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+The Project Gutenberg EBook of A Revolução Portugueza: O 31 de Janeiro
+(Porto 1891), by Jorge de Abreu
+
+This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with
+almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or
+re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included
+with this eBook or online at www.gutenberg.org
+
+
+Title: A Revolução Portugueza: O 31 de Janeiro (Porto 1891)
+
+Author: Jorge de Abreu
+
+Release Date: July 22, 2009 [EBook #29484]
+
+Language: Portuguese
+
+Character set encoding: ISO-8859-1
+
+*** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK A REVOLUÇÃO PORTUGUEZA ***
+
+
+
+
+Produced by Pedro Saborano and the Online Distributed
+Proofreading Team at http://www.pgdp.net
+
+
+
+
+
+
+ BIBLIOTHECA HISTORICA
+ (POPULAR E ILLUSTRADA)
+ III
+
+ A Revolução
+ Portugueza
+
+ O 31 DE JANEIRO
+
+ *(Porto 1891)*
+ POR
+ JORGE D'ABREU
+
+ [Ilustração da capa: bandeira do Centro Democratico Federal]
+
+
+
+ 1912
+ EDIÇÃO DA CASA ALFREDO DAVID
+ ENCADERNADOR
+ _30-32, Rua Serpa Pinto, 34-36_
+ LISBOA
+
+
+
+
+BIBLIOTHECA HISTORICA
+(POPULAR E ILLUSTRADA)
+III
+
+A Revolução Portugueza
+
+O 31 DE JANEIRO
+
+
+
+
+ VOLUMES PUBLICADOS
+
+ I--HISTORIA DA REVOLUÇÃO FRANCEZA, por _F. Mignet_, 1.º volume.
+
+ II--HISTORIA DA REVOLUÇÃO FRANCEZA, 2.º volume.
+
+ III--A REVOLUÇÃO PORTUGUEZA--O 31 DE JANEIRO (PORTO 1891), por _Jorge
+ d'Abreu_.
+
+ NO PRÉLO
+
+ IV--A REVOLUÇÃO PORTUGUEZA--O 5 DE OUTUBRO
+ (LISBOA 1910), por _Jorge d'Abreu_.
+
+ V--A REVOLUÇÃO E A REPUBLICA HESPANHOLA (1868 A 1874), por _Victor
+ Ribeiro_.
+
+
+
+
+BIBLIOTHECA HISTORICA
+(POPULAR E ILLUSTRADA)
+
+A Revolução
+Portugueza
+
+O 31 DE JANEIRO
+
+(Porto 1891)
+
+POR
+
+JORGE D'ABREU
+
+Logotipo do editor
+
+1912
+
+EDIÇÃO DA CASA ALFREDO DAVID
+ENCADERNADOR
+_30-32, Rua Serpa Pinto, 34-36_
+LISBOA
+
+
+
+
+Composto e Impresso na Imprensa Libanio da Silva==Travessa do Falla-Só,
+24--Lisboa
+
+
+
+
+PALAVRAS DE UM SOLDADO
+
+*ao presidente do tribunal de guerra, no acto do julgamento:*
+
+
+... _Eu, meu senhor, não sei o que é a Republica, mas não póde deixar de
+ser uma cousa santa. Nunca na egreja sentí um calafrio assim. Perdí a
+cabeça então, como os outros todos. Todos a perdemos. Atirámos então as
+barretinas ao ar. Gritámos então todos:--Viva! viva, viva a Republica!_...
+
+ Do «Manifesto dos Emigrados da Revolução
+ do Porto de 31 de Janeiro de 1891.»
+
+
+
+
+O 31 DE JANEIRO
+
+(Porto 1891)
+
+
+
+
+CAPITULO I
+
+O movimento de 31 de janeiro filia-se no "ultimatum" de 1890
+
+
+A revolta militar de 31 de janeiro de 1891 caracterisou-se pela
+precipitação com que foi decidida e a pouca ou nenhuma reserva com que
+foi organisada. Durante mezes uma parte do paiz teve conhecimento quasi
+minucioso de que se conspirava contra a monarchia e que na conspiração
+entravam elementos de importancia recrutados na officialidade dos
+regimentos que a guarneciam. No emtanto a explosão patriotica, que na
+madrugada de 31 fez triumphar por algumas horas a bandeira verde e
+vermelha, surprehendeu muita gente porque apenas uma insignificante
+minoria não julgava extemporaneo o _rebentar da bomba_.
+
+A causa unica do movimento podemol-a filiar no _ultimatum_ de 1890. Por
+espaço d'um anno, a agitação popular, que essa chicotada diplomatica
+provocara nos primeiros instantes--agitação que, no dizer de João
+Chagas, trouxera pela primeira vez para a rua, a manifestarem-se,
+«homens graves e de chapeu alto»--por espaço d'um anno, repetimos,
+essa agitação minou profundamente diversas camadas sociaes e fez
+augmentar por uma forma extraordinaria o descontentamento da nação, a
+sua hostilidade contra o regimen monarchico e o soberano. Viu-se
+claramente, n'esse momento grave da vida portugueza, que, ao
+substituir-se o ministerio abatido pelo _ultimatum_, o novo governo
+procurara antes de mais nada deitar uma escóra ao throno, desprezando em
+absoluto as reclamações do povo, a sua grita sedenta de justiça.
+Calcára-se a patria para sustentar no poder o monarcha brigantino. A
+dignidade da nação, o seu anceio fervoroso de que o _ultimatum_
+obrigasse a politica governativa a mudar de processos, a trabalhar com
+seriedade, uma e outro foram espesinhados pelo empenho dos aulicos da
+monarchia em precavel-a da marcha progressiva das ideias democraticas.
+D'ahi o exodo para o partido republicano de muitos dos homens que até
+então tinham tentado servir os partidos monarchicos com boa fé e dedicação.
+
+Mais adeante desenvolveremos, na medida do possivel, esse periodo da
+historia contemporanea, cujos incidentes, voltamos a affirmal-o, fizeram
+germinar o pensamento da revolta e contribuiram directamente para que
+ella rebentasse no Porto no dia 31 de janeiro de 1891. Por agora
+limitaremos o nosso papel de modesto e desataviado chronista da
+Revolução Portugueza a descrever o que occorreu em Lisboa mal se soube
+da momentanea victoria das armas republicanas. É interessante recordar
+as horas de mortifera espectativa que a capital soffreu, emquanto a
+varias leguas de distancia um troço de valentes se fazia massacrar pela
+chamada _guarda pretoriana_.
+
+
+Nas vesperas da revolta, os jornaes de Lisboa ainda reflectiam quasi
+toda a indignação e a celeuma causadas pelo _ultimatum_. A poucas horas
+de ser iniciado o movimento, os _Pontos nos ii_ inseriam uma pagina
+faiscante de Bordallo Pinheiro, intitulada _A maldita questão ingleza_.
+As perseguições a differentes officiaes do exercito succediam-se com uma
+pertinacia feroz. No dia 30 de janeiro, um jornal, alludindo á que fôra
+movida ao alferes de caçadores 9 (aquartelado no Porto) Simões Trindade,
+salientava o facto curioso d'esse official ter sido, em 27 d'aquelle
+mez, mandado apresentar _immediatamente_ no quartel general da
+respectiva divisão; depois, d'ahi, mandado seguir, _immediatamente_,
+para o ministerio da guerra; d'aqui apresentado _immediatamente_ no
+quartel general da 1.ª divisão, onde tinham acabado por lhe dar uma guia
+afim de se apresentar, _immediatamente_ tambem, no regimento de
+infantaria 24, aquartelado em Pinhel. Os jornaes do Porto, confirmando
+esse furor persecutorio, accrescentavam que a violencia das auctoridades
+militares incidia especialmente sobre os officiaes inferiores.
+
+Surgiu a manhã de 31 e com ella principiaram a circular em Lisboa os
+boatos alarmantes. Um d'elles, talvez o primeiro e o que mais
+consistencia adquiriu desde logo no espirito do publico, dizia:
+
+
+_No Porto, ás seis horas, os regimentos de caçadores 9 e infantaria 10 e
+parte de infantaria 18, sahindo dos quarteis, dirigiram-se á praça da
+Regeneração, soltando vivas á Republica. O movimento tende a
+alastrar-se. A guarda municipal quiz oppôr-se-lhe; mas, depois d'uma
+descarga dada por caçadores 9, e da qual morreram 12 soldados d'aquella
+guarda, os outros adheriram aos revoltosos._
+
+
+A seguir, correu que a primeira auctoridade militar do Porto pedira de
+madrugada reforço á _guarda pretoriana_, mas que ella se recusara
+peremptoriamente a combater as tropas sublevadas. Dizia-se tambem que
+toda a guarnição se solidarisara com os insurrectos.
+
+Estas e outras noticias, como é de comprehender, lançaram na capital uma
+agitação indescriptivel. Os primeiros momentos foram, sem duvida, de
+confusão e de panico. Ás 7 da manhã, o ministerio já estava reunido e
+procurava, não sem difficuldade, tomar contacto com a situação. Ás 8,
+eram chamados ao paço da Ajuda o presidente do conselho e o general
+Moreira, commandante das guardas municipaes. D'um extremo ao outro da
+cidade, desfilavam vertiginosamente as ordenanças, os correios, e a
+população, despertada pelo annuncio retumbante d'esse golpe de audacia
+republicana, espreitava curiosa a sequencia e o desfecho dos
+acontecimentos.
+
+Pouco depois das 8 horas, correu em Lisboa que um telegramma recebido no
+jornal o _Seculo_ affirmava estarem occupados pelos insurrectos todos os
+edificios publicos e que a população da capital do norte adherira em
+massa á obra iniciada pelo exercito. Era o triumpho completo da
+Revolução, o alvorecer radioso d'um novo regimen politico, interrompendo
+na nossa historia o desenrolar corrosivo da tyrannia monarchica. O
+governo, reunido, tentava com medidas successivas suffocar o incendio
+que lavrava no Porto. Os regimentos de infantaria recebiam ordem de
+partir para ali. O sr. Antonio Ennes, ministro da marinha, fazia-se
+conduzir ao Arsenal e ahi, em conferencia com o commandante geral da
+armada, exigia que os navios de guerra disponiveis seguissem sem demora
+a investir a cidade revoltada. O ministerio fremia de impaciencia e de
+terror. A familia real inquiria constantemente das diversas phases da
+insurreição. Os elementos avançados principiavam a respirar a atmosphera
+de liberdade trazida do Porto na lufada dos telegrammas optimistas.
+A alegria desenhava-se em quasi todos os rostos.
+
+Longas horas se passaram assim--horas de esperança, horas de espectativa
+anciosa--durante as quaes os boatos nunca cessaram de fervilhar. Contava
+no dia seguinte um jornalista que a confusão de momento era tal que os
+mesmos alviçareiros que espalhavam a noticia da victoria decisiva dos
+sublevados não tardavam d'ahi a instantes a divulgar o contrario. Para o
+paço de Belem havia desde manhã cedo enorme affluencia de personagens
+officiaes. «Desde os ministros, affirmou mais tarde um _reporter_, até
+os simples fidalgos cavalleiros, dos quaes vimos dois, fardados, irem em
+trem pôr-se ás ordens de D. Carlos, todos á porfia accorreram á regia
+morada.» A guarda do paço era n'esse dia de infantaria 2. Mas, apesar do
+reboliço que ia dentro do edificio, os soldados mostravam-se
+despreoccupados e no local--cá fóra--pouco se sabia da revolução. Os
+politicos, frequentadores da Arcada, andavam desvairados. Uns
+asseguravam que a população portuense, dirigida por officiaes de
+caçadores 9, arvorara a bandeira republicana no palacio da Bolsa; outros
+que infantaria 8, de Braga, e o 14, de Vizeu, tinham adherido ao
+movimento; outros ainda que a guarda municipal, fraternisando com os
+revoltosos, se apressara a soltar João Chagas, que então expiava na
+cadeia da Relação a condemnação imposta por um delicto de imprensa. Os
+que pareciam melhor informados accrescentavam a tudo isto que na
+madrugada de 30 de janeiro varios telegrammas cifrados haviam annunciado
+aos dirigentes da politica democratica o _estalar da bomba_. De Lisboa,
+por exemplo, tinham perguntado para o Porto: _Como vae o doente?_ Do
+Porto tinham respondido: _Deve morrer ámanhã_...
+
+
+Mas, ao começo da tarde, o optimismo cedeu o passo ao desalento. As
+agencias officiosas principiaram a falar em suffocação da revolta e em
+rendição de revoltados. Mudára a face das cousas. O paço animava-se, o
+governo cobrava sangue frio. O commandante da divisão militar com séde
+na capital do norte--o general Scarnichia--que na occasião se encontrava
+em Lisboa, tratando junto do ministerio da guerra das transferencias dos
+seus subordinados suspeitos de republicanismo, seguia ás 2 e 30 para o
+Porto n'um comboio especial. Uma parte das tropas que, tendo recebido
+ordem de marchar em soccorro da monarchia, já se agglomeravam nas
+estações de caminho de ferro, regressava a quarteis. Suspendiam-se por
+um mez as garantias em todo o districto do Porto e auctorisava-se a
+suspensão dos _jornaes perigosos_ ali e no resto do paiz. Evidentemente,
+a sublevação não lograra exito e o sangue derramado na manhã de 31
+servira apenas a registar uma infructifera tentativa de reacção contra a
+dynastia oppressora. A democracia fôra vencida pouco depois de ter
+vencido. A atmosphera voltava a carregar-se de violencia, de jugo
+tyrannico, e no horisonte já se descortinava que as represalias iam ser
+ferozes. Uma gazeta das mais populares da epoca, reconhecendo que, uma
+vez dominada a _sargentada_, o governo se apressaria sem duvida a
+esmagar a mais insignificante velleidade de resistencia, escrevia vinte
+e quatro horas apoz a derrota:
+
+
+«Á mercê do arbitrio é difficil poder-se viver; aguardemos melhores dias
+de liberdade e... calemo-nos.»
+
+
+Extincto o clarão redemptor, a imprensa--salvo raras excepções--ou
+vociferava tonitruante, enraivecida, contra os revoltosos, pedindo para
+os vencidos o maximo do castigo--até a pena de morte--ou se curvava
+resignada sob a ameaça do triumphador, disposta a supportar em silencio
+a desforra cruel que os vencedores procurariam abertamente tirar dos
+derrotados. O nucleo dirigente do partido republicano escrevia a poucas
+semanas dos acontecimentos:
+
+
+«O directorio cumpriu o seu dever, synthetisando as aspirações d'um
+partido; em vez de appellar para aventuras anarchicas, recommendou á
+imprensa republicana, aos conferentes e propagandistas a demonstração
+calma e justificada d'esses principios. (Alludia aos que tinham sido
+consignados no seu manifesto de 11 de janeiro de 1891).
+
+«Acceitando o mandato de acção, conferido pelo ultimo congresso, o
+directorio entendeu que consistia essa acção em repellir a mesquinha
+subserviencia que envolvia o partido em accordos com os grupos
+monarchicos e em conter as individualidades sem mandato, que,
+trabalhando sem disciplina, compromettiam o partido, como em seguida os
+acontecimentos o provaram.
+
+«As revoluções são factos inherentes ao organismo social; não é um grupo
+de homens que as fazem, como ou quando querem; mas compete a esse grupo
+dar-lhes pensamento e direcção quando sobrevenham.»
+
+
+Resumindo: o directorio entendia de boa politica não se responsabilisar
+pela tentativa mallograda e condemnava-a pelo que ella se lhe affigurava
+de desordenada e inopportuna. N'outra passagem do documento a que nos
+referimos affirmava que «a nação inteira julgara immediatamente o
+movimento de 31 de janeiro pela sua _inopportunidade_.» E no emtanto, a
+poucos dias da revolta, o mesmo directorio tinha espalhado profusamente
+esta opinião nitida e vigorosa:
+
+
+«No momento que atravessamos não ha logar para demonstrações theoricas
+nem para argumentar com os pedantocratas do constitucionalismo. Elles já
+deram as suas provas. Para a crise extrema um supremo remedio».
+
+
+Supremo remedio!... Que outro poderia ser, afinal, senão o iniciado na
+manhã de 31?
+
+
+
+
+CAPITULO II
+
+O primeiro rebate do conflicto diplomatico anglo-portuguez
+
+
+Precisemos os factos:
+
+O _ultimatum_ de 11 de janeiro de 1890 teve como pretexto a expedição do
+major Serpa Pinto na Africa Oriental. Antes d'ella já se falava
+vagamente na possibilidade d'um conflicto anglo-portuguez e porque em
+1889, nos fins do reinado de D. Luiz, tudo o que dependia da influencia
+ou da acção ministerial se inclinava a hostilisar--ainda que mais ou
+menos disfarçadamente--a Inglaterra e as cousas inglezas.
+
+Parece assente que aquelle soberano, levado talvez por considerações de
+ordem familiar, projectava lançar-se e lançar ostensivamente o paiz nos
+braços do imperio allemão, quebrando todos os laços intimos que, desde
+seculos, uniam a nacionalidade portugueza á Grã-Bretanha. D. Luiz e os
+seus ministros queriam mais: queriam amarrar á Allemanha o destino do
+nosso commercio vinicola e das nossas colonias--o primeiro ligado á
+França e as segundas relacionadas quasi todas com o dominio inglez.
+Tentou-se mesmo fazer derivar da França para a Allemanha a exportação
+dos vinhos nacionaes, com a organisação em Berlim d'um certamen,
+que, no fim de contas, nada deu de productivo.
+
+[Ilustração: Quartel de infantaria 18, e campo da Regeneração, onde se
+reuniram as tropas sublevadas na madrugada de 31 de janeiro]
+
+Mas o primeiro rebate d'essa hostilidade appareceu de fórma inilludivel
+em julho de 1889, quando o governo então no poder rescindiu o contracto
+de 14 de dezembro de 1883 (o contracto para a construcção do caminho de
+ferro de Lourenço Marques). Não diremos em absoluto que essa rescisão
+fosse apenas inspirada no desejo de ferir homens e interesses da
+Grã-Bretanha. A verdade, porém, é que muita gente quiz vêr logo no facto
+o ensejo propicio para o trespasse da mencionada concessão a um grupo de
+capitalistas allemães e essa suspeita surgiu clara e precisa na imprensa
+a mais ponderada e suave de termos. A Inglaterra, pela bocca dos seus
+orgãos jornalisticos, sentiu-se fundamente attingida com a medida tomada
+pelo governo portuguez e não tardou que désse largas a uma celeuma até
+certo ponto exagerada, mas comprehensivel em face das nossas manobras
+secretas com a chancellaria germanica.
+
+Os periodicos londrinos aconselharam acto continuo o governo inglez a
+enviar a Lourenço Marques uma esquadra, com o fim, diziam ironicamente,
+de «proteger os seus subditos ali ameaçados pela valentia de Portugal»,
+e embora um ou outro d'esses mesmos periodicos indicasse vagamente a
+arbitragem como um meio decente de liquidar o assumpto, o conjuncto
+d'elles não desafinava na sua exigencia de que deviamos soffrer uma
+punição significativa. Por alguns dias receiou-se, effectivamente, que o
+governo inglez seguisse o conselho da imprensa exaltada. Mas, como ainda
+não soara a hora para a diplomacia britannica nos mostrar que andavamos
+por caminho errado, pretendendo, nos pactos de alliança internacional,
+substituil-a pela Allemanha, as cousas foram atamancadas sem grande
+dispendio de dignidade e as nuvens negras, que já carregavam e
+entenebreciam o horisonte, perderam um pouco do seu aspecto ameaçador.
+
+O partido republicano, tendo seguido com interesse patriotico a marcha
+dos incidentes, não duvidou estigmatisar publicamente o projecto
+desvairado da monarchia ao procurar enredar a nacionalidade na teia
+emmaranhada d'um conflicto diplomatico. Os jornaes da epoca falam
+pormenorisadamente da campanha que esse partido então fez não só contra
+a projectada alliança luso-germanica mas, principalmente, contra a
+entrega do caminho de ferro de Lourenço Marques a um grupo allemão.
+
+Quando surdiu o _ultimatum_, ninguem hesitou em reconhecer que, se a
+patada do colosso de além Mancha era brutal, mesmo brutalissima, á
+monarchia e aos seus governos cabiam, entretanto, uma boa parte das
+culpas. Opinião identica expressou-a mais tarde João Chagas ao tratar do
+assumpto, de collaboração com o ex-tenente Coelho:
+
+
+«Estava-se em principios de janeiro sob uma situação presidida pelo
+sr. José Luciano de Castro e na qual detinha a pasta dos estrangeiros o
+sr. Henrique de Barros Gomes, quando os jornaes começaram referindo-se
+com insistencia á possibilidade d'um conflicto com a Inglaterra, a
+proposito das pretenções d'esta nação sobre os territorios do Nyassa,
+onde algumas expedições portuguezas de caracter scientifico operavam ao
+tempo. O facto pareceu novo e surprehendeu, se bem que tivesse origem
+antiga no plano de absorpção da Africa Austral e dos territorios
+sertanejos de Moçambique, principiado a executar-se em 1888, pelo
+tratado feito entre a Inglaterra e o potentado Lobengula no qual era
+comprehendido o territorio dos Mashonas, reivindicado por Portugal; e
+levado a cabo pelo tratado de 18 de maio de 1891, extorquido pelo
+governo britannico á invalidez portugueza.
+
+«O litigio, que veiu a liquidar-se desastrosamente pelo _ultimatum_ de
+11 de junho de 1890, pode dizer-se, começou então. Durante dois
+annos--forçoso é reconhecer para esclarecimento da historia e apuramento
+de responsabilidades--a Inglaterra oppôz ás pretenções de Portugal o
+_veto_ mais formal. Já em 1887, o marquez de Salisbury protestava contra
+os tratados, assignados e publicados, de Portugal com a Allemanha e a
+França, declarando não nos reconhecer o direito, que aquellas nações nos
+attribuiam, de exercermos jurisdicção em territorios d'Africa, onde não
+tinhamos occupação effectiva, e invocava, para justificar o seu
+protesto, as decisões da conferencia de Berlim.
+
+«Mais tarde, em 1888, sir James Fergusson pronunciava na Camara dos
+Communs um discurso que fez impressão em Portugal, mas nem por isso
+deixou de constituir uma negação severa, que o governo britannico
+officialmente apoiou, dos direitos de soberania, invocados pelo governo
+portuguez, sobre o sertão da Africa Oriental. Quando, apoz o tratado
+feito pela Inglaterra com o regulo Lobengulo, o governo portuguez quiz
+definir, por uma delimitação, a posse dos territorios da Africa Oriental
+(outubro de 1888) o governo britannico, presentindo que não chegaria a
+uma rapida conciliação, fez-lhe sentir, pelo ministro em Lisboa, sir
+George Petre, que o estado das relações entre os dois governos, no que
+se referia ás questões africanas, «estava longe de ser satisfatorio, e
+que uma prolongação d'esse estado podia conduzir a uma seria quebra de
+amizade entre os dois paizes.»
+
+
+Em janeiro de 1889, o marquez de Salisbury queixava-se ao representante
+de Portugal em Londres de que o governo lusitano tivesse feito partir
+para a Africa e com _destino mysterioso_ (aos territorios do Nyassa) a
+expedição do capitão tenente Antonio Maria Cardoso e avisava o diplomata
+portuguez «de que as boas relações dos dois paizes não podiam por muito
+tempo resistir ao perigo a que estavam sendo expostas». Essa expedição,
+á data da queixa do marquez de Salisbury, acampava no Monte Melange e
+luctava não só com as febres mas tambem com a falta de carregadores,
+parte dos quaes havia fugido. E facto curioso: emquanto o ministro
+inglez mostrava ao representante de Portugal apprehensões sobre o
+objectivo principal da expedição, «que lhe parecia ser o territorio
+occupado pelas missões e estações commerciaes inglezas», os indigenas da
+região atravessada por Antonio Maria Cardoso desfaziam-se em queixas
+contra os subditos britannicos, considerando-os d'uma tyrannia excepcional.
+
+Em resumo: os inglezes, antes mesmo de occorrer o facto que mais tarde
+invocaram como a causa directa do rompimento de relações com o nosso
+paiz, já preparavam o golpe, aproveitando todos os ensejos de insinuar
+na diplomacia portugueza a ideia de que cedo ou tarde rebentaria o
+conflicto e de que este seria motivado essencialmente pela nossa
+politica e a nossa acção na Africa Oriental. O _ultimatum_ de 1890
+surprehendeu até certo ponto a população portugueza. O mesmo não
+succedeu, por certo, aos governantes, que estavam fartos de saber que a
+Grã-Bretanha só espreitava o momento favoravel de nos enviar essa ameaça
+humilhadora.
+
+[Ilustração: Elias Garcia]
+
+Ha quem attribua ao ministro do gabinete progressista que mais de perto
+lidou com a diplomacia ingleza intenções criminosas. Cremos, porém, que
+isso é exagerado. O ministro em questão, o sr. Barros Gomes, deve antes
+talvez ser accusado de incompetencia e inhabilidade. As cousas
+ter-se-hiam naturalmente passado de modo diverso se, quando appareceu na
+tela da discussão diplomatica a contestação da Inglaterra aos direitos
+que Portugal affirmava ter em varios territorios da Africa Oriental, o
+ministro, longe de empregar processos dilatorios, houvesse sem perda de
+tempo sujeitado o litigio ao exame e decisão d'uma conferencia das
+potencias signatarias do Acto Geral de Berlim. Por outro lado, como a
+Inglaterra fundamentava a sua contestação em que esses territorios nunca
+tinham sido occupados d'um modo effectivo por Portugal nem soffrido a
+menor influencia civilisadora, ao governo da epoca incumbia
+logicamente desmentir com actos, e não com palavras, os argumentos
+utilisados pela poderosa Albion.
+
+Mas o ministro culpado entendeu dever manter até quasi ás vesperas do
+_ultimatum_ uma attitude de indecisão e de pusillanimidade e assim,
+quando se iniciou a occupação definitiva dos territorios contestados,
+lançando-se atravez d'Africa algumas expedições, todas ellas chocaram
+innumeros obstaculos que precipitaram logicamente o desfecho da questão.
+O ministro n'essa altura ainda quiz emendar a mão; era tarde, porém, e
+os erros diplomaticos por elle commettidos não permittiam já que se
+recorresse á arbitragem internacional. Portugal tinha que aguentar a pé
+firme e sem esquiva tudo o que a Grã-Bretanha sobre elle fizesse desabar.
+
+
+
+
+CAPITULO III
+
+Serpa Pinto, á frente de 6000 homens, derrota os makololos revoltados
+
+
+A expedição Serpa Pinto, já o dissemos, foi o rastilho que faz detonar a
+ameaça contida no _ultimatum_. Contemos como o caso se deu:
+
+A expedição tinha por mobil o affirmar a soberania de Portugal nos
+territorios do Nyassa, que o nosso paiz reivindicava. Commandava-a
+aquelle major do exercito e compunham-na varios funccionarios e
+technicos. O engenheiro chefe da missão de estudo era o sr. Pereira
+Ferraz. Em fins de 1899, Serpa Pinto, sahindo de Messanje em direcção a
+Quelimane, entregou-lhe o commando da expedição, emquanto outro
+funccionario, o sr. Themudo, seguia para Mupasso com parte da gente e as
+embarcações transportando bagagens e mantimentos. O sr. Pereira Ferraz
+acompanhado d'uns duzentos homens dirigiu-se para ali a encontrar o
+seu collega de missão--disposto a acampar defronte de Mupasso para
+seguir á risca as instrucções do commandante em chefe. Tratava-se, não é
+mau repetir, de pacificar a região, que alguns pretos insubordinados
+«animados por uma influencia estranha, tentavam revoltar contra nós».
+
+Os effeitos d'essa attitude hostil não se fizeram esperar. Logo que a
+expedição chegou em frente da aldeia dos makololos, viu-se fóra do
+recinto da povoação varios homens armados e «dentro appareceram por cima
+da palissada muitas cabeças, ao todo talvez uns duzentos negros promptos
+a entrar em combate». O sr. Pereira Ferraz fez signaes para parlamentar
+com o que parecia ser o chefe dos pretos, o qual lhe correspondeu
+fazendo signal para que se approximasse. O sr. Ferraz queria dizer-lhe
+que não ia disposto á guerra, portanto que deixassem passar a sua gente
+e cargas e que lhe daria um presente.
+
+
+«Não me deixou, porém--informa o mesmo engenheiro--o negro dizer nada
+d'isso, pois logo que nos viu ao alcance das espingardas de pederneira
+com que elle e os outros estavam armados, disparou sobre nós, fugindo
+para dentro do recinto, pelo que, chamando alguns dos nossos, que eu
+posso affirmar não passavam de 40, fizemos fogo sobre a povoação, que
+elles abandonaram com perda de 6 homens e umas 12 barricas de polvora,
+que explodiram no incendio que os landins lançaram ás palhotas da aldeia».
+
+
+Por aqui se vê que os pretos tinham o firme proposito de aggredir a
+expedição. Esta pouco depois era avisada de que os regulos Massêa,
+Catanga, Molidima, Caberenguene e os filhos do Chipitura haviam reunido
+e armado a sua gente e se tinham juntado a Melaure para baterem os
+nossos. Estas informações aterradoras, note-se, foram ministradas á
+expedição pelos inglezes Harry e George Petit, accrescentando-lhes que o
+Melaure tinha comsigo muita gente, muita polvora e 6:000 espingardas. Um
+e outro d'esses agentes britannicos correspondiam-se com aquelle regulo
+e, tendo o sr. Pereira Ferraz convidado ambos, para maior segurança das
+suas fazendas e vidas, a retirarem-se para a povoação portugueza de
+Natumbe, a dois dias de viagem ao sul de Mupasso, pondo ás suas ordens,
+para isso, as necessarias embarcações, responderam-lhe que preferiam
+antes ir _to up_, sahindo logo no dia immediato em direcção ao norte,
+tentando ainda assim e infructiferamente lançar o panico entre os
+auxiliares portuguezes.
+
+Os makololos, refeitos do primeiro embate, saltaram sobre a povoação
+portugueza de Samoane e, em territorio nosso, destruiram o caminho
+collimado e atravessaram n'elle espinheiros, dizendo que até ali tudo
+lhes pertencia e que matariam quem se atrevesse a collimar um palmo de
+terra d'ali para cima. Os indigenas de Samoane fugiram aterrados a
+acolher-se á protecção do sr. Pereira Ferraz e este engenheiro julgou
+mais prudente collocar-se em guarda e esperar reforços que pediu ao
+governador de Quelimane.
+
+[Ilustração: Encontro dos revoltosos com as tropas fieis ao Governo]
+
+Foi depois d'sto que o major Serpa Pinto, accudindo com mais gente á
+expedição e elevando o seu contigente a uns 6.000 homens armados,
+marchou sobre os negros revoltados e travou com elles em Mupasso
+sangrento combate. Os makololos deixaram mortos no campo uns 72 homens e
+muitos prisioneiros importantes. A expedição poz-se novamente em marcha
+apoz a victoria, que, diga-se desde já, teve no estrangeiro uma
+extraordinaria resonancia. Na Africa Oriental e principalmente na região
+sublevada o effeito não foi menor. O sultão Macanjira estabelecido nas
+margens do Nyassa prestou vassalagem a Portugal. O chefe M'ponda
+apressou-se tambem a imital-o; o regulo Malipuiri e outro visinho dos
+makololos foram a Quelimane receber a bandeira portugueza. Mas,
+emquanto isto succedia, o _Times_, dando conta do combate, fazia
+affirmações d'este theor: que o major Serpa Pinto enganara o consul
+inglez na região onde elle se travara, affirmando intenções pacificas,
+mas que, decorrido algum tempo, levantara conflicto com os makololos,
+fazendo n'elles grande morticinio e tomando-lhes duas bandeiras
+britannicas recentemente dadas por aquelle consul. Os makololos,
+julgando-se abandonados pelos inglezes, tinham então reconhecido a
+dominação portugueza. O major Serpa Pinto, accrescentava o _Times_,
+annunciara a intenção de conquistar o Chire até o lago Nyassa e
+convidara os residentes inglezes a collocarem-se debaixo da protecção de
+Portugal, tornando-os responsaveis pelas consequencias no caso de
+recusa. A imprensa franceza, por seu lado, occupando-se da victoria
+alcançada por Serpa Pinto, falava pouco mais ou menos n'estes termos: «a
+acção do major portuguez poz termo á comedia que a Inglaterra andava
+representando em Moçambique. Felicitamol-o por isso. Portugal deu um
+excellente exemplo. Esperamos que outras nações o saberão seguir na
+occasião opportuna para fazerem respeitar as espheras de influencia de
+cada um, e não permittirem as continuas invasões da Inglaterra no
+terreno alheio».
+
+A informação relativa ao combate transmittida pelo consul britannico em
+Zanzibar ao marquez de Salisbury, que se encontrava ao tempo em
+Hatfield, foi logo noticiada na imprensa londrina com o commentario de
+que lord Salisbury certamente não procederia com rapidez emquanto não
+recebesse pormenores do facto; que pediria primeiro explicações a
+Lisboa, e, se o governo portuguez lh'as não desse, chamaria a Londres o
+diplomata sr. Petre. D'ahi a dias surgiu, com effeito, a primeira
+reclamação da Inglaterra sobre a expedição Serpa Pinto. O marquez de
+Salisbury dirigiu ao governo portuguez uma nota que foi entregue ao sr.
+Barros Gomes pelo sr. Glynn Petre, ministro britannico em Lisboa. A
+nota, diziam n'essa occasião os telegrammas de Londres, tinha a forma de
+uma representação sobre a acção de Portugal na Africa do Sul e Oriental
+e pedia que o nosso governo repudiasse os actos do agente portuguez no
+districto da Zambezia. O marquez de Salisbury, affirmava-se, não usava
+de ameaças; a nota continha uma exposição de varios factos que
+asseverava terem occorrido e pedia a restauração do anterior _statu quo_
+na região em litigio; o governo inglez não podia permittir que fosse
+arriada a bandeira ingleza depois de arvorada por um representante
+responsavel. Outras informações diziam que a nota vinha redigida em
+termos correctos, embora o gabinete de Londres registasse,
+impressionado, as noticias recebidas pelo bispo Smythies, ácêrca de
+hostilidades a estabelecimentos inglezes por parte do major Serpa Pinto,
+acontecimentos que, afinal, não constavam no nosso paiz. Serpa Pinto, na
+verdade, objectava-se em Portugal, limitara-se a desembaraçar o caminho
+á expedição Ferraz perturbada pelos makololos e mais nada.
+
+Isto passava-se em 18 de dezembro de 1889. A nota do marquez de
+Salisbury referindo-se exclusivamente ao supposto ataque da expedição
+portugueza contra os makololos, e não fazendo menção alguma dos outros
+assumptos pendentes entre a Inglaterra e Portugal sobre as suas
+respectivas espheras de influencia na Africa do Sul e Oriental e pedindo
+ao sr. Barros Gomes uma resposta prompta, o mais rapida possivel, e, no
+caso do ataque se confirmar, a chamada a Lisboa do major Serpa Pinto; o
+ministro portuguez dos negocios estrangeiros replicou que as informações
+até á data recebidas não confirmavam as interpretações dadas pelo
+gabinete inglez aos actos do major, que «repellira sómente o ataque
+d'uma tribu hostil na bagagem da qual encontrara tres bandeiras
+inglezas». O sr. Barros Gomes terminava por pedir uma demora afim de
+poder communicar com o major Serpa Pinto. Entretanto, «para estar
+preparado para qualquer contingencia», o governo britannico decidia
+collocar as suas forças navaes proximo de Portugal. Persuadido de que «a
+reunião de barcos de guerra inglezes no Tejo augmentaria
+indefectivelmente a irritação dos portuguezes e entorpeceria a acção do
+governo lusitano nas suas negociações para o arranjo da questão relativa
+ao paiz do Nyassa», os couraçados britannicos receberam ordem de
+reunir-se em Gibraltar e de ahi se manterem «em expectativa dos
+acontecimentos futuros». Os navios destinados a essa empreza foram
+escolhidos entre os que formavam a esquadra do Mediterraneo. Os
+couraçados _Bendvor_ e _Colossus_, a 27 de dezembro, levantavam ferro de
+Malta com destino a Gibraltar. Em Malta tambem se encontravam as
+fragatas couraçadas _Agammenon_ e _Dreadnought_; em Edimburgo egualmente
+se preparavam outros navios.
+
+Em Portugal, no emtanto, percebiam-se os primeiros symptomas d'uma
+reacção forte contra o regimen. A imprensa democratica clamava
+altisonante que se a Revolução ainda se não tinha feito não era porque
+«o terreno fosse safaro, ou porque as vozes republicanas não
+encontrassem echo, mas apenas por motivos de ordem secundaria», que não
+cabiam ao momento discutir. «Comtudo estava provado que a realeza
+perdera o prestigio, que a dynastia de Bragança alienara todas as
+sympathias, que as instituições tinham cahido no descredito e que, por
+conseguinte, o povo desejava vida nova». E perguntava-se: «O que devemos
+á dynastia? Que principio superior anda ligado á existencia d'essa
+anachronica forma de governo? A Patria?... Oh! nós bem sabemos que,
+quando Portugal se quiz emancipar do jugo da monarchia hespanhola, quem
+mais conspirou contra a Patria foi o Bragança idiota, por quem os
+ingenuos combatentes de 1640 andavam expondo a vida; sabemos como esta
+funesta dynastia tem, pouco a pouco, em presentes de noivado e como
+premio de serviços contra a nação, entregado as nossas colonias aos
+inglezes; sabemos como, na hora do perigo para a nossa independencia,
+para a nossa honra nacional, o sr. D. João VI fugiu covardemente para o
+Brazil; sabemos como o pae do actual reinante (D. Luiz) escreveu umas
+cartas criminosas a Napoleão III, no intuito de se formar em seu
+proveito e da sua raça a união iberica. A Liberdade?... Não a suffocam,
+porque não podem. O Bragança, que aqui implantou o systema
+constitucional, fôra um despota no Brazil. Escorraçado de lá, como não
+podia apresentar-se em frente da monarchia tradiccional representada por
+seu irmão, em nome de outro principio deu-nos a constituição que, mais
+tarde, seu filho rasgou á vontade, abafando os clamores angustiosos da
+nação, com a intervenção das armas estrangeiras...»
+
+
+
+
+CAPITULO IV
+
+O governo progressista cede ante as exigencias da Grã-Bretanha
+
+
+Os primeiros dias de janeiro de 1890 ainda reflectiram as benignas
+razões dadas pelo sr. Barros Gomes ao governo inglez. Não se podia
+exauctorar Pereira Ferraz e Serpa Pinto--dizia o ministro e diziam
+alguns jornaes de Lisboa--prestando apenas credito ás informações dos
+funccionarios britannicos. Era necessario ouvir os dois
+expedicionarios e ouvir-lhes as allegações que, decerto, produziriam
+sobre a sua attitude em tão melindroso assumpto. Uma parte da imprensa
+acreditava até ingenuamente que a Inglaterra não tardaria a modificar o
+tom aggressivo das suas notas diplomaticas, substituindo-o por outro de
+feição conciliadora: «em primeiro logar, porque assim o quer o respeito
+devido por cada nação a todas as outras; em segundo logar, porque, se
+procurasse entregar á violencia a decisão d'um pleito em que devem ser
+ouvidos e escutados os argumentos de parte a parte e em que a justiça ou
+a equidade deve proferir sentença em unica instancia, não só concitaria
+a nossa resistencia mas, porventura, tambem provocaria a indignação do
+mundo». E essa parte da imprensa ia mesmo mais longe na sua ingenuidade:
+«A Grã-Bretanha sabe que, embora sejam enormes as suas forças comparadas
+com as nossas, poderia arriscar-se a revezes se desrasoadamente
+accendesse a guerra na Africa...»
+
+Ao abrir-se o parlamento, o rei D. Carlos, que, pela primeira vez, se
+apresentava a desempenhar o seu papel constitucional de «chave de todos
+os poderes», lendo o classico discurso da côroa, sublinhou estas
+passagens, que a assembleia dos representantes da nação escutou com rara
+e justificada avidez:
+
+
+«Recentemente as patrioticas aspirações da nação ingleza e do governo de
+sua magestade britannica, a dilatarem as suas vastas possessões na
+Africa, encontraram-se em mais d'um ponto d'esse continente, com o firme
+proposito de Portugal de conservar sob o seu dominio e de utilisar para
+a civilisação os territorios africanos que primeiro foram descobertos e
+trilhados pelos portuguezes, por elles foram revelados e abertos ás
+missões do christianismo e ás operações do commercio e nos quaes as
+auctoridades portuguezas teem praticado os actos de jurisdicção e
+influencia consentaneos ao estado social dos seus habitantes, actos que
+sempre bastaram para significar dominio incontestavel.
+
+«Este encontro poz em relevo desaccordos de opinião entre o meu governo
+e o de sua magestade britannica ácêrca das condições a que devem
+satisfazer e dos titulos que teem de adduzir as soberanias europeias em
+Africa, para serem reconhecidas pelas potencias, e d'esses desaccordos
+resultou uma correspondencia diplomatica que ainda os não poude sanar e
+que tambem houve de occupar-se de outras divergencias, posteriormente
+suscitadas, sobre o modo de apreciar um conflicto, occorrido nas margens
+do Chire, entre uma tribu indigena e uma expedição scientifica
+portugueza. O meu governo, inspirando-se no sentimento nacional e
+conformando-se com o voto unanime das duas casas do parlamento, tem
+diligenciado convencer o de sua magestade britannica do direito que
+assiste a Portugal de reger os territorios ao sul e norte do Zambeze
+sobre que versa a mencionada correspondencia, limitando-se, durante o
+incidente e em todos os seus termos, a manter dominios que sempre
+reivindicou, e reiterar declarações que sempre fez. E n'esta attitude
+persistirá com o apoio, que decerto lhe não ha de faltar, dos
+representantes da nação, esperando conseguir uma equitativa conciliação
+de todos os legitimos interesses, que promptamente restabeleça, como eu
+desejo, o perfeito accordo entre os governos de duas nações ligadas por
+vinculos de amizade e tradicções seculares».
+
+
+Pura illusão! No dia 5 de janeiro, o ministro inglez em Lisboa,
+rebatendo a asseveração do sr. Barros Gomes de que Serpa Pinto, travando
+combate com os makololos, se limitara a «repellir o ataque d'uma
+tribu hostil» escrevia-lhe notando que «essa asseveração não parecia ao
+seu governo de muito peso, pois que a acção dos makololos, quer tivessem
+ou não tomado a offensiva, fôra unicamente determinada pelo desejo de
+proteger o seu territorio contra a invasão dos portuguezes». A questão
+attingia, evidentemente, a sua phase aguda. O _Times_, referindo-se-lhe,
+dizia que, se a Inglaterra não tomasse promptas providencias «para
+apagar a impressão causada pelas incursões do major Serpa Pinto, toda a
+região dos Lagos Africanos se incendiaria; os makololos tinham visto a
+Inglaterra grosseiramente ultrajada; era necessario que a vissem
+reivindicar claramente a sua honra». Por outro lado, o governo
+portuguez, desejoso, sem duvida, de attenuar um pouco a irritação que o
+da Grã-Bretanha denunciara na nota de 5 de janeiro, havia ordenado a
+Serpa Pinto que recolhesse á metropole. Mas nem com isso o colosso
+amorteceu a pancada.
+
+O sr. Barros Gomes tentou então propôr a suspensão temporaria de
+qualquer procedimento e submetter o litigio ao exame e decisão d'uma
+conferencia internacional. Trabalho inutil. Á nota do dia 8 d'aquelle
+mez, em que o sr. Barros Gomes lamentava que a Inglaterra nunca tivesse
+reconhecido o direito historico constantemente affirmado por Portugal
+aos territorios do Chire e do Nyassa, a essa nota, o ministro Petre
+respondeu no dia 10 com um _memorandum_--guarda avançada da exigencia
+formal. «O governo britannico, frisava esse documento, precisa saber se
+foram ou não enviadas instrucções rigorosas ás auctoridades portuguezas
+em Moçambique com referencia aos actos de força e ao exercicio de
+jurisdicção que ali subsistem actualmente». E, quasi sem dar tempo a que
+a sr. Barros Gomes digerisse o tom comminatorio do _memorandum_, o
+ministro Petre entregou-lhe o famoso _ultimatum_ concebido n'estes termos:
+
+
+_O governo de sua magestade britannica não pode acceitar como
+satisfatorias ou sufficientes as seguranças dadas pelo governo
+portuguez, taes como as interpreta. O consul interino de sua magestade
+em Moçambique telegraphou, citando o proprio major Serpa Pinto, que a
+expedição estava ainda occupando o Chire e que Kalunga e outros logares
+mais no territorio dos makololos iam ser fortificados e receberiam
+guarnições. O que o governo de sua magestade deseja e em que insiste é
+no seguinte:_
+
+[Ilustração: Alves da Veiga (1891)]
+
+_Que se enviem ao governador de Moçambique instrucções telegraphicas
+immediatas para que todas e quaesquer forças militares actualmente no
+Chire e nos paizes dos makololos e mashonas se retirem. O governo de sua
+magestade entende que sem isto as seguranças dadas pelo governo
+portuguez são illusorias._
+
+_Mr. Petre ver-se-ha obrigado, á vista das suas instrucções, a deixar
+immediatamente Lisboa com todos os membros da sua legação, se uma
+resposta satisfatoria á precedente intimação não fôr por elle recebida
+esta tarde; o navio de sua magestade «Enchantress» está em Vigo
+esperando as suas ordens._
+
+
+O _ultimatum_ tinha a data de 11 de janeiro. No mesmo dia o sr. Barros
+Gomes entregava ao ministro inglez a resposta. Não a transcrevemos na
+integra, dada a sua extensão. Registem-se comtudo os seus pontos
+essenciaes. Abria pela declaração infantil de que o governo portuguez
+julgava ter, com a sua nota do dia 8, satisfeito «por inteiro quanto
+d'elle reclamava o de sua magestade britannica; antecipando-se á
+segurança d'uma justa reciprocidade, que devia constituir o natural
+preliminar das suas resoluções, apressara-se a enviar para Moçambique as
+ordens mais terminantes no sentido de fazer respeitar desde logo, em
+toda a provincia, o compromisso tomado, no intuito de facilitar a
+realisação d'um accordo com a Grã-Bretanha, pelo qual o governo
+portuguez sempre pugnara». A resposta do sr. Barros Gomes fechava assim:
+
+
+_Na presença d'uma ruptura imminente de relações com a Grã-Bretanha e de
+todas as consequencias que d'ella poderiam talvez derivar-se, o governo
+de sua magestade resolveu ceder ás exigencias recentemente formuladas e,
+resalvando por todas as formas os direitos da corôa de Portugal nas
+regiões africanas de que se trata, protestando bem assim pelo direito
+que lhe confere o artigo 12.º do Acto Geral de Berlim, de ver resolvido
+definitivamente o assumpto em litigio por uma mediação ou pela
+arbitragem, o governo de sua magestade vae expedir para o governador
+geral de Moçambique as ordens exigidas pela Grã-Bretanha. Aproveito a
+occasião para renovar a v. ex.ª as seguranças da minha alta
+consideração._
+
+
+Resumindo: se a intimação era cathegorica, e a ameaça do governo inglez
+resumava inilludivelmente o proposito de vexar, de humilhar o pequeno
+paiz ao qual ella se dirigia, a resposta não podia ser mais
+subserviente, apesar do fraco esboço de protesto com apoio no direito
+internacional consignado nas ultimas linhas do documento. Ao pontapé
+vibrado impiedosamente pela Inglaterra, Portugal offerecia uma curvatura
+de espinha só propria d'um lacaio... Custa dizel-o sem disfarce, mas é a
+verdade.
+
+A noticia do _ultimatum_ foi divulgada em Lisboa poucas horas depois do
+sr. Barros Gomes a ter recebido. No dia 12 de manhã, um jornal dos de
+maior circulação exclamava, em typo graúdo, no logar mais saliente da
+sua primeira pagina:
+
+
+«O governo inglez, o philantropico e honesto governo inglez, recorreu,
+emfim, ao argumento que lhe é usual nas discordias com os povos
+pequenos. Recorreu ao argumento da força! O governo portuguez recebeu
+uma intimação formal: ou dá promptas satisfações, n'um curto praso, que
+deveria ter terminado ás 2 horas da manhã de hoje, ou marcha sobre
+Lisboa a poderosa esquadra que está reunida em Gibraltar, com ordem de
+bombardear a capital de Portugal! Lisboa, a nossa querida e formosissima
+Lisboa, bombardeada pelos canhões da Inglaterra! A cidade de onde
+partiram os descobridores audazes que deram ao mundo--e no mundo mais
+que a nenhum outro povo, ao povo britannico--a America prodigiosa, e
+essa Asia, onde a Inglaterra tem o seu grande imperio, e essa Africa,
+por um ponto insignificante da qual se levanta o presente conflicto--a
+cidade dos navegadores heroicos e generosos, destruida a tiros de peça
+pelos couraçados da nação colonial por excellencia! É phantasticamente
+horrivel!
+
+«Que respondeu o governo? Salvou a sua honra, ou salvou a historia
+d'esta immensa vergonha, e Lisboa d'esta immensa catastrophe? Nada
+podemos averiguar. O ministerio esteve reunido até alta noite e do que
+decidiu só hoje, provavelmente, haverá conhecimento. A hora não é de
+recriminações. Aguardemos com serenidade e com firmeza o que o destino,
+a imprevidencia dos homens e a rapacidade d'uma nação egoista e
+desalmada nos preparam n'este momento solemne da nossa historia!»
+
+
+Estava lançado o rebate. O povo, a genuina massa do povo, não tardaria a
+entrar em scena, manifestando-se por uma fórma até então desconhecida
+pelos serventuarios da monarchia--explodindo indignação e sincero
+patriotismo. O partido republicano, firmando-se n'esse impulso da
+opinião, adquiria novo alento e preparava-se para ulteriores trabalhos
+de propaganda, mais forte, melhor orientada e, sobretudo, de maior
+efficacia.
+
+
+
+
+CAPITULO V
+
+O protesto contra o "ultimatum" echoa de norte a sul do paiz
+
+
+O domingo 12, isto é, o dia immediato ao da recepção do _ultimatum_,
+consagrou-o a população lisboeta a commentar o acontecimento. Uma parte
+da imprensa, fazendo o resumo do conflicto diplomatico que desfechara na
+affronta despedida pela Grã-Bretanha, accrescentava que, emquanto o
+ministro inglez sr. Petre entregava a intimação formal ao sr. Barros
+Gomes, este recebia do governador de Cabo Verde um telegramma
+communicando-lhe que entrara no porto de S. Vicente com carta de prego
+um cruzador britannico; o nosso consul em Gibraltar avisava-o, por
+seu turno, de que a esquadra do Canal lá estava concentrada, prompta ao
+primeiro aviso; o consul em Zanzibar tambem telegraphava participando a
+sahida para as costas de Moçambique de dez navios de guerra inglezes,
+acompanhados de um transporte com carvão e mantimentos. Perante esta
+situação, o governo consultara o conselho de Estado, que reunira sob a
+presidencia do rei D. Carlos. No conselho tinham votado pela satisfação
+ás exigencias da Inglaterra os srs. Barjona de Freitas, José Luciano de
+Castro, conde de S. Lourenço, Barros Gomes e João Chrysostomo. O sr.
+Antonio de Serpa manifestára-se pela arbitragem e por que só fossem
+mandadas retirar as forças portuguezas do Chire depois da Inglaterra a
+acceitar.
+
+Á tarde, apesar da excitação popular já ser bem visivel, o rei D. Carlos
+exhibiu-se em passeio na Avenida da Liberdade e seu irmão o infante D.
+Affonso percorreu á desfilada varios pontos da cidade, mostrando-se um e
+outro completamente alheiados do facto que enlutára a nação. Ao começo
+da noite formaram-se grupos numerosos no Rocio e como do Colyseu da rua
+da Palma sahisse, em certa altura, um cortejo de patriotas que soltavam
+calorosos vivas á nação, ao exercito e á imprensa e morras ao governo e
+á Inglaterra, os grupos addicionaram-se-lhes e uma enorme multidão
+dirigiu os passos para a Sociedade de Geographia. Ahi, d'uma das
+varandas, falou o sr. Luciano Cordeiro:
+
+--A Inglaterra, trovejou, pode expulsar-nos pela força, mas o direito
+subsiste! Precisamos protestar contra a pirataria britannica!...
+
+Mas, da multidão, elevaram-se outras vozes:
+
+--E contra o governo que nos atraiçoou! E contra os Braganças que nos
+jungiram á Inglaterra!...
+
+Depois, a grande massa dos manifestantes subiu á parte alta da cidade a
+saudar a imprensa, que se collocára abertamente ao lado do povo,
+verberando a affronta. As redacções do _Seculo_, _Revolução de
+Setembro_, _Jornal da Noite_, _Jornal do Commercio_, _Debates_, _Correio
+da Manhã_ e _Gazeta de Portugal_ foram alvo de manifestações de
+sympathia. Á passagem em frente da redacção do _Dia_, alguns dos
+populares deram palmas emquanto outros se limitaram a bradar: «Viva
+Portugal! Abaixo a Inglaterra!». Em frente ao _Correio da Noite_
+produziu-se uma manifestação hostil ao governo, manifestação que se
+repetiu junto do _Reporter_ e que redobrou de violencia em frente das
+_Novidades_, com morras ao sr. Emygdio Navarro, aos «progressistas
+traidores» e gritos de: «Abaixo o _chalet_! Viva a Republica!»
+
+Na rua Serpa Pinto, a multidão, lembrando-se do nome do official que
+derrotara os makololos, rompeu em estrepitosas acclamações em sua honra.
+O enthusiasmo attingiu proporções indescriptiveis. Do terceiro andar
+d'uma casa habitada por uma modista, falou um academico convidando os
+collegas a realisarem no dia seguinte um grande cortejo patriotico. Foi
+delirantemente applaudido. Da rua Serpa Pinto, a massa popular avançou
+depois sobre o theatro de S. Carlos e irrompeu na sala dando vivas á
+patria e clamando contra a Inglaterra. Os _habitués_ da nossa Opera,--_a
+jeunesse dorée_--tranzidos de pavor, não lhe oppuzeram a menor
+resistencia. Dentro e fora do edificio os manifestantes gritavam:
+
+--Hoje não é dia de espectaculo, é dia de luto!...
+
+Sahindo de S. Carlos, alguem lembrou que o consulado inglez era na rua
+das Flores. O rastilho propagou-se. N'um abrir e fechar d'olhos, a casa
+do consul foi apedrejada, arrancando-se da parede o respectivo escudo.
+Apedrejaram egualmente a residencia do sr. Barros Gomes. E, só quando a
+policia interveiu, prendendo 61 dos populares, é que a mole se
+desfez, mas preparando _in mente_ para o dia seguinte novas e incisivas
+manifestações de antipathia á Grã-Bretanha e ao governo que promptamente
+se lhe submettera. Entretanto, esse ministerio pedia a demissão, abalado
+pelos primeiros symptomas da reacção nacional. Para mais o movimento de
+protesto não se limitára a Lisboa. Repercutira de norte a sul do paiz,
+revelando energias civicas que desnorteavam por completo a corôa e os
+partidos da monarchia.
+
+
+No dia 13 de janeiro, os estudantes da capital effectuaram uma reunião
+na Escola Polytechnica, reunião a que compareceram os alumnos da Escola
+Naval, da Escola do Exercito e do Collegio Militar. Presidiu o sr.
+Hygino de Sousa e falaram varios oradores, todos elles estygmatisando
+com violencia a affronta ingleza e aconselhando a _boycottage_ aos
+productos da Grã-Bretanha. Um professor do lyceu de Lisboa, sr. Carlos
+de Mello, tentou, n'um discurso habil, defender o sr. Barros Gomes, mas
+a assembléa recebeu pessimamente as suas palavras e foi resolvido acto
+continuo que a academia se dirigisse á camara dos pares a pedir ao
+parlamento declarações terminantes que serenassem o espirito publico.
+Assim se fez e um cortejo de mais de quinze mil pessoas, sahindo da
+Escola Polytechnica, encaminhou-se para S. Bento.
+
+Á entrada do Largo das Côrtes, do lado do mercado, um cordão de policias
+pretendeu impedir a passagem aos manifestantes, mas o cortejo rompeu-o e
+tudo passou. A guarda do palacio chamou ás armas e calou bayonetas. Em
+frente do edificio, destacou-se do cortejo uma commissão que foi falar
+ao presidente da camara. A policia dentro e fora do edificio era em tão
+grande quantidade que Fialho d'Almeida soltou esta _boutade_:
+
+--Os seios da representação nacional trazem hoje espartilho de guarda
+civil...
+
+Os aspirantes de marinha, receiando que a massa de povo aglomerada no
+largo fosse maltratada pela força militar, formaram deante d'esta,
+offerecendo-lhe como que uma barreira, e a sua attitude provocou uma
+ovação extraordinaria, frenetica de enthusiasmo. D'ahi a momentos, a
+commissão que se avistara com o presidente da camara voltou para junto
+dos manifestantes, e communicou-lhes que o parlamento, tendo tomado em
+consideração a _démarche_ patriotica da academia, occupar-se-hia, na
+sessão seguinte, dos assumptos que interessavam a defeza e a integridade
+do paiz. O cortejo andou depois a percorrer varias ruas da cidade,
+pronunciando-se hostilmente em frente dos jornaes caracterisadamente
+governamentaes e á noite repetiram-se as scenas da vespera, queimando-se
+bandeiras inglezas, victoriando-se em delirio os nomes de Serpa Pinto,
+Latino Coelho e outros democratas então em evidencia.
+
+No dia 14, pelas seis e meia da tarde, sahiu do Café Aurea um grupo de
+estudantes soltando vivas á patria, á liberdade, á independencia
+nacional, ao exercito e á marinha. A esse grupo juntou-se na rua do Ouro
+e praça de D. Pedro muito povo e á porta do Café Martinho o antigo
+deputado progressista sr. dr. Eduardo de Abreu propoz à multidão que se
+envolvesse em crepes a estatua de Camões. Dito e feito. Os manifestantes
+enfiaram pela rua Nova do Carmo e o Chiado, explodindo sempre o maior
+enthusiasmo, aos degraus do monumento subiram alguns individuos,
+arranjou-se uma escada, passou-se o crepe em largas dobras rodeando a
+estatua e rematando sobre a corôa de ferro ali deposta pelos estudantes
+em 1880 e, no meio do mais respeitoso silencio, leu-se ao povo este
+cartaz, que foi depois affixado:
+
+[Ilustração: Na rua de Santo Antonio]
+
+
+_Estes crepes, que envolvem a alma da patria, são entregues á guarda do
+povo, do exercito e da alma nacional. Quem os arrancar ou mandar
+arrancar é o ultimo dos covardes vendido á Inglaterra._
+
+
+Uma prolongada e fremente salva de palmas acolheu a leitura d'este
+protesto, simples e curto, mas d'uma eloquencia esmagadora e o cortejo
+patriotico voltou, como nos dias anteriores, a percorrer as ruas de
+Lisboa, gritando febrilmente o seu desejo de liberdade e a revolta
+contra a ignominia com que a nação fôra aviltada. O ministerio
+progressista já tinha sido substituido por um outro de feição
+regeneradora, sob a presidencia do sr. Antonio de Serpa e em que
+figuravam pela primeira vez o sr. João Arroyo na pasta da marinha,
+João Franco na da fazenda e Vasco Guedes na da guerra. Um dos actos do
+novo governo, mal subiu ao poder, foi o de procurar reprimir todas as
+manifestações patrioticas inspiradas no _ultimatum_, mandando espadeirar
+dezenas de populares que na noite de 14 de janeiro desciam o Chiado
+desferindo as suas exclamações de odio á poderosa Albion. O inicio, como
+se vê, não podia ser mais promettedor de brutalidade e arbitrio.
+
+
+
+
+CAPITULO VI
+
+Serpa Pinto, heroe africano, perde o prestigio
+
+
+D'essa agitação imponente, d'essa inesperada revelação de civismo em
+face da humilhação inflingida ao paiz, sahira, porém, uma ideia, que,
+encontrando rapidamente o maior apoio em todas as classes manifestantes,
+em breve se traduziu n'uma aspiração nacional. Referimo-nos á
+subscripção da iniciativa dos alumnos da Escola Naval destinada á compra
+de meios de defeza maritima. De toda a parte acudiram donativos, e
+dentro de pouco tempo a commissão incumbida de os recolher e que tinha
+como secretario o sr. dr. Eduardo de Abreu, desligado do partido
+progressista e filiado, com Guerra Junqueiro, no partido republicano,
+houve de fazer as suas reuniões no salão do theatro D. Maria e de ali
+centralisar o trabalho que lhe estava affecto.
+
+Ao mesmo passo organisava-se a Liga Patriotica do Norte collocada sob a
+egide de Anthero de Quental; Alfredo Keil, imitando Rouget de Lysle,
+compunha o hymno a _Portugueza_, para o qual o sr. Lopes de Mendonça
+escrevia os versos e esse canto vulgarisava-se tanto ou mais que a
+_Marselheza_; faziam-se diariamente conferencias publicas de
+esclarecimento e de protesto; os nomes dos mais illustres
+africanistas andavam em todas as boccas aureolados de ruidosa
+celebridade. Houve mesmo uma epoca em que o de Serpa Pinto se ligou á
+narrativa d'um incidente sul-africano com proporções de feito heroico.
+Foi quando a imprensa deu publicidade á carta que elle dirigira ao
+agente britannico Buchanan que o intimara a não avançar pelas terras dos
+makololos, collocados sob a protecção do governo inglez. N'essa carta
+dizia Serpa Pinto:
+
+
+«Se na verdade os makololos estão debaixo da protecção do governo inglez
+e por conseguinte lhe obedecem, estou certo de que a minha passagem será
+facil e segura, porque o governo inglez, representado por v. ex.ª, só me
+póde dar facilidades, sendo eu d'um paiz que sempre teve abertas, franca
+e lealmente, as portas das suas colonias ás expedições scientificas
+inglezas, prestando-lhes todo o auxilio e amparo; mas, em todo o caso,
+se é verdade o que v. ex.ª, me diz, peço-lhe que convença os makololos
+de que a minha expedição é pacifica e scientifica, que lhes diga que
+pertenço a uma nação amiga da Inglaterra e que, portanto, não perturbem
+a minha marcha, perturbação a que v. ex.ª, n'esse caso, não pode ser
+considerado extranho; e assegurando-lhe que não posso consentir que um
+chefe negro queira disputar-me a passagem, ou fazer-me o mais
+insignificante insulto, asseguro, além d'isso, a v. ex.ª, que, se na
+minha entrada no territorio makololo eu fôr atacado, tomarei
+immediatamente a offensiva e acabarei de uma vez com essa causa
+constante de perturbação n'esta parte do Chire.»
+
+
+E n'outro paragrapho:
+
+
+«Emquanto á intimação que v. ex.ª me faz de não continuar no meu
+caminho, peço licença para lembrar a v. ex.ª que eu só recebo ordens
+do governo de sua magestade fidelissima, de quem as recebo directamente
+e, como não recebi ordem em contrario, continuarei, tenaz e
+pacificamente, a minha jornada, arvorando uma bandeira de paz e só de
+paz, mas prompto a repellir com energia quaesquer aggressões sem motivo
+que me possam ser feitas».
+
+
+Mas Serpa Pinto, longe de conservar esse favor popular, tornando-se o
+proeminente defensor das reivindicações da grande massa, optou, em
+breve, pelo serviço incondicional á corôa e essa attitude divorciou-o
+completamente do nucleo democratico, que o encarara durante algum tempo
+como uma das esperanças mais promettedoras. E, divorciado, perdeu o
+prestigio. Quando morreu, dez annos mais tarde, estava em absoluto
+esquecido. Continuemos, porém, a contar os episodios que caracterisaram
+essa phase de agitação nacional, consequencia do _ultimatum_.
+
+O sentimento da dignidade collectiva, despertando com extraordinaria
+vehemencia, produziu em todas as classes, até mesmo na aristocratica,
+uma reacção contra a Grã-Bretanha. O duque de Palmella, por exemplo,
+tendo renunciado ás condecorações inglezas que possuia, collocou-se á
+frente da commissão da subscripção patriotica; dos partidos monarchicos
+desertaram alguns homens dos mais eminentes; surgiu, emfim, uma nova
+imprensa, reflectindo, como diz João Chagas «não já os interesses
+especiaes do partido republicano, mas as coleras e os enthusiasmos do
+patriotismo, identificado com a republica para a missão commum da
+desaffronta».
+
+Fundou-se a _Patria_, jornal de estudantes de Lisboa, e, logo de
+entrada, essa folha, feita um pouco _à la diable_, investiu
+denodadamente contra o velho regimen, apaixonando em alto grau a
+opinião. N'ella se revelaram, entre outros politicos militantes, Brito
+Camacho e Hygino de Sousa. E a sua acção de propaganda foi tão intensa
+que a ella se deveu, sem duvida, uma grande parte da tensão
+revolucionaria mantida atravez do anno de 1890 e começo do anno seguinte.
+
+Aqui tem cabimento referir que o directorio do partido republicano,
+julgando azado o momento de sanccionar com a sua chancella a
+recrudescencia do partido democratico, publicou n'essa occasião um
+manifesto em que propunha a congregação dos esforços honestos no sentido
+de se rejuvenescer Portugal não só confiando-o ao novo regimen como
+protegendo-o internacionalmente por meio d'uma federação latina. Esse
+manifesto concluia assim:
+
+
+«Só a republica pode organisar o exercito e a marinha, fortificar
+Lisboa, administrar as colonias e defender a nação affrontada. A
+republica, no meio d'estes desastres publicos, está na consciencia de
+todos como o recurso definitivo da nossa estabilidade nacional. Da
+consciencia para os factos vae um momento. E esse momento approxima-se.»
+
+
+Por outras palavras: o directorio comprehendia, ou convencia-se, n'essa
+altura, de que a propaganda bem dirigida resultaria fatalmente na
+liquidação, dentro de curto praso, das instituições que envergonhavam o
+paiz. E se o trabalho no ambiente rubro dos centros politicos denunciava
+então uma actividade excepcional, fóra, na rua, auxiliavam-no, ainda que
+d'outro modo, as manifestações da grande massa, que não affrouxava em
+protestar energicamente contra o _ultimatum_ e a cobardia da familia
+brigantina.
+
+Dois dias a fio, um cortejo composto exclusivamente de marinheiros
+da armada appareceu n'alguns pontos de Lisboa, saudando
+enthusiasticamente a bandeira da patria e dando vivas á independencia
+nacional. O governo atemorisou-se com o facto e ameaçou os manifestantes
+de os encarcerar durante trinta dias. Ao mesmo tempo, a policia recebeu
+ordem de empregar maior violencia na dispersão dos grupos patrioticos.
+Uma coisa e outra, porém, não impediram que a onda de indignação se
+avolumasse e que frequentemente se produzissem incidentes demonstrando
+que o divorcio entre a nação e a dynastia se accentuava cada vez mais.
+N'um dos ultimos dias de janeiro, o Gremio Henriques Nogueira, tendo
+dirigido caloroso convite ao povo de Lisboa, organisou uma manifestação
+imponente que, em marcha correcta e digna pelas ruas da cidade, se
+dirigiu ás legações de França e Hespanha a agradecer á opinião dos dois
+paizes, a sympathia e a solidariedade moral dispensadas nas horas
+lutuosas da affronta ingleza. O gabinete regenerador, entretanto--muito
+embora todos os grupos politicos lhe tivessem offerecido apoio
+incondicional no respeitante á questão anglo-lusa--fazia dissolver o
+parlamento, collocando-se em verdadeira dictadura. O presidente do
+conselho, sr. Serpa Pimentel, e o ministro dos estrangeiros, o sr.
+Hintze Ribeiro, preparavam-se assim para negociar com a chancellaria
+britannica o accordo final, sanccionando a expoliação contida no
+_ultimatum_.
+
+Em 11 de fevereiro, repetiram-se na capital, e com maior intensidade, as
+scenas de agitação popular que haviam caracterisado os primeiros dias do
+mez anterior. Motivou-as a prohibição d'um comicio no colyseu da rua da
+Palma, em que se deveria «accordar nos meios de se enviar uma mensagem
+de congratulação e agradecimento ao povo francez e hespanhol e de se
+apreciar o pensamento e a opportunidade da liga portugueza
+anti-britannica como base dos trabalhos da federação dos povos
+latinos». Pouco antes, como corressem boatos de que o governo projectava
+dissolver a camara municipal de Lisboa, o presidente d'essa corporação,
+o sr. Fernando Palha, apressara-se a inquirir do chefe do governo os
+motivos de tão arbitraria resolução, tomando ao mesmo passo varias
+medidas tendentes a resistir-lhe caso ella fosse levada á pratica. O sr.
+Serpa Pimentel, apesar do decreto de dissolução já estar lavrado,
+receiou publical-o e respondeu ao sr. Fernando Palha que os boatos eram
+insubsistentes, calculando que, recuando n'essa altura da situação,
+poderia conjurar uma nova explosão de sentimentos patrioticos.
+
+No dia 11, á tarde, quando o povo se encaminhava para o colyseu da rua
+da Palma a assistir ao comicio, verificou-se que o governo não só
+decidira obstar á sua realisação como á d'um cortejo organisado pelo
+Gremio Henriques Nogueira, que se propunha, n'esse mesmo dia, collocar
+uma corôa no monumento a Camões. A policia e a municipal que
+estacionavam nas immediações do colyseu tinham modos provocadores. O
+povo, porém, conservou-se tranquillo e só ás 3 horas, quando se
+convenceu em absoluto de que a ordem do governo era irrevogavel, é que
+formou um cortejo, acompanhando na retirada do local os oradores que
+deviam falar no comicio: Jacintho Nunes, Manuel de Arriaga, Consiglieri
+Pedroso e outros. Chegado esse cortejo ao Rocio, Manuel de Arriaga, no
+intuito de fazer dispersar a multidão, subiu a um banco e dando um _viva
+á patria_, disse:
+
+--Povo: o governo sahiu da lei prohibindo a nossa reunião.
+Conservemo-nos dentro d'ella, protestando contra os que a violaram.
+
+O sr. Jacintho Nunes tambem proferiu algumas palavras no mesmo sentido.
+O povo, enthusiasmado, applaudiu os dois oradores. Mas não foi
+preciso mais para a policia iniciar as violencias e as prisões. As
+correrias dos guardas lançaram no recinto largos minutos de panico.
+Chamou-se ali, como reforço, um esquadrão de cavallaria. O povo
+recebeu-o com demonstrações de sympathia e os soldados desfilaram
+socegadamente, acompanhados dos vivas da multidão. Os primeiros presos
+foram Manuel de Arriaga e Jacintho Nunes. Depois a leva, comprehendendo
+uns 130 individuos, seguiu para o governo civil, d'onde, no dia
+immediato, foi mandada para bordo do _India_ e do _Vasco da Gama_.
+
+Assim que o facto constou na cidade, o commercio fechou meia porta e
+quasi todas as associações realisaram sessões de protesto. Reappareceram
+os incidentes tumultuosos, a população voltou a agitar-se, os jornaes
+democratas abriram subscripções em favor dos presos e, ás ameaças de
+novas e maiores violencias, o elemento popular respondeu approximando-se
+mais e mais dos vultos então em evidencia no partido republicano. A
+_Patria_, diario visado especialmente pelos serventuarios do regimen,
+escrevia a poucas horas de perpetrado o arbitrio governamental:
+
+
+«Consta-nos que da parte do governo ha todo o empenho em damnificar o
+nosso jornal e que se tomam providencias tendentes a supprimir a
+_Patria_ e bem assim prender os seus redactores. O publico fica de
+sobreaviso, na certeza de que todos os dias sahirá o nosso jornal com o
+nome que tem ou com qualquer outro, se lhe fôr inhibido usar o glorioso
+nome de _Patria_ que o encima. Não é com ameaças, levadas ou não a
+effeito, nem é com prisões ou detenções a bordo do _Africa_ que nos
+farão desistir da tarefa que nos impuzemos, porque, uns presos, outros
+virão, e quando esses forem presos outros virão ainda e a _Patria_
+apparecerá implacavelmente e o governo d'este paiz ha de aprender que
+não é com vilezas e processos de mão baixa que se combatem sentimentos
+grandes e generosos, que só anceiam pelo bem estar do seu paiz.»
+
+[Ilustração: João Chagas (1891)]
+
+
+Mas os serventuarios do regimen não descançaram na tarefa de precavel-o
+contra o progresso da democracia, tentando por todos os modos
+estrangular os clamores do povo. Em 14 de fevereiro dissolveram a
+Associação Academica de Lisboa, sob o pretexto de que ella, contrariando
+os fins indicados nos seus estatutos, se «entregava a aventuras
+politicas que tinham perturbado a ordem publica.» Ainda mais:
+decidiram-se finalmente a publicar o decreto dissolvendo o primeiro
+municipio do paiz, apprehenderam alguns jornaes da opposição, entraram
+em conflicto com a commissão executiva da Subscripção Nacional,
+reorganisaram a guarda municipal, gratificaram a policia e, por uma
+série de medidas dictatoriaes, restringiram a liberdade de pensamento e
+o direito de reunião.
+
+Entretanto, caminhava-se a passos agigantados para a conclusão do
+tratado anglo-portuguez, o famoso tratado que devia, por assim dizer,
+ratificar o _ultimatum_ de 11 de janeiro e a perda subsequente do que
+Portugal disputava á Grã-Bretanha.
+
+
+
+
+CAPITULO VII
+
+O partido republicano nasce da dispersão do reformista
+
+
+Cabe agora dar aos leitores um rapido esboço das phases por que passou o
+partido republicano desde 1880 até á eclosão da revolta do Porto. Esse
+partido nasceu da dissolução do reformista, apoz o movimento de Cadiz
+que tambem animou o mesmo ideal em Hespanha. Do partido reformista
+sahiram Latino Coelho, Elias Garcia, Bernardino Pinheiro e Jacintho
+Nunes que, acompanhados de Oliveira Marreca e os generaes Gilberto Rolla
+e Sousa Brandão, fundaram o jornal _Democracia Portugueza_ á cabeça do
+qual foi logo inscripto o primeiro programma partidario accentuadamente
+democratico. Esse programma comprehendia:
+
+
+_Egualdade civil e politica. Governo e taxação do povo pelo povo.
+Suffragio universal e representação das minorias. Abolição do juramento
+politico; de privilegios pessoaes; dos direitos de consumo para o
+Estado; do recrutamento. Serviço pessoal; exercito reduzido á escola e
+quadro; milicia nacional. Liberdade de consciencia; egualdade de cultos;
+casamento civil; registo civil; liberdade de imprensa e de ensino;
+julgamento pelo jury; liberdade pessoal; inviolabilidade do domicilio;
+liberdade de associação; de reunião; de representação, excepto para a
+força armada collectivamente. Poder legislativo de eleição; executivo
+delegado d'este e que dirige os negocios geraes do Estado.
+Descentralisação administrativa e autonomia das provincias ultramarinas.
+Ensino obrigatorio. Economia na despeza publica. Direito de
+resistencia aos actos da auctoridade, offensivos das leis. Justiça
+democratica retribuida pelo Estado, revertendo para este os emolumentos;
+jurados por eleição; juizes collectivos; ampliação da competencia dos
+arbitros. Harmonia do codigo penal e do processo com a philosophia do
+direito e o modo de ser da sociedade portugueza._
+
+
+O programma foi obra, principalmente, de Latino Coelho e Elias
+Garcia--este dirigindo a _Democracia Portugueza_ emquanto o jornal
+arrastou a sua vida precaria. Os restantes redactores eram Osorio de
+Vasconcellos, Teixeira Simões, Gomes da Silva, Ferreira Mendes, Caetano
+Pinto e Feio Terenas. De camaradagem com estes nomes appareciam os de
+Manuel de Arriaga, Nunes da Matta, Sousa Larcher, Homem Christo,
+Magalhães Lima, Alves da Veiga, José Sampaio (Bruno), Emygdio
+d'Oliveira, etc., etc. Hintze Ribeiro tambem gosou durante algum tempo a
+fama de democrata e pode lêr-se na sua biographia que, quando estudante
+em Coimbra, escreveu artigos inflammados para um jornal de Ponta
+Delgada. Mas que admira, se da Universidade é que surdiram em todas as
+epocas os elementos mais avançados, os propagandistas mais devotados, os
+revolucionarios mais atrevidos... Quantos dos antigos ministros da
+monarchia portugueza não foram, afinal, durante a sua passagem por
+Coimbra, considerados as futuras escoras do partido republicano!...
+Quantos!
+
+Até 1880, esse partido apenas exerceu no paiz uma acção de simples
+sentinella, quasi perdida na immensidade do deserto. Ainda não havia
+despertado o sentimento civico entre os portuguezes como mais tarde
+despertou, precipitando-os em reivindicações revolucionarias e a nação
+mal dava pelos clamores do nucleo nascente que todo se esbofava na
+imprensa e nas palestras da rua a demonstrar que o reinado de D. Luiz
+cavava alguns metros mais no abysmo da nossa ruina. Em Lisboa, o partido
+republicano dispunha d'uma modesta influencia eleitoral, que, no
+emtanto, lhe permittia, uma vez por outra, travar lucta com os
+monarchicos. No Porto, toda a propaganda democratica se reduzia a meia
+duzia de homens--de alto valor, é certo, mas de fraco exito nas suas
+tentativas para arrancar a capital do Norte á tradicção monarchica. Na
+provincia, tudo se subordinava ao caciquismo e os republicanos ali eram
+encarados como fautores da anarchia e da desordem. Finalmente, o proprio
+nucleo democratico de que Lisboa se envaidecia antes de 1880, não
+apresentava a resistencia e a solidez necessarias á conquista do poder
+politico.
+
+
+A celebração do tri-centenario de Camões, realisada n'quelle
+anno--sacudindo o paiz inteiro n'uma rajada de patriotismo--deu corpo e
+energia ao ideal republicano e transformou o nucleo existente n'uma
+força respeitavel, digna de ser encarada pela monarchia como um inimigo
+serio. Melhor do que nós o poderiamos fazer, o dr. Magalhães Lima vae
+dizer aos nossos leitores da influencia decisiva d'essa apotheose na
+democracia portugueza:
+
+
+«O tri-centenario de Camões foi o primeiro capitulo da gloriosa jornada
+que teve o seu desfecho em 5 de outubro de 1910. Nunca se viu cousa
+semelhante em grandeza e sinceridade. O povo, o bom povo portuguez,
+compenetrado da elevação da festa, e ainda mais de que a homenagem ao
+immortal cantor das nossas glorias correspondia ao anceio d'uma
+revivescencia futura, acorreu a ella cheio de enthusiasmo, ardoroso,
+expandindo a maior alegria. A celebração do tri-centenario radicou
+no espirito da nacionalidade a ideia carinhosa de que no auctor dos
+_Lusiadas_ se symbolisavam as esperanças de melhores dias e talvez do
+regresso a um passado opulento, viril, de inapagaveis tradicções.
+
+«Mas a grandiosa homenagem não teve só esse condão. Despertou egualmente
+a energia democratica, congregou em volta das figuras do partido
+republicano, então em evidencia, os elementos dispersos, consolidou-os,
+deu corpo á opinião publica, foi o ponto de partida da marcha politica
+que, em successivas _étapes_, conseguiu, entre nós, pôr um ponto final
+no regimen monarchico. Devemol-a essencialmente a Theophilo Braga, que
+durante tres annos consecutivos fez uma propaganda intensissima para a
+sua realisação. A commissão executiva da festa compunham-na elle,
+Rodrigues da Costa, que representava ao tempo o jornal mais antigo, a
+_Revolução de Setembro_; Pinheiro Chagas, Eduardo Coelho, Jayme Batalha
+Reis, Ramalho Ortigão, Luciano Cordeiro, eu e o visconde de Juromenha,
+mais tarde substituido pelo Rodrigo Pequito. Cada um de nós tomou a seu
+cargo para a preparação da solemnidade o realisar um certo numero de
+conferencias em que, divulgando a obra do epico, se orientava ao mesmo
+tempo o espirito publico n'um ideal genuinamente patriotico.
+
+«E a influencia exercida pela nossa acção foi tal que, apesar da
+hostilidade que o governo progressista da epoca nos moveu, os _Lusiadas_
+entraram em todos os lares e Camões, alcançando a maior consagração,
+passou a ser como que o orago da massa popular. As edições da monumental
+epopeia vulgarisaram-se por uma forma extraordinaria. Fizeram-se varias,
+desde a mais modesta, ao alcance de todas as bolsas, até á de luxo,
+regalo de privilegiados. Os nossos manifestos eram acolhidos com
+verdadeira soffreguidão e conseguiam maior exito do que os decretos do
+governo. Chamava-se ironicamente á commissão do tri-centenario o
+_comité_ de Salvação Publica, mas essa ironia dava bem a medida da nossa
+força e o que é mais: da impetuosidade da corrente democratica que
+caracterisou sempre e profundamente a homenagem ao grande poeta.
+
+«A celebração do tri-centenario fez expandir a ideia republicana que
+muitos espiritos acalentavam em silencio. Em 1880 havia republicanos,
+mas não havia conjugação de forças democraticas. O tri-centenario
+promoveu-a. Antes de se prestar a homenagem ao poeta, já se palpava a
+existencia de um ideal de liberdade e de justiça, o esboço d'uma reacção
+decidida contra o regimen monarchico. Recordo-me, perfeitamente, que no
+antigo _Commercio de Portugal_, ensaiando a verificação d'essa corrente
+avassaladora, obtive um resultado bastante lisongeiro. Nos caixeiros,
+mais talvez do que nas outras classes, encontrei elementos valiosos de
+propaganda--parte dos quaes fundou e installou o Atheneu e mezes depois
+da celebração do tri-centenario me auxiliou na fundação do _Seculo_.
+
+«Glorificando o epico immortal, revestindo de excepcional imponencia
+esse cortejo apotheotico do dia 10 de junho de 1880, Lisboa e, com ella,
+as provincias, soffreram um abalo salutar, enveredando decisivamente no
+caminho da destruição da tyrannia brigantina. A monarchia comprehendeu-o
+e quiz impedil-o. O rei D. Luiz pretendeu encorporar-se no cortejo e o
+governo não lh'o consentiu. Em summa, a influencia desprendida da festa
+foi enormissima e fez-se sentir de modo flagrante no decorrer dos annos
+e em diversos incidentes da vida interna da nacionalidade».
+
+
+Em 1881, quando a imprensa republicana promoveu uma campanha justa e
+violenta contra o celebre tratado de Lourenço Marques, a opinião vibrou
+como nunca até ali vibrara. Alguns officiaes do exercito chegaram a
+offerecer-se para, na impossibilidade do partido republicano se lançar
+abertamente n'uma revolução, organisarem guerrilhas e d'esse modo
+combaterem a monarchia. Crearam-se centros politicos, as associações de
+classe tomaram um incremento irreprimivel e o povo passou a
+interessar-se a valer pelas attitudes dos governantes. Apoz a celebração
+do tri-centenario, o dr. Magalhães Lima propoz-se deputado por Lisboa,
+ou melhor, pelo circulo 98, que comprehendia S. Paulo, Santos, Lapa e
+Alcantara. A lucta foi renhida. Theophilo Braga propoz-se depois por
+Alfama, Manuel de Arriaga pela Baixa e Elias Garcia pelo circulo 95
+(Anjos). Durante annos foram estes os _candidatos chronicos_ dos
+republicanos da capital. Travaram-se batalhas eleitoraes que ficaram
+memoraveis. D'uma das vezes, disputando Magalhães Lima um circulo a
+Hintze Ribeiro, Fontes, ao tempo presidente do conselho, viu-se forçado
+a ir presidir a um comicio para _poder salvar a honra do convento_...
+
+Comtudo, esse impulso progressivo experimentado em 1880 pelo ideal
+democratico, soffreu um decrescimento apoz 1881, isto é, logo que a
+questão do tratado de Lourenço Marques se apagou do espirito publico. E
+essa decadencia, chamemos-lhe assim, chegou a ser tão accentuada que o
+incomparavel jornalista Emygdio Navarro não duvidou um bello dia fazer
+um appello ao estado maior do partido republicano convidando-o «a ir
+religiosamente enterrar uma bandeira que parecia condemnada a não se
+desfraldar jámais». O director das _Novidades_ supplicava a todos os
+democratas que fossem uteis á patria, levando a sua dedicação, o seu
+trabalho, a sua intelligencia aos arraiaes da monarchia, que os
+receberia de braços abertos. Deram-se mesmo algumas deserções. O
+jornalista portuense Emygdio de Oliveira cessou a publicação do diario
+_Folha Nova_ e renunciou á politica republicana. Outros dos seus
+correlligionarios acolheram-se a um novo gremio politico--a _Esquerda
+Dynastica_--fundado e dirigido pelo sr. Barjona de Freitas, e durante
+mezes, dada a crise de desorganisação que o minava, suppoz-se até que o
+partido mais avançado se fusionára n'aquella facção conservadora.
+
+
+
+
+CAPITULO VIII
+
+João Chagas abandona enojado a imprensa monarchica
+
+
+Mas sobreveiu o _ultimatum_ e esse conflicto diplomatico exerceu
+egualmente consideravel influencia nas condições politicas da sociedade
+portugueza. O patriotismo, offendido, encorporou-se nas fileiras
+democraticas e engrossou-as. Brotaram da indignação do momento varios
+jornaes que foram outros tantos pamphletos revolucionarios: a _Patria_,
+de Lisboa, o _Rebate_, do Porto, fundado pelo sr. Eduardo de Sousa, o
+_Ultimatum_, de Coimbra, fundado pelo sr. Antonio José de Almeida. Com
+essa erupção jornalistica coincidiu a formação, na Universidade, d'uma
+geração de propagadores do ideal, que apoz os dias luctuosos de 1890
+publicou um manifesto vigoroso, aggredindo directamente o regimen
+monarchico e reclamando a bem da patria uma mudança de instituições. A
+policia não deixou circular esse documento, mas dois diarios
+reproduziram-no immediatamente nas suas columnas. Assignavam o
+manifesto, entre outros, estes estudantes:
+
+[Ilustração: A guarda municipal entrincheirada na egreja de Santo
+Ildefonso]
+
+
+_Fernando Brederode, João de Menezes, Agostinho de Campos, Cunha e
+Costa, Couceiro da Costa, Antonio José de Almeida, Pires de Carvalho,
+Lomelino de Freitas, Antonio Cabral, Mario Monteiro, Augusto Barreto,
+Silvestre Falcão, João de Freitas, Paulo Falcão, Francisco Valle, Julio
+Paulo de Freitas, Malva do Valle, Evaristo Cutileiro, Luiz Soares de
+Sousa Henriques, Affonso Costa, Manuel Galvão, Lucio Paes_
+_Abranches, Julio de Mello e Mattos, Fausto Guedes, Bessa de Carvalho,
+Alberto de Oliveira, Bernardo Leite, Carneiro de Moura, Antão de
+Carvalho, Arthur Leitão e Virgilio Poyares._
+
+
+É tempo de nos referirmos á entrada de João Chagas na scena politica,
+facto que se produziu em 20 de fevereiro de 1890. O eminente publicista,
+que até então trabalhara na imprensa monarchica, revoltado ou, melhor,
+enojado com o espectaculo que presenceara durante os dias agitados que
+se seguiram ao _ultimatum_, dirigiu n'aquella data esta carta ao
+_Correio da Noite_:
+
+
+«_Meu caro amigo_:--Não me convindo continuar a collaborar em jornaes da
+imprensa monarchica, nos quaes, aliás, tenho tido apenas collaboração
+litteraria, peço a v... me julgue desde hoje desligado da redacção
+d'essa folha. Aproveito o ensejo para lhe agradecer as provas de
+consideração que constantemente me tem dispensado.--Seu amigo e collega:
+_João Chagas_.»
+
+
+Egual declaração foi publicada no _Tempo_ e na _Provincia_ e no dia 21
+um jornal republicano da manhã accrescentava, fazendo allusão ao facto:
+«desde já affirmamos que João Chagas traz ao nosso partido toda a sua
+intelligencia, toda a sua dedicação e todo o seu ulterior trabalho; é
+uma adhesão valiosissima, que mostra bem o que ha de diamantino no
+caracter do nosso amigo, que não hesita sacrificar interesses egoistas
+nas aras sacrosantas da patria, cuja remodelação é incompativel com a
+subsistencia do affrontoso regimen que nos vae explorando».
+
+Na _Historia da Revolta do Porto_, que escreveu de collaboração com o
+ex-tenente Coelho, João Chagas descreve assim os seus primeiros
+passos na propaganda do ideal republicano:
+
+
+«Em fevereiro de 1890, como um dos auctores d'esta obra, ao tempo joven
+e fazendo um jornalismo sem paixão e sem ambições, se decidisse a
+encetar o jornalismo politico e a adoptar a causa que era então de toda
+a gente, reuniu-se a um, egualmente joven--tudo foi juventude n'esse
+movimento!--alumno do curso de engenharia civil, Chrispiniano Fonseca,
+que mais tarde veiu a morrer no Brazil, de febre amarella, sob a
+republica de Floriano Peixoto; e tendo os dois concertado «que era
+preciso fazer alguma coisa», como se dizia por essa grande epocha,
+começaram por ir espionar a provincia do Algarve, onde certo dia se
+affirmou com alarme que rebentara uma sedição militar e, havendo
+reconhecido que tal sedição estava longe de ser um facto, voltaram as
+vistas para outro lado e decidiram, apoz diversas machinações, que o que
+havia a fazer era _propaganda_ muito activa e muito eloquente.
+
+«D'este accordo partiu a ideia de fundar um jornal republicano, já se
+vê, que tomasse a dianteira a todos os que já existiam e que, para a
+nossa impaciencia, pareciam excessivamente deficientes.
+
+«Alvitrou-se que se lançasse o jornal a publico o mais rapidamente
+possivel, dentro de quinze dias, dentro de um mez--e quando se discutiam
+as bases d'essa publicação imprevista e fulminante, lembrámos que um
+jornal, tal como o sonhavamos, desencadeando uma tormenta de paixões
+populares, só poderia nascer e cobrir-se de gloria no Porto, que até
+então não dera grandes signaes de vida civica, mas que se nos
+affigurava, pela sua tradicção e pelas nossas superstições, o unico
+centro de população portugueza susceptivel de soltar o primeiro de
+liberdade de que nos propunhamos ser os interpretes.
+
+«Lisboa, inçada de uma população heterogenea, disseminada n'uma grande
+área e dividida pelas opiniões mais diversas, foi posta de parte, como
+pouco propicia para o exito do nosso emprehendimento, e adoptou-se o
+Porto com enthusiasmo e esperança. Estes dois homens não dispunham,
+porém, de uma moeda de cobre que lhes permittisse acalentar tão vasto
+sonho, e, por outro lado, não tinham um nome que os auctorisasse a
+lançar-se nas luctas politicas, em meio da confiança dos que iam ser
+seus amigos e cumplices.»
+
+
+Apesar d'isso, João Chagas poz-se a caminho da capital do Norte,
+alcançou o concurso do velho democrata José Sampaio (Bruno) e em breve
+formou-se uma modesta empreza com o capital sufficiente para a fundação
+da ambicionada gazeta. O primeiro numero da _Republica_--tal era o
+titulo do novo jornal--sahiu a 18 de abril de 1890 e, embora esse e os
+numeros seguintes traduzissem ás claras o radicalismo das aspirações do
+seu director, a verdade é que o diario logrou pouca vida e pouco tempo
+depois suspendia a publicação. Em setembro do mesmo anno, João Chagas,
+recebendo o auxilio efficaz de tres democratas, Dyonisio dos Santos
+Silva, Joaquim Leitão e Alvarim Pimenta, voltou a insistir na creação
+d'uma folha demolidora e fez sahir a _Republica Portugueza_, que acolheu
+na sua redacção toda uma pleiade de velhos e jovens combatentes,
+animados por egual do desejo de derrubar o regimen. O artigo de
+apresentação inserto no primeiro numero dizia assim:
+
+
+«A obra d'este jornal será inteiramente e desassombradamente
+revolucionaria. Tanto vale dizer que será um jornal de combate e
+dirá tudo o que fôr mister:
+
+«a despeito da vontade pessoal do rei;
+
+«a despeito da tyrannia dos governos;
+
+«a despeito do odio e da antipathia dos homens e dos partidos que
+exploram o paiz.»
+
+
+No primeiro numero da _Republica Portugueza_ tambem foram estampados os
+retratos do rei e de dois dos ministros, precedidos d'estas palavras:
+_Pelourinho: Os tres de Inglaterra_. Nos outros logares do jornal
+explodia a incitação á revolta, usando-se d'uma linguagem que nunca até
+ali fôra empregada com tanta franqueza. D'aqui resultou o crear-se, pelo
+estimulo do exemplo, uma atmosphera de decisiva batalha, que nem os
+acontecimentos nem os homens haviam ainda preparado. Affirma-o João Chagas:
+
+
+«A revolta de 31 de janeiro pode attribuir-se em grande parte ás
+instigações directas d'esse jornal, o qual, por seu turno, se veiu a
+publico, não foi senão em virtude de circumstancias que não se
+produziriam sem o conflicto diplomatico anglo-portuguez. Por isso
+reputamos esse conflicto a causa unica do movimento revolucionario do
+Porto, que, sem elle, nem encontraria meio idoneo em que se consumasse,
+nem agentes que o provocassem. Dar-se-hia outro, mais tarde, e em outras
+circumstancias. Esse não».
+
+
+Na _Republica Portugueza_ collaboraram José Sampaio (Bruno), Julio de
+Mattos, Basilio Telles, Latino Coelho, Elias Garcia, Gomes Leal,
+Heliodoro Salgado e, o que é mais interessante fixar, varios officiaes
+do exercito--um dos quaes, em serviço na guarda municipal, teve um dia
+ensejo de ver querellada a sua prosa. A par d'essa collaboração,
+logo que a _Republica Portugueza_ viu a luz da publicidade, arremettendo
+violentamente contra as instituições, appareceram um sem numero de
+communicações «sob a forma de cartas e manifestos, de soldados, cabos e
+sargentos da guarnição portuense, a principio, depois de militares das
+guarnições da provincia, por ultimo de officiaes de todas as graduações
+já do Porto já de Lisboa». E os que as enviavam ao jornal faziam-no de
+modo tão explicito que, em certa altura, houve necessidade de destruir
+uma boa parte da papelada, receiando-se que ella cahisse em poder dos
+defensores do regimen e collocasse os signatarios em situação
+compromettida. Como amostra da linguagem empregada n'esses documentos,
+damos a seguir o trecho d'uma carta enviada n'essa occasião á _Republica
+Portugueza_ por um grupo de officiaes transmontanos:
+
+
+_Camaradas: A mãe-patria agonisa. É preciso que seus filhos a salvem sem
+demora, porque a sua salvação é do nosso dever. Salvemos a patria
+proclamando a Republica. Camaradas: Não ha tempo a perder._
+
+
+D'aqui se deprehende facilmente que os acontecimentos de janeiro de 1890
+não tinham apenas perturbado a massa generosa do povo, mas egualmente o
+exercito, que se sentira molestado nos seus brios. Como toda a nação, o
+exercito reclamava o desaggravo. E esse estado de animos não se revelava
+simplesmente nas communicações dirigidas á _Republica Portugueza_, mas
+tambem em dois orgãos da classe militar, o _Sargento_ e a _Vedeta_, que
+deram á imprensa democratica um forte contingente para a sua propaganda
+subversiva. O _Sargento_, por exemplo, exclamava com uma audacia que ia
+a todo o genero de infracções disciplinares:
+
+«O exercito aguarda o plebiscito da nação, sem as restricções, as
+formulas e os sophismas constitucionaes; o plebiscito dos cidadãos
+livres e honrados na urna livre e honrada; o plebiscito de protesto e da
+representação nos comicios; ou o plebiscito da revolução nas barricadas.
+
+«O povo é o poder legislativo; o exercito é o poder executivo. O povo é
+a vontade; o exercito é a acção. O povo é a soberania; o exercito é a
+força. O exercito não é uma guarda de suissos; o exercito não é uma
+casta. O exercito é a nação armada e é a democracia armada».
+
+
+A linguagem da _Vedeta_ não era menos arrojada e expressiva. A irritação
+na classe militar augmentava de dia para dia, e porque o governo de
+Hintze Ribeiro, sempre cuidadoso de rodear o throno do maior numero de
+garantias, entrara a valer no caminho das repressões, transferindo
+officiaes e mandando para o serviço do cordão sanitario, que então
+guarnecia a fronteira, certos contingentes de corpos suspeitos de
+rebeldia. Por outro lado, em agosto, o mesmo governo apresentava ao
+parlamento o tratado com a Inglaterra e esse novo acto de vergonhosa
+submissão ante a _fiel alliada_, longe de acalmar os espiritos, aguçara
+extraordinariamente as ideias revolucionarias.
+
+A medida ia a trasbordar... N'uma noite d'aquelle mez, um grupo de
+segundos sargentos e cabos de infantaria e caçadores, sem que a sua
+_démarche_ correspondesse a qualquer trabalho previo de alliciação,
+apresentou-se na redacção da _Republica Portugueza_ e um d'elles,
+Annibal Cunha, formulou o plano da rebellião. Tratava-se de fazer sahir
+infantaria 18, para o que diziam contar com o apoio de grande numero dos
+seus camaradas, depositando antecipadamente na alameda da Lapa, proxima
+do quartel, uma certa quantidade de espingardas de velho typo,
+existentes na arrecadação do regimento. As espingardas serviriam para
+armar os cidadãos que fosse possivel ligar á aventura.
+
+Exposto o plano, o grupo prometteu voltar ao jornal e voltou, com
+effeito, desferindo então mais largos vôos, ampliando a esphera do seu
+emprehendimento. Não era facil, porém, realisar na occasião qualquer
+tentativa e, apoz acalorada discussão, foi decidido aguardar o regresso
+ao Porto das tropas empregadas no cordão sanitario. Mas esse grupo,
+tendo iniciado o contacto directo com os homens que propagavam pela
+palavra e pela escripta o ideal republicano, não tardou que outros
+militares o imitassem e, dentro de semanas, a redacção da _Republica
+Portugueza_ passou a ser frequentada por dezenas de sargentos, cabos e
+soldados da guarnição do Porto, todos dispostos a collaborar na obra da
+revolução. Quer dizer: o _complot_ militar formava-se e avolumava-se
+gradualmente, espontaneamente, sem que os dirigentes da politica
+democratica para elle houvessem contribuido com o mais insignificante
+pedido de concurso.
+
+
+
+
+CAPITULO IX
+
+O dr. Alves da Veiga assume a chefia civil do movimento
+
+
+Comtudo, tornava-se necessario acceitar as adhesões que irrompiam cada
+vez mais numerosas e inflammadas e canalisal-as, dando-lhes orientação
+perfeitamente definida. João Chagas e a redacção da _Republica
+Portugueza_ procuraram entender-se, para tal effeito, com o dr. Alves da
+Veiga, que ao tempo gosava no Porto da situação d'um chefe de
+partido e dividiram com elle as responsabilidades da conspiração. Até o
+momento, os republicanos do Porto tinham-se limitado, na espectativa dos
+acontecimentos, a agitar a opinião por meio da imprensa e dos clubs; o
+directorio do partido, presidido por Elias Garcia, procurára iniciar um
+movimento egualmente de caracter militar e delegára em Basilio Telles o
+encargo de o secundar na capital do Norte. No emtanto, como de todos os
+republicanos portuenses o dr. Alves da Veiga era o que dispunha de maior
+actividade organisadora, foi elle que desde logo assumiu a chefia civil
+da conspiração, continuando Basilio Telles a operar de concerto com o
+directorio, extranho em absoluto a esta primeira phase dos
+acontecimentos. E assim, em setembro de 1890, lançando mãos á obra, o
+illustre jurisconsulto preparou nas provincias do Norte diversos
+_comités_ revolucionarios que deviam secundar, no ensejo propicio, a
+iniciativa do Porto.
+
+[Ilustração: Capitão Leitão (1891)]
+
+Restava encontrar quem reunisse á sua volta, e os estimulasse, os
+elementos de lucta que se offereciam constantemente á redacção da
+_Republica Portugueza_. Lançou-se os olhos sobre a figura gigantesca
+de Santos Cardoso e o famoso director d'um semanario de combate--que se
+propunha «pôr as calvas a descoberto»--embora soffrendo d'uma reputação
+pouco cuidada, appareceu immediatamente como o homem de acção capaz de
+aggremiar os officiaes inferiores da guarnição do Porto que se
+entregavam á causa da revolta. E assim succedeu. A casa de Santos
+Cardoso passou a ser o centro da conspiração dos sargentos. Mas o
+director da _Justiça Portugueza_, não contente com isso, quiz ir mais
+longe. Principiou a dirigir-se a varios officiaes, solicitando a sua
+adhesão e a corresponder-se com o directorio, de quem recebia
+communicações e mais tarde lhe conferiu um voto de confiança.
+
+
+Em 17 de setembro, deu-se no Porto a unica manifestação tumultuosa que
+precedeu na capital do Norte a revolta de 31 de janeiro. A sua
+iniciativa partiu d'um grupo de estudantes, entre os quaes se contavam
+Alberto de Oliveira e Eduardo Arttayette. Começou no café Suisso, na
+praça de D. Pedro. Pouco antes, tinham sido queimados á porta do
+estabelecimento varios jornaes do governo--como protesto contra a
+apresentação do tratado de 20 de agosto--e davam-se vivas á Patria e
+morras á Inglaterra, quando entrou no café o antigo republicano
+Felizardo de Lima. Resoou uma enthusiastica salva de palmas, o estudante
+Ernesto de Vasconcellos fez um discurso caloroso e alguem soltou este
+grito:
+
+--Para a rua!
+
+Os manifestantes sahiram em massa do estabelecimento e encaminharam-se
+para a rua dos Clerigos, tendo á frente, entre outros, João Chagas e o
+dr. Julio de Mattos. O cortejo comprehendia individuos de todas as
+classes sociaes e atroava os ares com vivas, morras e ruidosas salvas de
+palmas. Dos Clerigos, os manifestantes foram á Cordoaria. Depois, em
+frente da Relação, o estudante Eduardo de Sousa fez um discurso e o
+cortejo encaminhou-se para a rua das Taypas, produzindo novas e
+estrepitosas demonstrações deante do quartel de caçadores 9. Á porta e
+ás janellas do quartel appareceram muitas praças agitando os _bonnets_.
+Da rua das Taypas, os manifestantes dirigiram-se á rua do Triumpho,
+entoando a _Marselheza_ e a _Portugueza_, então muito em voga. Em frente
+do quartel de infantaria 10 reproduziram-se os applausos ao exercito e o
+cortejo seguiu para a rua do Pombal, parando junto d'uma das casas
+d'essa rua a acclamar o dr. Alexandre Braga, pae do illustre causidico
+do mesmo nome. Alexandre Braga, assomando a uma janella, falou ao povo,
+affirmando-lhe estar orgulhoso por encontrar nos moradores do Porto a
+sua altiva e tradiccional energia.
+
+A manifestação seguiu depois ao campo de Santo Ovidio, parando em varios
+pontos do percurso para ouvir improvisados oradores. Um d'elles disse:
+
+--O Porto precisa provar que ainda não perdeu o segredo das revoluções.
+
+No campo de Santo Ovidio, as demonstrações patrioticas attingiram o
+delirio. Alguns officiaes de infantaria 18 vieram até junto da multidão
+pedir-lhe cordura. A seguir, a manifestação desceu pela rua do Almada e,
+voltando á Cordoaria, passou pelo quartel da guarda municipal.
+Immediatamente sahiu d'ali uma força de cavallaria e, carregando sobre a
+multidão, que se refugiou no jardim, dispersou-a. Alguns individuos
+responderam á pedrada, houve gritos subversivos e na refrega um
+estudante ficou ferido nas costas. Reconcentrando-se, os manifestantes
+desceram á rua dos Clerigos e vieram para a praça de D. Pedro. Ahi, os
+soldados da guarda municipal, cravando as esporas nos cavallos,
+carregaram novamente sobre o povo, acutilando-o a torto e a direito,
+mettendo toda a gente debaixo das patas dos animaes, varrendo não só a
+praça mas as ruas circumvisinhas e ferindo e prostrando grande numero de
+pessoas. Os cafés do local foram logo fechados por ordem da policia.
+Muitos feridos receberam curativo no hospital da Misericordia. No dia
+immediato, a cidade reentrou no socego habitual; mas todos esses
+incidentes que acabamos de relatar foram a origem d'uma nova excitação
+que aggravou «a que já fundamente lavrava e havia de resolver-se no
+movimento de 31 de janeiro».
+
+
+Entretanto, os trabalhos para a organisação do _complot_ progrediam a
+olhos vistos. Os organisadores já contavam com o concurso de varios
+officiaes e porque alguns d'elles tinham apparecido nas redacções dos
+jornaes republicanos, decididos, pelo menos na apparencia, a contribuir
+para a derrocada da monarchia. E se é certo que no momento em que
+rebentou a revolta, apenas tres d'elles conseguiram justa evidencia, a
+verdade é que durante o periodo preparatorio da conspiração o numero de
+officiaes que n'elle intervieram contavam-se por dezenas. Cada corpo da
+guarnição do Porto, sem exclusão da guarda municipal, dava, pelo menos,
+um contingente de tres officiaes, cujos nomes circulavam entre os
+conspiradores e eram quasi do dominio publico. Os mais graduados eram
+capitães. Por outro lado, nas provincias, onde Alves da Veiga organisara
+_comités_ civis e militares, estes garantiam-lhe a sua plena adhesão. O
+commandante d'uma das forças aquarteladas no Porto compromettia-se a
+adherir ao movimento «caso não recebesse ordem em contrario do quartel
+general». Santos Cardoso affirmava a todo o momento que o major Graça,
+da guarda municipal, e que mais tarde havia de desempenhar um papel
+decisivo na insurreição, mas para a suffocar, estava ao lado dos
+revoltosos.
+
+Nos quarteis, entre os officiaes, era corrente que se conspirava. As
+noticias do facto transpiravam dia a dia e invadiam abertamente a
+opinião. Nos cafés do Porto não se falava n'outra cousa e os agitadores
+não se occultavam ao solicitar para a causa a adhesão de novos
+elementos. «Crescia-se em audacia. Todos suppunham e se convenciam que
+caminhavam realmente para um exito seguro». João Chagas, já na cadeia da
+Relação, a cumprir a sentença imposta por um delicto de imprensa,
+escrevia n'um artigo inserto na _Republica Portugueza_:
+
+
+«Estou convencido a serio, porque pertenço ao grande numero dos
+indisciplinados republicanos que querem a Republica--de que uma
+revolução se fará dentro em breve, a mais nobre, a mais generosa, a mais
+sympathica de quantas revoluções tem tentado um povo offendido, em nome
+da sua dignidade e da sua honra.
+
+«Quero-a, desejo-a, promovo-a e d'isso me ufano. Com a minha consciencia
+vivo na mais perfeita beatitude. Da minha intelligencia faço o uso mais
+nobre. Estou tranquillo por mim, porque pratico uma boa acção. Como
+convencional, fiz commigo proprio um pacto que vae desde a liberdade á
+morte. Ao serviço da minha causa puz todo o meu pensamento, todo o meu
+sentimento, toda a minha acção. Quero, pois, a Republica por vingança,
+por odio e por dignidade. Dias virão, cheios de alternativas, dias de
+orgulho, talvez dias de infortunio--quem sabe?
+
+«É todo um mundo a fazer! É toda uma sociedade a reformar! Vivemos sobre
+lama. Os pés enterram-se-nos no solo. Quanto esforço, quanto trabalho,
+quanta coragem para consolidar o chão que nos foge!... Pois bem!
+Batidos, vencidos, eu, nós, os meus companheiros de combate,
+recomeçaremos em qualquer ponto onde estejamos, aqui ou na terra
+estrangeira, dando o nosso sacrificio pessoal, entregando a nossa
+felicidade, a nossa vida á causa da patria e da liberdade. A opinião e a
+historia condemnarão os que prevaricarem e, se algum de nós os julgar um
+dia, dirá inexoravelmente como Manoel falando do rei de França: «Um
+traidor de menos, não é um homem de menos».
+
+
+As idéas de revolta inflamavam todos os corações. «Os estudantes das
+escolas do paiz que já se tinham offerecido ao governo para constituir
+um batalhão voluntario que fosse á Africa combater os inglezes e se
+tinham visto recusados, entravam resolutamente no vasto campo da
+rebellião. A mocidade academica de Coimbra, posta em contacto com os
+revolucionarios do Porto, aprestava-se a tomar parte na lucta em
+vesperas de travar-se. O grupo revolucionario academico--sessenta e
+tantos estudantes--organisara-se secretamente e reunia-se para
+exercicios de espingarda Kropatschek com o concurso dos sargentos de
+infantaria 23. Formavam-se novos clubs republicanos. Nos logares os mais
+publicos exhibiam-se opiniões revolucionarias. De toda a parte affluiam
+exhortações e incitamentos em telegrammas e em bilhetes postaes. Todos
+pediam que o movimento se iniciasse quanto antes. A impaciencia era
+flagrante e, mal contida, expressava-se nos menores actos dos
+conspiradores.
+
+Alves da Veiga, tomando o pulso á agitação, ponderando os trabalhos até
+então realisados e reconhecendo que o movimento necessitava á sua frente
+d'um chefe militar prestigioso, abalançou-se a procurar esse official e
+conseguiu a promessa formal do general Sebastião Calheiros, então
+residente em Vianna do Castello. Resolvido o problema, obtida assim
+uma direcção certamente efficaz no instante da revolta, aquelle official
+poz-se a caminho de Lisboa, decidido a arranjar collaboradores, que o
+auxiliassem em semelhante empreza. O contacto do general Calheiros com
+varios dos elementos republicanos residentes na capital do paiz
+prejudicou o bom andamento das cousas revolucionarias... É tempo de
+descrever aos leitores, como esse facto, e outros que se lhe seguiram,
+entravaram o movimento, tirando-lhe ao mesmo passo o caracter d'uma
+acção conjuncta da democracia portugueza.
+
+
+
+
+CAPITULO X
+
+O Directorio recusa a sancção official á revolta
+
+
+No mez de setembro de 1890, quando a redacção da _Republica Portugueza_
+já concentrava um numero bastante regular de sargentos conspiradores, o
+partido republicano soffreu uma dissidencia profunda. D'um lado ficou
+Elias Garcia, congregando á sua volta toda a parte conservadora do
+partido; do outro surgiu o tenente de caçadores Homem Christo, com todos
+os radicaes. «O conflicto devia ter solução no congresso annunciado para
+janeiro de 1891 e no qual os dois grupos travariam a batalha decisiva».
+Apesar da dissidencia, porém, os republicanos do Porto continuaram a
+entender-se com Elias Garcia, pois que este, como já tivemos ensejo de
+referir, tambem trabalhava na organisação d'um movimento de caracter
+militar e o seu delegado na capital do Norte, Basilio Telles, prestava
+rasoavel concurso á actividade de Alves da Veiga. Santos Cardoso, por
+seu lado, entrara na intimidade d'outros vultos em evidencia como
+Bernardino Pinheiro e Theophilo Braga.
+
+Em dezembro, Homem Christo, que não via com bons olhos a chefatura de
+Elias Garcia e o contrariava em tudo que parecesse dimanar da sua
+resolução pessoal, procurou-o e fez-lhe sentir a inconveniencia do
+Directorio secundar a _sargentada_ do Porto. «A revolta de sargentos,
+dizia elle a Elias Garcia, se vingar, vae ser funesta á disciplina do
+exercito; mas não vinga, porque lhe falta o elemento intelligente e de
+cohesão». Depois, logo a seguir, convidado por Jacintho Nunes, foi ao
+Porto «estudar a situação». No Porto, Homem Christo procurou Alves da
+Veiga e Rodrigues de Freitas, mas não lhes poude falar. Jacintho Nunes
+propoz-lhe então uma conversa com Santos Cardoso. Homem Christo recusou,
+porque odiava fundamente o director da _Justiça Portugueza_, mas depois
+consentiu em procural-o, para averiguar até que ponto eram authenticos
+os trabalhos revolucionarios. O encontro d'esses dois homens é assim
+relatado por João Chagas, que foi quem apresentou Homem Christo e
+Jacintho Nunes a Santos Cardoso:
+
+
+«A entrevista não teve o menor effeito na obra que estava em via de
+realisar-se e passal-a-hiamos em claro se o facto de termos assistido a
+ella não nos permittisse formular uma impressão exacta da situação
+reciproca dos dois homens--Santos Cardoso e Homem Christo--n'esse
+curioso lance, mais tarde exposto e discutido nos tribunaes e na
+imprensa. Homem Christo entrou em casa de Santos Cardoso munido de todas
+as prevenções que o indispunham contra o director da _Justiça
+Portugueza_. Por seu turno, Santos Cardoso recebeu-o como a um inimigo.
+
+[Ilustração: Uma carga de cavallaria.]
+
+«A memoria não nos soccorre de forma a podermos reproduzir, dez
+annos volvidos, os termos exactos d'essa conferencia; mas a impressão
+que nos deixou e que subsiste no nosso espirito é de que foi um acto
+sobre o qual pesou uma profunda e mal contida irritação. Santos Cardoso,
+com o seu ar fanfarrão de desafio e Homem Christo, com o seu duro e
+implacavel desdem, estavam destinados a não entender-se. E foi o que
+succedeu.
+
+«Como o director da _Justiça Portugueza_, pallido, mas affectando
+serenidade, a cofiar largamente a sua vasta pera, entrasse de enumerar
+com aparato aquellas forças de todas as proveniencias, que já reputava
+solidamente ao serviço da revolução, Homem Christo entrou, por seu
+turno, de dar evidentes mostras de impaciencia, menos talvez porque
+estivesse ali o homem que elle detestava, senão porque n'esse homem
+detestado via o paisano a mover soldados, que de todo o tempo irritou o
+espirito dos militares profissionaes. Não era realmente irritante que
+aquelle adventicio, alheio a todo o saber e a todos os interesses
+militares, se permittisse a impertinencia de dar sentenças a um militar
+de profissão, sobre o que fossem regimentos, batalhões, companhias,
+officiaes, soldados, parecendo ter a pretenção de usurpar com o seu
+desplante a soberania dos chefes militares n'esse movimento feito por
+sargentos que elle já parecia commandar?
+
+«Na sua cegueira, embriagado com o que suppunha já a sua obra e com o
+proprio ruido das suas palavras, Santos Cardoso não comprehendia até que
+ponto se tornava antipathico ao seu interlocutor. E proseguia
+inexgotavelmente, enunciando regimentos, guarnições, nomes de
+officiaes... Friamente, como quem se vinga, Homem Christo impoz á sua
+total ignorancia uma sabbatina cruel, reduziu-o a confessar-se em erro,
+em equivoco, em mentira. Santos Cardoso embrulhava-se, mettia os pés
+pelas mãos, já se agitava na sua cadeira, como procurando romper. É
+certo que, finda essa penosa entrevista, Homem Christo o tivesse
+maltratado, atirando-lhe ao rosto o epitheto de imbecil? Não o
+recordamos e não cremos que essa palavra tivesse sido pronunciada em
+termos d'elle a ouvir. Os dois homens despediram-se mesmo com cortezia.
+O que recordamos com precisão é que, já na rua, Homem Christo disse:
+«Vou ali falar com alguns rapazes» e que, poucas horas depois, como
+tornassemos a encontral-o, accrescentou: «Isto não está tão mau como eu
+pensava».
+
+
+D'ahi a alguns dias, como houvesse no Porto apprehensões sobre o valor
+do apoio que o Directorio dispensava ao movimento, João Chagas foi
+incumbido de ir a Lisboa falar a Elias Garcia. Encontrou-o no Hotel
+Atlantico, mas o chefe republicano, cauteloso e previdente, não quiz
+desde logo sujeitar-se á conversa sobre tão melindroso assumpto e,
+rasgando em duas metades um cartão de visita, entregou-lhe uma d'ellas
+dizendo:
+
+--Ás 8 horas, alguem lhe apparecerá com a outra metade d'este cartão. É
+pessoa de confiança. Pode seguil-a.
+
+Ás 8, com effeito, um emissario discreto conduzia João Chagas ao
+Directorio, que estava reunido em casa de Bernardino Pinheiro e, uma vez
+junto d'esse democrata, de Elias Garcia, Theophilo Braga e Sousa
+Brandão, o director da _Republica Portugueza_ constatou que nenhum
+d'esses homens hostilisava o movimento. Pelo contrario. A uma pergunta
+directa de João Chagas, o Directorio respondeu que trabalhava para
+secundar a revolta do Porto. E no fim, apoz animada conversa, ficou
+assente que o general Sousa Brandão iria pessoalmente ao Norte
+inteirar-se, _de visu_, da situação--o que fez, na realidade,
+encontrando-se ali com os mais importantes elementos da conjura.
+
+
+Em principios de janeiro reuniu em Lisboa o congresso do partido e
+os amigos de Homem Christo triumpharam dos de Elias Garcia. O novo
+Directorio, dias depois de eleito, fez circular pelo paiz um vigoroso
+manifesto em que parecia dar alento aos revolucionarios, apontando-lhes
+como unico caminho a seguir, perante o descalabro da monarchia, a
+execução immediata do plano da conjura. «No estado actual da crise
+portugueza--dizia uma passagem do manifesto, que era acompanhado d'um
+novo programma partidario--só existe uma solução nacional, pratica e
+salvadora: a proclamação da Republica. Só assim acabarão os interesses
+egoistas que nos perturbam e vendem, só assim apparecerá uma geração
+nova capaz de civismo e de sacrificios pela Patria». Mas, quasi a
+seguir, o Directorio mostrou-se como que cheio de remorsos por haver
+expendido doutrina tão francamente revolucionaria e, dedicando-se a
+entravar os progressos, já inilludiveis, da conspiração do Porto, fez
+publicar em 25 de janeiro uma circular em que dizia sem disfarce:
+
+
+«Prevenimos os nossos correligionarios para que abandonem ao seu
+isolamento egoista qualquer grupo perturbador que anteponha á magestade
+dos principios o fetichismo de personalidades e aos interesses da
+propaganda as vantagens dos lucros economicos».
+
+
+E concluia:
+
+
+«Aproveitamos este ensejo para lembrar ás dignas commissões a
+necessidade de se proceder aos trabalhos do recenseamento eleitoral; e,
+ao mesmo tempo, que todas as combinações importantes para a vida do
+Partido serão communicadas e estabelecidas por um enviado especial do
+Directorio, evitando assim as intervenções discricionarias de
+individualidades sem mandato, que enfraquecem toda a auctoridade».
+
+
+A circular visava, como se comprehende, a tirar aos conspiradores do
+Porto «qualquer sombra de auctoridade official». E para que não restasse
+duvidas sobre a sua significação, no dia 27, os _Debates_ publicavam um
+artigo de Homem Christo, intitulado _Uma prevenção_, em que se attribuia
+ao movimento o caracter d'uma _pavorosa_ urdida pelo governo e se
+exclamava:
+
+
+«Acautelem-se, pois, os republicanos com essas manobras. Revoluções
+fazem-se. Não se dizem, nem se apregoam. Quando se dizem e quando se
+apregoam, ou é desconchavo que faz rir, ou armadilha lançada aos
+ingenuos e simples do mundo. E como ha muito ingenuo e muito simples,
+sempre é preciso cuidado com taes armadilhas e artes de tratantes.
+Cautela, pois».
+
+
+Homem Christo vingava-se de Santos Cardoso e outras personalidades
+implicadas no movimento, mas que lhe eram antipathicas, aggredindo-as
+por essa forma indirecta e pretendendo _furar_ as probabilidades de
+exito que, porventura, caracterisassem o projecto de revolta. Antepunha
+á questão do partido uma questão de mero odio pessoal. E a esta
+sacrificava tudo, indo até á denuncia publica e formal do que se tramava
+na capital do Norte.
+
+
+
+
+CAPITULO XI
+
+A crise ministerial dos «vinte e sete dias»
+
+
+Retrogrademos um pouco até á apresentação ao parlamento do tratado
+anglo-luso. Este documento, tendo sido publicado no _Diario do
+Governo_ em fins de agosto de 1890, levantara, como já dissémos n'outro
+ponto, enorme grita de hostilidade. Os jornaes da opposição
+classificaram-n'o acto continuo de: «certidão de obito passada por um
+diplomata funebre a uma nação narcotisada por dois seculos de jesuitismo
+e de inquisição e esterilisada por pouco mais de meio seculo d'um
+constitucionalismo dissolvente e desmoralisador». Pela essencia do
+tratado, Portugal não podia alienar os seus territorios africanos sem
+previo consentimento da Inglaterra.
+
+As associações mais importantes da capital pronunciaram-se altivamente
+contra a ratificação de semelhante «hypotheca feita á Grã-Bretanha».
+Convocaram-se comicios em diversas cidades do paiz, houve mesmo um no
+Porto presidido pelo africanista Alvaro de Castellões, em que os
+oradores, alguns monarchicos, tonitruaram contra o negociador do
+tratado, o sr. Barjona de Freitas; de modo que no dia em que o ministro
+Hintze Ribeiro se aprestou a ler o respectivo texto á camara dos
+deputados, a esquerda parlamentar acolheu as suas primeiras palavras com
+uma enorme pateada. A esta manifestação da esquerda corresponderam
+ligeiras manifestações das galerias e a maioria rompeu em invectivas
+contra a opposição, despedindo-lhe phrases como estas:
+
+--Fóra pulhas!...
+
+--Isso é indecente!... é de canalhas!
+
+A opposição recrudesceu na gritaria e o tumulto generalisou-se. Serpa
+Pinto, que era deputado governamental por Lisboa, subindo a uma coxia,
+interveiu, clamando com intimativa:
+
+--Nem mais uma palavra aqui, nem mais um pio!
+
+--O que? O que diz? perguntou-lhe o padre Alfredo Brandão.
+
+Serpa Pinto replicou:
+
+--Nem mais um pio, sou eu que o digo.
+
+O reverendo agarrou então o heroe pelas orelhas, sujeitando-o nos seus
+dedos de ferro e a desordem tomou por momentos proporções inenarraveis.
+Restabelecida a calma, o tratado foi enviado ás commissões incumbidas de
+lhe dar parecer. Naufragara decisivamente por effeito do tumulto
+parlamentar.
+
+
+Ao cahir da tarde, esse tumulto repercutiu-se, sangrento, nas ruas de
+Lisboa. O povo, que se agglomerara durante o dia no largo das Côrtes,
+encaminhou-se ao terminar a sessão para os lados da Esperança. A policia
+quiz dispersal-o e effectuou uma prisão que foi mal recebida pela grande
+massa. Tanto bastou para que os guardas cahissem á cutilada sobre os
+populares, travando-se lucta renhida, pois a multidão resistiu
+corajosamente á ferocidade dos janizaros. A policia, por fim,
+refugiou-se na esquadra de S. Bento, em frente das grades do largo das
+Côrtes e d'ali disparou os revolvers sobre o povo, ferindo alguns
+individuos e matando o operario fundidor Carlos Franco (_Antonio
+Pardal_). O cadaver do infeliz foi transportado á casa mortuaria da
+Misericordia e o povo acompanhou-o em cortejo dorido, convidando toda a
+gente que encontrava no percurso a descobrir-se ante o «martyr
+sacrificado ás iras governamentaes».
+
+No dia seguinte declarava-se a crise ministerial. Por espaço de vinte e
+sete dias, a corôa recorreu a todos os expedientes afim de constituir o
+novo gabinete. Pretendia-se que o momento era azado para experimentar os
+politicos que não pertenciam á rotação constitucional. De Roma veiu a
+toda a pressa o sr. Martens Ferrão, mas nada conseguiu fazer. A situação
+era grave, confessavam-n'o os proprios jornaes monarchicos. «Estamos
+á mercê d'um movimento popular, que pode rebentar d'um instante para
+outro e porque a irritação publica augmenta a olhos vistos». Chegou-se a
+aventar a subida ao poder d'um ministerio de concentração, de que
+fizessem parte representantes do partido republicano. A propria imprensa
+democratica quasi que intimava os seus adeptos a tomarem conta das
+pastas vagas. No estrangeiro a Republica Portugueza annunciava-se para
+breve como um facto previsto, indiscutivel.
+
+A 18 de setembro repetiram-se os conflictos populares. Apoz um incidente
+motivado pela policia, no largo de Camões, de dois garotitos
+inoffensivos, uma força da guarda municipal parou em frente do Café
+Martinho, onde abancavam estudantes, jornalistas, militares, deputados,
+gente, emfim de todas as classes, e sem previo aviso desfechou sobre
+aquella mole desarmada, causando um mixto de panico e de colerico
+assombro nas victimas de semelhante surpreza. Depois, a mesma força
+andou em correrias selvagens pela avenida da Liberdade e arterias
+proximas, espancando quem encontrava desprevenido. Quer dizer: apesar de
+demissionario o gabinete regenerador, os serventuarios do regimen
+recorriam ao emprego da brutalidade e da selvageria para aterrorisar o
+povo e impedir o mais ligeiro gesto de censura ao regimen.
+
+Por fim, a crise ministerial foi resolvida com a constituição d'um
+gabinete extra-partidario da chefia do general João Chrysostomo e em que
+eram ministros: da guerra, o presidente do conselho; do reino, Antonio
+Candido; da justiça, Sá Brandão; da fazenda, Mello Gouveia; da marinha,
+Antonio Ennes; das obras publicas, Thomaz Ribeiro; dos estrangeiros,
+Barbosa du Bocage. Mas esta solução dada pela corôa á situação politica
+do momento não logrou aquietar os animos e as primeiras providencias
+decretadas pelo novo governo nada mais conseguiram do que intensificar
+os odios que o throno já concitára á sua volta, e no paiz inteiro.
+
+[Ilustração: Rodrigues de Freitas (1891)]
+
+Iniciaram-se perseguições á imprensa e, para dar satisfação ás
+reclamações inglezas sobre a rejeição do tratado de 20 de agosto,
+approvou-se um _modus-vivendi_, pelo qual Portugal concedia á
+Grã-Bretanha a liberdade de navegação no Chire e no Zambeze. Pela mesma
+época fundou-se a chamada _Liga Liberal_, partido em que preponderou o
+sr. Augusto Fuschini e que teve uma aura de sympathia, dadas as suas
+apparencias revolucionarias. Falhou quasi a seguir, porque não passava,
+afinal, d'uma liga de concentração de interesses conservadores. No
+emtanto, a agitação popular ia crescendo, crescendo sempre, a
+conspiração do Porto alargava mais e mais a importancia e o numero de
+adhesões e nos fins de dezembro de 1890 já se perguntava sem disfarce e
+em voz alta quando rebentava a revolta. A mocidade das escolas fremia de
+impaciencia e de indignação. Guerra Junqueiro publicara o seu _Finis
+Patriæ_ e as estrophes da bella poesia resoavam a todos os ouvidos como
+notas vibrantes d'um canto guerreiro.
+
+Em certa altura, Alves da Veiga apresentou-se em Lisboa e, ás
+advertencias do novo Directorio, que lhe fez sentir a inopportunidade do
+movimento em plena preparação effervescente, respondeu que da melhor
+vontade se esforçaria por addial-o, mas que tal empreza não era facil,
+porque a excitação dos elementos militares portuenses não admittia
+delongas. E, a comprovar-lhe a affirmativa, deu-se um facto que marcou
+por assim dizer a data da revolução, apressando-a, ou melhor,
+precipitando-a. Referimo-nos a uma reunião de sargentos da guarnição do
+Norte, effectuada a 24 de janeiro de 1891, n'uma casa da rua do
+Laranjal. Essa reunião foi provocada por um acto do ministro da guerra,
+que descontentou sobremaneira a classe. Os sargentos vinham desde muito
+reclamando, por intermedio do seu orgão especial, contra a forma de
+promoção; e as suas reclamações assumiram feição mais aggressiva, quando
+a ordem do exercito publicada em 17 de janeiro de 1891 inseriu a
+promoção ao posto de alferes de trez aspirantes,--promoção contraria á
+lei, visto que por ella deviam beneficiar dois aspirantes e um 1.º
+sargento.
+
+O orgão da classe transpareceu logo esse descontentamento e um grupo de
+sargentos da guarnição do Porto divulgou um protesto em que se dizia com
+toda a clareza:
+
+
+«Camaradas!
+
+«Nós temos sido a pella de brinquedo dos governos nos ultimos tempos e o
+nosso bom nome clama com energia para que termine este ultrage. Ha pouco
+era um ministerio que, tendo-nos constantemente illudido com a promessa
+de augmento de vencimento, só quando foi invadido pelo terror da agonia
+é que se lembrou de que nós podiamos ser seu sustentaculo, e por isso
+tentou corromper-nos, sacudindo nas nossas faces as migalhas da
+toalha do orçamento. Agora é um gabinete presidido por um general,
+que nós ingenuamente consideravamos nosso protector, nosso amigo
+solicito e desvelado, que, tendo-nos promettido a escala de promoção por
+antiguidade do curso, se curva ante as exigencias de uma aggremiação
+politica em que militam muitos officiaes da arma scientifica,
+respondendo com despreso á nossa ardente... e jubilosa expectativa.
+
+«Unamo-nos todos: que haja uma só voz, um só pensamento, uma só vontade!
+Só assim nos poderemos vingar impondo a nossa força e fazendo prevalecer
+os nossos direitos contra a perfidia dos nossos _amigos_. Desviemos os
+olhos d'este monturo pestilento, que exhala miasmas que nos asphyxiam e
+volvamol-os para a alvorada que desponta no horisonte social... Tomemos
+as armas nas mãos, e com fé e enthusiasmo saudemos o futuro, que elle
+minorará a nossa sorte ingrata.»
+
+
+Ao mesmo passo, tres sargentos-ajudantes da guarnição de Lisboa redigiam
+e faziam imprimir a minuta d'uma petição que enviaram a todos os corpos
+de infantaria e caçadores, a fim de ser assignada individualmente pelos
+1.os sargentos d'esses corpos e remettida ao parlamento. A petição
+solicitava que a promoção continuasse a ser regulada na razão de um
+terço das vacaturas que occorressem no posto de alferes.
+
+Recebido no Porto esse documento, os sargentos da guarnição
+apressaram-se a reunir para o apreciar.
+
+
+
+
+CAPITULO XII
+
+«E as armas que nos foram entregues para defeza das instituições,
+voltal-as-hemos contra ellas»
+
+
+Á reunião na casa da rua do Laranjal--casa habitada por um individuo da
+intimidade de Santos Cardoso--presidiu o alferes de caçadores 9, Simões
+Trindade, homem da absoluta confiança da classe e que com ella cooperava
+no movimento da revolta. Mas os sargentos presentes, não se contentando
+com o subscreverem individualmente a petição enviada de Lisboa, foram
+mais longe: approvaram a minuta d'um verdadeiro _ultimatum_, ameaçando o
+governo com a sedição caso elle não respeitasse a lei no tocante ás
+promoções. A ameaça continha entre outras esta phrase: «..._e as armas
+que nos foram entregues para defeza das instituições voltal-as-hemos
+contra ellas_».
+
+O sargento-ajudante de infanteria 18 Arthur Ferreira de Castro, que
+tambem tomara parte na reunião, conseguiu obter copia do documento e
+entregou-o ao capitão do mesmo regimento Alexandre Sarsfield, que, por
+sua vez, o passou ao coronel Lencastre de Menezes. Estava denunciado o
+proposito dos sargentos e não tardou que o ministerio da guerra, tendo
+conhecimento minucioso do que se discutira na assembléa da rua do
+Laranjal e de posse de uma lista de officiaes inferiores que a ella
+tinham assistido, desatasse a transferir quantos se lhe affiguravam
+suspeitos de republicanismo.
+
+Quer dizer: a traição do sargento-ajudante Arthur Ferreira de Castro não
+só revelou ao governo a existencia da conspiração como, provocando as
+immediatas represalias, contribuiu directamente para que os
+revolucionarios apressassem a sua sahida e a levassem a cabo em
+condições bastante tumultuarias. «Sem a denuncia do sargento
+Castro--affirma uma testemunha dos acontecimentos--os sargentos do Porto
+não se teriam precipitado e a revolta, que se daria um mez ou dois mais
+tarde, teria tido provavelmente um chefe militar, um estado maior bem
+mais numeroso, um plano mais intelligente e, seguramente, uma maior e
+mais vasta repercussão. Não seria, então, uma revolta: seria uma
+revolução, incendiando pelo menos metade do paiz e á qual era de
+presumir que a outra metade adherisse, dada a disposição geral dos
+espiritos para uma transformação politica, que um grande numero reputava
+indispensavel e que os outros acceitariam sem protesto. Assim, foi um
+homem, um homem só, obscuro, desconhecido, vindo do anonymato e da
+treva, que subverteu a obra da redempção do anno de 91, entravando a
+evolução politica da nação, fazendo parar com seus fracos pulsos a ideia
+que já se precipitava na gloria de um futuro talvez maravilhoso,
+mergulhando--quem sabe?--a bella Patria portugueza na desesperação de um
+incerto destino ou de um outro, porventura, funestamente irremediavel».
+
+Ordenadas as transferencias de sargentos compromettidos no movimento,
+todos elles foram procurar Santos Cardoso e instaram energicamente para
+que se não addiasse por mais tempo a sua eclosão. Santos Cardoso
+entendeu-se com o dr. Alves da Veiga e este, convencendo-se de que não
+havia maneira de protelar a revolta embora inopportuna, tratou de, em
+curto espaço, ultimar os preparativos dando certa unidade aos elementos
+que, fora do Porto, o deviam secundar no momento decisivo. Santos
+Cardoso ainda tentou um derradeiro esforço junto dos sargentos mais
+exaltados, mas estes, vendo nas evasivas do director da _Justiça
+Portugueza_ um receio injustificado, puzeram a questão n'estes
+termos: «Se no dia 30 de janeiro não resolverem fazer a revolução,
+sahiremos para a rua á frente dos soldados».
+
+Não havia que hesitar. No dia 30, Santos Cardoso e o dr. Alves da Veiga
+decidiram o general reformado da arma de engenharia Correia da Silva a
+tomar a direcção do movimento, mas o general só acceitou o encargo «até
+ao momento em que algum official superior, em effectivo serviço,
+apparecesse a assumir o commando das tropas revoltadas ou ainda se os
+officiaes que se apresentassem á frente d'essas tropas concordassem em
+que fosse elle o chefe».
+
+D'ahi a uma hora, effectuou-se uma reunião em casa d'uns parentes do
+general, na rua de Malmerendas, reunião para que foram convocados todos
+os officiaes adherentes e os individuos da classe civil destinados á
+execução do plano revolucionario. Á mesma hora realisava-se n'uma casa
+da rua da Alegria uma reunião de cerca de setenta sargentos e estes,
+receiando que o general Correia da Silva opinasse pelo addiamento da
+revolta, foram á rua de Malmerendas demovel-o d'esse proposito.
+
+O general ouviu-os e, por fim, concordou-se em que o movimento
+rebentaria na madrugada. Faltava discutir o plano revolucionario. Para
+isso marcou-se nova reunião, ás 10 da noite, na rua de Santa Catharina.
+Talvez n'ella comparecesse maior numero de officiaes, visto que nem
+todos os compromettidos tinham recebido o respectivo aviso e a primeira
+reunião na rua de Malmerendas caracterisara-se pela falta de muitos
+d'esses elementos.
+
+
+«Para aproveitar o tempo que decorria até se realisar essa reunião,
+entendera o general, bem como o dr. Alves da Veiga, que fossem
+procurados alguns officiaes de superior graduação, convidando-os a
+comparecer em casa d'um conhecido negociante do Porto. Esses officiaes
+eram o coronel, o tenente-coronel e um major de caçadores 9, que se
+recusaram a acceder ao convite. Lembrou-se, em vista da recusa d'estes,
+o nome d'outro official, que, sem ter uma graduação superior, era
+comtudo muito estimado entre os seus camaradas e gosava de um notavel
+prestigio entre os seus subordinados. Este alvitre, porém, não foi
+aceito; por consequencia, o general Correia da Silva ficaria, até
+ulterior resolução e dependendo isso das circumstancias occorrentes, com
+o commando em chefe das tropas revolucionarias».
+
+
+Ás 10 da noite, na reunião da rua de Santa Catharina compareceram apenas
+o general, o dr. Alves da Veiga, Santos Cardoso, diversos civis, alguns
+sargentos, o capitão Leitão e um alferes da guarda fiscal. Os outros
+officiaes compromettidos não compareceram, ou, melhor, não foram
+convidados a comparecer. Durante alguns instantes, o general e o capitão
+Leitão discutiram o plano revolucionario. O primeiro entendia que as
+tropas deviam concentrar-se na praça da Batalha e tomar desde logo posse
+do quartel general, do governo civil e do telegrapho, cujos edificios
+estão reunidos n'aquelle local. O capitão Leitão desejava que a
+concentração se fizesse no campo de Santo Ovidio e contrariava a
+indicação do general, porque, dizia, os revolucionarios necessitavam
+antes de tudo vencer uma difficuldade: a da sahida do quartel do
+regimento de infantaria 18. A respectiva officialidade, quasi toda
+residindo dentro do edificio, fôra, decerto prevenida, do proposito dos
+sargentos pela denuncia do traidor Castro e trataria de oppôr-se a que
+elles sublevassem as praças. Por conseguinte, só com a presença dos
+outros corpos nas immediações do quartel é que infantaria 18 poderia,
+quebrando os laços da disciplina, cooperar na insurreição. Quanto ao
+quartel general, os revoltosos contavam que o sargento commandante da
+guarda o submetteria sem difficuldade.
+
+O general Correia da Silva insistiu mais do que uma vez na superioridade
+do seu plano estrategico, mas Santos Cardoso, collocando-se ao lado do
+capitão Leitão, fez vingar a ideia de se effectuar a concentração das
+tropas no campo de Santo Ovidio. Assentou-se tambem em que alguns dos
+civis presentes procederiam á detenção das auctoridades governamentaes,
+mas com a condição de não exercerem sobre ellas a menor violencia, salvo
+se isso se tornasse absolutamente indispensavel ao bom exito da causa.
+Do mesmo modo se deveria proceder para com os officiaes que se não
+solidarisassem desde logo com o movimento. Por ultimo: o general Correia
+da Silva só seria chamado ao campo de Santo Ovidio, se depois das tropas
+ali concentradas não apparecessem a commandal-as officiaes d'uma certa
+graduação.
+
+Dissolvida a reunião, o dr. Alves da Veiga e outros conjurados
+encaminharam-se para a loja maçonica o _Gremio Independencia_, d'onde
+deviam lançar as ordens necessarias para a execução do plano pouco antes
+delineado. A essa hora, no Porto, a noticia de que dentro em pouco
+rebentaria a revolta já se divulgara o bastante para que a maioria da
+população a não ignorasse. Mostra-o o depoimento do ex-tenente Coelho,
+consignado no livro que escreveu de collaboração com João Chagas. Vamos
+transcrevel-o, porque evidencia egualmente a precipitação com que,
+chegado o momento decisivo, se tocou a reunir nos arraiaes revolucionarios:
+
+
+«Entrando o tenente Manuel Coelho, por um mero acaso, na noite de 30 no
+Café Central, que era então um verdadeiro foco de conspiração, veiu
+a saber que se preparava a revolução para a madrugada immediata de 31 em
+circumstancias que é conveniente registar. Depois de haver trocado
+algumas palavras com um seu camarada, tomou assento a uma das mezas do
+café. D'ahi a pouco acercou-se-lhe o dr. João Novaes, que lhe disse:
+
+[Ilustração: Levantando os feridos]
+
+«--Já sabes que a revolução se projecta para a madrugada?
+
+«--Não, respondeu-lhe; e até me surprehende muito a noticia, porque o
+capitão Leitão me viu no quartel e de nada me falou.
+
+«--Pois toda a gente diz isso ahi á bocca cheia. Sabem-n'o todos, até
+mesmo a policia.
+
+«--Não sei de nada, e quer-me parecer que, se a noticia tivesse algum
+fundamento, certamente eu teria sido procurado.
+
+«--Tens razão, com effeito, replicou o dr. João Novaes; mas corre o
+boato com tal insistencia que me parece que elle tem fundamento. Mas
+eu vou já sabel-o; vou falar ao dr. Alves da Veiga.
+
+«O dr. João Novaes sahiu. Pouco depois entravam no Café Central o
+tenente da cavallaria 6 Vaz Monteiro, destacado no Porto, e o tenente
+Margarido de cavallaria da guarda municipal. Aquelle veiu immediatamente
+sentar-se junto de Manuel Coelho, acercando-se de ambos este ultimo,
+que, logo depois de cumprimentar, disse:
+
+«--Então sabes o que para ahi corre?... Diz-se que n'esta madrugada se
+vae fazer uma revolução republicana.
+
+«--Não ouvi ainda falar de tal.
+
+«E a rir replicou:
+
+«--Ah! que tu tambem estás compromettido!
+
+«--Não, não sei de nada, podes crêr...
+
+«E explicou que, se sabia a noticia, era por causa do impedido d'um
+official de infantaria 18 que o dissera no quartel a outras praças
+d'aquelle regimento. Passados momentos, entrava de novo o dr. João
+Novaes, que aproveitou o ensejo para dizer que, com effeito, estava
+plenamente confirmado o boato e que o dr. Alves da Veiga lhe affirmara
+que a revolução se iniciaria ás 3 horas da manhã, com a sahida dos
+corpos revoltados. Entretanto, iam conversando Manoel Coelho e os
+tenentes Vaz Monteiro e Margarido, em assumpto differente d'aquelle que
+primeiro abordaram.
+
+«Eram já dez e meia da noite e os freguezes do café começavam a rarear.
+Preparava-se Manuel Coelho para sahir, quando notou que, do guarda-vento
+envidraçado do café, um individuo, que apenas havia entrevisto, uma por
+outra vez, falar com o capitão Leitão, lhe fazia signal de querer
+transmittir-lhe qualquer communicação. Approximou-se d'esse individuo,
+que lhe disse:
+
+«--O sr. capitão Leitão manda-me aqui para dizer a V. que deseja
+falar-lhe.
+
+«--A mim? Sabe quem sou?
+
+«--É o sr. tenente Coelho, não é verdade?
+
+«--Com effeito. E onde está o sr. capitão Leitão?
+
+«--No _Gremio Independencia_. Se o consente, acompanho-o.
+
+«Seguiram os dois. As ruas estavam inundadas e a chuva persistente fazia
+caminhar rapidamente. Emfim, chegaram á rua Fernandes Thomaz, esquina da
+rua de Santa Catharina, tendo atravessado por uma das ruas lateraes do
+mercado do Bolhão. Subiram a longa escadaria do edificio onde estava
+installado o _Gremio Independencia_ e penetraram n'uma sala do segundo
+andar, onde estava reunido um grande numero de individuos. Eram os
+irmãos d'esse gremio, que tinham sido convocados pelo dr. Alves da
+Veiga, com o fim de encobrir a concorrencia áquella casa, de outras
+pessoas estranhas á associação.
+
+«Á volta do bilhar, jogando, andavam dois homens, um dos quaes era o
+capitão Leitão, trajando á paisana: grosso jaquetão de pelles, calça
+clara unida á perna e chapéo desabado. No nariz, a sua luneta de vidros
+escuros, que elle usava, mais que por outro motivo, pela necessidade de
+occultar a fixidez do olho direito immobilisado, quasi completamente,
+pela paralysia dos musculos da face. Muito embaraçado, olhou em redor e
+disse:
+
+«--O dr. Alves da Veiga está lá em baixo; vamos falar-lhe.
+
+«Depôz o taco e desceram ao primeiro andar. N'um pequeno gabinete
+interior, cuja forma se approximava do symbolico triangulo,
+encontravam-se, cada um sentado á sua meza, Santos Cardoso e o dr. Alves
+da Veiga. Em pé, e como esperando ordens, estava um homem ainda novo,
+pequeno bigode, quasi um buço sombreando-lhe o labio, grandes olhos
+vivos que pareciam prestes a sahir das orbitas, estatura menos que meã,
+largos hombros, busto amplo, poisando em pernas robustas; era
+Annibal Cunha, então cabo de infantaria 18, estudante da Escola
+Polytechnica. O dr. Alves da Veiga estava com um lapis pondo signaes em
+frente dos nomes registados no _Almanach Commercial_ e designados sob a
+rubrica--_Regimento de infantaria n.º 10_.
+
+«--É certo, perguntou Manuel Coelho, o que por ahi corre, da projectada
+revolução para esta madrugada?
+
+«Sim, era certo; não tinha podido ser de outro modo. Santos Cardoso, do
+lado, affirmou com superioridade:
+
+«--Estou a fazer os avisos.
+
+«Com effeito, em cartões de visita, com o seu nome, escrevia--_pede a V.
+para comparecer ás 3 da madrugada no campo da Regeneração_. E mettia
+depois esses cartões em envelopes nos quaes escrevia o nome d'um
+official, entregando-os a Annibal Cunha.
+
+«O tenente Manuel Coelho retirou-se preoccupado. As circumstancias não
+eram de natureza a fazer-lhe acreditar n'um triumpho. Todavia, era
+forçoso acceitar os factos como elles se apresentavam. Era tarde para
+discutir e inopportuno desobedecer».
+
+
+Emquanto no _Gremio Independencia_ se passava isto que acabamos de
+transcrever, varios republicanos em destaque, reunidos n'um gabinete do
+Café Suisso, preparavam o manifesto que desde o inicio da revolta seria
+lançado: _Aos camaradas do Norte e Sul de Portugal; aos cidadãos do
+Porto; aos cidadãos portuguezes!_ Esse manifesto, composto e impresso na
+typographia da _Republica Portugueza_--e cujos exemplares foram
+destruidos ao ser um facto a derrota dos insurrectos--principiava assim:
+
+
+«A força militar do Porto acaba de dar por findo o reinado do sr. D.
+Carlos de Bragança. Proclamou a Republica. Não se trata d'uma simples,
+d'uma transitoria revolta. Foi uma revolução que se fez».
+
+
+Expunha a seguir, a traços largos, a situação do paiz, _situação
+aviltante, deshonrosa, receiante_. Era um documento em que cada um dos
+convivas d'essa historica ceia no Café Suisso puzera a sua «nota
+pessoal, philosophica, ou anedoctica» e que surgira dos commentarios
+calorosos, apaixonados, sobre o resultado do movimento que não tardaria
+a rebentar.
+
+Mas, emquanto os conspiradores davam a ultima demão aos preparativos da
+revolta, as auctoridades civis e militares tomavam conhecimento d'uma
+parte do plano concebido e concertavam os meios de o inutilisar. Ás 7 da
+noite de 30, um amigo do governador civil, Joaquim Taibner de Moraes,
+tendo ouvido a dois sargentos que infantaria 18 se insurreccionaria na
+madrugada de 31 «por causa da transferencia d'um sargento ajudante», foi
+avisal-o do caso e aquella auctoridade dirigiu-se immediatamente ao
+quartel do Carmo, a prevenir o commandante da guarda municipal.
+
+A conferencia foi rapida. N'ella ficou assente que o commandante da
+guarda concentraria, sem grande apparato, toda a força de que pudesse
+dispôr e que mandaria vigiar de perto os outros quarteis militares dados
+como suspeitos. Combinado isto, o governador civil e o commisario da
+policia procuraram o commandante interino da divisão--o general
+Scarnichia marchara pouco antes para Lisboa--e esse commandante foi, em
+pessoa, ao quartel de infantaria 18, onde, em face das suas ordens,
+todos os officiaes passaram a exercer a maior vigilancia nas respectivas
+companhias, «aguardando o que de anormal se preparava».
+
+Por outras palavras: á meia noite de 30, as auctoridades civis e
+militares do Porto sabiam perfeitamente o que estava planeado e
+repousavam descançadas, suppondo ter providenciado de modo a impedir
+qualquer tentativa de sedição. Comtudo é curioso registar que essas
+providencias se haviam limitado á policia civil, á guarda municipal e ao
+regimento de infantaria 18 e que aos commandantes de infantaria 10 e
+caçadores 9 nada fôra communicado ou transmittido que lhes revelasse
+_officialmente_ o proposito dos revolucionarios.
+
+
+
+
+CAPITULO XIII
+
+Vinte annos apoz a derrota...
+
+
+A manhã do dia 30 surgira nevoenta, tristonha, açoitada pelo vento
+agreste do inverno. D'ahi até a noite alta, a chuva cahiu a espaços
+inundando a cidade e afastando das ruas do Porto a massa de transeuntes.
+João Chagas, encurralado na cadeia da Relação, recebera á tarde a visita
+de Alves da Veiga, que sombrio e preoccupado lhe dissera, falando do
+movimento prestes a rebentar:
+
+--Vae ser desastroso...
+
+--Evite.
+
+--É tarde...
+
+
+Ao começo da noite, os soldados de guarda á cadeia e que estavam no
+segredo da conspiração foram despedir-se de João Chagas:
+
+--Vimos dizer-lhe adeus... até logo.
+
+--Até logo.
+
+
+Que se passou depois? Fala o brilhante jornalista, confiando ao auctor
+d'esta narrativa as suas impressões da madrugada tragica:
+
+«Já decorreram vinte annos sobre a derrota... Na vespera á noite, assim
+que a treva obscureceu o ambiente, começaram para mim horas inquietas e
+perturbadas. Sabia que a insurreição devia rebentar ás tres da
+madrugada. Tirei o relogio do bolso. Eram oito horas. Distrahi-me em
+coisas futeis, bebi café e fumei como um desesperado. Ainda, como
+distracção e talvez para surprehender mais facilmente o primeiro rumor
+d'essa arrancada decidida contra a monarchia, abri a janella. A noite,
+humida, afogava a cidade. Houve um instante, já quando se approximava a
+hora marcada para o rebentar do movimento, que suppuz aperceber o
+barulho de carros á desfilada...
+
+«Ás duas e meia, gelado pelo frio, comprehendi que se fazia um silencio
+magestoso, o silencio do somno pesado. Mas d'ahi a pouco levantou-se um
+clamor enorme e distingui gritos, brados, vivas, vozes confusas, retinir
+d'armas. Depois, uns minutos de treguas, minutos terriveis de anciedade
+e, _perto de mim_, o passo cadenciado d'uma força militar... Eu, que não
+resava, fiz _in mente_ uma grande e ferverosa prece _por elles_. A força
+não tardou a desapparecer e voltou a agitar-me a persuasão de que tudo
+recahira em tranquilidade absoluta. Os minutos escoaram-se
+dolorosissimos, augmentando a minha impaciencia, aguçando a minha
+ignorancia do que occorria. Cheguei a ter a impressão de que essa
+guarda-avançada dos insurrectos se submettia completamente e que a mesma
+noite que a vira nascer a veria sepultar. Horrivel e febril essa
+hesitação do meu espirito, sem outro horizonte que uma neblina glacial,
+torturante e a galhofa das sentinellas que vigiavam o meu carcere.
+
+«A fadiga e a commoção prostraram-me. Exhausto, renunciei a saber, a
+indagar, a prescrutar. Tombei no leito, fechei os olhos e dormi. Quando
+despertei, era manhã clara. A nevoa dissipara-se e a cidade surgia
+cheia de luz. Corri á janella. O socego parecia completo. O dia
+annunciava-se lindo, calmo. Mas não tardou que um homem de quem me não
+lembro o nome, entrando na cella, me communicasse que a revolução estava
+na rua, e, seguindo-o e enfiando a cabeça por umas grades de ferro,
+presenciei effectivamente um dos episodios do combate. O movimento
+estava realmente no seu auge. A fuzilaria crescia de minuto para minuto.
+Convencido do triumpho, preparei-me para a sahida da cadeia... Não
+tardariam decerto a vir-me buscar.
+
+«O resto é por demais sabido. Ao começo da tarde, a bandeira
+revolucionaria, que até então tremulara no edificio da Camara,
+desappareceu com o estrondear do canhão. Esse trapo, que era a minha
+esperança, sumira-se após um tiroteio pavoroso, encarniçado. Ao declinar
+do dia, tive a sensação da derrota. Sobre a cidade cahia verdadeira
+mortalha. Tornei de novo a estender-me no leito, dormi doze horas sem
+interrupção e, quando despertei, reconheci-me excellentes disposições
+para affrontar a tempestade que ia desencadear-se, impiedosamente, sobre
+a minha cabeça...»
+
+
+Vejamos o que á mesma hora succedia em Coimbra, onde, como em Santarem e
+outras cidades do paiz, a organisação revolucionaria portuense contava
+um auxilio efficaz.
+
+Resolvido que a sedição se iniciaria ás 3 da madrugada de 31, Alves da
+Veiga mandou a Coimbra Ricardo Severo com o encargo de communicar a
+Silvestre Falcão: «que estivessem todos a postos, mas que só sahissem em
+armas quando recebessem um telegramma em cifra, isto para evitar
+impulsos temerarios.» Ricardo Severo desempenhou-se cabalmente da missão
+e ás 10 da noite reuniam cerca de setenta rapazes na casa dos Arcos do
+Jardim, onde moravam, alem de Silvestre Falcão, Augusto Barreto,
+Guilherme Franqueira e Fernando Brederode.
+
+Em primeiro logar, a assembleia nomeou um _comité_ dirigente, que ficou
+constituido por Silvestre Falcão, Pires de Carvalho, Augusto Barreto,
+Barbosa de Andrade e Antonio José d'Almeida. Depois, Malva do Valle foi
+alugar o telegrapho, para se conservar até de manhã por conta do
+_comité_ e operou-se a juncção do elemento academico com os outros
+revolucionarios de Coimbra, combinando-se por ultimo o seguinte:
+
+[Ilustração: José Sampaio (Bruno) (1891)]
+
+Logo que Silvestre Falcão recebesse na Alta o telegramma cifrado de
+Alves da Veiga, dez ou doze estudantes desceriam a ladeira do Pio até á
+parte posterior do quartel de infantaria 23, onde receberiam as armas e
+as munições destinadas a armar os conspiradores. Em seguida todos elles
+atravessariam a cidade, descendo pelo Quebra-Costas e a rua Visconde da
+Luz até o quartel. Ahi bastaria uma manifestação ao regimento, que, á
+voz dos sargentos revoltados, viria para a rua em sedição. Removidos
+todos os obstaculos que, porventura, se apresentassem á execução do
+plano, os conspiradores iriam depôr a sua obra nas mãos de José
+Falcão, que, informado de tudo, horas antes, puzera o seu esforço ao
+serviço da Republica.
+
+Um dos estudantes ainda lembrou a conveniencia de se destacarem grupos
+armados para junto das residencias dos officiaes do 23, a fim de lhes
+embargarem o passo, caso pretendessem sahir em direcção ao quartel, mas
+Silvestre Falcão ponderou que isso era perigoso e podia provocar uma
+série de assassinios e a assembleia revolucionaria decidiu «caminhar
+temerariamente, lançando o exito da empreza aos azares da guerra».
+
+
+Até á manhã clara, os estudantes conservaram-se reunidos na Alta
+esperando o telegramma do dr. Alves da Veiga. Mas o telegramma não
+chegou e assim que todos elles adquiriram a convicção de que o movimento
+do Porto fôra mal succedido, dispersaram desalentados, ainda que
+dispostos, no intimo, a renovar mais tarde a audaciosa tentativa.
+
+E muitos d'elles a renovaram com effeito. As datas de 28 de janeiro e 4
+e 5 de outubro, trouxeram á evidencia uma boa porção dos nomes dos
+academicos conspiradores de 1891.
+
+
+
+
+CAPITULO XIV
+
+A alvorada triumphante: caçadores 9 inicia o movimento
+
+
+Duas da madrugada...
+
+
+Terminada a reunião na rua de Santa Catharina, os sargentos da guarnição
+portuense que a ella tinham assistido dirigiram-se aos seus quarteis e
+tomaram desde logo as providencias necessarias para a sahida das
+forças no momento opportuno, preparando-a de modo que á rapidez de
+execução se alliasse o affastamento da intervenção de qualquer official
+que, pelo seu prestigio, conseguisse contrariar a revolta.
+
+Caçadores 9 foi o primeiro regimento a dar o signal da sedição. As
+companhias formaram na parada do quartel sob o commando dos sargentos e
+emquanto dois d'elles, Galho e Bandarra, e algumas sentinellas
+procuravam impedir que o coronel Malheiro, o official de inspecção e o
+tenente ajudante saissem dos aposentos e se mostrassem aos soldados, o
+1.º sargento Abilio[A] soltou o primeiro grito de _Viva a
+Republica_!--calorosamente repetido por todos os seus subordinados.
+Entretanto, apesar de todas as precauções tomadas pelos revoltosos,
+o coronel e o tenente-ajudante appareceram na parada e o coronel,
+dirigindo-se ao 1.º sargento, exprobou-lhe em phrases paternaes a sua
+attitude:
+
+--Tambem você, Abilio... e eu... que era tão seu amigo!
+
+--Meu coronel--respondeu o interpellado--v. ex.ª dar-nos-hia grande
+prazer se viesse commandar o regimento.
+
+--Isso não...
+
+--Nesse caso, v. ex.ª fica e nós sahimos.
+
+O tenente-ajudante chorava que nem uma creança e pedia a todos os
+sargentos que desistissem da sua audaciosa sortida, empregando os
+maiores esforços n'esse sentido. O coronel Malheiro ainda tentou falar
+ao regimento, para o demover do seu proposito e por ultimo exclamou para
+o 1.º sargento Norberto, que, como mais antigo, commandava o corpo:
+
+--Mande retirar essa gente para as casernas!
+
+--Agora já é tarde, meu coronel; não pode ser...
+
+E logo a seguir, o mesmo 1.º sargento deu as vozes do estylo:
+
+--_Direita volver, ordinario marche_...
+
+A intervenção do coronel Malheiro falhara por completo.
+
+
+Caçadores 9, sahindo do quartel, subiu em boa ordem a rua de S. Bento e
+dirigiu-se á cadeia da Relação, onde estacou. A guarda á cadeia,
+fornecida por aquelle corpo, era commandada pelo alferes Malheiro. Desde
+que nenhum dos officiaes, conhecidos como republicanos, que estavam
+dentro do quartel, tinha querido assumir o commando do regimento, os
+sargentos lembraram-se durante o trajecto de o offerecer áquelle
+subalterno, que sabiam tambem professar ideias democraticas. E um
+d'elles, abeirando-se da porta da casa da guarda, gritou para dentro:
+
+--Ó sr. Malheiro, venha d'ahi...
+
+O alferes não sahiu e a mesma voz tornou a insistir:
+
+--Ó sr. Malheiro, tome o commando do regimento, porque o official de
+inspecção não quiz acompanhal-o...
+
+O alferes então accedeu ao convite e voltando-se para o sargento da
+guarda recommendou-lhe que vigiasse bem o edificio da cadeia, não fossem
+os presos aproveitar o ensejo para se evadirem. Ninguem se lembrou,
+n'esse momento, que lá dentro estava João Chagas e que era natural
+gosasse immediatamente da liberdade para collocar o seu nome, o seu
+talento, o seu esforço individual e a sua energia ao serviço da
+revolução. Pensou-se apenas--e n'isso o alferes Malheiro deu provas de
+extraordinario sangue frio--em deixar guarnecida a prisão, com o receio
+de que o menor descuido fizesse extravasar para as ruas do Porto a
+grande massa de criminosos ali agglomerada.
+
+Liquidado este incidente, caçadores 9 proseguiu a sua marcha em direcção
+ao grupo de Santo Ovidio. Dentro de pouco reunia-se-lhe o de infantaria 10.
+
+As condições topographicas do quartel que então alojava o segundo
+d'aquelles regimentos permittiram que elle formasse na parada interior
+sem que o official de inspecção desse por tal. Ás 2 e meia da madrugada,
+um dos revoltados foi avisar o capitão Leitão, que morava proximo e que
+não tardou a comparecer no edificio. Dirigiu-se logo á arrecadação, poz
+um capacete na cabeça e tendo inquirido dos outros officiaes
+compromettidos na conjura foi esperal-os para um caramanchão. Estava bem
+longe de suppôr que uma vez chegado ao Campo de Santo Ovidio, teria que
+assumir o commando superior das forças revoltadas...
+
+Os minutos, no emtanto, iam decorrendo e como não apparecessem no
+quartel outros officiaes republicanos, um sargento veiu convidar o
+capitão Leitão a seguir immediatamente com as forças para o campo de
+Santo Ovidio. Assim se fez e o regimento marchou em acelerado para o
+local da concentração. Á entrada na rua da Rainha, encontrou o tenente
+Coelho, que fora chamado ao quartel por um grupo de cabos. O tenente
+Coelho conferenciou rapidamente com o capitão Leitão, trocou o kepi que
+levava pelo capacete do 1.º sargento Vergueiro e assumiu o commando do
+2.º pelotão de infantaria 10. No Campo de Santo Ovidio, os dois
+regimentos formaram d'este modo: o de caçadores 9, em quadrado, proximo
+da porta principal do quartel de infantaria 18; o de infantaria 10 em
+dois circulos na outra extremidade do Campo.
+
+Concluida a formatura, os soldados e os civis já então ali agglomerados
+começaram a dar vivas ao regimento de infantaria 18 para o decidir a
+cooperar na insurreição. Outras vozes elevaram-se:
+
+--Viva a Republica!
+
+--Viva o exercito!
+
+--Abaixo a monarchia!
+
+Momentos depois, o destacamento de cavallaria 6, alojado n'uma das
+dependencias do quartel do 18, sahindo pela porta posterior do edificio,
+veiu a galope formar em linha parallela á fachada. As saudações e os
+vivas redobraram de intensidade. Ao mesmo tempo convergiam para o campo
+as forças da guarda fiscal. O cabo João Borges apresentou-se á frente de
+87 praças de infantaria e o 2.º sargento Silva commandando 24 praças de
+cavallaria da mesma guarda. Quer dizer: ás 4 da manhã de 31 todas estas
+forças estavam revolucionadas e só aguardavam a sahida de infantaria 18
+para iniciarem marcha contra o inimigo monarchico, apenas
+representado, dentro do Porto, pela guarda municipal e a policia civil.
+
+Varios officiaes superiores tentaram, emquanto o 18 não appareceu no
+local, fazer voltar aos respectivos quarteis as outras forças
+sublevadas. O primeiro foi o major Graça, da _guarda pretoriana_.
+Sahindo do quartel do Carmo, á frente de infantaria e cavallaria,
+dirigiu-se ao Campo da Regeneração e chamando o commandante de caçadores
+9 já ali estacionado, intimou o alferes Malheiro a render-se.
+
+--Agora é tarde, respondeu o official revolucionario.
+
+--Ainda não é...
+
+Um cabo que ouvira a intimação exclamou:
+
+--Se é militar, eu tambem o sou; se é portuguez egualmente o sou; mas
+não posso soffrer esta tyrannia por mais uma hora!
+
+O major Graça, em resposta, bradou:
+
+--Querem então que haja derramamento de sangue, e sangue portuguez,
+n'estes dolorosos momentos por que está passando a patria? Pois seja...
+
+Um individuo da classe civil ia, n'esta altura, a arengar qualquer cousa
+aos soldados, mas os militares oppuzeram-se, dizendo-lhe:
+
+--Cale-se; aqui só a tropa tem voz activa.
+
+O major Graça dispoz as suas forças nas ruas da Lapa e de Germalde e foi
+dar ordens ao quartel de S. Braz. D'ahi a pouco entrou no Campo de Santo
+Ovidio o sub-chefe do estado maior da divisão, tenente-coronel Fernando
+de Magalhães. Encaminhou-se para o 2.º pelotão de infantaria 10 e
+perguntou pelo seu commandante. Respondeu-lhe o tenente Coelho.
+
+--Que estão a fazer aqui? disse o sub-chefe.--Mande retirar essa gente
+para o quartel. Os senhores são uns doidos...
+
+--Não é possivel, replicou o tenente. Estou sob as ordens d'um
+capitão do meu regimento e, tendo sahido do quartel, insurrecionado,
+para proclamar a Republica, já é tarde para recuar.
+
+--Quem é esse capitão que commanda o seu regimento?
+
+--O capitão Leitão.
+
+E dizendo isto, o tenente Coelho apontou ao sub-chefe o sitio onde elle
+se encontrava. Junto do commandante de infantaria 10, o sr. Fernando de
+Magalhães empregou quasi as mesmas palavras:
+
+--Mande recolher essa pobre gente a quem está a comprometter.
+
+--D'aqui não sae ninguem, respondeu o capitão, a carta está jogada e
+vamos até ao fim!...
+
+A seguir, o tenente coronel ainda formulou novo conselho de retirada ao
+alferes Malheiro, mas ninguem lhe obedeceu, como, de resto, tambem lhe
+não obedeceriam se elle, em vez de meios suasorios, procurando impôr o
+prestigio da sua personalidade, tivesse tentado outros processos mais
+violentos.
+
+
+Deixemos as forças revoltosas especadas no campo de Santo Ovidio e
+cercadas por todos os lados pela guarda municipal e vejamos o que se
+passava no quartel de infantaria 18. A insurreição d'este regimento não
+fora levada a cabo com tanta facilidade como a de caçadores 9 e
+infantaria 10, por causa das prevenções tomadas pelos officiaes. Um dos
+sargentos do 18, que assistira á reunião na rua de Santa Catharina, ao
+regressar ao quartel recebera ordem de detenção e só por um prodigio de
+astucia é que, illudindo a vigilancia do official de inspecção,
+conseguira dar conhecimento das deliberações tomadas na mesma reunião
+aos sargentos de cavallaria 6. Ainda assim, á hora marcada para a
+revolta, as companhias, á ordem dos officiaes superiores, começaram a
+formar as casernas.
+
+[Ilustração: Proclamação da Republica]
+
+Presentindo o movimento, alguem quiz evital-o, mas inutilmente. D'uma
+janella do primeiro pavimento, o tenente-ajudante arengou ás forças que
+já estavam na parada, mas dois tiros disparados na direcção d'essa
+janella cortaram-lhe o discurso. O coronel do regimento, Lencastre de
+Menezes, mostrando uma indecisão extraordinaria, ordenou a varios
+officiaes que sahissem do quartel a indagar que forças estavam formadas
+no campo.
+
+Decorrido algum tempo, os sargentos do 18 compromettidos na revolta,
+julgando que nem todos os seus camaradas adheriam á insurreição e que a
+sahida do regimento não se operaria sem um impulso energico,
+soltaram gritos furiosos de traição!--e assim conseguiram arrastar um
+grosso contingente de soldados--quasi duas companhias--para junto dos
+revoltosos do 9 e do 10. Mas o portão do edificio voltou a fechar-se
+sobre a sahida d'essa força e os instantes foram passando sem que o
+regimento adoptasse uma attitude definida em conjunctura, como essa, tão
+critica.
+
+Era necessario, na verdade, tomar uma resolução. Apoz alguns momentos de
+reflexão, em que os officiaes revoltados trocaram impressões sobre o
+caso, infantaria 10 e caçadores 9, formando a quatro, encaminharam-se
+para a parte posterior do quartel do 18 e estacionaram em frente da
+egreja da Lapa. As forças da guarda municipal, sob o commando do major
+Graça, retiraram prudentemente e, deixando livres as ruas que conduzem
+ao campo de Santo Ovidio, foram estacionar para a praça da Batalha,
+junto do quartel general e do telegrapho.
+
+A multidão, que a cada instante crescia, misturava aos das tropas os
+seus vivas atroadores. «No rosto de toda a gente havia a expressão d'uma
+alegria indizivel. Por vezes, os mais enthusiasmados rompiam as fileiras
+e iam abraçar um sargento ou um soldado, victoriando-os, acclamando-os.
+Era tão quente o arrebatamento, tão ardente aquella ruidosa alegria que
+a doce e consoladora esperança na victoria revolucionaria penetrava em
+todos os corações, dissipando vagos receios que a longa inacção das
+tropas fizera despertar.»
+
+
+Tratava-se agora de invadir o quartel de infantaria 18 e impellir de
+qualquer maneira esse regimento para a revolta. Os populares que se
+tinham collocado na vanguarda das forças do 9 e do 10 fôram a uma
+estação de incendios, que havia perto, trouxeram de lá dois machados e
+abriram um rombo na porta do quartel do lado da Lapa, que o coronel
+Lencastre de Menezes fizera pouco antes barricar. Soldados e populares
+iam, certamente, a entrar de tropel no edificio e travar lucta com os
+elementos hesitantes, quando o actor Miguel Verdial, tendo, n'um
+relance, a visão da provavel carnificina--o quartel era habitado por
+muitas familias--exclamou para os invasores:
+
+--Suspendam, que eu vou parlamentar com o coronel.
+
+Cá fóra, os vivas ao regimento de infantaria 18 eram calorosos e sem
+interrupção.
+
+Atraz de Miguel Verdial, entraram no quartel Santos Cardoso e outros
+individuos da classe civil e por fim o capitão Leitão commandando uma
+força dos dois regimentos revoltados. Santos Cardoso, gesticulando como
+um possesso e ameaçando a officialidade do 18 de ser riscada do exercito
+caso não adherisse á Republica, encaminhou-se para junto do coronel
+Lencastre e disse-lhe:
+
+--A esta hora estão quarenta e quatro regimentos sublevados, o
+telegrapho na nossa mão, o rei a embarcar: não queira V. ex.ª ser a
+unica nota discordante.
+
+--Deixe-me, replicou o coronel, eu não sou republicano nem monarchico.
+Sahirei d'aqui a pouco.
+
+O capitão Sarsfield, que estava proximo, accrescentou:
+
+--Visto que vae parte do nosso corpo, vamos tambem.
+
+Por seu lado, o capitão Leitão tambem procurou convencer o coronel a
+acompanhar os revoltosos. E, ao cabo d'alguns momentos, conseguiu
+effectivamente d'elle essa promessa, que mais tarde, nos conselhos de
+guerra, varios officiaes do 18 se empenharam em negar tivesse sido
+feita. Emquanto isto se passava, uma força da guarda municipal
+commandada por um tenente apparecia no largo da Lapa a enfileirar
+ao lado de infantaria 10. Depois, por conselho do tenente Coelho,
+punha-se novamente em marcha e seguia pela rua que ladeia á esquerda o
+quartel do 18.
+
+D'ahi a pouco, o capitão Leitão, sahindo d'aquelle edificio, voltava
+para junto das forças sublevadas e communicava aos officiaes ás suas
+ordens:
+
+--O 18 vem já. Nós seguimos para a Praça Nova e lá o esperamos. O
+commandante disse-me que vinha em breve: que estando elle e quasi todos
+os officiaes presentes no quartel era necessario tomar certas medidas de
+ordem e segurança e que convinha reunir o conselho administrativo antes
+do regimento sahir.
+
+Mas não era só o capitão Leitão que affirmava isto. Militares e civis,
+todos quantos sahiam n'aquella celebre manhã do quartel de infantaria 18
+asseveravam que o coronel Lencastre de Menezes não tardaria com as
+forças do seu commando a juntar-se aos insurrectos. E faziam-no,
+certamente, por terem ouvido ao official já citado palavras muito
+nitidas a tal respeito. Mais tarde, nos conselhos de guerra,
+pretendeu-se desmentir tudo isso, e embora tivesse sido aconselhado ao
+capitão Leitão e aos outros reos que não aggravassem a sua situação com
+accusações a officiaes superiores que não estavam mettidos no processo,
+a verdade é que das acareações feitas em pleno tribunal militar resultou
+o convencimento geral de que só por um mero acaso não soffreram o
+castigo imposto a certos dos conspiradores outras creaturas de maior
+patente e mais graves responsabilidades.
+
+ [A] O 1.º sargento Abilio, hoje tenente n'um regimento de
+ infantaria, apoz o mallogro da revolta de 31 de janeiro, deixou
+ crescer a barba e prometteu á esposa que só a faria rapar no dia em
+ que em Portugal fosse definitivamente proclamada a Republica. Quando
+ rebentou a revolução de 4 e 5 de outubro, a esposa, que estava em
+ Espinho, telegraphou-lhe para o Porto, anciosa, a pedir noticias. O
+ 1.º sargento Abilio dirigiu-se á estação da praça da Batalha e
+ depositou um telegramma de resposta em que dizia: «_Estou bom; foi
+ proclamada a Republica_». O empregado dos telegraphos recusou
+ acceitar a communicação.
+
+ --Porque não acceita? perguntou-lhe o antigo revolucionario do 31.
+
+ --Porque ahi diz que foi proclamada a Republica e a noticia ainda
+ não é _official_.
+
+ --Bem... não ha duvida, redijo outro telegramma.
+
+ E redigiu. A esposa, quando o recebeu delirou de contentamento e foi
+ mostral-o a umas pessoas amigas. Mas estas, lendo o texto, não se
+ contiveram que não observassem:
+
+ --Seu marido mandou-lhe um telegramma de troça. Pois não é?...
+ _Estou bom; vou fazer a barba_...
+
+ --Não é troça, não... _Se elle vae fazer a barba_ é porque _já foi
+ proclamada a Republica_!
+
+
+
+
+CAPITULO XV
+
+Proclama-se a Republica no edificio da Camara Municipal
+
+
+Já manhã clara, as forças revolucionarias sahiram das immediações do
+quartel de infantaria 18 e dirigiram-se pela rua do Almada até á praça
+de D. Pedro, onde deviam occupar os paços do concelho para se effectuar
+a cerimonia da deposição do monarcha reinante e da proclamação da
+Republica. Segundo a formatura ordenada pelo capitão Leitão, abria a
+columna, tocando a _Portugueza_, a banda, quasi completa, de infantaria
+10, com alguns musicos de caçadores 9, todos sob a direcção do musico de
+1.ª classe Eduardo da Silva; seguia-se-lhe a guarda fiscal e depois as
+praças d'aquelles dois regimentos, as do 9 antecedendo o 10. Conta um
+chronista:
+
+
+«Desde que as forças começaram a marchar, sentia-se desapparecer a
+oppressão que invadira todos os espiritos n'essas longas tres horas em
+que, fóra ou dentro do quartel, se tentara que o regimento de infantaria
+18, devidamente commandado, viesse augmentar as forças da revolta. O que
+se seguiria depois parecia não preoccupar os espiritos. Acreditava-se
+firmemente que o regimento de infantaria 18 estava inclinado a apoiar a
+revolta. Se assim fosse nenhuma duvida poderia offerecer a victoria
+decisiva da Republica; não porque a força do regimento de infantaria 18
+desse ás tropas insurreccionadas uma superioridade notavel sobre as da
+guarda municipal, mas pela alta significação que teria não só para a
+população civil mas para o quartel general o facto das tropas sublevadas
+serem commandadas por um coronel e muitos officiaes. Era evidente que,
+se esse acontecimento viesse a realisar-se, as adhesões seriam
+innumeraveis. Ninguem teria duvida em acceitar os factos consumados; as
+garantias de victoria eram indiscutiveis; a resistencia da guarda
+municipal seria nulla, sem contestação; a ordem estava assegurada.
+
+«Animadas d'uma doce esperança, as tropas revolucionarias, ladeadas
+por immensa multidão, seguiram para a praça de D. Pedro. Ao longo
+da rua do Almada, desfilava a columna em formação regulamentar e
+disciplinadamente. As janellas estavam todas abertas, e os habitantes
+que já tinham conhecimento de que a guarnição militar da cidade sahira
+dos quarteis para proclamar a Republica recebiam a noticia com manifesto
+aprazimento. E assim, á medida que as forças da revolta iam descendo a
+rua, ás saudações erguidas pelo povo que as acompanhava, correspondiam
+das janellas, gritando:
+
+«--Viva a Republica!
+
+«--Viva o exercito portuguez!
+
+«Acenavam com lenços, davam palmas, n'uma grande expansão de alegria que
+punha nos corações um suavissimo calor e nos labios um sorriso de
+triumpho. Nunca tão espontanea e tão calorosa manifestação se produziu
+na bella cidade do Norte. Nunca o Porto, a cidade do trabalho e das
+grandes virtudes civicas, fez tão enthusiastica acclamação a um exercito
+victorioso, porque nunca esteve mais identificado com a ideia que esse
+exercito vinha proclamando. Na rua a multidão engrossava a cada momento,
+e, quando as tropas revolucionarias dobravam a rua do Almada para entrar
+na praça de D. Pedro, era difficil romper por entre a massa compacta que
+se agglomerava...»
+
+Chegadas as forças á praça de D. Pedro, formaram rodeando a mesma praça
+pelos lados do norte, nascente e sul, começando a linha pela guarda
+fiscal e terminando por caçadores 9. O esquadrão de cavallaria 6, que
+tambem acompanhava a columna, estacou na rua occidental da praça.
+
+Pouco passava das seis horas da manhã. As acclamações despedidas pelos
+populares continuavam vibrantes, enthusiasticas. De repente, abriram-se
+as janellas dos paços do concelho e alguns individuos da classe civil,
+entre os quaes se destacava a figura herculea de Santos Cardoso,
+appareceram a dar vivas á Republica, ao exercito e aos regimentos
+sublevados. Um popular, armado de espingarda, foi buscar a bandeira do
+Centro Democratico Federal 15 de Novembro; Santos Cardoso agitou-a
+freneticamente sobre a multidão e depois fel-a arvorar no mastro que
+sobrepujava o frontão do edificio. A guarda de honra nos paços do
+concelho era feita por uma força de infantaria 10 commandada pelo 1.º
+sargento Vergueiro.
+
+Decorrido algum tempo, o dr. Alves da Veiga assomou a uma das janellas
+da casa da Camara e proferiu um discurso, entrecortado pelos applausos
+da multidão. Depois ia a ler os nomes das pessoas que deviam constituir
+o governo provisorio, mas o actor Miguel Verdial arrancou-lhe o papel
+das mãos e procedeu a essa leitura. Esses nomes eram os seguintes:
+
+
+_Rodrigues de Freitas._
+
+_Joaquim Bernardo Soares_ (desembargador).
+
+_José Maria Correia da Silva_ (general de divisão).
+
+_Joaquim Azevedo Albuquerque_ (lente da Academia Polytechnica).
+
+_José Ventura dos Santos Reis_ (medico).
+
+_Licinio Pinto Leite_ (banqueiro).
+
+_Antonio Joaquim de Moraes Caldas_ (professor).
+
+_Alves da Veiga._
+
+
+Cada um d'estes nomes foi acolhido com vivas delirantes e estrepitosos.
+Proclamado o governo provisorio, a maioria dos populares que tinham
+entrado na casa da Camara desceu á praça a misturar-se com os soldados,
+que, diga-se sem hesitações, já começavam a sentir os effeitos d'uma
+immobilidade que afinal ninguem justificava. Na varanda dos paços do
+concelho ondulavam dezenas de bandeiras azues e brancas. O nevoeiro, que
+de madrugada amortalhara a cidade, dissipara-se lentamente.
+
+
+O capitão Leitão, vendo que, em contrario do que lhe assegurara o
+coronel Lencastre de Menezes, infantaria 18 não vinha juntar-se ás
+forças revoltadas, e que os minutos corriam rapidos sem que no local
+apparecessem outros officiaes além dos tres que desde o começo da
+revolta lhe tinham francamente adherido, approximou-se do tenente Coelho
+e disse-lhe:
+
+--Estou a perceber isto perfeitamente; fomos trahidos: _são uns
+infames_. Disseram-me que a guarda municipal adheria e não a vi no
+campo; que o sub-chefe de estado maior tambem vinha e eu tambem o não
+vi... Aqui acontece a mesma cousa. _São homens de pannos quentes._
+Talvez haja motivo para demoras. Pelo sim pelo não continuarei a esperar...
+
+Mas os soldados mostravam desejos de seguir para a frente e um popular,
+approximando-se do capitão Leitão, observou-lhe que a guarda municipal
+já estava occupando a praça da Batalha, na defensiva e que era urgente
+desalojal-a d'ali para se occupar o telegrapho e o quartel general.
+Outro popular aconselhou-o a fraccionar as forças do seu commando.
+
+[Ilustração: A Bandeira da Revolta que foi hasteada na Camara Municipal]
+
+--Ora, tenha juizo, replicou o valente official. Ninguem nos hostilisa.
+
+E, voltando-se para o tenente Coelho, acrescentou:
+
+--Vou tomar uma resolução definitiva: vou mandar seguir pela rua de
+Santo Antonio, onde me apresentarei ao general; n'um caso ou n'outro
+elle dará as suas ordens...
+
+O tenente Coelho notou que a guarda da Camara tinha desapparecido e que
+era conveniente não deixar o edificio á mercê da populaça. O capitão
+Leitão concordou com a ideia e mandou para os paços do concelho uma
+força do commando d'um sargento. Feito isto dispoz-se a marchar em
+direcção á praça da Batalha. Antes, porém, reuniu com o tenente Coelho e
+o alferes Malheiro uma especie de conselho conversando os tres
+sobre a attitude que d'ahi por diante deviam adoptar as tropas
+sublevadas perante as outras que não manifestavam adhesão ao movimento.
+O tenente Coelho registou mais tarde, do seguinte modo, as ideias que
+predominaram n'essa conferencia:
+
+
+«O parecer de que as forças da revolta se dividissem em differentes
+fracções que por diversas ruas convergiriam na praça da Batalha,
+forçando a guarda municipal que ali se encontrava a abandonar o seu
+posto, atacada de frente, de revez e de flanco foi posto de parte,
+porque, apesar de tudo, se tinha como certa a adhesão d'essa força desde
+que as tropas sublevadas manifestassem não abandonar o seu proposito. A
+guarda municipal estava informada de que o regimento de infantaria 18
+apoiava a revolução; vira com que ardentes acclamações eram saudadas as
+forças revolucionarias; sentia-se, portanto, isolada do resto das tropas
+da guarnição e das sympathias da população civil; demais entre aquella
+guarda havia um grande numero de homens que tomara parte nos
+preparativos da revolta.
+
+O que havia, pois, a fazer era, do mesmo modo que a guarda municipal
+procedera com as tropas sublevadas no campo de Santo Ovidio, procederem
+tambem para com ella, aconselhando-a a abandonar a sua attitude
+espectante e a adherir ao movimento insurreccional; o regimento de
+infantaria 18 havia adherido, não era rasoavel nem patriotico que a
+guarda municipal o não fizesse. As tropas sublevadas não tinham a menor
+intenção de fazer derramar sangue de irmãos d'armas; não desejavam uma
+lucta fratricida, tanto menos presumivel que, sem excepções, todo o
+exercito se sentia impellido a resgatar o paiz da humilhante situação em
+que se encontrava por virtude dos actos dos governos da monarchia,
+que não se inspiravam nos sagrados interesses nacionaes.
+
+«Não. A guarda municipal era com as tropas da revolta. Se estas não
+tinham a commandal-as officiaes, cujas patentes e cujos nomes se
+impuzessem, bem certo era que o regimento de infantaria 18, com o seu
+coronel e com os seus officiaes, tinha adherido ao movimento
+revolucionario e não havia que hesitar. Os tres officiaes que se
+encontravam com as forças sublevadas, ali, não queriam reivindicar
+nenhum direito de superioridade; contentavam-se bem com a satisfação da
+sua iniciativa e, nem por si, nem pelos seus subordinados, reclamavam
+nem outros postos nem outras honras. Se outras ideias germinavam no
+espirito dos que não tinham até aquelle momento adherido á revolta, que
+se desilludissem. Que o throno desapparecesse: mais nada. A nação
+governar-se-hia sem profundas transformações. Ellas viriam depois. O
+essencial era quebrar com a criminosa tradição. Por ella é que Portugal
+vergava ao peso de tanta deshonra, por ella é que a vida social vinha
+sendo insupportavel. Governar-nos-hiamos como irmãos, no mesmo
+sentimento commum dos interesses individuaes, coincidindo com os da
+Patria. Taes pensamentos animavam as tropas sublevadas. Não havia que
+discutir.»
+
+
+Resumindo: o capitão Leitão iria á frente das forças e ao chegar á praça
+da Batalha procuraria parlamentar com o sub-chefe de estado maior,
+Fernando de Magalhães, que os revolucionarios consideravam intelligente
+e de caracter. Elle decidiria em ultima instancia se a superioridade
+estava, na verdade, do lado dos sublevados e se a guarda municipal podia
+ou não submetter-se-lhes sem hesitações. Era o appello honesto a um
+arbitro de occasião, que gosava ao momento de justificado prestigio na
+classe militar.
+
+
+
+
+CAPITULO XVI
+
+O choque sangrento--A guarda municipal desbarata os revoltosos
+
+
+As forças do commando do capitão Leitão sahiram da praça de D. Pedro e
+principiaram a subir a rua de Santo Antonio. Formavam uma columna «em
+marcha de quatro», levando á frente a banda de infantaria 10;
+seguia-se-lhe a guarda fiscal e iam depois caçadores 9 e aquelle
+regimento. A guarda municipal formava ao alto da rua, no adro escalonado
+de Santo Ildefonso, guardando a entrada da Batalha pelas ruas de Santa
+Catharina, Santo Antonio, de Santo Ildefonso, de Cimo de Villa e viela
+da Madeira. A entrada pelas ruas de Entreparedes e Alexandre Herculano,
+vedavam-na cem praças fieis da guarda fiscal. No lado nascente do antigo
+theatro de S. João formava cavallaria 6, cobrindo o edificio do quartel
+general e governo civil.
+
+Uma multidão immensa acompanhava as forças da revolta na marcha rua de
+Santo Antonio acima e essa arteria do Porto tinha um aspecto quasi de
+festa. A maior animação e alegria illuminavam-na. Do povo sahiam brados
+enthusiasticos victoriando os sublevados. As senhoras que estavam ás
+janellas agitavam freneticamente os lenços, soltavam vivas calorosos,
+batiam as palmas n'um contentamento indescriptivel. A satisfação
+dominava tudo e todos. A marcha das forças tinha o caracter
+insophismavel d'um passeio triumphal, em que elles pareciam recolher os
+applausos pela victoria alcançada rapidamente e sem embate sensivel.
+
+Na altura da viela chamada dos Banhos, do lado direito da rua de Santo
+Antonio, o povo que acompanhava os sublevados hesitou e recuou. O
+capitão Leitão olhou para cima, e viu a guarda municipal em attitude
+defensiva com as armas apontadas para a columna. Não ligou grande
+importancia ao facto e, como a banda de infantaria 10 continuasse a
+tocar, não ouviu que de Santo Ildefonso os cornetas tinham feito o
+signal de _alto_--_meia volta_. Ia a proseguir na marcha quando
+presenceou que dois soldados da guarda fiscal, sahindo da fórma, se
+dispunham a disparar as armas contra a municipal. Correu para elles e
+gritou-lhes:
+
+--Não atirem!... A guarda não nos faz mal!...
+
+[Ilustração: Basilio Telles 1891]
+
+Os homens entraram na fórma e elle então, collocando-se á frente da
+columna, levantou os braços, como pretendendo affirmar á municipal que a
+attitude dos sublevados era pacifica. De nada valeu esse expediente. A
+guarda, fazendo pontarias baixas, deu uma descarga que lançou o maior
+panico nas forças da revolta e nos populares que pejavam a rua de Santo
+Antonio. A marcha deteve-se. Uma commoção violenta agitou aquella massa
+compacta. N'um segundo, ou em menos d'um segundo, produziu-se um grande
+e precipitado movimento de recuo. Os populares, como por instincto,
+penetraram nas fileiras da columna procurando um abrigo. Impellida
+pela força collossal d'essa enorme multidão, a columna dissolveu-se,
+desordenada e a breve trecho a rua de Santo Antonio ficou juncada de
+corpos inanimados e dos despojos das victimas. O capitão Leitão, ferido
+na cabeça, abrigou-se n'uma casa proxima, acompanhado de dois
+corneteiros e d'uma praça da guarda fiscal e mandou fazer repetidos
+toques de cessar fogo. Trabalho inutil. A guarda municipal, abrigada por
+detraz de pedras continuou a alvejar a rua de Santo Antonio, respondendo
+áquelles toques com tiroteio renhido.
+
+Entretanto, no meio de todo esse panico, os soldados revoltados ou se
+agrupavam junto de alguns portaes ou se deitavam no chão, offerecendo o
+menor alvo possivel ao fogo da guarda. E, emquanto tiveram munições,
+responderam com valentia ao ataque da força fiel ao regimen monarchico.
+Esses heroicos combatentes eram principalmente da guarda fiscal e de
+caçadores 9, porque o regimento de infantaria 10, estando no fundo da
+rua de Santo Antonio ao começar o tiroteio, fôra forçado a recuar até á
+casa da camara. E assim se sustentaram n'um ou n'outro ponto da rua,
+quasi sempre expostos aos projecteis da municipal, atirando sobre os
+adversarios com uma serenidade extraordinaria, desafiando impavidamente
+a morte.
+
+Em certa altura, ouviram-se na praça de D. Pedro os primeiros tiros da
+artilharia. A bateria da Serra do Pilar intervinha na lucta para lhe pôr
+o ponto final. Os revoltados até então escalonados na rua de Santo
+Antonio desceram até ao edificio municipal e ahi se reuniram ás forças
+do 10, que se tinham concentrado n'esse ponto desde o começo da refrega.
+O capitão Leitão, havendo conseguido, depois de abandonar a casa onde se
+abrigara, chegar por entre quintaes e escalando muros até á Praça Nova,
+ainda procurou com as forças reunidas na casa da camara operar um
+retorno offensivo sobre a guarda municipal. Mas não houve meio, ou
+melhor, já era tarde para tentar a sortida. Pequenas fracções da guarda,
+protegendo a bateria de artilharia postada nos angulos dos Loyos e de S.
+Bento, começaram a atacar os sublevados encurralados nos paços do
+concelho e um tiro de peça, arrombando a porta do edificio, mostrou
+áquelles valentes que a situação se definia, irremediavelmente como a
+derrota da Republica.
+
+O capitão Leitão abandonou a casa da camara e d'ahi a pouco os outros
+combatentes imitaram-n'o, terminando a lucta cerca das 9 da manhã.
+Durara duas horas.
+
+Por este relato é facil de vêr que a victoria alcançada pela guarda
+municipal foi mais devida á excessiva _boa-fé_--chamemos-lhe assim--das
+tropas revolucionarias do que á coragem dos soldados fieis á monarchia.
+Se as forças revolucionarias houvessem marchado sobre a praça da Batalha
+em disposição hostil, o resultado do choque sangrento teria sido, sem
+duvida, bem diverso. O proprio capitão Leitão reconheceu isso mesmo no
+conselho de guerra a que foi submettido:
+
+--Se eu adivinhasse que tratava com tal gente--disse elle, referindo-se
+ás forças do commando do major Graça--eu procederia d'outra forma e hoje
+não me alcunhariam de imbecil. Eu avançava com a maior serenidade e nem
+mesmo me passava pela mente que ia para um ataque. Suppunha-os
+plenamente seguros e, como já disse, tinha razões para isso. Se eu
+entendesse, se eu suspeitasse do que me esperava, não teria receio algum
+de os atacar.
+
+«Não era a guarda municipal, que de poucas forças dispunha, pois não
+estava toda reunida (e nem mesmo que o estivesse) que derrotaria as
+forças do meu commando. Cercal-a-hia, e isso sem grandes planos
+estrategicos e forçal-a-hia a render-se, sem mesmo disparar um
+tiro. E não se daria a grande desgraça que se deu. Eu envolvia a guarda
+e ella não poderia resistir. Não lhes chamem, pois, valentes, porque o
+não são. Estava espantado de um tal procedimento. «Eu não ia para
+isto»--disse na casa onde entrei. E esta é a verdade; a prova é que
+alguem que ouviu a minha phrase já aqui a referiu. Não digo isto para
+declinar responsabilidades, porque não quero declinal-as...»
+
+Incontestavelmente, a guarda municipal não poderia manter-se nas suas
+posições; e, nem pelo numero nem pela dextreza, conseguiria offerecer
+uma resistencia demorada. Alem d'isso, não estava suficientemente
+instruida no manejo da espingarda Kropatschek, que só muito pouco tempo
+antes da revolta lhe fôra distribuida; o serviço especial de policia, em
+que era empregada, não lhe permittia evolucionar convenientemente em
+combate. Pelo contrario; os seus adversarios, tendo passado pela
+carreira de tiro em exercicios reiterados, estavam perfeitamente aptos
+para se medir com ella e para a subjugar sem esforço sensivel ou grande
+dispendio de munições. E a prova é que a guarda se conservou sempre na
+defensiva, abrigada pelas varandas de pedra que guarnecem as escadas e
+patamares que dão accesso á egreja de Santo Ildefonso e só mudou de
+attitude quando a bateria de artilharia, rompendo o fogo contra o
+edificio municipal, rematou a contenda.
+
+
+Emquanto, na rua de Santo Antonio e na praça Nova se desenrolavam os
+acontecimentos que acabamos de narrar, as guardas de revoltados que
+haviam ficado nos quarteis impediam que ali entrassem os respectivos
+officiaes não adherentes ao movimento e que o mesmo movimento
+surprehendera ainda no leito ao romper da manhã de 31 de janeiro.
+No quartel de caçadores 9, por exemplo, ficara uma força sob o commando
+do sargento Galho, que mandara armar todas as praças que ali estavam,
+collocando-as ás suas ordens. Instantes depois do regimento ter sahido
+para a revolta, essa força avistando na rua de S. Bento um troço da
+guarda municipal, fel-a dispersar com uma descarga. E desde manhã até ao
+começo da tarde, todos os officiaes que tentaram penetrar no edificio
+foram respeitosamente prevenidos pelo sargento Galho de que desfecharia
+sobre elles a sua espingarda.
+
+[Ilustração: Bombardeamento da Camara Municipal pelas tropas fieis ao
+Governo]
+
+Só ás tres horas é que esse valente militar se rendeu, abandonando o
+quartel ao dominio dos vencedores. O capitão Almeida Soares que
+havia tomado conta da guarda á cadeia da Relação, appareceu á porta
+principal d'aquelle edificio e intimou o sargento a entregar-se-lhe.
+
+--Não, respondeu o revoltado.
+
+--Mas isso é uma loucura, insistiu o capitão. A insurreição já está
+suffocada.
+
+--V. ex.ª dá-me a sua palavra de honra?
+
+--Dou.
+
+Então o sargento Galho disparou a espingarda para o ar e franqueou as
+portas do quartel ao capitão Almeida Soares.
+
+
+Em infantaria 10 as cousas passaram-se d'outro modo. Ahi a guarda ao
+quartel, composta d'um cabo e varios soldados conseguiu, ás primeiras
+ameaças, que os officiaes não tentassem sequer empregar a sua
+auctoridade hierarchica para a demover do proposito em que se
+encontrava. Todos elles, percebendo a inutilidade de qualquer esforço
+n'esse sentido, dirigiram-se á casa do commandante do regimento e só
+mais tarde, quando a revolta se considerou completamente suffocada é que
+conseguiram submetter a guarda do quartel e as praças que retiravam da
+lucta que se travara.
+
+Mas, facto digno de registo: tanto n'um como n'outro quartel não se
+produziram violencias--aliás comprehensiveis n'um momento como esse de
+fundamentada agitação e irresistivel anormalidade. Violou-se é certo, a
+disciplina. Nem a revolução era possivel sem esse delicto. Mas ninguem
+faltou ao respeito individual pelos officiaes que não quizeram adherir
+ao movimento.
+
+
+
+
+CAPITULO XVII
+
+A noite negra do traidor Castro
+O destino de trez officiaes
+
+
+Relatados assim os factos que caracterisaram essencialmente a revolta,
+desde o primeiro viva á Republica soltado pelo sargento Abilio até á
+_reconquista_ dos paços do concelho pela guarda municipal victoriosa,
+não é demais uma referencia embora ligeira ao homem que, atraiçoando os
+seus camaradas, contribuiu de algum modo para que a noticia do movimento
+se divulgasse prematuramente e o contrariasse em mais d'um ponto. Esse
+homem, já o dissemos n'outro logar d'esta desataviada narrativa, foi o
+sargento Castro.
+
+«Tendo assistido á reunião da rua do Laranjal--contou elle em conselho
+de guerra, depondo como testemunha accusatoria dos implicados na
+revolta--vi, com espanto, que se tratava d'uma representação dos
+sargentos ao governo, elaborada em termos taes, que era mais uma ameaça
+do que um pedido. Á reunião presidiu o alferes Simões Trindade. Pretendi
+tomar a palavra, para combater a forma como fora escripto esse
+documento, mas a maioria dos assistentes abafou as minhas palavras e eu
+retirei-me do local. _No dia seguinte ao da reunião, procurei o capitão
+Sarsfield e narrei-lhe o succedido, para evitar que mais tarde me
+calumniassem_...»
+
+Mas a delação do sargento Castro não ficou por aqui. Provocando com essa
+narrativa ao capitão Sarsfield as perseguições que as auctoridades
+militares moveram dias antes da revolta aos officiaes inferiores da
+guarnição do Porto, o traidor, na tarde do dia 30, voltou a avisar
+aquelle capitão de que o movimento rebentaria na madrugada do dia
+seguinte. Fez a denuncia e sahiu do quartel do 18, disposto a não tornar
+a entrar lá dentro, porque receiava justamente que os seus camaradas de
+regimento, sabedores do seu acto ignobil, lhe arrancassem a pelle. Ás 11
+da noite, porem, como tivesse deixado ficar no edificio a guia de marcha
+para Lisboa--o sargento Castro fora mandado apresentar com urgencia no
+ministerio da guerra--arriscou-se a penetrar novamente alli e falou ao
+capitão Fumega, que era o official de inspecção. O capitão, mal o viu,
+aconselhou-o a que se retirasse, accrescentando:
+
+--Olhe que a sua vida corre perigo... Alguns sargentos querem matal-o
+por não haver adherido á conjura...
+
+--Não tenho medo, respondeu o traidor, encaminhando-se para a secretaria.
+
+Nessa dependencia do quartel estavam reunidos o coronel Lencastre de
+Menezes e o capitão Sarsfield. O coronel dirigiu ao sargento Castro
+conselho identico ao que já lhe dera o official de inspecção:
+
+--O senhor desappareça do edificio, porque a sua presença aqui pode
+provocar um conflicto grave...
+
+--Vim buscar a guia de marcha, replicou o traidor.
+
+--Isso é o mesmo... Diga onde quer que eu lh'a mande amanhã de manhã...
+
+O sargento Castro obedeceu. E abandonando o quartel foi tomar café.
+Depois como se fazia tarde, lembrou-se de ir dormir a uma hospedaria da
+praça de Santa Thereza. Quando parou á porta, principiava a accentuar-se
+nas ruas o movimento das tropas insurrecionadas. Tremeu de medo. O seu
+acto infame seria, indubitavelmente castigado e castigado com rigor,
+pelas forças que aclamavam a Republica. Receiando que o vissem e
+lhe pedissem estreitas contas da delação foi para a esquadra dos
+Carmelitas e alli supplicou que o não entregassem aos revoltados pelos
+motivos acima expostos e que reproduziu entre lamentos cobardes ao
+commandante da força policial.
+
+Durante hora e meia, conservou-se recolhido n'esse abrigo, estremecendo
+a cada ruido indicativo da victoria dos insurrectos. Passado esse tempo
+veiu ordem do quartel do Carmo para toda a policia da esquadra dos
+Carmelitas--como das outras esquadras--auxiliar as evoluções das tropas
+fieis á monarchia. A esquadra ficou deserta. Cheio de terror,
+sentindo-se isolado no transe mais angustioso da sua vida, o sargento
+Castro acabou por tambem abandonar a esquadra e foi para o quartel do
+Carmo, onde suppunha estar em maior segurança. Ahi, apresentou-se ao
+official de inspecção e este vendo que elle ainda não tinha seguido para
+Lisboa, apesar da ordem urgente que recebera, prendeu-o incommunicavel
+e, no dia immediato, fel-o transportar para bordo da corveta _Sagres_.
+Na corveta detiveram-no por vinte e quatro horas e só o puzeram em
+liberdade quando o commandante do 18, intercedendo em seu favor,
+informou as outras auctoridades militares do papel repugnante que o
+prisioneiro desempenhara na insurreição...
+
+
+Fechemos aqui a historia do traidor Castro e sigamos o destino dos trez
+officiaes combatentes que se salientaram nas diversas phases do
+movimento revolucionario. O capitão Leitão, acabada a lucta na casa da
+Camara, refugiou-se nas proximidades do quartel de infantaria 10 e ás 8
+da noite de 31 foi ao domicilio do tenente Coelho que ahi se acolhera
+apoz a derrota. O tenente Coelho, surpreso, de o ver, exclamou:
+
+--Como, pois tu aqui?
+
+--É verdade, replicou o valente official. Que fazer agora?
+
+--Meu caro, ou fugir ou apresentarmo-nos no quartel general. Para o caso
+de nos expatriarmos é preciso dinheiro que eu não tenho...
+
+--Nem eu. Comtudo, talvez um amigo m'o empreste.
+
+--Pois bem, concluiu o tenente Coelho, se conseguires o dinheiro
+necessario aos dois vem á minha casa ás duas da madrugada; se não
+alcançares senão o sufficiente para ti, vae só e sê feliz...
+
+O capitão Leitão sahiu e não tardou a apparecer ao seu companheiro de
+lucta. Na madrugada de 1 de fevereiro, montou a cavallo e dirigiu-se a
+Oliveira de Azemeis. «Aqui, dil-o uma testemunha presencial, apesar de o
+reconhecerem, as auctoridades não o perseguiram e elle seguiu para
+Albergaria-a-Velha, no intuito de comer alguma cousa. Quando chegou a
+essa localidade, estava o padre, que tem a alcunha de _O Sopas_,
+conversando com varios individuos ácerca dos acontecimentos do Porto.
+Este padre tinha sido, durante doze dias, hospede de cama e meza do
+capitão Leitão. Ao vêr o cavalleiro, exclamou:
+
+--«É elle!...
+
+«Alguem recommendou ao _Sopas_ que não denunciasse o fugitivo. Mas o
+padre approximou-se acto continuo do cavalleiro e disse-lhe:
+
+--«O senhor é o capitão Leitão!
+
+--«Não, não sou, respondeu o interpellado.
+
+«Mas, logo a seguir, commovido, fraco--havia muitas horas que não
+comia--o capitão Leitão succumbiu e cahiu com uma syncope. O padre
+procurou o administrador e este tomando conta do foragido, encerrou-o na
+cadeia. Na prisão, o capitão Leitão teve nova syncope. Quando d'alli
+sahiu, no meio da escolta que o devia acompanhar ao Porto,
+dirigiu-se ao povo em phrases sentidas e a commoção que provocou foi tão
+intensa, que muita gente derramou sinceras lagrimas.»
+
+No trajecto de Albergaria-a-Velha para aquella cidade, o capitão Leitão
+observou ao commandante da escolta:
+
+--Sabe uma cousa... Não triumphámos na revolta de 31 porque fomos trahidos.
+
+--Mas quem os atraiçoou no fim de contas... perguntou o commandante.
+
+--Sou bastante generoso para não denunciar ninguem!
+
+Na cadeia da Relação, o capitão Leitão mostrou-se por vezes
+excitadissimo e nunca cessou de solicitar do respectivo director que lhe
+consentisse vêr o filho--um rapazito de quatorze annos que ia alli
+levar-lhe a comida. No dia 6 de fevereiro á tarde, satisfizeram-lhe o
+desejo. E elle então, ao avistar a creança, ajoelhou, exclamando:
+
+--Perdoa-me, assassinei-te!...
+
+
+O tenente Coelho, esse, apresentou-se no dia 1 de fevereiro, no quartel
+general, aqui entregou a sua espada ao sub-chefe de estado-maior, que
+lhe deu voz de prisão e foi em seguida conduzido para o castello da Foz,
+onde ficou custodiado á vista.
+
+O alferes Malheiro, ao que depois se affirmou, tendo sido derrubado na
+rua de Santo Antonio pelos populares que fugiam das descargas da guarda
+municipal, acolheu-se á casa d'um amigo, d'onde mais tarde passou para
+uma quinta do Douro e d'aqui para a Povoa do Varzim. Na Povoa embarcou
+n'uma canoa de pesca para a Galliza e de Vigo seguiu mais tarde para a
+America do Sul.
+
+
+A maledicencia não poupou nenhum d'esses tres homens. Vendo-os
+derrotados, entreteve-se a assacar-lhes varias infamias, como se
+fosse necessario cobril-os de opprobrio para mais facil apotheose dos
+vencedores. Os jornaes da epocha, porém, registam diversos documentos
+que ao mesmo passo que evidenciam a qualidade dos manejos tecidos para
+denegrir a situação dos tres officiaes, demonstram egualmente que todos
+elles investiram de frente contra as insidias e calumnias espalhadas nos
+orgãos da monarchia. Vejamos, em primeiro logar, esta carta do capitão
+Leitão publicada, já depois de elle ter sido julgado e condemnado em
+conselho de guerra:
+
+
+«_Sr. redactor do «Seculo»_:--Informa o _Dia_ que minha esposa
+supplicára do general Scarnichia commandante da 3.ª divisão militar, o
+auxilio da rainha de Portugal em seu favor e que a soberana ia, com
+effeito, conceder-lh'o bem como a meus dois filhos. Achando-me eu
+separado ha annos da senhora de quem se trata, cumpre-me declarar em
+vista de tal informação, que nem sou solidario com os seus actos nem
+d'elles assumo a menor responsabilidade. Cumpre-me outrosim accrescentar
+quanto a meus filhos que a situação d'estes é perfeitamente independente
+da de minha esposa e se acham felizmente ao abrigo da regia
+philantropia. Lamentando que um tal facto me obrigasse a vir á imprensa
+desvendar um recanto da minha vida intima, etc.--_Antonio do Amaral
+Leitão_.»
+
+
+Trechos d'uma carta do tenente Coelho:
+
+
+«_Sr. redactor do «Diario Popular»_:--Tive por acaso conhecimento de que
+um jornal de Lisboa, no furor de fazer _reportage_, a proposito dos
+lamentaveis successos do dia 31 de janeiro se refere a um incidente da
+minha vida de estudante, deturpando-o e commentando-o de um modo
+insultante para mim. Indigna-me a cobardia; porque é facil e pouco
+perigoso insultar um preso que tem a absoluta impossibilidade de
+desforçar-se. Não fui eu o unico a quem aconteceu aquelle incidente, mas
+fui o unico que por elle respondi, sendo absolvido por unanimidade no
+conselho de guerra respectivo. Outros mais felizes obtiveram as suas
+cartas apesar de identicos incidentes.
+
+[Ilustração: Tenente Coelho (1891)]
+
+«Pois embora tivesse sido denunciado por um camarada, não deixei de lhe
+perdoar o muito que soffri pelo muito que os dignos officiaes que
+compunham o corpo docente da escola do exercito me beneficiaram a mim. E
+desde que vesti a minha farda de official, desde janeiro de 1883, posso
+erguer bem alta a cabeça, que na minha vida não ha uma acção que me
+deslustre! Tenho por testemunhas toda a população de Villa Real, onde
+sempre tenho vivido e os officiaes que commigo serviram em infanteria
+13. Desafio quem quer que seja a desmentir as minhas palavras.
+Transferido violentamente e violentamente exonerado de ajudante de
+infanteria 13, como o prova o sr. conde de Villa Real, pelo simples
+facto de eu ser progressista, partido em que trabalhei afanosamente, bem
+podera ter ficado no mesmo logar se quizesse transigir com o partido
+regenerador, como pode proval-o um dos homens mais honrados e illustres
+d'esse partido, o sr. dr. Antonio de Azevedo Castello Branco. Mas não. O
+meu dever era não abandonar o partido em que me alistára e assim o fiz,
+apesar dos innumeros sacrificios que isso me custou.
+
+«Tendo um grande amor ao trabalho e ao estudo, todo Villa Real sabe e
+todos os que me conhecem testemunham como eu desde as 6 horas da manhã
+até ás 6 ou 7 da tarde, áparte as horas em que cumpria os meus deveres
+officiaes, leccionava varias disciplinas para angariar meios de
+subsistencia para a minha numerosa familia sem me arredar um ponto da
+linha recta da honra e da dignidade.--_Manuel Maria Coelho_.»
+
+
+Uma carta do alferes Malheiro:
+
+
+«_Sr. redactor do «Jornal de Noticias»_:--Tendo lido em diversos
+periodicos que eu tentara alliciar a força da guarda do meu commando, a
+fim de me acompanhar na revolta e que essa força não adheriu devido ao
+procedimento energico do 2.º sargento Benigno, que disse não abandonar o
+seu posto emquanto tivesse munições, tenho a declarar muito
+terminantemente que são falsas taes versões.
+
+«Na occasião em que se apresentou o regimento de caçadores 9 em frente
+da cadeia, sahi do meu quarto e como visse grupos de soldados passeando,
+intimei-os a recolher á casa da guarda, assistindo eu mesmo a essa
+retirada. Disse-lhes, finalmente, que ninguem sahiria d'alli a não ser
+ao brado d'armas. Tudo isto que declaro é a expressão da verdade,
+podendo ser garantido pelo sargento que estava n'esse momento a meu lado.
+
+«Nunca me passou pela imaginação a adhesão da força da guarda, pois
+n'aquelle momento de exaltação não deixei de pensar em que se
+tornava precisa a maior vigilancia sobre a cadeia. Seria leviano,
+mas não tanto como o julgam aquelles para quem escrevo esta
+declaração.--_Augusto Rodolpho da Costa Malheiro._»
+
+
+Repetimos: a maledicencia não poupou nenhum dos tres officiaes que se
+evidenciaram durante a revolta. Dias a fio bradou-se, á mistura com a
+divulgação dos mais censuraveis boatos, que era necessario applicar aos
+culpados todo o rigor das disposições penaes. Pouca gente, da affecta ao
+regimen e á dynastia brigantina, ponderou que a genese do movimento
+brotara exactamente dos erros e dos escandalos d'um e d'outra e que para
+os accusadores serem realmente justos precisavam, antes de mais nada,
+pensar nas suas proprias responsabilidades, ou nas dos partidos
+politicos a que pertenciam.
+
+
+
+
+CAPITULO XVIII
+
+O dia seguinte ao da derrota
+
+
+Suffocado o movimento, que fizera triumphar por algumas horas, a dentro
+dos muros do Porto, a bandeira verde e vermelha, os serventuarios da
+monarchia apressaram-se a enaltecer os talentos dos vencedores e a
+amesquinhar o valor da organisação revolucionaria. Não ignoravam elles
+que fóra d'aquella cidade se tinham dado occorrencias graves,
+reveladoras da amplitude d'essa organisação e que para evitar maiores
+complicações se mandara interromper a marcha d'algumas das forças
+militares a caminho do fóco insurreccional.
+
+«O mesmo regimento de infanteria 18--affirma-o um chronista da epoca--só
+ás dez da manhã, terminado completamente o combate, finda
+inteiramente a lucta, foi, a bandeira desfraldada, apresentar-se ao
+quartel general. Um dos regimentos do Norte, que chegou a desembarcar na
+estação de Campanhã, ahi mesmo levantou vivas á Republica. Muitas praças
+do regimento de caçadores 5 que faziam a guarda ás prisões onde se
+encontravam os revoltosos que não haviam conseguido fugir, diziam-lhes
+que tinham feito mal em não prolongar a lucta até á sua chegada, porque
+o regimento faria causa commum com a revolta...»
+
+Na imprensa monarchica liam-se as cousas mais affrontosas para os
+derrotados. Todos os que, durante os momentos victoriosos, tinham
+receiado pela sua integridade pessoal, atropellavam-se no empenho de
+accumular a _metralha accusatoria_ sobre os vencidos. Sacudiam-se
+responsabilidades e ninguem queria ter a menor solidariedade com os
+revoltosos. As mesmas corporações que no caso do triumpho republicano se
+apressariam por certo a saudar o advento d'um novo regimen com o appoio
+incondicional e festivo despejavam sobre o throno canastradas de
+felicitações, algumas n'uma linguagem servil e, por isso mesmo, abjecta.
+
+
+No dia 31, ao começo da tarde, o governador civil do Porto, Taibner de
+Moraes, fez publicar um edital suspendendo «as formalidades que garantem
+a liberdade individual», e o governo central acrescentou a isso a
+suppressão da imprensa republicana ou d'aquella que não vociferasse
+tonitruante contra o movimento e os seus promotores. A serie das
+bajulações á monarchia victoriosa que, afinal, durante a insurreição,
+não ganhara para o susto, foi aberta pela vereação portuense n'uma
+mensagem que ella propria veio entregar a Lisboa, dizendo todas estas
+enormidades:
+
+
+«N'esse nefasto dia (o de 31 de janeiro) uma parte da guarnição,
+esquecendo o juramento de fidelidade á sua bandeira e ás instituições
+que nos regem e não menos o dever da disciplina e da manutenção da ordem
+e da tranquilidade publica, praticou o maior dos attentados contra a
+patria, que na occasião se podia commetter.
+
+«Attentando contra a monarchia constitucional que é o mais seguro esteio
+da independencia portugueza, nem ao menos se ponderaram as criticas
+circumstancias em que nos collocam no actual momento as pretenções de
+uma poderosa nação sobre o nosso dominio africano e a situação da
+fazenda publica.
+
+«E quando todo o cidadão que verdadeiramente ama o seu paiz sente o
+impreterivel dever de não crear o menor embaraço nem levantar o menor
+estorvo á melhor solução d'aquellas difficuldades e perigos é que uns
+poucos de militares e um insignificante numero de individuos da classe
+civil intentam, verdadeiramente obcecados, mudar a natureza das
+instituições fundamentaes, abolir a monarchia e precipitar o paiz na
+revolução á mão armada...»
+
+
+A mensagem tinha os nomes dos srs. Oliveira Monteiro, Ribeiro da Costa e
+Almeida, Leão da Costa, Anthero d'Araujo, Mendes Correia, Pinto de
+Mesquita, Chaves de Oliveira, Christiano Vanzeller, Pires de Lima,
+Teixeira Duarte, Lima Junior, Silva Moreira, Alves Pimenta, José Arroyo,
+Fernando Bahia, Silva Tapada, Moreira Monteiro, Manuel da Silva Pinto,
+Vieira d'Andrade, Pedro de Araujo e Tito Fontes.
+
+A guarda municipal do Porto tambem recebeu a sua quota parte de
+felicitações e... melhoria de rancho, pelo «denodo com que repellira os
+insurrectos». Os jornaes da epoca estão pejados de documentos
+interessantes, revelando o calor bajulatorio projectado sobre os
+triumphadores do movimento. Um d'elles:
+
+
+«Satisfeito com o exemplar comportamento e bravura que mostrou o corpo
+da guarda municipal do Porto, no dia 31 de janeiro para conter os
+desordeiros e fazer respeitar a lei e o governo do paiz e seguindo as
+ideias do meu compadre e bom amigo João Pinto Ferreira Leite, tomo a
+liberdade de remetter a v. ex.ª (o commandante da guarda) a quantia de
+50$000 réis destinados para melhorar o rancho dos soldados da mesma
+guarda.--_Januario Bastos_».
+
+
+Outro, egualmente dirigido ao commandante da guarda municipal:
+
+
+«_Meu bravo e glorioso camarada_: Felicito a v. ex.ª e felicito a
+valente guarda municipal do Porto, hoje mais do que nunca, uma honra
+para o nosso paiz, pela maneira corajosa por que acaba de arrancar da
+beira de um abysmo a monarchia e a nação. Consinta v. ex.ª que o abrace
+e este amplexo cinge toda a corporação da guarda municipal do
+Porto.--_Christovão Ayres_».
+
+
+Alguns dos membros do governo provisorio proclamado no edificio da
+camara municipal, uma vez suffocado o movimento, publicaram egualmente
+nas gazetas declarações terminantes repudiando a menor ligação com os
+revoltosos. O sr. Joaquim Bernardo Soares, por exemplo, dizia na sua carta:
+
+
+«Tenho sido sempre homem de ordem--nem o meu passado, nem as ideias
+que tenho manifestado inalteravelmente com o maior desassombro,
+podiam auctorisar um tal procedimento da parte d'aquelles que
+imprudentemente lançaram o meu nome para o publico e com os quaes não
+tenho relações de qualquer natureza nem sequer pessoalmente conheço.
+Repillo, portanto, com a maior indignação, o abuso que do meu nome se
+fez, sem que possa descortinar o motivo que o determinou».
+
+
+O sr. Azevedo Albuquerque foi mais laconico:
+
+
+«Declaro que não dei auctorisação para o meu nome figurar na lista dos
+membros do governo provisorio proclamado na casa da camara do Porto; e
+que não concorri nem directa nem indirectamente, para o movimento
+revolucionario».
+
+
+A declaração do sr. Rodrigues de Freitas, embora principiasse
+por affirmar que o seu auctor «desde muito se manifestara
+republicano-democrata e continuaria a professar firmemente as mesmas
+ideias» quaesquer que fossem os derrotados ou os victoriosos, acrescentava:
+
+
+«Não auctorisei ninguem, quer directa quer indirectamente, a incluir o
+meu nome na lista do governo provisorio lida nos paços do concelho no
+dia 31 de janeiro; e deploro que um errado modo de encarar os negocios
+da nossa infeliz patria levasse tantas pessoas a tal movimento
+revolucionario».
+
+
+Por ultimo esta declaração do sr. José Ventura dos Santos Reis:
+
+
+«Sabendo que o meu nome anda envolvido nos tristes acontecimentos que se
+deram n'esta cidade no dia 31 do mez passado, cumpre-me declarar
+cathegoricamente que não auctorisei absolutamente ninguem a incluir o
+meu nome na lista do governo provisorio, que foi lida nos paços do
+concelho; que fui completamente estranho a quaesquer preparativos ou
+combinações que precederam as occorrencias d'aquelle dia».
+
+
+Quarenta e oito horas depois da revolta, o governo fez publicar varios
+decretos com o fim, dizia elle, de supprir as deficiencias da legislação
+então vigente «provendo á necessidade de reprimir de prompto e punir com
+severidade os attentados commettidos contra a ordem publica, segurança
+do Estado e suas instituições». Por um d'esses decretos entregava á
+exclusiva competencia dos tribunaes militares, o conhecimento e o
+julgamento do crime de rebellião, aliás previsto e punido no codigo
+penal portuguez. Na cidade do Porto, não faltavam edificios onde
+podessem funccionar os conselhos de guerra nem cadeias onde acumular os
+individuos presos como implicados na revolta. Mas o governo receiou que
+a população se interessasse demasiadamente pelo espectaculo dos
+julgamentos e assim decidiu que os conselhos de guerra reunissem a bordo
+de navios de guerra.
+
+Para esse effeito, collocaram no porto de Leixões o transporte _India_,
+a corveta _Bartholomeu Dias_, e o vapor da Mala Real, _Moçambique_,
+guarnecido com marinheiros da _Sado_. Como deposito de prisioneiros
+juntaram a estes tres navios um velho pontão incapaz de navegar. Para o
+_Moçambique_ foram mandados João Chagas, Santos Cardoso, o capitão
+Leitão, tenentes Coelho e Homem Christo, as praças do regimento de
+caçadores 9 e os civis: Miguel Verdial, Felizardo de Lima, Santos Silva,
+o abbade de S. Nicolau (rev.º Paes Pinto), Eduardo de Sousa, Amoinha
+Lopes, Thomaz de Brito, Barbosa Junior, Alvarim Pimenta, José Durão,
+Pereira da Costa, Gomes Alves, Soares das Neves, Pinto de Moura, Pinto
+de Vasconcellos, Aurelio da Paz dos Reis, Cervaens y Rodrigues,
+Feito y Sanz e Simões d'Almeida. Para a _Bartholomeu Dias_ foram as
+praças de infantaria 18 e 10; para o _India_, o alferes Trindade e
+os revoltosos da guarda fiscal. Mais tarde, o tenente Coelho passou
+do _Moçambique_ para aquella corveta. Dos chefes civis do movimento,
+conseguiram expatriar-se o dr. Alves da Veiga, José Sampaio (Bruno) e
+Basilio Telles.
+
+[Ilustração: Santos Cardoso, preso a bordo]
+
+Reunidos os conselhos de guerra, os julgamentos decorreram de tal modo
+que ninguem se illudiu sobre a sorte que estava reservada aos
+revoltosos. Sabia-se de antemão que sobre elles recahiria o peso d'uma
+forte condemnação e que quaesquer que fossem os incidentes revelados
+durante as sessões dos conselhos elles em nada alterariam a sentença já
+lavrada.
+
+
+«O tribunal--affirmou-se mezes depois no manifesto dos emigrados da
+revolução--era uma tão evidente delegação do poder executivo que, em
+plena audiencia, um dos julgadores, nem sequer resguardando o melindre
+das conveniencias, declarou que não proseguiria n'um detalhe qualquer de
+juridicas investigações, _em virtude de ordens superiores_.
+
+«Foi decerto tambem em virtude d'essas ordens superiores que os
+julgamentos se realisaram sobre o mar, acossado por uma invernia
+excepcional. Foi em consequencia d'essas ordens que succedeu que, uma
+tarde mais aspera, as vagas arrojaram contra os paredões do porto
+(Leixões) ainda em via de construcção, desamparado e á mercê,
+consequentemente, um dos navios ahi ancorados, persuadindo-se todos os
+habitantes do Porto que a verminada carcassa desfeita fôra a d'um dos
+pontões onde se mandara apodrecer os suppostos criminosos e
+assistindo-se então ao tremendo exemplo d'uma população de mães e
+esposas clamorosas accorrendo, em gritos de dôr, a olhar a perfida,
+movediça sepultura, onde repousariam, emfim, seus desditosos filhos,
+seus tristes esposos, a alegria das suas almas, as esperanças de
+suas escuras existencias.
+
+«Em virtude e consequencia d'essas ordens superiores foi que um dos
+navios de guerra (pois que se transformaram os maritimos gloriosos do
+glorioso Portugal passado em carcereiros dos que almejavam restituir a
+patria ao seu antigo esplendor) se desprendeu uma noite de tempestade e,
+com um condemnado a bordo, andou perdido, sem provisões e sem rumo, na
+serração, pela clemencia infinita das aguas.»
+
+
+Terminados os julgamentos, os conselhos de guerra condemnaram na pena de
+prisão maior cellular (e, na alternativa, na de degredo): João Chagas,
+Santos Cardoso, Verdial, capitão Leitão, os sargentos Abilio, Galho,
+Silva Nunes, Castro Silva, Rocha, Barros, Pinho Junior, Fernandes
+Pinheiro, Gonçalves de Freitas, Villela, Pereira da Silva, Folgado,
+Figueiredo e Cardoso, os cabos João Borges, Galileu Moreira e Pires e o
+soldado da guarda fiscal Felicio da Conceição. O tenente Coelho foi
+condemnado a cinco annos de degredo. Aos restantes implicados couberam
+penas variaveis de deportação militar, degredo e prisão correccional.
+
+Os regimentos de caçadores 9 e infantaria 10 tambem soffreram castigo
+exemplar: o governo dissolveu-os. E comtudo, em 1826, o primeiro de
+esses corpos, tendo-se revoltado contra o marquez de Chaves, que
+defendia o absolutismo do sr. D. Miguel, fôra aclamado fiel e até
+comtemplado com augmento de soldo...
+
+
+
+
+CAPITULO XIX
+
+Para as despezas da revolta bastou um conto de réis
+
+
+Uma das accusações graves feitas aos revolucionarios do 31 de janeiro
+foi a de que o movimento só se levara a cabo para servir interesses
+inconfessaveis e apoiar especulações financeiras. Envolveram-se durante
+alguns dias os revolucionarios n'um circulo de malquerença e de odio,
+attribuindo-se-lhes propositos realmente nefandos--como dizia o governo
+nos documentos officiaes, classificando os incidentes do movimento. O
+_Diario Illustrado_ chegou mesmo a affirmar:
+
+
+«Elles (os revolucionarios) puzeram-se, conscientemente muitos,
+inconscientemente alguns, ao lado dos inimigos da patria, serviram a
+causa da Inglaterra, que nos quer expoliar em Africa; _serviram a causa
+dos financeiros que pretendem explorar com onzenices as desgraças da
+nossa situação_.»
+
+
+Outro jornal, as _Novidades_, ia mais longe:
+
+
+«D'onde veiu e para onde foi o dinheiro que se arranjara para a revolta?
+
+«Houve ha um mez uma reunião no Porto onde foram dois delegados de
+Lisboa. Ao contrario do que se tem dito, o accordo para a revolução foi
+completo. Nem os de lá nem os de cá divergiram. No que não concordaram
+os de cá com os de lá foi na forma da republica a proclamar, oppondo-se
+os de Lisboa á federação com a Hespanha.
+
+«O que é certo, porém, porque resulta de documentos encontrados, e
+de depoimentos recolhidos, é que a isto se seguiu a subscripção aberta
+em Lisboa para a revolta, que produziu rapidamente 20 contos que foram
+levados ao Porto por dois sujeitos, um dos quaes tem uma alta graduação
+burocratica. Esse dinheiro ficou nas mãos de Alves da Veiga.
+
+«Escusamos dizer que não foi encontrado na busca que a policia fez. Nem
+o dinheiro nem os papeis importantes, porque as gavetas foram já
+encontradas tiradas dos moveis, espalhadas pelo chão e alguns dos papeis
+que n'ellas ainda havia eram ou insignificantes ou rasgados.»
+
+[Ilustração: Actor Verdial (1891)]
+
+
+Em summa, as _Novidades_ diziam claramente que um dos chefes da revolta
+recebera alguns contos de réis e com elles se locupletara.
+
+Essa e outras accusações despertaram, como é natural, protestos
+vehementes. Os jornaes republicanos, apesar da mordaça que o governo
+lhes collocara apoz o 31 de janeiro, esforçaram-se o mais possivel por
+quebrar os dentes á calumnia e apagar a serie de apodos com que a
+imprensa monarchica mimoseava os revoltosos. E esse sentimento de
+protesto conquistou tambem a grande maioria dos jornaes madrilenos,
+porque um d'elles, o mais accentuada e tradicionalmente monarchico,
+o jornal ultra-conservador a _Epoca_ fez côro com os collegas radicaes
+que estygmatisaram a insidia cavilosa.
+
+E comprehende-se que assim succedesse. Não era crivel que o exercito
+portuguez--a parte d'esse exercito que se revoltara no 31 de
+janeiro--pensasse em saquear a cidade do Porto, como egualmente a
+imprensa monarchica pretendeu fazer acreditar. Admittir tal hypothese
+seria o mesmo que admittir que a revolta, longe de visar á proclamação
+da Republica, se limitava a favorecer o roubo d'umas tantas casas
+commerciaes. Narrou-o mais tarde um dos revolucionarios que conseguiu
+escapar á furia dos serventuarios do regimen, exilando-se em Hespanha:
+
+
+«Emquanto a estupida imprensa officiosa de Portugal enxovalhava de tal
+modo o exercito portuguez perante a Europa toda, por um momento occupada
+quasi exclusivamente do que estava ocorrendo na nossa terra, o
+jornalismo estrangeiro registava, ainda com os louvores mais rasgados,
+que a revolução militar do Porto não se devera a nenhum baixo mobil, não
+fora propulsionada por nenhum mesquinho interesse, antes, pelo
+contrario, constituira, na solidariedade moral europeia, um caso honroso
+para toda a humanidade e infelizmente raro, na historia d'um movimento
+politico, combinado e ultimado pelo simples prestigio das convicções.
+
+«E todavia a imprensa estrangeira ignorava que o traço particularmente
+typico do movimento de 31 de janeiro foi o da sua essencia genuinamente
+democratica; ignorava que nenhuma seducção poderia exercer em almas
+populares o fascinamento das posições sociaes de elevados alliciadores,
+pois que os não houve; ignorava que não sómente não existia caixa
+alguma, pittoresca, estolidamente, denominada _da revolução_, mas
+ainda que nem sequer o anonymo soldado recebera um real para sahir do
+quartel; ignorava que na noite famosa que precedeu o acontecimento se
+deixara bem assignalado que, na hypothese da victoria, nenhum dos
+militares revolucionados teria a mais somenos promoção ou o mais
+insignificante beneficio, de qualquer genero que fosse.
+
+«Em tão novas condições se consumou este movimento politico de 31 de
+janeiro de 1891 que elle fará a admiração das gerações portuguezas e
+nobilitará o paiz, comprehendendo-o na esphera dos povos que sabem,
+podem e querem, ao menos tentam pelejar e morrer pela consecução
+desinteressada d'um ideal de justiça abstracta.
+
+«A historia não ha-de ser commettida aos escribas da imprensa vendida
+dos nossos tempos; e a historia ha-de considerar o movimento republicano
+do Porto a uma altura que parece irrisorio talvez á tagarelice insensata
+de certos portuguezes de hoje».
+
+
+E tinha razão de sobejo o revolucionario emigrado. Tres dias depois de
+suffocado o movimento, o presidente da edilidade portuense, n'uma nota
+distribuida aos jornaes monarchicos, salientava o facto dos revoltosos
+não haverem tocado no thesouro da camara emquanto occuparam o edificio
+municipal. Na grande meza da sala das sessões repousaram, durante o
+tiroteio entre os revolucionarios e as forças fieis, magnificos
+tinteiros de prata. Pois ninguem lhes tocou, até que os empregados da
+camara, uma vez liquidado o movimento, os arrecadaram em logar seguro.
+
+A _Tarde_, jornal de Lisboa affecto ao antigo partido regenerador, bem
+se esfalfou em asseverar que a muitos dos militares presos tinham sido
+encontradas libras em ouro, o que provava que na madrugada de 31 de
+janeiro se fizera larga distribuição de dinheiro. Outras gazetas
+insinuaram egualmente que a revolução rebentara mais cedo do que fôra
+determinado pelos seus organisadores, porque um dos sargentos
+compromettidos tendo defraudado a caixa do respectivo regimento em
+centenas de mil réis--gastos em alliciar os subordinados--não queria de
+modo algum que em 1 de fevereiro de 1891 o obrigassem a prestar contas.
+Afinal, tudo isto cahe pela base sabendo-se que o unico dinheiro que
+serviu realmente a pagar despezas da revolta foi fornecido ao dr. Alves
+da Veiga pelo negociante portuense José Ferreira Gonçalves e não
+excedeu... um conto de réis. Não se dirá, por isso mesmo, que o
+movimento custou caro!
+
+Junte-se agora a essa quantia a de sete contos--em que se avaliou os
+estragos causados pelas balas nos predios dos Clerigos, rua de Santo
+Antonio e praça de D. Pedro--e vêr-se-ha que nunca se fez uma revolução
+com tanta economia de numerario e tanta nobreza de procedimento da parte
+dos que a levaram á pratica.
+
+
+Mas se os revolucionarios dispenderam pouquissimo dinheiro em investir
+contra o regimen monarchico, em compensação prodigalisaram os actos de
+heroismo. N'outro logar d'esta narrativa, já assignalámos o ardor com
+que a guarda fiscal e as tropas do 10 e do 9 sustentaram na rua de Santo
+Antonio e na casa da camara as arremettidas da guarda municipal.
+Devemos, no emtanto, registar dois casos typicos que a imprensa da epoca
+descreveu pormenorisadamente e que qualificam nitidamente o valor dos
+insurrectos.
+
+Um d'elles é o d'um guarda fiscal--figura de athleta--que, installado
+n'uma das janellas do Café Suisso, na praça de D. Pedro, ahi se manteve
+desfechando ininterruptamente a sua espingarda sobre os defensores
+da monarchia e só abandonou o posto quando lhe faltaram totalmente os
+projecteis. Essa janela do café ficou crivada de balas, mas o guarda
+fiscal em questão nunca perdeu o sangue frio e por espaço de horas
+visou, certeiro, a guarda municipal. O segundo caso é a reproducção do
+primeiro e occorreu n'outra janella do estabelecimento já citado, onde
+se entrincheiraram quatro estudantes.
+
+[Ilustração: Revoltosos presos a bordo do _India_]
+
+Compare-se a attitude d'essas creaturas luctando serenamente,
+imperturbavelmente, pelo ideal que se tinham proposto conduzir á
+victoria com o de outras que no curto espaço de tempo que durou a
+revolta se bandearam primeiro com os revoltosos e logo a seguir
+manifestaram a sua adhesão ao regimen monarchico. Os exemplos
+d'essa cobardia moral abundam. Respigamos ao acaso n'um jornal portuense
+do dia 2 de fevereiro de 1891:
+
+
+«C... proprietario d'um armazem de moveis e L... pharmaceutico, logo que
+viram o caso mal parado (o triumpho momentaneo dos insurrectos) tiraram
+das frontarias dos respectivos estabelecimentos os escudos com as armas
+reaes; mas depois tornaram a collocal-os, porque perceberam que a
+monarchia não fôra vencida na refrega.»
+
+
+
+
+CAPITULO XX
+
+Triste balanço: o das victimas da insurreição
+
+
+Vinte e quatro horas apoz a liquidação do movimento, espalhou-se que o
+numero de mortos na refrega não passara de doze--na sua maioria guardas
+municipaes. Entretanto, na população portuense ficou durante muito tempo
+a impressão de que esse numero não representava a verdade e que os
+cadaveres de revoltosos sepultados nos cemiterios da capital do Norte se
+tinham contado por centenas. O _Primeiro de Janeiro_, do dia immediato
+ao da revolta, forneceu aos seus leitores esta lista de feridos
+graves--muitos dos quaes vieram a fallecer dos ferimentos recebidos:
+
+
+«_Recolhidos no hospital do Terço._--Manuel Canedo, soldado de
+infantaria 10; Manuel Barreira, guarda municipal; Francisco Joaquim,
+guarda municipal; Manuel Maria, soldado do 10; José Joaquim Teixeira,
+guarda fiscal; João Manuel Gomes, guarda fiscal; Antonio Carneiro,
+soldado do 18; Pedro da Rocha, soldado do 10; Manuel Cardoso, cabo
+da municipal; João Nepomuceno, guarda fiscal; Antonio Pereira de
+Almeida, civil; Francisco José e José Antonio Carneiro, municipaes; João
+José Pereira de Azevedo Lobo e Joaquim Gomes, cabos da municipal; dr.
+João Henrique da Rocha, redactor da _Luz_; Maria Custodia Alves,
+costureira. Esta rapariga estava á janella da casa do sr. Henrique de
+Mello quando rebentou o tiroteio e recebeu uma bala no pescoço.
+
+«_Recolhidos no hospital da Misericordia._ Victorino da Assumpção e
+Domingos da Cunha, guardas fiscaes; Antonio Joaquim, municipal;
+Bernardino Gonçalves Losa, cabo da municipal; Albino Cardoso, guarda
+fiscal; Julio Cordeiro, sargento do 18; João Aleixo, corticeiro; José
+Manuel da Silva Monteiro, charuteiro; Joaquim Sant'Anna, pedreiro; João
+de Castro, empregado forense; Antonio Gomes Junior, alfaiate; Manuel
+Pereira da Fonseca, chapelleiro; Cosme Campos Cabral, estudante;
+Marianna Rosa, serviçal.
+
+«_Recolhidos no hospital militar._--Lemos Junior, cabo do 10; um soldado
+do 9 e tres soldados da guarda municipal.»
+
+
+Sobre o numero de mortos, dizia:
+
+
+«_No hospital do Terço._--Um soldado da guarda fiscal.
+
+«_No hospital da Misericordia._--José Joaquim d'Almeida, tamanqueiro;
+João de Carvalho, trolha; um desconhecido e José Gustavo Adolpho Alves
+de Almeida Guimarães.
+
+«_Nas ruas_--Um desconhecido; Silverio d'Almeida Santos, guarda fiscal;
+Taveira, 2.º sargento; Domingos Nogueira; João, entalhador e um
+empregado do commercio, irmão do redactor da _Republica_ Jayme
+Filinto.»
+
+
+Evidentemente, esta lista era deficientissima. Tanto assim que d'ahi a
+dias uma nota do commissariado geral da policia indicava como despojos
+dos militares compromettidos no movimento:
+
+
+«147 espingardas, 147 terçados, 1 espadim de official, 3 espadins de
+musicos, 1 bainha de espada de cavallaria, 147 patronas, 176 cinturões
+completos, 197 cananas, 14 cantis, 12 mochilas, 92 capacetes grandes,
+parte dos quaes sem a corôa real, 13 bonets da guarda fiscal, 9
+instrumentos musicos, uma corneta, dois tambores, 39 capotes, um capote
+de official, 23 jaquetas, a maior parte das quaes pertencentes a
+sargentos, 173 massos de cartuchame embalado com vinte tiros cada um,
+227 massos com dez tiros e uma grande porção de balas soltas.»
+
+
+Reproduzindo esta nota, não queremos dizer com isso que cada um dos
+objectos acima enumerados tenha realmente correspondido a um morto pela
+revolução. A nota, em primeiro logar, expressa por uma maneira bem
+flagrante a intensidade do panico que se desenvolveu ao principiar o
+recontro na rua de Santo Antonio. Por outro lado, muitos dos militares
+que empunhavam esse armamento recolhido pela policia, tendo conseguido
+escapar á fusilaria da municipal, abrigaram-se fóra do Porto e uma
+grande porção d'elles fugiu para Lisboa. Em resumo: se não foram apenas
+doze as victimas do movimento republicano--como se pretendeu affirmar no
+dia seguinte ao da derrota--tambem não cremos que tivessem passado de
+cincoenta os cadaveres enterrados nos cemiterios.
+
+
+No dia 3, á meia noite, correu no Porto que o regimento de infantaria 3,
+aquartelado em Santo Ovidio de camaradagem com o 18--fôra para ali
+horas depois de suffocada a revolta--se insubordinara e pretendia sahir
+á rua dando vivas á Liberdade e á Republica. A capital do Norte tornou a
+viver momentos de angustiosa espectativa. Pelo espirito da população
+portuense de novo perpassou a visão d'outros cadaveres empilhados no
+Prado do Repouso... A guarda municipal, prevenida dos boatos correntes,
+encaminhou-se sem demora para o Campo de Santo Ovidio. Ahi, reconhecendo
+que nada tinha a fazer, evolucionou em varias direcções e por fim desceu
+á Praça de D. Pedro, ostentando a _pose_ irritante adequada a
+_salvadores da monarchia_. De madrugada recolheu ao quartel e a cidade
+recuperou o socego.
+
+[Ilustração: Antonio José de Almeida (1891)]
+
+Nos dias immediatos, ainda os cemiterios receberam os corpos de algumas
+das victimas da Revolução. Tratava-se de feridos graves operados nos
+hospitaes e que não tinham resistido a amputações dolorosissimas, ás
+trepanações e outros trabalhos cirurgicos. A par d'essa liquidação
+funebre, a policia e as auctoridades militares procediam a uma outra: a
+das creaturas que se lhes affiguravam suspeitas de republicanismo. Para
+mais, nas buscas realisadas em diversas casas de revoltosos haviam sido
+apprehendidos documentos provando a adhesão ao movimento não só de
+quasi todos os officiaes inferiores da guarnição do Porto mas de dezenas
+de militares residentes n'outros pontos do paiz. E assim, a rede lançada
+pelos agentes da ordem procurou abranger o maior numero possivel de
+elementos accusatorios, collocando ao mesmo tempo os presos politicos em
+situação de esmorecerem de animo pelo effeito do tratamento que lhes
+dispensavam.
+
+Dil-o um testemunho insuspeito:
+
+
+«Punge-me a triste situação em que se acham os revoltosos do 31 de
+Janeiro. Aos presos apenas é dada uma triste açorda; não teem cama nem
+uma enxerga ou maca, nem uma pouca de palha em que se deitem, nem uma
+manta em que se embrulhem. Os que dispõem d'alguns recursos mandam ir
+das suas casas roupas e enxergas, mas os restantes, que são o maior
+numero, estão dormindo nas tabuas nuas, tiritando e morrendo com frio.»
+
+
+Pelo que respeita á assistencia judiciaria foram os revoltosos mais
+felizes. O curso do 5.º anno da Faculdade de Direito, n'um impulso de
+vehemente generosidade, offereceu-se em massa para defender os réus,
+explicando, porém, pela bocca do seu camarada dr. Lomelino de Freitas--o
+porta-voz do bizarro offerecimento--que «a sua attitude não implicava de
+modo algum profissão de fé politica nem approvação ou desapprovação dos
+acontecimentos.»
+
+Os republicanos que tinham conseguido abrigar-se em Hespanha, esses,
+depois de socorridos pelo governo do paiz visinho, haviam recebido ordem
+de se afastar da fronteira, internando-se--exactamente o contrario do
+que succedeu mais tarde, estando no poder o sr. Canalejas e tentando o
+ex-capitão de artilharia Paiva Couceiro restaurar a monarchia
+brigantina.
+
+A situação, em resumo, tornara-se difficil e penosa para todos os que,
+não partilhando da subserviencia incondicional ao regimen monarchico, se
+viam forçados a procurar no isolamento ou no exilio a tranquilidade que
+o mesmo regimen lhes negava. O governo, no proposito firme de cortar as
+azas á mais insignificante velleidade de resistencia, dissolvia os clubs
+republicanos e punha a guarda municipal constantemente de prevenção. E a
+sua furia contra as aggremiações democraticas attingiu taes proporções
+que só n'um dia mandou fechar quatorze das que então existiam em Lisboa.
+
+
+
+
+CAPITULO XXI
+
+A serenidade d'uns e o desalento de muitos
+
+
+Chegado o momento da justiça militar pedir contas dos seus actos aos
+individuos presos por effeito da revolta, houve o maximo cuidado, nas
+regiões officiaes, em impedir que os depoimentos dos _principaes
+culpados_ salientassem o condemnavel procedimento de varias
+personalidades consideradas sustentaculos do throno. Procurou-se assim
+dar ao grande publico, á nação inteira e até ao estrangeiro, a impressão
+falsissima de que a revolta de 31 de Janeiro brotára apenas dos cerebros
+de meia duzia de tresloucados, creaturas apagadas e de nullo valor
+social, sem ligação com outros elementos de superior importancia. Ao
+mesmo tempo, a imprensa monarchica tentou insinuar, falsamente tambem,
+que a maioria dos individuos presos como revolucionarios experimentára,
+ao embarcar nos navios-prisões, o arrependimento do seu gesto nobre
+e patriotico e só anceiava por alijar as responsabilidades que lhe
+cabiam á face das leis.
+
+Se é certo que no decorrer da instrucção do processo e mesmo durante o
+julgamento em conselho de guerra alguns d'esses homens mostraram falhas
+de animo e de coragem, devidas essencialmente á torturante atmosphera
+moral que os agentes da monarchia lhes tinham creado, muitos houve--e
+esses constituiram o maior numero--que evidenciaram não só incomparavel
+dignidade como uma presença de espirito, uma serenidade verdadeiramente
+heroicas.
+
+João Chagas, por exemplo, conservou uma placidez digna de registo. Dil-o
+um jornal da epoca:
+
+
+«O brilhante escriptor não afasta de si todas as responsabilidades nem
+as assume todas. Acceita as que tem e não as declina, antes entende que
+deve ufanar-se d'ellas. Essas responsabilidades versam principalmente
+sobre o que elle escreveu e sobre o que se publicou no jornal que
+dirigia: a _Republica Portugueza_».
+
+
+E como circulasse que no seu depoimento feito perante a auctoridade
+militar, o illustre pamphletario commentára acremente a attitude dubia
+de diversos individuos compromettidos na revolta, o mesmo jornal a que
+acima nos referimos accrescentou dias depois:
+
+
+«É inexacto que o depoimento de João Chagas contenha censuras. Elle
+julga simplesmente que é nobre que responda cada qual corajosamente
+pelos seus actos. É correcto. João Chagas mantem a serenidade e a
+tranquilidade dos primeiros dias. Dorme pouco em virtude d'uma tosse que
+contrahiu na frialdade humida da cadeia. Será visto por um medico. Um
+amigo do fogoso jornalista, desejoso de lhe provar a consideração e
+a estima em que o tem, fez-lhe, por intermedio do digno director da
+cadeia, alguns offerecimentos que elle agradeceu e recusou. Consta até
+que affirmou, mostrando desprendimento pela vida:
+
+[Ilustração: Os prisioneiros a bordo]
+
+
+--O ser condemnado pouco me importa. Estava um pouco cançado e o
+governo, mandando-me prender, offereceu-me descanço por alguns annos».
+
+
+D'uma vez, porém, a serenidade de João Chagas estremeceu ao de leve. Foi
+no dia, em que já encarcerado a bordo, viu passar, a curta distancia do
+local onde se encontrava, o famoso director da _Justiça
+Portugueza_. Então, voltando-se para um companheiro de prisão, disse,
+apontando Santos Cardoso:
+
+--Estamos aqui a pagar as antipathias que aquelle homem provocou...
+
+
+E já que falamos de Santos Cardoso: o seu depoimento confiado ao
+instructor do processo não correspondeu ao que se esperava do seu
+aspecto energico, quasi feroz. Mostrando-se muito abatido e desanimado,
+declarou que não tomára parte activa no movimento insurreccional, que
+nada soubera antecipadamente do _complot_ revolucionario e que apenas
+sahira á rua na madrugada de 31 de Janeiro depois de ter ouvido tocar a
+rebate na egreja da Lapa. Mais tarde descera á praça de D. Pedro e
+assistira na camara á proclamação da Republica. Contou, n'esta altura,
+um insignificante episodio occorrido dentro do edificio municipal. A seu
+lado, na sala, encontrava-se no momento da proclamação, um individuo
+envolto na bandeira do Club Democratico 15 de Novembro. Esse individuo,
+pretendendo deslocar-se para ir á varanda, ensarilhou o cordel da
+bandeira na espingarda d'um soldado e a arma cahiu no sobrado. A
+multidão, receiando que a espingarda se disparasse, afastou-se
+pressurosa do local...
+
+
+Decorridos alguns dias apoz o depoimento, a esposa de Santos Cardoso foi
+visital-o á prisão. O antigo director da _Justiça Portugueza_ soffreu
+tal choque com essa visita, que chorou desabaladamente, lamentando a sua
+situação e pedindo a todos que d'ella se apiedassem. «Ignorava, disse, a
+responsabilidade em que incorria, tomando parte no movimento; do
+contrario, não o teria feito». E quando teve conhecimento das
+declarações de Homem Christo, prestadas á policia, declarações que
+relatavam minuciosamente os seus trabalhos na preparação revolucionaria,
+então o seu desanimo tornou-se mais profundo. Succumbiu.
+
+
+O jornalista Eduardo de Sousa, que collaborara na _Republica Portugueza_
+sob o pseudonymo de _Gualter_, esse, pretendendo fazer um depoimento
+revelador d'uma virilidade intemerata, lançou a policia na peugada de
+varios republicanos egualmente implicados no _complot_. A imprensa
+noticiosa da epoca chegou a asseverar que a defeza desse reu servira
+simplesmente a comprometter diversas personalidades, algumas das quaes
+tinham sido presas ao mesmo tempo que elle. Cremos, porem, que muito se
+exagerou a tal respeito e que a verdade do caso reside no proposito de
+atrevido exhibicionismo que acima registamos.
+
+
+O sargento Abilio, n'uma carta que escreveu ao juiz affirmou
+desassombradamente: «sou culpado, mas ha superiores meus mais culpados
+do que eu».
+
+
+Depoimento de Dyonisio Ferreira dos Santos Silva: «Sou republicano desde
+que me conheço, mas mais accentuadamente desde 11 de janeiro de 1890; no
+emtanto, nunca fui socio de nenhum club democratico e nunca privei com
+os homens dirigentes do partido republicano. Não sabia da revolta que se
+preparava para 31 de janeiro e não podia, portanto, ter alliciado para
+ella militares ou paisanos. Soube da sublevação horas antes de rebentar,
+porque era esse o assumpto de todas as conversas nos cafés,
+restaurantes, etc. Attribuo a minha prisão ao facto de ser pouco
+conhecido na policia...»
+
+Tambem declarou ter sociedade na empreza do jornal _Republica
+Portugueza_; fôra presencear, como curioso, os successos do dia 31, mas
+não tomára a menor parte n'elles, e sentia-se, por isso mesmo,
+tranquillo, não receiando o resultado do seu julgamento.
+
+
+Declarações do actor Verdial:« Não alliciei ninguem para a revolta;
+sabendo que o movimento estava para rebentar, fui ao Campo da
+Regeneração, onde collaborei nos episodios que ahi occorreram.
+Parlamentei com o coronel Lencastre, commandante de infantaria 18, e
+entrei depois na Camara Municipal, onde me conservei até o edificio ser
+atacado pelas tropas monarchicas. Só me pesa uma cousa: a lembrança de
+minha mulher e dos meus filhos. Comtudo, aguardo sereno, a sentença do
+tribunal.»
+
+
+Do abbade de S. Nicolau: «Tinha por costume recolher a casa todos os
+dias, ás 7 da tarde, sendo falso que conspirasse na sombra contra as
+instituições vigentes; para elle eram boas todas as formas de governo,
+desde que os homens se inspirassem nos verdadeiros principios da moral e
+da justiça. Desilludido com respeito aos processos governativos até aqui
+seguidos, a Republica era para elle uma esperança, mas não a queria por
+meio da anarchia; os comicios realisados no theatro do Principe Real, em
+que figurara, deram-lhe certa notoriedade, sendo essa a origem das
+desventuras por que estava passando. Não era homem de acção, porque
+d'isso o impedia o seu caracter sacerdotal. Tendo ouvido falar no dia 30
+a alguns individuos na revolta que se ia dar, sobresaltara-se com a
+noticia e recolhera a casa. Na manhã seguinte, sahira para fins
+religiosos, ouvindo então falar na reunião das tropas na praça de D.
+Pedro. Ao avistarem-n'o, muitos populares ergueram-lhe vivas. Entrara no
+edificio da camara, mas ao vêr que ali reinava a anarchia, afastara-se
+do local, encaminhando-se novamente para o seu domicilio. Tinha
+confiança em que justiça lhe seria feita...»
+
+
+Alvarim Pimenta falou d'este modo: «Nunca commungara nos segredos dos
+dirigentes do partido democratico; como um dos societarios da empreza
+litteraria em que exercia o logar de administrador da _Republica
+Portugueza_, fôra presencear os factos occorridos no Campo da
+Regeneração e paços do concelho; mas não assistira ás reuniões
+preparatorias da revolução ou se envolvera nos acontecimentos que se
+deram.»
+
+
+Do aspirante a medico naval Gomes de Faria, accusado de ter tentado
+revoltar a guarnição da corveta _Sagres_: «Não tivera o minimo
+conhecimento dos preparativos da revolta, pois não estava pessoalmente
+relacionado com os individuos indicados como promotores d'ella; nunca
+assistira nem fora convidado a assistir a reuniões preparatorias para a
+sedição. Na madrugada de 31 de janeiro fora a sua casa o 1.º sargento
+Abilio de caçadores 9 que o convidára a um passeio até Massarellos, afim
+de ambos visitarem a corveta _Sagres_. Estranhara a proposta, recusára a
+principio, mas, instado, terminára por acceder. Quando ia a sahir de
+casa, acompanhado do sargento Abilio, este dissera-lhe que era melhor
+vestir o uniforme de aspirante a medico naval, para ter mais facil
+ingresso na _Sagres_. Achara natural a observação e vestira o uniforme.
+Chegados ambos a Massarellos, dirigiram-se para bordo da corveta. Só
+n'essa occasião é que o sargento Abilio lhe dissera que se tratava de
+sublevar a tripulação para adherir á revolta que ia rebentar. Hesitou
+quando soube o papel que lhe destinavam, mas sendo republicano convicto,
+embora não fosse partidario dos meios violentos, não tivera forças
+para retroceder; por isso fôra a bordo da _Sagres_ tentar, mas sem
+resultado, sublevar a guarnição. Suppozera sempre não ter incorrido em
+grande delicto; por esse facto não se homisiara, apesar de o terem
+aconselhado a fazel-o.»
+
+
+Por ultimo, o depoimento do commissario geral da policia: «Estava na
+Praça de D. Pedro e viu alli chegarem os revoltosos. Receiando que elles
+o prendessem, refugiou-se n'uma casa em obras proximo do restaurante
+Camanho, onde trocou o fato pela blusa d'um operario. Depois subiu mais
+um andar e d'ahi presenceou a lucta entre os republicanos e as tropas
+fieis. Parte dos revoltosos destroçados na rua de Santo Antonio veiu em
+debandada para a praça de D. Pedro, formando aqui tres pelotões
+commandados pelo capitão Leitão e recolhendo mais tarde á casa da
+camara. Tambem viu a fuga precipitada d'um troço de cavallaria da guarda
+fiscal em direcção aos Clerigos e recorda-se dos nomes de varias pessoas
+que se envolveram no movimento.»
+
+
+Escusamos dizer que o commissario geral da policia do Porto não se fez
+rogado para indicar ás auctoridades militares esses nomes, contribuindo
+assim com a sua solicitude para augmentar o numero de presos existentes
+a bordo dos navios fundeados em Leixões.
+
+
+
+
+CAPITULO XXII
+
+O julgamento dos revoltosos
+
+
+Vamos terminar. Mas, antes de o fazermos, é de necessidade registar
+algumas notas colhidas no decorrer dos conselhos de guerra que
+sentenciaram os revoltosos. Ellas darão aos leitores d'esta modesta e
+desataviada narrativa uma ideia clara da forma como se procedeu no
+julgamento de todos esses homens e da attitude de alguns d'elles em
+momento tão critico e tão grave.
+
+[Ilustração: Dr. Affonso Costa (1891)]
+
+
+_Depoimento do 1.º sargento Abilio:_
+
+«Narrou pormenorisadamente todos os incidentes que caracterisaram a
+revolta e perguntado por fim sobre as intenções com que entrára no
+movimento, respondeu:
+
+«--Sim, entrei no movimento para ajudar a depôr o rei D. Carlos, porque
+sou republicano e tenho muitas razões para o ser. Não sou republicano de
+evolução, porque, por ella nem d'aqui a um seculo, julgo, teremos a
+republica em Portugal. O que reconheço é que fomos enganados, pois vi
+muitas adhesões escriptas e sabia de outras feitas verbalmente e de
+reuniões de camaradas meus e de outros de superior graduação.
+
+«Sobre a sua prisão conta que foi o ultimo a retirar da casa da camara,
+quando já não tinha munições. Refugiou-se n'um predio da rua do
+Almada. Quando ali appareceram soldados da municipal a perguntar se
+lá estava algum militar, o dono da casa perguntou-lhe o que queria que
+dissesse. Elle apresentou-se. Os municipaes cruzaram ainda armas contra
+elle, apesar de o verem só e desarmado. Deu-se á prisão.
+
+«O auditor insistiu com o reu para que declarasse quaes eram os
+militares que tinham relações com os auctores do movimento do Porto. O
+reu respondeu simples, mas dignamente:
+
+«--Não senhor, não digo...
+
+«E acentuou:
+
+«--Não quero acusar ninguem; quanto a mim, digo que foi da melhor
+vontade que entrei no movimento e não declino a minha responsabilidade.
+Na parada do quartel fui eu quem primeiro levantou um viva á Republica».
+
+
+_Depoimento de Eduardo de Sousa (aspirante a medico naval):_
+
+«Declarou francamente ser republicano e repudiou por completo o seu
+depoimento escripto que lhe foi arrancado pela policia á força de ardis
+e por outros meios egualmente condemnaveis. Declarou mais ter dado a
+nota alegre na ceia que houve no café Suisso na vespera da revolta,
+assim como outros deram a nota philosophica, etc. Quanto a essa ceia,
+explica que era seu costume e dos demais convivas cear ali todas as
+noites. Accrescentou que acompanhára o movimento das tropas na qualidade
+de redactor da _Republica Portugueza_ E não na de _reporter_ como lhe
+chamaram».
+
+
+_Extracto da sessão do 2.º conselho de guerra (8 de março de 1891)_:
+
+«... A parte mais interessante foi o promotor requerer acareação entre o
+tenente de cavallaria 6, Vaz Monteiro, do destacamento aquartelado
+no Porto, com o reu Thadeu Freitas, sargento de infantaria 10. Na
+audiencia de hontem, Thadeu disse que o referido tenente affirmára ao
+tenente Coelho que o esquadrão estava prompto a sahir para acompanhar os
+revoltosos. Chamado o tenente Vaz Monteiro, este negou ter dito
+semelhante cousa. Acareado com o sargento Thadeu continuou negando a pés
+juntos. Thadeu confirmou, acrescentando que o tenente Vaz Monteiro
+pedira senha ao tenente Coelho.
+
+«Acareados ambos com este reu, Coelho disse não se recordar de
+semelhantes palavras. Falara no Campo da Regeneração com o tenente Vaz
+Monteiro, mas este apenas lhe observara: «Manuel, vae-te embora». Nada
+mais. O sargento Thadeu disse que era verdade tudo que tinha affirmado e
+que se o tenente Coelho dizia não ter ouvido as palavras do tenente Vaz
+Monteiro não era porque as não ouvisse. O que o levava a proceder assim
+era o seu cavalheirismo e a nobreza do seu bello caracter, que não
+queria comprometter ninguem. Que bem sabia que o tenente Coelho era um
+homem de honra e por isso comprehendia a sua negativa.
+
+«O promotor requereu com urgencia auto de noticia das declarações
+cathegoricas do sargento Thadeu para as enviar ao quartel general,
+segundo o seu dever, a que não podia faltar. O incidente causou
+impressão, sendo todos concordes em elogiar o procedimento do tenente
+Coelho, que a ninguem quer comprometter».
+
+
+_Depoimento de João Chagas:_
+
+«Que o artigo da _Republica Portugueza_ sob o titulo _Terceira
+meditação_ era seu e que o artigo que se seguia a esse o não era; sabia
+bem de quem era, mas não o dizia. De resto, sendo elle director do
+jornal, folgava em poder declarar que assumia, inteira e completa,
+toda a responsabilidade dos artigos alli publicados. Inquirido sobre o
+facto de ter incitado á revolta, declarou ter incitado á revolução que
+não se dera, porque o movimento de 31 de janeiro não fôra um erro
+politico, mas um erro de gramatica, um erro de palmatoria. Respondendo á
+pergunta--se os artigos do seu jornal eram attentatorios das
+instituições vigentes--disse que os membros do tribunal bem melhor do
+que elle poderiam e deveriam saber de semelhante cousa.
+
+«Era republicano e, como tal, não poderia, está bem visto, defender as
+instituições que julgava não convirem á felicidade da sua patria. Uma
+vez convencido d'isto, não recuaria deante de qualquer obstaculo ou
+contratempo; a sua convicção, arreigada pela força da experiencia da
+sociedade portugueza, era pela mudança do systema de governo. No
+movimento de 31 de janeiro não tomara parte pelo motivo de estar preso
+na cadeia da Relação, por causa da primeira querella do seu jornal,
+depois da lei restrictiva de Lopo Vaz contra a imprensa democratica.
+
+«Todas as suas declarações, feitas com um tom de franqueza e
+sinceridade, proprias da sua nobreza de caracter, foram escutadas
+attentamente e produziram sensação. Ao findar o seu interrogatorio,
+travou-se entre elle e o auditor o seguinte dialogo:
+
+«--Teve conhecimento antes, do movimento que havia de effectuar-se no
+dia 31?
+
+«--Sim, senhor.
+
+«--Pode dizer-me, quem lh'o disse?
+
+«--Não quero».
+
+
+_Depoimento de Homem Christo_:
+
+«Contrariara o movimento, como provava pelo artigo dos _Debates_ e pela
+circular do Directorio em que figura o seu nome, pela sua ida ao
+Porto para dissuadir Santos Cardoso e pela descompostura que por esse
+motivo recebeu do mesmo Santos Cardoso.
+
+[Ilustração: Conselho de guerra a bordo do transporte _India_]
+
+«A sua qualidade de republicano d'alma e coração não era cousa que o
+impedisse de vêr as cousas como ellas realmente são e lhe não
+permittisse discernir o que convém á Patria e ao partido do que não
+convém nem a uma nem a outro, e antes é prejudicial a ambos. A paixão
+politica não o obceca a tal ponto».
+
+
+_Depoimento do capitão Leitão:_
+
+«--Em abono da verdade, disse o réu, e porque não me soffre o animo vêr
+que um innocente está envolvido no movimento revolucionario preciso que
+o tribunal tome conhecimento de que o espingardeiro de infantaria 10 não
+tomou a minima parte na revolta. A accusação que sobre elle impende é
+falsa. Reconheci perfeitamente todas as praças da minha companhia e
+o espingardeiro não estava ali no acto da sublevação.
+
+«A passagem mais curiosa do depoimento é, porém, a seguinte, com
+referencia ao coronel Lencastre de Menezes:
+
+«--O sr. coronel disse-me então: «Obste a que entre mais gente no
+quartel e faça sahir os populares que estão dentro». Cumpri essa ordem e
+depois de a cumprir voltei para junto do sr. coronel, ouvindo
+distinctamente que elle dizia aos paisanos com quem falava: «Vão
+descançados, que eu lá estou ás seis horas. Dou-lhes a minha palavra de
+honra que não hostiliso o movimento.» Deram-se então muitos vivas ao
+coronel do 18. Isto seriam quatro horas e um quarto, o maximo quatro
+horas e meia. O coronel accrescentou ainda: «Preciso ordenar certas
+providencias para guardar os reclusos do presidio e o cofre. Os senhores
+já lá teem duas companhias e eu tenho pouca gente disponivel...»
+
+«Eu entrei no movimento militar, continuou o capitão Leitão, por muitas
+circumstancias e não foi só a ideia de ser ou não republicano que em mim
+imperou; foi só pelo bem do meu paiz que trabalhei. Não sou monarchico,
+mas já o fui. Comecei a carreira militar apoiando o partido regenerador
+e em 1874, nas suas fileiras, procurei ser util ao meu paiz. Tambem
+militei no partido progressista, no qual julguei antever uma regeneração
+da minha patria. Dentro em pouco, percebi que tanto um como outro
+d'esses partidos nada faziam em bem da nação. Quasi todos os annos
+promettiam vida nova; mas não passavam d'isso; eram tudo apparencias
+enganadoras.
+
+«Afinal tudo isto me chegou a fazer crer e a convencer de que todos
+nós--o paiz--estavamos fóra da lei e que eu, estando o paiz fóra da lei,
+o estava egualmente. Eu não posso permittir nem admittir que a lei
+seja por degraus. Eu julgo a lei superior a tudo e a todos e, portanto,
+não admitto irresponsabilidades a ninguem. Eu, como capitão, aquelle
+como coronel e este como general, todos teem deveres e obrigações e são
+responsaveis pelo seu cumprimento. Ha, porém, uma unica excepção--o que
+prova que a nossa lei não é egual para todos, (_exaltando-se_) não
+é!--Ha um unico responsavel é o rei!
+
+«Eu sempre tive um odio profundo ao inglez--desde que me conheço
+(_exaltando-se_): os jornaes disseram que eu estava desanimado, mas não
+ha tal: é mentira! Tinha um tio que se bateu contra os inglezes,
+morrendo de 101 annos de edade. Como todos os velhos militares, gostava
+de narrar os seus feitos ou os dos seus camaradas. Com as suas
+historias, fez-me elle conceber esse odio, narrando-me algumas das
+infamias e torpezas da tal raça. O que me custava mais é que, depois do
+_ultimatum_, não terminassem ainda com essa alliança.
+
+«O que eu queria e quero é um governo que traga a felicidade do paiz,
+que tão humilhado está. Embora preso e vilipendiado como estou, espero
+ainda a redempção. Considerar-me-hei feliz, se, com o que fiz, concorrer
+de alguma forma para o bem da patria. Não receio nem temo o castigo: o
+que fiz foi o principio de alguma cousa. Ficarei satisfeito, serei
+feliz, se a semente, fructificar. No entretanto, nada receio, além de
+que conto não cumprir a pena a que me condemnarem.»
+
+
+Para se avaliar da maneira atrabiliaria como se lançou á conta de
+dezenas de individuos as responsabilidades da sublevação, basta
+reproduzir alguns trechos dos discursos de defeza proferidos nos
+conselhos de guerra:
+
+
+_Do Dr. Pires de Lima:_
+
+«N'uma das guerras da religião foi cercada pelos catholicos uma cidade
+protestante. Renderam-se os sitiados; e, conforme os usos barbaros
+d'esses calamitosos tempos foram todos condemnados á morte pelos
+invasores. Como na cidade tomada havia tambem muitos catholicos,
+perguntaram ao legado do papa como os haviam de distinguir dos
+huguenotes. «Matem-nos todos, respondeu o catholico varão; Deus lá os
+separará.» O mesmo se fez agora. Fôra visto qualquer individuo
+republicano na camara ou no campo da Regeneração? Prendam-n'o e
+mandem-n'o para bordo. Mas elle está innocente: É o mesmo. O tribunal lá
+os separará.»
+
+
+_Do capitão Fernando Maia:_
+
+«Acho extraordinario o que se fez aos soldados que ficaram no quartel
+quer de guarda, quer nas casernas. Foi um desvairamento singular a
+maneira como se procedeu. Que tumultuaria maneira de apreciar
+criminalidades e avolumar o numero dos presos! Viu-se aqui, no tribunal,
+bem clara e positivamente como tudo isso se fez. Prendeu-se a esmo.
+Quantos estavam no quartel e não cahiram nas boas graças, foram presos e
+de mais a mais ao engano, dizendo-se-lhes que era para averiguações,
+ainda com receio de que a sua justiça valesse mais do que a disciplina!
+
+«Onde está a nota dos que se apresentaram voluntariamente? Onde a
+d'aquelles que nenhuma parte tomaram no movimento? Onde a relação das
+armas limpas e intactas? Onde a d'aquelles que tinham licença para
+dormir fóra? Se até appareceu aqui quem negasse a existencia d'essas
+licenças, quando existem n'este tribunal os documentos officiaes que as
+confirmam! Comprehende-se a irritação natural dos chefes contra os
+subordinados rebeldes, mas o sentimento da justiça, e a natural
+piedade para com os vencidos deviam preponderar para que se tratasse de
+indagar devidamente as condições especiaes em que cada um se encontrava».
+
+
+_Do mesmo official referindo-se a muitos dos acusados:_
+
+«Reus! É quasi um sarcasmo qualifical-os assim, a todos esses que ahi
+estão submissos, respeitosos e obedientes, a todos esses cujas
+declarações sinceras, ingenuamente sinceras, commoveram profundamente
+quantos as ouviram.
+
+«E os sargentos? Apparece como principal figura o sargento Abilio. Todos
+o ouviram aqui: todos apreciaram a franqueza, a nobreza das suas
+declarações. Podia falar, podia comprometter muita gente; podia revelar
+cumplicidades graves. A sua generosidade levou-o a repudiar até a defeza
+primitivamente apresentada, comquanto referindo inteira verdade.
+
+«E como é nobre o seu procedimento acerca dos soldados! «De nada sabiam,
+disse elle: foram levados por mim: conheciam-me e obedeceram-me». Eis o
+segredo de tudo quanto se passou. Essa influencia deviam tel-a os
+officiaes; não é momento agora para apreciar as razões porque a não
+tinham e tirar d'ahi as legitimas consequencias».
+
+
+Os quesitos referentes aos reus e submettidos aos officiaes julgadores
+foram em grande numero. Damos apenas os seguintes, relativos ás diversas
+classes em que se dividiu a natureza dos crimes:
+
+_Para os reus civis:_
+
+«O crime da rebellião de que o reu é accusado no libello por, na
+madrugada do dia 31 de janeiro do corrente anno, com outros individuos
+e muitos militares dos corpos da guarnição da cidade do Porto e
+outros militares, haver tentado destruir a fórma de governo
+monarchico-representativo, pela qual é regida a nação portugueza,
+apoderando-se do edificio da Camara municipal da mesma cidade, de uma
+das varandas da qual foi proclamada a Republica e até lida uma lista dos
+membros do governo provisorio, está ou não provado?
+
+«A cumplicidade no crime de rebellião de que o reu é accusado no
+libello, por haver por meio de propaganda em logares publicos
+directamente aconselhado ou instigado a execução do mesmo crime,
+consistente em se haver tentado destruir a fórma de governo
+monarchico-representativo pelo qual é regida a nação portugueza, crime
+este praticado na manhã de 31 de janeiro do corrente anno, em que os
+meus auctores, apoderando-se do edificio da camara municipal da mesma
+cidade, chegaram a proclamar a Republica d'uma das varandas do mesmo
+edificio e a ler uma lista dos membros do governo provisorio, sendo que
+sem esse conselho e instigação podia ter sido commettido o crime, está
+ou não provado?»
+
+_Para os réus militares:_
+
+[Ilustração: Tumulo das victimas no cemiterio do Repouso, no Porto]
+
+«O crime de revolta militar de que o réu é accusado no libello por, no
+dia 31 de janeiro do corrente anno, cerca das 3 horas da manhã no
+quartel d'aquelle regimento, na cidade do Porto, tendo sahido com outros
+militares do mesmo regimento, em numero muito superior a quatro, das
+respectivas casernas, desordenada e tumultuariamente, e tendo com os
+mesmos militares, sem preceder toque previo, pegado nas suas armas e sem
+auctorisação entrado em fórma, de commum concerto, se haver recusado a
+obedecer as ordens do seu commandante, o coronel do regimento que os
+intimou a dispersar, e sahindo depois do mesmo quartel incorporado com
+outros em numero excedente a oito, sob o commando de alguns sargentos e
+depois do alferes Augusto Rodolpho da Costa Malheiro, que se
+lhes reuniu junto á guarda da cadeia da Relação, onde, com outras forças
+revoltadas, persistindo na desordem e commettendo violencias, não haver
+dispersado á voz dos superiores Fernando de Magalhães, tenente-coronel
+sub-chefe do estado maior da divisão e José Maria da Graça, major da
+guarda municipal, está ou não provado?
+
+«O crime de revolta militar de que o réu F... n.º... de matricula e...
+da companhia do batalhão n.º 3 da guarda fiscal é accusado, por têr na
+madrugada de 31 de janeiro ultimo, cerca das 3 horas da manhã, sahido na
+cidade do Porto, com muitos outros militares, todos armados, para a rua,
+desordenada e tumultuariamente, e ter desobedecido a um dos seus
+legitimos chefes, que o exhortou a entrar na ordem e seguir o caminho
+legal: e ainda porque, juntando-se com muitos outros revoltosos, fez uzo
+das armas contra tropas fieis, comettendo violencias e não despersando
+ás intimações de seus legitimos superiores, persistindo na
+desordem--está ou não provado?»
+
+
+Antes de serem lidas as sentenças aos accusados, o capitão Leitão teve
+ensejo de usar novamente da palavra--o presidente do tribunal
+perguntara-lhe se tinha mais alguma cousa a allegar em sua defeza--e disse:
+
+«--Eu, infelizmente, sendo o principal accusado sou o unico a quem não
+foi permittida a defeza. A minha fé, porém, está de tal fórma arreigada
+que não ha nada que a possa abalar. A fé desterra o medo, abala os
+tyranos e vence. O que se passa commigo é uma monstruosidade e n'isto
+sirvo-me das proprias palavras do sr. promotor. O sr. auditor, como
+homem de brio, disse, quando aqui se tratou da questão da minha defeza,
+que desde o momento em que o meu defensor (o quintanista de direito
+Lomelino de Freitas) apresentasse documentos que o auctorisassem a
+advogar, na conformidade com o que dispõe o regulamento de 26 de
+dezembro de 1888, seria admittido.
+
+«V. Ex.ª (_dirigindo-se ao auditor_) devia ter esclarecido o conselho de
+guerra sobre este assumpto. É verdade que tive defeza que agradeço ao
+sr. dr. Alvaro de Vasconcellos. Essa defeza não foi engeitada mas foi
+emprestada. O illustre advogado empregou todos os esforços, embora não
+tivesse em seu poder muitos dos apontamentos que possuia o sr. Lomelino.
+O sr. dr. Vasconcellos disse que se achava coacto. Eu o estou egualmente
+e protesto contra a perseguição que se me faz. Cortou-se-me a defeza,
+apesar do meu defensor apresentar documentos legaes: aqui decidiu-se que
+todos os advogados podessem defender os seus constituintes, desde o
+momento em que apresentassem os necessarios documentos provando estar
+para esse fim habilitados. Todos apresentaram esses documentos; uns mais
+cedo, outros depois. Como o meu defensor não podesse apresentar logo os
+seus documentos, resolveu-se que o sr. dr. Alvaro de Vasconcellos
+tomasse a minha defeza até que elle os apresentasse. N'essa occasião, o
+sr. promotor declarou que desejava dar a maior latitude á defeza e que
+por isso, seria acceite o defensor que eu escolhera, logo que se
+apresentasse devidamente auctorisado.
+
+«Chegou o dia dos debates: o meu defensor apresenta documentos
+devidamente authenticados, de fórma a ninguem os poder contestar e
+negam-me a defeza! Admiro que o sr. promotor, assistindo a tal facto e
+em vista da sua anterior declaração, não protestasse immediatamente
+contra a violencia de que eu era victima.
+
+«Estou coacto e apello, não para o conselho, que não me pode merecer
+confiança, mas para a imprensa, para que esta faça demonstrar bem
+alto este meu protesto. Apesar de tudo, a minha fé fica firme,
+porque é sincera; ninguem a póde ferir. O que commigo se passa é
+simplesmente odioso. Eu continuo incommunicavel, quando é certo que o
+sr. auditor tinha levantado a minha excommunhão. Eu chamo-lhe assim,
+porque isto não é mais que uma excommunhão. O eu continuar
+incommunicavel é uma monstruosidade, como afinal, é tudo isto, segundo o
+proprio sr. promotor o declarou. Eu ainda sou official, tenho direitos
+que ninguem póde contestar. Estou coacto, tendo defeza emprestada,
+quando eu só depositava confiança no defensor que escolhera. Eu tenho a
+fazer uma referencia. O sr. promotor atirou umas pedradas contra o meu
+regimento, que Deus haja, por quanto infanteria 10 já não existe. V.
+Ex.ª (_dirigindo-se ao promotor_) disse que nós fôramos cobardes...
+
+«_O promotor_--Eu não disse isso... Não dou mais explicações porque não
+posso discutir com V. Ex.ª. O senhor póde apresentar novos argumentos
+para a sua defeza e nunca discutir as minhas palavras.
+
+«_O capitão Leitão_--Não quero discutir as palavras de V. Ex.ª Não
+posso, porém, admittir que me chamem cobarde. Se não me deixam defender,
+dêem-me ao menos o direito de protestar. Nós iamos em caminho do quartel
+general...
+
+«_O promotor (interrompendo)_--Eu não me referi nunca ao sr. capitão
+Leitão. Referi-me á defeza; e demais não tenho que dar satisfações do
+que aqui disse.
+
+«_O capitão Leitão_--Eu então termino mais depressa. Quando me chegar a
+minha vez, eu appellarei para tudo e até para a imprensa, para se
+conhecer bem que não tive defeza, e desde já protesto contra todas as
+violencias que se me fizeram».
+
+Outro protesto não menos vibrante reproduzido na imprensa republicana:
+
+
+«Em nome dos republicanos prezos a bordo do vapor _Moçambique_,
+pedimos-lhe o favor de protestar perante o publico contra a ultima
+violencia que se está commettendo comnosco na demora injustificada, e
+por todos os motivos arbitraria, da leitura da sentença do primeiro
+conselho de guerra. Sujeitos a todos os vexames, os officiaes militares
+submettidos a um regimen contrario á lei e attentatorio da sua
+dignidade, os prezos civis conduzidos como assassinos e salteadores, em
+carros cellulares desde a Relação até Massarellos, e a pé, no meio d'uma
+escolta, desde a Foz até Mattosinhos, depois de terem corrido graves
+riscos na barra do Porto a bordo do vapor chamado _D. Luiz_, com um
+tratamento vergonhoso na 2.ª camara do vapor _Moçambique_, apezar de nos
+exigirem a cada um uma quantia sufficiente para um tratamento regular,
+só nos faltava que o governo conservasse por tantos dias, como conserva,
+suspensa a leitura da sentença do tribunal que nos julgou, sob o
+pretexto ridiculo ou comico do receio de manifestações populares.
+
+«O paiz avaliará um governo que não tem força para fazer julgar em terra
+uns centos de accusados politicos e, por esse motivo, os conduz
+violentamente para bordo de varios navios ancorados n'um porto que só
+por cumulo d'irrisão se pode denominar «porto de abrigo», onde as
+tempestades desencadeadas teem produzido os estragos que se conhecem e
+posto em perigo imminente a vida de tantos homens, muitos dos quaes os
+proprios accusadores officiaes declararam «innocentes» durante a
+discussão da causa! O paiz julgará da força e do prestigio d'um governo
+que conserva, durante oito dias, um tribunal em sessão permanente e
+«secreta», só porque receia a discussão publica e as manifestações do
+povo em cima d'uma sentença que o proprio governo vem declarando ha
+muito ser a sentença mais levantada e mais patriotica de quantas se
+poderiam lavrar e pronunciar na nossa terra.
+
+«O paiz que julgue isso tudo. Nós protestamos, com toda a força do nosso
+direito e da nossa justiça, contra a ultima violencia que se comette
+comnosco.
+
+«A bordo do _Moçambique_, 20 de março de 1891.--_João Paes Pinto_,
+abbade de S. Nicolau; _João Chagas_; _Francisco Christo_.»
+
+
+Por fim sempre appareceram as decantadas sentenças. Como se verá pelo
+extracto que damos a seguir nada tiveram da _elevação_ e do
+_patriotismo_ apregoados pelos defensores do regimen monarchico e antes
+se caracterisaram por uma manifesta desegualdade na applicação das
+diversas penas.
+
+
+_No 1.º conselho de guerra:_
+
+Santos Cardoso, condemnado a 4 annos de Penitenciaria seguidos de 8 de
+degredo; 1.º sargento Abilio e 2.º sargento Galho, 6 annos de
+Penitenciaria; João Chagas e 2.º sargento Manuel Nunes, 4 annos de
+Penitenciaria e na alternativa de 6 annos de degredo; 2.º sargento
+Castro Silva, 3 annos e 4 mezes de prisão maior cellular; 1.º cabo
+Galileu Moreira e o actor Miguel Verdial, 2 annos de Penitenciaria;
+Eduardo de Sousa, 2 annos de prisão correcional; Felizardo de Lima,
+Amoinha Lopes e Manuel Pereira da Costa, 18 mezes de cadeia; 8 cabos, 1
+corneteiro e 32 soldados, 3 annos de deportação militar; 8 cabos, 3
+corneteiros e 23 soldados, 3 annos e 6 mezes de deportação; 1.os cabos
+Arthur Carneiro e Rosas Pinto, 4 annos de deportação; o soldado Albino
+Rodrigues e os corneteiros Jacintho Duarte e Sousa Vaz, 5 annos de
+deportação.
+
+
+_No 2.º conselho de guerra:_
+
+Capitão Leitão, 6 annos de Penitenciaria, seguidos de 10 de degredo;
+tenente Coelho, 5 annos de degredo; sargentos Joaquim Pinheiro, Thadeu
+de Freitas, Pinto Villela e Hermenegildo Silva, 4 annos de
+Penitenciaria; sargentos Raymundo de Carvalho, Alcoforado e Antonio
+Maria, o musico Eduardo Correia, 3 aprendizes de musica, um mestre de
+corneteiros, 12 cabos e 45 soldados, 3 annos de degredo; sargento Nunes
+Folgado, 4 annos de Penitenciaria; sargentos Correia Mendes, Rodrigues
+da Silva, Pinto Gomes, Botto Machado, Joaquim Moutinho, os musicos
+Eduardo Silva, José Silverio, Eduardo Fortuna, Joaquim da Rocha, Manuel
+Correia, Aurelio Silva, Jayme Lopes, o aprendiz Costa Rebello, 17 cabos
+e 48 soldados, tambem 3 annos de degredo; 1.º cabo Thomaz Bastos, 5
+annos de degredo; 2.os sargentos Alexandre de Figueiredo e Vasconcellos
+Cardoso, 4 annos de Penitenciaria.
+
+
+_No 3.º conselho de guerra:_
+
+Sargentos Guilherme Rocha, Miranda de Barros, Pinho Junior e Alfredo
+Fernandes e cabo João Borges, 4 annos de Penitenciaria, seguidos de 8
+annos de degredo; 2.os cabos Ferreira Pires e Felicio da Conceição, 4
+annos de Penitenciaria; 1 cabo e 5 soldados da guarda fiscal, 18 mezes
+de prisão militar.
+
+
+De todos os revoltosos condemnados á prisão maior cellular, apenas um,
+cremos nós, o cabo Salomé, da guarda fiscal, chegou realmente a ser
+internado na Penitenciaria de Lisboa. Os outros, como nas suas sentenças
+havia a alternativa de uns tantos annos de degredo, foram
+espalhados pelos presidios ultramarinos. D'um d'estes se evadiu mais
+tarde João Chagas, aproveitando o concurso dedicadissimo d'um official
+da marinha mercante portugueza. A evasão do illustre escriptor revestiu
+pormenores rocambolescos. Indo parar a uma colonia franceza da Africa
+Occidental, de lá se transportou a Paris onde viveu algum tempo na
+intimidade doutros revoltosos emigrados. Breve, porém, sentiu a
+nostalgia da patria e um bello dia abalançou-se a regressar ao Porto,
+onde a espionagem policial o descobriu e o prendeu...
+
+
+Agora que já decorreram muitos annos sobre os episodios que constituiram
+a revolta de 31 de janeiro, não nos furtamos ao desejo de relembrar como
+a classificaram então as individualidades que eram o sustentaculo do
+throno. Se a revolta houvesse triumphado, por certo a linguagem
+empregada teria sido muito outra. Mas não triumphou e a arrojada
+tentativa d'um punhado de valentes foi assim qualificada:
+
+
+«...lamentaveis acontecimentos que um bando de ambiciosos sem escrupulos
+promoveu e por quem, infelizmente, alguns homens que vestiam a nobre
+farda do exercito portuguez se deixaram arrastar n'uma lucta fratricida
+contra os seus camaradas fieis, faltando ao seu sagrado juramento de
+soldado e á sua nunca desmentida lealdade e disciplina, commettendo um
+verdadeiro crime de lesa-patriotismo...»
+
+
+Isto appareceu n'um documento official--o elogio tributado pelo general
+da divisão do Porto ás praças da guarnição da cidade que não haviam
+tomado parte na revolta. Ao mesmo passo, e tambem em documento
+official, dirigia-se estas amabilidades á guarda pretoriana:
+
+
+«Mais uma vez, a guarda municipal do Porto deu provas da sua
+inquebrantavel lealdade, disciplina, bravura e coragem nunca
+desmentidas. O dia de hontem (31 de janeiro) foi muito trabalhoso e de
+grande risco para todos, mas foi um dia de gloria para esta guarda. A
+ella, a mais ninguem, pode dizer-se sem receio de que alguem possa vir
+affirmar o contrario, se deve a suffocação da revolta, que os corpos da
+guarnição d'esta cidade, esquecidos dos seus deveres de honra, do
+juramento que prestaram, e do que devem á nossa querida patria e á
+dignidade propria, levaram a effeito, intentando derrubar as
+instituições que felizmente nos regem e os poderes legalmente
+constituidos, reconhecidos e respeitados pela grandissima maioria da
+nação. Foi um acto da maior indisciplina que pode dar-se na familia
+militar; ainda bem, porém, que outros militares fizeram baquear os
+revoltosos, e certamente um rigorosissimo castigo cahirá sobre elles e
+os fará então arrepender, se já não estão arrependidos, da erradissima
+acção que praticaram».
+
+
+Por outro lado, as camaras municipaes como que obedecendo a um _mot
+d'ordre_ superior, felicitaram a monarchia pela victoria obtida e uma
+d'ellas, em mensagem de maior requinte litterario, expressava-se d'este
+modo:
+
+
+«_Senhor._ Reconhecendo que as sociedades, obedecendo ás leis
+biologicas, tendem a ser successivamente modificadas na sua organisação,
+mas attento o grave e critico momento historico que a nossa querida
+patria está atravessando, profundamente commocionada pelos irreflectidos
+e criminosos acontecimentos que em 31 de janeiro findo enlutaram a
+cidade do Porto e o paiz inteiro, a camara municipal d'este concelho,
+interprete dos sentimentos que animam os povos que o constituem vem
+depôr junto de vossa magestade como representante d'um paiz que caminha
+na vanguarda das aspirações sociaes, o seu preito de dedicação e
+fidelidade ao regimen monarchico e de felicitação a vossa magestade e a
+toda a familia real, por ver n'este angustioso momento, junto de um dos
+thronos mais dignos da consideração universal, reunida a grande massa da
+nação, que só deseja ordem e inteira união de todas as classes para
+debellar os males que a affligem e poder repellir os inimigos que tentam
+sepultar a sua autonomia.»
+
+
+Não faltaram elogios e homenagens aos triumphadores como se não poupou
+os vencidos a toda a casta de imprecações. No momento da derrota ninguem
+pensou em que a explosão revolucionaria podia reproduzir-se, apoz certo
+lapso de tempo, e que essa reproducção podia ser acompanhada de
+elementos de exito seguro. Todos trataram, na occasião, de mostrar á
+dynastia brigantina um servilismo fóra do commum e aos pés do rei
+cahiram dias a fio excessivas doses de lisonja que, por serem de
+encommenda, nem ao proprio alvejado deviam illudir.
+
+E comtudo a revolta do 31 de janeiro marcára uma _étape_ bem nitida no
+caminho da modificação do regimen. Tão nitida, que pouco antes d'ella
+ser julgada nos conselhos de guerra, como em outro logar referimos, o
+manifesto dos emigrados portuguezes residentes em Madrid soltava este
+grito de esperança, desferido com tanto enthusiasmo como se já o
+illuminasse um clarão inapagavel de victoria:
+
+
+«...Nós, orgulhosos, obscuros, altivos e humildes, porque cuspimos nos
+homens indignos e imploramos a Deus justiceiro, entendemos que bate
+o minuto em que urge gritar a um povo honrado, a um povo valente que não
+póde ser mais: que não hade ser ainda; que é inevitavel, que é
+irremediavel que é necessario, immediata e incontrariadamente, cavar
+fundo, rasgar immenso, despedaçar largo, destruir vasto, já, já, agora,
+agora, de maneira que a incomparavel vergonha se envergonhe, esta
+incomparavel, esta inverosimil, esta unica e extraordinaria hediondez de
+que uma nação inteira continue, inerte, tranquilla e triturada, sob as
+patadas obscenas d'uma canalha que ella abomina muito menos do que ella
+despreza.
+
+«E, se os emigrados teem toda a esperança no paiz, o paiz não se hade
+vexar envergonhado, dos seus filhos hoje proscriptos, antes com elles
+deve e pode contar para todos os sacrificios que a salvação da patria em
+perigo tem o direito de exigir dos cidadãos probos e dedicados. A grande
+palavra de Danton, de que ninguem consegue partir do solo que embalou o
+berço em que vagiu a infancia, levando a patria pegada ás solas dos
+sapatos, tem-n'a presente constantemente os emigrados no espirito. Com
+sobresaltada attenção espiam os successos; com a alma em susto,
+forçados, a, raivosamente, cruzarem os braços, n'uma inefficacia
+provisoria, assistem ao desesperador espectaculo do crescente
+amesquinhamento do paiz, que, com fervoroso impeto, respeitam e amam.
+
+«Mas, aguardando sempre, não se differenciam dos seus concidadãos,
+injuriados pelo roubo das liberdades outr'ora conquistadas nem se
+desinteressam das preoccupações que os agitam. Os de fóra continuam a
+fazer causa commum com os que, a dentro de fronteiras, mal podem
+expressar seus queixumes. Do exilio os alentam, da terra estrangeira
+lhes clamam a esperança no futuro. Solde-se assim um pacto santo. Que a
+ultima palavra que pronunciamos seja a que em breve, verbo
+reformador, ascenda de todos os corações generosos e irrompa em todos os
+puros labios, como a consummação, salutar e fecunda, da grande obra
+iniciada a 31 de janeiro:
+
+«Viva Portugal!
+
+«Viva a Republica!»
+
+
+Este manifesto era assignado, entre outros emigrados, por Alves da
+Veiga, Basilio Telles, alferes Malheiro, Antonio Claro, Carlos Infante
+da Camara, Annibal Cunha, José Sampaio, Alipio Augusto Trancoso e José
+Tavares Coutinho.
+
+
+A obra iniciada a 31 de janeiro... essa veiu a consummar-se quasi vinte
+annos depois.
+
+FIM
+
+
+
+
+Indice
+
+
+_Do TEXTO_
+
+ Pag.
+
+Palavras de um soldado 3
+
+Capitulo I--O movimento de 31 de Janeiro filia-se no «ultimatum» de
+ 1890 7
+
+ » II--O primeiro rebate do conflicto diplomatico anglo-portuguez 14
+
+ » III--Serpa Pinto, á frente de 6.000 homens, derrota os
+ makololos revoltados 20
+
+ » IV--O governo progressista cede ante as exigencias da
+ Grã-Bretanha 27
+
+ » V--O protesto contra o «ultimatum» echoa de norte a sul
+ do paiz 34
+
+ » VI--Serpa Pinto, heroe africano, perde o prestigio 40
+
+ » VII--O partido republicano nasce da dispersão do reformista 48
+
+ » VIII--João Chagas abandona enojado a imprensa monarchica 54
+
+ » IX--O Dr. Alves da Veiga assume a chefia civil do movimento 62
+
+ » X--O Directorio recusa a sancção official á revolta 69
+
+ » XI--A crise ministerial dos «vinte sete dias» 75
+
+ » XII--«E as armas que nos foram entregues para defeza das
+ instituições, voltal-as-hemos contra ellas» 82
+
+ » XIII--Vinte annos apoz a derrota 92
+
+ » XIV--A alvorada triumphante: caçadores 9 inicia o movimento 96
+
+ » XV--Proclama-se a Republica no edificio da camara Municipal 107
+
+ » XVI--O choque sangrento--A guarda municipal desbarata os
+ revoltosos 114
+
+ » XVII--A noite negra do traidor Castro--O destino de tres
+ officiaes 121
+
+ » XVIII--O dia seguinte ao da derrota 129
+
+ » XIX--Para as despezas da revolta bastou um conto de reis 138
+
+ » XX--Triste balanço: o das victimas da insurreição 144
+
+ » XXI--A serenidade de uns e o desalento de muitos 149
+
+ » XXII--O julgamento dos revoltosos 156
+
+
+_Das GRAVURAS_
+
+Quartel de infanteria 18, e campo da Regeneração, onde se reuniram as
+tropas sublevadas na madrugada de 31 de Janeiro 15
+
+Elias Garcia 19
+
+Encontro dos revoltosos com as tropas fieis ao governo 23
+
+Alves da Veiga (1891) 31
+
+Na rua de Santo Antonio 39
+
+João Chagas (1891) 47
+
+A guarda municipal entrincheirada na egreja de Santo Ildefonso 55
+
+Capitão Leitão (1891) 63
+
+Uma carga de cavallaria 71
+
+Rodrigues de Freitas (1891) 79
+
+Levantando os feridos 87
+
+José Sampaio (Bruno) (1891) 95
+
+Proclamação da Republica 103
+
+A Bandeira da Revolta que foi hasteada na camara Municipal 111
+
+Basilio Telles (1891) 115
+
+Bombardeamento da Camara Municipal pelas tropas fieis ao governo 119
+
+Tenente Coelho (1891) 127
+
+Santos Cardoso, preso a bordo 135
+
+Actor Verdial (1891) 139
+
+Revoltosos presos a bordo do _India_ 143
+
+Antonio José de Almeida (1891) 147
+
+Os prisioneiros a bordo 151
+
+Dr. Affonso Costa (1891) 157
+
+Conselho de guerra a bordo do transporte _India_ 161
+
+O tumulo das victimas no cemiterio do Repouso, no Porto 167
+
+
+
+
+ * * * * *
+
+A sahir brevemente o 5.º volume
+
+DA
+
+BIBLIOTHECA HISTORICA
+
+A Revolução e a Republica Hespanhola
+
+(1868 a 1874)
+
+POR
+
+Victor Ribeiro
+
+Da Academia das Sciencias
+
+Um elegantissimo volume de 200 pag. 200 rs. broc. e 300 rs. enc. em
+percalina
+
+
+BIBLIOTHECA DA INFANCIA
+
+COLLECÇÃO ILLUSTRADA DE LEITURAS EDUCATIVAS
+
+Sob a direcção litteraria
+
+DE
+
+VICTOR RIBEIRO
+
+Da Academia das Sciencias
+
+Volumes em 8.º, illustrados com esplendidas gravuras no texto e de
+pagina, nitidamente impressos em magnifico papel, expressamente
+fabricado para esta publicação, formando elegantissimos livros de cerca
+de 200 paginas.
+
+Cada vol. brochado 200 rs. enc. em percalina 300 rs.
+
+N. B.--Alguns d'estes livros estão sendo adoptados para leitura nas
+escolas por conselho de professores.
+
+
+BIBLIOTHECA DA INFANCIA
+
+Volumes publicados
+
+I--*Narrativas e Lendas da Historia Patria* (A Conquista do Reino).
+
+II--_A. Daudet_--*A Creança Abandonada*.
+
+III--*Narrativas e Lendas da Historia Patria* (O Condestavel).
+
+IV--*A Vida dos Animaes* (No Paiz do Leão).
+
+V--*Narrativas e Lendas da Historia Patria* (D. João I, o rei eleito do
+Povo).
+
+VI--_Victor Hugo_--*O Bom Bispo*.
+
+VII--*Narrativas e Lendas da Historia Patria* (Os Filhos de D. João I).
+
+VIII--*A Vida dos Animaes* (Os cães).
+
+IX--*Narrativas e Lendas da Historia Patria* (O Infante D. Henrique).
+
+NO PRELO
+
+X--*A Terra Portugueza* (Portugal Pitoresco).
+
+
+Os mais bellos e os mais baratos brindes para creanças e premios para as
+escolas
+
+200 réis cada volume em brochura 500 réis bellamente encadernado com
+capa em percalina a ouro e a côres em relevo, proprio para brindes
+
+[Ilustração: As Nereidas (CAMÕES CANTO II)]
+
+Todos os pedidos devem ser dirigidos a ALFREDO DAVID--encadernador
+
+30, 32, RUA SERPA PINTO, 34,36
+
+==LISBOA==
+
+
+BIBLIOTHECA HISTORICA
+
+Volumes de cerca de 200 paginas, illustrados com primorosas gravuras
+no texto e de pagina, impressos com typo novo, bem legivel, em optimo
+papel, ao preço de *200 réis* por cada volume brochado e *300 réis* por
+cada volume luxuosamente encadernado em percalina.
+
+
+VOLUMES PUBLICADOS
+
+I, II--*Historia da Revolução Franceza* por _F. Mignet_ 2 vols.
+
+III *A Revolução Portugueza--O 31 de Janeiro* por _J. d'Abreu_.
+
+NO PRÉLO
+
+IV--*A Revolução Portugueza--O 5 de Outubro* por _J. d'Abreu_.
+
+V--*A Revolução Hespanhola* por _Victor Ribeiro_.
+
+VI--*A Revolução Nihilista na Russia* por _Stepniak_.
+
+BIBLIOTHECA DA INFANCIA
+
+COLLECÇÃO ILLUSTRADA DE LEITURAS EDUCATIVAS
+
+SOB A DIRECÇÃO LITTERARIA DE
+
+VICTOR RIBEIRO
+
+Da Academia das Sciencias
+
+
+VOLUMES PUBLICADOS
+
+I--*Narrativas e Lendas da Historia Patria* (A Conquista do Reino).
+
+II--_A Daudet_--*A Creança Abandonada*.
+
+III--*Narrativas e Lendas da Historia Patria* (O Condestavel).
+
+IV--*A Vida dos Animaes* (No Paiz do Leão).
+
+V--*Narrativas e Lendas da Historia Patria* (D. João I, o rei eleito do
+povo).
+
+VI--_Victor Hugo_--*O Bom Bispo*.
+
+VII--*Narrativas e Lendas da Historia Patria* (Os filhos de D. João I).
+
+VIII--*A Vida dos Animaes* (Os cães).
+
+IX--*Narrativas e Lendas da Historia Patria* (O Infante D. Henrique).
+
+NO PRÉLO
+
+X--*A Terra Portugueza* (Portugal Pitoresco).
+
+
+Cada volume em 8.º, illustrado com esplendidas gravuras nitidamente
+impresso em magnifico papel, expressamente fabricado para esta
+publicação, forma um elegantissimo livro de cerca de 200 paginas.
+
+*Os mais baratos e elegantes brindes para creanças e premios escolares*
+
+200 réis cada volume brochado--300 réis enc. em percalina
+
+Pedidos a
+
+ALFREDO DAVID--Encadernador
+
+Rua Serpa Pinto, 30 a 36--Lisboa
+
+
+
+
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+Janeiro (Porto 1891), by Jorge de Abreu
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+things that you can do with most Project Gutenberg-tm electronic works
+even without complying with the full terms of this agreement. See
+paragraph 1.C below. There are a lot of things you can do with Project
+Gutenberg-tm electronic works if you follow the terms of this agreement
+and help preserve free future access to Project Gutenberg-tm electronic
+works. See paragraph 1.E below.
+
+1.C. The Project Gutenberg Literary Archive Foundation ("the Foundation"
+or PGLAF), owns a compilation copyright in the collection of Project
+Gutenberg-tm electronic works. Nearly all the individual works in the
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+opportunities to fix the problem.
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+in paragraph 1.F.3, this work is provided to you 'AS-IS' WITH NO OTHER
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+law of the state applicable to this agreement, the agreement shall be
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+including obsolete, old, middle-aged and new computers. It exists
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+
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+goals and ensuring that the Project Gutenberg-tm collection will
+remain freely available for generations to come. In 2001, the Project
+Gutenberg Literary Archive Foundation was created to provide a secure
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+To learn more about the Project Gutenberg Literary Archive Foundation
+and how your efforts and donations can help, see Sections 3 and 4
+and the Foundation web page at http://www.pglaf.org.
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+ <title>A Revolução Portugueza:O 31 de janeiro, por Jorge d'Abreu.</title>
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+<pre>
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+The Project Gutenberg EBook of A Revolução Portugueza: O 31 de Janeiro
+(Porto 1891), by Jorge de Abreu
+
+This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with
+almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or
+re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included
+with this eBook or online at www.gutenberg.org
+
+
+Title: A Revolução Portugueza: O 31 de Janeiro (Porto 1891)
+
+Author: Jorge de Abreu
+
+Release Date: July 22, 2009 [EBook #29484]
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+Language: Portuguese
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+Character set encoding: ISO-8859-1
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+*** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK A REVOLUÇÃO PORTUGUEZA ***
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+Produced by Pedro Saborano and the Online Distributed
+Proofreading Team at http://www.pgdp.net
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+<div style="text-align:center; border: solid 2px #000; padding: 1em;">
+<p style="color:#ff0000;">BIBLIOTHECA HISTORICA<br>
+<small>(POPULAR E ILLUSTRADA)</small><br>
+III</p>
+
+<p style="font-size: 3em; font-weight: bold;"><span style="margin-right: 3em;">A Revolução</span><br>
+<span style="margin-left: 3em;">Portugueza</span></p>
+
+<p style="font-size: 2em;">O 31 DE JANEIRO</p>
+
+<p style="color:#ff0000;"><strong>(Porto 1891)</strong><br>
+
+<span style="font-size: 0.8em;">POR</span><br>
+
+JORGE D'ABREU<img
+alt="Imagem de capa: bandeira do Centro Democratico Federal"
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+style="display: block; text-align: center; margin-left: auto; margin-right: auto"
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+
+<p>1912<br>
+
+E<small>DIÇÃO DA</small> C<small>ASA</small> ALFREDO DAVID<br>
+
+<small>ENCADERNADOR</small><br>
+
+<em>30-32, Rua Serpa Pinto, 34-36</em><br>
+
+<small>LISBOA</small><br>
+</p>
+</div>
+
+<p>&nbsp;</p>
+<p>&nbsp;</p>
+<p>&nbsp;</p>
+<p>&nbsp;</p>
+
+<table border="0" align="center" summary="Indice">
+ <tbody>
+ <tr>
+ <th colspan="3">INDICE</th>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td></td>
+ <td></td>
+ <td>Pag.</td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td colspan="2">Palavras de um soldado</td>
+ <td style="text-align:right;"><a href="#pg_3">3</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td style="text-align:right;">Capitulo I&mdash;</td>
+ <td style="text-align:justify;">O movimento de 31 de Janeiro filia-se no
+ «ultimatum» de 1890</td>
+ <td style="text-align:right;"><a href="#pg_7">7</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td style="text-align:right;">» II&mdash;</td>
+ <td style="text-align:justify;">O primeiro rebate do conflicto
+ diplomatico anglo-portuguez</td>
+ <td style="text-align:right;"><a href="#pg_14">14</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td style="text-align:right;">» III&mdash;</td>
+ <td style="text-align:justify;">Serpa Pinto, á frente de 6.000 homens,
+ derrota os makololos revoltados</td>
+ <td style="text-align:right;"><a href="#pg_20">20</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td style="text-align:right;">» IV&mdash;</td>
+ <td style="text-align:justify;">O governo progressista cede ante as
+ exigencias da Grã-Bretanha</td>
+ <td style="text-align:right;"><a href="#pg_27">27</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td style="text-align:right;">» V&mdash;</td>
+ <td style="text-align:justify;">O protesto contra o «ultimatum» echoa de
+ norte a sul do paiz</td>
+ <td style="text-align:right;"><a href="#pg_34">34</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td style="text-align:right;">» VI&mdash;</td>
+ <td style="text-align:justify;">Serpa Pinto, heroe africano, perde o
+ prestigio</td>
+ <td style="text-align:right;"><a href="#pg_40">40</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td style="text-align:right;">» VII&mdash;</td>
+ <td style="text-align:justify;">O partido republicano nasce da dispersão
+ do reformista</td>
+ <td style="text-align:right;"><a href="#pg_48">48</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td style="text-align:right;">» VIII&mdash;</td>
+ <td style="text-align:justify;">João Chagas abandona enojado a imprensa
+ monarchica</td>
+ <td style="text-align:right;"><a href="#pg_54">54</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td style="text-align:right;">» IX&mdash;</td>
+ <td style="text-align:justify;">O Dr. Alves da Veiga assume a chefia
+ civil do movimento</td>
+ <td style="text-align:right;"><a href="#pg_62">62</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td style="text-align:right;">» X&mdash;</td>
+ <td style="text-align:justify;">O Directorio recusa a sancção official á
+ revolta</td>
+ <td style="text-align:right;"><a href="#pg_69">69</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td style="text-align:right;">» XI&mdash;</td>
+ <td style="text-align:justify;">A crise ministerial dos «vinte sete
+ dias»</td>
+ <td style="text-align:right;"><a href="#pg_75">75</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td style="text-align:right;">» XII&mdash;</td>
+ <td style="text-align:justify;">«E as armas que nos foram entregues para
+ defeza das instituições, voltal-as-hemos contra ellas»</td>
+ <td style="text-align:right;"><a href="#pg_82">82</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td style="text-align:right;">» XIII&mdash;</td>
+ <td style="text-align:justify;">Vinte annos apoz a derrota</td>
+ <td style="text-align:right;"><a href="#pg_92">92</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td style="text-align:right;">» XIV&mdash;</td>
+ <td style="text-align:justify;">A alvorada triumphante: caçadores 9
+ inicia o movimento</td>
+ <td style="text-align:right;"><a href="#pg_96">96</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td style="text-align:right;">» XV&mdash;</td>
+ <td style="text-align:justify;">Proclama-se a Republica no edificio da
+ camara Municipal</td>
+ <td style="text-align:right;"><a href="#pg_107">107</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td style="text-align:right;">» XVI&mdash;</td>
+ <td style="text-align:justify;">O choque sangrento&mdash;A guarda
+ municipal desbarata os revoltosos</td>
+ <td style="text-align:right;"><a href="#pg_114">114</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td style="text-align:right;">» XVII&mdash;</td>
+ <td style="text-align:justify;">A noite negra do traidor Castro&mdash;O
+ destino de tres officiaes</td>
+ <td style="text-align:right;"><a href="#pg_121">121</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td style="text-align:right;">» XVIII&mdash;</td>
+ <td style="text-align:justify;">O dia seguinte ao da derrota</td>
+ <td style="text-align:right;"><a href="#pg_129">129</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td style="text-align:right;">» XIX&mdash;</td>
+ <td style="text-align:justify;">Para as despezas da revolta bastou um
+ conto de reis</td>
+ <td style="text-align:right;"><a href="#pg_138">138</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td style="text-align:right;">» XX&mdash;</td>
+ <td style="text-align:justify;">Triste balanço: o das victimas da
+ insurreição</td>
+ <td style="text-align:right;"><a href="#pg_144">144</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td style="text-align:right;">» XXI&mdash;</td>
+ <td style="text-align:justify;">A serenidade de uns e o desalento de
+ muitos</td>
+ <td style="text-align:right;"><a href="#pg_149">149</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td style="text-align:right;">» XXII&mdash;</td>
+ <td style="text-align:justify;">O julgamento dos revoltosos</td>
+ <td style="text-align:right;"><a href="#pg_156">156</a></td>
+ </tr>
+ </tbody>
+</table>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+
+<p>&nbsp;</p>
+<p>&nbsp;</p>
+<p>&nbsp;</p>
+<p>&nbsp;</p>
+<div style="text-align:center;">
+<p>BIBLIOTHECA HISTORICA<br>
+
+(POPULAR E ILLUSTRADA)<br>
+
+III<br>
+
+<p style="font-size: 2em;">A Revolução Portugueza</p>
+
+<p style="font-size: 1.5em;">O 31 DE JANEIRO</p>
+</div>
+<p>&nbsp;</p>
+<p>&nbsp;</p>
+<p>&nbsp;</p>
+<p>&nbsp;</p>
+
+<div style="font-size: 0.8em; margin: 10%;">
+<p style="text-align: center;">VOLUMES PUBLICADOS</p>
+
+<p>I&mdash;H<small>ISTORIA DA</small> R<small>EVOLUÇÃO</small>
+F<small>RANCEZA</small>, por <em>F. Mignet</em>, 1.º volume.</p>
+
+<p>II&mdash;H<small>ISTORIA DA</small> R<small>EVOLUÇÃO</small>
+F<small>RANCEZA</small>, 2.º volume.</p>
+
+<p>III&mdash;A R<small>EVOLUÇÃO</small> P<small>ORTUGUEZA</small>&mdash;O 31
+<small>DE</small> J<small>ANEIRO</small> (P<small>ORTO</small> 1891), por
+<em>Jorge d'Abreu</em>.</p>
+
+<p>NO PRÉLO</p>
+
+<p>IV&mdash;A R<small>EVOLUÇÃO</small> P<small>ORTUGUEZA</small>&mdash;O 5
+<small>DE</small> O<small>UTUBRO</small><br>
+(L<small>ISBOA</small> 1910), por <em>Jorge d'Abreu</em>.</p>
+
+<p>V&mdash;A R<small>EVOLUÇÃO E A</small> R<small>EPUBLICA</small>
+H<small>ESPANHOLA</small> (1868 <small>A</small> 1874), por <em>Victor
+Ribeiro</em>.<span class="pn"><a name="pg_1" id="pg_1">{1}</a></span></p>
+</div>
+
+<p>&nbsp;</p>
+<p>&nbsp;</p>
+<p>&nbsp;</p>
+<p>&nbsp;</p>
+
+<div style="text-align:center;">
+<p>BIBLIOTHECA HISTORICA<br>
+
+<small>(POPULAR E ILLUSTRADA)</small></p>
+
+<hr style="border: 0; border-bottom: solid 2px #000; width: 80%">
+
+<p style="font-size: 3em; font-weight: bold;"><span style="margin-right: 3em;">A Revolução</span><br>
+<span style="margin-left: 3em;">Portugueza</span></p>
+
+<p style="font-size: 2em;">O 31 DE JANEIRO</p>
+
+<p style="font-size: 1.2em;">(Porto 1891)</p>
+
+<p><small>POR</small></p>
+
+<p style="font-size: 1.4em;">JORGE D'ABREU</p>
+
+<p><img alt="Logotipo do editor" src="images/p001.png"></p>
+
+<p>1912</p>
+
+<p>E<small>DIÇÃO DA</small> C<small>ASA</small> ALFREDO DAVID<br>
+
+<small>ENCADERNADOR</small><br>
+
+<em>30-32, Rua Serpa Pinto, 34-36</em><br>
+
+LISBOA<span class="pn"><a name="pg_2" id="pg_2">{2}</a></span></p>
+</div>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p style="text-align:center;"><small>Composto e Impresso na Imprensa Libanio da
+Silva==Travessa do Falla-Só, 24&mdash;Lisboa</small><span class="pn"><a
+name="pg_3" id="pg_3">{3}</a></span></p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p style="text-align:center; font-size: 1.4em;">PALAVRAS DE UM SOLDADO</p>
+
+<p style="text-align:center;"><strong>ao presidente do tribunal de guerra, no acto do
+julgamento:</strong></p>
+
+<p>... <em>Eu, meu senhor, não sei o que é a Republica, mas não póde deixar de
+ser uma cousa santa. Nunca na egreja sentí um calafrio assim. Perdí a cabeça
+então, como os outros todos. Todos a perdemos. Atirámos então as barretinas ao
+ar. Gritámos então todos:&mdash;Viva! viva, viva a Republica!</em>...</p>
+
+<blockquote style="margin-left: 50%; ">
+ <p><small>Do «Manifesto dos Emigrados da Revolução do Porto de 31 de Janeiro de 1891.»</small><span class="pn"><a name="pg_4"
+ id="pg_4">{4}</a><br>
+ <a name="pg_5" id="pg_5">{5}</a></span></p>
+</blockquote>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p style="text-align:center; font-size: 2.5em">O 31 DE JANEIRO</p>
+
+<p style="text-align:center;">(Porto 1891)<br>
+<span class="pn"><a name="pg_6" id="pg_6">{6}</a><br>
+<a name="pg_7" id="pg_7">{7}</a></span></p>
+
+<div id="corpo">
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p><img alt="Decoração de página" src="images/p007.png"
+style="display: block; text-align: center; margin-left: auto; margin-right: auto"
+width="100%"></p>
+
+<h1>CAPITULO I</h1>
+
+<h2>O movimento de 31 de janeiro filia-se no "ultimatum" de 1890</h2>
+
+<p>A revolta militar de 31 de janeiro de 1891 caracterisou-se pela precipitação
+com que foi decidida e a pouca ou nenhuma reserva com que foi organisada.
+Durante mezes uma parte do paiz teve conhecimento quasi minucioso de que se
+conspirava contra a monarchia e que na conspiração entravam elementos de
+importancia recrutados na officialidade dos regimentos que a guarneciam. No
+emtanto a explosão patriotica, que na madrugada de 31 fez triumphar por algumas
+horas a bandeira verde e vermelha, surprehendeu muita gente porque apenas uma
+insignificante minoria não julgava extemporaneo o <em>rebentar da
+bomba</em>.</p>
+
+<p>A causa unica do movimento podemol-a filiar no <em>ultimatum</em> de 1890.
+Por espaço d'um anno, a agitação popular, que essa chicotada diplomatica
+provocara nos primeiros instantes&mdash;agitação que, no dizer de João Chagas,
+trouxera pela primeira vez para a rua, a manifestarem-se, «homens graves e de
+chapeu alto»&mdash;por espaço d'um anno, repetimos, essa<span class="pn"><a
+name="pg_8" id="pg_8">{8}</a></span> agitação minou profundamente diversas
+camadas sociaes e fez augmentar por uma forma extraordinaria o descontentamento
+da nação, a sua hostilidade contra o regimen monarchico e o soberano. Viu-se
+claramente, n'esse momento grave da vida portugueza, que, ao substituir-se o
+ministerio abatido pelo <em>ultimatum</em>, o novo governo procurara antes de
+mais nada deitar uma escóra ao throno, desprezando em absoluto as reclamações
+do povo, a sua grita sedenta de justiça. Calcára-se a patria para sustentar no
+poder o monarcha brigantino. A dignidade da nação, o seu anceio fervoroso de
+que o <em>ultimatum</em> obrigasse a politica governativa a mudar de processos,
+a trabalhar com seriedade, uma e outro foram espesinhados pelo empenho dos
+aulicos da monarchia em precavel-a da marcha progressiva das ideias
+democraticas. D'ahi o exodo para o partido republicano de muitos dos homens que
+até então tinham tentado servir os partidos monarchicos com boa fé e dedicação.
+</p>
+
+<p>Mais adeante desenvolveremos, na medida do possivel, esse periodo da
+historia contemporanea, cujos incidentes, voltamos a affirmal-o, fizeram
+germinar o pensamento da revolta e contribuiram directamente para que ella
+rebentasse no Porto no dia 31 de janeiro de 1891. Por agora limitaremos o nosso
+papel de modesto e desataviado chronista da Revolução Portugueza a descrever o
+que occorreu em Lisboa mal se soube da momentanea victoria das armas
+republicanas. É interessante recordar as horas de mortifera espectativa que a
+capital soffreu, emquanto a varias leguas de distancia um troço de valentes se
+fazia massacrar pela chamada <em>guarda pretoriana</em>.</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Nas vesperas da revolta, os jornaes de Lisboa ainda reflectiam quasi toda a
+indignação e a celeuma causadas pelo <em>ultimatum</em>. A poucas horas de
+ser<span class="pn"><a name="pg_9" id="pg_9">{9}</a></span> iniciado o
+movimento, os <em>Pontos nos ii</em> inseriam uma pagina faiscante de Bordallo
+Pinheiro, intitulada <em>A maldita questão ingleza</em>. As perseguições a
+differentes officiaes do exercito succediam-se com uma pertinacia feroz. No dia
+30 de janeiro, um jornal, alludindo á que fôra movida ao alferes de caçadores 9
+(aquartelado no Porto) Simões Trindade, salientava o facto curioso d'esse
+official ter sido, em 27 d'aquelle mez, mandado apresentar
+<em>immediatamente</em> no quartel general da respectiva divisão; depois,
+d'ahi, mandado seguir, <em>immediatamente</em>, para o ministerio da guerra;
+d'aqui apresentado <em>immediatamente</em> no quartel general da 1.ª divisão,
+onde tinham acabado por lhe dar uma guia afim de se apresentar,
+<em>immediatamente</em> tambem, no regimento de infantaria 24, aquartelado em
+Pinhel. Os jornaes do Porto, confirmando esse furor persecutorio,
+accrescentavam que a violencia das auctoridades militares incidia especialmente
+sobre os officiaes inferiores.</p>
+
+<p>Surgiu a manhã de 31 e com ella principiaram a circular em Lisboa os boatos
+alarmantes. Um d'elles, talvez o primeiro e o que mais consistencia adquiriu
+desde logo no espirito do publico, dizia:</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p><em>No Porto, ás seis horas, os regimentos de caçadores 9 e infantaria 10 e
+parte de infantaria 18, sahindo dos quarteis, dirigiram-se á praça da
+Regeneração, soltando vivas á Republica. O movimento tende a alastrar-se. A
+guarda municipal quiz oppôr-se-lhe; mas, depois d'uma descarga dada por
+caçadores 9, e da qual morreram 12 soldados d'aquella guarda, os outros
+adheriram aos revoltosos.</em></p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>A seguir, correu que a primeira auctoridade militar do Porto pedira de
+madrugada reforço á <em>guarda</em><span class="pn"><a name="pg_10"
+id="pg_10">{10}</a></span> <em>pretoriana</em>, mas que ella se recusara
+peremptoriamente a combater as tropas sublevadas. Dizia-se tambem que toda a
+guarnição se solidarisara com os insurrectos.</p>
+
+<p>Estas e outras noticias, como é de comprehender, lançaram na capital uma
+agitação indescriptivel. Os primeiros momentos foram, sem duvida, de confusão e
+de panico. Ás 7 da manhã, o ministerio já estava reunido e procurava, não sem
+difficuldade, tomar contacto com a situação. Ás 8, eram chamados ao paço da
+Ajuda o presidente do conselho e o general Moreira, commandante das guardas
+municipaes. D'um extremo ao outro da cidade, desfilavam vertiginosamente as
+ordenanças, os correios, e a população, despertada pelo annuncio retumbante
+d'esse golpe de audacia republicana, espreitava curiosa a sequencia e o
+desfecho dos acontecimentos.</p>
+
+<p>Pouco depois das 8 horas, correu em Lisboa que um telegramma recebido no
+jornal o <em>Seculo</em> affirmava estarem occupados pelos insurrectos todos os
+edificios publicos e que a população da capital do norte adherira em massa á
+obra iniciada pelo exercito. Era o triumpho completo da Revolução, o alvorecer
+radioso d'um novo regimen politico, interrompendo na nossa historia o
+desenrolar corrosivo da tyrannia monarchica. O governo, reunido, tentava com
+medidas successivas suffocar o incendio que lavrava no Porto. Os regimentos de
+infantaria recebiam ordem de partir para ali. O sr. Antonio Ennes, ministro da
+marinha, fazia-se conduzir ao Arsenal e ahi, em conferencia com o commandante
+geral da armada, exigia que os navios de guerra disponiveis seguissem sem
+demora a investir a cidade revoltada. O ministerio fremia de impaciencia e de
+terror. A familia real inquiria constantemente das diversas phases da
+insurreição. Os elementos avançados principiavam a respirar a atmosphera de
+liberdade trazida do Porto na lufada dos telegrammas<span class="pn"><a
+name="pg_11" id="pg_11">{11}</a></span> optimistas. A alegria desenhava-se em
+quasi todos os rostos.</p>
+
+<p>Longas horas se passaram assim&mdash;horas de esperança, horas de
+espectativa anciosa&mdash;durante as quaes os boatos nunca cessaram de
+fervilhar. Contava no dia seguinte um jornalista que a confusão de momento era
+tal que os mesmos alviçareiros que espalhavam a noticia da victoria decisiva
+dos sublevados não tardavam d'ahi a instantes a divulgar o contrario. Para o
+paço de Belem havia desde manhã cedo enorme affluencia de personagens
+officiaes. «Desde os ministros, affirmou mais tarde um <em>reporter</em>, até
+os simples fidalgos cavalleiros, dos quaes vimos dois, fardados, irem em trem
+pôr-se ás ordens de D. Carlos, todos á porfia accorreram á regia morada.» A
+guarda do paço era n'esse dia de infantaria 2. Mas, apesar do reboliço que ia
+dentro do edificio, os soldados mostravam-se despreoccupados e no
+local&mdash;cá fóra&mdash;pouco se sabia da revolução. Os politicos,
+frequentadores da Arcada, andavam desvairados. Uns asseguravam que a população
+portuense, dirigida por officiaes de caçadores 9, arvorara a bandeira
+republicana no palacio da Bolsa; outros que infantaria 8, de Braga, e o 14, de
+Vizeu, tinham adherido ao movimento; outros ainda que a guarda municipal,
+fraternisando com os revoltosos, se apressara a soltar João Chagas, que então
+expiava na cadeia da Relação a condemnação imposta por um delicto de imprensa.
+Os que pareciam melhor informados accrescentavam a tudo isto que na madrugada
+de 30 de janeiro varios telegrammas cifrados haviam annunciado aos dirigentes
+da politica democratica o <em>estalar da bomba</em>. De Lisboa, por exemplo,
+tinham perguntado para o Porto: <em>Como vae o doente?</em> Do Porto tinham
+respondido: <em>Deve morrer ámanhã</em>...</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Mas, ao começo da tarde, o optimismo cedeu o<span class="pn"><a
+name="pg_12"
+id="pg_12">{12}</a></span> passo ao desalento. As agencias officiosas
+principiaram a falar em suffocação da revolta e em rendição de revoltados.
+Mudára a face das cousas. O paço animava-se, o governo cobrava sangue frio. O
+commandante da divisão militar com séde na capital do norte&mdash;o general
+Scarnichia&mdash;que na occasião se encontrava em Lisboa, tratando junto do
+ministerio da guerra das transferencias dos seus subordinados suspeitos de
+republicanismo, seguia ás 2 e 30 para o Porto n'um comboio especial. Uma parte
+das tropas que, tendo recebido ordem de marchar em soccorro da monarchia, já se
+agglomeravam nas estações de caminho de ferro, regressava a quarteis.
+Suspendiam-se por um mez as garantias em todo o districto do Porto e
+auctorisava-se a suspensão dos <em>jornaes perigosos</em> ali e no resto do
+paiz. Evidentemente, a sublevação não lograra exito e o sangue derramado na
+manhã de 31 servira apenas a registar uma infructifera tentativa de reacção
+contra a dynastia oppressora. A democracia fôra vencida pouco depois de ter
+vencido. A atmosphera voltava a carregar-se de violencia, de jugo tyrannico, e
+no horisonte já se descortinava que as represalias iam ser ferozes. Uma gazeta
+das mais populares da epoca, reconhecendo que, uma vez dominada a
+<em>sargentada</em>, o governo se apressaria sem duvida a esmagar a mais
+insignificante velleidade de resistencia, escrevia vinte e quatro horas apoz a
+derrota:</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>«Á mercê do arbitrio é difficil poder-se viver; aguardemos melhores dias de
+liberdade e... calemo-nos.»</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Extincto o clarão redemptor, a imprensa&mdash;salvo raras excepções&mdash;ou
+vociferava tonitruante, enraivecida, contra os revoltosos, pedindo para os
+vencidos o maximo do castigo&mdash;até a pena de morte&mdash;ou<span
+class="pn"><a name="pg_13" id="pg_13">{13}</a></span> se curvava resignada sob
+a ameaça do triumphador, disposta a supportar em silencio a desforra cruel que
+os vencedores procurariam abertamente tirar dos derrotados. O nucleo dirigente
+do partido republicano escrevia a poucas semanas dos acontecimentos:</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>«O directorio cumpriu o seu dever, synthetisando as aspirações d'um partido;
+em vez de appellar para aventuras anarchicas, recommendou á imprensa
+republicana, aos conferentes e propagandistas a demonstração calma e
+justificada d'esses principios. (Alludia aos que tinham sido consignados no seu
+manifesto de 11 de janeiro de 1891).</p>
+
+<p>«Acceitando o mandato de acção, conferido pelo ultimo congresso, o
+directorio entendeu que consistia essa acção em repellir a mesquinha
+subserviencia que envolvia o partido em accordos com os grupos monarchicos e em
+conter as individualidades sem mandato, que, trabalhando sem disciplina,
+compromettiam o partido, como em seguida os acontecimentos o provaram.</p>
+
+<p>«As revoluções são factos inherentes ao organismo social; não é um grupo de
+homens que as fazem, como ou quando querem; mas compete a esse grupo dar-lhes
+pensamento e direcção quando sobrevenham.»</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Resumindo: o directorio entendia de boa politica não se responsabilisar pela
+tentativa mallograda e condemnava-a pelo que ella se lhe affigurava de
+desordenada e inopportuna. N'outra passagem do documento a que nos referimos
+affirmava que «a nação inteira julgara immediatamente o movimento de 31 de
+janeiro pela sua <em>inopportunidade</em>.» E no emtanto, a poucos dias da
+revolta, o mesmo directorio tinha espalhado profusamente esta opinião nitida e
+vigorosa:<span class="pn"><a name="pg_14" id="pg_14">{14}</a></span></p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>«No momento que atravessamos não ha logar para demonstrações theoricas nem
+para argumentar com os pedantocratas do constitucionalismo. Elles já deram as
+suas provas. Para a crise extrema um supremo remedio».</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Supremo remedio!... Que outro poderia ser, afinal, senão o iniciado na manhã
+de 31?</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<h1>CAPITULO II</h1>
+
+<h2 style="text-align:center;">O primeiro rebate do conflicto diplomatico
+anglo-portuguez</h2>
+
+<p>Precisemos os factos:</p>
+
+<p>O <em>ultimatum</em> de 11 de janeiro de 1890 teve como pretexto a expedição
+do major Serpa Pinto na Africa Oriental. Antes d'ella já se falava vagamente na
+possibilidade d'um conflicto anglo-portuguez e porque em 1889, nos fins do
+reinado de D. Luiz, tudo o que dependia da influencia ou da acção ministerial
+se inclinava a hostilisar&mdash;ainda que mais ou menos disfarçadamente&mdash;a
+Inglaterra e as cousas inglezas.</p>
+
+<p>Parece assente que aquelle soberano, levado talvez por considerações de
+ordem familiar, projectava lançar-se e lançar ostensivamente o paiz nos braços
+do imperio allemão, quebrando todos os laços intimos que, desde seculos, uniam
+a nacionalidade portugueza á Grã-Bretanha. D. Luiz e os seus ministros queriam
+mais: queriam amarrar á Allemanha o destino do nosso commercio vinicola e das
+nossas colonias&mdash;o primeiro ligado á França e as segundas relacionadas
+quasi todas com o dominio inglez. Tentou-se mesmo fazer derivar da França para
+a Allemanha a exportação dos vinhos nacionaes,<span class="pn"><a name="pg_15"
+id="pg_15">{15}</a></span> com a organisação em Berlim d'um certamen, que, no
+fim de contas, nada deu de productivo.</p>
+
+<div class="ilustracao"><a name="img015"></a>
+<p><img alt="Fotografia do Quartel de Infantaria 18, e campo da Regeneração"
+src="images/p015.png" width="100%"></p>
+
+<p>Quartel de infantaria 18, e campo da Regeneração, onde se reuniram as tropas
+sublevadas na madrugada de 31 de janeiro</p>
+</div>
+
+<p>Mas o primeiro rebate d'essa hostilidade appareceu de fórma inilludivel em
+julho de 1889, quando o governo então no poder rescindiu o contracto de 14 de
+dezembro de 1883 (o contracto para a construcção do caminho de ferro de
+Lourenço Marques). Não diremos em absoluto que essa rescisão fosse apenas
+inspirada no desejo de ferir homens e interesses da Grã-Bretanha. A verdade,
+porém, é que muita gente quiz vêr logo no facto o ensejo propicio para o
+trespasse da mencionada concessão a um grupo de capitalistas allemães e essa
+suspeita surgiu clara e precisa na imprensa a mais ponderada e suave de termos.
+A Inglaterra, pela bocca dos seus orgãos jornalisticos, sentiu-se fundamente
+attingida com a medida tomada pelo governo portuguez e não tardou que désse
+largas a uma celeuma até certo ponto exagerada, mas comprehensivel em face das
+nossas manobras secretas com a chancellaria germanica.<span class="pn"><a
+name="pg_16" id="pg_16">{16}</a></span></p>
+
+<p>Os periodicos londrinos aconselharam acto continuo o governo inglez a enviar
+a Lourenço Marques uma esquadra, com o fim, diziam ironicamente, de «proteger
+os seus subditos ali ameaçados pela valentia de Portugal», e embora um ou outro
+d'esses mesmos periodicos indicasse vagamente a arbitragem como um meio decente
+de liquidar o assumpto, o conjuncto d'elles não desafinava na sua exigencia de
+que deviamos soffrer uma punição significativa. Por alguns dias receiou-se,
+effectivamente, que o governo inglez seguisse o conselho da imprensa exaltada.
+Mas, como ainda não soara a hora para a diplomacia britannica nos mostrar que
+andavamos por caminho errado, pretendendo, nos pactos de alliança
+internacional, substituil-a pela Allemanha, as cousas foram atamancadas sem
+grande dispendio de dignidade e as nuvens negras, que já carregavam e
+entenebreciam o horisonte, perderam um pouco do seu aspecto ameaçador.</p>
+
+<p>O partido republicano, tendo seguido com interesse patriotico a marcha dos
+incidentes, não duvidou estigmatisar publicamente o projecto desvairado da
+monarchia ao procurar enredar a nacionalidade na teia emmaranhada d'um
+conflicto diplomatico. Os jornaes da epoca falam pormenorisadamente da campanha
+que esse partido então fez não só contra a projectada alliança luso-germanica
+mas, principalmente, contra a entrega do caminho de ferro de Lourenço Marques a
+um grupo allemão.</p>
+
+<p>Quando surdiu o <em>ultimatum</em>, ninguem hesitou em reconhecer que, se a
+patada do colosso de além Mancha era brutal, mesmo brutalissima, á monarchia e
+aos seus governos cabiam, entretanto, uma boa parte das culpas. Opinião
+identica expressou-a mais tarde João Chagas ao tratar do assumpto, de
+collaboração com o ex-tenente Coelho:</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>«Estava-se em principios de janeiro sob uma situação<span class="pn"><a
+name="pg_17" id="pg_17">{17}</a></span> presidida pelo sr. José Luciano de
+Castro e na qual detinha a pasta dos estrangeiros o sr. Henrique de Barros
+Gomes, quando os jornaes começaram referindo-se com insistencia á possibilidade
+d'um conflicto com a Inglaterra, a proposito das pretenções d'esta nação sobre
+os territorios do Nyassa, onde algumas expedições portuguezas de caracter
+scientifico operavam ao tempo. O facto pareceu novo e surprehendeu, se bem que
+tivesse origem antiga no plano de absorpção da Africa Austral e dos territorios
+sertanejos de Moçambique, principiado a executar-se em 1888, pelo tratado feito
+entre a Inglaterra e o potentado Lobengula no qual era comprehendido o
+territorio dos Mashonas, reivindicado por Portugal; e levado a cabo pelo
+tratado de 18 de maio de 1891, extorquido pelo governo britannico á invalidez
+portugueza.</p>
+
+<p>«O litigio, que veiu a liquidar-se desastrosamente pelo <em>ultimatum</em>
+de 11 de junho de 1890, pode dizer-se, começou então. Durante dois
+annos&mdash;forçoso é reconhecer para esclarecimento da historia e apuramento
+de responsabilidades&mdash;a Inglaterra oppôz ás pretenções de Portugal o
+<em>veto</em> mais formal. Já em 1887, o marquez de Salisbury protestava contra
+os tratados, assignados e publicados, de Portugal com a Allemanha e a França,
+declarando não nos reconhecer o direito, que aquellas nações nos attribuiam, de
+exercermos jurisdicção em territorios d'Africa, onde não tinhamos occupação
+effectiva, e invocava, para justificar o seu protesto, as decisões da
+conferencia de Berlim.</p>
+
+<p>«Mais tarde, em 1888, sir James Fergusson pronunciava na Camara dos Communs
+um discurso que fez impressão em Portugal, mas nem por isso deixou de
+constituir uma negação severa, que o governo britannico officialmente apoiou,
+dos direitos de soberania, invocados pelo governo portuguez, sobre o sertão da
+Africa Oriental. Quando, apoz o<span class="pn"><a name="pg_18"
+id="pg_18">{18}</a></span> tratado feito pela Inglaterra com o regulo
+Lobengulo, o governo portuguez quiz definir, por uma delimitação, a posse dos
+territorios da Africa Oriental (outubro de 1888) o governo britannico,
+presentindo que não chegaria a uma rapida conciliação, fez-lhe sentir, pelo
+ministro em Lisboa, sir George Petre, que o estado das relações entre os dois
+governos, no que se referia ás questões africanas, «estava longe de ser
+satisfatorio, e que uma prolongação d'esse estado podia conduzir a uma seria
+quebra de amizade entre os dois paizes.»</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Em janeiro de 1889, o marquez de Salisbury queixava-se ao representante de
+Portugal em Londres de que o governo lusitano tivesse feito partir para a
+Africa e com <em>destino mysterioso</em> (aos territorios do Nyassa) a
+expedição do capitão tenente Antonio Maria Cardoso e avisava o diplomata
+portuguez «de que as boas relações dos dois paizes não podiam por muito tempo
+resistir ao perigo a que estavam sendo expostas». Essa expedição, á data da
+queixa do marquez de Salisbury, acampava no Monte Melange e luctava não só com
+as febres mas tambem com a falta de carregadores, parte dos quaes havia fugido.
+E facto curioso: emquanto o ministro inglez mostrava ao representante de
+Portugal apprehensões sobre o objectivo principal da expedição, «que lhe
+parecia ser o territorio occupado pelas missões e estações commerciaes
+inglezas», os indigenas da região atravessada por Antonio Maria Cardoso
+desfaziam-se em queixas contra os subditos britannicos, considerando-os d'uma
+tyrannia excepcional.</p>
+
+<p>Em resumo: os inglezes, antes mesmo de occorrer o facto que mais tarde
+invocaram como a causa directa do rompimento de relações com o nosso paiz, já
+preparavam o golpe, aproveitando todos os ensejos de insinuar na diplomacia
+portugueza<span class="pn"><a name="pg_19" id="pg_19">{19}</a></span> a ideia
+de que cedo ou tarde rebentaria o conflicto e de que este seria motivado
+essencialmente pela nossa politica e a nossa acção na Africa Oriental. O
+<em>ultimatum</em> de 1890 surprehendeu até certo ponto a população portugueza.
+O mesmo não succedeu, por certo, aos governantes, que estavam fartos de saber
+que a Grã-Bretanha só espreitava o momento favoravel de nos enviar essa ameaça
+humilhadora.</p>
+
+<div class="ilustracao" style="float: left;"><a name="img019"></a>
+<p><img alt="Fotografia de Elias Garcia" src="images/p019.png"
+style="display: block; text-align: center; margin-left: auto; margin-right: auto"></p>
+
+<p>Elias Garcia</p>
+</div>
+
+<p>Ha quem attribua ao ministro do gabinete progressista que mais de perto
+lidou com a diplomacia ingleza intenções criminosas. Cremos, porém, que isso é
+exagerado. O ministro em questão, o sr. Barros Gomes, deve antes talvez ser
+accusado de incompetencia e inhabilidade. As cousas ter-se-hiam naturalmente
+passado de modo diverso se, quando appareceu na tela da discussão diplomatica a
+contestação da Inglaterra aos direitos que Portugal affirmava ter em varios
+territorios da Africa Oriental, o ministro, longe de empregar processos
+dilatorios, houvesse sem perda de tempo sujeitado o litigio ao exame e decisão
+d'uma conferencia das potencias signatarias do Acto Geral de Berlim. Por outro
+lado, como a Inglaterra fundamentava a sua contestação em que esses territorios
+nunca tinham sido occupados d'um modo effectivo por Portugal nem soffrido a
+menor influencia civilisadora, ao governo da epoca incumbia<span class="pn"><a
+name="pg_20" id="pg_20">{20}</a></span> logicamente desmentir com actos, e não
+com palavras, os argumentos utilisados pela poderosa Albion.</p>
+
+<p>Mas o ministro culpado entendeu dever manter até quasi ás vesperas do
+<em>ultimatum</em> uma attitude de indecisão e de pusillanimidade e assim,
+quando se iniciou a occupação definitiva dos territorios contestados,
+lançando-se atravez d'Africa algumas expedições, todas ellas chocaram innumeros
+obstaculos que precipitaram logicamente o desfecho da questão. O ministro
+n'essa altura ainda quiz emendar a mão; era tarde, porém, e os erros
+diplomaticos por elle commettidos não permittiam já que se recorresse á
+arbitragem internacional. Portugal tinha que aguentar a pé firme e sem esquiva
+tudo o que a Grã-Bretanha sobre elle fizesse desabar.</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<h1>CAPITULO III</h1>
+
+<h2>Serpa Pinto, á frente de 6000 homens, derrota os makololos revoltados</h2>
+
+<p>A expedição Serpa Pinto, já o dissemos, foi o rastilho que faz detonar a
+ameaça contida no <em>ultimatum</em>. Contemos como o caso se deu: </p>
+
+<p>A expedição tinha por mobil o affirmar a soberania de Portugal nos
+territorios do Nyassa, que o nosso paiz reivindicava. Commandava-a aquelle
+major do exercito e compunham-na varios funccionarios e technicos. O engenheiro
+chefe da missão de estudo era o sr. Pereira Ferraz. Em fins de 1899, Serpa
+Pinto, sahindo de Messanje em direcção a Quelimane, entregou-lhe o commando da
+expedição, emquanto outro funccionario, o sr. Themudo, seguia para Mupasso com
+parte da gente e as embarcações transportando bagagens e mantimentos. O sr.
+Pereira Ferraz acompanhado d'uns duzentos homens dirigiu-se para ali a
+encontrar o<span class="pn"><a name="pg_21" id="pg_21">{21}</a></span> seu
+collega de missão&mdash;disposto a acampar defronte de Mupasso para seguir á
+risca as instrucções do commandante em chefe. Tratava-se, não é mau repetir, de
+pacificar a região, que alguns pretos insubordinados «animados por uma
+influencia estranha, tentavam revoltar contra nós».</p>
+
+<p>Os effeitos d'essa attitude hostil não se fizeram esperar. Logo que a
+expedição chegou em frente da aldeia dos makololos, viu-se fóra do recinto da
+povoação varios homens armados e «dentro appareceram por cima da palissada
+muitas cabeças, ao todo talvez uns duzentos negros promptos a entrar em
+combate». O sr. Pereira Ferraz fez signaes para parlamentar com o que parecia
+ser o chefe dos pretos, o qual lhe correspondeu fazendo signal para que se
+approximasse. O sr. Ferraz queria dizer-lhe que não ia disposto á guerra,
+portanto que deixassem passar a sua gente e cargas e que lhe daria um presente.
+</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>«Não me deixou, porém&mdash;informa o mesmo engenheiro&mdash;o negro dizer
+nada d'isso, pois logo que nos viu ao alcance das espingardas de pederneira com
+que elle e os outros estavam armados, disparou sobre nós, fugindo para dentro
+do recinto, pelo que, chamando alguns dos nossos, que eu posso affirmar não
+passavam de 40, fizemos fogo sobre a povoação, que elles abandonaram com perda
+de 6 homens e umas 12 barricas de polvora, que explodiram no incendio que os
+landins lançaram ás palhotas da aldeia».</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Por aqui se vê que os pretos tinham o firme proposito de aggredir a
+expedição. Esta pouco depois era avisada de que os regulos Massêa, Catanga,
+Molidima, Caberenguene e os filhos do Chipitura haviam reunido e armado a sua
+gente e se tinham juntado a Melaure para baterem os nossos.<span class="pn"><a
+name="pg_22" id="pg_22">{22}</a></span> Estas informações aterradoras, note-se,
+foram ministradas á expedição pelos inglezes Harry e George Petit,
+accrescentando-lhes que o Melaure tinha comsigo muita gente, muita polvora e
+6:000 espingardas. Um e outro d'esses agentes britannicos correspondiam-se com
+aquelle regulo e, tendo o sr. Pereira Ferraz convidado ambos, para maior
+segurança das suas fazendas e vidas, a retirarem-se para a povoação portugueza
+de Natumbe, a dois dias de viagem ao sul de Mupasso, pondo ás suas ordens, para
+isso, as necessarias embarcações, responderam-lhe que preferiam antes ir <em>to
+up</em>, sahindo logo no dia immediato em direcção ao norte, tentando ainda
+assim e infructiferamente lançar o panico entre os auxiliares portuguezes.</p>
+
+<p>Os makololos, refeitos do primeiro embate, saltaram sobre a povoação
+portugueza de Samoane e, em territorio nosso, destruiram o caminho collimado e
+atravessaram n'elle espinheiros, dizendo que até ali tudo lhes pertencia e que
+matariam quem se atrevesse a collimar um palmo de terra d'ali para cima. Os
+indigenas de Samoane fugiram aterrados a acolher-se á protecção do sr. Pereira
+Ferraz e este engenheiro julgou mais prudente collocar-se em guarda e esperar
+reforços que pediu ao governador de Quelimane.</p>
+
+<div class="ilustracao"><a name="img023"></a>
+<p><img alt="Gravura do Encontro dos revoltosos com as tropas fieis ao Governo"
+src="images/p023.png"
+style="display: block; text-align: center; margin-left: auto; margin-right: auto"
+width="100%"></p>
+
+<p>Encontro dos revoltosos com as tropas fieis ao Governo</p>
+</div>
+
+<p>Foi depois d'sto que o major Serpa Pinto, accudindo com mais gente á
+expedição e elevando o seu contigente a uns 6.000 homens armados, marchou sobre
+os negros revoltados e travou com elles em Mupasso sangrento combate. Os
+makololos deixaram mortos no campo uns 72 homens e muitos prisioneiros
+importantes. A expedição poz-se novamente em marcha apoz a victoria, que,
+diga-se desde já, teve no estrangeiro uma extraordinaria resonancia. Na Africa
+Oriental e principalmente na região sublevada o effeito não foi menor. O sultão
+Macanjira estabelecido nas margens do<span class="pn"><a name="pg_23"
+id="pg_23">{23}</a></span> Nyassa prestou vassalagem a Portugal. O chefe
+M'ponda apressou-se tambem a imital-o; o regulo Malipuiri e outro visinho dos
+makololos foram a<span class="pn"><a name="pg_24" id="pg_24">{24}</a></span>
+Quelimane receber a bandeira portugueza. Mas, emquanto isto succedia, o
+<em>Times</em>, dando conta do combate, fazia affirmações d'este theor: que o
+major Serpa Pinto enganara o consul inglez na região onde elle se travara,
+affirmando intenções pacificas, mas que, decorrido algum tempo, levantara
+conflicto com os makololos, fazendo n'elles grande morticinio e tomando-lhes
+duas bandeiras britannicas recentemente dadas por aquelle consul. Os makololos,
+julgando-se abandonados pelos inglezes, tinham então reconhecido a dominação
+portugueza. O major Serpa Pinto, accrescentava o <em>Times</em>, annunciara a
+intenção de conquistar o Chire até o lago Nyassa e convidara os residentes
+inglezes a collocarem-se debaixo da protecção de Portugal, tornando-os
+responsaveis pelas consequencias no caso de recusa. A imprensa franceza, por
+seu lado, occupando-se da victoria alcançada por Serpa Pinto, falava pouco mais
+ou menos n'estes termos: «a acção do major portuguez poz termo á comedia que a
+Inglaterra andava representando em Moçambique. Felicitamol-o por isso. Portugal
+deu um excellente exemplo. Esperamos que outras nações o saberão seguir na
+occasião opportuna para fazerem respeitar as espheras de influencia de cada um,
+e não permittirem as continuas invasões da Inglaterra no terreno alheio».</p>
+
+<p>A informação relativa ao combate transmittida pelo consul britannico em
+Zanzibar ao marquez de Salisbury, que se encontrava ao tempo em Hatfield, foi
+logo noticiada na imprensa londrina com o commentario de que lord Salisbury
+certamente não procederia com rapidez emquanto não recebesse pormenores do
+facto; que pediria primeiro explicações a Lisboa, e, se o governo portuguez
+lh'as não desse, chamaria a Londres o diplomata sr. Petre. D'ahi a dias surgiu,
+com effeito, a primeira reclamação da Inglaterra sobre a expedição<span
+class="pn"><a name="pg_25" id="pg_25">{25}</a></span> Serpa Pinto. O marquez de
+Salisbury dirigiu ao governo portuguez uma nota que foi entregue ao sr. Barros
+Gomes pelo sr. Glynn Petre, ministro britannico em Lisboa. A nota, diziam
+n'essa occasião os telegrammas de Londres, tinha a forma de uma representação
+sobre a acção de Portugal na Africa do Sul e Oriental e pedia que o nosso
+governo repudiasse os actos do agente portuguez no districto da Zambezia. O
+marquez de Salisbury, affirmava-se, não usava de ameaças; a nota continha uma
+exposição de varios factos que asseverava terem occorrido e pedia a restauração
+do anterior <em>statu quo</em> na região em litigio; o governo inglez não podia
+permittir que fosse arriada a bandeira ingleza depois de arvorada por um
+representante responsavel. Outras informações diziam que a nota vinha redigida
+em termos correctos, embora o gabinete de Londres registasse, impressionado, as
+noticias recebidas pelo bispo Smythies, ácêrca de hostilidades a
+estabelecimentos inglezes por parte do major Serpa Pinto, acontecimentos que,
+afinal, não constavam no nosso paiz. Serpa Pinto, na verdade, objectava-se em
+Portugal, limitara-se a desembaraçar o caminho á expedição Ferraz perturbada
+pelos makololos e mais nada.</p>
+
+<p>Isto passava-se em 18 de dezembro de 1889. A nota do marquez de Salisbury
+referindo-se exclusivamente ao supposto ataque da expedição portugueza contra
+os makololos, e não fazendo menção alguma dos outros assumptos pendentes entre
+a Inglaterra e Portugal sobre as suas respectivas espheras de influencia na
+Africa do Sul e Oriental e pedindo ao sr. Barros Gomes uma resposta prompta, o
+mais rapida possivel, e, no caso do ataque se confirmar, a chamada a Lisboa do
+major Serpa Pinto; o ministro portuguez dos negocios estrangeiros replicou que
+as informações até á data recebidas não confirmavam as interpretações
+dadas<span class="pn"><a name="pg_26" id="pg_26">{26}</a></span> pelo gabinete
+inglez aos actos do major, que «repellira sómente o ataque d'uma tribu hostil
+na bagagem da qual encontrara tres bandeiras inglezas». O sr. Barros Gomes
+terminava por pedir uma demora afim de poder communicar com o major Serpa
+Pinto. Entretanto, «para estar preparado para qualquer contingencia», o governo
+britannico decidia collocar as suas forças navaes proximo de Portugal.
+Persuadido de que «a reunião de barcos de guerra inglezes no Tejo augmentaria
+indefectivelmente a irritação dos portuguezes e entorpeceria a acção do governo
+lusitano nas suas negociações para o arranjo da questão relativa ao paiz do
+Nyassa», os couraçados britannicos receberam ordem de reunir-se em Gibraltar e
+de ahi se manterem «em expectativa dos acontecimentos futuros». Os navios
+destinados a essa empreza foram escolhidos entre os que formavam a esquadra do
+Mediterraneo. Os couraçados <em>Bendvor</em> e <em>Colossus</em>, a 27 de
+dezembro, levantavam ferro de Malta com destino a Gibraltar. Em Malta tambem se
+encontravam as fragatas couraçadas <em>Agammenon</em> e <em>Dreadnought</em>;
+em Edimburgo egualmente se preparavam outros navios.</p>
+
+<p>Em Portugal, no emtanto, percebiam-se os primeiros symptomas d'uma reacção
+forte contra o regimen. A imprensa democratica clamava altisonante que se a
+Revolução ainda se não tinha feito não era porque «o terreno fosse safaro, ou
+porque as vozes republicanas não encontrassem echo, mas apenas por motivos de
+ordem secundaria», que não cabiam ao momento discutir. «Comtudo estava provado
+que a realeza perdera o prestigio, que a dynastia de Bragança alienara todas as
+sympathias, que as instituições tinham cahido no descredito e que, por
+conseguinte, o povo desejava vida nova». E perguntava-se: «O que devemos á
+dynastia? Que principio superior anda ligado á existencia<span class="pn"><a
+name="pg_27" id="pg_27">{27}</a></span> d'essa anachronica forma de governo? A
+Patria?... Oh! nós bem sabemos que, quando Portugal se quiz emancipar do jugo
+da monarchia hespanhola, quem mais conspirou contra a Patria foi o Bragança
+idiota, por quem os ingenuos combatentes de 1640 andavam expondo a vida;
+sabemos como esta funesta dynastia tem, pouco a pouco, em presentes de noivado
+e como premio de serviços contra a nação, entregado as nossas colonias aos
+inglezes; sabemos como, na hora do perigo para a nossa independencia, para a
+nossa honra nacional, o sr. D. João VI fugiu covardemente para o Brazil;
+sabemos como o pae do actual reinante (D. Luiz) escreveu umas cartas criminosas
+a Napoleão III, no intuito de se formar em seu proveito e da sua raça a união
+iberica. A Liberdade?... Não a suffocam, porque não podem. O Bragança, que aqui
+implantou o systema constitucional, fôra um despota no Brazil. Escorraçado de
+lá, como não podia apresentar-se em frente da monarchia tradiccional
+representada por seu irmão, em nome de outro principio deu-nos a constituição
+que, mais tarde, seu filho rasgou á vontade, abafando os clamores angustiosos
+da nação, com a intervenção das armas estrangeiras...»</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<h1>CAPITULO IV</h1>
+
+<h2>O governo progressista cede ante as exigencias da Grã-Bretanha</h2>
+
+<p>Os primeiros dias de janeiro de 1890 ainda reflectiram as benignas razões
+dadas pelo sr. Barros Gomes ao governo inglez. Não se podia exauctorar Pereira
+Ferraz e Serpa Pinto&mdash;dizia o ministro e diziam alguns jornaes de
+Lisboa&mdash;prestando apenas credito ás informações dos funccionarios<span
+class="pn"><a name="pg_28" id="pg_28">{28}</a></span> britannicos. Era
+necessario ouvir os dois expedicionarios e ouvir-lhes as allegações que,
+decerto, produziriam sobre a sua attitude em tão melindroso assumpto. Uma parte
+da imprensa acreditava até ingenuamente que a Inglaterra não tardaria a
+modificar o tom aggressivo das suas notas diplomaticas, substituindo-o por
+outro de feição conciliadora: «em primeiro logar, porque assim o quer o
+respeito devido por cada nação a todas as outras; em segundo logar, porque, se
+procurasse entregar á violencia a decisão d'um pleito em que devem ser ouvidos
+e escutados os argumentos de parte a parte e em que a justiça ou a equidade
+deve proferir sentença em unica instancia, não só concitaria a nossa
+resistencia mas, porventura, tambem provocaria a indignação do mundo». E essa
+parte da imprensa ia mesmo mais longe na sua ingenuidade: «A Grã-Bretanha sabe
+que, embora sejam enormes as suas forças comparadas com as nossas, poderia
+arriscar-se a revezes se desrasoadamente accendesse a guerra na Africa...»</p>
+
+<p>Ao abrir-se o parlamento, o rei D. Carlos, que, pela primeira vez, se
+apresentava a desempenhar o seu papel constitucional de «chave de todos os
+poderes», lendo o classico discurso da côroa, sublinhou estas passagens, que a
+assembleia dos representantes da nação escutou com rara e justificada
+avidez:</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>«Recentemente as patrioticas aspirações da nação ingleza e do governo de sua
+magestade britannica, a dilatarem as suas vastas possessões na Africa,
+encontraram-se em mais d'um ponto d'esse continente, com o firme proposito de
+Portugal de conservar sob o seu dominio e de utilisar para a civilisação os
+territorios africanos que primeiro foram descobertos e trilhados pelos
+portuguezes, por elles foram revelados e abertos ás missões do<span
+class="pn"><a name="pg_29" id="pg_29">{29}</a></span> christianismo e ás
+operações do commercio e nos quaes as auctoridades portuguezas teem praticado
+os actos de jurisdicção e influencia consentaneos ao estado social dos seus
+habitantes, actos que sempre bastaram para significar dominio incontestavel.</p>
+
+<p>«Este encontro poz em relevo desaccordos de opinião entre o meu governo e o
+de sua magestade britannica ácêrca das condições a que devem satisfazer e dos
+titulos que teem de adduzir as soberanias europeias em Africa, para serem
+reconhecidas pelas potencias, e d'esses desaccordos resultou uma
+correspondencia diplomatica que ainda os não poude sanar e que tambem houve de
+occupar-se de outras divergencias, posteriormente suscitadas, sobre o modo de
+apreciar um conflicto, occorrido nas margens do Chire, entre uma tribu indigena
+e uma expedição scientifica portugueza. O meu governo, inspirando-se no
+sentimento nacional e conformando-se com o voto unanime das duas casas do
+parlamento, tem diligenciado convencer o de sua magestade britannica do direito
+que assiste a Portugal de reger os territorios ao sul e norte do Zambeze sobre
+que versa a mencionada correspondencia, limitando-se, durante o incidente e em
+todos os seus termos, a manter dominios que sempre reivindicou, e reiterar
+declarações que sempre fez. E n'esta attitude persistirá com o apoio, que
+decerto lhe não ha de faltar, dos representantes da nação, esperando conseguir
+uma equitativa conciliação de todos os legitimos interesses, que promptamente
+restabeleça, como eu desejo, o perfeito accordo entre os governos de duas
+nações ligadas por vinculos de amizade e tradicções seculares».</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Pura illusão! No dia 5 de janeiro, o ministro inglez em Lisboa, rebatendo a
+asseveração do sr. Barros Gomes de que Serpa Pinto, travando combate<span
+class="pn"><a name="pg_30" id="pg_30">{30}</a></span> com os makololos, se
+limitara a «repellir o ataque d'uma tribu hostil» escrevia-lhe notando que
+«essa asseveração não parecia ao seu governo de muito peso, pois que a acção
+dos makololos, quer tivessem ou não tomado a offensiva, fôra unicamente
+determinada pelo desejo de proteger o seu territorio contra a invasão dos
+portuguezes». A questão attingia, evidentemente, a sua phase aguda. O
+<em>Times</em>, referindo-se-lhe, dizia que, se a Inglaterra não tomasse
+promptas providencias «para apagar a impressão causada pelas incursões do major
+Serpa Pinto, toda a região dos Lagos Africanos se incendiaria; os makololos
+tinham visto a Inglaterra grosseiramente ultrajada; era necessario que a vissem
+reivindicar claramente a sua honra». Por outro lado, o governo portuguez,
+desejoso, sem duvida, de attenuar um pouco a irritação que o da Grã-Bretanha
+denunciara na nota de 5 de janeiro, havia ordenado a Serpa Pinto que recolhesse
+á metropole. Mas nem com isso o colosso amorteceu a pancada.</p>
+
+<p>O sr. Barros Gomes tentou então propôr a suspensão temporaria de qualquer
+procedimento e submetter o litigio ao exame e decisão d'uma conferencia
+internacional. Trabalho inutil. Á nota do dia 8 d'aquelle mez, em que o sr.
+Barros Gomes lamentava que a Inglaterra nunca tivesse reconhecido o direito
+historico constantemente affirmado por Portugal aos territorios do Chire e do
+Nyassa, a essa nota, o ministro Petre respondeu no dia 10 com um
+<em>memorandum</em>&mdash;guarda avançada da exigencia formal. «O governo
+britannico, frisava esse documento, precisa saber se foram ou não enviadas
+instrucções rigorosas ás auctoridades portuguezas em Moçambique com referencia
+aos actos de força e ao exercicio de jurisdicção que ali subsistem
+actualmente». E, quasi sem dar tempo a que a sr. Barros Gomes digerisse o tom
+comminatorio<span class="pn"><a name="pg_31" id="pg_31">{31}</a></span> do
+<em>memorandum</em>, o ministro Petre entregou-lhe o famoso <em>ultimatum</em>
+concebido n'estes termos:</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p><em>O governo de sua magestade britannica não pode acceitar como
+satisfatorias ou sufficientes as seguranças dadas pelo governo portuguez, taes
+como as interpreta. O consul interino de sua magestade em Moçambique
+telegraphou, citando o proprio major Serpa Pinto, que a expedição estava ainda
+occupando o Chire e que Kalunga e outros logares mais no territorio dos
+makololos iam ser fortificados e receberiam guarnições. O que o governo de sua
+magestade deseja e em que insiste é no seguinte:</em></p>
+
+<div class="ilustracao" style="float: right;"><a name="img031"></a>
+<p><img alt="Fotografia de Alves da Veiga" src="images/p031.png"
+style="display: block; text-align: center; margin-left: auto; margin-right: auto"></p>
+
+<p>Alves da Veiga (1891)</p>
+</div>
+
+<p><em>Que se enviem ao governador de Moçambique instrucções telegraphicas
+immediatas para que todas e quaesquer forças militares actualmente no Chire e
+nos paizes dos makololos e mashonas se retirem. O governo de sua magestade
+entende que sem isto as seguranças dadas pelo governo portuguez são illusorias.
+</em></p>
+
+<p><em>Mr. Petre ver-se-ha obrigado, á vista das suas instrucções, a deixar
+immediatamente Lisboa com todos os membros da sua legação, se uma resposta
+satisfatoria á precedente intimação não fôr por elle recebida esta tarde; o
+navio de<span class="pn"><a name="pg_32" id="pg_32">{32}</a></span> sua
+magestade «Enchantress» está em Vigo esperando as suas ordens.</em></p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>O <em>ultimatum</em> tinha a data de 11 de janeiro. No mesmo dia o sr.
+Barros Gomes entregava ao ministro inglez a resposta. Não a transcrevemos na
+integra, dada a sua extensão. Registem-se comtudo os seus pontos essenciaes.
+Abria pela declaração infantil de que o governo portuguez julgava ter, com a
+sua nota do dia 8, satisfeito «por inteiro quanto d'elle reclamava o de sua
+magestade britannica; antecipando-se á segurança d'uma justa reciprocidade, que
+devia constituir o natural preliminar das suas resoluções, apressara-se a
+enviar para Moçambique as ordens mais terminantes no sentido de fazer respeitar
+desde logo, em toda a provincia, o compromisso tomado, no intuito de facilitar
+a realisação d'um accordo com a Grã-Bretanha, pelo qual o governo portuguez
+sempre pugnara». A resposta do sr. Barros Gomes fechava assim:</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p><em>Na presença d'uma ruptura imminente de relações com a Grã-Bretanha e de
+todas as consequencias que d'ella poderiam talvez derivar-se, o governo de sua
+magestade resolveu ceder ás exigencias recentemente formuladas e, resalvando
+por todas as formas os direitos da corôa de Portugal nas regiões africanas de
+que se trata, protestando bem assim pelo direito que lhe confere o artigo 12.º
+do Acto Geral de Berlim, de ver resolvido definitivamente o assumpto em litigio
+por uma mediação ou pela arbitragem, o governo de sua magestade vae expedir
+para o governador geral de Moçambique as ordens exigidas pela Grã-Bretanha.
+Aproveito a occasião para renovar a v. ex.ª as seguranças da minha alta
+consideração.</em><span class="pn"><a name="pg_33"
+id="pg_33">{33}</a></span></p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Resumindo: se a intimação era cathegorica, e a ameaça do governo inglez
+resumava inilludivelmente o proposito de vexar, de humilhar o pequeno paiz ao
+qual ella se dirigia, a resposta não podia ser mais subserviente, apesar do
+fraco esboço de protesto com apoio no direito internacional consignado nas
+ultimas linhas do documento. Ao pontapé vibrado impiedosamente pela Inglaterra,
+Portugal offerecia uma curvatura de espinha só propria d'um lacaio... Custa
+dizel-o sem disfarce, mas é a verdade.</p>
+
+<p>A noticia do <em>ultimatum</em> foi divulgada em Lisboa poucas horas depois
+do sr. Barros Gomes a ter recebido. No dia 12 de manhã, um jornal dos de maior
+circulação exclamava, em typo graúdo, no logar mais saliente da sua primeira
+pagina:</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>«O governo inglez, o philantropico e honesto governo inglez, recorreu,
+emfim, ao argumento que lhe é usual nas discordias com os povos pequenos.
+Recorreu ao argumento da força! O governo portuguez recebeu uma intimação
+formal: ou dá promptas satisfações, n'um curto praso, que deveria ter terminado
+ás 2 horas da manhã de hoje, ou marcha sobre Lisboa a poderosa esquadra que
+está reunida em Gibraltar, com ordem de bombardear a capital de Portugal!
+Lisboa, a nossa querida e formosissima Lisboa, bombardeada pelos canhões da
+Inglaterra! A cidade de onde partiram os descobridores audazes que deram ao
+mundo&mdash;e no mundo mais que a nenhum outro povo, ao povo britannico&mdash;a
+America prodigiosa, e essa Asia, onde a Inglaterra tem o seu grande imperio, e
+essa Africa, por um ponto insignificante da qual se levanta o presente
+conflicto&mdash;a cidade dos navegadores heroicos e generosos, destruida a
+tiros de peça pelos couraçados da nação colonial por excellencia! É
+phantasticamente horrivel!<span class="pn"><a name="pg_34"
+id="pg_34">{34}</a></span></p>
+
+<p>«Que respondeu o governo? Salvou a sua honra, ou salvou a historia d'esta
+immensa vergonha, e Lisboa d'esta immensa catastrophe? Nada podemos averiguar.
+O ministerio esteve reunido até alta noite e do que decidiu só hoje,
+provavelmente, haverá conhecimento. A hora não é de recriminações. Aguardemos
+com serenidade e com firmeza o que o destino, a imprevidencia dos homens e a
+rapacidade d'uma nação egoista e desalmada nos preparam n'este momento solemne
+da nossa historia!»</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Estava lançado o rebate. O povo, a genuina massa do povo, não tardaria a
+entrar em scena, manifestando-se por uma fórma até então desconhecida pelos
+serventuarios da monarchia&mdash;explodindo indignação e sincero patriotismo. O
+partido republicano, firmando-se n'esse impulso da opinião, adquiria novo
+alento e preparava-se para ulteriores trabalhos de propaganda, mais forte,
+melhor orientada e, sobretudo, de maior efficacia.</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<h1>CAPITULO V</h1>
+
+<h2>O protesto contra o "ultimatum" echoa de norte a sul do paiz</h2>
+
+<p>O domingo 12, isto é, o dia immediato ao da recepção do <em>ultimatum</em>,
+consagrou-o a população lisboeta a commentar o acontecimento. Uma parte da
+imprensa, fazendo o resumo do conflicto diplomatico que desfechara na affronta
+despedida pela Grã-Bretanha, accrescentava que, emquanto o ministro inglez sr.
+Petre entregava a intimação formal ao sr. Barros Gomes, este recebia do
+governador de Cabo Verde um telegramma communicando-lhe que entrara no porto de
+S. Vicente com carta de prego um cruzador britannico; o nosso consul em
+Gibraltar<span class="pn"><a name="pg_35" id="pg_35">{35}</a></span> avisava-o,
+por seu turno, de que a esquadra do Canal lá estava concentrada, prompta ao
+primeiro aviso; o consul em Zanzibar tambem telegraphava participando a sahida
+para as costas de Moçambique de dez navios de guerra inglezes, acompanhados de
+um transporte com carvão e mantimentos. Perante esta situação, o governo
+consultara o conselho de Estado, que reunira sob a presidencia do rei D.
+Carlos. No conselho tinham votado pela satisfação ás exigencias da Inglaterra
+os srs. Barjona de Freitas, José Luciano de Castro, conde de S. Lourenço,
+Barros Gomes e João Chrysostomo. O sr. Antonio de Serpa manifestára-se pela
+arbitragem e por que só fossem mandadas retirar as forças portuguezas do Chire
+depois da Inglaterra a acceitar.</p>
+
+<p>Á tarde, apesar da excitação popular já ser bem visivel, o rei D. Carlos
+exhibiu-se em passeio na Avenida da Liberdade e seu irmão o infante D. Affonso
+percorreu á desfilada varios pontos da cidade, mostrando-se um e outro
+completamente alheiados do facto que enlutára a nação. Ao começo da noite
+formaram-se grupos numerosos no Rocio e como do Colyseu da rua da Palma
+sahisse, em certa altura, um cortejo de patriotas que soltavam calorosos vivas
+á nação, ao exercito e á imprensa e morras ao governo e á Inglaterra, os grupos
+addicionaram-se-lhes e uma enorme multidão dirigiu os passos para a Sociedade
+de Geographia. Ahi, d'uma das varandas, falou o sr. Luciano Cordeiro:</p>
+
+<p>&mdash;A Inglaterra, trovejou, pode expulsar-nos pela força, mas o direito
+subsiste! Precisamos protestar contra a pirataria britannica!...</p>
+
+<p>Mas, da multidão, elevaram-se outras vozes:</p>
+
+<p>&mdash;E contra o governo que nos atraiçoou! E contra os Braganças que nos
+jungiram á Inglaterra!...</p>
+
+<p>Depois, a grande massa dos manifestantes subiu á parte alta da cidade a
+saudar a imprensa, que se<span class="pn"><a name="pg_36"
+id="pg_36">{36}</a></span> collocára abertamente ao lado do povo, verberando a
+affronta. As redacções do <em>Seculo</em>, <em>Revolução de Setembro</em>,
+<em>Jornal da Noite</em>, <em>Jornal do Commercio</em>, <em>Debates</em>,
+<em>Correio da Manhã</em> e <em>Gazeta de Portugal</em> foram alvo de
+manifestações de sympathia. Á passagem em frente da redacção do <em>Dia</em>,
+alguns dos populares deram palmas emquanto outros se limitaram a bradar: «Viva
+Portugal! Abaixo a Inglaterra!». Em frente ao <em>Correio da Noite</em>
+produziu-se uma manifestação hostil ao governo, manifestação que se repetiu
+junto do <em>Reporter</em> e que redobrou de violencia em frente das
+<em>Novidades</em>, com morras ao sr. Emygdio Navarro, aos «progressistas
+traidores» e gritos de: «Abaixo o <em>chalet</em>! Viva a Republica!»</p>
+
+<p>Na rua Serpa Pinto, a multidão, lembrando-se do nome do official que
+derrotara os makololos, rompeu em estrepitosas acclamações em sua honra. O
+enthusiasmo attingiu proporções indescriptiveis. Do terceiro andar d'uma casa
+habitada por uma modista, falou um academico convidando os collegas a
+realisarem no dia seguinte um grande cortejo patriotico. Foi delirantemente
+applaudido. Da rua Serpa Pinto, a massa popular avançou depois sobre o theatro
+de S. Carlos e irrompeu na sala dando vivas á patria e clamando contra a
+Inglaterra. Os <em>habitués</em> da nossa Opera,&mdash;<em>a jeunesse
+dorée</em>&mdash;tranzidos de pavor, não lhe oppuzeram a menor resistencia.
+Dentro e fora do edificio os manifestantes gritavam:</p>
+
+<p>&mdash;Hoje não é dia de espectaculo, é dia de luto!...</p>
+
+<p>Sahindo de S. Carlos, alguem lembrou que o consulado inglez era na rua das
+Flores. O rastilho propagou-se. N'um abrir e fechar d'olhos, a casa do consul
+foi apedrejada, arrancando-se da parede o respectivo escudo. Apedrejaram
+egualmente a residencia do sr. Barros Gomes. E, só quando a policia interveiu,
+prendendo 61 dos populares, é que a<span class="pn"><a name="pg_37"
+id="pg_37">{37}</a></span> mole se desfez, mas preparando <em>in mente</em>
+para o dia seguinte novas e incisivas manifestações de antipathia á
+Grã-Bretanha e ao governo que promptamente se lhe submettera. Entretanto, esse
+ministerio pedia a demissão, abalado pelos primeiros symptomas da reacção
+nacional. Para mais o movimento de protesto não se limitára a Lisboa.
+Repercutira de norte a sul do paiz, revelando energias civicas que desnorteavam
+por completo a corôa e os partidos da monarchia.</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>No dia 13 de janeiro, os estudantes da capital effectuaram uma reunião na
+Escola Polytechnica, reunião a que compareceram os alumnos da Escola Naval, da
+Escola do Exercito e do Collegio Militar. Presidiu o sr. Hygino de Sousa e
+falaram varios oradores, todos elles estygmatisando com violencia a affronta
+ingleza e aconselhando a <em>boycottage</em> aos productos da Grã-Bretanha. Um
+professor do lyceu de Lisboa, sr. Carlos de Mello, tentou, n'um discurso habil,
+defender o sr. Barros Gomes, mas a assembléa recebeu pessimamente as suas
+palavras e foi resolvido acto continuo que a academia se dirigisse á camara dos
+pares a pedir ao parlamento declarações terminantes que serenassem o espirito
+publico. Assim se fez e um cortejo de mais de quinze mil pessoas, sahindo da
+Escola Polytechnica, encaminhou-se para S. Bento.</p>
+
+<p>Á entrada do Largo das Côrtes, do lado do mercado, um cordão de policias
+pretendeu impedir a passagem aos manifestantes, mas o cortejo rompeu-o e tudo
+passou. A guarda do palacio chamou ás armas e calou bayonetas. Em frente do
+edificio, destacou-se do cortejo uma commissão que foi falar ao presidente da
+camara. A policia dentro e fora do edificio era em tão grande quantidade que
+Fialho d'Almeida soltou esta <em>boutade</em>:<span class="pn"><a name="pg_38"
+id="pg_38">{38}</a></span> </p>
+
+<p>&mdash;Os seios da representação nacional trazem hoje espartilho de guarda
+civil...</p>
+
+<p>Os aspirantes de marinha, receiando que a massa de povo aglomerada no largo
+fosse maltratada pela força militar, formaram deante d'esta, offerecendo-lhe
+como que uma barreira, e a sua attitude provocou uma ovação extraordinaria,
+frenetica de enthusiasmo. D'ahi a momentos, a commissão que se avistara com o
+presidente da camara voltou para junto dos manifestantes, e communicou-lhes que
+o parlamento, tendo tomado em consideração a <em>démarche</em> patriotica da
+academia, occupar-se-hia, na sessão seguinte, dos assumptos que interessavam a
+defeza e a integridade do paiz. O cortejo andou depois a percorrer varias ruas
+da cidade, pronunciando-se hostilmente em frente dos jornaes caracterisadamente
+governamentaes e á noite repetiram-se as scenas da vespera, queimando-se
+bandeiras inglezas, victoriando-se em delirio os nomes de Serpa Pinto, Latino
+Coelho e outros democratas então em evidencia.</p>
+
+<p>No dia 14, pelas seis e meia da tarde, sahiu do Café Aurea um grupo de
+estudantes soltando vivas á patria, á liberdade, á independencia nacional, ao
+exercito e á marinha. A esse grupo juntou-se na rua do Ouro e praça de D. Pedro
+muito povo e á porta do Café Martinho o antigo deputado progressista sr. dr.
+Eduardo de Abreu propoz à multidão que se envolvesse em crepes a estatua de
+Camões. Dito e feito. Os manifestantes enfiaram pela rua Nova do Carmo e o
+Chiado, explodindo sempre o maior enthusiasmo, aos degraus do monumento subiram
+alguns individuos, arranjou-se uma escada, passou-se o crepe em largas dobras
+rodeando a estatua e rematando sobre a corôa de ferro ali deposta pelos
+estudantes em 1880 e, no meio do mais respeitoso silencio, leu-se ao povo este
+cartaz, que foi depois affixado:<span class="pn"><a name="pg_39"
+id="pg_39">{39}</a></span></p>
+
+<div class="ilustracao"><a name="img039"></a>
+<p><img alt="Gravura: Na rua de Santo Antonio" src="images/p039.png"
+style="display: block; text-align: center; margin-left: auto; margin-right: auto"
+width="100%"></p>
+
+<p>Na rua de Santo Antonio</p>
+</div>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p><em>Estes crepes, que envolvem a alma da patria, são entregues á guarda do
+povo, do exercito e da alma nacional. Quem os arrancar ou mandar arrancar é o
+ultimo dos covardes vendido á Inglaterra.</em></p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Uma prolongada e fremente salva de palmas acolheu a leitura d'este protesto,
+simples e curto, mas d'uma eloquencia esmagadora e o cortejo patriotico voltou,
+como nos dias anteriores, a percorrer as ruas de Lisboa, gritando febrilmente o
+seu desejo de liberdade e a revolta contra a ignominia com que a nação fôra
+aviltada. O ministerio progressista já tinha sido substituido por um outro de
+feição regeneradora, sob a presidencia do sr. Antonio de Serpa e em que
+figuravam pela primeira vez o sr. João Arroyo na pasta da marinha,<span
+class="pn"><a name="pg_40" id="pg_40">{40}</a></span> João Franco na da fazenda
+e Vasco Guedes na da guerra. Um dos actos do novo governo, mal subiu ao poder,
+foi o de procurar reprimir todas as manifestações patrioticas inspiradas no
+<em>ultimatum</em>, mandando espadeirar dezenas de populares que na noite de 14
+de janeiro desciam o Chiado desferindo as suas exclamações de odio á poderosa
+Albion. O inicio, como se vê, não podia ser mais promettedor de brutalidade e
+arbitrio.</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<h1>CAPITULO VI</h1>
+
+<h2>Serpa Pinto, heroe africano, perde o prestigio</h2>
+
+<p>D'essa agitação imponente, d'essa inesperada revelação de civismo em face da
+humilhação inflingida ao paiz, sahira, porém, uma ideia, que, encontrando
+rapidamente o maior apoio em todas as classes manifestantes, em breve se
+traduziu n'uma aspiração nacional. Referimo-nos á subscripção da iniciativa dos
+alumnos da Escola Naval destinada á compra de meios de defeza maritima. De toda
+a parte acudiram donativos, e dentro de pouco tempo a commissão incumbida de os
+recolher e que tinha como secretario o sr. dr. Eduardo de Abreu, desligado do
+partido progressista e filiado, com Guerra Junqueiro, no partido republicano,
+houve de fazer as suas reuniões no salão do theatro D. Maria e de ali
+centralisar o trabalho que lhe estava affecto.</p>
+
+<p>Ao mesmo passo organisava-se a Liga Patriotica do Norte collocada sob a
+egide de Anthero de Quental; Alfredo Keil, imitando Rouget de Lysle, compunha o
+hymno a <em>Portugueza</em>, para o qual o sr. Lopes de Mendonça escrevia os
+versos e esse canto vulgarisava-se tanto ou mais que a <em>Marselheza</em>;
+faziam-se diariamente conferencias publicas de esclarecimento e de protesto; os
+nomes dos<span class="pn"><a name="pg_41" id="pg_41">{41}</a></span> mais
+illustres africanistas andavam em todas as boccas aureolados de ruidosa
+celebridade. Houve mesmo uma epoca em que o de Serpa Pinto se ligou á narrativa
+d'um incidente sul-africano com proporções de feito heroico. Foi quando a
+imprensa deu publicidade á carta que elle dirigira ao agente britannico
+Buchanan que o intimara a não avançar pelas terras dos makololos, collocados
+sob a protecção do governo inglez. N'essa carta dizia Serpa Pinto:</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>«Se na verdade os makololos estão debaixo da protecção do governo inglez e
+por conseguinte lhe obedecem, estou certo de que a minha passagem será facil e
+segura, porque o governo inglez, representado por v. ex.ª, só me póde dar
+facilidades, sendo eu d'um paiz que sempre teve abertas, franca e lealmente, as
+portas das suas colonias ás expedições scientificas inglezas, prestando-lhes
+todo o auxilio e amparo; mas, em todo o caso, se é verdade o que v. ex.ª, me
+diz, peço-lhe que convença os makololos de que a minha expedição é pacifica e
+scientifica, que lhes diga que pertenço a uma nação amiga da Inglaterra e que,
+portanto, não perturbem a minha marcha, perturbação a que v. ex.ª, n'esse caso,
+não pode ser considerado extranho; e assegurando-lhe que não posso consentir
+que um chefe negro queira disputar-me a passagem, ou fazer-me o mais
+insignificante insulto, asseguro, além d'isso, a v. ex.ª, que, se na minha
+entrada no territorio makololo eu fôr atacado, tomarei immediatamente a
+offensiva e acabarei de uma vez com essa causa constante de perturbação n'esta
+parte do Chire.»</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>E n'outro paragrapho:</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>«Emquanto á intimação que v. ex.ª me faz de não continuar no meu caminho,
+peço licença para<span class="pn"><a name="pg_42" id="pg_42">{42}</a></span>
+lembrar a v. ex.ª que eu só recebo ordens do governo de sua magestade
+fidelissima, de quem as recebo directamente e, como não recebi ordem em
+contrario, continuarei, tenaz e pacificamente, a minha jornada, arvorando uma
+bandeira de paz e só de paz, mas prompto a repellir com energia quaesquer
+aggressões sem motivo que me possam ser feitas».</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Mas Serpa Pinto, longe de conservar esse favor popular, tornando-se o
+proeminente defensor das reivindicações da grande massa, optou, em breve, pelo
+serviço incondicional á corôa e essa attitude divorciou-o completamente do
+nucleo democratico, que o encarara durante algum tempo como uma das esperanças
+mais promettedoras. E, divorciado, perdeu o prestigio. Quando morreu, dez annos
+mais tarde, estava em absoluto esquecido. Continuemos, porém, a contar os
+episodios que caracterisaram essa phase de agitação nacional, consequencia do
+<em>ultimatum</em>.</p>
+
+<p>O sentimento da dignidade collectiva, despertando com extraordinaria
+vehemencia, produziu em todas as classes, até mesmo na aristocratica, uma
+reacção contra a Grã-Bretanha. O duque de Palmella, por exemplo, tendo
+renunciado ás condecorações inglezas que possuia, collocou-se á frente da
+commissão da subscripção patriotica; dos partidos monarchicos desertaram alguns
+homens dos mais eminentes; surgiu, emfim, uma nova imprensa, reflectindo, como
+diz João Chagas «não já os interesses especiaes do partido republicano, mas as
+coleras e os enthusiasmos do patriotismo, identificado com a republica para a
+missão commum da desaffronta».</p>
+
+<p>Fundou-se a <em>Patria</em>, jornal de estudantes de Lisboa, e, logo de
+entrada, essa folha, feita um pouco <em>à la diable</em>, investiu
+denodadamente contra o velho<span class="pn"><a name="pg_43"
+id="pg_43">{43}</a></span> regimen, apaixonando em alto grau a opinião. N'ella
+se revelaram, entre outros politicos militantes, Brito Camacho e Hygino de
+Sousa. E a sua acção de propaganda foi tão intensa que a ella se deveu, sem
+duvida, uma grande parte da tensão revolucionaria mantida atravez do anno de
+1890 e começo do anno seguinte.</p>
+
+<p>Aqui tem cabimento referir que o directorio do partido republicano, julgando
+azado o momento de sanccionar com a sua chancella a recrudescencia do partido
+democratico, publicou n'essa occasião um manifesto em que propunha a
+congregação dos esforços honestos no sentido de se rejuvenescer Portugal não só
+confiando-o ao novo regimen como protegendo-o internacionalmente por meio d'uma
+federação latina. Esse manifesto concluia assim:</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>«Só a republica pode organisar o exercito e a marinha, fortificar Lisboa,
+administrar as colonias e defender a nação affrontada. A republica, no meio
+d'estes desastres publicos, está na consciencia de todos como o recurso
+definitivo da nossa estabilidade nacional. Da consciencia para os factos vae um
+momento. E esse momento approxima-se.»</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Por outras palavras: o directorio comprehendia, ou convencia-se, n'essa
+altura, de que a propaganda bem dirigida resultaria fatalmente na liquidação,
+dentro de curto praso, das instituições que envergonhavam o paiz. E se o
+trabalho no ambiente rubro dos centros politicos denunciava então uma
+actividade excepcional, fóra, na rua, auxiliavam-no, ainda que d'outro modo, as
+manifestações da grande massa, que não affrouxava em protestar energicamente
+contra o <em>ultimatum</em> e a cobardia da familia brigantina.</p>
+
+<p>Dois dias a fio, um cortejo composto exclusivamente<span class="pn"><a
+name="pg_44" id="pg_44">{44}</a></span> de marinheiros da armada appareceu
+n'alguns pontos de Lisboa, saudando enthusiasticamente a bandeira da patria e
+dando vivas á independencia nacional. O governo atemorisou-se com o facto e
+ameaçou os manifestantes de os encarcerar durante trinta dias. Ao mesmo tempo,
+a policia recebeu ordem de empregar maior violencia na dispersão dos grupos
+patrioticos. Uma coisa e outra, porém, não impediram que a onda de indignação
+se avolumasse e que frequentemente se produzissem incidentes demonstrando que o
+divorcio entre a nação e a dynastia se accentuava cada vez mais. N'um dos
+ultimos dias de janeiro, o Gremio Henriques Nogueira, tendo dirigido caloroso
+convite ao povo de Lisboa, organisou uma manifestação imponente que, em marcha
+correcta e digna pelas ruas da cidade, se dirigiu ás legações de França e
+Hespanha a agradecer á opinião dos dois paizes, a sympathia e a solidariedade
+moral dispensadas nas horas lutuosas da affronta ingleza. O gabinete
+regenerador, entretanto&mdash;muito embora todos os grupos politicos lhe
+tivessem offerecido apoio incondicional no respeitante á questão
+anglo-lusa&mdash;fazia dissolver o parlamento, collocando-se em verdadeira
+dictadura. O presidente do conselho, sr. Serpa Pimentel, e o ministro dos
+estrangeiros, o sr. Hintze Ribeiro, preparavam-se assim para negociar com a
+chancellaria britannica o accordo final, sanccionando a expoliação contida no
+<em>ultimatum</em>.</p>
+
+<p>Em 11 de fevereiro, repetiram-se na capital, e com maior intensidade, as
+scenas de agitação popular que haviam caracterisado os primeiros dias do mez
+anterior. Motivou-as a prohibição d'um comicio no colyseu da rua da Palma, em
+que se deveria «accordar nos meios de se enviar uma mensagem de congratulação e
+agradecimento ao povo francez e hespanhol e de se apreciar o pensamento e a
+opportunidade da liga portugueza anti-britannica<span class="pn"><a
+name="pg_45" id="pg_45">{45}</a></span> como base dos trabalhos da federação
+dos povos latinos». Pouco antes, como corressem boatos de que o governo
+projectava dissolver a camara municipal de Lisboa, o presidente d'essa
+corporação, o sr. Fernando Palha, apressara-se a inquirir do chefe do governo
+os motivos de tão arbitraria resolução, tomando ao mesmo passo varias medidas
+tendentes a resistir-lhe caso ella fosse levada á pratica. O sr. Serpa
+Pimentel, apesar do decreto de dissolução já estar lavrado, receiou publical-o
+e respondeu ao sr. Fernando Palha que os boatos eram insubsistentes, calculando
+que, recuando n'essa altura da situação, poderia conjurar uma nova explosão de
+sentimentos patrioticos.</p>
+
+<p>No dia 11, á tarde, quando o povo se encaminhava para o colyseu da rua da
+Palma a assistir ao comicio, verificou-se que o governo não só decidira obstar
+á sua realisação como á d'um cortejo organisado pelo Gremio Henriques Nogueira,
+que se propunha, n'esse mesmo dia, collocar uma corôa no monumento a Camões. A
+policia e a municipal que estacionavam nas immediações do colyseu tinham modos
+provocadores. O povo, porém, conservou-se tranquillo e só ás 3 horas, quando se
+convenceu em absoluto de que a ordem do governo era irrevogavel, é que formou
+um cortejo, acompanhando na retirada do local os oradores que deviam falar no
+comicio: Jacintho Nunes, Manuel de Arriaga, Consiglieri Pedroso e outros.
+Chegado esse cortejo ao Rocio, Manuel de Arriaga, no intuito de fazer dispersar
+a multidão, subiu a um banco e dando um <em>viva á patria</em>, disse:</p>
+
+<p>&mdash;Povo: o governo sahiu da lei prohibindo a nossa reunião.
+Conservemo-nos dentro d'ella, protestando contra os que a violaram.</p>
+
+<p>O sr. Jacintho Nunes tambem proferiu algumas palavras no mesmo sentido. O
+povo, enthusiasmado, applaudiu os dois oradores. Mas não foi preciso<span
+class="pn"><a name="pg_46" id="pg_46">{46}</a></span> mais para a policia
+iniciar as violencias e as prisões. As correrias dos guardas lançaram no
+recinto largos minutos de panico. Chamou-se ali, como reforço, um esquadrão de
+cavallaria. O povo recebeu-o com demonstrações de sympathia e os soldados
+desfilaram socegadamente, acompanhados dos vivas da multidão. Os primeiros
+presos foram Manuel de Arriaga e Jacintho Nunes. Depois a leva, comprehendendo
+uns 130 individuos, seguiu para o governo civil, d'onde, no dia immediato, foi
+mandada para bordo do <em>India</em> e do <em>Vasco da Gama</em>.</p>
+
+<p>Assim que o facto constou na cidade, o commercio fechou meia porta e quasi
+todas as associações realisaram sessões de protesto. Reappareceram os
+incidentes tumultuosos, a população voltou a agitar-se, os jornaes democratas
+abriram subscripções em favor dos presos e, ás ameaças de novas e maiores
+violencias, o elemento popular respondeu approximando-se mais e mais dos vultos
+então em evidencia no partido republicano. A <em>Patria</em>, diario visado
+especialmente pelos serventuarios do regimen, escrevia a poucas horas de
+perpetrado o arbitrio governamental:</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>«Consta-nos que da parte do governo ha todo o empenho em damnificar o nosso
+jornal e que se tomam providencias tendentes a supprimir a <em>Patria</em> e
+bem assim prender os seus redactores. O publico fica de sobreaviso, na certeza
+de que todos os dias sahirá o nosso jornal com o nome que tem ou com qualquer
+outro, se lhe fôr inhibido usar o glorioso nome de <em>Patria</em> que o
+encima. Não é com ameaças, levadas ou não a effeito, nem é com prisões ou
+detenções a bordo do <em>Africa</em> que nos farão desistir da tarefa que nos
+impuzemos, porque, uns presos, outros virão, e quando esses forem presos outros
+virão ainda e a <em>Patria</em> apparecerá implacavelmente e o governo d'este
+paiz ha de<span class="pn"><a name="pg_47" id="pg_47">{47}</a></span> aprender
+que não é com vilezas e processos de mão baixa que se combatem sentimentos
+grandes e generosos, que só anceiam pelo bem estar do seu paiz.»</p>
+
+<div class="ilustracao" style="float: right;"><a name="img047"></a>
+<p><img alt="Fotografia de João Chagas" src="images/p047.png"
+style="display: block; text-align: center; margin-left: auto; margin-right: auto"></p>
+
+<p>João Chagas (1891)</p>
+</div>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Mas os serventuarios do regimen não descançaram na tarefa de precavel-o
+contra o progresso da democracia, tentando por todos os modos estrangular os
+clamores do povo. Em 14 de fevereiro dissolveram a Associação Academica de
+Lisboa, sob o pretexto de que ella, contrariando os fins indicados nos seus
+estatutos, se «entregava a aventuras politicas que tinham perturbado a ordem
+publica.» Ainda mais: decidiram-se finalmente a publicar o decreto dissolvendo
+o primeiro municipio do paiz, apprehenderam alguns jornaes da opposição,
+entraram em conflicto com a commissão executiva da Subscripção Nacional,
+reorganisaram a guarda municipal, gratificaram a policia e, por uma série de
+medidas dictatoriaes, restringiram a liberdade de pensamento e o direito de
+reunião. </p>
+
+<p>Entretanto, caminhava-se a passos agigantados para a conclusão do tratado
+anglo-portuguez, o famoso tratado que devia, por assim dizer, ratificar o
+<em>ultimatum</em> de 11 de janeiro e a perda subsequente do que Portugal
+disputava á Grã-Bretanha.<span class="pn"><a name="pg_48"
+id="pg_48">{48}</a></span></p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<h1>CAPITULO VII</h1>
+
+<h2>O partido republicano nasce da dispersão do reformista</h2>
+
+<p>Cabe agora dar aos leitores um rapido esboço das phases por que passou o
+partido republicano desde 1880 até á eclosão da revolta do Porto. Esse partido
+nasceu da dissolução do reformista, apoz o movimento de Cadiz que tambem animou
+o mesmo ideal em Hespanha. Do partido reformista sahiram Latino Coelho, Elias
+Garcia, Bernardino Pinheiro e Jacintho Nunes que, acompanhados de Oliveira
+Marreca e os generaes Gilberto Rolla e Sousa Brandão, fundaram o jornal
+<em>Democracia Portugueza</em> á cabeça do qual foi logo inscripto o primeiro
+programma partidario accentuadamente democratico. Esse programma
+comprehendia:</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p><em>Egualdade civil e politica. Governo e taxação do povo pelo povo.
+Suffragio universal e representação das minorias. Abolição do juramento
+politico; de privilegios pessoaes; dos direitos de consumo para o Estado; do
+recrutamento. Serviço pessoal; exercito reduzido á escola e quadro; milicia
+nacional. Liberdade de consciencia; egualdade de cultos; casamento civil;
+registo civil; liberdade de imprensa e de ensino; julgamento pelo jury;
+liberdade pessoal; inviolabilidade do domicilio; liberdade de associação; de
+reunião; de representação, excepto para a força armada collectivamente. Poder
+legislativo de eleição; executivo delegado d'este e que dirige os negocios
+geraes do Estado. Descentralisação administrativa e autonomia das provincias
+ultramarinas. Ensino obrigatorio. Economia<span class="pn"><a name="pg_49"
+id="pg_49">{49}</a></span> na despeza publica. Direito de resistencia aos actos
+da auctoridade, offensivos das leis. Justiça democratica retribuida pelo
+Estado, revertendo para este os emolumentos; jurados por eleição; juizes
+collectivos; ampliação da competencia dos arbitros. Harmonia do codigo penal e
+do processo com a philosophia do direito e o modo de ser da sociedade
+portugueza.</em></p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>O programma foi obra, principalmente, de Latino Coelho e Elias
+Garcia&mdash;este dirigindo a <em>Democracia Portugueza</em> emquanto o jornal
+arrastou a sua vida precaria. Os restantes redactores eram Osorio de
+Vasconcellos, Teixeira Simões, Gomes da Silva, Ferreira Mendes, Caetano Pinto e
+Feio Terenas. De camaradagem com estes nomes appareciam os de Manuel de
+Arriaga, Nunes da Matta, Sousa Larcher, Homem Christo, Magalhães Lima, Alves da
+Veiga, José Sampaio (Bruno), Emygdio d'Oliveira, etc., etc. Hintze Ribeiro
+tambem gosou durante algum tempo a fama de democrata e pode lêr-se na sua
+biographia que, quando estudante em Coimbra, escreveu artigos inflammados para
+um jornal de Ponta Delgada. Mas que admira, se da Universidade é que surdiram
+em todas as epocas os elementos mais avançados, os propagandistas mais
+devotados, os revolucionarios mais atrevidos... Quantos dos antigos ministros
+da monarchia portugueza não foram, afinal, durante a sua passagem por Coimbra,
+considerados as futuras escoras do partido republicano!... Quantos!</p>
+
+<p>Até 1880, esse partido apenas exerceu no paiz uma acção de simples
+sentinella, quasi perdida na immensidade do deserto. Ainda não havia despertado
+o sentimento civico entre os portuguezes como mais tarde despertou,
+precipitando-os em reivindicações revolucionarias e a nação mal dava pelos
+clamores do nucleo nascente que todo se<span class="pn"><a name="pg_50"
+id="pg_50">{50}</a></span> esbofava na imprensa e nas palestras da rua a
+demonstrar que o reinado de D. Luiz cavava alguns metros mais no abysmo da
+nossa ruina. Em Lisboa, o partido republicano dispunha d'uma modesta influencia
+eleitoral, que, no emtanto, lhe permittia, uma vez por outra, travar lucta com
+os monarchicos. No Porto, toda a propaganda democratica se reduzia a meia duzia
+de homens&mdash;de alto valor, é certo, mas de fraco exito nas suas tentativas
+para arrancar a capital do Norte á tradicção monarchica. Na provincia, tudo se
+subordinava ao caciquismo e os republicanos ali eram encarados como fautores da
+anarchia e da desordem. Finalmente, o proprio nucleo democratico de que Lisboa
+se envaidecia antes de 1880, não apresentava a resistencia e a solidez
+necessarias á conquista do poder politico.</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>A celebração do tri-centenario de Camões, realisada n'quelle
+anno&mdash;sacudindo o paiz inteiro n'uma rajada de patriotismo&mdash;deu corpo
+e energia ao ideal republicano e transformou o nucleo existente n'uma força
+respeitavel, digna de ser encarada pela monarchia como um inimigo serio. Melhor
+do que nós o poderiamos fazer, o dr. Magalhães Lima vae dizer aos nossos
+leitores da influencia decisiva d'essa apotheose na democracia portugueza:</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>«O tri-centenario de Camões foi o primeiro capitulo da gloriosa jornada que
+teve o seu desfecho em 5 de outubro de 1910. Nunca se viu cousa semelhante em
+grandeza e sinceridade. O povo, o bom povo portuguez, compenetrado da elevação
+da festa, e ainda mais de que a homenagem ao immortal cantor das nossas glorias
+correspondia ao anceio d'uma revivescencia futura, acorreu a ella cheio de
+enthusiasmo, ardoroso, expandindo a<span class="pn"><a name="pg_51"
+id="pg_51">{51}</a></span> maior alegria. A celebração do tri-centenario
+radicou no espirito da nacionalidade a ideia carinhosa de que no auctor dos
+<em>Lusiadas</em> se symbolisavam as esperanças de melhores dias e talvez do
+regresso a um passado opulento, viril, de inapagaveis tradicções.</p>
+
+<p>«Mas a grandiosa homenagem não teve só esse condão. Despertou egualmente a
+energia democratica, congregou em volta das figuras do partido republicano,
+então em evidencia, os elementos dispersos, consolidou-os, deu corpo á opinião
+publica, foi o ponto de partida da marcha politica que, em successivas
+<em>étapes</em>, conseguiu, entre nós, pôr um ponto final no regimen
+monarchico. Devemol-a essencialmente a Theophilo Braga, que durante tres annos
+consecutivos fez uma propaganda intensissima para a sua realisação. A commissão
+executiva da festa compunham-na elle, Rodrigues da Costa, que representava ao
+tempo o jornal mais antigo, a <em>Revolução de Setembro</em>; Pinheiro Chagas,
+Eduardo Coelho, Jayme Batalha Reis, Ramalho Ortigão, Luciano Cordeiro, eu e o
+visconde de Juromenha, mais tarde substituido pelo Rodrigo Pequito. Cada um de
+nós tomou a seu cargo para a preparação da solemnidade o realisar um certo
+numero de conferencias em que, divulgando a obra do epico, se orientava ao
+mesmo tempo o espirito publico n'um ideal genuinamente patriotico. </p>
+
+<p>«E a influencia exercida pela nossa acção foi tal que, apesar da hostilidade
+que o governo progressista da epoca nos moveu, os <em>Lusiadas</em> entraram em
+todos os lares e Camões, alcançando a maior consagração, passou a ser como que
+o orago da massa popular. As edições da monumental epopeia vulgarisaram-se por
+uma forma extraordinaria. Fizeram-se varias, desde a mais modesta, ao alcance
+de todas as bolsas, até á de luxo, regalo de privilegiados. Os nossos
+manifestos eram acolhidos com<span class="pn"><a name="pg_52"
+id="pg_52">{52}</a></span> verdadeira soffreguidão e conseguiam maior exito do
+que os decretos do governo. Chamava-se ironicamente á commissão do
+tri-centenario o <em>comité</em> de Salvação Publica, mas essa ironia dava bem
+a medida da nossa força e o que é mais: da impetuosidade da corrente
+democratica que caracterisou sempre e profundamente a homenagem ao grande
+poeta.</p>
+
+<p>«A celebração do tri-centenario fez expandir a ideia republicana que muitos
+espiritos acalentavam em silencio. Em 1880 havia republicanos, mas não havia
+conjugação de forças democraticas. O tri-centenario promoveu-a. Antes de se
+prestar a homenagem ao poeta, já se palpava a existencia de um ideal de
+liberdade e de justiça, o esboço d'uma reacção decidida contra o regimen
+monarchico. Recordo-me, perfeitamente, que no antigo <em>Commercio de
+Portugal</em>, ensaiando a verificação d'essa corrente avassaladora, obtive um
+resultado bastante lisongeiro. Nos caixeiros, mais talvez do que nas outras
+classes, encontrei elementos valiosos de propaganda&mdash;parte dos quaes
+fundou e installou o Atheneu e mezes depois da celebração do tri-centenario me
+auxiliou na fundação do <em>Seculo</em>.</p>
+
+<p>«Glorificando o epico immortal, revestindo de excepcional imponencia esse
+cortejo apotheotico do dia 10 de junho de 1880, Lisboa e, com ella, as
+provincias, soffreram um abalo salutar, enveredando decisivamente no caminho da
+destruição da tyrannia brigantina. A monarchia comprehendeu-o e quiz impedil-o.
+O rei D. Luiz pretendeu encorporar-se no cortejo e o governo não lh'o
+consentiu. Em summa, a influencia desprendida da festa foi enormissima e fez-se
+sentir de modo flagrante no decorrer dos annos e em diversos incidentes da vida
+interna da nacionalidade».</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Em 1881, quando a imprensa republicana promoveu<span class="pn"><a
+name="pg_53" id="pg_53">{53}</a></span> uma campanha justa e violenta contra o
+celebre tratado de Lourenço Marques, a opinião vibrou como nunca até ali
+vibrara. Alguns officiaes do exercito chegaram a offerecer-se para, na
+impossibilidade do partido republicano se lançar abertamente n'uma revolução,
+organisarem guerrilhas e d'esse modo combaterem a monarchia. Crearam-se centros
+politicos, as associações de classe tomaram um incremento irreprimivel e o povo
+passou a interessar-se a valer pelas attitudes dos governantes. Apoz a
+celebração do tri-centenario, o dr. Magalhães Lima propoz-se deputado por
+Lisboa, ou melhor, pelo circulo 98, que comprehendia S. Paulo, Santos, Lapa e
+Alcantara. A lucta foi renhida. Theophilo Braga propoz-se depois por Alfama,
+Manuel de Arriaga pela Baixa e Elias Garcia pelo circulo 95 (Anjos). Durante
+annos foram estes os <em>candidatos chronicos</em> dos republicanos da capital.
+Travaram-se batalhas eleitoraes que ficaram memoraveis. D'uma das vezes,
+disputando Magalhães Lima um circulo a Hintze Ribeiro, Fontes, ao tempo
+presidente do conselho, viu-se forçado a ir presidir a um comicio para
+<em>poder salvar a honra do convento</em>...</p>
+
+<p>Comtudo, esse impulso progressivo experimentado em 1880 pelo ideal
+democratico, soffreu um decrescimento apoz 1881, isto é, logo que a questão do
+tratado de Lourenço Marques se apagou do espirito publico. E essa decadencia,
+chamemos-lhe assim, chegou a ser tão accentuada que o incomparavel jornalista
+Emygdio Navarro não duvidou um bello dia fazer um appello ao estado maior do
+partido republicano convidando-o «a ir religiosamente enterrar uma bandeira que
+parecia condemnada a não se desfraldar jámais». O director das
+<em>Novidades</em> supplicava a todos os democratas que fossem uteis á patria,
+levando a sua dedicação, o seu trabalho, a sua intelligencia aos arraiaes
+da<span class="pn"><a name="pg_54" id="pg_54">{54}</a></span> monarchia, que os
+receberia de braços abertos. Deram-se mesmo algumas deserções. O jornalista
+portuense Emygdio de Oliveira cessou a publicação do diario <em>Folha Nova</em>
+e renunciou á politica republicana. Outros dos seus correlligionarios
+acolheram-se a um novo gremio politico&mdash;a <em>Esquerda
+Dynastica</em>&mdash;fundado e dirigido pelo sr. Barjona de Freitas, e durante
+mezes, dada a crise de desorganisação que o minava, suppoz-se até que o partido
+mais avançado se fusionára n'aquella facção conservadora.</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<h1>CAPITULO VIII</h1>
+
+<h2>João Chagas abandona enojado a imprensa monarchica</h2>
+
+<p>Mas sobreveiu o <em>ultimatum</em> e esse conflicto diplomatico exerceu
+egualmente consideravel influencia nas condições politicas da sociedade
+portugueza. O patriotismo, offendido, encorporou-se nas fileiras democraticas e
+engrossou-as. Brotaram da indignação do momento varios jornaes que foram outros
+tantos pamphletos revolucionarios: a <em>Patria</em>, de Lisboa, o
+<em>Rebate</em>, do Porto, fundado pelo sr. Eduardo de Sousa, o
+<em>Ultimatum</em>, de Coimbra, fundado pelo sr. Antonio José de Almeida. Com
+essa erupção jornalistica coincidiu a formação, na Universidade, d'uma geração
+de propagadores do ideal, que apoz os dias luctuosos de 1890 publicou um
+manifesto vigoroso, aggredindo directamente o regimen monarchico e reclamando a
+bem da patria uma mudança de instituições. A policia não deixou circular esse
+documento, mas dois diarios reproduziram-no immediatamente nas suas columnas.
+Assignavam o manifesto, entre outros, estes estudantes:<span class="pn"><a
+name="pg_55" id="pg_55">{55}</a></span> </p>
+
+<div class="ilustracao"><a name="img055"></a>
+<p><img alt="A guarda municipal entrincheirada na egreja de Santo Ildefonso"
+src="images/p055.png"
+style="display: block; text-align: center; margin-left: auto; margin-right: auto"
+width="100%"></p>
+
+<p>A guarda municipal entrincheirada na egreja de Santo Ildefonso</p>
+</div>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p><em>Fernando Brederode, João de Menezes, Agostinho de Campos, Cunha e Costa,
+Couceiro da Costa, Antonio José de Almeida, Pires de Carvalho, Lomelino de
+Freitas, Antonio Cabral, Mario Monteiro, Augusto Barreto, Silvestre Falcão,
+João de Freitas, Paulo Falcão, Francisco Valle, Julio Paulo de Freitas, Malva
+do Valle, Evaristo Cutileiro, Luiz Soares de Sousa Henriques, Affonso Costa,
+Manuel Galvão, Lucio Paes</em><span class="pn"><a name="pg_56"
+id="pg_56">{56}</a></span> <em>Abranches, Julio de Mello e Mattos, Fausto
+Guedes, Bessa de Carvalho, Alberto de Oliveira, Bernardo Leite, Carneiro de
+Moura, Antão de Carvalho, Arthur Leitão e Virgilio Poyares.</em></p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>É tempo de nos referirmos á entrada de João Chagas na scena politica, facto
+que se produziu em 20 de fevereiro de 1890. O eminente publicista, que até
+então trabalhara na imprensa monarchica, revoltado ou, melhor, enojado com o
+espectaculo que presenceara durante os dias agitados que se seguiram ao
+<em>ultimatum</em>, dirigiu n'aquella data esta carta ao <em>Correio da
+Noite</em>:</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>«<em>Meu caro amigo</em>:&mdash;Não me convindo continuar a collaborar em
+jornaes da imprensa monarchica, nos quaes, aliás, tenho tido apenas
+collaboração litteraria, peço a v... me julgue desde hoje desligado da redacção
+d'essa folha. Aproveito o ensejo para lhe agradecer as provas de consideração
+que constantemente me tem dispensado.&mdash;Seu amigo e collega: <em>João
+Chagas</em>.»</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Egual declaração foi publicada no <em>Tempo</em> e na <em>Provincia</em> e
+no dia 21 um jornal republicano da manhã accrescentava, fazendo allusão ao
+facto: «desde já affirmamos que João Chagas traz ao nosso partido toda a sua
+intelligencia, toda a sua dedicação e todo o seu ulterior trabalho; é uma
+adhesão valiosissima, que mostra bem o que ha de diamantino no caracter do
+nosso amigo, que não hesita sacrificar interesses egoistas nas aras sacrosantas
+da patria, cuja remodelação é incompativel com a subsistencia do affrontoso
+regimen que nos vae explorando».</p>
+
+<p>Na <em>Historia da Revolta do Porto</em>, que escreveu de collaboração com o
+ex-tenente Coelho, João<span class="pn"><a name="pg_57"
+id="pg_57">{57}</a></span> Chagas descreve assim os seus primeiros passos na
+propaganda do ideal republicano:</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>«Em fevereiro de 1890, como um dos auctores d'esta obra, ao tempo joven e
+fazendo um jornalismo sem paixão e sem ambições, se decidisse a encetar o
+jornalismo politico e a adoptar a causa que era então de toda a gente,
+reuniu-se a um, egualmente joven&mdash;tudo foi juventude n'esse
+movimento!&mdash;alumno do curso de engenharia civil, Chrispiniano Fonseca, que
+mais tarde veiu a morrer no Brazil, de febre amarella, sob a republica de
+Floriano Peixoto; e tendo os dois concertado «que era preciso fazer alguma
+coisa», como se dizia por essa grande epocha, começaram por ir espionar a
+provincia do Algarve, onde certo dia se affirmou com alarme que rebentara uma
+sedição militar e, havendo reconhecido que tal sedição estava longe de ser um
+facto, voltaram as vistas para outro lado e decidiram, apoz diversas
+machinações, que o que havia a fazer era <em>propaganda</em> muito activa e
+muito eloquente.</p>
+
+<p>«D'este accordo partiu a ideia de fundar um jornal republicano, já se vê,
+que tomasse a dianteira a todos os que já existiam e que, para a nossa
+impaciencia, pareciam excessivamente deficientes.</p>
+
+<p>«Alvitrou-se que se lançasse o jornal a publico o mais rapidamente possivel,
+dentro de quinze dias, dentro de um mez&mdash;e quando se discutiam as bases
+d'essa publicação imprevista e fulminante, lembrámos que um jornal, tal como o
+sonhavamos, desencadeando uma tormenta de paixões populares, só poderia nascer
+e cobrir-se de gloria no Porto, que até então não dera grandes signaes de vida
+civica, mas que se nos affigurava, pela sua tradicção e pelas nossas
+superstições, o unico centro de população portugueza susceptivel de soltar o
+primeiro<span class="pn"><a name="pg_58" id="pg_58">{58}</a></span> de
+liberdade de que nos propunhamos ser os interpretes.</p>
+
+<p>«Lisboa, inçada de uma população heterogenea, disseminada n'uma grande área
+e dividida pelas opiniões mais diversas, foi posta de parte, como pouco
+propicia para o exito do nosso emprehendimento, e adoptou-se o Porto com
+enthusiasmo e esperança. Estes dois homens não dispunham, porém, de uma moeda
+de cobre que lhes permittisse acalentar tão vasto sonho, e, por outro lado, não
+tinham um nome que os auctorisasse a lançar-se nas luctas politicas, em meio da
+confiança dos que iam ser seus amigos e cumplices.»</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Apesar d'isso, João Chagas poz-se a caminho da capital do Norte, alcançou o
+concurso do velho democrata José Sampaio (Bruno) e em breve formou-se uma
+modesta empreza com o capital sufficiente para a fundação da ambicionada
+gazeta. O primeiro numero da <em>Republica</em>&mdash;tal era o titulo do novo
+jornal&mdash;sahiu a 18 de abril de 1890 e, embora esse e os numeros seguintes
+traduzissem ás claras o radicalismo das aspirações do seu director, a verdade é
+que o diario logrou pouca vida e pouco tempo depois suspendia a publicação. Em
+setembro do mesmo anno, João Chagas, recebendo o auxilio efficaz de tres
+democratas, Dyonisio dos Santos Silva, Joaquim Leitão e Alvarim Pimenta, voltou
+a insistir na creação d'uma folha demolidora e fez sahir a <em>Republica
+Portugueza</em>, que acolheu na sua redacção toda uma pleiade de velhos e
+jovens combatentes, animados por egual do desejo de derrubar o regimen. O
+artigo de apresentação inserto no primeiro numero dizia assim:</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>«A obra d'este jornal será inteiramente e desassombradamente revolucionaria.
+Tanto vale dizer<span class="pn"><a name="pg_59" id="pg_59">{59}</a></span> que
+será um jornal de combate e dirá tudo o que fôr mister:</p>
+
+<p>«a despeito da vontade pessoal do rei;</p>
+
+<p>«a despeito da tyrannia dos governos;</p>
+
+<p>«a despeito do odio e da antipathia dos homens e dos partidos que exploram o
+paiz.»</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>No primeiro numero da <em>Republica Portugueza</em> tambem foram estampados
+os retratos do rei e de dois dos ministros, precedidos d'estas palavras:
+<em>Pelourinho: Os tres de Inglaterra</em>. Nos outros logares do jornal
+explodia a incitação á revolta, usando-se d'uma linguagem que nunca até ali
+fôra empregada com tanta franqueza. D'aqui resultou o crear-se, pelo estimulo
+do exemplo, uma atmosphera de decisiva batalha, que nem os acontecimentos nem
+os homens haviam ainda preparado. Affirma-o João Chagas:</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>«A revolta de 31 de janeiro pode attribuir-se em grande parte ás instigações
+directas d'esse jornal, o qual, por seu turno, se veiu a publico, não foi senão
+em virtude de circumstancias que não se produziriam sem o conflicto diplomatico
+anglo-portuguez. Por isso reputamos esse conflicto a causa unica do movimento
+revolucionario do Porto, que, sem elle, nem encontraria meio idoneo em que se
+consumasse, nem agentes que o provocassem. Dar-se-hia outro, mais tarde, e em
+outras circumstancias. Esse não».</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Na <em>Republica Portugueza</em> collaboraram José Sampaio (Bruno), Julio de
+Mattos, Basilio Telles, Latino Coelho, Elias Garcia, Gomes Leal, Heliodoro
+Salgado e, o que é mais interessante fixar, varios officiaes do
+exercito&mdash;um dos quaes, em serviço na guarda municipal, teve um dia ensejo
+de ver querellada a sua prosa. A par d'essa collaboração,<span class="pn"><a
+name="pg_60" id="pg_60">{60}</a></span> logo que a <em>Republica
+Portugueza</em> viu a luz da publicidade, arremettendo violentamente contra as
+instituições, appareceram um sem numero de communicações «sob a forma de cartas
+e manifestos, de soldados, cabos e sargentos da guarnição portuense, a
+principio, depois de militares das guarnições da provincia, por ultimo de
+officiaes de todas as graduações já do Porto já de Lisboa». E os que as
+enviavam ao jornal faziam-no de modo tão explicito que, em certa altura, houve
+necessidade de destruir uma boa parte da papelada, receiando-se que ella
+cahisse em poder dos defensores do regimen e collocasse os signatarios em
+situação compromettida. Como amostra da linguagem empregada n'esses documentos,
+damos a seguir o trecho d'uma carta enviada n'essa occasião á <em>Republica
+Portugueza</em> por um grupo de officiaes transmontanos:</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p><em>Camaradas: A mãe-patria agonisa. É preciso que seus filhos a salvem sem
+demora, porque a sua salvação é do nosso dever. Salvemos a patria proclamando a
+Republica. Camaradas: Não ha tempo a perder.</em></p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>D'aqui se deprehende facilmente que os acontecimentos de janeiro de 1890 não
+tinham apenas perturbado a massa generosa do povo, mas egualmente o exercito,
+que se sentira molestado nos seus brios. Como toda a nação, o exercito
+reclamava o desaggravo. E esse estado de animos não se revelava simplesmente
+nas communicações dirigidas á <em>Republica Portugueza</em>, mas tambem em dois
+orgãos da classe militar, o <em>Sargento</em> e a <em>Vedeta</em>, que deram á
+imprensa democratica um forte contingente para a sua propaganda subversiva. O
+<em>Sargento</em>, por exemplo, exclamava com uma audacia que ia a todo o
+genero de infracções disciplinares:<span class="pn"><a name="pg_61"
+id="pg_61">{61}</a></span></p>
+
+<p>«O exercito aguarda o plebiscito da nação, sem as restricções, as formulas e
+os sophismas constitucionaes; o plebiscito dos cidadãos livres e honrados na
+urna livre e honrada; o plebiscito de protesto e da representação nos comicios;
+ou o plebiscito da revolução nas barricadas.</p>
+
+<p>«O povo é o poder legislativo; o exercito é o poder executivo. O povo é a
+vontade; o exercito é a acção. O povo é a soberania; o exercito é a força. O
+exercito não é uma guarda de suissos; o exercito não é uma casta. O exercito é
+a nação armada e é a democracia armada».</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>A linguagem da <em>Vedeta</em> não era menos arrojada e expressiva. A
+irritação na classe militar augmentava de dia para dia, e porque o governo de
+Hintze Ribeiro, sempre cuidadoso de rodear o throno do maior numero de
+garantias, entrara a valer no caminho das repressões, transferindo officiaes e
+mandando para o serviço do cordão sanitario, que então guarnecia a fronteira,
+certos contingentes de corpos suspeitos de rebeldia. Por outro lado, em agosto,
+o mesmo governo apresentava ao parlamento o tratado com a Inglaterra e esse
+novo acto de vergonhosa submissão ante a <em>fiel alliada</em>, longe de
+acalmar os espiritos, aguçara extraordinariamente as ideias revolucionarias.</p>
+
+<p>A medida ia a trasbordar... N'uma noite d'aquelle mez, um grupo de segundos
+sargentos e cabos de infantaria e caçadores, sem que a sua <em>démarche</em>
+correspondesse a qualquer trabalho previo de alliciação, apresentou-se na
+redacção da <em>Republica Portugueza</em> e um d'elles, Annibal Cunha, formulou
+o plano da rebellião. Tratava-se de fazer sahir infantaria 18, para o que
+diziam contar com o apoio de grande numero dos seus camaradas, depositando
+antecipadamente na alameda da Lapa, proxima do quartel, uma certa quantidade de
+espingardas<span class="pn"><a name="pg_62" id="pg_62">{62}</a></span> de velho
+typo, existentes na arrecadação do regimento. As espingardas serviriam para
+armar os cidadãos que fosse possivel ligar á aventura.</p>
+
+<p>Exposto o plano, o grupo prometteu voltar ao jornal e voltou, com effeito,
+desferindo então mais largos vôos, ampliando a esphera do seu emprehendimento.
+Não era facil, porém, realisar na occasião qualquer tentativa e, apoz acalorada
+discussão, foi decidido aguardar o regresso ao Porto das tropas empregadas no
+cordão sanitario. Mas esse grupo, tendo iniciado o contacto directo com os
+homens que propagavam pela palavra e pela escripta o ideal republicano, não
+tardou que outros militares o imitassem e, dentro de semanas, a redacção da
+<em>Republica Portugueza</em> passou a ser frequentada por dezenas de
+sargentos, cabos e soldados da guarnição do Porto, todos dispostos a collaborar
+na obra da revolução. Quer dizer: o <em>complot</em> militar formava-se e
+avolumava-se gradualmente, espontaneamente, sem que os dirigentes da politica
+democratica para elle houvessem contribuido com o mais insignificante pedido de
+concurso.</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<h1>CAPITULO IX</h1>
+
+<h2>O dr. Alves da Veiga assume a chefia civil do movimento</h2>
+
+<p>Comtudo, tornava-se necessario acceitar as adhesões que irrompiam cada vez
+mais numerosas e inflammadas e canalisal-as, dando-lhes orientação
+perfeitamente definida. João Chagas e a redacção da <em>Republica
+Portugueza</em> procuraram entender-se, para tal effeito, com o dr. Alves da
+Veiga, que ao tempo gosava no Porto da situação d'um chefe de<span
+class="pn"><a name="pg_63" id="pg_63">{63}</a></span> partido e dividiram com
+elle as responsabilidades da conspiração. Até o momento, os republicanos do
+Porto tinham-se limitado, na espectativa dos acontecimentos, a agitar a opinião
+por meio da imprensa e dos clubs; o directorio do partido, presidido por Elias
+Garcia, procurára iniciar um movimento egualmente de caracter militar e
+delegára em Basilio Telles o encargo de o secundar na capital do Norte. No
+emtanto, como de todos os republicanos portuenses o dr. Alves da Veiga era o
+que dispunha de maior actividade organisadora, foi elle que desde logo assumiu
+a chefia civil da conspiração, continuando Basilio Telles a operar de concerto
+com o directorio, extranho em absoluto a esta primeira phase dos
+acontecimentos. E assim, em setembro de 1890, lançando mãos á obra, o illustre
+jurisconsulto preparou nas provincias do Norte diversos <em>comités</em>
+revolucionarios que deviam secundar, no ensejo propicio, a iniciativa do Porto.
+</p>
+
+<div class="ilustracao" style="float: right;"><a name="img063"></a>
+<p><img alt="Fotografia do Capitão Leitão" src="images/p063.png"
+style="display: block; text-align: center; margin-left: auto; margin-right: auto"></p>
+
+<p>Capitão Leitão (1891)</p>
+</div>
+
+<p>Restava encontrar quem reunisse á sua volta, e os estimulasse, os elementos
+de lucta que se offereciam constantemente á redacção da <em>Republica
+Portugueza</em>. Lançou-se os olhos sobre a figura<span class="pn"><a
+name="pg_64" id="pg_64">{64}</a></span> gigantesca de Santos Cardoso e o famoso
+director d'um semanario de combate&mdash;que se propunha «pôr as calvas a
+descoberto»&mdash;embora soffrendo d'uma reputação pouco cuidada, appareceu
+immediatamente como o homem de acção capaz de aggremiar os officiaes inferiores
+da guarnição do Porto que se entregavam á causa da revolta. E assim succedeu. A
+casa de Santos Cardoso passou a ser o centro da conspiração dos sargentos. Mas
+o director da <em>Justiça Portugueza</em>, não contente com isso, quiz ir mais
+longe. Principiou a dirigir-se a varios officiaes, solicitando a sua adhesão e
+a corresponder-se com o directorio, de quem recebia communicações e mais tarde
+lhe conferiu um voto de confiança.</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Em 17 de setembro, deu-se no Porto a unica manifestação tumultuosa que
+precedeu na capital do Norte a revolta de 31 de janeiro. A sua iniciativa
+partiu d'um grupo de estudantes, entre os quaes se contavam Alberto de Oliveira
+e Eduardo Arttayette. Começou no café Suisso, na praça de D. Pedro. Pouco
+antes, tinham sido queimados á porta do estabelecimento varios jornaes do
+governo&mdash;como protesto contra a apresentação do tratado de 20 de
+agosto&mdash;e davam-se vivas á Patria e morras á Inglaterra, quando entrou no
+café o antigo republicano Felizardo de Lima. Resoou uma enthusiastica salva de
+palmas, o estudante Ernesto de Vasconcellos fez um discurso caloroso e alguem
+soltou este grito:</p>
+
+<p>&mdash;Para a rua!</p>
+
+<p>Os manifestantes sahiram em massa do estabelecimento e encaminharam-se para
+a rua dos Clerigos, tendo á frente, entre outros, João Chagas e o dr. Julio de
+Mattos. O cortejo comprehendia individuos de todas as classes sociaes e atroava
+os ares com vivas, morras e ruidosas salvas de palmas.<span class="pn"><a
+name="pg_65" id="pg_65">{65}</a></span> Dos Clerigos, os manifestantes foram á
+Cordoaria. Depois, em frente da Relação, o estudante Eduardo de Sousa fez um
+discurso e o cortejo encaminhou-se para a rua das Taypas, produzindo novas e
+estrepitosas demonstrações deante do quartel de caçadores 9. Á porta e ás
+janellas do quartel appareceram muitas praças agitando os <em>bonnets</em>. Da
+rua das Taypas, os manifestantes dirigiram-se á rua do Triumpho, entoando a
+<em>Marselheza</em> e a <em>Portugueza</em>, então muito em voga. Em frente do
+quartel de infantaria 10 reproduziram-se os applausos ao exercito e o cortejo
+seguiu para a rua do Pombal, parando junto d'uma das casas d'essa rua a
+acclamar o dr. Alexandre Braga, pae do illustre causidico do mesmo nome.
+Alexandre Braga, assomando a uma janella, falou ao povo, affirmando-lhe estar
+orgulhoso por encontrar nos moradores do Porto a sua altiva e tradiccional
+energia.</p>
+
+<p>A manifestação seguiu depois ao campo de Santo Ovidio, parando em varios
+pontos do percurso para ouvir improvisados oradores. Um d'elles disse:</p>
+
+<p>&mdash;O Porto precisa provar que ainda não perdeu o segredo das
+revoluções.</p>
+
+<p>No campo de Santo Ovidio, as demonstrações patrioticas attingiram o delirio.
+Alguns officiaes de infantaria 18 vieram até junto da multidão pedir-lhe
+cordura. A seguir, a manifestação desceu pela rua do Almada e, voltando á
+Cordoaria, passou pelo quartel da guarda municipal. Immediatamente sahiu d'ali
+uma força de cavallaria e, carregando sobre a multidão, que se refugiou no
+jardim, dispersou-a. Alguns individuos responderam á pedrada, houve gritos
+subversivos e na refrega um estudante ficou ferido nas costas.
+Reconcentrando-se, os manifestantes desceram á rua dos Clerigos e vieram para a
+praça de D. Pedro. Ahi, os soldados da guarda municipal, cravando as esporas
+nos cavallos, carregaram<span class="pn"><a name="pg_66"
+id="pg_66">{66}</a></span> novamente sobre o povo, acutilando-o a torto e a
+direito, mettendo toda a gente debaixo das patas dos animaes, varrendo não só a
+praça mas as ruas circumvisinhas e ferindo e prostrando grande numero de
+pessoas. Os cafés do local foram logo fechados por ordem da policia. Muitos
+feridos receberam curativo no hospital da Misericordia. No dia immediato, a
+cidade reentrou no socego habitual; mas todos esses incidentes que acabamos de
+relatar foram a origem d'uma nova excitação que aggravou «a que já fundamente
+lavrava e havia de resolver-se no movimento de 31 de janeiro».</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Entretanto, os trabalhos para a organisação do <em>complot</em> progrediam a
+olhos vistos. Os organisadores já contavam com o concurso de varios officiaes e
+porque alguns d'elles tinham apparecido nas redacções dos jornaes republicanos,
+decididos, pelo menos na apparencia, a contribuir para a derrocada da
+monarchia. E se é certo que no momento em que rebentou a revolta, apenas tres
+d'elles conseguiram justa evidencia, a verdade é que durante o periodo
+preparatorio da conspiração o numero de officiaes que n'elle intervieram
+contavam-se por dezenas. Cada corpo da guarnição do Porto, sem exclusão da
+guarda municipal, dava, pelo menos, um contingente de tres officiaes, cujos
+nomes circulavam entre os conspiradores e eram quasi do dominio publico. Os
+mais graduados eram capitães. Por outro lado, nas provincias, onde Alves da
+Veiga organisara <em>comités</em> civis e militares, estes garantiam-lhe a sua
+plena adhesão. O commandante d'uma das forças aquarteladas no Porto
+compromettia-se a adherir ao movimento «caso não recebesse ordem em contrario
+do quartel general». Santos Cardoso affirmava a todo o momento que o major
+Graça, da guarda municipal, e que mais tarde havia de desempenhar um papel
+decisivo na<span class="pn"><a name="pg_67" id="pg_67">{67}</a></span>
+insurreição, mas para a suffocar, estava ao lado dos revoltosos.</p>
+
+<p>Nos quarteis, entre os officiaes, era corrente que se conspirava. As
+noticias do facto transpiravam dia a dia e invadiam abertamente a opinião. Nos
+cafés do Porto não se falava n'outra cousa e os agitadores não se occultavam ao
+solicitar para a causa a adhesão de novos elementos. «Crescia-se em audacia.
+Todos suppunham e se convenciam que caminhavam realmente para um exito seguro».
+João Chagas, já na cadeia da Relação, a cumprir a sentença imposta por um
+delicto de imprensa, escrevia n'um artigo inserto na <em>Republica
+Portugueza</em>:</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>«Estou convencido a serio, porque pertenço ao grande numero dos
+indisciplinados republicanos que querem a Republica&mdash;de que uma revolução
+se fará dentro em breve, a mais nobre, a mais generosa, a mais sympathica de
+quantas revoluções tem tentado um povo offendido, em nome da sua dignidade e da
+sua honra.</p>
+
+<p>«Quero-a, desejo-a, promovo-a e d'isso me ufano. Com a minha consciencia
+vivo na mais perfeita beatitude. Da minha intelligencia faço o uso mais nobre.
+Estou tranquillo por mim, porque pratico uma boa acção. Como convencional, fiz
+commigo proprio um pacto que vae desde a liberdade á morte. Ao serviço da minha
+causa puz todo o meu pensamento, todo o meu sentimento, toda a minha acção.
+Quero, pois, a Republica por vingança, por odio e por dignidade. Dias virão,
+cheios de alternativas, dias de orgulho, talvez dias de infortunio&mdash;quem
+sabe? </p>
+
+<p>«É todo um mundo a fazer! É toda uma sociedade a reformar! Vivemos sobre
+lama. Os pés enterram-se-nos no solo. Quanto esforço, quanto trabalho, quanta
+coragem para consolidar o chão que<span class="pn"><a name="pg_68"
+id="pg_68">{68}</a></span> nos foge!... Pois bem! Batidos, vencidos, eu, nós,
+os meus companheiros de combate, recomeçaremos em qualquer ponto onde
+estejamos, aqui ou na terra estrangeira, dando o nosso sacrificio pessoal,
+entregando a nossa felicidade, a nossa vida á causa da patria e da liberdade. A
+opinião e a historia condemnarão os que prevaricarem e, se algum de nós os
+julgar um dia, dirá inexoravelmente como Manoel falando do rei de França: «Um
+traidor de menos, não é um homem de menos».</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>As idéas de revolta inflamavam todos os corações. «Os estudantes das escolas
+do paiz que já se tinham offerecido ao governo para constituir um batalhão
+voluntario que fosse á Africa combater os inglezes e se tinham visto recusados,
+entravam resolutamente no vasto campo da rebellião. A mocidade academica de
+Coimbra, posta em contacto com os revolucionarios do Porto, aprestava-se a
+tomar parte na lucta em vesperas de travar-se. O grupo revolucionario
+academico&mdash;sessenta e tantos estudantes&mdash;organisara-se secretamente e
+reunia-se para exercicios de espingarda Kropatschek com o concurso dos
+sargentos de infantaria 23. Formavam-se novos clubs republicanos. Nos logares
+os mais publicos exhibiam-se opiniões revolucionarias. De toda a parte affluiam
+exhortações e incitamentos em telegrammas e em bilhetes postaes. Todos pediam
+que o movimento se iniciasse quanto antes. A impaciencia era flagrante e, mal
+contida, expressava-se nos menores actos dos conspiradores.</p>
+
+<p>Alves da Veiga, tomando o pulso á agitação, ponderando os trabalhos até
+então realisados e reconhecendo que o movimento necessitava á sua frente d'um
+chefe militar prestigioso, abalançou-se a procurar esse official e conseguiu a
+promessa formal do general Sebastião Calheiros, então residente em<span
+class="pn"><a name="pg_69" id="pg_69">{69}</a></span> Vianna do Castello.
+Resolvido o problema, obtida assim uma direcção certamente efficaz no instante
+da revolta, aquelle official poz-se a caminho de Lisboa, decidido a arranjar
+collaboradores, que o auxiliassem em semelhante empreza. O contacto do general
+Calheiros com varios dos elementos republicanos residentes na capital do paiz
+prejudicou o bom andamento das cousas revolucionarias... É tempo de descrever
+aos leitores, como esse facto, e outros que se lhe seguiram, entravaram o
+movimento, tirando-lhe ao mesmo passo o caracter d'uma acção conjuncta da
+democracia portugueza.</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<h1>CAPITULO X</h1>
+
+<h2>O Directorio recusa a sancção official á revolta</h2>
+
+<p>No mez de setembro de 1890, quando a redacção da <em>Republica
+Portugueza</em> já concentrava um numero bastante regular de sargentos
+conspiradores, o partido republicano soffreu uma dissidencia profunda. D'um
+lado ficou Elias Garcia, congregando á sua volta toda a parte conservadora do
+partido; do outro surgiu o tenente de caçadores Homem Christo, com todos os
+radicaes. «O conflicto devia ter solução no congresso annunciado para janeiro
+de 1891 e no qual os dois grupos travariam a batalha decisiva». Apesar da
+dissidencia, porém, os republicanos do Porto continuaram a entender-se com
+Elias Garcia, pois que este, como já tivemos ensejo de referir, tambem
+trabalhava na organisação d'um movimento de caracter militar e o seu delegado
+na capital do Norte, Basilio Telles, prestava rasoavel concurso á actividade de
+Alves da Veiga. Santos Cardoso, por seu lado, entrara<span class="pn"><a
+name="pg_70" id="pg_70">{70}</a></span> na intimidade d'outros vultos em
+evidencia como Bernardino Pinheiro e Theophilo Braga.</p>
+
+<p>Em dezembro, Homem Christo, que não via com bons olhos a chefatura de Elias
+Garcia e o contrariava em tudo que parecesse dimanar da sua resolução pessoal,
+procurou-o e fez-lhe sentir a inconveniencia do Directorio secundar a
+<em>sargentada</em> do Porto. «A revolta de sargentos, dizia elle a Elias
+Garcia, se vingar, vae ser funesta á disciplina do exercito; mas não vinga,
+porque lhe falta o elemento intelligente e de cohesão». Depois, logo a seguir,
+convidado por Jacintho Nunes, foi ao Porto «estudar a situação». No Porto,
+Homem Christo procurou Alves da Veiga e Rodrigues de Freitas, mas não lhes
+poude falar. Jacintho Nunes propoz-lhe então uma conversa com Santos Cardoso.
+Homem Christo recusou, porque odiava fundamente o director da <em>Justiça
+Portugueza</em>, mas depois consentiu em procural-o, para averiguar até que
+ponto eram authenticos os trabalhos revolucionarios. O encontro d'esses dois
+homens é assim relatado por João Chagas, que foi quem apresentou Homem Christo
+e Jacintho Nunes a Santos Cardoso:</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>«A entrevista não teve o menor effeito na obra que estava em via de
+realisar-se e passal-a-hiamos em claro se o facto de termos assistido a ella
+não nos permittisse formular uma impressão exacta da situação reciproca dos
+dois homens&mdash;Santos Cardoso e Homem Christo&mdash;n'esse curioso lance,
+mais tarde exposto e discutido nos tribunaes e na imprensa. Homem Christo
+entrou em casa de Santos Cardoso munido de todas as prevenções que o
+indispunham contra o director da <em>Justiça Portugueza</em>. Por seu turno,
+Santos Cardoso recebeu-o como a um inimigo.</p>
+
+<div class="ilustracao"><a name="img071"></a>
+<p><img alt="Uma carga de cavallaria." src="images/p071.png"
+style="display: block; text-align: center; margin-left: auto; margin-right: auto"
+width="100%"></p>
+
+<p>Uma carga de cavallaria.</p>
+</div>
+
+<p>«A memoria não nos soccorre de forma a podermos<span class="pn"><a
+name="pg_71" id="pg_71">{71}</a></span> reproduzir, dez annos volvidos, os
+termos exactos d'essa conferencia; mas a impressão que nos deixou e que
+subsiste no nosso espirito é de<span class="pn"><a name="pg_72"
+id="pg_72">{72}</a></span> que foi um acto sobre o qual pesou uma profunda e
+mal contida irritação. Santos Cardoso, com o seu ar fanfarrão de desafio e
+Homem Christo, com o seu duro e implacavel desdem, estavam destinados a não
+entender-se. E foi o que succedeu.</p>
+
+<p>«Como o director da <em>Justiça Portugueza</em>, pallido, mas affectando
+serenidade, a cofiar largamente a sua vasta pera, entrasse de enumerar com
+aparato aquellas forças de todas as proveniencias, que já reputava solidamente
+ao serviço da revolução, Homem Christo entrou, por seu turno, de dar evidentes
+mostras de impaciencia, menos talvez porque estivesse ali o homem que elle
+detestava, senão porque n'esse homem detestado via o paisano a mover soldados,
+que de todo o tempo irritou o espirito dos militares profissionaes. Não era
+realmente irritante que aquelle adventicio, alheio a todo o saber e a todos os
+interesses militares, se permittisse a impertinencia de dar sentenças a um
+militar de profissão, sobre o que fossem regimentos, batalhões, companhias,
+officiaes, soldados, parecendo ter a pretenção de usurpar com o seu desplante a
+soberania dos chefes militares n'esse movimento feito por sargentos que elle já
+parecia commandar?</p>
+
+<p>«Na sua cegueira, embriagado com o que suppunha já a sua obra e com o
+proprio ruido das suas palavras, Santos Cardoso não comprehendia até que ponto
+se tornava antipathico ao seu interlocutor. E proseguia inexgotavelmente,
+enunciando regimentos, guarnições, nomes de officiaes... Friamente, como quem
+se vinga, Homem Christo impoz á sua total ignorancia uma sabbatina cruel,
+reduziu-o a confessar-se em erro, em equivoco, em mentira. Santos Cardoso
+embrulhava-se, mettia os pés pelas mãos, já se agitava na sua cadeira, como
+procurando romper. É certo que, finda essa penosa entrevista, Homem Christo o
+tivesse maltratado,<span class="pn"><a name="pg_73" id="pg_73">{73}</a></span>
+atirando-lhe ao rosto o epitheto de imbecil? Não o recordamos e não cremos que
+essa palavra tivesse sido pronunciada em termos d'elle a ouvir. Os dois homens
+despediram-se mesmo com cortezia. O que recordamos com precisão é que, já na
+rua, Homem Christo disse: «Vou ali falar com alguns rapazes» e que, poucas
+horas depois, como tornassemos a encontral-o, accrescentou: «Isto não está tão
+mau como eu pensava».</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>D'ahi a alguns dias, como houvesse no Porto apprehensões sobre o valor do
+apoio que o Directorio dispensava ao movimento, João Chagas foi incumbido de ir
+a Lisboa falar a Elias Garcia. Encontrou-o no Hotel Atlantico, mas o chefe
+republicano, cauteloso e previdente, não quiz desde logo sujeitar-se á conversa
+sobre tão melindroso assumpto e, rasgando em duas metades um cartão de visita,
+entregou-lhe uma d'ellas dizendo:</p>
+
+<p>&mdash;Ás 8 horas, alguem lhe apparecerá com a outra metade d'este cartão. É
+pessoa de confiança. Pode seguil-a.</p>
+
+<p>Ás 8, com effeito, um emissario discreto conduzia João Chagas ao Directorio,
+que estava reunido em casa de Bernardino Pinheiro e, uma vez junto d'esse
+democrata, de Elias Garcia, Theophilo Braga e Sousa Brandão, o director da
+<em>Republica Portugueza</em> constatou que nenhum d'esses homens hostilisava o
+movimento. Pelo contrario. A uma pergunta directa de João Chagas, o Directorio
+respondeu que trabalhava para secundar a revolta do Porto. E no fim, apoz
+animada conversa, ficou assente que o general Sousa Brandão iria pessoalmente
+ao Norte inteirar-se, <em>de visu</em>, da situação&mdash;o que fez, na
+realidade, encontrando-se ali com os mais importantes elementos da conjura.</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Em principios de janeiro reuniu em Lisboa o<span class="pn"><a name="pg_74"
+id="pg_74">{74}</a></span> congresso do partido e os amigos de Homem Christo
+triumpharam dos de Elias Garcia. O novo Directorio, dias depois de eleito, fez
+circular pelo paiz um vigoroso manifesto em que parecia dar alento aos
+revolucionarios, apontando-lhes como unico caminho a seguir, perante o
+descalabro da monarchia, a execução immediata do plano da conjura. «No estado
+actual da crise portugueza&mdash;dizia uma passagem do manifesto, que era
+acompanhado d'um novo programma partidario&mdash;só existe uma solução
+nacional, pratica e salvadora: a proclamação da Republica. Só assim acabarão os
+interesses egoistas que nos perturbam e vendem, só assim apparecerá uma geração
+nova capaz de civismo e de sacrificios pela Patria». Mas, quasi a seguir, o
+Directorio mostrou-se como que cheio de remorsos por haver expendido doutrina
+tão francamente revolucionaria e, dedicando-se a entravar os progressos, já
+inilludiveis, da conspiração do Porto, fez publicar em 25 de janeiro uma
+circular em que dizia sem disfarce:</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>«Prevenimos os nossos correligionarios para que abandonem ao seu isolamento
+egoista qualquer grupo perturbador que anteponha á magestade dos principios o
+fetichismo de personalidades e aos interesses da propaganda as vantagens dos
+lucros economicos».</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>E concluia:</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>«Aproveitamos este ensejo para lembrar ás dignas commissões a necessidade de
+se proceder aos trabalhos do recenseamento eleitoral; e, ao mesmo tempo, que
+todas as combinações importantes para a vida do Partido serão communicadas e
+estabelecidas por um enviado especial do Directorio, evitando assim as
+intervenções discricionarias de<span class="pn"><a name="pg_75"
+id="pg_75">{75}</a></span> individualidades sem mandato, que enfraquecem toda a
+auctoridade».</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>A circular visava, como se comprehende, a tirar aos conspiradores do Porto
+«qualquer sombra de auctoridade official». E para que não restasse duvidas
+sobre a sua significação, no dia 27, os <em>Debates</em> publicavam um artigo
+de Homem Christo, intitulado <em>Uma prevenção</em>, em que se attribuia ao
+movimento o caracter d'uma <em>pavorosa</em> urdida pelo governo e se
+exclamava: </p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>«Acautelem-se, pois, os republicanos com essas manobras. Revoluções
+fazem-se. Não se dizem, nem se apregoam. Quando se dizem e quando se apregoam,
+ou é desconchavo que faz rir, ou armadilha lançada aos ingenuos e simples do
+mundo. E como ha muito ingenuo e muito simples, sempre é preciso cuidado com
+taes armadilhas e artes de tratantes. Cautela, pois».</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Homem Christo vingava-se de Santos Cardoso e outras personalidades
+implicadas no movimento, mas que lhe eram antipathicas, aggredindo-as por essa
+forma indirecta e pretendendo <em>furar</em> as probabilidades de exito que,
+porventura, caracterisassem o projecto de revolta. Antepunha á questão do
+partido uma questão de mero odio pessoal. E a esta sacrificava tudo, indo até á
+denuncia publica e formal do que se tramava na capital do Norte.</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<h1>CAPITULO XI</h1>
+
+<h2>A crise ministerial dos «vinte e sete dias»</h2>
+
+<p>Retrogrademos um pouco até á apresentação ao parlamento do tratado
+anglo-luso. Este documento,<span class="pn"><a name="pg_76"
+id="pg_76">{76}</a></span> tendo sido publicado no <em>Diario do Governo</em>
+em fins de agosto de 1890, levantara, como já dissémos n'outro ponto, enorme
+grita de hostilidade. Os jornaes da opposição classificaram-n'o acto continuo
+de: «certidão de obito passada por um diplomata funebre a uma nação narcotisada
+por dois seculos de jesuitismo e de inquisição e esterilisada por pouco mais de
+meio seculo d'um constitucionalismo dissolvente e desmoralisador». Pela
+essencia do tratado, Portugal não podia alienar os seus territorios africanos
+sem previo consentimento da Inglaterra. </p>
+
+<p>As associações mais importantes da capital pronunciaram-se altivamente
+contra a ratificação de semelhante «hypotheca feita á Grã-Bretanha».
+Convocaram-se comicios em diversas cidades do paiz, houve mesmo um no Porto
+presidido pelo africanista Alvaro de Castellões, em que os oradores, alguns
+monarchicos, tonitruaram contra o negociador do tratado, o sr. Barjona de
+Freitas; de modo que no dia em que o ministro Hintze Ribeiro se aprestou a ler
+o respectivo texto á camara dos deputados, a esquerda parlamentar acolheu as
+suas primeiras palavras com uma enorme pateada. A esta manifestação da esquerda
+corresponderam ligeiras manifestações das galerias e a maioria rompeu em
+invectivas contra a opposição, despedindo-lhe phrases como estas:</p>
+
+<p>&mdash;Fóra pulhas!...</p>
+
+<p>&mdash;Isso é indecente!... é de canalhas!</p>
+
+<p>A opposição recrudesceu na gritaria e o tumulto generalisou-se. Serpa Pinto,
+que era deputado governamental por Lisboa, subindo a uma coxia, interveiu,
+clamando com intimativa:</p>
+
+<p>&mdash;Nem mais uma palavra aqui, nem mais um pio!</p>
+
+<p>&mdash;O que? O que diz? perguntou-lhe o padre Alfredo Brandão.<span
+class="pn"><a name="pg_77" id="pg_77">{77}</a></span></p>
+
+<p>Serpa Pinto replicou:</p>
+
+<p>&mdash;Nem mais um pio, sou eu que o digo.</p>
+
+<p>O reverendo agarrou então o heroe pelas orelhas, sujeitando-o nos seus dedos
+de ferro e a desordem tomou por momentos proporções inenarraveis. Restabelecida
+a calma, o tratado foi enviado ás commissões incumbidas de lhe dar parecer.
+Naufragara decisivamente por effeito do tumulto parlamentar.</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Ao cahir da tarde, esse tumulto repercutiu-se, sangrento, nas ruas de
+Lisboa. O povo, que se agglomerara durante o dia no largo das Côrtes,
+encaminhou-se ao terminar a sessão para os lados da Esperança. A policia quiz
+dispersal-o e effectuou uma prisão que foi mal recebida pela grande massa.
+Tanto bastou para que os guardas cahissem á cutilada sobre os populares,
+travando-se lucta renhida, pois a multidão resistiu corajosamente á ferocidade
+dos janizaros. A policia, por fim, refugiou-se na esquadra de S. Bento, em
+frente das grades do largo das Côrtes e d'ali disparou os revolvers sobre o
+povo, ferindo alguns individuos e matando o operario fundidor Carlos Franco
+(<em>Antonio Pardal</em>). O cadaver do infeliz foi transportado á casa
+mortuaria da Misericordia e o povo acompanhou-o em cortejo dorido, convidando
+toda a gente que encontrava no percurso a descobrir-se ante o «martyr
+sacrificado ás iras governamentaes».</p>
+
+<p>No dia seguinte declarava-se a crise ministerial. Por espaço de vinte e sete
+dias, a corôa recorreu a todos os expedientes afim de constituir o novo
+gabinete. Pretendia-se que o momento era azado para experimentar os politicos
+que não pertenciam á rotação constitucional. De Roma veiu a toda a pressa o sr.
+Martens Ferrão, mas nada conseguiu fazer. A situação era grave, confessavam-n'o
+os<span class="pn"><a name="pg_78" id="pg_78">{78}</a></span> proprios jornaes
+monarchicos. «Estamos á mercê d'um movimento popular, que pode rebentar d'um
+instante para outro e porque a irritação publica augmenta a olhos vistos».
+Chegou-se a aventar a subida ao poder d'um ministerio de concentração, de que
+fizessem parte representantes do partido republicano. A propria imprensa
+democratica quasi que intimava os seus adeptos a tomarem conta das pastas
+vagas. No estrangeiro a Republica Portugueza annunciava-se para breve como um
+facto previsto, indiscutivel.</p>
+
+<p>A 18 de setembro repetiram-se os conflictos populares. Apoz um incidente
+motivado pela policia, no largo de Camões, de dois garotitos inoffensivos, uma
+força da guarda municipal parou em frente do Café Martinho, onde abancavam
+estudantes, jornalistas, militares, deputados, gente, emfim de todas as
+classes, e sem previo aviso desfechou sobre aquella mole desarmada, causando um
+mixto de panico e de colerico assombro nas victimas de semelhante surpreza.
+Depois, a mesma força andou em correrias selvagens pela avenida da Liberdade e
+arterias proximas, espancando quem encontrava desprevenido. Quer dizer: apesar
+de demissionario o gabinete regenerador, os serventuarios do regimen recorriam
+ao emprego da brutalidade e da selvageria para aterrorisar o povo e impedir o
+mais ligeiro gesto de censura ao regimen.</p>
+
+<p>Por fim, a crise ministerial foi resolvida com a constituição d'um gabinete
+extra-partidario da chefia do general João Chrysostomo e em que eram ministros:
+da guerra, o presidente do conselho; do reino, Antonio Candido; da justiça, Sá
+Brandão; da fazenda, Mello Gouveia; da marinha, Antonio Ennes; das obras
+publicas, Thomaz Ribeiro; dos estrangeiros, Barbosa du Bocage. Mas esta solução
+dada pela corôa á situação politica do momento não logrou aquietar os animos e
+as primeiras<span class="pn"><a name="pg_79" id="pg_79">{79}</a></span>
+providencias decretadas pelo novo governo nada mais conseguiram do que
+intensificar os odios que o throno já concitára á sua volta, e no paiz
+inteiro.</p>
+
+<div class="ilustracao" style="float: right;"><a name="img079"></a>
+<p><img alt="Fotografia de Rodrigues de Freitas" src="images/p079.png"
+style="display: block; text-align: center; margin-left: auto; margin-right: auto"></p>
+
+<p>Rodrigues de Freitas (1891)</p>
+</div>
+
+<p>Iniciaram-se perseguições á imprensa e, para dar satisfação ás reclamações
+inglezas sobre a rejeição do tratado de 20 de agosto, approvou-se um
+<em>modus-vivendi</em>, pelo qual Portugal concedia á Grã-Bretanha a liberdade
+de navegação no Chire e no Zambeze. Pela mesma época fundou-se a chamada
+<em>Liga Liberal</em>, partido em que preponderou o sr. Augusto Fuschini e que
+teve uma aura de sympathia, dadas as suas apparencias revolucionarias. Falhou
+quasi a seguir, porque não passava, afinal, d'uma liga de concentração de
+interesses conservadores. No emtanto, a agitação popular ia crescendo,
+crescendo sempre, a conspiração do Porto alargava mais e mais a importancia e o
+numero de adhesões e nos fins de dezembro de 1890 já se perguntava sem disfarce
+e em voz alta quando rebentava a revolta. A mocidade das escolas fremia de
+impaciencia e de indignação. Guerra Junqueiro publicara o seu <em>Finis
+Patriæ</em> e as estrophes da bella poesia resoavam a todos os ouvidos como
+notas vibrantes d'um canto guerreiro.<span class="pn"><a name="pg_80"
+id="pg_80">{80}</a></span></p>
+
+<p>Em certa altura, Alves da Veiga apresentou-se em Lisboa e, ás advertencias
+do novo Directorio, que lhe fez sentir a inopportunidade do movimento em plena
+preparação effervescente, respondeu que da melhor vontade se esforçaria por
+addial-o, mas que tal empreza não era facil, porque a excitação dos elementos
+militares portuenses não admittia delongas. E, a comprovar-lhe a affirmativa,
+deu-se um facto que marcou por assim dizer a data da revolução, apressando-a,
+ou melhor, precipitando-a. Referimo-nos a uma reunião de sargentos da guarnição
+do Norte, effectuada a 24 de janeiro de 1891, n'uma casa da rua do Laranjal.
+Essa reunião foi provocada por um acto do ministro da guerra, que descontentou
+sobremaneira a classe. Os sargentos vinham desde muito reclamando, por
+intermedio do seu orgão especial, contra a forma de promoção; e as suas
+reclamações assumiram feição mais aggressiva, quando a ordem do exercito
+publicada em 17 de janeiro de 1891 inseriu a promoção ao posto de alferes de
+trez aspirantes,&mdash;promoção contraria á lei, visto que por ella deviam
+beneficiar dois aspirantes e um 1.º sargento.</p>
+
+<p>O orgão da classe transpareceu logo esse descontentamento e um grupo de
+sargentos da guarnição do Porto divulgou um protesto em que se dizia com toda a
+clareza:</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>«Camaradas!</p>
+
+<p>«Nós temos sido a pella de brinquedo dos governos nos ultimos tempos e o
+nosso bom nome clama com energia para que termine este ultrage. Ha pouco era um
+ministerio que, tendo-nos constantemente illudido com a promessa de augmento de
+vencimento, só quando foi invadido pelo terror da agonia é que se lembrou de
+que nós podiamos ser seu sustentaculo, e por isso tentou corromper-nos,
+sacudindo nas nossas faces as migalhas da toalha<span class="pn"><a
+name="pg_81" id="pg_81">{81}</a></span> do orçamento. Agora é um gabinete
+presidido por um general, que nós ingenuamente consideravamos nosso protector,
+nosso amigo solicito e desvelado, que, tendo-nos promettido a escala de
+promoção por antiguidade do curso, se curva ante as exigencias de uma
+aggremiação politica em que militam muitos officiaes da arma scientifica,
+respondendo com despreso á nossa ardente... e jubilosa expectativa.</p>
+
+<p>«Unamo-nos todos: que haja uma só voz, um só pensamento, uma só vontade! Só
+assim nos poderemos vingar impondo a nossa força e fazendo prevalecer os nossos
+direitos contra a perfidia dos nossos <em>amigos</em>. Desviemos os olhos
+d'este monturo pestilento, que exhala miasmas que nos asphyxiam e volvamol-os
+para a alvorada que desponta no horisonte social... Tomemos as armas nas mãos,
+e com fé e enthusiasmo saudemos o futuro, que elle minorará a nossa sorte
+ingrata.»</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Ao mesmo passo, tres sargentos-ajudantes da guarnição de Lisboa redigiam e
+faziam imprimir a minuta d'uma petição que enviaram a todos os corpos de
+infantaria e caçadores, a fim de ser assignada individualmente pelos
+1.<sup>os</sup> sargentos d'esses corpos e remettida ao parlamento. A petição
+solicitava que a promoção continuasse a ser regulada na razão de um terço das
+vacaturas que occorressem no posto de alferes.</p>
+
+<p>Recebido no Porto esse documento, os sargentos da guarnição apressaram-se a
+reunir para o apreciar.<span class="pn"><a name="pg_82"
+id="pg_82">{82}</a></span></p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<h1>CAPITULO XII</h1>
+
+<h2>«E as armas que nos foram entregues para defeza das instituições,
+voltal-as-hemos contra ellas»</h2>
+
+<p>Á reunião na casa da rua do Laranjal&mdash;casa habitada por um individuo da
+intimidade de Santos Cardoso&mdash;presidiu o alferes de caçadores 9, Simões
+Trindade, homem da absoluta confiança da classe e que com ella cooperava no
+movimento da revolta. Mas os sargentos presentes, não se contentando com o
+subscreverem individualmente a petição enviada de Lisboa, foram mais longe:
+approvaram a minuta d'um verdadeiro <em>ultimatum</em>, ameaçando o governo com
+a sedição caso elle não respeitasse a lei no tocante ás promoções. A ameaça
+continha entre outras esta phrase: «...<em>e as armas que nos foram entregues
+para defeza das instituições voltal-as-hemos contra ellas</em>».</p>
+
+<p>O sargento-ajudante de infanteria 18 Arthur Ferreira de Castro, que tambem
+tomara parte na reunião, conseguiu obter copia do documento e entregou-o ao
+capitão do mesmo regimento Alexandre Sarsfield, que, por sua vez, o passou ao
+coronel Lencastre de Menezes. Estava denunciado o proposito dos sargentos e não
+tardou que o ministerio da guerra, tendo conhecimento minucioso do que se
+discutira na assembléa da rua do Laranjal e de posse de uma lista de officiaes
+inferiores que a ella tinham assistido, desatasse a transferir quantos se lhe
+affiguravam suspeitos de republicanismo.</p>
+
+<p>Quer dizer: a traição do sargento-ajudante Arthur Ferreira de Castro não só
+revelou ao governo a existencia da conspiração como, provocando as immediatas
+represalias, contribuiu directamente para que os revolucionarios apressassem a
+sua sahida<span class="pn"><a name="pg_83" id="pg_83">{83}</a></span> e a
+levassem a cabo em condições bastante tumultuarias. «Sem a denuncia do sargento
+Castro&mdash;affirma uma testemunha dos acontecimentos&mdash;os sargentos do
+Porto não se teriam precipitado e a revolta, que se daria um mez ou dois mais
+tarde, teria tido provavelmente um chefe militar, um estado maior bem mais
+numeroso, um plano mais intelligente e, seguramente, uma maior e mais vasta
+repercussão. Não seria, então, uma revolta: seria uma revolução, incendiando
+pelo menos metade do paiz e á qual era de presumir que a outra metade
+adherisse, dada a disposição geral dos espiritos para uma transformação
+politica, que um grande numero reputava indispensavel e que os outros
+acceitariam sem protesto. Assim, foi um homem, um homem só, obscuro,
+desconhecido, vindo do anonymato e da treva, que subverteu a obra da redempção
+do anno de 91, entravando a evolução politica da nação, fazendo parar com seus
+fracos pulsos a ideia que já se precipitava na gloria de um futuro talvez
+maravilhoso, mergulhando&mdash;quem sabe?&mdash;a bella Patria portugueza na
+desesperação de um incerto destino ou de um outro, porventura, funestamente
+irremediavel».</p>
+
+<p>Ordenadas as transferencias de sargentos compromettidos no movimento, todos
+elles foram procurar Santos Cardoso e instaram energicamente para que se não
+addiasse por mais tempo a sua eclosão. Santos Cardoso entendeu-se com o dr.
+Alves da Veiga e este, convencendo-se de que não havia maneira de protelar a
+revolta embora inopportuna, tratou de, em curto espaço, ultimar os preparativos
+dando certa unidade aos elementos que, fora do Porto, o deviam secundar no
+momento decisivo. Santos Cardoso ainda tentou um derradeiro esforço junto dos
+sargentos mais exaltados, mas estes, vendo nas evasivas do director da
+<em>Justiça Portugueza</em> um receio injustificado, puzeram a<span
+class="pn"><a name="pg_84" id="pg_84">{84}</a></span> questão n'estes termos:
+«Se no dia 30 de janeiro não resolverem fazer a revolução, sahiremos para a rua
+á frente dos soldados».</p>
+
+<p>Não havia que hesitar. No dia 30, Santos Cardoso e o dr. Alves da Veiga
+decidiram o general reformado da arma de engenharia Correia da Silva a tomar a
+direcção do movimento, mas o general só acceitou o encargo «até ao momento em
+que algum official superior, em effectivo serviço, apparecesse a assumir o
+commando das tropas revoltadas ou ainda se os officiaes que se apresentassem á
+frente d'essas tropas concordassem em que fosse elle o chefe».</p>
+
+<p>D'ahi a uma hora, effectuou-se uma reunião em casa d'uns parentes do
+general, na rua de Malmerendas, reunião para que foram convocados todos os
+officiaes adherentes e os individuos da classe civil destinados á execução do
+plano revolucionario. Á mesma hora realisava-se n'uma casa da rua da Alegria
+uma reunião de cerca de setenta sargentos e estes, receiando que o general
+Correia da Silva opinasse pelo addiamento da revolta, foram á rua de
+Malmerendas demovel-o d'esse proposito.</p>
+
+<p>O general ouviu-os e, por fim, concordou-se em que o movimento rebentaria na
+madrugada. Faltava discutir o plano revolucionario. Para isso marcou-se nova
+reunião, ás 10 da noite, na rua de Santa Catharina. Talvez n'ella comparecesse
+maior numero de officiaes, visto que nem todos os compromettidos tinham
+recebido o respectivo aviso e a primeira reunião na rua de Malmerendas
+caracterisara-se pela falta de muitos d'esses elementos.</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>«Para aproveitar o tempo que decorria até se realisar essa reunião,
+entendera o general, bem como o dr. Alves da Veiga, que fossem procurados
+alguns officiaes de superior graduação, convidando-os<span class="pn"><a
+name="pg_85" id="pg_85">{85}</a></span> a comparecer em casa d'um conhecido
+negociante do Porto. Esses officiaes eram o coronel, o tenente-coronel e um
+major de caçadores 9, que se recusaram a acceder ao convite. Lembrou-se, em
+vista da recusa d'estes, o nome d'outro official, que, sem ter uma graduação
+superior, era comtudo muito estimado entre os seus camaradas e gosava de um
+notavel prestigio entre os seus subordinados. Este alvitre, porém, não foi
+aceito; por consequencia, o general Correia da Silva ficaria, até ulterior
+resolução e dependendo isso das circumstancias occorrentes, com o commando em
+chefe das tropas revolucionarias».</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Ás 10 da noite, na reunião da rua de Santa Catharina compareceram apenas o
+general, o dr. Alves da Veiga, Santos Cardoso, diversos civis, alguns
+sargentos, o capitão Leitão e um alferes da guarda fiscal. Os outros officiaes
+compromettidos não compareceram, ou, melhor, não foram convidados a comparecer.
+Durante alguns instantes, o general e o capitão Leitão discutiram o plano
+revolucionario. O primeiro entendia que as tropas deviam concentrar-se na praça
+da Batalha e tomar desde logo posse do quartel general, do governo civil e do
+telegrapho, cujos edificios estão reunidos n'aquelle local. O capitão Leitão
+desejava que a concentração se fizesse no campo de Santo Ovidio e contrariava a
+indicação do general, porque, dizia, os revolucionarios necessitavam antes de
+tudo vencer uma difficuldade: a da sahida do quartel do regimento de infantaria
+18. A respectiva officialidade, quasi toda residindo dentro do edificio, fôra,
+decerto prevenida, do proposito dos sargentos pela denuncia do traidor Castro e
+trataria de oppôr-se a que elles sublevassem as praças. Por conseguinte, só com
+a presença dos outros corpos nas immediações do quartel é que infantaria 18
+poderia, quebrando<span class="pn"><a name="pg_86" id="pg_86">{86}</a></span>
+os laços da disciplina, cooperar na insurreição. Quanto ao quartel general, os
+revoltosos contavam que o sargento commandante da guarda o submetteria sem
+difficuldade.</p>
+
+<p>O general Correia da Silva insistiu mais do que uma vez na superioridade do
+seu plano estrategico, mas Santos Cardoso, collocando-se ao lado do capitão
+Leitão, fez vingar a ideia de se effectuar a concentração das tropas no campo
+de Santo Ovidio. Assentou-se tambem em que alguns dos civis presentes
+procederiam á detenção das auctoridades governamentaes, mas com a condição de
+não exercerem sobre ellas a menor violencia, salvo se isso se tornasse
+absolutamente indispensavel ao bom exito da causa. Do mesmo modo se deveria
+proceder para com os officiaes que se não solidarisassem desde logo com o
+movimento. Por ultimo: o general Correia da Silva só seria chamado ao campo de
+Santo Ovidio, se depois das tropas ali concentradas não apparecessem a
+commandal-as officiaes d'uma certa graduação.</p>
+
+<p>Dissolvida a reunião, o dr. Alves da Veiga e outros conjurados
+encaminharam-se para a loja maçonica o <em>Gremio Independencia</em>, d'onde
+deviam lançar as ordens necessarias para a execução do plano pouco antes
+delineado. A essa hora, no Porto, a noticia de que dentro em pouco rebentaria a
+revolta já se divulgara o bastante para que a maioria da população a não
+ignorasse. Mostra-o o depoimento do ex-tenente Coelho, consignado no livro que
+escreveu de collaboração com João Chagas. Vamos transcrevel-o, porque evidencia
+egualmente a precipitação com que, chegado o momento decisivo, se tocou a
+reunir nos arraiaes revolucionarios:</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>«Entrando o tenente Manuel Coelho, por um mero acaso, na noite de 30 no Café
+Central, que<span class="pn"><a name="pg_87" id="pg_87">{87}</a></span> era
+então um verdadeiro foco de conspiração, veiu a saber que se preparava a
+revolução para a madrugada immediata de 31 em circumstancias que é conveniente
+registar. Depois de haver trocado algumas palavras com um seu camarada, tomou
+assento a uma das mezas do café. D'ahi a pouco acercou-se-lhe o dr. João
+Novaes, que lhe disse:</p>
+
+<div class="ilustracao"><a name="img087"></a>
+<p><img alt="Levantando os feridos" src="images/p087.png"
+style="display: block; text-align: center; margin-left: auto; margin-right: auto"
+width="100%"></p>
+
+<p>Levantando os feridos</p>
+</div>
+
+<p>«&mdash;Já sabes que a revolução se projecta para a madrugada?</p>
+
+<p>«&mdash;Não, respondeu-lhe; e até me surprehende muito a noticia, porque o
+capitão Leitão me viu no quartel e de nada me falou.</p>
+
+<p>«&mdash;Pois toda a gente diz isso ahi á bocca cheia. Sabem-n'o todos, até
+mesmo a policia.</p>
+
+<p>«&mdash;Não sei de nada, e quer-me parecer que, se a noticia tivesse algum
+fundamento, certamente eu teria sido procurado.</p>
+
+<p>«&mdash;Tens razão, com effeito, replicou o dr. João Novaes; mas corre o
+boato com tal insistencia que<span class="pn"><a name="pg_88"
+id="pg_88">{88}</a></span> me parece que elle tem fundamento. Mas eu vou já
+sabel-o; vou falar ao dr. Alves da Veiga.</p>
+
+<p>«O dr. João Novaes sahiu. Pouco depois entravam no Café Central o tenente da
+cavallaria 6 Vaz Monteiro, destacado no Porto, e o tenente Margarido de
+cavallaria da guarda municipal. Aquelle veiu immediatamente sentar-se junto de
+Manuel Coelho, acercando-se de ambos este ultimo, que, logo depois de
+cumprimentar, disse:</p>
+
+<p>«&mdash;Então sabes o que para ahi corre?... Diz-se que n'esta madrugada se
+vae fazer uma revolução republicana.</p>
+
+<p>«&mdash;Não ouvi ainda falar de tal.</p>
+
+<p>«E a rir replicou:</p>
+
+<p>«&mdash;Ah! que tu tambem estás compromettido!</p>
+
+<p>«&mdash;Não, não sei de nada, podes crêr...</p>
+
+<p>«E explicou que, se sabia a noticia, era por causa do impedido d'um official
+de infantaria 18 que o dissera no quartel a outras praças d'aquelle regimento.
+Passados momentos, entrava de novo o dr. João Novaes, que aproveitou o ensejo
+para dizer que, com effeito, estava plenamente confirmado o boato e que o dr.
+Alves da Veiga lhe affirmara que a revolução se iniciaria ás 3 horas da manhã,
+com a sahida dos corpos revoltados. Entretanto, iam conversando Manoel Coelho e
+os tenentes Vaz Monteiro e Margarido, em assumpto differente d'aquelle que
+primeiro abordaram.</p>
+
+<p>«Eram já dez e meia da noite e os freguezes do café começavam a rarear.
+Preparava-se Manuel Coelho para sahir, quando notou que, do guarda-vento
+envidraçado do café, um individuo, que apenas havia entrevisto, uma por outra
+vez, falar com o capitão Leitão, lhe fazia signal de querer transmittir-lhe
+qualquer communicação. Approximou-se d'esse individuo, que lhe disse:</p>
+
+<p>«&mdash;O sr. capitão Leitão manda-me aqui para dizer a V. que deseja
+falar-lhe.<span class="pn"><a name="pg_89" id="pg_89">{89}</a></span></p>
+
+<p>«&mdash;A mim? Sabe quem sou?</p>
+
+<p>«&mdash;É o sr. tenente Coelho, não é verdade?</p>
+
+<p>«&mdash;Com effeito. E onde está o sr. capitão Leitão?</p>
+
+<p>«&mdash;No <em>Gremio Independencia</em>. Se o consente, acompanho-o. </p>
+
+<p>«Seguiram os dois. As ruas estavam inundadas e a chuva persistente fazia
+caminhar rapidamente. Emfim, chegaram á rua Fernandes Thomaz, esquina da rua de
+Santa Catharina, tendo atravessado por uma das ruas lateraes do mercado do
+Bolhão. Subiram a longa escadaria do edificio onde estava installado o
+<em>Gremio Independencia</em> e penetraram n'uma sala do segundo andar, onde
+estava reunido um grande numero de individuos. Eram os irmãos d'esse gremio,
+que tinham sido convocados pelo dr. Alves da Veiga, com o fim de encobrir a
+concorrencia áquella casa, de outras pessoas estranhas á associação. </p>
+
+<p>«Á volta do bilhar, jogando, andavam dois homens, um dos quaes era o capitão
+Leitão, trajando á paisana: grosso jaquetão de pelles, calça clara unida á
+perna e chapéo desabado. No nariz, a sua luneta de vidros escuros, que elle
+usava, mais que por outro motivo, pela necessidade de occultar a fixidez do
+olho direito immobilisado, quasi completamente, pela paralysia dos musculos da
+face. Muito embaraçado, olhou em redor e disse:</p>
+
+<p>«&mdash;O dr. Alves da Veiga está lá em baixo; vamos falar-lhe.</p>
+
+<p>«Depôz o taco e desceram ao primeiro andar. N'um pequeno gabinete interior,
+cuja forma se approximava do symbolico triangulo, encontravam-se, cada um
+sentado á sua meza, Santos Cardoso e o dr. Alves da Veiga. Em pé, e como
+esperando ordens, estava um homem ainda novo, pequeno bigode, quasi um buço
+sombreando-lhe o labio, grandes olhos vivos que pareciam prestes a sahir das
+orbitas, estatura menos que meã, largos hombros,<span class="pn"><a
+name="pg_90" id="pg_90">{90}</a></span> busto amplo, poisando em pernas
+robustas; era Annibal Cunha, então cabo de infantaria 18, estudante da Escola
+Polytechnica. O dr. Alves da Veiga estava com um lapis pondo signaes em frente
+dos nomes registados no <em>Almanach Commercial</em> e designados sob a
+rubrica&mdash;<em>Regimento de infantaria n.º 10</em>.</p>
+
+<p>«&mdash;É certo, perguntou Manuel Coelho, o que por ahi corre, da projectada
+revolução para esta madrugada?</p>
+
+<p>«Sim, era certo; não tinha podido ser de outro modo. Santos Cardoso, do
+lado, affirmou com superioridade:</p>
+
+<p>«&mdash;Estou a fazer os avisos.</p>
+
+<p>«Com effeito, em cartões de visita, com o seu nome, escrevia&mdash;<em>pede
+a V. para comparecer ás 3 da madrugada no campo da Regeneração</em>. E mettia
+depois esses cartões em envelopes nos quaes escrevia o nome d'um official,
+entregando-os a Annibal Cunha.</p>
+
+<p>«O tenente Manuel Coelho retirou-se preoccupado. As circumstancias não eram
+de natureza a fazer-lhe acreditar n'um triumpho. Todavia, era forçoso acceitar
+os factos como elles se apresentavam. Era tarde para discutir e inopportuno
+desobedecer».</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Emquanto no <em>Gremio Independencia</em> se passava isto que acabamos de
+transcrever, varios republicanos em destaque, reunidos n'um gabinete do Café
+Suisso, preparavam o manifesto que desde o inicio da revolta seria lançado:
+<em>Aos camaradas do Norte e Sul de Portugal; aos cidadãos do Porto; aos
+cidadãos portuguezes!</em> Esse manifesto, composto e impresso na typographia
+da <em>Republica Portugueza</em>&mdash;e cujos exemplares foram destruidos ao
+ser um facto a derrota dos insurrectos&mdash;principiava assim:<span
+class="pn"><a name="pg_91" id="pg_91">{91}</a></span></p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>«A força militar do Porto acaba de dar por findo o reinado do sr. D. Carlos
+de Bragança. Proclamou a Republica. Não se trata d'uma simples, d'uma
+transitoria revolta. Foi uma revolução que se fez».</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Expunha a seguir, a traços largos, a situação do paiz, <em>situação
+aviltante, deshonrosa, receiante</em>. Era um documento em que cada um dos
+convivas d'essa historica ceia no Café Suisso puzera a sua «nota pessoal,
+philosophica, ou anedoctica» e que surgira dos commentarios calorosos,
+apaixonados, sobre o resultado do movimento que não tardaria a rebentar.</p>
+
+<p>Mas, emquanto os conspiradores davam a ultima demão aos preparativos da
+revolta, as auctoridades civis e militares tomavam conhecimento d'uma parte do
+plano concebido e concertavam os meios de o inutilisar. Ás 7 da noite de 30, um
+amigo do governador civil, Joaquim Taibner de Moraes, tendo ouvido a dois
+sargentos que infantaria 18 se insurreccionaria na madrugada de 31 «por causa
+da transferencia d'um sargento ajudante», foi avisal-o do caso e aquella
+auctoridade dirigiu-se immediatamente ao quartel do Carmo, a prevenir o
+commandante da guarda municipal.</p>
+
+<p>A conferencia foi rapida. N'ella ficou assente que o commandante da guarda
+concentraria, sem grande apparato, toda a força de que pudesse dispôr e que
+mandaria vigiar de perto os outros quarteis militares dados como suspeitos.
+Combinado isto, o governador civil e o commisario da policia procuraram o
+commandante interino da divisão&mdash;o general Scarnichia marchara pouco antes
+para Lisboa&mdash;e esse commandante foi, em pessoa, ao quartel de infantaria
+18, onde, em face das suas ordens, todos os officiaes passaram a exercer a
+maior vigilancia nas respectivas companhias, «aguardando o que de anormal se
+preparava».<span class="pn"><a name="pg_92" id="pg_92">{92}</a></span></p>
+
+<p>Por outras palavras: á meia noite de 30, as auctoridades civis e militares
+do Porto sabiam perfeitamente o que estava planeado e repousavam descançadas,
+suppondo ter providenciado de modo a impedir qualquer tentativa de sedição.
+Comtudo é curioso registar que essas providencias se haviam limitado á policia
+civil, á guarda municipal e ao regimento de infantaria 18 e que aos
+commandantes de infantaria 10 e caçadores 9 nada fôra communicado ou
+transmittido que lhes revelasse <em>officialmente</em> o proposito dos
+revolucionarios.</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<h1>CAPITULO XIII</h1>
+
+<h2>Vinte annos apoz a derrota...</h2>
+
+<p>A manhã do dia 30 surgira nevoenta, tristonha, açoitada pelo vento agreste
+do inverno. D'ahi até a noite alta, a chuva cahiu a espaços inundando a cidade
+e afastando das ruas do Porto a massa de transeuntes. João Chagas, encurralado
+na cadeia da Relação, recebera á tarde a visita de Alves da Veiga, que sombrio
+e preoccupado lhe dissera, falando do movimento prestes a rebentar:</p>
+
+<p>&mdash;Vae ser desastroso...</p>
+
+<p>&mdash;Evite.</p>
+
+<p>&mdash;É tarde...</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Ao começo da noite, os soldados de guarda á cadeia e que estavam no segredo
+da conspiração foram despedir-se de João Chagas:</p>
+
+<p>&mdash;Vimos dizer-lhe adeus... até logo.</p>
+
+<p>&mdash;Até logo.</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Que se passou depois? Fala o brilhante jornalista, confiando ao auctor
+d'esta narrativa as suas impressões da madrugada tragica:<span class="pn"><a
+name="pg_93" id="pg_93">{93}</a></span></p>
+
+<p>«Já decorreram vinte annos sobre a derrota... Na vespera á noite, assim que
+a treva obscureceu o ambiente, começaram para mim horas inquietas e
+perturbadas. Sabia que a insurreição devia rebentar ás tres da madrugada. Tirei
+o relogio do bolso. Eram oito horas. Distrahi-me em coisas futeis, bebi café e
+fumei como um desesperado. Ainda, como distracção e talvez para surprehender
+mais facilmente o primeiro rumor d'essa arrancada decidida contra a monarchia,
+abri a janella. A noite, humida, afogava a cidade. Houve um instante, já quando
+se approximava a hora marcada para o rebentar do movimento, que suppuz
+aperceber o barulho de carros á desfilada...</p>
+
+<p>«Ás duas e meia, gelado pelo frio, comprehendi que se fazia um silencio
+magestoso, o silencio do somno pesado. Mas d'ahi a pouco levantou-se um clamor
+enorme e distingui gritos, brados, vivas, vozes confusas, retinir d'armas.
+Depois, uns minutos de treguas, minutos terriveis de anciedade e, <em>perto de
+mim</em>, o passo cadenciado d'uma força militar... Eu, que não resava, fiz
+<em>in mente</em> uma grande e ferverosa prece <em>por elles</em>. A força não
+tardou a desapparecer e voltou a agitar-me a persuasão de que tudo recahira em
+tranquilidade absoluta. Os minutos escoaram-se dolorosissimos, augmentando a
+minha impaciencia, aguçando a minha ignorancia do que occorria. Cheguei a ter a
+impressão de que essa guarda-avançada dos insurrectos se submettia
+completamente e que a mesma noite que a vira nascer a veria sepultar. Horrivel
+e febril essa hesitação do meu espirito, sem outro horizonte que uma neblina
+glacial, torturante e a galhofa das sentinellas que vigiavam o meu carcere.</p>
+
+<p>«A fadiga e a commoção prostraram-me. Exhausto, renunciei a saber, a
+indagar, a prescrutar. Tombei no leito, fechei os olhos e dormi. Quando
+despertei, era manhã clara. A nevoa dissipara-se e a cidade<span class="pn"><a
+name="pg_94" id="pg_94">{94}</a></span> surgia cheia de luz. Corri á janella. O
+socego parecia completo. O dia annunciava-se lindo, calmo. Mas não tardou que
+um homem de quem me não lembro o nome, entrando na cella, me communicasse que a
+revolução estava na rua, e, seguindo-o e enfiando a cabeça por umas grades de
+ferro, presenciei effectivamente um dos episodios do combate. O movimento
+estava realmente no seu auge. A fuzilaria crescia de minuto para minuto.
+Convencido do triumpho, preparei-me para a sahida da cadeia... Não tardariam
+decerto a vir-me buscar.</p>
+
+<p>«O resto é por demais sabido. Ao começo da tarde, a bandeira revolucionaria,
+que até então tremulara no edificio da Camara, desappareceu com o estrondear do
+canhão. Esse trapo, que era a minha esperança, sumira-se após um tiroteio
+pavoroso, encarniçado. Ao declinar do dia, tive a sensação da derrota. Sobre a
+cidade cahia verdadeira mortalha. Tornei de novo a estender-me no leito, dormi
+doze horas sem interrupção e, quando despertei, reconheci-me excellentes
+disposições para affrontar a tempestade que ia desencadear-se, impiedosamente,
+sobre a minha cabeça...»</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Vejamos o que á mesma hora succedia em Coimbra, onde, como em Santarem e
+outras cidades do paiz, a organisação revolucionaria portuense contava um
+auxilio efficaz.</p>
+
+<p>Resolvido que a sedição se iniciaria ás 3 da madrugada de 31, Alves da Veiga
+mandou a Coimbra Ricardo Severo com o encargo de communicar a Silvestre Falcão:
+«que estivessem todos a postos, mas que só sahissem em armas quando recebessem
+um telegramma em cifra, isto para evitar impulsos temerarios.» Ricardo Severo
+desempenhou-se cabalmente da missão e ás 10 da noite reuniam cerca de setenta
+rapazes na casa dos Arcos do Jardim, onde moravam, alem de Silvestre Falcão,
+Augusto<span class="pn"><a name="pg_95" id="pg_95">{95}</a></span> Barreto,
+Guilherme Franqueira e Fernando Brederode.</p>
+
+<p>Em primeiro logar, a assembleia nomeou um <em>comité</em> dirigente, que
+ficou constituido por Silvestre Falcão, Pires de Carvalho, Augusto Barreto,
+Barbosa de Andrade e Antonio José d'Almeida. Depois, Malva do Valle foi alugar
+o telegrapho, para se conservar até de manhã por conta do <em>comité</em> e
+operou-se a juncção do elemento academico com os outros revolucionarios de
+Coimbra, combinando-se por ultimo o seguinte:</p>
+
+<div class="ilustracao" style="float: right;"><a name="img095"></a>
+<p><img alt="Fotografia de José Sampaio (Bruno)" src="images/p095.png"
+style="display: block; text-align: center; margin-left: auto; margin-right: auto"></p>
+
+<p>José Sampaio (Bruno) (1891)</p>
+</div>
+
+<p>Logo que Silvestre Falcão recebesse na Alta o telegramma cifrado de Alves da
+Veiga, dez ou doze estudantes desceriam a ladeira do Pio até á parte posterior
+do quartel de infantaria 23, onde receberiam as armas e as munições destinadas
+a armar os conspiradores. Em seguida todos elles atravessariam a cidade,
+descendo pelo Quebra-Costas e a rua Visconde da Luz até o quartel. Ahi bastaria
+uma manifestação ao regimento, que, á voz dos sargentos revoltados, viria para
+a rua em sedição. Removidos todos os obstaculos que, porventura, se
+apresentassem á execução do plano, os conspiradores<span class="pn"><a
+name="pg_96" id="pg_96">{96}</a></span> iriam depôr a sua obra nas mãos de José
+Falcão, que, informado de tudo, horas antes, puzera o seu esforço ao serviço da
+Republica.</p>
+
+<p>Um dos estudantes ainda lembrou a conveniencia de se destacarem grupos
+armados para junto das residencias dos officiaes do 23, a fim de lhes
+embargarem o passo, caso pretendessem sahir em direcção ao quartel, mas
+Silvestre Falcão ponderou que isso era perigoso e podia provocar uma série de
+assassinios e a assembleia revolucionaria decidiu «caminhar temerariamente,
+lançando o exito da empreza aos azares da guerra».</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Até á manhã clara, os estudantes conservaram-se reunidos na Alta esperando o
+telegramma do dr. Alves da Veiga. Mas o telegramma não chegou e assim que todos
+elles adquiriram a convicção de que o movimento do Porto fôra mal succedido,
+dispersaram desalentados, ainda que dispostos, no intimo, a renovar mais tarde
+a audaciosa tentativa.</p>
+
+<p>E muitos d'elles a renovaram com effeito. As datas de 28 de janeiro e 4 e 5
+de outubro, trouxeram á evidencia uma boa porção dos nomes dos academicos
+conspiradores de 1891.</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<h1>CAPITULO XIV</h1>
+
+<h2>A alvorada triumphante: caçadores 9 inicia o movimento</h2>
+
+<p>Duas da madrugada...</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Terminada a reunião na rua de Santa Catharina, os sargentos da guarnição
+portuense que a ella tinham assistido dirigiram-se aos seus quarteis e
+tomaram<span class="pn"><a name="pg_97" id="pg_97">{97}</a></span> desde logo
+as providencias necessarias para a sahida das forças no momento opportuno,
+preparando-a de modo que á rapidez de execução se alliasse o affastamento da
+intervenção de qualquer official que, pelo seu prestigio, conseguisse
+contrariar a revolta.</p>
+
+<p>Caçadores 9 foi o primeiro regimento a dar o signal da sedição. As
+companhias formaram na parada do quartel sob o commando dos sargentos e
+emquanto dois d'elles, Galho e Bandarra, e algumas sentinellas procuravam
+impedir que o coronel Malheiro, o official de inspecção e o tenente ajudante
+saissem dos aposentos e se mostrassem aos soldados, o 1.º sargento Abilio<sup><a href="#fna" name="mfna">[A]</a></sup>
+soltou o primeiro grito de <em>Viva a Republica</em>!&mdash;calorosamente
+repetido por todos os seus subordinados. Entretanto, apesar de todas as
+precauções tomadas pelos revoltosos,<span class="pn"><a name="pg_98"
+id="pg_98">{98}</a></span> o coronel e o tenente-ajudante appareceram na parada
+e o coronel, dirigindo-se ao 1.º sargento, exprobou-lhe em phrases paternaes a
+sua attitude:</p>
+
+<p>&mdash;Tambem você, Abilio... e eu... que era tão seu amigo!</p>
+
+<p>&mdash;Meu coronel&mdash;respondeu o interpellado&mdash;v. ex.ª dar-nos-hia
+grande prazer se viesse commandar o regimento.</p>
+
+<p>&mdash;Isso não...</p>
+
+<p>&mdash;Nesse caso, v. ex.ª fica e nós sahimos.</p>
+
+<p>O tenente-ajudante chorava que nem uma creança e pedia a todos os sargentos
+que desistissem da sua audaciosa sortida, empregando os maiores esforços n'esse
+sentido. O coronel Malheiro ainda tentou falar ao regimento, para o demover do
+seu proposito e por ultimo exclamou para o 1.º sargento Norberto, que, como
+mais antigo, commandava o corpo:</p>
+
+<p>&mdash;Mande retirar essa gente para as casernas!</p>
+
+<p>&mdash;Agora já é tarde, meu coronel; não pode ser...</p>
+
+<p>E logo a seguir, o mesmo 1.º sargento deu as vozes do estylo:</p>
+
+<p>&mdash;<em>Direita volver, ordinario marche</em>...</p>
+
+<p>A intervenção do coronel Malheiro falhara por completo.</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Caçadores 9, sahindo do quartel, subiu em boa ordem a rua de S. Bento e
+dirigiu-se á cadeia da Relação, onde estacou. A guarda á cadeia, fornecida por
+aquelle corpo, era commandada pelo alferes Malheiro. Desde que nenhum dos
+officiaes, conhecidos como republicanos, que estavam dentro do quartel, tinha
+querido assumir o commando do regimento, os sargentos lembraram-se durante o
+trajecto de o offerecer áquelle subalterno, que sabiam tambem professar ideias
+democraticas. E um<span class="pn"><a name="pg_99" id="pg_99">{99}</a></span>
+d'elles, abeirando-se da porta da casa da guarda, gritou para dentro:</p>
+
+<p>&mdash;Ó sr. Malheiro, venha d'ahi...</p>
+
+<p>O alferes não sahiu e a mesma voz tornou a insistir:</p>
+
+<p>&mdash;Ó sr. Malheiro, tome o commando do regimento, porque o official de
+inspecção não quiz acompanhal-o...</p>
+
+<p>O alferes então accedeu ao convite e voltando-se para o sargento da guarda
+recommendou-lhe que vigiasse bem o edificio da cadeia, não fossem os presos
+aproveitar o ensejo para se evadirem. Ninguem se lembrou, n'esse momento, que
+lá dentro estava João Chagas e que era natural gosasse immediatamente da
+liberdade para collocar o seu nome, o seu talento, o seu esforço individual e a
+sua energia ao serviço da revolução. Pensou-se apenas&mdash;e n'isso o alferes
+Malheiro deu provas de extraordinario sangue frio&mdash;em deixar guarnecida a
+prisão, com o receio de que o menor descuido fizesse extravasar para as ruas do
+Porto a grande massa de criminosos ali agglomerada.</p>
+
+<p>Liquidado este incidente, caçadores 9 proseguiu a sua marcha em direcção ao
+grupo de Santo Ovidio. Dentro de pouco reunia-se-lhe o de infantaria 10.</p>
+
+<p>As condições topographicas do quartel que então alojava o segundo d'aquelles
+regimentos permittiram que elle formasse na parada interior sem que o official
+de inspecção desse por tal. Ás 2 e meia da madrugada, um dos revoltados foi
+avisar o capitão Leitão, que morava proximo e que não tardou a comparecer no
+edificio. Dirigiu-se logo á arrecadação, poz um capacete na cabeça e tendo
+inquirido dos outros officiaes compromettidos na conjura foi esperal-os para um
+caramanchão. Estava bem longe de suppôr que uma vez chegado ao Campo de Santo
+Ovidio, teria que assumir o commando superior das forças revoltadas...<span
+class="pn"><a name="pg_100" id="pg_100">{100}</a></span> </p>
+
+<p>Os minutos, no emtanto, iam decorrendo e como não apparecessem no quartel
+outros officiaes republicanos, um sargento veiu convidar o capitão Leitão a
+seguir immediatamente com as forças para o campo de Santo Ovidio. Assim se fez
+e o regimento marchou em acelerado para o local da concentração. Á entrada na
+rua da Rainha, encontrou o tenente Coelho, que fora chamado ao quartel por um
+grupo de cabos. O tenente Coelho conferenciou rapidamente com o capitão Leitão,
+trocou o kepi que levava pelo capacete do 1.º sargento Vergueiro e assumiu o
+commando do 2.º pelotão de infantaria 10. No Campo de Santo Ovidio, os dois
+regimentos formaram d'este modo: o de caçadores 9, em quadrado, proximo da
+porta principal do quartel de infantaria 18; o de infantaria 10 em dois
+circulos na outra extremidade do Campo.</p>
+
+<p>Concluida a formatura, os soldados e os civis já então ali agglomerados
+começaram a dar vivas ao regimento de infantaria 18 para o decidir a cooperar
+na insurreição. Outras vozes elevaram-se:</p>
+
+<p>&mdash;Viva a Republica!</p>
+
+<p>&mdash;Viva o exercito!</p>
+
+<p>&mdash;Abaixo a monarchia!</p>
+
+<p>Momentos depois, o destacamento de cavallaria 6, alojado n'uma das
+dependencias do quartel do 18, sahindo pela porta posterior do edificio, veiu a
+galope formar em linha parallela á fachada. As saudações e os vivas redobraram
+de intensidade. Ao mesmo tempo convergiam para o campo as forças da guarda
+fiscal. O cabo João Borges apresentou-se á frente de 87 praças de infantaria e
+o 2.º sargento Silva commandando 24 praças de cavallaria da mesma guarda. Quer
+dizer: ás 4 da manhã de 31 todas estas forças estavam revolucionadas e só
+aguardavam a sahida de infantaria 18 para iniciarem marcha contra o inimigo
+monarchico, apenas<span class="pn"><a name="pg_101"
+id="pg_101">{101}</a></span> representado, dentro do Porto, pela guarda
+municipal e a policia civil.</p>
+
+<p>Varios officiaes superiores tentaram, emquanto o 18 não appareceu no local,
+fazer voltar aos respectivos quarteis as outras forças sublevadas. O primeiro
+foi o major Graça, da <em>guarda pretoriana</em>. Sahindo do quartel do Carmo,
+á frente de infantaria e cavallaria, dirigiu-se ao Campo da Regeneração e
+chamando o commandante de caçadores 9 já ali estacionado, intimou o alferes
+Malheiro a render-se.</p>
+
+<p>&mdash;Agora é tarde, respondeu o official revolucionario.</p>
+
+<p>&mdash;Ainda não é...</p>
+
+<p>Um cabo que ouvira a intimação exclamou:</p>
+
+<p>&mdash;Se é militar, eu tambem o sou; se é portuguez egualmente o sou; mas
+não posso soffrer esta tyrannia por mais uma hora!</p>
+
+<p>O major Graça, em resposta, bradou:</p>
+
+<p>&mdash;Querem então que haja derramamento de sangue, e sangue portuguez,
+n'estes dolorosos momentos por que está passando a patria? Pois seja...</p>
+
+<p>Um individuo da classe civil ia, n'esta altura, a arengar qualquer cousa aos
+soldados, mas os militares oppuzeram-se, dizendo-lhe:</p>
+
+<p>&mdash;Cale-se; aqui só a tropa tem voz activa.</p>
+
+<p>O major Graça dispoz as suas forças nas ruas da Lapa e de Germalde e foi dar
+ordens ao quartel de S. Braz. D'ahi a pouco entrou no Campo de Santo Ovidio o
+sub-chefe do estado maior da divisão, tenente-coronel Fernando de Magalhães.
+Encaminhou-se para o 2.º pelotão de infantaria 10 e perguntou pelo seu
+commandante. Respondeu-lhe o tenente Coelho.</p>
+
+<p>&mdash;Que estão a fazer aqui? disse o sub-chefe.&mdash;Mande retirar essa
+gente para o quartel. Os senhores são uns doidos...</p>
+
+<p>&mdash;Não é possivel, replicou o tenente. Estou sob<span class="pn"><a
+name="pg_102" id="pg_102">{102}</a></span> as ordens d'um capitão do meu
+regimento e, tendo sahido do quartel, insurrecionado, para proclamar a
+Republica, já é tarde para recuar.</p>
+
+<p>&mdash;Quem é esse capitão que commanda o seu regimento?</p>
+
+<p>&mdash;O capitão Leitão.</p>
+
+<p>E dizendo isto, o tenente Coelho apontou ao sub-chefe o sitio onde elle se
+encontrava. Junto do commandante de infantaria 10, o sr. Fernando de Magalhães
+empregou quasi as mesmas palavras:</p>
+
+<p>&mdash;Mande recolher essa pobre gente a quem está a comprometter.</p>
+
+<p>&mdash;D'aqui não sae ninguem, respondeu o capitão, a carta está jogada e
+vamos até ao fim!...</p>
+
+<p>A seguir, o tenente coronel ainda formulou novo conselho de retirada ao
+alferes Malheiro, mas ninguem lhe obedeceu, como, de resto, tambem lhe não
+obedeceriam se elle, em vez de meios suasorios, procurando impôr o prestigio da
+sua personalidade, tivesse tentado outros processos mais violentos.</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Deixemos as forças revoltosas especadas no campo de Santo Ovidio e cercadas
+por todos os lados pela guarda municipal e vejamos o que se passava no quartel
+de infantaria 18. A insurreição d'este regimento não fora levada a cabo com
+tanta facilidade como a de caçadores 9 e infantaria 10, por causa das
+prevenções tomadas pelos officiaes. Um dos sargentos do 18, que assistira á
+reunião na rua de Santa Catharina, ao regressar ao quartel recebera ordem de
+detenção e só por um prodigio de astucia é que, illudindo a vigilancia do
+official de inspecção, conseguira dar conhecimento das deliberações tomadas na
+mesma reunião aos sargentos de cavallaria 6. Ainda assim, á hora marcada para a
+revolta, as companhias, á ordem dos officiaes superiores, começaram a formar as
+casernas.<span class="pn"><a name="pg_103" id="pg_103">{103}</a></span></p>
+
+<div class="ilustracao"><a name="img103"></a>
+<p><img alt="Proclamação da Republica" src="images/p103.png"
+style="display: block; text-align: center; margin-left: auto; margin-right: auto"
+width="100%"></p>
+
+<p>Proclamação da Republica</p>
+</div>
+
+<p>Presentindo o movimento, alguem quiz evital-o, mas inutilmente. D'uma
+janella do primeiro pavimento, o tenente-ajudante arengou ás forças que já
+estavam na parada, mas dois tiros disparados na direcção d'essa janella
+cortaram-lhe o discurso. O coronel do regimento, Lencastre de Menezes,
+mostrando uma indecisão extraordinaria, ordenou a varios officiaes que sahissem
+do quartel a indagar que forças estavam formadas no campo.</p>
+
+<p>Decorrido algum tempo, os sargentos do 18 compromettidos na revolta,
+julgando que nem todos os seus camaradas adheriam á insurreição e que a sahida
+do regimento não se operaria sem um impulso<span class="pn"><a name="pg_104"
+id="pg_104">{104}</a></span> energico, soltaram gritos furiosos de
+traição!&mdash;e assim conseguiram arrastar um grosso contingente de
+soldados&mdash;quasi duas companhias&mdash;para junto dos revoltosos do 9 e do
+10. Mas o portão do edificio voltou a fechar-se sobre a sahida d'essa força e
+os instantes foram passando sem que o regimento adoptasse uma attitude definida
+em conjunctura, como essa, tão critica.</p>
+
+<p>Era necessario, na verdade, tomar uma resolução. Apoz alguns momentos de
+reflexão, em que os officiaes revoltados trocaram impressões sobre o caso,
+infantaria 10 e caçadores 9, formando a quatro, encaminharam-se para a parte
+posterior do quartel do 18 e estacionaram em frente da egreja da Lapa. As
+forças da guarda municipal, sob o commando do major Graça, retiraram
+prudentemente e, deixando livres as ruas que conduzem ao campo de Santo Ovidio,
+foram estacionar para a praça da Batalha, junto do quartel general e do
+telegrapho.</p>
+
+<p>A multidão, que a cada instante crescia, misturava aos das tropas os seus
+vivas atroadores. «No rosto de toda a gente havia a expressão d'uma alegria
+indizivel. Por vezes, os mais enthusiasmados rompiam as fileiras e iam abraçar
+um sargento ou um soldado, victoriando-os, acclamando-os. Era tão quente o
+arrebatamento, tão ardente aquella ruidosa alegria que a doce e consoladora
+esperança na victoria revolucionaria penetrava em todos os corações, dissipando
+vagos receios que a longa inacção das tropas fizera despertar.»</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Tratava-se agora de invadir o quartel de infantaria 18 e impellir de
+qualquer maneira esse regimento para a revolta. Os populares que se tinham
+collocado na vanguarda das forças do 9 e do 10 fôram a uma estação de
+incendios, que havia perto, trouxeram de lá dois machados e abriram um
+rombo<span class="pn"><a name="pg_105" id="pg_105">{105}</a></span> na porta do
+quartel do lado da Lapa, que o coronel Lencastre de Menezes fizera pouco antes
+barricar. Soldados e populares iam, certamente, a entrar de tropel no edificio
+e travar lucta com os elementos hesitantes, quando o actor Miguel Verdial,
+tendo, n'um relance, a visão da provavel carnificina&mdash;o quartel era
+habitado por muitas familias&mdash;exclamou para os invasores:</p>
+
+<p>&mdash;Suspendam, que eu vou parlamentar com o coronel.</p>
+
+<p>Cá fóra, os vivas ao regimento de infantaria 18 eram calorosos e sem
+interrupção.</p>
+
+<p>Atraz de Miguel Verdial, entraram no quartel Santos Cardoso e outros
+individuos da classe civil e por fim o capitão Leitão commandando uma força dos
+dois regimentos revoltados. Santos Cardoso, gesticulando como um possesso e
+ameaçando a officialidade do 18 de ser riscada do exercito caso não adherisse á
+Republica, encaminhou-se para junto do coronel Lencastre e disse-lhe:</p>
+
+<p>&mdash;A esta hora estão quarenta e quatro regimentos sublevados, o
+telegrapho na nossa mão, o rei a embarcar: não queira V. ex.ª ser a unica nota
+discordante. </p>
+
+<p>&mdash;Deixe-me, replicou o coronel, eu não sou republicano nem monarchico.
+Sahirei d'aqui a pouco.</p>
+
+<p>O capitão Sarsfield, que estava proximo, accrescentou:</p>
+
+<p>&mdash;Visto que vae parte do nosso corpo, vamos tambem.</p>
+
+<p>Por seu lado, o capitão Leitão tambem procurou convencer o coronel a
+acompanhar os revoltosos. E, ao cabo d'alguns momentos, conseguiu
+effectivamente d'elle essa promessa, que mais tarde, nos conselhos de guerra,
+varios officiaes do 18 se empenharam em negar tivesse sido feita. Emquanto isto
+se passava, uma força da guarda municipal commandada por um tenente apparecia
+no largo da<span class="pn"><a name="pg_106" id="pg_106">{106}</a></span> Lapa
+a enfileirar ao lado de infantaria 10. Depois, por conselho do tenente Coelho,
+punha-se novamente em marcha e seguia pela rua que ladeia á esquerda o quartel
+do 18.</p>
+
+<p>D'ahi a pouco, o capitão Leitão, sahindo d'aquelle edificio, voltava para
+junto das forças sublevadas e communicava aos officiaes ás suas ordens:</p>
+
+<p>&mdash;O 18 vem já. Nós seguimos para a Praça Nova e lá o esperamos. O
+commandante disse-me que vinha em breve: que estando elle e quasi todos os
+officiaes presentes no quartel era necessario tomar certas medidas de ordem e
+segurança e que convinha reunir o conselho administrativo antes do regimento
+sahir.</p>
+
+<p>Mas não era só o capitão Leitão que affirmava isto. Militares e civis, todos
+quantos sahiam n'aquella celebre manhã do quartel de infantaria 18 asseveravam
+que o coronel Lencastre de Menezes não tardaria com as forças do seu commando a
+juntar-se aos insurrectos. E faziam-no, certamente, por terem ouvido ao
+official já citado palavras muito nitidas a tal respeito. Mais tarde, nos
+conselhos de guerra, pretendeu-se desmentir tudo isso, e embora tivesse sido
+aconselhado ao capitão Leitão e aos outros reos que não aggravassem a sua
+situação com accusações a officiaes superiores que não estavam mettidos no
+processo, a verdade é que das acareações feitas em pleno tribunal militar
+resultou o convencimento geral de que só por um mero acaso não soffreram o
+castigo imposto a certos dos conspiradores outras creaturas de maior patente e
+mais graves responsabilidades.<span class="pn"><a name="pg_107"
+id="pg_107">{107}</a></span></p>
+
+<div class="rodape">
+
+<p><sup><a href="#mfna" name="fna">[A]</a></sup> O 1.º sargento Abilio, hoje tenente n'um regimento de
+infantaria, apoz o mallogro da revolta de 31 de janeiro, deixou crescer a barba
+e prometteu á esposa que só a faria rapar no dia em que em Portugal fosse
+definitivamente proclamada a Republica. Quando rebentou a revolução de 4 e 5 de
+outubro, a esposa, que estava em Espinho, telegraphou-lhe para o Porto,
+anciosa, a pedir noticias. O 1.º sargento Abilio dirigiu-se á estação da praça
+da Batalha e depositou um telegramma de resposta em que dizia: «<em>Estou bom;
+foi proclamada a Republica</em>». O empregado dos telegraphos recusou acceitar
+a communicação.</p>
+
+<p>&mdash;Porque não acceita? perguntou-lhe o antigo revolucionario do 31.</p>
+
+<p>&mdash;Porque ahi diz que foi proclamada a Republica e a noticia ainda não é
+<em>official</em>.</p>
+
+<p>&mdash;Bem... não ha duvida, redijo outro telegramma.</p>
+
+<p>E redigiu. A esposa, quando o recebeu delirou de contentamento e foi
+mostral-o a umas pessoas amigas. Mas estas, lendo o texto, não se contiveram
+que não observassem:</p>
+
+<p>&mdash;Seu marido mandou-lhe um telegramma de troça. Pois não é?...
+<em>Estou bom; vou fazer a barba</em>...</p>
+
+<p>&mdash;Não é troça, não... <em>Se elle vae fazer a barba</em> é porque
+<em>já foi proclamada a Republica</em>!</p>
+
+</div>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<h1>CAPITULO XV</h1>
+
+<h2>Proclama-se a Republica no edificio da Camara Municipal</h2>
+
+<p>Já manhã clara, as forças revolucionarias sahiram das immediações do quartel
+de infantaria 18 e dirigiram-se pela rua do Almada até á praça de D. Pedro,
+onde deviam occupar os paços do concelho para se effectuar a cerimonia da
+deposição do monarcha reinante e da proclamação da Republica. Segundo a
+formatura ordenada pelo capitão Leitão, abria a columna, tocando a
+<em>Portugueza</em>, a banda, quasi completa, de infantaria 10, com alguns
+musicos de caçadores 9, todos sob a direcção do musico de 1.ª classe Eduardo da
+Silva; seguia-se-lhe a guarda fiscal e depois as praças d'aquelles dois
+regimentos, as do 9 antecedendo o 10. Conta um chronista:</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>«Desde que as forças começaram a marchar, sentia-se desapparecer a oppressão
+que invadira todos os espiritos n'essas longas tres horas em que, fóra ou
+dentro do quartel, se tentara que o regimento de infantaria 18, devidamente
+commandado, viesse augmentar as forças da revolta. O que se seguiria depois
+parecia não preoccupar os espiritos. Acreditava-se firmemente que o regimento
+de infantaria 18 estava inclinado a apoiar a revolta. Se assim fosse nenhuma
+duvida poderia offerecer a victoria decisiva da Republica; não porque a força
+do regimento de infantaria 18 desse ás tropas insurreccionadas uma
+superioridade notavel sobre as da guarda municipal, mas pela alta significação
+que teria não só para a população<span class="pn"><a name="pg_108"
+id="pg_108">{108}</a></span> civil mas para o quartel general o facto das
+tropas sublevadas serem commandadas por um coronel e muitos officiaes. Era
+evidente que, se esse acontecimento viesse a realisar-se, as adhesões seriam
+innumeraveis. Ninguem teria duvida em acceitar os factos consumados; as
+garantias de victoria eram indiscutiveis; a resistencia da guarda municipal
+seria nulla, sem contestação; a ordem estava assegurada.</p>
+
+<p>«Animadas d'uma doce esperança, as tropas revolucionarias, ladeadas por
+immensa multidão, seguiram para a praça de D. Pedro. Ao longo da rua do Almada,
+desfilava a columna em formação regulamentar e disciplinadamente. As janellas
+estavam todas abertas, e os habitantes que já tinham conhecimento de que a
+guarnição militar da cidade sahira dos quarteis para proclamar a Republica
+recebiam a noticia com manifesto aprazimento. E assim, á medida que as forças
+da revolta iam descendo a rua, ás saudações erguidas pelo povo que as
+acompanhava, correspondiam das janellas, gritando: </p>
+
+<p>«&mdash;Viva a Republica!</p>
+
+<p>«&mdash;Viva o exercito portuguez!</p>
+
+<p>«Acenavam com lenços, davam palmas, n'uma grande expansão de alegria que
+punha nos corações um suavissimo calor e nos labios um sorriso de triumpho.
+Nunca tão espontanea e tão calorosa manifestação se produziu na bella cidade do
+Norte. Nunca o Porto, a cidade do trabalho e das grandes virtudes civicas, fez
+tão enthusiastica acclamação a um exercito victorioso, porque nunca esteve mais
+identificado com a ideia que esse exercito vinha proclamando. Na rua a multidão
+engrossava a cada momento, e, quando as tropas revolucionarias dobravam a rua
+do Almada para entrar na praça de D. Pedro, era difficil romper por entre a
+massa compacta que se agglomerava...»<span class="pn"><a name="pg_109"
+id="pg_109">{109}</a></span></p>
+
+<p>Chegadas as forças á praça de D. Pedro, formaram rodeando a mesma praça
+pelos lados do norte, nascente e sul, começando a linha pela guarda fiscal e
+terminando por caçadores 9. O esquadrão de cavallaria 6, que tambem acompanhava
+a columna, estacou na rua occidental da praça.</p>
+
+<p>Pouco passava das seis horas da manhã. As acclamações despedidas pelos
+populares continuavam vibrantes, enthusiasticas. De repente, abriram-se as
+janellas dos paços do concelho e alguns individuos da classe civil, entre os
+quaes se destacava a figura herculea de Santos Cardoso, appareceram a dar vivas
+á Republica, ao exercito e aos regimentos sublevados. Um popular, armado de
+espingarda, foi buscar a bandeira do Centro Democratico Federal 15 de Novembro;
+Santos Cardoso agitou-a freneticamente sobre a multidão e depois fel-a arvorar
+no mastro que sobrepujava o frontão do edificio. A guarda de honra nos paços do
+concelho era feita por uma força de infantaria 10 commandada pelo 1.º sargento
+Vergueiro. </p>
+
+<p>Decorrido algum tempo, o dr. Alves da Veiga assomou a uma das janellas da
+casa da Camara e proferiu um discurso, entrecortado pelos applausos da
+multidão. Depois ia a ler os nomes das pessoas que deviam constituir o governo
+provisorio, mas o actor Miguel Verdial arrancou-lhe o papel das mãos e procedeu
+a essa leitura. Esses nomes eram os seguintes:</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p><em>Rodrigues de Freitas.</em></p>
+
+<p><em>Joaquim Bernardo Soares</em> (desembargador).</p>
+
+<p><em>José Maria Correia da Silva</em> (general de divisão).</p>
+
+<p><em>Joaquim Azevedo Albuquerque</em> (lente da Academia Polytechnica).</p>
+
+<p><em>José Ventura dos Santos Reis</em> (medico).<span class="pn"><a
+name="pg_110" id="pg_110">{110}</a></span></p>
+
+<p><em>Licinio Pinto Leite</em> (banqueiro).</p>
+
+<p><em>Antonio Joaquim de Moraes Caldas</em> (professor).</p>
+
+<p><em>Alves da Veiga.</em></p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Cada um d'estes nomes foi acolhido com vivas delirantes e estrepitosos.
+Proclamado o governo provisorio, a maioria dos populares que tinham entrado na
+casa da Camara desceu á praça a misturar-se com os soldados, que, diga-se sem
+hesitações, já começavam a sentir os effeitos d'uma immobilidade que afinal
+ninguem justificava. Na varanda dos paços do concelho ondulavam dezenas de
+bandeiras azues e brancas. O nevoeiro, que de madrugada amortalhara a cidade,
+dissipara-se lentamente.</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>O capitão Leitão, vendo que, em contrario do que lhe assegurara o coronel
+Lencastre de Menezes, infantaria 18 não vinha juntar-se ás forças revoltadas, e
+que os minutos corriam rapidos sem que no local apparecessem outros officiaes
+além dos tres que desde o começo da revolta lhe tinham francamente adherido,
+approximou-se do tenente Coelho e disse-lhe:</p>
+
+<p>&mdash;Estou a perceber isto perfeitamente; fomos trahidos: <em>são uns
+infames</em>. Disseram-me que a guarda municipal adheria e não a vi no campo;
+que o sub-chefe de estado maior tambem vinha e eu tambem o não vi... Aqui
+acontece a mesma cousa. <em>São homens de pannos quentes.</em> Talvez haja
+motivo para demoras. Pelo sim pelo não continuarei a esperar...</p>
+
+<p>Mas os soldados mostravam desejos de seguir para a frente e um popular,
+approximando-se do capitão Leitão, observou-lhe que a guarda municipal já
+estava occupando a praça da Batalha, na defensiva e que era urgente desalojal-a
+d'ali para se occupar o telegrapho e o quartel general. Outro popular<span
+class="pn"><a name="pg_111" id="pg_111">{111}</a></span> aconselhou-o a
+fraccionar as forças do seu commando.</p>
+
+<div class="ilustracao"><a name="img111"></a>
+<p><img alt="A Bandeira da Revolta que foi hasteada na Camara Municipal"
+src="images/p111.png"
+style="display: block; text-align: center; margin-left: auto; margin-right: auto"
+width="100%"></p>
+
+<p>A Bandeira da Revolta que foi hasteada na Camara Municipal</p>
+</div>
+
+<p>&mdash;Ora, tenha juizo, replicou o valente official. Ninguem nos
+hostilisa.</p>
+
+<p>E, voltando-se para o tenente Coelho, acrescentou:</p>
+
+<p>&mdash;Vou tomar uma resolução definitiva: vou mandar seguir pela rua de
+Santo Antonio, onde me apresentarei ao general; n'um caso ou n'outro elle dará
+as suas ordens...</p>
+
+<p>O tenente Coelho notou que a guarda da Camara tinha desapparecido e que era
+conveniente não deixar o edificio á mercê da populaça. O capitão Leitão
+concordou com a ideia e mandou para os paços do concelho uma força do commando
+d'um sargento. Feito isto dispoz-se a marchar em direcção á praça da Batalha.
+Antes, porém, reuniu com o tenente Coelho e o alferes Malheiro uma especie<span
+class="pn"><a name="pg_112" id="pg_112">{112}</a></span> de conselho
+conversando os tres sobre a attitude que d'ahi por diante deviam adoptar as
+tropas sublevadas perante as outras que não manifestavam adhesão ao movimento.
+O tenente Coelho registou mais tarde, do seguinte modo, as ideias que
+predominaram n'essa conferencia:</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>«O parecer de que as forças da revolta se dividissem em differentes fracções
+que por diversas ruas convergiriam na praça da Batalha, forçando a guarda
+municipal que ali se encontrava a abandonar o seu posto, atacada de frente, de
+revez e de flanco foi posto de parte, porque, apesar de tudo, se tinha como
+certa a adhesão d'essa força desde que as tropas sublevadas manifestassem não
+abandonar o seu proposito. A guarda municipal estava informada de que o
+regimento de infantaria 18 apoiava a revolução; vira com que ardentes
+acclamações eram saudadas as forças revolucionarias; sentia-se, portanto,
+isolada do resto das tropas da guarnição e das sympathias da população civil;
+demais entre aquella guarda havia um grande numero de homens que tomara parte
+nos preparativos da revolta.</p>
+
+<p>O que havia, pois, a fazer era, do mesmo modo que a guarda municipal
+procedera com as tropas sublevadas no campo de Santo Ovidio, procederem tambem
+para com ella, aconselhando-a a abandonar a sua attitude espectante e a adherir
+ao movimento insurreccional; o regimento de infantaria 18 havia adherido, não
+era rasoavel nem patriotico que a guarda municipal o não fizesse. As tropas
+sublevadas não tinham a menor intenção de fazer derramar sangue de irmãos
+d'armas; não desejavam uma lucta fratricida, tanto menos presumivel que, sem
+excepções, todo o exercito se sentia impellido a resgatar o paiz da humilhante
+situação em que se encontrava por virtude dos actos dos governos<span
+class="pn"><a name="pg_113" id="pg_113">{113}</a></span> da monarchia, que não
+se inspiravam nos sagrados interesses nacionaes.</p>
+
+<p>«Não. A guarda municipal era com as tropas da revolta. Se estas não tinham a
+commandal-as officiaes, cujas patentes e cujos nomes se impuzessem, bem certo
+era que o regimento de infantaria 18, com o seu coronel e com os seus
+officiaes, tinha adherido ao movimento revolucionario e não havia que hesitar.
+Os tres officiaes que se encontravam com as forças sublevadas, ali, não queriam
+reivindicar nenhum direito de superioridade; contentavam-se bem com a
+satisfação da sua iniciativa e, nem por si, nem pelos seus subordinados,
+reclamavam nem outros postos nem outras honras. Se outras ideias germinavam no
+espirito dos que não tinham até aquelle momento adherido á revolta, que se
+desilludissem. Que o throno desapparecesse: mais nada. A nação governar-se-hia
+sem profundas transformações. Ellas viriam depois. O essencial era quebrar com
+a criminosa tradição. Por ella é que Portugal vergava ao peso de tanta
+deshonra, por ella é que a vida social vinha sendo insupportavel.
+Governar-nos-hiamos como irmãos, no mesmo sentimento commum dos interesses
+individuaes, coincidindo com os da Patria. Taes pensamentos animavam as tropas
+sublevadas. Não havia que discutir.»</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Resumindo: o capitão Leitão iria á frente das forças e ao chegar á praça da
+Batalha procuraria parlamentar com o sub-chefe de estado maior, Fernando de
+Magalhães, que os revolucionarios consideravam intelligente e de caracter. Elle
+decidiria em ultima instancia se a superioridade estava, na verdade, do lado
+dos sublevados e se a guarda municipal podia ou não submetter-se-lhes sem
+hesitações. Era o appello honesto a um arbitro de occasião, que gosava ao
+momento de justificado prestigio na classe militar.<span class="pn"><a
+name="pg_114" id="pg_114">{114}</a></span></p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<h1>CAPITULO XVI</h1>
+
+<h2>O choque sangrento&mdash;A guarda municipal desbarata os revoltosos</h2>
+
+<p>As forças do commando do capitão Leitão sahiram da praça de D. Pedro e
+principiaram a subir a rua de Santo Antonio. Formavam uma columna «em marcha de
+quatro», levando á frente a banda de infantaria 10; seguia-se-lhe a guarda
+fiscal e iam depois caçadores 9 e aquelle regimento. A guarda municipal formava
+ao alto da rua, no adro escalonado de Santo Ildefonso, guardando a entrada da
+Batalha pelas ruas de Santa Catharina, Santo Antonio, de Santo Ildefonso, de
+Cimo de Villa e viela da Madeira. A entrada pelas ruas de Entreparedes e
+Alexandre Herculano, vedavam-na cem praças fieis da guarda fiscal. No lado
+nascente do antigo theatro de S. João formava cavallaria 6, cobrindo o edificio
+do quartel general e governo civil. </p>
+
+<p>Uma multidão immensa acompanhava as forças da revolta na marcha rua de Santo
+Antonio acima e essa arteria do Porto tinha um aspecto quasi de festa. A maior
+animação e alegria illuminavam-na. Do povo sahiam brados enthusiasticos
+victoriando os sublevados. As senhoras que estavam ás janellas agitavam
+freneticamente os lenços, soltavam vivas calorosos, batiam as palmas n'um
+contentamento indescriptivel. A satisfação dominava tudo e todos. A marcha das
+forças tinha o caracter insophismavel d'um passeio triumphal, em que elles
+pareciam recolher os applausos pela victoria alcançada rapidamente e sem embate
+sensivel.</p>
+
+<p>Na altura da viela chamada dos Banhos, do lado direito da rua de Santo
+Antonio, o povo que acompanhava<span class="pn"><a name="pg_115"
+id="pg_115">{115}</a></span> os sublevados hesitou e recuou. O capitão Leitão
+olhou para cima, e viu a guarda municipal em attitude defensiva com as armas
+apontadas para a columna. Não ligou grande importancia ao facto e, como a banda
+de infantaria 10 continuasse a tocar, não ouviu que de Santo Ildefonso os
+cornetas tinham feito o signal de <em>alto</em>&mdash;<em>meia volta</em>. Ia a
+proseguir na marcha quando presenceou que dois soldados da guarda fiscal,
+sahindo da fórma, se dispunham a disparar as armas contra a municipal. Correu
+para elles e gritou-lhes:</p>
+
+<p>&mdash;Não atirem!... A guarda não nos faz mal!...</p>
+
+<div class="ilustracao" style="float: right;"><a name="img115"></a>
+<p><img alt="Fotografia de Basilio Telles" src="images/p115.png"
+style="display: block; text-align: center; margin-left: auto; margin-right: auto"></p>
+
+<p>Basilio Telles 1891</p>
+</div>
+
+<p>Os homens entraram na fórma e elle então, collocando-se á frente da columna,
+levantou os braços, como pretendendo affirmar á municipal que a attitude dos
+sublevados era pacifica. De nada valeu esse expediente. A guarda, fazendo
+pontarias baixas, deu uma descarga que lançou o maior panico nas forças da
+revolta e nos populares que pejavam a rua de Santo Antonio. A marcha deteve-se.
+Uma commoção violenta agitou aquella massa compacta. N'um segundo, ou em menos
+d'um segundo, produziu-se um grande e precipitado movimento de recuo. Os
+populares, como por instincto, penetraram nas fileiras da columna procurando um
+abrigo. Impellida<span class="pn"><a name="pg_116" id="pg_116">{116}</a></span>
+pela força collossal d'essa enorme multidão, a columna dissolveu-se,
+desordenada e a breve trecho a rua de Santo Antonio ficou juncada de corpos
+inanimados e dos despojos das victimas. O capitão Leitão, ferido na cabeça,
+abrigou-se n'uma casa proxima, acompanhado de dois corneteiros e d'uma praça da
+guarda fiscal e mandou fazer repetidos toques de cessar fogo. Trabalho inutil.
+A guarda municipal, abrigada por detraz de pedras continuou a alvejar a rua de
+Santo Antonio, respondendo áquelles toques com tiroteio renhido.</p>
+
+<p>Entretanto, no meio de todo esse panico, os soldados revoltados ou se
+agrupavam junto de alguns portaes ou se deitavam no chão, offerecendo o menor
+alvo possivel ao fogo da guarda. E, emquanto tiveram munições, responderam com
+valentia ao ataque da força fiel ao regimen monarchico. Esses heroicos
+combatentes eram principalmente da guarda fiscal e de caçadores 9, porque o
+regimento de infantaria 10, estando no fundo da rua de Santo Antonio ao começar
+o tiroteio, fôra forçado a recuar até á casa da camara. E assim se sustentaram
+n'um ou n'outro ponto da rua, quasi sempre expostos aos projecteis da
+municipal, atirando sobre os adversarios com uma serenidade extraordinaria,
+desafiando impavidamente a morte.</p>
+
+<p>Em certa altura, ouviram-se na praça de D. Pedro os primeiros tiros da
+artilharia. A bateria da Serra do Pilar intervinha na lucta para lhe pôr o
+ponto final. Os revoltados até então escalonados na rua de Santo Antonio
+desceram até ao edificio municipal e ahi se reuniram ás forças do 10, que se
+tinham concentrado n'esse ponto desde o começo da refrega. O capitão Leitão,
+havendo conseguido, depois de abandonar a casa onde se abrigara, chegar por
+entre quintaes e escalando muros até á Praça Nova, ainda procurou com as forças
+reunidas na casa da camara operar um retorno offensivo sobre<span class="pn"><a
+name="pg_117" id="pg_117">{117}</a></span> a guarda municipal. Mas não houve
+meio, ou melhor, já era tarde para tentar a sortida. Pequenas fracções da
+guarda, protegendo a bateria de artilharia postada nos angulos dos Loyos e de
+S. Bento, começaram a atacar os sublevados encurralados nos paços do concelho e
+um tiro de peça, arrombando a porta do edificio, mostrou áquelles valentes que
+a situação se definia, irremediavelmente como a derrota da Republica.</p>
+
+<p>O capitão Leitão abandonou a casa da camara e d'ahi a pouco os outros
+combatentes imitaram-n'o, terminando a lucta cerca das 9 da manhã. Durara duas
+horas.</p>
+
+<p>Por este relato é facil de vêr que a victoria alcançada pela guarda
+municipal foi mais devida á excessiva <em>boa-fé</em>&mdash;chamemos-lhe
+assim&mdash;das tropas revolucionarias do que á coragem dos soldados fieis á
+monarchia. Se as forças revolucionarias houvessem marchado sobre a praça da
+Batalha em disposição hostil, o resultado do choque sangrento teria sido, sem
+duvida, bem diverso. O proprio capitão Leitão reconheceu isso mesmo no conselho
+de guerra a que foi submettido:</p>
+
+<p>&mdash;Se eu adivinhasse que tratava com tal gente&mdash;disse elle,
+referindo-se ás forças do commando do major Graça&mdash;eu procederia d'outra
+forma e hoje não me alcunhariam de imbecil. Eu avançava com a maior serenidade
+e nem mesmo me passava pela mente que ia para um ataque. Suppunha-os plenamente
+seguros e, como já disse, tinha razões para isso. Se eu entendesse, se eu
+suspeitasse do que me esperava, não teria receio algum de os atacar.</p>
+
+<p>«Não era a guarda municipal, que de poucas forças dispunha, pois não estava
+toda reunida (e nem mesmo que o estivesse) que derrotaria as forças do meu
+commando. Cercal-a-hia, e isso sem grandes planos estrategicos e forçal-a-hia
+a<span class="pn"><a name="pg_118" id="pg_118">{118}</a></span> render-se, sem
+mesmo disparar um tiro. E não se daria a grande desgraça que se deu. Eu
+envolvia a guarda e ella não poderia resistir. Não lhes chamem, pois, valentes,
+porque o não são. Estava espantado de um tal procedimento. «Eu não ia para
+isto»&mdash;disse na casa onde entrei. E esta é a verdade; a prova é que alguem
+que ouviu a minha phrase já aqui a referiu. Não digo isto para declinar
+responsabilidades, porque não quero declinal-as...»</p>
+
+<p>Incontestavelmente, a guarda municipal não poderia manter-se nas suas
+posições; e, nem pelo numero nem pela dextreza, conseguiria offerecer uma
+resistencia demorada. Alem d'isso, não estava suficientemente instruida no
+manejo da espingarda Kropatschek, que só muito pouco tempo antes da revolta lhe
+fôra distribuida; o serviço especial de policia, em que era empregada, não lhe
+permittia evolucionar convenientemente em combate. Pelo contrario; os seus
+adversarios, tendo passado pela carreira de tiro em exercicios reiterados,
+estavam perfeitamente aptos para se medir com ella e para a subjugar sem
+esforço sensivel ou grande dispendio de munições. E a prova é que a guarda se
+conservou sempre na defensiva, abrigada pelas varandas de pedra que guarnecem
+as escadas e patamares que dão accesso á egreja de Santo Ildefonso e só mudou
+de attitude quando a bateria de artilharia, rompendo o fogo contra o edificio
+municipal, rematou a contenda.</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Emquanto, na rua de Santo Antonio e na praça Nova se desenrolavam os
+acontecimentos que acabamos de narrar, as guardas de revoltados que haviam
+ficado nos quarteis impediam que ali entrassem os respectivos officiaes não
+adherentes ao movimento e que o mesmo movimento surprehendera ainda no leito ao
+romper da manhã de 31 de<span class="pn"><a name="pg_119"
+id="pg_119">{119}</a></span> janeiro. No quartel de caçadores 9, por exemplo,
+ficara uma força sob o commando do sargento Galho, que mandara armar todas as
+praças que ali estavam, collocando-as ás suas ordens. Instantes depois do
+regimento ter sahido para a revolta, essa força avistando na rua de S. Bento um
+troço da guarda municipal, fel-a dispersar com uma descarga. E desde manhã até
+ao começo da tarde, todos os officiaes que tentaram penetrar no edificio foram
+respeitosamente prevenidos pelo sargento Galho de que desfecharia sobre elles a
+sua espingarda.</p>
+
+<div class="ilustracao"><a name="img119"></a>
+<p><img alt="Bombardeamento da Camara Municipal pelas tropas fieis ao Governo"
+src="images/p119.png"
+style="display: block; text-align: center; margin-left: auto; margin-right: auto"
+width="100%"></p>
+
+<p>Bombardeamento da Camara Municipal pelas tropas fieis ao Governo</p>
+</div>
+
+<p>Só ás tres horas é que esse valente militar se rendeu, abandonando o quartel
+ao dominio dos vencedores. O capitão Almeida Soares que havia<span
+class="pn"><a name="pg_120" id="pg_120">{120}</a></span> tomado conta da guarda
+á cadeia da Relação, appareceu á porta principal d'aquelle edificio e intimou o
+sargento a entregar-se-lhe.</p>
+
+<p>&mdash;Não, respondeu o revoltado.</p>
+
+<p>&mdash;Mas isso é uma loucura, insistiu o capitão. A insurreição já está
+suffocada.</p>
+
+<p>&mdash;V. ex.ª dá-me a sua palavra de honra?</p>
+
+<p>&mdash;Dou.</p>
+
+<p>Então o sargento Galho disparou a espingarda para o ar e franqueou as portas
+do quartel ao capitão Almeida Soares.</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Em infantaria 10 as cousas passaram-se d'outro modo. Ahi a guarda ao
+quartel, composta d'um cabo e varios soldados conseguiu, ás primeiras ameaças,
+que os officiaes não tentassem sequer empregar a sua auctoridade hierarchica
+para a demover do proposito em que se encontrava. Todos elles, percebendo a
+inutilidade de qualquer esforço n'esse sentido, dirigiram-se á casa do
+commandante do regimento e só mais tarde, quando a revolta se considerou
+completamente suffocada é que conseguiram submetter a guarda do quartel e as
+praças que retiravam da lucta que se travara.</p>
+
+<p>Mas, facto digno de registo: tanto n'um como n'outro quartel não se
+produziram violencias&mdash;aliás comprehensiveis n'um momento como esse de
+fundamentada agitação e irresistivel anormalidade. Violou-se é certo, a
+disciplina. Nem a revolução era possivel sem esse delicto. Mas ninguem faltou
+ao respeito individual pelos officiaes que não quizeram adherir ao
+movimento.<span class="pn"><a name="pg_121" id="pg_121">{121}</a></span></p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<h1>CAPITULO XVII</h1>
+
+<h2>A noite negra do traidor Castro<br>
+O destino de trez officiaes</h2>
+
+<p>Relatados assim os factos que caracterisaram essencialmente a revolta, desde
+o primeiro viva á Republica soltado pelo sargento Abilio até á
+<em>reconquista</em> dos paços do concelho pela guarda municipal victoriosa,
+não é demais uma referencia embora ligeira ao homem que, atraiçoando os seus
+camaradas, contribuiu de algum modo para que a noticia do movimento se
+divulgasse prematuramente e o contrariasse em mais d'um ponto. Esse homem, já o
+dissemos n'outro logar d'esta desataviada narrativa, foi o sargento Castro.</p>
+
+<p>«Tendo assistido á reunião da rua do Laranjal&mdash;contou elle em conselho
+de guerra, depondo como testemunha accusatoria dos implicados na
+revolta&mdash;vi, com espanto, que se tratava d'uma representação dos sargentos
+ao governo, elaborada em termos taes, que era mais uma ameaça do que um pedido.
+Á reunião presidiu o alferes Simões Trindade. Pretendi tomar a palavra, para
+combater a forma como fora escripto esse documento, mas a maioria dos
+assistentes abafou as minhas palavras e eu retirei-me do local. <em>No dia
+seguinte ao da reunião, procurei o capitão Sarsfield e narrei-lhe o succedido,
+para evitar que mais tarde me calumniassem</em>...»</p>
+
+<p>Mas a delação do sargento Castro não ficou por aqui. Provocando com essa
+narrativa ao capitão Sarsfield as perseguições que as auctoridades militares
+moveram dias antes da revolta aos officiaes inferiores da guarnição do Porto, o
+traidor, na tarde<span class="pn"><a name="pg_122" id="pg_122">{122}</a></span>
+do dia 30, voltou a avisar aquelle capitão de que o movimento rebentaria na
+madrugada do dia seguinte. Fez a denuncia e sahiu do quartel do 18, disposto a
+não tornar a entrar lá dentro, porque receiava justamente que os seus camaradas
+de regimento, sabedores do seu acto ignobil, lhe arrancassem a pelle. Ás 11 da
+noite, porem, como tivesse deixado ficar no edificio a guia de marcha para
+Lisboa&mdash;o sargento Castro fora mandado apresentar com urgencia no
+ministerio da guerra&mdash;arriscou-se a penetrar novamente alli e falou ao
+capitão Fumega, que era o official de inspecção. O capitão, mal o viu,
+aconselhou-o a que se retirasse, accrescentando:</p>
+
+<p>&mdash;Olhe que a sua vida corre perigo... Alguns sargentos querem matal-o
+por não haver adherido á conjura...</p>
+
+<p>&mdash;Não tenho medo, respondeu o traidor, encaminhando-se para a
+secretaria. </p>
+
+<p>Nessa dependencia do quartel estavam reunidos o coronel Lencastre de Menezes
+e o capitão Sarsfield. O coronel dirigiu ao sargento Castro conselho identico
+ao que já lhe dera o official de inspecção:</p>
+
+<p>&mdash;O senhor desappareça do edificio, porque a sua presença aqui pode
+provocar um conflicto grave...</p>
+
+<p>&mdash;Vim buscar a guia de marcha, replicou o traidor.</p>
+
+<p>&mdash;Isso é o mesmo... Diga onde quer que eu lh'a mande amanhã de
+manhã...</p>
+
+<p>O sargento Castro obedeceu. E abandonando o quartel foi tomar café. Depois
+como se fazia tarde, lembrou-se de ir dormir a uma hospedaria da praça de Santa
+Thereza. Quando parou á porta, principiava a accentuar-se nas ruas o movimento
+das tropas insurrecionadas. Tremeu de medo. O seu acto infame seria,
+indubitavelmente castigado e castigado com rigor, pelas forças que aclamavam a
+Republica.<span class="pn"><a name="pg_123" id="pg_123">{123}</a></span>
+Receiando que o vissem e lhe pedissem estreitas contas da delação foi para a
+esquadra dos Carmelitas e alli supplicou que o não entregassem aos revoltados
+pelos motivos acima expostos e que reproduziu entre lamentos cobardes ao
+commandante da força policial.</p>
+
+<p>Durante hora e meia, conservou-se recolhido n'esse abrigo, estremecendo a
+cada ruido indicativo da victoria dos insurrectos. Passado esse tempo veiu
+ordem do quartel do Carmo para toda a policia da esquadra dos
+Carmelitas&mdash;como das outras esquadras&mdash;auxiliar as evoluções das
+tropas fieis á monarchia. A esquadra ficou deserta. Cheio de terror,
+sentindo-se isolado no transe mais angustioso da sua vida, o sargento Castro
+acabou por tambem abandonar a esquadra e foi para o quartel do Carmo, onde
+suppunha estar em maior segurança. Ahi, apresentou-se ao official de inspecção
+e este vendo que elle ainda não tinha seguido para Lisboa, apesar da ordem
+urgente que recebera, prendeu-o incommunicavel e, no dia immediato, fel-o
+transportar para bordo da corveta <em>Sagres</em>. Na corveta detiveram-no por
+vinte e quatro horas e só o puzeram em liberdade quando o commandante do 18,
+intercedendo em seu favor, informou as outras auctoridades militares do papel
+repugnante que o prisioneiro desempenhara na insurreição...</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Fechemos aqui a historia do traidor Castro e sigamos o destino dos trez
+officiaes combatentes que se salientaram nas diversas phases do movimento
+revolucionario. O capitão Leitão, acabada a lucta na casa da Camara,
+refugiou-se nas proximidades do quartel de infantaria 10 e ás 8 da noite de 31
+foi ao domicilio do tenente Coelho que ahi se acolhera apoz a derrota. O
+tenente Coelho, surpreso, de o ver, exclamou:<span class="pn"><a name="pg_124"
+id="pg_124">{124}</a></span></p>
+
+<p>&mdash;Como, pois tu aqui?</p>
+
+<p>&mdash;É verdade, replicou o valente official. Que fazer agora?</p>
+
+<p>&mdash;Meu caro, ou fugir ou apresentarmo-nos no quartel general. Para o
+caso de nos expatriarmos é preciso dinheiro que eu não tenho...</p>
+
+<p>&mdash;Nem eu. Comtudo, talvez um amigo m'o empreste.</p>
+
+<p>&mdash;Pois bem, concluiu o tenente Coelho, se conseguires o dinheiro
+necessario aos dois vem á minha casa ás duas da madrugada; se não alcançares
+senão o sufficiente para ti, vae só e sê feliz...</p>
+
+<p>O capitão Leitão sahiu e não tardou a apparecer ao seu companheiro de lucta.
+Na madrugada de 1 de fevereiro, montou a cavallo e dirigiu-se a Oliveira de
+Azemeis. «Aqui, dil-o uma testemunha presencial, apesar de o reconhecerem, as
+auctoridades não o perseguiram e elle seguiu para Albergaria-a-Velha, no
+intuito de comer alguma cousa. Quando chegou a essa localidade, estava o padre,
+que tem a alcunha de <em>O Sopas</em>, conversando com varios individuos ácerca
+dos acontecimentos do Porto. Este padre tinha sido, durante doze dias, hospede
+de cama e meza do capitão Leitão. Ao vêr o cavalleiro, exclamou:</p>
+
+<p>&mdash;«É elle!...</p>
+
+<p>«Alguem recommendou ao <em>Sopas</em> que não denunciasse o fugitivo. Mas o
+padre approximou-se acto continuo do cavalleiro e disse-lhe:</p>
+
+<p>&mdash;«O senhor é o capitão Leitão!</p>
+
+<p>&mdash;«Não, não sou, respondeu o interpellado.</p>
+
+<p>«Mas, logo a seguir, commovido, fraco&mdash;havia muitas horas que não
+comia&mdash;o capitão Leitão succumbiu e cahiu com uma syncope. O padre
+procurou o administrador e este tomando conta do foragido, encerrou-o na
+cadeia. Na prisão, o capitão Leitão teve nova syncope. Quando d'alli sahiu, no
+meio da escolta que o devia acompanhar ao Porto,<span class="pn"><a
+name="pg_125" id="pg_125">{125}</a></span> dirigiu-se ao povo em phrases
+sentidas e a commoção que provocou foi tão intensa, que muita gente derramou
+sinceras lagrimas.»</p>
+
+<p>No trajecto de Albergaria-a-Velha para aquella cidade, o capitão Leitão
+observou ao commandante da escolta:</p>
+
+<p>&mdash;Sabe uma cousa... Não triumphámos na revolta de 31 porque fomos
+trahidos. </p>
+
+<p>&mdash;Mas quem os atraiçoou no fim de contas... perguntou o commandante.</p>
+
+<p>&mdash;Sou bastante generoso para não denunciar ninguem!</p>
+
+<p>Na cadeia da Relação, o capitão Leitão mostrou-se por vezes excitadissimo e
+nunca cessou de solicitar do respectivo director que lhe consentisse vêr o
+filho&mdash;um rapazito de quatorze annos que ia alli levar-lhe a comida. No
+dia 6 de fevereiro á tarde, satisfizeram-lhe o desejo. E elle então, ao avistar
+a creança, ajoelhou, exclamando:</p>
+
+<p>&mdash;Perdoa-me, assassinei-te!...</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>O tenente Coelho, esse, apresentou-se no dia 1 de fevereiro, no quartel
+general, aqui entregou a sua espada ao sub-chefe de estado-maior, que lhe deu
+voz de prisão e foi em seguida conduzido para o castello da Foz, onde ficou
+custodiado á vista.</p>
+
+<p>O alferes Malheiro, ao que depois se affirmou, tendo sido derrubado na rua
+de Santo Antonio pelos populares que fugiam das descargas da guarda municipal,
+acolheu-se á casa d'um amigo, d'onde mais tarde passou para uma quinta do Douro
+e d'aqui para a Povoa do Varzim. Na Povoa embarcou n'uma canoa de pesca para a
+Galliza e de Vigo seguiu mais tarde para a America do Sul.</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>A maledicencia não poupou nenhum d'esses tres homens. Vendo-os derrotados,
+entreteve-se a assacar-lhes<span class="pn"><a name="pg_126"
+id="pg_126">{126}</a></span> varias infamias, como se fosse necessario
+cobril-os de opprobrio para mais facil apotheose dos vencedores. Os jornaes da
+epocha, porém, registam diversos documentos que ao mesmo passo que evidenciam a
+qualidade dos manejos tecidos para denegrir a situação dos tres officiaes,
+demonstram egualmente que todos elles investiram de frente contra as insidias e
+calumnias espalhadas nos orgãos da monarchia. Vejamos, em primeiro logar, esta
+carta do capitão Leitão publicada, já depois de elle ter sido julgado e
+condemnado em conselho de guerra:</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>«<em>Sr. redactor do «Seculo»</em>:&mdash;Informa o <em>Dia</em> que minha
+esposa supplicára do general Scarnichia commandante da 3.ª divisão militar, o
+auxilio da rainha de Portugal em seu favor e que a soberana ia, com effeito,
+conceder-lh'o bem como a meus dois filhos. Achando-me eu separado ha annos da
+senhora de quem se trata, cumpre-me declarar em vista de tal informação, que
+nem sou solidario com os seus actos nem d'elles assumo a menor
+responsabilidade. Cumpre-me outrosim accrescentar quanto a meus filhos que a
+situação d'estes é perfeitamente independente da de minha esposa e se acham
+felizmente ao abrigo da regia philantropia. Lamentando que um tal facto me
+obrigasse a vir á imprensa desvendar um recanto da minha vida intima,
+etc.&mdash;<em>Antonio do Amaral Leitão</em>.»</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Trechos d'uma carta do tenente Coelho:</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>«<em>Sr. redactor do «Diario Popular»</em>:&mdash;Tive por acaso
+conhecimento de que um jornal de Lisboa, no furor de fazer <em>reportage</em>,
+a proposito dos lamentaveis successos do dia 31 de janeiro se refere a um
+incidente da minha vida de estudante, deturpando-o e commentando-o de um modo
+insultante<span class="pn"><a name="pg_127" id="pg_127">{127}</a></span> para
+mim. Indigna-me a cobardia; porque é facil e pouco perigoso insultar um preso
+que tem a absoluta impossibilidade de desforçar-se. Não fui eu o unico a quem
+aconteceu aquelle incidente, mas fui o unico que por elle respondi, sendo
+absolvido por unanimidade no conselho de guerra respectivo. Outros mais felizes
+obtiveram as suas cartas apesar de identicos incidentes.</p>
+
+<div class="ilustracao" style="float: right;"><a name="img127"></a>
+<p><img alt="Fotografia de Tenente Coelho" src="images/p127.png"
+style="display: block; text-align: center; margin-left: auto; margin-right: auto"></p>
+
+<p>Tenente Coelho (1891)</p>
+</div>
+
+<p>«Pois embora tivesse sido denunciado por um camarada, não deixei de lhe
+perdoar o muito que soffri pelo muito que os dignos officiaes que compunham o
+corpo docente da escola do exercito me beneficiaram a mim. E desde que vesti a
+minha farda de official, desde janeiro de 1883, posso erguer bem alta a cabeça,
+que na minha vida não ha uma acção que me deslustre! Tenho por testemunhas toda
+a população de Villa Real, onde sempre tenho vivido e os officiaes que commigo
+serviram em infanteria 13. Desafio quem quer que seja a desmentir as minhas
+palavras. Transferido violentamente e violentamente exonerado de ajudante de
+infanteria 13, como o prova o sr. conde de Villa Real, pelo simples facto de eu
+ser progressista, partido em que trabalhei afanosamente, bem podera ter ficado
+no mesmo logar se quizesse transigir com o partido<span class="pn"><a
+name="pg_128" id="pg_128">{128}</a></span> regenerador, como pode proval-o um
+dos homens mais honrados e illustres d'esse partido, o sr. dr. Antonio de
+Azevedo Castello Branco. Mas não. O meu dever era não abandonar o partido em
+que me alistára e assim o fiz, apesar dos innumeros sacrificios que isso me
+custou.</p>
+
+<p>«Tendo um grande amor ao trabalho e ao estudo, todo Villa Real sabe e todos
+os que me conhecem testemunham como eu desde as 6 horas da manhã até ás 6 ou 7
+da tarde, áparte as horas em que cumpria os meus deveres officiaes, leccionava
+varias disciplinas para angariar meios de subsistencia para a minha numerosa
+familia sem me arredar um ponto da linha recta da honra e da
+dignidade.&mdash;<em>Manuel Maria Coelho</em>.»</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Uma carta do alferes Malheiro:</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>«<em>Sr. redactor do «Jornal de Noticias»</em>:&mdash;Tendo lido em diversos
+periodicos que eu tentara alliciar a força da guarda do meu commando, a fim de
+me acompanhar na revolta e que essa força não adheriu devido ao procedimento
+energico do 2.º sargento Benigno, que disse não abandonar o seu posto emquanto
+tivesse munições, tenho a declarar muito terminantemente que são falsas taes
+versões.</p>
+
+<p>«Na occasião em que se apresentou o regimento de caçadores 9 em frente da
+cadeia, sahi do meu quarto e como visse grupos de soldados passeando,
+intimei-os a recolher á casa da guarda, assistindo eu mesmo a essa retirada.
+Disse-lhes, finalmente, que ninguem sahiria d'alli a não ser ao brado d'armas.
+Tudo isto que declaro é a expressão da verdade, podendo ser garantido pelo
+sargento que estava n'esse momento a meu lado.</p>
+
+<p>«Nunca me passou pela imaginação a adhesão da força da guarda, pois
+n'aquelle momento de exaltação não deixei de pensar em que se tornava<span
+class="pn"><a name="pg_129" id="pg_129">{129}</a></span> precisa a maior
+vigilancia sobre a cadeia. Seria leviano, mas não tanto como o julgam aquelles
+para quem escrevo esta declaração.&mdash;<em>Augusto Rodolpho da Costa
+Malheiro.</em>»</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Repetimos: a maledicencia não poupou nenhum dos tres officiaes que se
+evidenciaram durante a revolta. Dias a fio bradou-se, á mistura com a
+divulgação dos mais censuraveis boatos, que era necessario applicar aos
+culpados todo o rigor das disposições penaes. Pouca gente, da affecta ao
+regimen e á dynastia brigantina, ponderou que a genese do movimento brotara
+exactamente dos erros e dos escandalos d'um e d'outra e que para os accusadores
+serem realmente justos precisavam, antes de mais nada, pensar nas suas proprias
+responsabilidades, ou nas dos partidos politicos a que pertenciam.</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<h1>CAPITULO XVIII</h1>
+
+<h2>O dia seguinte ao da derrota</h2>
+
+<p>Suffocado o movimento, que fizera triumphar por algumas horas, a dentro dos
+muros do Porto, a bandeira verde e vermelha, os serventuarios da monarchia
+apressaram-se a enaltecer os talentos dos vencedores e a amesquinhar o valor da
+organisação revolucionaria. Não ignoravam elles que fóra d'aquella cidade se
+tinham dado occorrencias graves, reveladoras da amplitude d'essa organisação e
+que para evitar maiores complicações se mandara interromper a marcha d'algumas
+das forças militares a caminho do fóco insurreccional.</p>
+
+<p>«O mesmo regimento de infanteria 18&mdash;affirma-o um chronista da
+epoca&mdash;só ás dez da manhã, terminado<span class="pn"><a name="pg_130"
+id="pg_130">{130}</a></span> completamente o combate, finda inteiramente a
+lucta, foi, a bandeira desfraldada, apresentar-se ao quartel general. Um dos
+regimentos do Norte, que chegou a desembarcar na estação de Campanhã, ahi mesmo
+levantou vivas á Republica. Muitas praças do regimento de caçadores 5 que
+faziam a guarda ás prisões onde se encontravam os revoltosos que não haviam
+conseguido fugir, diziam-lhes que tinham feito mal em não prolongar a lucta até
+á sua chegada, porque o regimento faria causa commum com a revolta...»</p>
+
+<p>Na imprensa monarchica liam-se as cousas mais affrontosas para os
+derrotados. Todos os que, durante os momentos victoriosos, tinham receiado pela
+sua integridade pessoal, atropellavam-se no empenho de accumular a <em>metralha
+accusatoria</em> sobre os vencidos. Sacudiam-se responsabilidades e ninguem
+queria ter a menor solidariedade com os revoltosos. As mesmas corporações que
+no caso do triumpho republicano se apressariam por certo a saudar o advento
+d'um novo regimen com o appoio incondicional e festivo despejavam sobre o
+throno canastradas de felicitações, algumas n'uma linguagem servil e, por isso
+mesmo, abjecta.</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>No dia 31, ao começo da tarde, o governador civil do Porto, Taibner de
+Moraes, fez publicar um edital suspendendo «as formalidades que garantem a
+liberdade individual», e o governo central acrescentou a isso a suppressão da
+imprensa republicana ou d'aquella que não vociferasse tonitruante contra o
+movimento e os seus promotores. A serie das bajulações á monarchia victoriosa
+que, afinal, durante a insurreição, não ganhara para o susto, foi aberta pela
+vereação portuense n'uma mensagem que ella propria veio entregar a Lisboa,
+dizendo todas estas enormidades: <span class="pn"><a name="pg_131"
+id="pg_131">{131}</a></span></p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>«N'esse nefasto dia (o de 31 de janeiro) uma parte da guarnição, esquecendo
+o juramento de fidelidade á sua bandeira e ás instituições que nos regem e não
+menos o dever da disciplina e da manutenção da ordem e da tranquilidade
+publica, praticou o maior dos attentados contra a patria, que na occasião se
+podia commetter.</p>
+
+<p>«Attentando contra a monarchia constitucional que é o mais seguro esteio da
+independencia portugueza, nem ao menos se ponderaram as criticas circumstancias
+em que nos collocam no actual momento as pretenções de uma poderosa nação sobre
+o nosso dominio africano e a situação da fazenda publica. </p>
+
+<p>«E quando todo o cidadão que verdadeiramente ama o seu paiz sente o
+impreterivel dever de não crear o menor embaraço nem levantar o menor estorvo á
+melhor solução d'aquellas difficuldades e perigos é que uns poucos de militares
+e um insignificante numero de individuos da classe civil intentam,
+verdadeiramente obcecados, mudar a natureza das instituições fundamentaes,
+abolir a monarchia e precipitar o paiz na revolução á mão armada...»</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>A mensagem tinha os nomes dos srs. Oliveira Monteiro, Ribeiro da Costa e
+Almeida, Leão da Costa, Anthero d'Araujo, Mendes Correia, Pinto de Mesquita,
+Chaves de Oliveira, Christiano Vanzeller, Pires de Lima, Teixeira Duarte, Lima
+Junior, Silva Moreira, Alves Pimenta, José Arroyo, Fernando Bahia, Silva
+Tapada, Moreira Monteiro, Manuel da Silva Pinto, Vieira d'Andrade, Pedro de
+Araujo e Tito Fontes.</p>
+
+<p>A guarda municipal do Porto tambem recebeu a sua quota parte de felicitações
+e... melhoria de rancho, pelo «denodo com que repellira os insurrectos». Os
+jornaes da epoca estão pejados de documentos<span class="pn"><a name="pg_132"
+id="pg_132">{132}</a></span> interessantes, revelando o calor bajulatorio
+projectado sobre os triumphadores do movimento. Um d'elles: </p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>«Satisfeito com o exemplar comportamento e bravura que mostrou o corpo da
+guarda municipal do Porto, no dia 31 de janeiro para conter os desordeiros e
+fazer respeitar a lei e o governo do paiz e seguindo as ideias do meu compadre
+e bom amigo João Pinto Ferreira Leite, tomo a liberdade de remetter a v. ex.ª
+(o commandante da guarda) a quantia de 50$000 réis destinados para melhorar o
+rancho dos soldados da mesma guarda.&mdash;<em>Januario Bastos</em>».</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Outro, egualmente dirigido ao commandante da guarda municipal:</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>«<em>Meu bravo e glorioso camarada</em>: Felicito a v. ex.ª e felicito a
+valente guarda municipal do Porto, hoje mais do que nunca, uma honra para o
+nosso paiz, pela maneira corajosa por que acaba de arrancar da beira de um
+abysmo a monarchia e a nação. Consinta v. ex.ª que o abrace e este amplexo
+cinge toda a corporação da guarda municipal do Porto.&mdash;<em>Christovão
+Ayres</em>».</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Alguns dos membros do governo provisorio proclamado no edificio da camara
+municipal, uma vez suffocado o movimento, publicaram egualmente nas gazetas
+declarações terminantes repudiando a menor ligação com os revoltosos. O sr.
+Joaquim Bernardo Soares, por exemplo, dizia na sua carta:</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>«Tenho sido sempre homem de ordem&mdash;nem o meu passado, nem as ideias que
+tenho manifestado inalteravelmente com o maior desassombro, podiam auctorisar
+um tal procedimento da parte<span class="pn"><a name="pg_133"
+id="pg_133">{133}</a></span> d'aquelles que imprudentemente lançaram o meu nome
+para o publico e com os quaes não tenho relações de qualquer natureza nem
+sequer pessoalmente conheço. Repillo, portanto, com a maior indignação, o abuso
+que do meu nome se fez, sem que possa descortinar o motivo que o
+determinou».</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>O sr. Azevedo Albuquerque foi mais laconico:</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>«Declaro que não dei auctorisação para o meu nome figurar na lista dos
+membros do governo provisorio proclamado na casa da camara do Porto; e que não
+concorri nem directa nem indirectamente, para o movimento revolucionario».</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>A declaração do sr. Rodrigues de Freitas, embora principiasse por affirmar
+que o seu auctor «desde muito se manifestara republicano-democrata e
+continuaria a professar firmemente as mesmas ideias» quaesquer que fossem os
+derrotados ou os victoriosos, acrescentava:</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>«Não auctorisei ninguem, quer directa quer indirectamente, a incluir o meu
+nome na lista do governo provisorio lida nos paços do concelho no dia 31 de
+janeiro; e deploro que um errado modo de encarar os negocios da nossa infeliz
+patria levasse tantas pessoas a tal movimento revolucionario».</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Por ultimo esta declaração do sr. José Ventura dos Santos Reis:</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>«Sabendo que o meu nome anda envolvido nos tristes acontecimentos que se
+deram n'esta cidade no dia 31 do mez passado, cumpre-me declarar
+cathegoricamente que não auctorisei absolutamente ninguem a incluir o meu nome
+na lista do governo<span class="pn"><a name="pg_134"
+id="pg_134">{134}</a></span> provisorio, que foi lida nos paços do concelho;
+que fui completamente estranho a quaesquer preparativos ou combinações que
+precederam as occorrencias d'aquelle dia».</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Quarenta e oito horas depois da revolta, o governo fez publicar varios
+decretos com o fim, dizia elle, de supprir as deficiencias da legislação então
+vigente «provendo á necessidade de reprimir de prompto e punir com severidade
+os attentados commettidos contra a ordem publica, segurança do Estado e suas
+instituições». Por um d'esses decretos entregava á exclusiva competencia dos
+tribunaes militares, o conhecimento e o julgamento do crime de rebellião, aliás
+previsto e punido no codigo penal portuguez. Na cidade do Porto, não faltavam
+edificios onde podessem funccionar os conselhos de guerra nem cadeias onde
+acumular os individuos presos como implicados na revolta. Mas o governo receiou
+que a população se interessasse demasiadamente pelo espectaculo dos julgamentos
+e assim decidiu que os conselhos de guerra reunissem a bordo de navios de
+guerra.</p>
+
+<p>Para esse effeito, collocaram no porto de Leixões o transporte
+<em>India</em>, a corveta <em>Bartholomeu Dias</em>, e o vapor da Mala Real,
+<em>Moçambique</em>, guarnecido com marinheiros da <em>Sado</em>. Como deposito
+de prisioneiros juntaram a estes tres navios um velho pontão incapaz de
+navegar. Para o <em>Moçambique</em> foram mandados João Chagas, Santos Cardoso,
+o capitão Leitão, tenentes Coelho e Homem Christo, as praças do regimento de
+caçadores 9 e os civis: Miguel Verdial, Felizardo de Lima, Santos Silva, o
+abbade de S. Nicolau (rev.º Paes Pinto), Eduardo de Sousa, Amoinha Lopes,
+Thomaz de Brito, Barbosa Junior, Alvarim Pimenta, José Durão, Pereira da Costa,
+Gomes Alves, Soares das Neves, Pinto de Moura, Pinto de Vasconcellos,<span
+class="pn"><a name="pg_135" id="pg_135">{135}</a></span> Aurelio da Paz dos
+Reis, Cervaens y Rodrigues, Feito y Sanz e Simões d'Almeida. Para a
+<em>Bartholomeu Dias</em> foram as praças de infantaria 18 e 10; para o
+<em>India</em>, o alferes Trindade e os<span class="pn"><a name="pg_136"
+id="pg_136">{136}</a></span> revoltosos da guarda fiscal. Mais tarde, o tenente
+Coelho passou do <em>Moçambique</em> para aquella corveta. Dos chefes civis do
+movimento, conseguiram expatriar-se o dr. Alves da Veiga, José Sampaio (Bruno)
+e Basilio Telles.</p>
+
+<div class="ilustracao"><a name="img135"></a>
+<p><img alt="Santos Cardoso, preso a bordo" src="images/p135.png"
+style="display: block; text-align: center; margin-left: auto; margin-right: auto"
+width="100%"></p>
+
+<p>Santos Cardoso, preso a bordo</p>
+</div>
+
+<p>Reunidos os conselhos de guerra, os julgamentos decorreram de tal modo que
+ninguem se illudiu sobre a sorte que estava reservada aos revoltosos. Sabia-se
+de antemão que sobre elles recahiria o peso d'uma forte condemnação e que
+quaesquer que fossem os incidentes revelados durante as sessões dos conselhos
+elles em nada alterariam a sentença já lavrada.</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>«O tribunal&mdash;affirmou-se mezes depois no manifesto dos emigrados da
+revolução&mdash;era uma tão evidente delegação do poder executivo que, em plena
+audiencia, um dos julgadores, nem sequer resguardando o melindre das
+conveniencias, declarou que não proseguiria n'um detalhe qualquer de juridicas
+investigações, <em>em virtude de ordens superiores</em>.</p>
+
+<p>«Foi decerto tambem em virtude d'essas ordens superiores que os julgamentos
+se realisaram sobre o mar, acossado por uma invernia excepcional. Foi em
+consequencia d'essas ordens que succedeu que, uma tarde mais aspera, as vagas
+arrojaram contra os paredões do porto (Leixões) ainda em via de construcção,
+desamparado e á mercê, consequentemente, um dos navios ahi ancorados,
+persuadindo-se todos os habitantes do Porto que a verminada carcassa desfeita
+fôra a d'um dos pontões onde se mandara apodrecer os suppostos criminosos e
+assistindo-se então ao tremendo exemplo d'uma população de mães e esposas
+clamorosas accorrendo, em gritos de dôr, a olhar a perfida, movediça sepultura,
+onde repousariam, emfim, seus desditosos filhos, seus tristes esposos, a
+alegria<span class="pn"><a name="pg_137" id="pg_137">{137}</a></span> das suas
+almas, as esperanças de suas escuras existencias.</p>
+
+<p>«Em virtude e consequencia d'essas ordens superiores foi que um dos navios
+de guerra (pois que se transformaram os maritimos gloriosos do glorioso
+Portugal passado em carcereiros dos que almejavam restituir a patria ao seu
+antigo esplendor) se desprendeu uma noite de tempestade e, com um condemnado a
+bordo, andou perdido, sem provisões e sem rumo, na serração, pela clemencia
+infinita das aguas.»</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Terminados os julgamentos, os conselhos de guerra condemnaram na pena de
+prisão maior cellular (e, na alternativa, na de degredo): João Chagas, Santos
+Cardoso, Verdial, capitão Leitão, os sargentos Abilio, Galho, Silva Nunes,
+Castro Silva, Rocha, Barros, Pinho Junior, Fernandes Pinheiro, Gonçalves de
+Freitas, Villela, Pereira da Silva, Folgado, Figueiredo e Cardoso, os cabos
+João Borges, Galileu Moreira e Pires e o soldado da guarda fiscal Felicio da
+Conceição. O tenente Coelho foi condemnado a cinco annos de degredo. Aos
+restantes implicados couberam penas variaveis de deportação militar, degredo e
+prisão correccional.</p>
+
+<p>Os regimentos de caçadores 9 e infantaria 10 tambem soffreram castigo
+exemplar: o governo dissolveu-os. E comtudo, em 1826, o primeiro de esses
+corpos, tendo-se revoltado contra o marquez de Chaves, que defendia o
+absolutismo do sr. D. Miguel, fôra aclamado fiel e até comtemplado com augmento
+de soldo...<span class="pn"><a name="pg_138" id="pg_138">{138}</a></span></p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<h1>CAPITULO XIX</h1>
+
+<h2>Para as despezas da revolta bastou um conto de réis</h2>
+
+<p>Uma das accusações graves feitas aos revolucionarios do 31 de janeiro foi a
+de que o movimento só se levara a cabo para servir interesses inconfessaveis e
+apoiar especulações financeiras. Envolveram-se durante alguns dias os
+revolucionarios n'um circulo de malquerença e de odio, attribuindo-se-lhes
+propositos realmente nefandos&mdash;como dizia o governo nos documentos
+officiaes, classificando os incidentes do movimento. O <em>Diario
+Illustrado</em> chegou mesmo a affirmar:</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>«Elles (os revolucionarios) puzeram-se, conscientemente muitos,
+inconscientemente alguns, ao lado dos inimigos da patria, serviram a causa da
+Inglaterra, que nos quer expoliar em Africa; <em>serviram a causa dos
+financeiros que pretendem explorar com onzenices as desgraças da nossa
+situação</em>.»</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Outro jornal, as <em>Novidades</em>, ia mais longe:</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>«D'onde veiu e para onde foi o dinheiro que se arranjara para a revolta?</p>
+
+<p>«Houve ha um mez uma reunião no Porto onde foram dois delegados de Lisboa.
+Ao contrario do que se tem dito, o accordo para a revolução foi completo. Nem
+os de lá nem os de cá divergiram. No que não concordaram os de cá com os de lá
+foi na forma da republica a proclamar, oppondo-se os de Lisboa á federação com
+a Hespanha.</p>
+
+<p>«O que é certo, porém, porque resulta de documentos<span class="pn"><a
+name="pg_139" id="pg_139">{139}</a></span> encontrados, e de depoimentos
+recolhidos, é que a isto se seguiu a subscripção aberta em Lisboa para a
+revolta, que produziu rapidamente 20 contos que foram levados ao Porto por dois
+sujeitos, um dos quaes tem uma alta graduação burocratica. Esse dinheiro ficou
+nas mãos de Alves da Veiga.</p>
+
+<p>«Escusamos dizer que não foi encontrado na busca que a policia fez. Nem o
+dinheiro nem os papeis importantes, porque as gavetas foram já encontradas
+tiradas dos moveis, espalhadas pelo chão e alguns dos papeis que n'ellas ainda
+havia eram ou insignificantes ou rasgados.»</p>
+
+<div class="ilustracao" style="float: right;"><a name="img139"></a>
+<p><img alt="Fotografia do Actor Verdial" src="images/p139.png"
+style="display: block; text-align: center; margin-left: auto; margin-right: auto"></p>
+
+<p>Actor Verdial (1891)</p>
+</div>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Em summa, as <em>Novidades</em> diziam claramente que um dos chefes da
+revolta recebera alguns contos de réis e com elles se locupletara. </p>
+
+<p>Essa e outras accusações despertaram, como é natural, protestos vehementes.
+Os jornaes republicanos, apesar da mordaça que o governo lhes collocara apoz o
+31 de janeiro, esforçaram-se o mais possivel por quebrar os dentes á calumnia e
+apagar a serie de apodos com que a imprensa monarchica mimoseava os revoltosos.
+E esse sentimento de protesto conquistou tambem a grande maioria dos jornaes
+madrilenos, porque um d'elles, o mais<span class="pn"><a name="pg_140"
+id="pg_140">{140}</a></span> accentuada e tradicionalmente monarchico, o jornal
+ultra-conservador a <em>Epoca</em> fez côro com os collegas radicaes que
+estygmatisaram a insidia cavilosa.</p>
+
+<p>E comprehende-se que assim succedesse. Não era crivel que o exercito
+portuguez&mdash;a parte d'esse exercito que se revoltara no 31 de
+janeiro&mdash;pensasse em saquear a cidade do Porto, como egualmente a imprensa
+monarchica pretendeu fazer acreditar. Admittir tal hypothese seria o mesmo que
+admittir que a revolta, longe de visar á proclamação da Republica, se limitava
+a favorecer o roubo d'umas tantas casas commerciaes. Narrou-o mais tarde um dos
+revolucionarios que conseguiu escapar á furia dos serventuarios do regimen,
+exilando-se em Hespanha:</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>«Emquanto a estupida imprensa officiosa de Portugal enxovalhava de tal modo
+o exercito portuguez perante a Europa toda, por um momento occupada quasi
+exclusivamente do que estava ocorrendo na nossa terra, o jornalismo estrangeiro
+registava, ainda com os louvores mais rasgados, que a revolução militar do
+Porto não se devera a nenhum baixo mobil, não fora propulsionada por nenhum
+mesquinho interesse, antes, pelo contrario, constituira, na solidariedade moral
+europeia, um caso honroso para toda a humanidade e infelizmente raro, na
+historia d'um movimento politico, combinado e ultimado pelo simples prestigio
+das convicções.</p>
+
+<p>«E todavia a imprensa estrangeira ignorava que o traço particularmente
+typico do movimento de 31 de janeiro foi o da sua essencia genuinamente
+democratica; ignorava que nenhuma seducção poderia exercer em almas populares o
+fascinamento das posições sociaes de elevados alliciadores, pois que os não
+houve; ignorava que não sómente não existia caixa alguma, pittoresca,
+estolidamente, denominada<span class="pn"><a name="pg_141"
+id="pg_141">{141}</a></span> <em>da revolução</em>, mas ainda que nem sequer o
+anonymo soldado recebera um real para sahir do quartel; ignorava que na noite
+famosa que precedeu o acontecimento se deixara bem assignalado que, na
+hypothese da victoria, nenhum dos militares revolucionados teria a mais somenos
+promoção ou o mais insignificante beneficio, de qualquer genero que fosse.</p>
+
+<p>«Em tão novas condições se consumou este movimento politico de 31 de janeiro
+de 1891 que elle fará a admiração das gerações portuguezas e nobilitará o paiz,
+comprehendendo-o na esphera dos povos que sabem, podem e querem, ao menos
+tentam pelejar e morrer pela consecução desinteressada d'um ideal de justiça
+abstracta.</p>
+
+<p>«A historia não ha-de ser commettida aos escribas da imprensa vendida dos
+nossos tempos; e a historia ha-de considerar o movimento republicano do Porto a
+uma altura que parece irrisorio talvez á tagarelice insensata de certos
+portuguezes de hoje».</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>E tinha razão de sobejo o revolucionario emigrado. Tres dias depois de
+suffocado o movimento, o presidente da edilidade portuense, n'uma nota
+distribuida aos jornaes monarchicos, salientava o facto dos revoltosos não
+haverem tocado no thesouro da camara emquanto occuparam o edificio municipal.
+Na grande meza da sala das sessões repousaram, durante o tiroteio entre os
+revolucionarios e as forças fieis, magnificos tinteiros de prata. Pois ninguem
+lhes tocou, até que os empregados da camara, uma vez liquidado o movimento, os
+arrecadaram em logar seguro.</p>
+
+<p>A <em>Tarde</em>, jornal de Lisboa affecto ao antigo partido regenerador,
+bem se esfalfou em asseverar que a muitos dos militares presos tinham sido
+encontradas libras em ouro, o que provava que na<span class="pn"><a
+name="pg_142" id="pg_142">{142}</a></span> madrugada de 31 de janeiro se fizera
+larga distribuição de dinheiro. Outras gazetas insinuaram egualmente que a
+revolução rebentara mais cedo do que fôra determinado pelos seus organisadores,
+porque um dos sargentos compromettidos tendo defraudado a caixa do respectivo
+regimento em centenas de mil réis&mdash;gastos em alliciar os
+subordinados&mdash;não queria de modo algum que em 1 de fevereiro de 1891 o
+obrigassem a prestar contas. Afinal, tudo isto cahe pela base sabendo-se que o
+unico dinheiro que serviu realmente a pagar despezas da revolta foi fornecido
+ao dr. Alves da Veiga pelo negociante portuense José Ferreira Gonçalves e não
+excedeu... um conto de réis. Não se dirá, por isso mesmo, que o movimento
+custou caro!</p>
+
+<p>Junte-se agora a essa quantia a de sete contos&mdash;em que se avaliou os
+estragos causados pelas balas nos predios dos Clerigos, rua de Santo Antonio e
+praça de D. Pedro&mdash;e vêr-se-ha que nunca se fez uma revolução com tanta
+economia de numerario e tanta nobreza de procedimento da parte dos que a
+levaram á pratica.</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Mas se os revolucionarios dispenderam pouquissimo dinheiro em investir
+contra o regimen monarchico, em compensação prodigalisaram os actos de
+heroismo. N'outro logar d'esta narrativa, já assignalámos o ardor com que a
+guarda fiscal e as tropas do 10 e do 9 sustentaram na rua de Santo Antonio e na
+casa da camara as arremettidas da guarda municipal. Devemos, no emtanto,
+registar dois casos typicos que a imprensa da epoca descreveu
+pormenorisadamente e que qualificam nitidamente o valor dos insurrectos.</p>
+
+<p>Um d'elles é o d'um guarda fiscal&mdash;figura de athleta&mdash;que,
+installado n'uma das janellas do Café Suisso, na praça de D. Pedro, ahi se
+manteve desfechando ininterruptamente a sua espingarda sobre<span class="pn"><a
+name="pg_143" id="pg_143">{143}</a></span> os defensores da monarchia e só
+abandonou o posto quando lhe faltaram totalmente os projecteis. Essa janela do
+café ficou crivada de balas, mas o guarda fiscal em questão nunca perdeu o
+sangue frio e por espaço de horas visou, certeiro, a guarda municipal. O
+segundo caso é a reproducção do primeiro e occorreu n'outra janella do
+estabelecimento já citado, onde se entrincheiraram quatro estudantes.</p>
+
+<div class="ilustracao"><a name="img143"></a>
+<p><img alt="Revoltosos presos a bordo do India" src="images/p143.png"
+style="display: block; text-align: center; margin-left: auto; margin-right: auto"
+width="100%"></p>
+
+<p>Revoltosos presos a bordo do <em>India</em></p>
+</div>
+
+<p>Compare-se a attitude d'essas creaturas luctando serenamente,
+imperturbavelmente, pelo ideal que se tinham proposto conduzir á victoria com o
+de outras que no curto espaço de tempo que durou a revolta se bandearam
+primeiro com os revoltosos e logo a seguir manifestaram a sua adhesão ao
+regimen<span class="pn"><a name="pg_144" id="pg_144">{144}</a></span>
+monarchico. Os exemplos d'essa cobardia moral abundam. Respigamos ao acaso n'um
+jornal portuense do dia 2 de fevereiro de 1891:</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>«C... proprietario d'um armazem de moveis e L... pharmaceutico, logo que
+viram o caso mal parado (o triumpho momentaneo dos insurrectos) tiraram das
+frontarias dos respectivos estabelecimentos os escudos com as armas reaes; mas
+depois tornaram a collocal-os, porque perceberam que a monarchia não fôra
+vencida na refrega.» </p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<h1>CAPITULO XX</h1>
+
+<h2>Triste balanço: o das victimas da insurreição</h2>
+
+<p>Vinte e quatro horas apoz a liquidação do movimento, espalhou-se que o
+numero de mortos na refrega não passara de doze&mdash;na sua maioria guardas
+municipaes. Entretanto, na população portuense ficou durante muito tempo a
+impressão de que esse numero não representava a verdade e que os cadaveres de
+revoltosos sepultados nos cemiterios da capital do Norte se tinham contado por
+centenas. O <em>Primeiro de Janeiro</em>, do dia immediato ao da revolta,
+forneceu aos seus leitores esta lista de feridos graves&mdash;muitos dos quaes
+vieram a fallecer dos ferimentos recebidos:</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>«<em>Recolhidos no hospital do Terço.</em>&mdash;Manuel Canedo, soldado de
+infantaria 10; Manuel Barreira, guarda municipal; Francisco Joaquim, guarda
+municipal; Manuel Maria, soldado do 10; José Joaquim Teixeira, guarda fiscal;
+João Manuel Gomes, guarda fiscal; Antonio Carneiro, soldado do<span
+class="pn"><a name="pg_145" id="pg_145">{145}</a></span> 18; Pedro da Rocha,
+soldado do 10; Manuel Cardoso, cabo da municipal; João Nepomuceno, guarda
+fiscal; Antonio Pereira de Almeida, civil; Francisco José e José Antonio
+Carneiro, municipaes; João José Pereira de Azevedo Lobo e Joaquim Gomes, cabos
+da municipal; dr. João Henrique da Rocha, redactor da <em>Luz</em>; Maria
+Custodia Alves, costureira. Esta rapariga estava á janella da casa do sr.
+Henrique de Mello quando rebentou o tiroteio e recebeu uma bala no pescoço.</p>
+
+<p>«<em>Recolhidos no hospital da Misericordia.</em> Victorino da Assumpção e
+Domingos da Cunha, guardas fiscaes; Antonio Joaquim, municipal; Bernardino
+Gonçalves Losa, cabo da municipal; Albino Cardoso, guarda fiscal; Julio
+Cordeiro, sargento do 18; João Aleixo, corticeiro; José Manuel da Silva
+Monteiro, charuteiro; Joaquim Sant'Anna, pedreiro; João de Castro, empregado
+forense; Antonio Gomes Junior, alfaiate; Manuel Pereira da Fonseca,
+chapelleiro; Cosme Campos Cabral, estudante; Marianna Rosa, serviçal.</p>
+
+<p>«<em>Recolhidos no hospital militar.</em>&mdash;Lemos Junior, cabo do 10; um
+soldado do 9 e tres soldados da guarda municipal.»</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Sobre o numero de mortos, dizia:</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>«<em>No hospital do Terço.</em>&mdash;Um soldado da guarda fiscal.</p>
+
+<p>«<em>No hospital da Misericordia.</em>&mdash;José Joaquim d'Almeida,
+tamanqueiro; João de Carvalho, trolha; um desconhecido e José Gustavo Adolpho
+Alves de Almeida Guimarães.</p>
+
+<p>«<em>Nas ruas</em>&mdash;Um desconhecido; Silverio d'Almeida Santos, guarda
+fiscal; Taveira, 2.º sargento; Domingos Nogueira; João, entalhador e um
+empregado do commercio, irmão do redactor da <em>Republica</em> Jayme
+Filinto.»<span class="pn"><a name="pg_146" id="pg_146">{146}</a></span></p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Evidentemente, esta lista era deficientissima. Tanto assim que d'ahi a dias
+uma nota do commissariado geral da policia indicava como despojos dos militares
+compromettidos no movimento:</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>«147 espingardas, 147 terçados, 1 espadim de official, 3 espadins de
+musicos, 1 bainha de espada de cavallaria, 147 patronas, 176 cinturões
+completos, 197 cananas, 14 cantis, 12 mochilas, 92 capacetes grandes, parte dos
+quaes sem a corôa real, 13 bonets da guarda fiscal, 9 instrumentos musicos, uma
+corneta, dois tambores, 39 capotes, um capote de official, 23 jaquetas, a maior
+parte das quaes pertencentes a sargentos, 173 massos de cartuchame embalado com
+vinte tiros cada um, 227 massos com dez tiros e uma grande porção de balas
+soltas.»</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Reproduzindo esta nota, não queremos dizer com isso que cada um dos objectos
+acima enumerados tenha realmente correspondido a um morto pela revolução. A
+nota, em primeiro logar, expressa por uma maneira bem flagrante a intensidade
+do panico que se desenvolveu ao principiar o recontro na rua de Santo Antonio.
+Por outro lado, muitos dos militares que empunhavam esse armamento recolhido
+pela policia, tendo conseguido escapar á fusilaria da municipal, abrigaram-se
+fóra do Porto e uma grande porção d'elles fugiu para Lisboa. Em resumo: se não
+foram apenas doze as victimas do movimento republicano&mdash;como se pretendeu
+affirmar no dia seguinte ao da derrota&mdash;tambem não cremos que tivessem
+passado de cincoenta os cadaveres enterrados nos cemiterios.</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>No dia 3, á meia noite, correu no Porto que o regimento de infantaria 3,
+aquartelado em Santo Ovidio de camaradagem com o 18&mdash;fôra para ali<span
+class="pn"><a name="pg_147" id="pg_147">{147}</a></span> horas depois de
+suffocada a revolta&mdash;se insubordinara e pretendia sahir á rua dando vivas
+á Liberdade e á Republica. A capital do Norte tornou a viver momentos de
+angustiosa espectativa. Pelo espirito da população portuense de novo perpassou
+a visão d'outros cadaveres empilhados no Prado do Repouso... A guarda
+municipal, prevenida dos boatos correntes, encaminhou-se sem demora para o
+Campo de Santo Ovidio. Ahi, reconhecendo que nada tinha a fazer, evolucionou em
+varias direcções e por fim desceu á Praça de D. Pedro, ostentando a
+<em>pose</em> irritante adequada a <em>salvadores da monarchia</em>. De
+madrugada recolheu ao quartel e a cidade recuperou o socego.</p>
+
+<div class="ilustracao" style="float: right;"><a name="img147"></a>
+<p><img alt="Fotografia de Antonio José de Almeida" src="images/p147.png"
+style="display: block; text-align: center; margin-left: auto; margin-right: auto"></p>
+
+<p>Antonio José de Almeida (1891)</p>
+</div>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Nos dias immediatos, ainda os cemiterios receberam os corpos de algumas das
+victimas da Revolução. Tratava-se de feridos graves operados nos hospitaes e
+que não tinham resistido a amputações dolorosissimas, ás trepanações e outros
+trabalhos cirurgicos. A par d'essa liquidação funebre, a policia e as
+auctoridades militares procediam a uma outra: a das creaturas que se lhes
+affiguravam suspeitas de republicanismo. Para mais, nas buscas realisadas em
+diversas casas de revoltosos haviam sido apprehendidos documentos provando a
+adhesão<span class="pn"><a name="pg_148" id="pg_148">{148}</a></span> ao
+movimento não só de quasi todos os officiaes inferiores da guarnição do Porto
+mas de dezenas de militares residentes n'outros pontos do paiz. E assim, a rede
+lançada pelos agentes da ordem procurou abranger o maior numero possivel de
+elementos accusatorios, collocando ao mesmo tempo os presos politicos em
+situação de esmorecerem de animo pelo effeito do tratamento que lhes
+dispensavam.</p>
+
+<p>Dil-o um testemunho insuspeito:</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>«Punge-me a triste situação em que se acham os revoltosos do 31 de Janeiro.
+Aos presos apenas é dada uma triste açorda; não teem cama nem uma enxerga ou
+maca, nem uma pouca de palha em que se deitem, nem uma manta em que se
+embrulhem. Os que dispõem d'alguns recursos mandam ir das suas casas roupas e
+enxergas, mas os restantes, que são o maior numero, estão dormindo nas tabuas
+nuas, tiritando e morrendo com frio.»</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Pelo que respeita á assistencia judiciaria foram os revoltosos mais felizes.
+O curso do 5.º anno da Faculdade de Direito, n'um impulso de vehemente
+generosidade, offereceu-se em massa para defender os réus, explicando, porém,
+pela bocca do seu camarada dr. Lomelino de Freitas&mdash;o porta-voz do bizarro
+offerecimento&mdash;que «a sua attitude não implicava de modo algum profissão
+de fé politica nem approvação ou desapprovação dos acontecimentos.»</p>
+
+<p>Os republicanos que tinham conseguido abrigar-se em Hespanha, esses, depois
+de socorridos pelo governo do paiz visinho, haviam recebido ordem de se afastar
+da fronteira, internando-se&mdash;exactamente o contrario do que succedeu mais
+tarde, estando no poder o sr. Canalejas e tentando o ex-capitão<span
+class="pn"><a name="pg_149" id="pg_149">{149}</a></span> de artilharia Paiva
+Couceiro restaurar a monarchia brigantina.</p>
+
+<p>A situação, em resumo, tornara-se difficil e penosa para todos os que, não
+partilhando da subserviencia incondicional ao regimen monarchico, se viam
+forçados a procurar no isolamento ou no exilio a tranquilidade que o mesmo
+regimen lhes negava. O governo, no proposito firme de cortar as azas á mais
+insignificante velleidade de resistencia, dissolvia os clubs republicanos e
+punha a guarda municipal constantemente de prevenção. E a sua furia contra as
+aggremiações democraticas attingiu taes proporções que só n'um dia mandou
+fechar quatorze das que então existiam em Lisboa.</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<h1>CAPITULO XXI</h1>
+
+<h2>A serenidade d'uns e o desalento de muitos</h2>
+
+<p>Chegado o momento da justiça militar pedir contas dos seus actos aos
+individuos presos por effeito da revolta, houve o maximo cuidado, nas regiões
+officiaes, em impedir que os depoimentos dos <em>principaes culpados</em>
+salientassem o condemnavel procedimento de varias personalidades consideradas
+sustentaculos do throno. Procurou-se assim dar ao grande publico, á nação
+inteira e até ao estrangeiro, a impressão falsissima de que a revolta de 31 de
+Janeiro brotára apenas dos cerebros de meia duzia de tresloucados, creaturas
+apagadas e de nullo valor social, sem ligação com outros elementos de superior
+importancia. Ao mesmo tempo, a imprensa monarchica tentou insinuar, falsamente
+tambem, que a maioria dos individuos presos como revolucionarios experimentára,
+ao embarcar nos navios-prisões, o arrependimento do seu<span class="pn"><a
+name="pg_150" id="pg_150">{150}</a></span> gesto nobre e patriotico e só
+anceiava por alijar as responsabilidades que lhe cabiam á face das leis.</p>
+
+<p>Se é certo que no decorrer da instrucção do processo e mesmo durante o
+julgamento em conselho de guerra alguns d'esses homens mostraram falhas de animo e
+de coragem, devidas essencialmente á torturante atmosphera moral que os agentes
+da monarchia lhes tinham creado, muitos houve&mdash;e esses constituiram o
+maior numero&mdash;que evidenciaram não só incomparavel dignidade como uma
+presença de espirito, uma serenidade verdadeiramente heroicas.</p>
+
+<p>João Chagas, por exemplo, conservou uma placidez digna de registo. Dil-o um
+jornal da epoca:</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>«O brilhante escriptor não afasta de si todas as responsabilidades nem as
+assume todas. Acceita as que tem e não as declina, antes entende que deve
+ufanar-se d'ellas. Essas responsabilidades versam principalmente sobre o que
+elle escreveu e sobre o que se publicou no jornal que dirigia: a <em>Republica
+Portugueza</em>».</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>E como circulasse que no seu depoimento feito perante a auctoridade militar,
+o illustre pamphletario commentára acremente a attitude dubia de diversos
+individuos compromettidos na revolta, o mesmo jornal a que acima nos referimos
+accrescentou dias depois:</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>«É inexacto que o depoimento de João Chagas contenha censuras. Elle julga
+simplesmente que é nobre que responda cada qual corajosamente pelos seus actos.
+É correcto. João Chagas mantem a serenidade e a tranquilidade dos primeiros
+dias. Dorme pouco em virtude d'uma tosse que contrahiu na frialdade humida da
+cadeia. Será visto por um medico. Um amigo do fogoso jornalista, desejoso<span
+class="pn"><a name="pg_151" id="pg_151">{151}</a></span> de lhe provar a
+consideração e a estima em que o tem, fez-lhe, por intermedio do digno director
+da cadeia, alguns offerecimentos que elle agradeceu e recusou. Consta até que
+affirmou, mostrando desprendimento pela vida:</p>
+
+<div class="ilustracao"><a name="img151"></a>
+<p><img alt="Os prisioneiros a bordo" src="images/p151.png"
+style="display: block; text-align: center; margin-left: auto; margin-right: auto"
+width="100%"></p>
+
+<p>Os prisioneiros a bordo</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+</div>
+
+<p>&mdash;O ser condemnado pouco me importa. Estava um pouco cançado e o
+governo, mandando-me prender, offereceu-me descanço por alguns annos».</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>D'uma vez, porém, a serenidade de João Chagas estremeceu ao de leve. Foi no
+dia, em que já encarcerado a bordo, viu passar, a curta distancia do local onde
+se encontrava, o famoso director da<span class="pn"><a name="pg_152"
+id="pg_152">{152}</a></span> <em>Justiça Portugueza</em>. Então, voltando-se
+para um companheiro de prisão, disse, apontando Santos Cardoso:</p>
+
+<p>&mdash;Estamos aqui a pagar as antipathias que aquelle homem provocou...</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>E já que falamos de Santos Cardoso: o seu depoimento confiado ao instructor
+do processo não correspondeu ao que se esperava do seu aspecto energico, quasi
+feroz. Mostrando-se muito abatido e desanimado, declarou que não tomára parte
+activa no movimento insurreccional, que nada soubera antecipadamente do
+<em>complot</em> revolucionario e que apenas sahira á rua na madrugada de 31 de
+Janeiro depois de ter ouvido tocar a rebate na egreja da Lapa. Mais tarde
+descera á praça de D. Pedro e assistira na camara á proclamação da Republica.
+Contou, n'esta altura, um insignificante episodio occorrido dentro do edificio
+municipal. A seu lado, na sala, encontrava-se no momento da proclamação, um
+individuo envolto na bandeira do Club Democratico 15 de Novembro. Esse
+individuo, pretendendo deslocar-se para ir á varanda, ensarilhou o cordel da
+bandeira na espingarda d'um soldado e a arma cahiu no sobrado. A multidão,
+receiando que a espingarda se disparasse, afastou-se pressurosa do local...</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Decorridos alguns dias apoz o depoimento, a esposa de Santos Cardoso foi
+visital-o á prisão. O antigo director da <em>Justiça Portugueza</em> soffreu
+tal choque com essa visita, que chorou desabaladamente, lamentando a sua
+situação e pedindo a todos que d'ella se apiedassem. «Ignorava, disse, a
+responsabilidade em que incorria, tomando parte no movimento; do contrario, não
+o teria feito». E quando teve conhecimento das declarações de Homem Christo,
+prestadas á policia, declarações que<span class="pn"><a name="pg_153"
+id="pg_153">{153}</a></span> relatavam minuciosamente os seus trabalhos na
+preparação revolucionaria, então o seu desanimo tornou-se mais profundo.
+Succumbiu.</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>O jornalista Eduardo de Sousa, que collaborara na <em>Republica
+Portugueza</em> sob o pseudonymo de <em>Gualter</em>, esse, pretendendo fazer
+um depoimento revelador d'uma virilidade intemerata, lançou a policia na
+peugada de varios republicanos egualmente implicados no <em>complot</em>. A
+imprensa noticiosa da epoca chegou a asseverar que a defeza desse reu servira
+simplesmente a comprometter diversas personalidades, algumas das quaes tinham
+sido presas ao mesmo tempo que elle. Cremos, porem, que muito se exagerou a tal
+respeito e que a verdade do caso reside no proposito de atrevido exhibicionismo
+que acima registamos.</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>O sargento Abilio, n'uma carta que escreveu ao juiz affirmou
+desassombradamente: «sou culpado, mas ha superiores meus mais culpados do que
+eu».</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Depoimento de Dyonisio Ferreira dos Santos Silva: «Sou republicano desde que
+me conheço, mas mais accentuadamente desde 11 de janeiro de 1890; no emtanto,
+nunca fui socio de nenhum club democratico e nunca privei com os homens
+dirigentes do partido republicano. Não sabia da revolta que se preparava para
+31 de janeiro e não podia, portanto, ter alliciado para ella militares ou
+paisanos. Soube da sublevação horas antes de rebentar, porque era esse o
+assumpto de todas as conversas nos cafés, restaurantes, etc. Attribuo a minha
+prisão ao facto de ser pouco conhecido na policia...»</p>
+
+<p>Tambem declarou ter sociedade na empreza do jornal <em>Republica
+Portugueza</em>; fôra presencear, como curioso, os successos do dia 31, mas não
+tomára a menor parte n'elles, e sentia-se, por isso<span class="pn"><a
+name="pg_154" id="pg_154">{154}</a></span> mesmo, tranquillo, não receiando o
+resultado do seu julgamento.</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Declarações do actor Verdial:« Não alliciei ninguem para a revolta; sabendo
+que o movimento estava para rebentar, fui ao Campo da Regeneração, onde
+collaborei nos episodios que ahi occorreram. Parlamentei com o coronel
+Lencastre, commandante de infantaria 18, e entrei depois na Camara Municipal,
+onde me conservei até o edificio ser atacado pelas tropas monarchicas. Só me
+pesa uma cousa: a lembrança de minha mulher e dos meus filhos. Comtudo, aguardo
+sereno, a sentença do tribunal.»</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Do abbade de S. Nicolau: «Tinha por costume recolher a casa todos os dias,
+ás 7 da tarde, sendo falso que conspirasse na sombra contra as instituições
+vigentes; para elle eram boas todas as formas de governo, desde que os homens
+se inspirassem nos verdadeiros principios da moral e da justiça. Desilludido
+com respeito aos processos governativos até aqui seguidos, a Republica era para
+elle uma esperança, mas não a queria por meio da anarchia; os comicios
+realisados no theatro do Principe Real, em que figurara, deram-lhe certa
+notoriedade, sendo essa a origem das desventuras por que estava passando. Não
+era homem de acção, porque d'isso o impedia o seu caracter sacerdotal. Tendo
+ouvido falar no dia 30 a alguns individuos na revolta que se ia dar,
+sobresaltara-se com a noticia e recolhera a casa. Na manhã seguinte, sahira
+para fins religiosos, ouvindo então falar na reunião das tropas na praça de D.
+Pedro. Ao avistarem-n'o, muitos populares ergueram-lhe vivas. Entrara no
+edificio da camara, mas ao vêr que ali reinava a anarchia, afastara-se do
+local, encaminhando-se<span class="pn"><a name="pg_155"
+id="pg_155">{155}</a></span> novamente para o seu domicilio. Tinha confiança em
+que justiça lhe seria feita...»</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Alvarim Pimenta falou d'este modo: «Nunca commungara nos segredos dos
+dirigentes do partido democratico; como um dos societarios da empreza
+litteraria em que exercia o logar de administrador da <em>Republica
+Portugueza</em>, fôra presencear os factos occorridos no Campo da Regeneração e
+paços do concelho; mas não assistira ás reuniões preparatorias da revolução ou
+se envolvera nos acontecimentos que se deram.»</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Do aspirante a medico naval Gomes de Faria, accusado de ter tentado revoltar
+a guarnição da corveta <em>Sagres</em>: «Não tivera o minimo conhecimento dos
+preparativos da revolta, pois não estava pessoalmente relacionado com os
+individuos indicados como promotores d'ella; nunca assistira nem fora convidado
+a assistir a reuniões preparatorias para a sedição. Na madrugada de 31 de
+janeiro fora a sua casa o 1.º sargento Abilio de caçadores 9 que o convidára a
+um passeio até Massarellos, afim de ambos visitarem a corveta <em>Sagres</em>.
+Estranhara a proposta, recusára a principio, mas, instado, terminára por
+acceder. Quando ia a sahir de casa, acompanhado do sargento Abilio, este
+dissera-lhe que era melhor vestir o uniforme de aspirante a medico naval, para
+ter mais facil ingresso na <em>Sagres</em>. Achara natural a observação e
+vestira o uniforme. Chegados ambos a Massarellos, dirigiram-se para bordo da
+corveta. Só n'essa occasião é que o sargento Abilio lhe dissera que se tratava
+de sublevar a tripulação para adherir á revolta que ia rebentar. Hesitou quando
+soube o papel que lhe destinavam, mas sendo republicano convicto, embora não
+fosse partidario dos meios violentos, não tivera forças<span class="pn"><a
+name="pg_156" id="pg_156">{156}</a></span> para retroceder; por isso fôra a
+bordo da <em>Sagres</em> tentar, mas sem resultado, sublevar a guarnição.
+Suppozera sempre não ter incorrido em grande delicto; por esse facto não se
+homisiara, apesar de o terem aconselhado a fazel-o.»</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Por ultimo, o depoimento do commissario geral da policia: «Estava na Praça
+de D. Pedro e viu alli chegarem os revoltosos. Receiando que elles o
+prendessem, refugiou-se n'uma casa em obras proximo do restaurante Camanho,
+onde trocou o fato pela blusa d'um operario. Depois subiu mais um andar e d'ahi
+presenceou a lucta entre os republicanos e as tropas fieis. Parte dos
+revoltosos destroçados na rua de Santo Antonio veiu em debandada para a praça
+de D. Pedro, formando aqui tres pelotões commandados pelo capitão Leitão e
+recolhendo mais tarde á casa da camara. Tambem viu a fuga precipitada d'um
+troço de cavallaria da guarda fiscal em direcção aos Clerigos e recorda-se dos
+nomes de varias pessoas que se envolveram no movimento.»</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Escusamos dizer que o commissario geral da policia do Porto não se fez
+rogado para indicar ás auctoridades militares esses nomes, contribuindo assim
+com a sua solicitude para augmentar o numero de presos existentes a bordo dos
+navios fundeados em Leixões.</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<h1>CAPITULO XXII</h1>
+
+<h2>O julgamento dos revoltosos</h2>
+
+<p>Vamos terminar. Mas, antes de o fazermos, é de necessidade registar algumas
+notas colhidas no decorrer<span class="pn"><a name="pg_157"
+id="pg_157">{157}</a></span> dos conselhos de guerra que sentenciaram os
+revoltosos. Ellas darão aos leitores d'esta modesta e desataviada narrativa uma
+ideia clara da forma como se procedeu no julgamento de todos esses homens e da
+attitude de alguns d'elles em momento tão critico e tão grave.</p>
+
+<div class="ilustracao" style="float: right;"><a name="img157"></a>
+<p><img alt="Fotografia do Dr. Affonso Costa" src="images/p157.png"
+style="display: block; text-align: center; margin-left: auto; margin-right: auto"></p>
+
+<p>Dr. Affonso Costa (1891)</p>
+</div>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p><em>Depoimento do 1.º sargento Abilio:</em></p>
+
+<p>«Narrou pormenorisadamente todos os incidentes que caracterisaram a revolta
+e perguntado por fim sobre as intenções com que entrára no movimento,
+respondeu:</p>
+
+<p>«&mdash;Sim, entrei no movimento para ajudar a depôr o rei D. Carlos, porque
+sou republicano e tenho muitas razões para o ser. Não sou republicano de
+evolução, porque, por ella nem d'aqui a um seculo, julgo, teremos a republica
+em Portugal. O que reconheço é que fomos enganados, pois vi muitas adhesões
+escriptas e sabia de outras feitas verbalmente e de reuniões de camaradas meus
+e de outros de superior graduação.</p>
+
+<p>«Sobre a sua prisão conta que foi o ultimo a retirar da casa da camara,
+quando já não tinha munições. Refugiou-se n'um predio da rua do Almada.<span
+class="pn"><a name="pg_158" id="pg_158">{158}</a></span> Quando ali appareceram
+soldados da municipal a perguntar se lá estava algum militar, o dono da casa
+perguntou-lhe o que queria que dissesse. Elle apresentou-se. Os municipaes
+cruzaram ainda armas contra elle, apesar de o verem só e desarmado. Deu-se á
+prisão.</p>
+
+<p>«O auditor insistiu com o reu para que declarasse quaes eram os militares
+que tinham relações com os auctores do movimento do Porto. O reu respondeu
+simples, mas dignamente:</p>
+
+<p>«&mdash;Não senhor, não digo...</p>
+
+<p>«E acentuou:</p>
+
+<p>«&mdash;Não quero acusar ninguem; quanto a mim, digo que foi da melhor
+vontade que entrei no movimento e não declino a minha responsabilidade. Na
+parada do quartel fui eu quem primeiro levantou um viva á Republica».</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p><em>Depoimento de Eduardo de Sousa (aspirante a medico naval):</em></p>
+
+<p>«Declarou francamente ser republicano e repudiou por completo o seu
+depoimento escripto que lhe foi arrancado pela policia á força de ardis e por
+outros meios egualmente condemnaveis. Declarou mais ter dado a nota alegre na
+ceia que houve no café Suisso na vespera da revolta, assim como outros deram a
+nota philosophica, etc. Quanto a essa ceia, explica que era seu costume e dos
+demais convivas cear ali todas as noites. Accrescentou que acompanhára o
+movimento das tropas na qualidade de redactor da <em>Republica Portugueza</em>
+E não na de <em>reporter</em> como lhe chamaram».</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p><em>Extracto da sessão do 2.º conselho de guerra (8 de março de
+1891)</em>:</p>
+
+<p>«... A parte mais interessante foi o promotor requerer acareação entre o
+tenente de cavallaria 6, Vaz Monteiro, do destacamento aquartelado<span
+class="pn"><a name="pg_159" id="pg_159">{159}</a></span> no Porto, com o reu
+Thadeu Freitas, sargento de infantaria 10. Na audiencia de hontem, Thadeu disse
+que o referido tenente affirmára ao tenente Coelho que o esquadrão estava
+prompto a sahir para acompanhar os revoltosos. Chamado o tenente Vaz Monteiro,
+este negou ter dito semelhante cousa. Acareado com o sargento Thadeu continuou
+negando a pés juntos. Thadeu confirmou, acrescentando que o tenente Vaz
+Monteiro pedira senha ao tenente Coelho.</p>
+
+<p>«Acareados ambos com este reu, Coelho disse não se recordar de semelhantes
+palavras. Falara no Campo da Regeneração com o tenente Vaz Monteiro, mas este
+apenas lhe observara: «Manuel, vae-te embora». Nada mais. O sargento Thadeu
+disse que era verdade tudo que tinha affirmado e que se o tenente Coelho dizia
+não ter ouvido as palavras do tenente Vaz Monteiro não era porque as não
+ouvisse. O que o levava a proceder assim era o seu cavalheirismo e a nobreza do
+seu bello caracter, que não queria comprometter ninguem. Que bem sabia que o
+tenente Coelho era um homem de honra e por isso comprehendia a sua negativa.</p>
+
+<p>«O promotor requereu com urgencia auto de noticia das declarações
+cathegoricas do sargento Thadeu para as enviar ao quartel general, segundo o
+seu dever, a que não podia faltar. O incidente causou impressão, sendo todos
+concordes em elogiar o procedimento do tenente Coelho, que a ninguem quer
+comprometter».</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p><em>Depoimento de João Chagas:</em></p>
+
+<p>«Que o artigo da <em>Republica Portugueza</em> sob o titulo <em>Terceira
+meditação</em> era seu e que o artigo que se seguia a esse o não era; sabia bem
+de quem era, mas não o dizia. De resto, sendo elle director do jornal, folgava
+em poder declarar que<span class="pn"><a name="pg_160"
+id="pg_160">{160}</a></span> assumia, inteira e completa, toda a
+responsabilidade dos artigos alli publicados. Inquirido sobre o facto de ter
+incitado á revolta, declarou ter incitado á revolução que não se dera, porque o
+movimento de 31 de janeiro não fôra um erro politico, mas um erro de gramatica,
+um erro de palmatoria. Respondendo á pergunta&mdash;se os artigos do seu jornal
+eram attentatorios das instituições vigentes&mdash;disse que os membros do
+tribunal bem melhor do que elle poderiam e deveriam saber de semelhante
+cousa.</p>
+
+<p>«Era republicano e, como tal, não poderia, está bem visto, defender as
+instituições que julgava não convirem á felicidade da sua patria. Uma vez
+convencido d'isto, não recuaria deante de qualquer obstaculo ou contratempo; a
+sua convicção, arreigada pela força da experiencia da sociedade portugueza, era
+pela mudança do systema de governo. No movimento de 31 de janeiro não tomara
+parte pelo motivo de estar preso na cadeia da Relação, por causa da primeira
+querella do seu jornal, depois da lei restrictiva de Lopo Vaz contra a imprensa
+democratica.</p>
+
+<p>«Todas as suas declarações, feitas com um tom de franqueza e sinceridade,
+proprias da sua nobreza de caracter, foram escutadas attentamente e produziram
+sensação. Ao findar o seu interrogatorio, travou-se entre elle e o auditor o
+seguinte dialogo:</p>
+
+<p>«&mdash;Teve conhecimento antes, do movimento que havia de effectuar-se no
+dia 31?</p>
+
+<p>«&mdash;Sim, senhor.</p>
+
+<p>«&mdash;Pode dizer-me, quem lh'o disse?</p>
+
+<p>«&mdash;Não quero».</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p><em>Depoimento de Homem Christo</em>:</p>
+
+<p>«Contrariara o movimento, como provava pelo artigo dos <em>Debates</em> e
+pela circular do Directorio<span class="pn"><a name="pg_161"
+id="pg_161">{161}</a></span> em que figura o seu nome, pela sua ida ao Porto
+para dissuadir Santos Cardoso e pela descompostura que por esse motivo recebeu
+do mesmo Santos Cardoso.</p>
+
+<div class="ilustracao"><a name="img161"></a>
+<p><img alt="Conselho de guerra a bordo do transporte India"
+src="images/p161.png"
+style="display: block; text-align: center; margin-left: auto; margin-right: auto"
+width="100%"></p>
+
+<p>Conselho de guerra a bordo do transporte <em>India</em></p>
+</div>
+
+<p>«A sua qualidade de republicano d'alma e coração não era cousa que o
+impedisse de vêr as cousas como ellas realmente são e lhe não permittisse
+discernir o que convém á Patria e ao partido do que não convém nem a uma nem a
+outro, e antes é prejudicial a ambos. A paixão politica não o obceca a tal
+ponto».</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p><em>Depoimento do capitão Leitão:</em></p>
+
+<p>«&mdash;Em abono da verdade, disse o réu, e porque não me soffre o animo vêr
+que um innocente está envolvido no movimento revolucionario preciso que o
+tribunal tome conhecimento de que o espingardeiro de infantaria 10 não tomou a
+minima parte na revolta. A accusação que sobre elle impende é falsa. Reconheci
+perfeitamente todas as praças da<span class="pn"><a name="pg_162"
+id="pg_162">{162}</a></span> minha companhia e o espingardeiro não estava ali
+no acto da sublevação.</p>
+
+<p>«A passagem mais curiosa do depoimento é, porém, a seguinte, com referencia
+ao coronel Lencastre de Menezes:</p>
+
+<p>«&mdash;O sr. coronel disse-me então: «Obste a que entre mais gente no
+quartel e faça sahir os populares que estão dentro». Cumpri essa ordem e depois
+de a cumprir voltei para junto do sr. coronel, ouvindo distinctamente que elle
+dizia aos paisanos com quem falava: «Vão descançados, que eu lá estou ás seis
+horas. Dou-lhes a minha palavra de honra que não hostiliso o movimento.»
+Deram-se então muitos vivas ao coronel do 18. Isto seriam quatro horas e um
+quarto, o maximo quatro horas e meia. O coronel accrescentou ainda: «Preciso
+ordenar certas providencias para guardar os reclusos do presidio e o cofre. Os
+senhores já lá teem duas companhias e eu tenho pouca gente disponivel...»</p>
+
+<p>«Eu entrei no movimento militar, continuou o capitão Leitão, por muitas
+circumstancias e não foi só a ideia de ser ou não republicano que em mim
+imperou; foi só pelo bem do meu paiz que trabalhei. Não sou monarchico, mas já
+o fui. Comecei a carreira militar apoiando o partido regenerador e em 1874, nas
+suas fileiras, procurei ser util ao meu paiz. Tambem militei no partido
+progressista, no qual julguei antever uma regeneração da minha patria. Dentro
+em pouco, percebi que tanto um como outro d'esses partidos nada faziam em bem
+da nação. Quasi todos os annos promettiam vida nova; mas não passavam d'isso;
+eram tudo apparencias enganadoras.</p>
+
+<p>«Afinal tudo isto me chegou a fazer crer e a convencer de que todos
+nós&mdash;o paiz&mdash;estavamos fóra da lei e que eu, estando o paiz fóra da
+lei, o estava egualmente. Eu não posso permittir nem<span class="pn"><a
+name="pg_163" id="pg_163">{163}</a></span> admittir que a lei seja por degraus.
+Eu julgo a lei superior a tudo e a todos e, portanto, não admitto
+irresponsabilidades a ninguem. Eu, como capitão, aquelle como coronel e este
+como general, todos teem deveres e obrigações e são responsaveis pelo seu
+cumprimento. Ha, porém, uma unica excepção&mdash;o que prova que a nossa lei
+não é egual para todos, (<em>exaltando-se</em>) não é!&mdash;Ha um unico
+responsavel é o rei!</p>
+
+<p>«Eu sempre tive um odio profundo ao inglez&mdash;desde que me conheço
+(<em>exaltando-se</em>): os jornaes disseram que eu estava desanimado, mas não
+ha tal: é mentira! Tinha um tio que se bateu contra os inglezes, morrendo de
+101 annos de edade. Como todos os velhos militares, gostava de narrar os seus
+feitos ou os dos seus camaradas. Com as suas historias, fez-me elle conceber
+esse odio, narrando-me algumas das infamias e torpezas da tal raça. O que me
+custava mais é que, depois do <em>ultimatum</em>, não terminassem ainda com
+essa alliança.</p>
+
+<p>«O que eu queria e quero é um governo que traga a felicidade do paiz, que
+tão humilhado está. Embora preso e vilipendiado como estou, espero ainda a
+redempção. Considerar-me-hei feliz, se, com o que fiz, concorrer de alguma
+forma para o bem da patria. Não receio nem temo o castigo: o que fiz foi o
+principio de alguma cousa. Ficarei satisfeito, serei feliz, se a semente,
+fructificar. No entretanto, nada receio, além de que conto não cumprir a pena a
+que me condemnarem.»</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Para se avaliar da maneira atrabiliaria como se lançou á conta de dezenas de
+individuos as responsabilidades da sublevação, basta reproduzir alguns trechos
+dos discursos de defeza proferidos nos conselhos de guerra:<span class="pn"><a
+name="pg_164" id="pg_164">{164}</a></span></p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p><em>Do Dr. Pires de Lima:</em></p>
+
+<p>«N'uma das guerras da religião foi cercada pelos catholicos uma cidade
+protestante. Renderam-se os sitiados; e, conforme os usos barbaros d'esses
+calamitosos tempos foram todos condemnados á morte pelos invasores. Como na
+cidade tomada havia tambem muitos catholicos, perguntaram ao legado do papa
+como os haviam de distinguir dos huguenotes. «Matem-nos todos, respondeu o
+catholico varão; Deus lá os separará.» O mesmo se fez agora. Fôra visto
+qualquer individuo republicano na camara ou no campo da Regeneração?
+Prendam-n'o e mandem-n'o para bordo. Mas elle está innocente: É o mesmo. O
+tribunal lá os separará.»</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p><em>Do capitão Fernando Maia:</em></p>
+
+<p>«Acho extraordinario o que se fez aos soldados que ficaram no quartel quer
+de guarda, quer nas casernas. Foi um desvairamento singular a maneira como se
+procedeu. Que tumultuaria maneira de apreciar criminalidades e avolumar o
+numero dos presos! Viu-se aqui, no tribunal, bem clara e positivamente como
+tudo isso se fez. Prendeu-se a esmo. Quantos estavam no quartel e não cahiram
+nas boas graças, foram presos e de mais a mais ao engano, dizendo-se-lhes que
+era para averiguações, ainda com receio de que a sua justiça valesse mais do
+que a disciplina!</p>
+
+<p>«Onde está a nota dos que se apresentaram voluntariamente? Onde a d'aquelles
+que nenhuma parte tomaram no movimento? Onde a relação das armas limpas e
+intactas? Onde a d'aquelles que tinham licença para dormir fóra? Se até
+appareceu aqui quem negasse a existencia d'essas licenças, quando existem
+n'este tribunal os documentos officiaes que as confirmam! Comprehende-se a
+irritação natural dos chefes contra os subordinados rebeldes,<span
+class="pn"><a name="pg_165" id="pg_165">{165}</a></span> mas o sentimento da
+justiça, e a natural piedade para com os vencidos deviam preponderar para que
+se tratasse de indagar devidamente as condições especiaes em que cada um se
+encontrava».</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p><em>Do mesmo official referindo-se a muitos dos acusados:</em></p>
+
+<p>«Reus! É quasi um sarcasmo qualifical-os assim, a todos esses que ahi estão
+submissos, respeitosos e obedientes, a todos esses cujas declarações sinceras,
+ingenuamente sinceras, commoveram profundamente quantos as ouviram.</p>
+
+<p>«E os sargentos? Apparece como principal figura o sargento Abilio. Todos o
+ouviram aqui: todos apreciaram a franqueza, a nobreza das suas declarações.
+Podia falar, podia comprometter muita gente; podia revelar cumplicidades
+graves. A sua generosidade levou-o a repudiar até a defeza primitivamente
+apresentada, comquanto referindo inteira verdade.</p>
+
+<p>«E como é nobre o seu procedimento acerca dos soldados! «De nada sabiam,
+disse elle: foram levados por mim: conheciam-me e obedeceram-me». Eis o segredo
+de tudo quanto se passou. Essa influencia deviam tel-a os officiaes; não é
+momento agora para apreciar as razões porque a não tinham e tirar d'ahi as
+legitimas consequencias».</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Os quesitos referentes aos reus e submettidos aos officiaes julgadores foram
+em grande numero. Damos apenas os seguintes, relativos ás diversas classes em
+que se dividiu a natureza dos crimes:</p>
+
+<p><em>Para os reus civis:</em></p>
+
+<p>«O crime da rebellião de que o reu é accusado no libello por, na madrugada
+do dia 31 de janeiro do corrente anno, com outros individuos e muitos militares
+dos corpos da guarnição da cidade do Porto e outros militares, haver tentado
+destruir a<span class="pn"><a name="pg_166" id="pg_166">{166}</a></span> fórma
+de governo monarchico-representativo, pela qual é regida a nação portugueza,
+apoderando-se do edificio da Camara municipal da mesma cidade, de uma das
+varandas da qual foi proclamada a Republica e até lida uma lista dos membros do
+governo provisorio, está ou não provado?</p>
+
+<p>«A cumplicidade no crime de rebellião de que o reu é accusado no libello,
+por haver por meio de propaganda em logares publicos directamente aconselhado
+ou instigado a execução do mesmo crime, consistente em se haver tentado
+destruir a fórma de governo monarchico-representativo pelo qual é regida a
+nação portugueza, crime este praticado na manhã de 31 de janeiro do corrente
+anno, em que os meus auctores, apoderando-se do edificio da camara municipal da
+mesma cidade, chegaram a proclamar a Republica d'uma das varandas do mesmo
+edificio e a ler uma lista dos membros do governo provisorio, sendo que sem
+esse conselho e instigação podia ter sido commettido o crime, está ou não
+provado?»</p>
+
+<p><em>Para os réus militares:</em></p>
+
+<div class="ilustracao"><a name="img167"></a>
+<p><img alt="Tumulo das victimas no cemiterio do Repouso, no Porto"
+src="images/p167.png"
+style="display: block; text-align: center; margin-left: auto; margin-right: auto"
+width="100%"></p>
+
+<p>Tumulo das victimas no cemiterio do Repouso, no Porto</p>
+</div>
+
+<p>«O crime de revolta militar de que o réu é accusado no libello por, no dia
+31 de janeiro do corrente anno, cerca das 3 horas da manhã no quartel d'aquelle
+regimento, na cidade do Porto, tendo sahido com outros militares do mesmo
+regimento, em numero muito superior a quatro, das respectivas casernas,
+desordenada e tumultuariamente, e tendo com os mesmos militares, sem preceder
+toque previo, pegado nas suas armas e sem auctorisação entrado em fórma, de
+commum concerto, se haver recusado a obedecer as ordens do seu commandante, o
+coronel do regimento que os intimou a dispersar, e sahindo depois do mesmo
+quartel incorporado com outros em numero excedente a oito, sob o commando de
+alguns sargentos e depois do alferes Augusto Rodolpho da Costa Malheiro,<span
+class="pn"><a name="pg_167" id="pg_167">{167}</a></span><span class="pn"><a
+name="pg_168" id="pg_168">{168}</a></span> que se lhes reuniu junto á guarda da
+cadeia da Relação, onde, com outras forças revoltadas, persistindo na desordem
+e commettendo violencias, não haver dispersado á voz dos superiores Fernando de
+Magalhães, tenente-coronel sub-chefe do estado maior da divisão e José Maria da
+Graça, major da guarda municipal, está ou não provado?</p>
+
+<p>«O crime de revolta militar de que o réu F... n.º... de matricula e... da
+companhia do batalhão n.º 3 da guarda fiscal é accusado, por têr na madrugada
+de 31 de janeiro ultimo, cerca das 3 horas da manhã, sahido na cidade do Porto,
+com muitos outros militares, todos armados, para a rua, desordenada e
+tumultuariamente, e ter desobedecido a um dos seus legitimos chefes, que o
+exhortou a entrar na ordem e seguir o caminho legal: e ainda porque,
+juntando-se com muitos outros revoltosos, fez uzo das armas contra tropas
+fieis, comettendo violencias e não despersando ás intimações de seus legitimos
+superiores, persistindo na desordem&mdash;está ou não provado?»</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Antes de serem lidas as sentenças aos accusados, o capitão Leitão teve
+ensejo de usar novamente da palavra&mdash;o presidente do tribunal
+perguntara-lhe se tinha mais alguma cousa a allegar em sua defeza&mdash;e
+disse:</p>
+
+<p>«&mdash;Eu, infelizmente, sendo o principal accusado sou o unico a quem não
+foi permittida a defeza. A minha fé, porém, está de tal fórma arreigada que não
+ha nada que a possa abalar. A fé desterra o medo, abala os tyranos e vence. O
+que se passa commigo é uma monstruosidade e n'isto sirvo-me das proprias
+palavras do sr. promotor. O sr. auditor, como homem de brio, disse, quando aqui
+se tratou da questão da minha defeza, que desde o momento em que o meu defensor
+(o quintanista de direito Lomelino de Freitas) apresentasse documentos<span
+class="pn"><a name="pg_169" id="pg_169">{169}</a></span> que o auctorisassem a
+advogar, na conformidade com o que dispõe o regulamento de 26 de dezembro de
+1888, seria admittido.</p>
+
+<p>«V. Ex.ª (<em>dirigindo-se ao auditor</em>) devia ter esclarecido o conselho
+de guerra sobre este assumpto. É verdade que tive defeza que agradeço ao sr.
+dr. Alvaro de Vasconcellos. Essa defeza não foi engeitada mas foi emprestada. O
+illustre advogado empregou todos os esforços, embora não tivesse em seu poder
+muitos dos apontamentos que possuia o sr. Lomelino. O sr. dr. Vasconcellos
+disse que se achava coacto. Eu o estou egualmente e protesto contra a
+perseguição que se me faz. Cortou-se-me a defeza, apesar do meu defensor
+apresentar documentos legaes: aqui decidiu-se que todos os advogados podessem
+defender os seus constituintes, desde o momento em que apresentassem os
+necessarios documentos provando estar para esse fim habilitados. Todos
+apresentaram esses documentos; uns mais cedo, outros depois. Como o meu
+defensor não podesse apresentar logo os seus documentos, resolveu-se que o sr.
+dr. Alvaro de Vasconcellos tomasse a minha defeza até que elle os apresentasse.
+N'essa occasião, o sr. promotor declarou que desejava dar a maior latitude á
+defeza e que por isso, seria acceite o defensor que eu escolhera, logo que se
+apresentasse devidamente auctorisado.</p>
+
+<p>«Chegou o dia dos debates: o meu defensor apresenta documentos devidamente
+authenticados, de fórma a ninguem os poder contestar e negam-me a defeza!
+Admiro que o sr. promotor, assistindo a tal facto e em vista da sua anterior
+declaração, não protestasse immediatamente contra a violencia de que eu era
+victima.</p>
+
+<p>«Estou coacto e apello, não para o conselho, que não me pode merecer
+confiança, mas para a imprensa, para que esta faça demonstrar bem alto<span
+class="pn"><a name="pg_170" id="pg_170">{170}</a></span> este meu protesto.
+Apesar de tudo, a minha fé fica firme, porque é sincera; ninguem a póde ferir.
+O que commigo se passa é simplesmente odioso. Eu continuo incommunicavel,
+quando é certo que o sr. auditor tinha levantado a minha excommunhão. Eu
+chamo-lhe assim, porque isto não é mais que uma excommunhão. O eu continuar
+incommunicavel é uma monstruosidade, como afinal, é tudo isto, segundo o
+proprio sr. promotor o declarou. Eu ainda sou official, tenho direitos que
+ninguem póde contestar. Estou coacto, tendo defeza emprestada, quando eu só
+depositava confiança no defensor que escolhera. Eu tenho a fazer uma
+referencia. O sr. promotor atirou umas pedradas contra o meu regimento, que
+Deus haja, por quanto infanteria 10 já não existe. V. Ex.ª (<em>dirigindo-se ao
+promotor</em>) disse que nós fôramos cobardes... </p>
+
+<p>«<em>O promotor</em>&mdash;Eu não disse isso... Não dou mais explicações
+porque não posso discutir com V. Ex.ª. O senhor póde apresentar novos
+argumentos para a sua defeza e nunca discutir as minhas palavras.</p>
+
+<p>«<em>O capitão Leitão</em>&mdash;Não quero discutir as palavras de V. Ex.ª
+Não posso, porém, admittir que me chamem cobarde. Se não me deixam defender,
+dêem-me ao menos o direito de protestar. Nós iamos em caminho do quartel
+general...</p>
+
+<p>«<em>O promotor (interrompendo)</em>&mdash;Eu não me referi nunca ao sr.
+capitão Leitão. Referi-me á defeza; e demais não tenho que dar satisfações do
+que aqui disse.</p>
+
+<p>«<em>O capitão Leitão</em>&mdash;Eu então termino mais depressa. Quando me
+chegar a minha vez, eu appellarei para tudo e até para a imprensa, para se
+conhecer bem que não tive defeza, e desde já protesto contra todas as
+violencias que se me fizeram».<span class="pn"><a name="pg_171"
+id="pg_171">{171}</a></span></p>
+
+<p>Outro protesto não menos vibrante reproduzido na imprensa republicana:</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>«Em nome dos republicanos prezos a bordo do vapor <em>Moçambique</em>,
+pedimos-lhe o favor de protestar perante o publico contra a ultima violencia
+que se está commettendo comnosco na demora injustificada, e por todos os
+motivos arbitraria, da leitura da sentença do primeiro conselho de guerra.
+Sujeitos a todos os vexames, os officiaes militares submettidos a um regimen
+contrario á lei e attentatorio da sua dignidade, os prezos civis conduzidos
+como assassinos e salteadores, em carros cellulares desde a Relação até
+Massarellos, e a pé, no meio d'uma escolta, desde a Foz até Mattosinhos, depois
+de terem corrido graves riscos na barra do Porto a bordo do vapor chamado
+<em>D. Luiz</em>, com um tratamento vergonhoso na 2.ª camara do vapor
+<em>Moçambique</em>, apezar de nos exigirem a cada um uma quantia sufficiente
+para um tratamento regular, só nos faltava que o governo conservasse por tantos
+dias, como conserva, suspensa a leitura da sentença do tribunal que nos julgou,
+sob o pretexto ridiculo ou comico do receio de manifestações populares.</p>
+
+<p>«O paiz avaliará um governo que não tem força para fazer julgar em terra uns
+centos de accusados politicos e, por esse motivo, os conduz violentamente para
+bordo de varios navios ancorados n'um porto que só por cumulo d'irrisão se pode
+denominar «porto de abrigo», onde as tempestades desencadeadas teem produzido
+os estragos que se conhecem e posto em perigo imminente a vida de tantos
+homens, muitos dos quaes os proprios accusadores officiaes declararam
+«innocentes» durante a discussão da causa! O paiz julgará da força e do
+prestigio d'um governo que conserva, durante oito dias, um tribunal em sessão
+permanente e<span class="pn"><a name="pg_172" id="pg_172">{172}</a></span>
+«secreta», só porque receia a discussão publica e as manifestações do povo em
+cima d'uma sentença que o proprio governo vem declarando ha muito ser a
+sentença mais levantada e mais patriotica de quantas se poderiam lavrar e
+pronunciar na nossa terra.</p>
+
+<p>«O paiz que julgue isso tudo. Nós protestamos, com toda a força do nosso
+direito e da nossa justiça, contra a ultima violencia que se comette comnosco.
+</p>
+
+<p>«A bordo do <em>Moçambique</em>, 20 de março de 1891.&mdash;<em>João Paes
+Pinto</em>, abbade de S. Nicolau; <em>João Chagas</em>; <em>Francisco
+Christo</em>.»</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Por fim sempre appareceram as decantadas sentenças. Como se verá pelo
+extracto que damos a seguir nada tiveram da <em>elevação</em> e do
+<em>patriotismo</em> apregoados pelos defensores do regimen monarchico e antes
+se caracterisaram por uma manifesta desegualdade na applicação das diversas
+penas.</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p><em>No 1.º conselho de guerra:</em></p>
+
+<p>Santos Cardoso, condemnado a 4 annos de Penitenciaria seguidos de 8 de
+degredo; 1.º sargento Abilio e 2.º sargento Galho, 6 annos de Penitenciaria;
+João Chagas e 2.º sargento Manuel Nunes, 4 annos de Penitenciaria e na
+alternativa de 6 annos de degredo; 2.º sargento Castro Silva, 3 annos e 4 mezes
+de prisão maior cellular; 1.º cabo Galileu Moreira e o actor Miguel Verdial, 2
+annos de Penitenciaria; Eduardo de Sousa, 2 annos de prisão correcional;
+Felizardo de Lima, Amoinha Lopes e Manuel Pereira da Costa, 18 mezes de cadeia;
+8 cabos, 1 corneteiro e 32 soldados, 3 annos de deportação militar; 8 cabos, 3
+corneteiros e 23 soldados, 3 annos e 6 mezes de deportação; 1.<sup>os</sup>
+cabos Arthur Carneiro e Rosas Pinto, 4 annos de deportação; o soldado Albino
+Rodrigues e os corneteiros<span class="pn"><a name="pg_173"
+id="pg_173">{173}</a></span> Jacintho Duarte e Sousa Vaz, 5 annos de
+deportação.</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p><em>No 2.º conselho de guerra:</em></p>
+
+<p>Capitão Leitão, 6 annos de Penitenciaria, seguidos de 10 de degredo; tenente
+Coelho, 5 annos de degredo; sargentos Joaquim Pinheiro, Thadeu de Freitas,
+Pinto Villela e Hermenegildo Silva, 4 annos de Penitenciaria; sargentos
+Raymundo de Carvalho, Alcoforado e Antonio Maria, o musico Eduardo Correia, 3
+aprendizes de musica, um mestre de corneteiros, 12 cabos e 45 soldados, 3 annos
+de degredo; sargento Nunes Folgado, 4 annos de Penitenciaria; sargentos Correia
+Mendes, Rodrigues da Silva, Pinto Gomes, Botto Machado, Joaquim Moutinho, os
+musicos Eduardo Silva, José Silverio, Eduardo Fortuna, Joaquim da Rocha, Manuel
+Correia, Aurelio Silva, Jayme Lopes, o aprendiz Costa Rebello, 17 cabos e 48
+soldados, tambem 3 annos de degredo; 1.º cabo Thomaz Bastos, 5 annos de
+degredo; 2.<sup>os</sup> sargentos Alexandre de Figueiredo e Vasconcellos
+Cardoso, 4 annos de Penitenciaria.</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p><em>No 3.º conselho de guerra:</em></p>
+
+<p>Sargentos Guilherme Rocha, Miranda de Barros, Pinho Junior e Alfredo
+Fernandes e cabo João Borges, 4 annos de Penitenciaria, seguidos de 8 annos de
+degredo; 2.<sup>os</sup> cabos Ferreira Pires e Felicio da Conceição, 4 annos
+de Penitenciaria; 1 cabo e 5 soldados da guarda fiscal, 18 mezes de prisão
+militar.</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>De todos os revoltosos condemnados á prisão maior cellular, apenas um,
+cremos nós, o cabo Salomé, da guarda fiscal, chegou realmente a ser internado
+na Penitenciaria de Lisboa. Os outros, como nas suas sentenças havia a
+alternativa de<span class="pn"><a name="pg_174" id="pg_174">{174}</a></span>
+uns tantos annos de degredo, foram espalhados pelos presidios ultramarinos.
+D'um d'estes se evadiu mais tarde João Chagas, aproveitando o concurso
+dedicadissimo d'um official da marinha mercante portugueza. A evasão do
+illustre escriptor revestiu pormenores rocambolescos. Indo parar a uma colonia
+franceza da Africa Occidental, de lá se transportou a Paris onde viveu algum
+tempo na intimidade doutros revoltosos emigrados. Breve, porém, sentiu a
+nostalgia da patria e um bello dia abalançou-se a regressar ao Porto, onde a
+espionagem policial o descobriu e o prendeu...</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Agora que já decorreram muitos annos sobre os episodios que constituiram a
+revolta de 31 de janeiro, não nos furtamos ao desejo de relembrar como a
+classificaram então as individualidades que eram o sustentaculo do throno. Se a
+revolta houvesse triumphado, por certo a linguagem empregada teria sido muito
+outra. Mas não triumphou e a arrojada tentativa d'um punhado de valentes foi
+assim qualificada:</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>«...lamentaveis acontecimentos que um bando de ambiciosos sem escrupulos
+promoveu e por quem, infelizmente, alguns homens que vestiam a nobre farda do
+exercito portuguez se deixaram arrastar n'uma lucta fratricida contra os seus
+camaradas fieis, faltando ao seu sagrado juramento de soldado e á sua nunca
+desmentida lealdade e disciplina, commettendo um verdadeiro crime de
+lesa-patriotismo...»</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Isto appareceu n'um documento official&mdash;o elogio tributado pelo general
+da divisão do Porto ás praças da guarnição da cidade que não haviam tomado
+parte na revolta. Ao mesmo passo, e tambem<span class="pn"><a name="pg_175"
+id="pg_175">{175}</a></span> em documento official, dirigia-se estas
+amabilidades á guarda pretoriana:</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>«Mais uma vez, a guarda municipal do Porto deu provas da sua inquebrantavel
+lealdade, disciplina, bravura e coragem nunca desmentidas. O dia de hontem (31
+de janeiro) foi muito trabalhoso e de grande risco para todos, mas foi um dia
+de gloria para esta guarda. A ella, a mais ninguem, pode dizer-se sem receio de
+que alguem possa vir affirmar o contrario, se deve a suffocação da revolta, que
+os corpos da guarnição d'esta cidade, esquecidos dos seus deveres de honra, do
+juramento que prestaram, e do que devem á nossa querida patria e á dignidade
+propria, levaram a effeito, intentando derrubar as instituições que felizmente
+nos regem e os poderes legalmente constituidos, reconhecidos e respeitados pela
+grandissima maioria da nação. Foi um acto da maior indisciplina que pode dar-se
+na familia militar; ainda bem, porém, que outros militares fizeram baquear os
+revoltosos, e certamente um rigorosissimo castigo cahirá sobre elles e os fará
+então arrepender, se já não estão arrependidos, da erradissima acção que
+praticaram».</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Por outro lado, as camaras municipaes como que obedecendo a um <em>mot
+d'ordre</em> superior, felicitaram a monarchia pela victoria obtida e uma
+d'ellas, em mensagem de maior requinte litterario, expressava-se d'este modo:
+</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>«<em>Senhor.</em> Reconhecendo que as sociedades, obedecendo ás leis
+biologicas, tendem a ser successivamente modificadas na sua organisação, mas
+attento o grave e critico momento historico que a nossa querida patria está
+atravessando, profundamente commocionada pelos irreflectidos e criminosos
+acontecimentos que em 31 de janeiro findo<span class="pn"><a name="pg_176"
+id="pg_176">{176}</a></span> enlutaram a cidade do Porto e o paiz inteiro, a
+camara municipal d'este concelho, interprete dos sentimentos que animam os
+povos que o constituem vem depôr junto de vossa magestade como representante
+d'um paiz que caminha na vanguarda das aspirações sociaes, o seu preito de
+dedicação e fidelidade ao regimen monarchico e de felicitação a vossa magestade
+e a toda a familia real, por ver n'este angustioso momento, junto de um dos
+thronos mais dignos da consideração universal, reunida a grande massa da nação,
+que só deseja ordem e inteira união de todas as classes para debellar os males
+que a affligem e poder repellir os inimigos que tentam sepultar a sua
+autonomia.»</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Não faltaram elogios e homenagens aos triumphadores como se não poupou os
+vencidos a toda a casta de imprecações. No momento da derrota ninguem pensou em
+que a explosão revolucionaria podia reproduzir-se, apoz certo lapso de tempo, e
+que essa reproducção podia ser acompanhada de elementos de exito seguro. Todos
+trataram, na occasião, de mostrar á dynastia brigantina um servilismo fóra do
+commum e aos pés do rei cahiram dias a fio excessivas doses de lisonja que, por
+serem de encommenda, nem ao proprio alvejado deviam illudir.</p>
+
+<p>E comtudo a revolta do 31 de janeiro marcára uma <em>étape</em> bem nitida
+no caminho da modificação do regimen. Tão nitida, que pouco antes d'ella ser
+julgada nos conselhos de guerra, como em outro logar referimos, o manifesto dos
+emigrados portuguezes residentes em Madrid soltava este grito de esperança,
+desferido com tanto enthusiasmo como se já o illuminasse um clarão inapagavel
+de victoria:</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>«...Nós, orgulhosos, obscuros, altivos e humildes, porque cuspimos nos
+homens indignos e imploramos<span class="pn"><a name="pg_177"
+id="pg_177">{177}</a></span> a Deus justiceiro, entendemos que bate o minuto em
+que urge gritar a um povo honrado, a um povo valente que não póde ser mais: que
+não hade ser ainda; que é inevitavel, que é irremediavel que é necessario,
+immediata e incontrariadamente, cavar fundo, rasgar immenso, despedaçar largo,
+destruir vasto, já, já, agora, agora, de maneira que a incomparavel vergonha se
+envergonhe, esta incomparavel, esta inverosimil, esta unica e extraordinaria
+hediondez de que uma nação inteira continue, inerte, tranquilla e triturada,
+sob as patadas obscenas d'uma canalha que ella abomina muito menos do que ella
+despreza.</p>
+
+<p>«E, se os emigrados teem toda a esperança no paiz, o paiz não se hade vexar
+envergonhado, dos seus filhos hoje proscriptos, antes com elles deve e pode
+contar para todos os sacrificios que a salvação da patria em perigo tem o
+direito de exigir dos cidadãos probos e dedicados. A grande palavra de Danton,
+de que ninguem consegue partir do solo que embalou o berço em que vagiu a
+infancia, levando a patria pegada ás solas dos sapatos, tem-n'a presente
+constantemente os emigrados no espirito. Com sobresaltada attenção espiam os
+successos; com a alma em susto, forçados, a, raivosamente, cruzarem os braços,
+n'uma inefficacia provisoria, assistem ao desesperador espectaculo do crescente
+amesquinhamento do paiz, que, com fervoroso impeto, respeitam e amam.</p>
+
+<p>«Mas, aguardando sempre, não se differenciam dos seus concidadãos,
+injuriados pelo roubo das liberdades outr'ora conquistadas nem se desinteressam
+das preoccupações que os agitam. Os de fóra continuam a fazer causa commum com
+os que, a dentro de fronteiras, mal podem expressar seus queixumes. Do exilio
+os alentam, da terra estrangeira lhes clamam a esperança no futuro. Solde-se
+assim um pacto santo. Que a ultima palavra que pronunciamos<span class="pn"><a
+name="pg_178" id="pg_178">{178}</a></span> seja a que em breve, verbo
+reformador, ascenda de todos os corações generosos e irrompa em todos os puros
+labios, como a consummação, salutar e fecunda, da grande obra iniciada a 31 de
+janeiro:</p>
+
+<p>«Viva Portugal!</p>
+
+<p>«Viva a Republica!»</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Este manifesto era assignado, entre outros emigrados, por Alves da Veiga,
+Basilio Telles, alferes Malheiro, Antonio Claro, Carlos Infante da Camara,
+Annibal Cunha, José Sampaio, Alipio Augusto Trancoso e José Tavares Coutinho.
+</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>A obra iniciada a 31 de janeiro... essa veiu a consummar-se quasi vinte
+annos depois.</p>
+
+<p style="text-align:center;">FIM</p>
+</div>
+
+<h2>Indice</h2>
+
+<table border="0" align="center" summary="Indice de capitulos e imagens">
+ <tbody>
+ <tr>
+ <td colspan="3"><em>Do TEXTO</em></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td></td>
+ <td></td>
+ <td>Pag.</td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td colspan="2">Palavras de um soldado</td>
+ <td style="text-align:right;"><a href="#pg_3">3</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td style="text-align:right;">Capitulo I&mdash;</td>
+ <td style="text-align:justify;">O movimento de 31 de Janeiro filia-se no
+ «ultimatum» de 1890</td>
+ <td style="text-align:right;"><a href="#pg_7">7</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td style="text-align:right;">» II&mdash;</td>
+ <td style="text-align:justify;">O primeiro rebate do conflicto
+ diplomatico anglo-portuguez</td>
+ <td style="text-align:right;"><a href="#pg_14">14</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td style="text-align:right;">» III&mdash;</td>
+ <td style="text-align:justify;">Serpa Pinto, á frente de 6.000 homens,
+ derrota os makololos revoltados</td>
+ <td style="text-align:right;"><a href="#pg_20">20</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td style="text-align:right;">» IV&mdash;</td>
+ <td style="text-align:justify;">O governo progressista cede ante as
+ exigencias da Grã-Bretanha</td>
+ <td style="text-align:right;"><a href="#pg_27">27</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td style="text-align:right;">» V&mdash;</td>
+ <td style="text-align:justify;">O protesto contra o «ultimatum» echoa de
+ norte a sul do paiz</td>
+ <td style="text-align:right;"><a href="#pg_34">34</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td style="text-align:right;">» VI&mdash;</td>
+ <td style="text-align:justify;">Serpa Pinto, heroe africano, perde o
+ prestigio</td>
+ <td style="text-align:right;"><a href="#pg_40">40</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td style="text-align:right;">» VII&mdash;</td>
+ <td style="text-align:justify;">O partido republicano nasce da dispersão
+ do reformista</td>
+ <td style="text-align:right;"><a href="#pg_48">48</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td style="text-align:right;">» VIII&mdash;</td>
+ <td style="text-align:justify;">João Chagas abandona enojado a imprensa
+ monarchica</td>
+ <td style="text-align:right;"><a href="#pg_54">54</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td style="text-align:right;">» IX&mdash;</td>
+ <td style="text-align:justify;">O Dr. Alves da Veiga assume a chefia
+ civil do movimento</td>
+ <td style="text-align:right;"><a href="#pg_62">62</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td style="text-align:right;">» X&mdash;</td>
+ <td style="text-align:justify;">O Directorio recusa a sancção official á
+ revolta</td>
+ <td style="text-align:right;"><a href="#pg_69">69</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td style="text-align:right;">» XI&mdash;</td>
+ <td style="text-align:justify;">A crise ministerial dos «vinte sete
+ dias»</td>
+ <td style="text-align:right;"><a href="#pg_75">75</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td style="text-align:right;">» XII&mdash;</td>
+ <td style="text-align:justify;">«E as armas que nos foram entregues para
+ defeza das instituições, voltal-as-hemos contra ellas»</td>
+ <td style="text-align:right;"><a href="#pg_82">82</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td style="text-align:right;">» XIII&mdash;</td>
+ <td style="text-align:justify;">Vinte annos apoz a derrota</td>
+ <td style="text-align:right;"><a href="#pg_92">92</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td style="text-align:right;">» XIV&mdash;</td>
+ <td style="text-align:justify;">A alvorada triumphante: caçadores 9
+ inicia o movimento</td>
+ <td style="text-align:right;"><a href="#pg_96">96</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td style="text-align:right;">» XV&mdash;</td>
+ <td style="text-align:justify;">Proclama-se a Republica no edificio da
+ camara Municipal</td>
+ <td style="text-align:right;"><a href="#pg_107">107</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td style="text-align:right;">» XVI&mdash;</td>
+ <td style="text-align:justify;">O choque sangrento&mdash;A guarda
+ municipal desbarata os revoltosos</td>
+ <td style="text-align:right;"><a href="#pg_114">114</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td style="text-align:right;">» XVII&mdash;</td>
+ <td style="text-align:justify;">A noite negra do traidor Castro&mdash;O
+ destino de tres officiaes</td>
+ <td style="text-align:right;"><a href="#pg_121">121</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td style="text-align:right;">» XVIII&mdash;</td>
+ <td style="text-align:justify;">O dia seguinte ao da derrota</td>
+ <td style="text-align:right;"><a href="#pg_129">129</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td style="text-align:right;">» XIX&mdash;</td>
+ <td style="text-align:justify;">Para as despezas da revolta bastou um
+ conto de reis</td>
+ <td style="text-align:right;"><a href="#pg_138">138</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td style="text-align:right;">» XX&mdash;</td>
+ <td style="text-align:justify;">Triste balanço: o das victimas da
+ insurreição</td>
+ <td style="text-align:right;"><a href="#pg_144">144</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td style="text-align:right;">» XXI&mdash;</td>
+ <td style="text-align:justify;">A serenidade de uns e o desalento de
+ muitos</td>
+ <td style="text-align:right;"><a href="#pg_149">149</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td style="text-align:right;">» XXII&mdash;</td>
+ <td style="text-align:justify;">O julgamento dos revoltosos</td>
+ <td style="text-align:right;"><a href="#pg_156">156</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td colspan="3"><em>Das GRAVURAS</em></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td colspan="2" style="text-align:justify;">Quartel de infanteria 18, e
+ campo da Regeneração, onde se reuniram as tropas sublevadas na
+ madrugada de 31 de Janeiro</td>
+ <td style="text-align:right;"><a href="#img015">15</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td colspan="2" style="text-align:justify;">Elias Garcia</td>
+ <td style="text-align:right;"><a href="#img019">19</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td colspan="2" style="text-align:justify;">Encontro dos revoltosos com
+ as tropas fieis ao governo</td>
+ <td style="text-align:right;"><a href="#img023">23</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td colspan="2" style="text-align:justify;">Alves da Veiga (1891)</td>
+ <td style="text-align:right;"><a href="#img031">31</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td colspan="2" style="text-align:justify;">Na rua de Santo Antonio</td>
+ <td style="text-align:right;"><a href="#img039">39</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td colspan="2" style="text-align:justify;">João Chagas (1891)</td>
+ <td style="text-align:right;"><a href="#img047">47</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td colspan="2" style="text-align:justify;">A guarda municipal
+ entrincheirada na egreja de Santo Ildefonso</td>
+ <td style="text-align:right;"><a href="#img055">55</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td colspan="2" style="text-align:justify;">Capitão Leitão (1891)</td>
+ <td style="text-align:right;"><a href="#img063">63</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td colspan="2" style="text-align:justify;">Uma carga de cavallaria</td>
+ <td style="text-align:right;"><a href="#img071">71</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td colspan="2" style="text-align:justify;">Rodrigues de Freitas
+ (1891)</td>
+ <td style="text-align:right;"><a href="#img079">79</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td colspan="2" style="text-align:justify;">Levantando os feridos</td>
+ <td style="text-align:right;"><a href="#img087">87</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td colspan="2" style="text-align:justify;">José Sampaio (Bruno)
+ (1891)</td>
+ <td style="text-align:right;"><a href="#img095">95</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td colspan="2" style="text-align:justify;">Proclamação da Republica</td>
+ <td style="text-align:right;"><a href="#img103">103</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td colspan="2" style="text-align:justify;">A Bandeira da Revolta que foi
+ hasteada na camara Municipal</td>
+ <td style="text-align:right;"><a href="#img111">111</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td colspan="2" style="text-align:justify;">Basilio Telles (1891)</td>
+ <td style="text-align:right;"><a href="#img115">115</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td colspan="2" style="text-align:justify;">Bombardeamento da Camara
+ Municipal pelas tropas fieis ao governo</td>
+ <td style="text-align:right;"><a href="#img119">119</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td colspan="2" style="text-align:justify;">Tenente Coelho (1891)</td>
+ <td style="text-align:right;"><a href="#img127">127</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td colspan="2" style="text-align:justify;">Santos Cardoso, preso a
+ bordo</td>
+ <td style="text-align:right;"><a href="#img135">135</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td colspan="2" style="text-align:justify;">Actor Verdial (1891)</td>
+ <td style="text-align:right;"><a href="#img139">139</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td colspan="2" style="text-align:justify;">Revoltosos presos a bordo do
+ <em>India</em></td>
+ <td style="text-align:right;"><a href="#img143">143</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td colspan="2" style="text-align:justify;">Antonio José de Almeida
+ (1891)</td>
+ <td style="text-align:right;"><a href="#img147">147</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td colspan="2" style="text-align:justify;">Os prisioneiros a bordo</td>
+ <td style="text-align:right;"><a href="#img151">151</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td colspan="2" style="text-align:justify;">Dr. Affonso Costa (1891)</td>
+ <td style="text-align:right;"><a href="#img157">157</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td colspan="2" style="text-align:justify;">Conselho de guerra a bordo do
+ transporte <em>India</em></td>
+ <td style="text-align:right;"><a href="#img161">161</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td colspan="2" style="text-align:justify;">O tumulo das victimas no
+ cemiterio do Repouso, no Porto</td>
+ <td style="text-align:right;"><a href="#img167">167</a></td>
+ </tr>
+ </tbody>
+</table>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+<p>&nbsp;</p>
+<p>&nbsp;</p>
+
+<div style="text-align:center;">
+<p style="font-size: 1.2em">A sahir brevemente o 5.º volume</p>
+
+<p>DA</p>
+
+<p style="font-size: 1.2em">BIBLIOTHECA HISTORICA</p>
+
+<p><span style="font-size: 2em">A Revolução e a Republica Hespanhola</span></p>
+
+<p>(1868 a 1874)</p>
+
+<p><span style="font-size: 0.8em">POR</span></p>
+
+<p style="font-size: 1.2em">Victor Ribeiro</p>
+
+<p><span style="font-size: 0.8em">Da Academia das Sciencias</span></p>
+
+<p><span style="font-size: 1.2em">Um elegantissimo volume de 200 pag. 200 rs.
+broc. e 300 rs. enc. em percalina</span></p>
+</div>
+<hr>
+
+<p style="text-align:center;">BIBLIOTHECA DA INFANCIA</p>
+
+<p style="text-align:center;">COLLECÇÃO ILLUSTRADA DE LEITURAS EDUCATIVAS</p>
+
+<p style="text-align:center;">Sob a direcção litteraria</p>
+
+<p style="text-align:center;">DE</p>
+
+<p style="text-align:center;">VICTOR RIBEIRO</p>
+
+<p style="text-align:center;">Da Academia das Sciencias</p>
+
+<p style="text-align:justify;">   Volumes em 8.º, illustrados com esplendidas
+gravuras no texto e de pagina, nitidamente impressos em magnifico papel,
+expressamente fabricado para esta publicação, formando elegantissimos livros de
+cerca de 200 paginas.</p>
+
+<p style="text-align:center;">Cada vol. brochado 200 rs. enc. em percalina 300
+rs.</p>
+
+<p style="text-align:justify;">   N. B.&mdash;Alguns d'estes livros estão sendo
+adoptados para leitura nas escolas por conselho de professores.</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p style="text-align:center;"><span style="font-size: 16pt">BIBLIOTHECA DA
+INFANCIA</span></p>
+
+<p style="text-align:center;">Volumes publicados</p>
+
+<p style="text-align:justify;">I&mdash;<b>Narrativas e Lendas da Historia
+Patria</b> (A Conquista do Reino).</p>
+
+<p style="text-align:justify;">II&mdash;<em>A. Daudet</em>&mdash;<b>A Creança
+Abandonada</b>. </p>
+
+<p style="text-align:justify;">III&mdash;<b>Narrativas e Lendas da Historia
+Patria</b> (O Condestavel).</p>
+
+<p style="text-align:justify;">IV&mdash;<b>A Vida dos Animaes</b> (No Paiz do
+Leão). </p>
+
+<p style="text-align:justify;">V&mdash;<b>Narrativas e Lendas da Historia
+Patria</b> (D. João I, o rei eleito do Povo).</p>
+
+<p style="text-align:justify;">VI&mdash;<em>Victor Hugo</em>&mdash;<b>O Bom
+Bispo</b>.</p>
+
+<p style="text-align:justify;">VII&mdash;<b>Narrativas e Lendas da Historia
+Patria</b> (Os Filhos de D. João I).</p>
+
+<p style="text-align:justify;">VIII&mdash;<b>A Vida dos Animaes</b> (Os
+cães).</p>
+
+<p style="text-align:justify;">IX&mdash;<b>Narrativas e Lendas da Historia
+Patria</b> (O Infante D. Henrique).</p>
+
+<p>NO PRELO</p>
+
+<p>X&mdash;<b>A Terra Portugueza</b> (Portugal Pitoresco).</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p style="text-align:center;">Os mais bellos e os mais baratos brindes para
+creanças e premios para as escolas</p>
+
+<p style="text-align:center;">200 réis cada volume em brochura 500 réis
+bellamente encadernado com capa em percalina a ouro e a côres em relevo,
+proprio para brindes</p>
+
+<div class="ilustracao">
+<p style="text-align:center;"><img alt="As Nereidas (Camões Canto II)"
+src="images/p182.png"
+style="display: block; text-align: center; margin-left: auto; margin-right: auto"
+width="100%"></p>
+
+<p style="text-align:center;">As Nereidas (C<small>AMÕES</small>
+C<small>ANTO</small> II)</p>
+</div>
+
+<p style="text-align:center;">Todos os pedidos devem ser dirigidos a ALFREDO
+DAVID&mdash;encadernador</p>
+
+<p style="text-align:center;">30, 32, RUA SERPA PINTO, 34,36</p>
+
+<p style="text-align:center;">==LISBOA==</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p style="text-align:center;"><span
+style="color:#ff0000;font-size: 1.6em;">BIBLIOTHECA HISTORICA</span></p>
+
+<p style="text-align:justify;">   Volumes de cerca de 200 paginas, illustrados
+com primorosas gravuras no texto e de pagina, impressos com typo novo, bem
+legivel, em optimo papel, ao preço de <b>200 réis</b> por cada volume brochado
+e <b>300 réis</b> por cada volume luxuosamente encadernado em percalina.</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>VOLUMES PUBLICADOS</p>
+
+<p style="text-align:justify;">I, II&mdash;<b>Historia da Revolução
+Franceza</b> por <em>F. Mignet</em> 2 vols.</p>
+
+<p style="text-align:justify;">III <b>A Revolução Portugueza&mdash;O 31 de
+Janeiro</b> por <em>J. d'Abreu</em>.</p>
+
+<p style="text-align:justify;">NO PRÉLO</p>
+
+<p style="text-align:justify;">IV&mdash;<b>A Revolução Portugueza-O 5 de
+Outubro</b> por <em>J. d'Abreu</em>.</p>
+
+<p style="text-align:justify;">V&mdash;<b>A Revolução Hespanhola</b> por
+<em>Victor Ribeiro</em>.</p>
+
+<p style="text-align:justify;">VI&mdash;<b>A Revolução Nihilista na Russia</b>
+por <em>Stepniak</em>.</p>
+
+<p style="text-align:center;"><span
+style="color:#ff0000;font-size: 1.6em;">BIBLIOTHECA DA INFANCIA</span></p>
+
+<p style="text-align:center;"><span style="font-size: 0.8em">COLLECÇÃO
+ILLUSTRADA DE LEITURAS EDUCATIVAS</span></p>
+
+<p style="text-align:center;"><span style="font-size: 0.8em">SOB A DIRECÇÃO
+LITTERARIA DE</span></p>
+
+<p style="text-align:center;">VICTOR RIBEIRO</p>
+
+<p style="text-align:center;"><span style="font-size: 0.8em">Da Academia das
+Sciencias</span></p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>VOLUMES PUBLICADOS</p>
+
+<p style="text-align:justify;">I&mdash;<b>Narrativas e Lendas da Historia
+Patria</b> (A Conquista do Reino).</p>
+
+<p style="text-align:justify;">II&mdash;<em>A Daudet</em>&mdash;<b>A Creança
+Abandonada</b>. </p>
+
+<p style="text-align:justify;">III&mdash;<b>Narrativas e Lendas da Historia
+Patria</b> (O Condestavel).</p>
+
+<p style="text-align:justify;">IV&mdash;<b>A Vida dos Animaes</b> (No Paiz do
+Leão).</p>
+
+<p style="text-align:justify;">V&mdash;<b>Narrativas e Lendas da Historia
+Patria</b> (D. João I, o rei eleito do povo).</p>
+
+<p style="text-align:justify;">VI&mdash;<em>Victor Hugo</em>&mdash;<b>O Bom
+Bispo</b>.</p>
+
+<p style="text-align:justify;">VII&mdash;<b>Narrativas e Lendas da Historia
+Patria</b> (Os filhos de D. João I).</p>
+
+<p style="text-align:justify;">VIII&mdash;<b>A Vida dos Animaes</b> (Os
+cães).</p>
+
+<p style="text-align:justify;">IX&mdash;<b>Narrativas e Lendas da Historia
+Patria</b> (O Infante D. Henrique).</p>
+
+<p>NO PRÉLO</p>
+
+<p>X&mdash;<b>A Terra Portugueza</b> (Portugal Pitoresco).</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p style="text-align:justify;">   Cada volume em 8.º, illustrado com
+esplendidas gravuras nitidamente impresso em magnifico papel, expressamente
+fabricado para esta publicação, forma um elegantissimo livro de cerca de 200
+paginas.</p>
+
+<p style="text-align:center;"><strong>Os mais baratos e elegantes brindes para
+creanças e premios escolares</strong></p>
+
+<p style="text-align:center;color:#ff0000;font-size: 1.2em;"><span
+style="font-size: 1.2em">200 réis cada volume brochado&mdash;300 réis enc. em
+percalina</span></p>
+
+<p>Pedidos a</p>
+
+<p style="text-align:center;">ALFREDO DAVID&mdash;<span
+style="color:#ff0000">Encadernador</span></p>
+
+<p style="text-align:center;">Rua Serpa Pinto, 30 a 36&mdash;Lisboa</p>
+
+
+
+
+
+
+
+<pre>
+
+
+
+
+
+End of the Project Gutenberg EBook of A Revolução Portugueza: O 31 de
+Janeiro (Porto 1891), by Jorge de Abreu
+
+*** END OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK A REVOLUÇÃO PORTUGUEZA ***
+
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+
+Produced by Pedro Saborano and the Online Distributed
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+
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+
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+such as creation of derivative works, reports, performances and
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+
+
+
+*** START: FULL LICENSE ***
+
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+
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+electronic works
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+Gutenberg-tm electronic work and you do not agree to be bound by the
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+
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+things that you can do with most Project Gutenberg-tm electronic works
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+paragraph 1.C below. There are a lot of things you can do with Project
+Gutenberg-tm electronic works if you follow the terms of this agreement
+and help preserve free future access to Project Gutenberg-tm electronic
+works. See paragraph 1.E below.
+
+1.C. The Project Gutenberg Literary Archive Foundation ("the Foundation"
+or PGLAF), owns a compilation copyright in the collection of Project
+Gutenberg-tm electronic works. Nearly all the individual works in the
+collection are in the public domain in the United States. If an
+individual work is in the public domain in the United States and you are
+located in the United States, we do not claim a right to prevent you from
+copying, distributing, performing, displaying or creating derivative
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+are removed. Of course, we hope that you will support the Project
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+
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+
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+you must, at no additional cost, fee or expense to the user, provide a
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+License as specified in paragraph 1.E.1.
+
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+ you already use to calculate your applicable taxes. The fee is
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+ returns. Royalty payments should be clearly marked as such and
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+
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+ and discontinue all use of and all access to other copies of
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+
+- You provide, in accordance with paragraph 1.F.3, a full refund of any
+ money paid for a work or a replacement copy, if a defect in the
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+ of receipt of the work.
+
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+ distribution of Project Gutenberg-tm works.
+
+1.E.9. If you wish to charge a fee or distribute a Project Gutenberg-tm
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+1.F.
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+collection. Despite these efforts, Project Gutenberg-tm electronic
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+received the work on a physical medium, you must return the medium with
+your written explanation. The person or entity that provided you with
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+providing it to you may choose to give you a second opportunity to
+receive the work electronically in lieu of a refund. If the second copy
+is also defective, you may demand a refund in writing without further
+opportunities to fix the problem.
+
+1.F.4. Except for the limited right of replacement or refund set forth
+in paragraph 1.F.3, this work is provided to you 'AS-IS' WITH NO OTHER
+WARRANTIES OF ANY KIND, EXPRESS OR IMPLIED, INCLUDING BUT NOT LIMITED TO
+WARRANTIES OF MERCHANTIBILITY OR FITNESS FOR ANY PURPOSE.
+
+1.F.5. Some states do not allow disclaimers of certain implied
+warranties or the exclusion or limitation of certain types of damages.
+If any disclaimer or limitation set forth in this agreement violates the
+law of the state applicable to this agreement, the agreement shall be
+interpreted to make the maximum disclaimer or limitation permitted by
+the applicable state law. The invalidity or unenforceability of any
+provision of this agreement shall not void the remaining provisions.
+
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+trademark owner, any agent or employee of the Foundation, anyone
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+harmless from all liability, costs and expenses, including legal fees,
+that arise directly or indirectly from any of the following which you do
+or cause to occur: (a) distribution of this or any Project Gutenberg-tm
+work, (b) alteration, modification, or additions or deletions to any
+Project Gutenberg-tm work, and (c) any Defect you cause.
+
+
+Section 2. Information about the Mission of Project Gutenberg-tm
+
+Project Gutenberg-tm is synonymous with the free distribution of
+electronic works in formats readable by the widest variety of computers
+including obsolete, old, middle-aged and new computers. It exists
+because of the efforts of hundreds of volunteers and donations from
+people in all walks of life.
+
+Volunteers and financial support to provide volunteers with the
+assistance they need, are critical to reaching Project Gutenberg-tm's
+goals and ensuring that the Project Gutenberg-tm collection will
+remain freely available for generations to come. In 2001, the Project
+Gutenberg Literary Archive Foundation was created to provide a secure
+and permanent future for Project Gutenberg-tm and future generations.
+To learn more about the Project Gutenberg Literary Archive Foundation
+and how your efforts and donations can help, see Sections 3 and 4
+and the Foundation web page at http://www.pglaf.org.
+
+
+Section 3. Information about the Project Gutenberg Literary Archive
+Foundation
+
+The Project Gutenberg Literary Archive Foundation is a non profit
+501(c)(3) educational corporation organized under the laws of the
+state of Mississippi and granted tax exempt status by the Internal
+Revenue Service. The Foundation's EIN or federal tax identification
+number is 64-6221541. Its 501(c)(3) letter is posted at
+http://pglaf.org/fundraising. Contributions to the Project Gutenberg
+Literary Archive Foundation are tax deductible to the full extent
+permitted by U.S. federal laws and your state's laws.
+
+The Foundation's principal office is located at 4557 Melan Dr. S.
+Fairbanks, AK, 99712., but its volunteers and employees are scattered
+throughout numerous locations. Its business office is located at
+809 North 1500 West, Salt Lake City, UT 84116, (801) 596-1887, email
+business@pglaf.org. Email contact links and up to date contact
+information can be found at the Foundation's web site and official
+page at http://pglaf.org
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+ Dr. Gregory B. Newby
+ Chief Executive and Director
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+Literary Archive Foundation
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+increasing the number of public domain and licensed works that can be
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+array of equipment including outdated equipment. Many small donations
+($1 to $5,000) are particularly important to maintaining tax exempt
+status with the IRS.
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+The Foundation is committed to complying with the laws regulating
+charities and charitable donations in all 50 states of the United
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+with these requirements. We do not solicit donations in locations
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+works.
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+Professor Michael S. Hart is the originator of the Project Gutenberg-tm
+concept of a library of electronic works that could be freely shared
+with anyone. For thirty years, he produced and distributed Project
+Gutenberg-tm eBooks with only a loose network of volunteer support.
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