava o inimigo. Este +despedia-lhe suas flechas, que se embotavam contra os cascos e couraças dos +christãos; mas bem não tinha começado o ataque, quando outra manga apparece +pelo flanco opposto a atacal-os, o que obrigou Magalhães a dividir a sua gente +em duas columnas, para fazer frente ao inimigo.</p> + +<p>Cresce a lucta, redobra o esforço.</p> + +<p>As flechas são impotentes contra as couraças, mas a mosquetaria vai +derribando os indios, ganhando os christãos terreno.</p> + +<p>Não se acobardam os barbaros com as perdas soffridas, e disputam a posição +com inesperado valor. Em alguma cousa se fiam para arrostarem com os christãos. +Contam com a sua superioridade numerica, que não tarda a ser reforçada, e agora +apparece pela frente outra manga, tanto ou mais numerosa que as primeiras, +arrogante e bem armada de varas de madeira endurecidas ao fogo, que ferem como +laminas de aço.</p> + +<p>Magalhães e a sua gente vêem-se cercados por todos os lados. Elle, só á sua +conta, tem rechassado um bom numero de indios; braço vigoroso, animo decidido, +não cansa.<span class="pn">{125}</span></p> + +<p>Tenta dividir o inimigo; e manda lançar fogo á povoação, para que elle corra +a dominar o incendio.</p> + +<p>Mas esta estrategia não dá resultado, porque os indios mais se exasperam, e +alguns, correndo sobre os incendiarios, ainda colhem dois a quem logo dão a +morte.</p> + +<p>As numerosas mangas vão crescendo cada vez mais sobre os hespanhoes, +arremessando-lhe um sem numero de flechas, varas e pedras, que lhes atiram os +cascos fóra da cabeça.</p> + +<p>Alguns, considerando-se perdidos, já fogem para a praia e entram na agua, +que lhes chega quasi aos hombros, em procura das chalupas, onde se refugiam. +</p> + +<p>Magalhães resiste sempre, acompanhado pelos mais fieis e corajosos, que +todos se batem com denodo.</p> + +<p>Os indios, vendo que as suas flechas resvalam das couraças e caem na areia +sem causar damno ao inimigo, apontam-n'as mais baixas, procurando ferir as +pernas dos adversarios. Este expediente dá-lhes resultado, porque os homens de +Magalhães debandam em maior numero, sentindo-se feridos. Entretanto é ao chefe +que os indios mais assestam as suas pontarias até que uma flecha lhe acerta +n'uma perna.</p> + +<p>Magalhães não perde um momento a sua<span class="pn">{126}</span> coragem, +sustenta a lucta e anima os seus a que o egualem.</p> + +<p>—Por Santiago matemos estes miseraveis!</p> + +<p>E batia-se para a frente e para os lados, levando com a sua lança a morte +aos inimigos, que não o poupavam.</p> + +<p>Por duas vezes lhe fazem saltar fóra da cabeça o casco com pedradas que lhe +atiram.</p> + +<p>Mas elle não se estonteia nem recua; põe-n'o de novo e continua na tremenda +lucta.</p> + +<p>Agora é uma flecha que se lhe crava na face, mas elle cresce sobre o +audacioso, embebendo-lhe a lança no corpo! Outra flecha trespassa-lhe o braço +direito quando elle vai a desembainhar a espada, que fica na bainha. Solta +então um rugido de dôr e de desespero, porque se vê desarmado.</p> + +<p>Grita pelos seus, mas inutilmente, porque uns jazem por terra e outros +teem-se precipitado para as chalupas.</p> + +<p>Sente-se abandonado no meio do inimigo. Um esforço supremo para se +desaffrontar. Sobra-lhe na alma coragem para bater-se até a morte, mas +fallece-lhe no corpo força para reagir.</p> + +<p>Os indios percebem que o valente capitão já os não póde ferir, e lançam-se +sobre elle como chacaes.<span class="pn">{127}</span></p> + +<p>Deitam-n'o por terra, e elle ainda se ergue uma e mais vezes com esforço +heroico, a clamar pela sua gente; mas ninguem o ouve nem lhe póde acudir.</p> + +<p>Nem um d'entre elles, diz Pigafetta, havia que não estivesse ferido e +pudesse soccorrer ou vingar o seu chefe. Precipitaram-se para as chalupas, que +estavam prestes a partir, e deveram a sua salvação á morte de Magalhães, +porque, quando elle succumbiu, os indios correram todos para o logar onde elle +tinha cahido.</p> + +<p>Fernão de Magalhães poderia então, como o infante D. Pedro, em Alfarrobeira, +soltar aquella phrase memoravel:</p> + +<p>—Vingar ahi villanagem!</p> + +<p>Não havia já resistencia possivel.</p> + +<p>Os indios cahiram em massa sobre o desventurado capitão; crivaram-n'o de +flechas, lançaram sobre elle pedras para o acabarem de matar, e só quando +estavam bem seguros de que elle já não tinha alento de vida, é que deixaram a +presa!<span class="pn">{128}<br>{129}</span></p> + +<div class="rodape"> +<p><a name="foot403" href="#tex2html9"><sup>[9]</sup></a> Diego Arana, <em>Vida +e Viagens de Fernão de Magalhães</em>.</p> + +<p><a name="foot404" href="#tex2html10"><sup>[10]</sup></a> <em>Idem.</em></p> +</div> + +<p> </p> + +<h1>XVIII</h1> + +<p>Morreu o grande capitão ás mãos dos selvagens de Mactan, n'uma lucta tão +heroica quanto ingloria, para quem se tinha proposto a tão grande empresa e a +levara a cabo através de todas as difficuldades e perigos.</p> + +<p>Fernão de Magalhães, costumado a vencer até os proprios elementos, levou-se +de enthusiasmo e não mediu o perigo de assim se expôr á morte que lhe traria +ruina para elle e para a sua gente, que sem o chefe e desprestigiada, bem +poderia ser victima d'aquelles selvagens, e perder o fructo de tantos +sacrificios, ficando ignorado do velho mundo o resultado da aventurosa viagem, +se nenhum dos ousados mareantes lograsse voltar á Europa, como quasi ia +succedendo.</p> + +<p>A morte do heroe teve effeitos desastrosos para toda a expedição, que desde +aquelle<span class="pn">{130}</span> momento perdeu o prestigio que a fazia +respeitar e temer no espirito dos habitantes das ilhas.</p> + +<p>O rei de Zebú, que tão docil se mostrara, chegando a fazer-se christão e a +alliar-se com estes contra os selvagens de Mactan, depressa mudou de idéas e +concertou com os seus para dar morte aos castelhanos traiçoeiramente.</p> + +<p>Cinco dias depois do triste acontecimento que acabamos de narrar, a 1 de +maio de 1521, nova desgraça viera ferir os castelhanos. Moveu-a a intriga e o +despeito de um escravo de Magalhães, que era o lingua da expedição, pelo que +refere Pigafetta e conforme o que Sebastião de Elcano declarou no inquerito +que, em 1522, se levantou sobre a viagem de Magalhães e tragico fim do valoroso +capitão.</p> + +<p>Aquelle escravo tinha seus aggravos de Duarte Barbosa que, com Serrão, +tomara o commando da frota, e para vingar-se persuadiu o rei de Zebú de que os +christãos o queriam trazer captivo para a Europa. Esta falsa denuncia foi como +que o fogo lançado ao rastilho, pois de mais estava já o rei de Zebú incitado +pelos regulos de Mactan, que o ameaçavam de morte e destruir-lhe os seus +dominios se elle não desse cabo dos castelhanos.<span class="pn">{131}</span> +</p> + +<p>Faltando-lhe, porém, a coragem para se defrontar com os europeus em lucta +leal, o rei de Zebú recorreu á traição. Continuou a mostrar-se muito amigo dos +castelhanos e fiel subdito do rei de Castella, ao qual queria mandar um valioso +presente. Para fazer entrega d'esse presente convidou os commandantes Barbosa e +Serrão a jantarem com elle em terra e que trouxessem os immediatos e mais +pessoas da frota que entendessem, com o que lhe dariam grande honra.</p> + +<p>Duarte Barbosa, João Serrão e mais vinte e sete homens, entre os quaes se +encontravam Luiz Affonso de Goes, portuguez arvorado commandante da caravella +<em>Victoria</em>, depois da morte de Magalhães, o piloto André de San Martin, +Sancho de Heredia e Leão da Espeleta, escrivães da frota, e o capellão Pedro da +Valderrama.<a name="tex2html11" href="#foot405"><sup>[11]</sup></a></p> + +<p>Foi isto na manhã do citado dia 1.º de maio. O rei de Zebú com alguma gente +de seu sequito aguardava na praia a chegada dos convidados e, logo que estes +desembarcaram, encaminharam-se todos para um palmar, á sombra do qual estava +preparada a refeição.</p> + +<p>O logar não podia ser mais ameno para resguardar dos raios ardentes do sol, +que a<span class="pn">{132}</span> custo penetravam aqui e acolá por entre as +fisgas das largas folhas das palmeiras que formavam abobada sobre o recinto do +festim, vindo reflectir nos vasos de ouro e nas porcellanas dispostas sobre a +esteira que fazia de mesa, como era uso.</p> + +<p>O rei apparentava toda a docilidade e gentileza de que podia dispôr, e com +elle a sua côrte se mostrava em extremo submissa aos christãos, de modo que +nada fazia suspeitar da traição que tinham armado; só João Serrão desconfiava +de alguma cilada, mas pouco valeu a sua desconfiança, porque Duarte Barbosa, +nada receando, instou com elle para que o acompanhasse, e Serrão accedeu para +não ser tido por timorato ou cobarde.</p> + +<p>Em volta da esteira todos se sentaram e principiaram a servir-se do que +havia, comendo e bebendo em boa convivencia; mas cedo reconheceram o engano, +porque um bando de indigenas armados, que surdiu de emboscada, lançou-se +traiçoeiramente sobre os castelhanos e logo se armou alli uma lucta braço a +braço, cada vez mais terrivel, sendo os indigenas em tão grande numero que +impossivel era submettel-os.</p> + +<p>Os castelhanos foram todos assassinados e só João Serrão escapou n'aquelle +momento á furia dos selvagens por um certo prestigio que tinha sobre +elles.<span class="pn">{133}</span></p> + +<p>De pouco isso lhe valeu! Dois tripulantes, mais felizes que seus +companheiros, que em terra pereceram na lucta desegual, haviam-se afastado ao +desembarque, suspeitando de alguma cilada, e assim que conheceram a traição, +foram-se para bordo a dar parte ao piloto portuguez João Carvalho do que +occorrera em terra. Carvalho immediatamente mandou approximar os navios da +terra e rompeu fogo de artilharia contra a ilha.</p> + +<p>Os indigenas, sentindo os tiros, apoderam-se de João Serrão depois de +encarniçada lucta, em que este ficou mal ferido, e atando-o de pés e mãos, +conduziram-n'o á praia ás vistas dos seus companheiros que dos navios +continuavam a fazer fogo sobre a ilha.</p> + +<p>Serrão vê-se perdido e grita e clama para os seus que cessem fogo e tragam +presentes áquella gente para o resgatar. A confusão, porém, é enorme; João +Carvalho não póde dar ouvidos a taes clamores, e receia nova traição dos +indigenas, para se apoderarem do resto da sua gente e dos mal defendidos +navios.</p> + +<p>Para que se não perca tudo ingloriamente, só resta abandonar aquellas ilhas +e fazer-se ao mar, para voltar a Hespanha como pudesse, e, emquanto João Serrão +ficava na praia gritando para que o salvassem, porque o matariam assim que os +navios largassem suas<span class="pn">{134}</span> velas, João Carvalho foi +ordenando as manobras e aproando ao mar as caravellas.</p> + +<p>Serrão, a quem os indigenas, no primeiro impeto, haviam poupado a vida, +soffreu as torturas de morrer inanime ás mãos d'aquelles selvagens, vendo +fugir-lhe a unica esperança de salvação, que por momentos o animara, com a +partida da frota.<a name="tex2html12" href="#foot406"><sup>[12]</sup></a></p> + +<p>Triste e vergonhosa retirada aquella para gente que a tanto se afoitara; mas +é evidente que já faltava alli o espirito do grande capitão portuguez que a +animara e conduzira, por vontade ou por força, a dar a volta dos mares, +realizando a primeira viagem de circumnavegação.<span class="pn">{135}</span> +</p> + +<p>Em Mactan deixaram Magalhães morto, que nem seu cadaver puderam arrancar do +poder dos indigenas, e assim perderam a alma d'aquella empresa que assombrou o +mundo; em Zebú ficavam Duarte Barbosa e João Serrão com seus companheiros +victimas de uma traição.</p> + +<p>De melhor sorte eram dignos aquelles bravos, que nem tiveram quem alli os +vingasse.<span class="pn">{136}<br>{137}</span></p> + +<div class="rodape"> +<p><a name="foot405" href="#tex2html11"><sup>[11]</sup></a> Diego Arana, +<em>Vida e viagens de Fernão de Magalhães</em>.</p> + +<p><a name="foot406" href="#tex2html12"><sup>[12]</sup></a> Pigafetta, liv. +<small>II</small>—Herrera, dec. <small>III</small>, liv. <small>I</small>, cap. +<small>X</small>.</p> + +<p>Sobre este ponto encontro uma discordancia em Gaspar Correia quando este se +refere á morte de Fernão de Magalhães, no tomo <small>II</small> das <em>Lendas +da India</em>.</p> + +<p>Segundo o phantasioso chronista, Fernão de Magalhães não morreu ás mãos dos +indigenas da ilha de Mactan, mas sim no banquete do rei de Zebú, tendo ficado +vencedor em Mactan, o que discorda completamente de todos os chronistas que +referem esta viagem e das declarações feitas por Sebastião de Elcano e seus +companheiros, no processo instaurado em Sevilha no anno de 1522.</p> + +<p>Gaspar Correia, na sua linguagem barbaresca, que modificaremos para melhor +ser entendida hoje, diz, referindo-se ao combate com os indigenas de Mactan: «O +rei corrido, vendo-se assim destroçado, concertou traição com o rei christão e +fez com elle ajuste de casar com sua filha e com juras que, morrendo elle, que +era velho, tudo lhe deixava e viveriam sempre amigos, porque os castelhanos se +iriam embora, e se não acceitasse isto e lhe não desse modo de matar os +castelhanos, lhe faria guerra. O que o rei christão, como homem brutal, +consentiu na traição e preparou grande festa e banquete pelo vencimento, e +convidou Magalhães, que foi ao banquete com trinta homens os mais honrados e +bem vestidos, onde estando todos no banquete folgando, entraram os inimigos +armados e mataram a Magalhães e os castelhanos, não escapando nenhum e o Serrão +o despiram e arrastaram á praia onde o justiçaram e mataram arrastado.»</p> +</div> + +<p> </p> + +<h1>XIX</h1> + +<p>Foram mais previdentes que humanos os mareantes, que se fizeram á vela sem +empregar alguns meios de salvar o Serrão e vingar a morte de seus companheiros. +Mas nem por isso foram mais felizes no proseguimento de sua viagem, que a +fortuna raro corôa acção ruim.</p> + +<p>Chegados á ilha de Bohol, agora uma das Filippinas, reconheceram quanto era +reduzido o pessoal para as manobras das tres embarcações que restavam da +flotilha de Magalhães. Apenas havia 115 homens, e por isso João Carvalho, que +ia commandando agora a frota, determinou que se lançasse fogo á caravella +<em>Conceição</em>, por ser a mais arruinada, e a tripulação d'esta fosse +distribuida pela <em>Victoria</em> e <em>Trindade</em>.</p> + +<p>Assim aportaram a mais algumas ilhas do<span class="pn">{138}</span> +archipelago e em todas tractaram e fizeram commercio com os naturaes.</p> + +<p>Na ilha de Borneo, porém, onde aportaram a 8 de julho, iam ficando captivos, +ou mortos se, suspeitando da traição que os naturaes lhe preparavam, não +largassem immediatamente para o mar, vendo que se dirigia para os navios grande +numero de pirogas e juncos cheios de gente armada.</p> + +<p>Foi preciso fazer fogo de artilharia sobre aquelles barcos, com o que +destruiram a muitos chegando a aprisionar 16 homens e treze mulheres.</p> + +<p>Entre os prisioneiros contaram o filho do rei da ilha de Luzon, o que +seguramente era boa presa, para com ella João Carvalho resgatar um filho seu e +mais dois castelhanos que haviam ficado em terra, quando as caravellas tiveram +que se fazer ao largo. Mas não o entendeu assim o Carvalho, preferindo receber +ouro pelo resgate, o que valeu o mesmo que sacrificar o filho e os dois +companheiros, porque os insulanos não lhe entregaram os captivos a despeito de +todas as diligencias que elle fez para esse fim.</p> + +<p>Era, por desgraça, o justo premio do que praticára em Zebú.</p> + +<p>D'esta torpeza cedo teve que se arrepender o Carvalho, que certamente não +seria com acções d'este jaez que elle, havia de<span class="pn">{139}</span> +conservar e até augmentar seu prestigio entre os demais.</p> + +<p>D'ahi lhe resultou seguramente o ser deposto por seus companheiros que, +reunidos, resolveram dar o commando da <em>Trindade</em> a Gonçalo Gomez de +Espinosa, e o da <em>Victoria</em> a João Sebastião de Elcano, fidalgo +biscainho, que até ahi se conservara na sombra.</p> + +<p>Foram estes dois capitães que conseguiram levar seus navios até as Molucas, +não sem grandes difficuldades, pois não tinham a latitude certa em que +demoravam. Valeram-se para isso de pilotos que aprisionaram, em embarcações que +iam encontrando por aquelles mares, e d'este modo lograram seu intento com +grande alegria e proveito, segundo refere Pigafetta.</p> + +<p>Foi a 8 de novembro que a <em>Victoria</em> e a <em>Trindade</em> fundearam +no porto da ilha de Tidore. Haviam chegado, emfim, ás terras das especiarias, +sonho dourado d'aquelles tempos e que déra causa áquella viagem aventurosa.</p> + +<p>Os portuguezes já por alli tinham andado e disposto os naturaes para o +tracto com os europeus, e por isso os hespanhoes encontraram melhor +acolhimento, facilitando o seu commercio, em que trocaram tecidos por cannella, +noz-moscada, pimenta e cravo.<span class="pn">{140}</span></p> + +<p>Os capitães celebraram tractados de commercio e vassallagem com os regulos +e, apressando o regresso, para trazerem tão boas novas a Carlos V e á patria, +dispuseram-se a partir em meio de dezembro.</p> + +<p>Só porém a caravella <em>Victoria</em> pôde largar da ilha de Tidore, a 21 +de dezembro, ficando a <em>Trindade</em> de querena, pois precisava de grande +concerto nas obras vivas.</p> + +<p>A <em>Victoria</em> veiu tocando em mais algumas ilhas, provendo-se de +sandalo e de cannella, seguindo a rota que os portuguezes faziam nas suas +viagens para a India, segundo diz Pigafetta.</p> + +<p>Trazia 60 homens de tripulação, entre estes treze naturaes da ilha; mas os +trabalhos, as doenças e as insubordinações vieram dizimando esta gente, +morrendo uns e tendo que se executarem outros por seus delictos graves.</p> + +<p>Quando a <em>Victoria</em> aportou á ilha de Sant'Iago de Cabo Verde, a 9 de +junho de 1522, obrigada pela fome, que já victimara alguns homens de sua +tripulação, estava cada vez mais reduzida.</p> + +<p>Em Sant'Iago não foram mais felizes, porque os portuguezes, ciosos de que +extranhos andassem em exploração de mares e terras que a elles só competia, +quizeram apresar o navio castelhano e a gente que<span class="pn">{141}</span> +n'elle vinha, logo que souberam, por denuncia de um tripulante, da viagem que +vinham fazendo.</p> + +<p>A <em>Victoria</em> teve, por isso, de largar precipitadamente, não sem lhe +ficarem em terra doze homens prisioneiros dos portuguezes.</p> + +<p>Finalmente a 6 de setembro de 1522 chegava á bahia de S. Lucar de Barrameda +a <em>Victoria</em>, commandada pelo afortunado Sebastião de Elcano e com +dezoito homens dos 265 que tres annos antes haviam partido na expedição.</p> + +<p>Dia de jubilo para alguns e de tristeza para muitos foi o da chegada da +<em>Victoria</em> a S. Lucar de Barrameda. Os que se regosijavam por ver chegar +os que lhe pertenciam, mal acalmavam os lamentos das viuvas, das mães ou das +irmãs, que debalde procuravam entre os recemchegados, os maridos, os filhos ou +os irmãos.</p> + +<p>Eram tão poucos os que voltavam e tantos os que haviam partido!</p> + +<p>Que de sacrificios não custara aquella viagem; que de vidas immoladas á +civilização, desde a do chefe da frota até a do mais obscuro marinheiro!</p> + +<p>Entretanto a noticia do regresso espalhava-se por toda a Hespanha, levando a +admiração e o espanto á gente por aquelles ousados navegadores.<span +class="pn">{142}</span></p> + +<p>Carlos V, que chegara da Allemanha, ao saber a boa nova escrevia a Sebastião +de Elcano, ordenando-lhe que fosse á sua presença a contar-lhe da viagem: «E +quero, dizia, que me informeis mui particularmente da viagem que haveis feito, +e do que n'ella succedeu, e vos mando que, logo que esta vejais, tomeis duas +pessoas das que comvosco vieram, das mais cordatas e de melhor razão, e vos +partais com ellas para onde eu estiver, que por este correio escrevo aos +officiaes da Casa de Contractação das Indias, que vos vistam e vos assistam com +todo o necessario a vós e ás dictas duas pessoas».<a name="tex2html13" +href="#foot407"><sup>[13]</sup></a></p> + +<p>Sebastião de Elcano apressou-se a ir á presença de Carlos V, que estava em +Sevilha, fazendo-se acompanhar de Pigafetta, o qual apresentou ao imperador um +livro manuscripto, relatando dia a dia a viagem de circumnavegação.</p> + +<p>Carlos V ficou maravilhado e encheu de honras e pensões Sebastião de Elcano, +mais afortunado que Fernão de Magalhães a quem essas honras e pensões deviam +pertencer. Ao piloto hespanhol concedeu Carlos V a pensão annual de 500 ducados +de ouro, auctorização para se acompanhar sempre<span class="pn">{143}</span> de +dois homens armados, e um brasão de armas quartelado, representando scenas da +viagem, e tendo por timbre um globo com a inscripção: <em>Primus circumdidiste +me.</em></p> + +<p>Eram o brasão e timbre que deviam pertencer a Fernão de Magalhães, que tão +infeliz foi que nem sequer o pôde legar a seus descendentes, como era seu +desejo.</p> + +<p>O filho e esposa de Magalhães pouco sobreviveram ao grande capitão, pois que +o primeiro morreu em 1521 e a segunda um anno depois; e o mesmo succedeu a +Diogo Barbosa, seu sogro, e mais parentes, que poucos annos se lograram, +desapparecendo assim no tumulo os poucos herdeiros do grande navegador.</p> + +<p>A fortuna vária não deixou pois a Magalhães gosar os fructos da sua gloriosa +empresa; outro colheu os louros e os brasões de tal feito; mas não é o nome +d'este afortunado que a historia commemora; não é a Sebastião de Elcano que a +sciencia venera e agradece os beneficios que lhe legou, e sim a Fernão de +Magalhães, porque foi elle que lidou para obter os navios em que devia fazer a +travessia dos mares, e com que custo o conseguiu elle! foi Magalhães que +dirigiu os mareantes e os reduziu á obediencia tantas vezes quantas contra elle +tentaram revoltar-se; foi elle que affrontou a resistencia dos<span +class="pn">{144}</span> homens e a furia dos elementos; que, zombou das +tempestades e jogou a vida quando, todos e tudo conspirava contra ella, e levou +avante a sua idéa, incutindo animo quando todos desfalleciam, e assim chegou ao +fim, circumnavegando os mares, passando de um mar ao outro, sem outro guia que +os seus proprios calculos, deixando ao mundo aberta a passagem para o mar do +sul, passagem que nenhum navegador antes d'elle lograra encontrar.</p> + +<p>É de Fernão de Magalhães a gloria; foi este portuguez que deixou o nome seu +memorado nos mares do novo mundo, como nas cartas geographicas está gravado; e +não bastando isto, o nome do grande portuguez elevou-se ao espaço infinito e +com elle marcou nos ares duas bellas nebulosas que são conhecidas por nuvens de +Magalhães.</p> + +<p>Duradoura gloria esta que viverá tanto como o mundo. Nos mares e nos céos o +nome de Fernão de Magalhães!</p> + +<p>Diz John Herschel, em uma carta datada do Cabo da Boa Esperança, em 13 de +junho de 1836:<a name="tex2html14" href="#foot408"><sup>[14]</sup></a> «As +nuvens de Magalhães, <em>nubecula major</em> e <em>nubecula minor</em>, são +muito notaveis. A maior compõe-se de acervos estellares irregularmente +dispostos, de outros<span class="pn">{145}</span> acervos esphericos e de +estrellas nebulosas entremeadas de nebulosas irreductiveis. Estas ultimas +parecem formadas por uma poeira estellar. O proprio telescopio de 20 pés não +tem bastante poder para as revelar estrellas.</p> + +<p>«Aquellas nebulosas produzem uma claridade geral que illumina o espaço da +visão e estabelece um fundo esplendoroso em que se distingue tudo que n'elle +está disseminado. Nenhuma outra região celeste junta tantas nebulosas e acervos +estellares em egual espaço.</p> + +<p>«A <em>nubecula minor</em> é menos formosa; offerece numero maior de +nebulosidades irreductiveis, e os acervos estellares que se vêem são mais +escassos e menos brilhantes.»</p> + +<p>A. de Humboldt, falando d'estas nuvens, diz:<a name="tex2html15" +href="#foot369"><sup>[15]</sup></a> «das duas nuvens de Magalhães que giram em +volta do polo austral, d'este polo tão despovoado de estrellas que podia +chamar-se uma região devastada, a maior, principalmente, parece, conforme +investigações modernas, uma quantiosa accumulação de acervos esphericos de +estrellas de maior ou menor grandeza e de nebulosidades irreductiveis. O +aspecto d'estas nuvens, a esplendorosa constellação do navio Argos, a via +lactea que se vai dilatando entre o Escorpião, o<span class="pn">{146}</span> +Centauro, e o Cruzeiro tambem, não tenho duvida em dizel-o, o aspecto +pittoresco de todo o céo austral produziu em minha alma uma inolvidavel +impressão.»</p> + +<p>André Corsali fala da existencia d'estas nuvens, na sua <em>Viagem a +Cochim</em>, e Pedro Martyr de Anghiera tambem, no seu livro <em>De Rebus +Oceanicis et Orbe Novo</em>; o illustre secretario de D. Fernando de Aragão, +attribuindo aos portuguezes o descobrimento d'estas nuvens, diz: Assecuti sunt +portucalenses alterius poli gradum quinquagesimum amplius ubi punctum +circumeuntes <em>quas dam nubeculas</em> licet intueri veluti in lactea via +sparsos fulgores per universi c½li globum intra spatii latitudinem.<a +name="tex2html16" href="#foot409"><sup>[16]</sup></a></p> + +<p>Ao nome de nuvens do cabo, por que as conheceram os pilotos portuguezes +primeiro que os hollandezes e dinamarquezes, prevaleceu o nome de Magalhães, +com que a sciencia as designou, e n'isto vai honra á memoria do arrojado +navegador portuguez que, não tendo a fortuna de receber em vida o premio do +extraordinario descobrimento, teve a invejavel gloria de deixar o seu nome +gravado nos mares e nos céos, como os deuses da Mythologia.<span +class="pn">{147}</span></p> + +<p>D'estes conta a fabula, mas d'aquelle fala a historia humana.</p> + +<p>É bom recordar estas glorias que, sendo de um homem, são da humanidade em +geral e d'este velho e glorioso paiz em especial, porque Fernão de Magalhães +era portuguez.<span class="pn">{148}</span></p> + +<div class="rodape"> +<p><a name="foot407" href="#tex2html13"><sup>[13]</sup></a> <em>Collecion de +documentos inéditos para la historia de España</em>, tom. I, p. 247.</p> + +<p><a name="foot408" href="#tex2html14"><sup>[14]</sup></a> <em>Cosmos</em> T. +I pag. 451.</p> + +<p><a name="foot369" href="#tex2html15"><sup>[15]</sup></a> Obra citada.</p> + +<p><a name="foot409" href="#tex2html16"><sup>[16]</sup></a> <em>Oceanica.</em> +Dec. III lib. I, pag. 217, por Pedro Martyr de Anghiera.</p> +</div> + +<p> </p> + +<p> </p> +<h2>ERRATAS MAIS IMPORTANTES</h2> + +<table border="0" align="center" summary="Errata"> +<tr> + <td>Pag.</td> + <td>9</td> + <td>linha</td> + <td>1.ª</td> + <td>leia-se</td> + <td>circumdidiste</td></tr> +<tr> + <td>»</td> + <td>»</td> + <td>»</td> + <td>2.ª</td> + <td>»</td> + <td>circumdou</td></tr> +<tr> + <td>»</td> + <td>11</td> + <td>»</td> + <td>11.ª</td> + <td>»</td> + <td>dramaturgo</td></tr> +<tr> + <td>»</td> + <td>12</td> + <td>»</td> + <td>5.ª</td> + <td>»</td> + <td>serão proprios</td></tr> +<tr> + <td>»</td> + <td>20</td> + <td>»</td> + <td>5.ª</td> + <td>»</td> + <td>espiritos, adivinhando o que outros não comprehendem, são sempre o alvo da inveja dos maus a espicaçar</td></tr> +<tr> + <td>»</td> + <td>34</td> + <td>»</td> + <td>10.ª</td> + <td>»</td> + <td>persistencia</td></tr> +<tr> + <td>»</td> + <td>35</td> + <td>»</td> + <td>3.ª</td> + <td>»</td> + <td>permittido</td></tr> +<tr> + <td>»</td> + <td>46</td> + <td>»</td> + <td>5.ª</td> + <td>»</td> + <td>Martinho de Bohemia</td></tr> +<tr> + <td>»</td> + <td>51</td> + <td>»</td> + <td>25.ª</td> + <td>»</td> + <td>impellidas</td></tr> +<tr> + <td>»</td> + <td>55</td> + <td>»</td> + <td>19.ª</td> + <td>»</td> + <td>acariciado</td></tr> +<tr> + <td>»</td> + <td>59</td> + <td>»</td> + <td>6.ª</td> + <td>»</td> + <td>pestanejou</td></tr> +<tr> + <td>»</td> + <td>»</td> + <td>»</td> + <td>15.ª</td> + <td>»</td> + <td>permittir</td></tr> +<tr> + <td>»</td> + <td>61</td> + <td>»</td> + <td>9.ª</td> + <td>»</td> + <td>descoraçoados</td></tr> +<tr> + <td>»</td> + <td>68</td> + <td>»</td> + <td>4.ª</td> + <td>»</td> + <td><em>Santiago</em></td></tr> +<tr> + <td>»</td> + <td>69</td> + <td>»</td> + <td>3.ª</td> + <td>»</td> + <td>surprehendeu</td></tr> +<tr> + <td>»</td> + <td>»</td> + <td>»</td> + <td>27.ª</td> + <td>»</td> + <td><em>Santiago</em></td></tr> +<tr> + <td>»</td> + <td>71</td> + <td>»</td> + <td>5.ª</td> + <td>»</td> + <td><em>Santiago</em></td></tr> +<tr> + <td>»</td> + <td>73</td> + <td>»</td> + <td>13.ª</td> + <td>»</td> + <td>descoraçoados</td></tr> +<tr> + <td>»</td> + <td>80</td> + <td>»</td> + <td>9.ª</td> + <td>»</td> + <td>oppusesse</td></tr> +<tr> + <td>»</td> + <td>81</td> + <td>»</td> + <td>19.ª</td> + <td>»</td> + <td>superstição invadia</td></tr> +<tr> + <td>»</td> + <td>82</td> + <td>»</td> + <td>15.ª</td> + <td>»</td> + <td><em>Santiago</em></td></tr> +<tr> + <td>»</td> + <td>»</td> + <td>»</td> + <td>19.ª</td> + <td>»</td> + <td>em imminente perigo</td></tr> +<tr> + <td>»</td> + <td>»</td> + <td>»</td> + <td>29.ª</td> + <td>»</td> + <td><em>Santiago</em></td></tr> +<tr> + <td>»</td> + <td>89</td> + <td>»</td> + <td>16.ª</td> + <td>»</td> + <td>aquelles cetaceos</td></tr> +<tr> + <td>»</td> + <td>102</td> + <td>nota </td> + <td></td> + <td>»</td> + <td><em>Les Philippines</em></td></tr> +<tr> + <td>»</td> + <td>108</td> + <td>linha</td> + <td>11.ª</td> + <td>»</td> + <td>desembarcaram</td></tr> +</table> + +<p><span class="pn">{149}<br>{150}</span></p> + +<p> </p> + +<p style="text-align: center; font-size: 1.2em;">EMPREZA DO OCCIDENTE</p> + +<p style="text-align: center; font-size: 0.8em;">DE</p> + +<p style="text-align: center;">CAETANO ALBERTO</p> +<p style="text-align: center;">——</p> + +<p style="text-align: center; font-size: 1.2em;">CATALOGO DE ALGUMAS OBRAS Á VENDA</p> + +<p style="text-align: center; font-size: 1.5em;">O OCCIDENTE</p> + +<p style="text-align: center; font-size: 0.8em;"><em>Revista Illustrada de Portugal e do Extrangeiro</em></p> + +<p>Publicação tri-mensal—Assignatura permanente. Preço para Portugal, anno +3$800, semestre 1$900, trimestre 950, numero avulso ou á entrega 120 réis. +Colonias portuguezas d'Africa, anno 4$000, semestre 2$000. Extrangeiro, anno +5$000, semestre 2$500 réis. Está no 21.º anno de publicação. Vendem-se +collecções e volumes isolados. Preços dos 3 primeiros volumes, cada um 3$000 +brochado, e 4$000 encadernado. Os volumes seguintes ou desde 1881 até ao +presente: cada um 4$000 brochado, 5$000 encadernado.</p> + +<p style="text-align: center; font-size: 1.2em;">A campanha d'Africa contada por um sargento</p> + +<p>Illustrada com 40 gravuras, retratos dos heroes da campanha, vistas e +combates 1 vol. 300 réis—pelo correio 320. Encadernado em percaline 500 reis. +</p> + +<p style="text-align: center; font-size: 1.2em;">AVENTURAS DE UMA NOVIÇA</p> + +<p>Versão de Esteves Pereira, illustrado com o retrato da Heroina. 1 vol. 200 +réis.</p> + +<p style="text-align: center; font-size: 1.2em;">LIVROS PARA RIR</p> + +<p><em>Sapatos de Defuncto</em>, por Leite Bastos, illustrações de Manuel de +Macedo e Caetano Alberto, 1 vol. edição de luxo 600 réis.</p> + +<p><em>Viagem à roda da Parvónia</em>, pelo commendador Gil Vaz, illustrações +de Manuel de Macedo—1 vol. 500 réis.</p> + +<p><em>O Nariz do Tabellião</em>, por E. About, traducção de Pin-Sél, +illustrado com uma capa a côres—1 vol. 200 réis.</p> + +<p style="text-align: center; font-size: 1.2em;">DICCIONARIO DAS SEIS LINGUAS</p> + +<p>Francez-Portuguez e Portuguez-Francez.</p> + +<p>Francez-Allemão e Allemão-Francez.</p> + +<p>Francez-Hespanhol e Hespanhol Francez.</p> + +<p>Francez-Inglez e Inglez-Francez.</p> + +<p>Francez-Italiano e Italiano-Francez.</p> + +<p>Um só volume comprehendendo 80 fasciculos de 16 pag. 8.º port.</p> + +<p>Em publicação cada fasciculo 30 réis.</p> +</div> + +<hr style="border: 0; border-bottom: solid 2px #000; width: 80%;"> + +<p style="text-align: center; font-size: 0.8em;">Typ. de A. E. Barata.—Rua Nova do Loureiro, 25 a 39</p> + + + + + + + +<pre> + + + + + +End of the Project Gutenberg EBook of Descobrimento das Filippinas pelo +navegador portuguez Fernão de Magalhães, by Caetano Alberto + +*** END OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK DESCOBRIMENTO DAS FILIPPINAS *** + +***** This file should be named 29243-h.htm or 29243-h.zip ***** +This and all associated files of various formats will be found in: + https://www.gutenberg.org/2/9/2/4/29243/ + +Produced by Pedro Saborano (produced from scanned images +of public domain material from Google Book Search) + + +Updated editions will replace the previous one--the old editions +will be renamed. + +Creating the works from public domain print editions means that no +one owns a United States copyright in these works, so the Foundation +(and you!) can copy and distribute it in the United States without +permission and without paying copyright royalties. Special rules, +set forth in the General Terms of Use part of this license, apply to +copying and distributing Project Gutenberg-tm electronic works to +protect the PROJECT GUTENBERG-tm concept and trademark. Project +Gutenberg is a registered trademark, and may not be used if you +charge for the eBooks, unless you receive specific permission. If you +do not charge anything for copies of this eBook, complying with the +rules is very easy. You may use this eBook for nearly any purpose +such as creation of derivative works, reports, performances and +research. They may be modified and printed and given away--you may do +practically ANYTHING with public domain eBooks. Redistribution is +subject to the trademark license, especially commercial +redistribution. + + + +*** START: FULL LICENSE *** + +THE FULL PROJECT GUTENBERG LICENSE +PLEASE READ THIS BEFORE YOU DISTRIBUTE OR USE THIS WORK + +To protect the Project Gutenberg-tm mission of promoting the free +distribution of electronic works, by using or distributing this work +(or any other work associated in any way with the phrase "Project +Gutenberg"), you agree to comply with all the terms of the Full Project +Gutenberg-tm License (available with this file or online at +https://gutenberg.org/license). + + +Section 1. General Terms of Use and Redistributing Project Gutenberg-tm +electronic works + +1.A. By reading or using any part of this Project Gutenberg-tm +electronic work, you indicate that you have read, understand, agree to +and accept all the terms of this license and intellectual property +(trademark/copyright) agreement. If you do not agree to abide by all +the terms of this agreement, you must cease using and return or destroy +all copies of Project Gutenberg-tm electronic works in your possession. +If you paid a fee for obtaining a copy of or access to a Project +Gutenberg-tm electronic work and you do not agree to be bound by the +terms of this agreement, you may obtain a refund from the person or +entity to whom you paid the fee as set forth in paragraph 1.E.8. + +1.B. "Project Gutenberg" is a registered trademark. It may only be +used on or associated in any way with an electronic work by people who +agree to be bound by the terms of this agreement. There are a few +things that you can do with most Project Gutenberg-tm electronic works +even without complying with the full terms of this agreement. See +paragraph 1.C below. There are a lot of things you can do with Project +Gutenberg-tm electronic works if you follow the terms of this agreement +and help preserve free future access to Project Gutenberg-tm electronic +works. See paragraph 1.E below. + +1.C. The Project Gutenberg Literary Archive Foundation ("the Foundation" +or PGLAF), owns a compilation copyright in the collection of Project +Gutenberg-tm electronic works. Nearly all the individual works in the +collection are in the public domain in the United States. If an +individual work is in the public domain in the United States and you are +located in the United States, we do not claim a right to prevent you from +copying, distributing, performing, displaying or creating derivative +works based on the work as long as all references to Project Gutenberg +are removed. Of course, we hope that you will support the Project +Gutenberg-tm mission of promoting free access to electronic works by +freely sharing Project Gutenberg-tm works in compliance with the terms of +this agreement for keeping the Project Gutenberg-tm name associated with +the work. You can easily comply with the terms of this agreement by +keeping this work in the same format with its attached full Project +Gutenberg-tm License when you share it without charge with others. + +1.D. The copyright laws of the place where you are located also govern +what you can do with this work. Copyright laws in most countries are in +a constant state of change. If you are outside the United States, check +the laws of your country in addition to the terms of this agreement +before downloading, copying, displaying, performing, distributing or +creating derivative works based on this work or any other Project +Gutenberg-tm work. The Foundation makes no representations concerning +the copyright status of any work in any country outside the United +States. + +1.E. Unless you have removed all references to Project Gutenberg: + +1.E.1. The following sentence, with active links to, or other immediate +access to, the full Project Gutenberg-tm License must appear prominently +whenever any copy of a Project Gutenberg-tm work (any work on which the +phrase "Project Gutenberg" appears, or with which the phrase "Project +Gutenberg" is associated) is accessed, displayed, performed, viewed, +copied or distributed: + +This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with +almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or +re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included +with this eBook or online at www.gutenberg.org + +1.E.2. If an individual Project Gutenberg-tm electronic work is derived +from the public domain (does not contain a notice indicating that it is +posted with permission of the copyright holder), the work can be copied +and distributed to anyone in the United States without paying any fees +or charges. If you are redistributing or providing access to a work +with the phrase "Project Gutenberg" associated with or appearing on the +work, you must comply either with the requirements of paragraphs 1.E.1 +through 1.E.7 or obtain permission for the use of the work and the +Project Gutenberg-tm trademark as set forth in paragraphs 1.E.8 or +1.E.9. + +1.E.3. If an individual Project Gutenberg-tm electronic work is posted +with the permission of the copyright holder, your use and distribution +must comply with both paragraphs 1.E.1 through 1.E.7 and any additional +terms imposed by the copyright holder. Additional terms will be linked +to the Project Gutenberg-tm License for all works posted with the +permission of the copyright holder found at the beginning of this work. + +1.E.4. Do not unlink or detach or remove the full Project Gutenberg-tm +License terms from this work, or any files containing a part of this +work or any other work associated with Project Gutenberg-tm. + +1.E.5. Do not copy, display, perform, distribute or redistribute this +electronic work, or any part of this electronic work, without +prominently displaying the sentence set forth in paragraph 1.E.1 with +active links or immediate access to the full terms of the Project +Gutenberg-tm License. + +1.E.6. You may convert to and distribute this work in any binary, +compressed, marked up, nonproprietary or proprietary form, including any +word processing or hypertext form. However, if you provide access to or +distribute copies of a Project Gutenberg-tm work in a format other than +"Plain Vanilla ASCII" or other format used in the official version +posted on the official Project Gutenberg-tm web site (www.gutenberg.org), +you must, at no additional cost, fee or expense to the user, provide a +copy, a means of exporting a copy, or a means of obtaining a copy upon +request, of the work in its original "Plain Vanilla ASCII" or other +form. Any alternate format must include the full Project Gutenberg-tm +License as specified in paragraph 1.E.1. + +1.E.7. Do not charge a fee for access to, viewing, displaying, +performing, copying or distributing any Project Gutenberg-tm works +unless you comply with paragraph 1.E.8 or 1.E.9. + +1.E.8. You may charge a reasonable fee for copies of or providing +access to or distributing Project Gutenberg-tm electronic works provided +that + +- You pay a royalty fee of 20% of the gross profits you derive from + the use of Project Gutenberg-tm works calculated using the method + you already use to calculate your applicable taxes. The fee is + owed to the owner of the Project Gutenberg-tm trademark, but he + has agreed to donate royalties under this paragraph to the + Project Gutenberg Literary Archive Foundation. Royalty payments + must be paid within 60 days following each date on which you + prepare (or are legally required to prepare) your periodic tax + returns. Royalty payments should be clearly marked as such and + sent to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation at the + address specified in Section 4, "Information about donations to + the Project Gutenberg Literary Archive Foundation." + +- You provide a full refund of any money paid by a user who notifies + you in writing (or by e-mail) within 30 days of receipt that s/he + does not agree to the terms of the full Project Gutenberg-tm + License. You must require such a user to return or + destroy all copies of the works possessed in a physical medium + and discontinue all use of and all access to other copies of + Project Gutenberg-tm works. + +- You provide, in accordance with paragraph 1.F.3, a full refund of any + money paid for a work or a replacement copy, if a defect in the + electronic work is discovered and reported to you within 90 days + of receipt of the work. + +- You comply with all other terms of this agreement for free + distribution of Project Gutenberg-tm works. + +1.E.9. If you wish to charge a fee or distribute a Project Gutenberg-tm +electronic work or group of works on different terms than are set +forth in this agreement, you must obtain permission in writing from +both the Project Gutenberg Literary Archive Foundation and Michael +Hart, the owner of the Project Gutenberg-tm trademark. Contact the +Foundation as set forth in Section 3 below. + +1.F. + +1.F.1. Project Gutenberg volunteers and employees expend considerable +effort to identify, do copyright research on, transcribe and proofread +public domain works in creating the Project Gutenberg-tm +collection. Despite these efforts, Project Gutenberg-tm electronic +works, and the medium on which they may be stored, may contain +"Defects," such as, but not limited to, incomplete, inaccurate or +corrupt data, transcription errors, a copyright or other intellectual +property infringement, a defective or damaged disk or other medium, a +computer virus, or computer codes that damage or cannot be read by +your equipment. + +1.F.2. LIMITED WARRANTY, DISCLAIMER OF DAMAGES - Except for the "Right +of Replacement or Refund" described in paragraph 1.F.3, the Project +Gutenberg Literary Archive Foundation, the owner of the Project +Gutenberg-tm trademark, and any other party distributing a Project +Gutenberg-tm electronic work under this agreement, disclaim all +liability to you for damages, costs and expenses, including legal +fees. YOU AGREE THAT YOU HAVE NO REMEDIES FOR NEGLIGENCE, STRICT +LIABILITY, BREACH OF WARRANTY OR BREACH OF CONTRACT EXCEPT THOSE +PROVIDED IN PARAGRAPH F3. YOU AGREE THAT THE FOUNDATION, THE +TRADEMARK OWNER, AND ANY DISTRIBUTOR UNDER THIS AGREEMENT WILL NOT BE +LIABLE TO YOU FOR ACTUAL, DIRECT, INDIRECT, CONSEQUENTIAL, PUNITIVE OR +INCIDENTAL DAMAGES EVEN IF YOU GIVE NOTICE OF THE POSSIBILITY OF SUCH +DAMAGE. + +1.F.3. LIMITED RIGHT OF REPLACEMENT OR REFUND - If you discover a +defect in this electronic work within 90 days of receiving it, you can +receive a refund of the money (if any) you paid for it by sending a +written explanation to the person you received the work from. If you +received the work on a physical medium, you must return the medium with +your written explanation. The person or entity that provided you with +the defective work may elect to provide a replacement copy in lieu of a +refund. If you received the work electronically, the person or entity +providing it to you may choose to give you a second opportunity to +receive the work electronically in lieu of a refund. If the second copy +is also defective, you may demand a refund in writing without further +opportunities to fix the problem. + +1.F.4. Except for the limited right of replacement or refund set forth +in paragraph 1.F.3, this work is provided to you 'AS-IS' WITH NO OTHER +WARRANTIES OF ANY KIND, EXPRESS OR IMPLIED, INCLUDING BUT NOT LIMITED TO +WARRANTIES OF MERCHANTIBILITY OR FITNESS FOR ANY PURPOSE. + +1.F.5. Some states do not allow disclaimers of certain implied +warranties or the exclusion or limitation of certain types of damages. +If any disclaimer or limitation set forth in this agreement violates the +law of the state applicable to this agreement, the agreement shall be +interpreted to make the maximum disclaimer or limitation permitted by +the applicable state law. The invalidity or unenforceability of any +provision of this agreement shall not void the remaining provisions. + +1.F.6. INDEMNITY - You agree to indemnify and hold the Foundation, the +trademark owner, any agent or employee of the Foundation, anyone +providing copies of Project Gutenberg-tm electronic works in accordance +with this agreement, and any volunteers associated with the production, +promotion and distribution of Project Gutenberg-tm electronic works, +harmless from all liability, costs and expenses, including legal fees, +that arise directly or indirectly from any of the following which you do +or cause to occur: (a) distribution of this or any Project Gutenberg-tm +work, (b) alteration, modification, or additions or deletions to any +Project Gutenberg-tm work, and (c) any Defect you cause. + + +Section 2. Information about the Mission of Project Gutenberg-tm + +Project Gutenberg-tm is synonymous with the free distribution of +electronic works in formats readable by the widest variety of computers +including obsolete, old, middle-aged and new computers. It exists +because of the efforts of hundreds of volunteers and donations from +people in all walks of life. + +Volunteers and financial support to provide volunteers with the +assistance they need are critical to reaching Project Gutenberg-tm's +goals and ensuring that the Project Gutenberg-tm collection will +remain freely available for generations to come. In 2001, the Project +Gutenberg Literary Archive Foundation was created to provide a secure +and permanent future for Project Gutenberg-tm and future generations. +To learn more about the Project Gutenberg Literary Archive Foundation +and how your efforts and donations can help, see Sections 3 and 4 +and the Foundation web page at https://www.pglaf.org. + + +Section 3. Information about the Project Gutenberg Literary Archive +Foundation + +The Project Gutenberg Literary Archive Foundation is a non profit +501(c)(3) educational corporation organized under the laws of the +state of Mississippi and granted tax exempt status by the Internal +Revenue Service. The Foundation's EIN or federal tax identification +number is 64-6221541. Its 501(c)(3) letter is posted at +https://pglaf.org/fundraising. Contributions to the Project Gutenberg +Literary Archive Foundation are tax deductible to the full extent +permitted by U.S. federal laws and your state's laws. + +The Foundation's principal office is located at 4557 Melan Dr. S. +Fairbanks, AK, 99712., but its volunteers and employees are scattered +throughout numerous locations. Its business office is located at +809 North 1500 West, Salt Lake City, UT 84116, (801) 596-1887, email +business@pglaf.org. Email contact links and up to date contact +information can be found at the Foundation's web site and official +page at https://pglaf.org + +For additional contact information: + Dr. Gregory B. Newby + Chief Executive and Director + gbnewby@pglaf.org + + +Section 4. Information about Donations to the Project Gutenberg +Literary Archive Foundation + +Project Gutenberg-tm depends upon and cannot survive without wide +spread public support and donations to carry out its mission of +increasing the number of public domain and licensed works that can be +freely distributed in machine readable form accessible by the widest +array of equipment including outdated equipment. Many small donations +($1 to $5,000) are particularly important to maintaining tax exempt +status with the IRS. + +The Foundation is committed to complying with the laws regulating +charities and charitable donations in all 50 states of the United +States. Compliance requirements are not uniform and it takes a +considerable effort, much paperwork and many fees to meet and keep up +with these requirements. We do not solicit donations in locations +where we have not received written confirmation of compliance. To +SEND DONATIONS or determine the status of compliance for any +particular state visit https://pglaf.org + +While we cannot and do not solicit contributions from states where we +have not met the solicitation requirements, we know of no prohibition +against accepting unsolicited donations from donors in such states who +approach us with offers to donate. + +International donations are gratefully accepted, but we cannot make +any statements concerning tax treatment of donations received from +outside the United States. U.S. laws alone swamp our small staff. + +Please check the Project Gutenberg Web pages for current donation +methods and addresses. Donations are accepted in a number of other +ways including including checks, online payments and credit card +donations. To donate, please visit: https://pglaf.org/donate + + +Section 5. General Information About Project Gutenberg-tm electronic +works. + +Professor Michael S. Hart was the originator of the Project Gutenberg-tm +concept of a library of electronic works that could be freely shared +with anyone. For thirty years, he produced and distributed Project +Gutenberg-tm eBooks with only a loose network of volunteer support. + + +Project Gutenberg-tm eBooks are often created from several printed +editions, all of which are confirmed as Public Domain in the U.S. +unless a copyright notice is included. Thus, we do not necessarily +keep eBooks in compliance with any particular paper edition. + + +Most people start at our Web site which has the main PG search facility: + + https://www.gutenberg.org + +This Web site includes information about Project Gutenberg-tm, +including how to make donations to the Project Gutenberg Literary +Archive Foundation, how to help produce our new eBooks, and how to +subscribe to our email newsletter to hear about new eBooks. + + +</pre> + +</body> +</html> diff --git a/29243-h/images/fmagalhaes.png b/29243-h/images/fmagalhaes.png Binary files differnew file mode 100644 index 0000000..360eb52 --- /dev/null +++ b/29243-h/images/fmagalhaes.png diff --git a/29243-h/images/ilust1.png b/29243-h/images/ilust1.png Binary files differnew file mode 100644 index 0000000..3523ddb --- /dev/null +++ b/29243-h/images/ilust1.png diff --git a/29243-h/images/ilust2.png b/29243-h/images/ilust2.png Binary files differnew file mode 100644 index 0000000..5c9ecfa --- /dev/null +++ b/29243-h/images/ilust2.png diff --git a/29243-h/images/logo.png b/29243-h/images/logo.png Binary files differnew file mode 100644 index 0000000..20cd034 --- /dev/null +++ b/29243-h/images/logo.png diff --git a/LICENSE.txt b/LICENSE.txt new file mode 100644 index 0000000..6312041 --- /dev/null +++ b/LICENSE.txt @@ -0,0 +1,11 @@ +This eBook, including all associated images, markup, improvements, +metadata, and any other content or labor, has been confirmed to be +in the PUBLIC DOMAIN IN THE UNITED STATES. + +Procedures for determining public domain status are described in +the "Copyright How-To" at https://www.gutenberg.org. + +No investigation has been made concerning possible copyrights in +jurisdictions other than the United States. Anyone seeking to utilize +this eBook outside of the United States should confirm copyright +status under the laws that apply to them. diff --git a/README.md b/README.md new file mode 100644 index 0000000..3b25a3b --- /dev/null +++ b/README.md @@ -0,0 +1,2 @@ +Project Gutenberg (https://www.gutenberg.org) public repository for +eBook #29243 (https://www.gutenberg.org/ebooks/29243) |
