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+The Project Gutenberg EBook of O Oraculo do Passado, do presente e do
+Futuro (6/7), by Bento Serrano
+
+This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with
+almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or
+re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included
+with this eBook or online at www.gutenberg.org
+
+
+Title: O Oraculo do Passado, do presente e do Futuro (6/7)
+ Parte Sexta: O oraculo da Magica
+
+Author: Bento Serrano
+
+Release Date: March 23, 2010 [EBook #31741]
+
+Language: Portuguese
+
+Character set encoding: ISO-8859-1
+
+*** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK O ORACULO DO PASSADO (6/7) ***
+
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+
+
+Produced by Mike Silva (produced from scanned images of
+public domain material from Google Book Search)
+
+
+
+
+
+O ORACULO
+
+DO
+
+PASSADO, DO PRESENTE E DO FUTURO
+
+OU O
+
+Verdadeiro modo de aprender no passado
+a prevenir o presente, e a adivinhar o futuro
+
+POR
+
+BENTO SERRANO
+
+ASTROLOGO DA SERRA DA ESTRELLA,
+
+_Onde reside ha perto de trinta annos, sendo a sua habitação uma estreita
+gruta que lhe serve de gabinete dos seus assiduos estudos astronomicos_
+
+
+OBRA DIVIDIDA EM SETE PARTES, CONTENDO CADA UMA O SEGUINTE:
+
+ Parte primeira--O ORACULO DA NOITE
+ Parte Segunda--O ORACULO DAS SALAS
+ Parte Terceira--O ORACULO DOS SEGREDOS
+ Parte Quarta--O ORACULO DAS FLORES
+ Parte Quinta--O ORACULO DAS SINAS
+ Parte Sexta--O ORACULO DA MAGICA
+ Parte Setima--O ORACULO DOS ASTROS
+
+
+PORTO
+LIVRARIA PORTUGUEZA--EDITORA
+55, Largo dos Loyos, 56
+1883
+
+
+
+PARTE SEXTA
+
+
+O ORACULO DA MAGICA
+
+OU
+
+O ESPELHO MAGICO DO ANÃO
+
+SEGUIDO DA INTERESSANTE DESCRIPÇÃO DE UM
+
+CASTELLO ENCANTADO
+
+OU O
+
+MONTE DO CASTELLO DAS FADAS
+
+
+
+PORTO
+LIVRARIA PORTUGUEZA--EDITORA
+55, Largo dos Loyos, 56
+1883
+
+
+
+Porto: 1883--Imprensa Commercial--Lavadouros, 16.
+
+
+
+
+O ESPELHO MAGICO DO ANÃO
+
+
+Thomé e Joanninha viviam quasi sós na sua pequena casinha, fóra do
+bosque, tão sós como nunca tinham vivido. O pai era couteiro e
+guarda-matas, e por isso, ou o tempo estivesse bom ou mau, passava
+muitos dias sem ir a casa, a guardar as florestas e a matar a caça
+silvestre que era para a mesa do senhor das terras. A mãi tinha morrido,
+e na choupana ninguem estava com os meninos senão a avó, que já via mal
+e ouvia pouco. A avó passava todo o dia assentada ao lar, menos quando
+andava coxeando pela cosinha para preparar a pobre comida para os
+pequenos, ou quando dormia. De dous em dous ou de tres em tres dias
+vinha Luiza, que morava na aldeia, trazer o leite, o pão e o que era
+mais necessario; mas passavam-se semanas sem entrar um homem na choupana.
+
+No verão pouco cuidado dava isso aos pequenos, porque iam todos os dias
+á escola da aldeia, e era isso para elles um divertimento. Os passaros
+faziam-lhes companhia cantando alegres; no caminho encontravam lirios ou
+morangos, que colhiam para venderem na aldeia ou para levarem ao mestre.
+Passadas as horas de aula, corriam á floresta, por onde andavam de um
+para outro lado com o pai, e espreitavam esquilos e cabritinhos
+montezes, e já uma vez tinham visto de longe um bello veado. E assim,
+lendo nos seus livros na escola ou colhendo avelans nas matas, não
+sabiam o que era aborrecimento em todo o verão.
+
+Mas no inverno era verdadeiramente triste, porque não podiam entrar na
+floresta, e tinham de estar em casa como dous ratinhos no seu buraco. O
+pai era obrigado a andar por fóra e levava comsigo Fiel, bonito
+perdigueiro, que era o compaheiro unico dos pequenos. Tambem, se o pai
+estava em casa era raro que dissesse alguma cousa; assentado á lareira,
+dormia ou limpava armas de caça. Em outro tempo contava a avó muitas
+historias bonitas, mas então já não contava nada, e se fallava era a
+meia voz e só comsigo. Joanninha assentava-se ao pé da avó com uma roca
+pequena e fiava; mas era um trabalho aborrecido por não haver quem
+conversasse. Thomé talhava em bocados de pau figuras de cães e de
+lebres; mas sahiam-lhe sempre mal feitas, e tantas vezes dava golpes nos
+dedos que perdia a paciencia e deixava a obra. O que mais o divertia era
+fazer casinhas com pedras e bocados de pau que ajuntava; mas as casas
+cahiam com grande barulho, e a avó dizia-lhe que não tinha geito nenhum
+para aquillo. Então dizia ás vezes Thomé com mau humor:
+
+--Ora, porque não havemos nós de ser como os filhos dos ricos, como o
+filho de um fidalgo que uma vez passou na aldeia, ou como os do balio,
+que podem comer tudo que quizerem, ou como os filhos dos ciganos que
+andam por onde querem?
+
+Em uma tarde, perto do Natal, tudo estava calado e triste. O azeite no
+candieiro estava quasi acabado, e o caminho para a aldeia estava tão
+cheio de neve que Luiza não tinha podido apparecer com as cousas
+precisas. Não havia com que fazer arder o candieiro. Por fortuna o luar
+era claro como o dia; mas os pequenos tinham medo das sombras exquisitas
+que o luar fazia.
+
+Joanninha chegava-se muito para a avó, e Thomé fez o mesmo e disse á
+velha avó em voz alta:
+
+--Avósinha, conte-nos hoje uma historia, ainda que seja pequenina: ainda
+ha-de saber alguma.
+
+--Não sei nenhuma, rapaz, resmungou a velha, mesmo nenhuma.
+Esqueceram-me todas.
+
+--Só uma, avósinha; conte do anão da pedreira.
+
+--Da pedreira, ah, sim, rapaz, espera; deixa vêr se me lembra. Onde está
+a grande pedreira, em baixo no barranco era em outro tempo uma rocha
+forte e a prumo como um muro, d'onde nunca tinha sahido nenhuma pedra, e
+defronte da rocha havia um pedaço de terreno coberto de viçosa verdura:
+por debaixo moravam os anões; descia-se por degraus ao pequenino
+castello da rainha dos anões, e debaixo da terra era uma cidade muito
+bonita. Na floresta não entravam caçadores nem cortadores de lenha nem
+montantes, e nos dias de sol subiam todos os anões e assoalhavam-se no
+musgo verde, e faziam banquetes e dançavam com muita alegria. Um dia
+começaram os homens de fóra a levantar casas na planicie, e entraram na
+floresta e cortaram arvores, e acarretaram grandes pedras para fóra.
+Ficou tudo cheio da entulho de redor do bello rochedo que ficava
+defronte do terreno cheio de verdura, e de redor da cidade dos anões.
+Para que os homens não podessem cortar mais pedras, foram os anões de
+noite todos juntos á floresta e cortaram pedras muito grandes e
+levaram-nas de rodo com toda a força até á entrada da mata. Os homens
+descontentes foram á rocha e fizeram saltar as pedras em pedaços, e
+ellas cahiam com grande estrondo no prado. Assim ficou toda arruinada a
+bonita cidade dos anões, e houve muitas lagrimas e sentimento: Os anões
+que não tinham sido mortos, escavaram um subterraneo fóra do bosque. Lá
+vivem agora, e se edificaram outra cidade é cousa que não se sabe. Desde
+então tem rodado para fóra muitas pedras de noite; mas estão sempre a
+cahir outras lá dentro, e todos os annos na noite de S. Thomé, sahem
+elles para verem se ainda ha muitas pedras no terreno, e a quem de lá
+tirar n'essa noite tres pedras, não negam os anões cousa nenhuma que
+lhes seja pedida.
+
+Assim contou a avó. Havia muito tempo que ella não tinha fallado tanto,
+e estava cançada. Joanninha estava cheia de medo e chegava-se muito para
+ella, mas Thomé, com as faces ardentes e olhos brilhantes, pensava na
+historia e bem quizera saber se os anões ainda appareciam.
+
+Então Fiel ladrou fóra, e entrou o pai, cançado, carrancudo e gelado;
+mesmo ás escuras procurou alguma coasa que podesse comer; mas a velha
+esquecia-se d'elle muitas vezes, e elle teve de deitar-se com fome. No
+inverno dormia a avó na alcova e Joanninha com ella, e o pai com Thomé
+na salinha proxima. O pai, depois de pegar a dormir, roncava toda a
+noite, e não havia nada n'este mundo que o acordasse, só se fosse algum
+tiro dado na mata.
+
+N'essa noite Thomé não podia dormir. Não era a primeira vez que elle
+ouvia contar a historia dos anões; mas nunca tinha sabido que estavam
+tão perto e que ainda appareciam. Batia-lhe o coração com desejos
+anciosos, pensando que podia com as riquezas dos anões alegrar aquella
+miseravel solidão dos bosques. E faltavam só dous dias para o S. Thomé!
+
+Não pôde calar-se que não dissesse na manhã seguinte ao ouvido de
+Joanninha:
+
+--Joanninha, depois de amanhã, é o dia de S. Thomé; vamos tirar pedras
+do territorio dos anões.
+
+Mas Joanninha olhou para elle com olhos espantados, e disse:
+
+--Ora essa! Tu não vês que é só uma historia do que já passou ha mais de
+cem annos? E demais, eu morreria de medo se sahisse de noite.
+
+Thomé ficou entendendo que nada faria com aquella maricas, apesar de
+Joanninha ser mais velha, e calou-se com o seu projecto.
+
+ * * * * *
+
+Na noite de S. Thomé foi o pai cedo para casa, e antes de ter a avó
+apagado o candieiro já elle dormia como uma pedra. Thomé esperou que
+Joanninha tambem adormecesse; a avó sabia elle que não o ouviria ainda
+que estivesse acordada. Não tardou muito que tudo fosse silencio: elle
+não se tinha despido, puxou o barrete de pelles para as orelhas e sahiu.
+Fiel não estava acostumado a vêr sahir Thomé sosinho; e ficou muito
+espantado e resmungou quando Thomé lhe poz a mão pela cabeça.
+
+A lua ainda brilhava clara, e no bosque havia um silencio de cemiterio
+que assustava Thomé; mas tomou animo, e metteu-se com passos ligeiros e
+firmes ao bem conhecido caminho da grande pedreira. Não se ouvia o mais
+leve murmurio quando elle entrou no barranco, e então estremeceu vendo a
+rocha escavada em que mal entrava um raio da lua. Com passos tremulos
+foi andando até ao lugar onde tinha sido o territorio dos anões, e onde
+só havia então uma grande quantidade de pedras grandes e pequenas. Com
+as mãos a tremer, agarrou nas maiores que pôde levantar, e levou-as para
+fóra.
+
+--Quem está ahi? perguntou uma voz fina, quando elle deitava fóra a ultima.
+
+No unico lugar que a lua alumiava no barranco estava um homem muito
+pequeno vestido de verde, que era o que perguntava a Thomé:
+
+--Quem está ahi?
+
+--Sou o Thomé do guarda-matas, disse elle muito embaraçado, e tirando
+com todo o respeito o barrete.
+
+--Que queres d'aqui?
+
+--Só queria tirar pedras para que os senhores podessem viver aqui debaixo.
+
+--Pouco podes fazer, disse o anão com tristeza, mas é uma boa obra que
+deve ser recompensada. O que é que desejas mais?
+
+Thomé já tinha pensado em muitas cousas, mas n'aquella occasião não lhe
+lembrava quasi nada. Lembrou-se de um cavallo em que elle podesse ir á
+escola, de uma pipa cheia de azeite para que sempre houvesse que arder
+no candieiro, e de um sacco cheio de maçans e de nozes; mas nada d'isso
+valia o que elle tinha feito. Por fim disse gaguejando:
+
+--Uma sacca de dinheiro.
+
+O anão perguntou-lhe:
+
+--Então já sabes o que isso é? Que queres fazer com o dinheiro?
+
+Thomé respondeu um pouco animado:
+
+--Em lugar da nossa choupana, fazia uma casa grande, muito grande, ainda
+maior que é na aldeia a casa do monteiro; e uma cavallariça cheia de
+bellos cavallos em que eu podesse correr, quando tudo estivesse cheio
+de neve; e comprava á Joanninha um vestido novo, e um barril de azeite
+para não estarmos ás escuras.
+
+--E que mais? disse o anão sorrindo; has-de fazer uma casa, mas não
+n'este escuro bosque; andarás por fóra da tua terra, mas para isso não
+precisas de cavallo; Joanninha poderá ter o vestido novo sem ser dado
+por ti, e quando quizeres ter azeite bastante, vai com a tua cestinha á
+pedreira onde acharás com que faças azeite sufficiente para arder no
+candieiro em dous annos. Entendo que a sacca de dinheiro não te serve de
+nada; ainda és muito pequeno.
+
+--Ah, disse Thomé desanimado, a nossa vida não seria tão miseravel e tão
+aborrecida nas grandes noites de inverno, se tivessemos algum bonito
+livro de estampas.
+
+--Lá isso, disse o anão, é cousa que póde ter bom remedio; vai
+descançado que depois da noite do Natal irei ter comtigo e cuidarei no
+modo de nunca mais te parecerem longas as noites de inverno. Alegra-te,
+os anões sabem pagar o bem que lhes fazem.
+
+O anão desappareceu, Thomé ficou a tremer, e foi-se embora muito mais
+inquieto do que tinha sahido. Sem que ninguem ouvisse, levantou a
+aldrava de pau, entrou em casa, foi ao seu quarto, deitou-se, e toda a
+noite sonhou com o anão. Não quiz dizer nada a Joanninha, porque elle
+mesmo não sabia bem o que o anão faria, apesar de esperar com anciedade
+a chegada do Natal.
+
+Chegou a noite de Natal, e não faltava alegria na cabaninha da floresta.
+O pai tinha trazido da aldeia grande quantidade de maçans e de nozes, a
+avó tinha dado aos pequenos duas bonitas estampas que ainda achou na
+sua Biblia, e na manhã do dia de festa, chegou a criada da senhora do
+monteiro, que era madrinha de Thomé e de Joanninha, e trouxe dous
+bonitos corações de pão doce, um lindo gibão novo para Joanninha, e uma
+jaqueta bem forrada e quente para Thomé. O pai não sahiu de casa e
+cozinhou uma lebre. Havia muito tempo que elles não tinham vivido tão
+bem; mas Thomé não estava tão contente como nos outros annos, porque não
+sabia se o melhor ainda havia de vir.
+
+ * * * * *
+
+Veio a noite e todos adormeceram, menos Thomé que se assentou na cama
+vestido, e pensava no que poderia trazer-lhe o seu novo amigo para
+passar o tempo enfadonho do sombrio inverno, quando ouviu bater de leve
+á porta de casa. Com algum susto e temor, mas a toda a pressa saltou da
+cama, e abriu ao homem pequenino vestido de verde, que não levava nada
+comsigo senão um vidro redondo, muito brilhante e de muitas côres.
+
+--Leva-me ao teu quarto, disse o anão, entrando e andando mais ligeiro
+do que Thomé.
+
+Foram ao quarto de dormir em que se via tudo claramente com a luz que o
+vidro dava. O que lá se via era um leito velho, uma mesa manca com tres
+pés, e duas cadeiras. O traste maior era uma alta e larga caixa, mettida
+na parede, ennegrecida pelo tempo, e que muitas vezes tinha sido um bom
+lugar para o jogo das escondidas. Nas costas da caixa havia um grande
+buraco redondo por onde Joanninha tinha medo de espreitar porque via
+tudo escuro.
+
+Esta caixa foi o que deu mais nos olhos ao anão, que entrou n'ella pela
+tampa meio aberta e esteve a trabalhar e a bater lá dentro algum, tempo.
+
+--Agora, disse elle, depois que sahiu, já não haveis de passar o tempo
+com aborrecimento; quando as horas parecerem muito compridas, olhem pelo
+buraco redondo que está na caixa, seja de manhã ou seja de tarde, quando
+estejam sós. Adeus, rapaz; Deus te dê da sua graça.
+
+--E antes de Thomé saber o que havia de novo, já o anão tinha sahido.
+Thomé não entendeu bem o que tudo aquillo queria dizer, e não se atreveu
+a ir logo vêr á caixa. Foi deitar-se ao pé de seu pai, e pensando e
+scismando se o anão fallaria seriamente ou a gracejar, adormeceu.
+
+Na manhã seguinte o pai sahiu cedo, e Thomé não pôde calar-se, e ao pé
+da surda avó contou baixinho á irmã toda a sua aventura, de que ella se
+riu sem lhe dar credito, mas tremendo de susto. Por fim resolveu-a a ir
+de tarde com elle fazer a primeira visita á caixa, e como esperavam
+alguma cousa, não souberam n'esse dia o que era aborrecimento.
+
+Á noite, ainda o pai não tinha entrado e a avó cabeceava com somno,
+quando ambos se metteram na caixa cheios de anciedade. Thomé, que era
+mais animoso, foi o primeiro que olhou pelo buraco onde brilhava o vidro
+do anão. Ah! que resplendor lhe veio bater nos olhos! Puxou logo
+Joanninha para si, porque a abertura era bastante larga para poderem vêr
+ambos ao mesmo tempo. Eram maravilhas o que elles viam, e mal se podiam
+conter para não darem altos gritos de espanto. Viam uma grande sala,
+muito grande, alumiada de um modo magestoso por lustres dourados, com
+muitos centos de velas de côres. E uma mesa estava carregada com as
+cousas mais maravilhosas: soldados, de pé e de cavallo, regimentos
+inteiros com peças e armas, e uma cavallariça cheia de cavallos pequenos
+de todas as raças, e livros com ricas pinturas, e uma grande quantidade
+de objectos de brinquedo, que elles nunca tinham visto, e pequenas
+esporas de prata, e uma espingarda e espada, e um soberbo vestuario de
+velludo bordado a ouro. Todas estas cousas magnificas estavam dispostas
+sobre a mesa na melhor ordem, e ao pé havia açafatinhos e pratos com os
+dôces mais finos.
+
+--Ah, de quem será isto! disseram os dous irmãos suspirando.
+
+A porta abriu-se, e entrou um rapaz esguio e pallido, que teria dez
+annos, e atraz d'elle muitas senhoras e homens da nobreza vistosamente
+vestidos. Thomé e Joanninha pensavam que aquellas riquezas deviam
+pertencer a muitos meninos, e olhavam para todos os que iam entrando na
+sala; mas não havia outro menino senão o que entrou primeiro, e que
+passou por todas aquellas cousas tão ricas sem fazer muito caso d'ellas,
+em quanto que Thomé e Joanninha pregavam no vidro os olhos afogueados e
+parecia que queriam devorar todas aquellas maravilhas.
+
+--Rapazes, onde estaes vós? gritou fóra a voz da avó.
+
+Voltaram a cabeça assustados, e viram tudo ás escuras, como era nos
+outros dias, e a velha caixa estava sem luz como se nada tivesse
+acontecido. Aos dous irmãos ainda parecia tudo um sonho quando se
+assentaram ao pé do candieiro no quarto velho e defumado. N'essa noite
+chegaram a sentir quasi alegria por a avó ser surda, porque podiam
+fallar á vontade nas maravilhas que viram, e a cada um lembrava
+alguma cousa muito bonita em que o outro não tinha reparado.
+
+--Ai, diziam elles suspirando, que boas cousas tem aquelle menino
+fidalgo! Se nós tambem tivessemos cousas assim!
+
+E ainda diziam o mesmo quando o somno lhes fechou os olhos, para ainda
+lhes mostrar em sonho tanta grandeza.
+
+Antes de ser bem dia, foi Joanninha á sala da caixa. O pai não estava em
+casa, e por isso podiam á vontade ir olhar pelo vidro maravilhoso. Como
+elles desejavam ver ainda uma vez a bella sala de hontem! Agora era á
+luz clara do dia, mas, era quasi tão bonito como com os centos de luzes
+de côr: ainda havia todas as cousas ricas de hontem, mas não estavam em
+tão boa ordem, o menino que tinham visto estava vestido de sêda deitado
+sobre o sophá, com alguns dos bonitos livros espalhados de redor d'elle,
+e parecia estar muito aborrecido.
+
+Quando Thomé e Joanninha se mostravam admirados de que podesse haver
+alguem que não estivesse contente com tão maravilhosas cousas, abriu-se
+uma porta da sala, e entrou um senhor de idade. Os meninos ouviram
+fallar como muito ao longe, mas entendiam bem o que se dizia. O velho
+perguntou:
+
+--Já está enfastiado, meu caro principe, de tantas cousas que fariam
+felizes outros meninos?
+
+--Outros meninos! disse o principe; os outros meninos não estão sós, e
+eu já vi todas as minhas cousas que me deram.
+
+--Mas vossa alteza bem sabe que se lhe dá companhia quando a quer ter.
+
+--Que companhia! Vem um, e diz: «Bons dias, principe»; e diz outro: «Que
+tem principe?»; e brincam com o que eu tenho e conversam e riem uns com
+os outros; e quando lhes chega o aborrecimento, vão-se embora e eu fico
+só. Quem me dera sahir como sahem os outros meninos!
+
+--Mas se vossa alteza quer, póde ir passear ou viajar
+
+--Ah, sim, ir passear na sua companhia, ou andar em carro ou a cavallo
+acompanhado por camaristas. Que grande alegria! o que quizera era ir só
+e para onde me parecesse. Antes queria ser filho de ciganos do que
+principe.
+
+Antes que Thomé e Joanninha podessem ouvir mais nada, chamou por elles a
+avó. Sahiram da caixa e o buraco ficou ás escuras.
+
+ * * * * *
+
+Muito tinham os dous irmãos que dizer um ao outro! O que elles não
+podiam entender era porque estava o principe tão impertinente.
+
+--Ah, como nós estariamos contentes com aquellas cousas tão bonitas!
+dizia Thomé suspirando.
+
+--Sim, mas nós não estamos sós, dizia Joanninha.
+
+--É verdade que os meninos ricos quando não estão sós, tambem estão
+contentes, dizia Thomé para si.
+
+--Havemos de vêr, dizia Joanninha, se o principe ainda lá está hoje á
+noite.
+
+Com grande alegria passaram elles todo o dia a conversar, e a anciedade
+não podia ser maior quando outra vez olharam pelo vidro.
+
+Já não era a sala, mas sim um bosque, quasi como aquelle em que elles
+moravam, e havia no bosque um grande pedaço de terreno sem arvores onde
+ardia uma fogueira; em que estava estendida uma bella peça de caça
+brava, e de redor da fogueira muita gente esfarrapada e enfarruscada, e
+alguns tocadores de instrumentos que tocavam uma musica alegre, e uma
+multidão de creanças que dançavam e saltavam com uma alegria de
+selvagens.
+
+--Ah, isto é muito divertido, dizia Thomé.
+
+Mas Joanninha abanava a cabeça porque não lhe agradava o que via. Um
+rapaz d'aquelles ciganos chegou com um grande sacco cheio de fructas
+seccas, e todos os pequenos o receberam com gritos de alegria, e elle
+despejou o sacco no chão. Todos se atiraram ás fructas seccas como quem
+tinha fome e comeram a bom comer. Depois começaram outra vez a saltar e
+a cantar desentoados, e Thomé começava a sentir desejos de tambem ir
+saltar com elles, quando o pai que chegava de fora os chamou para o quarto.
+
+Toda a noute teve Thomé os ciganos na imaginação, de maneira que deu
+cuidado a Joanninha que pensava que Thomé podia muito bem sahir de casa
+de noite e fugir para os ciganos. Mesmo a dormir cantava Thomé o que
+tinha ouvido tocar aos ciganos.
+
+Muito cedo, antes de acordar o pai, foi Thomé olhar pelo vidro, sem
+esperar por Joanninha, que só passado algum tempo é que foi ter com
+elle. O que viram era ainda o verde prado do bosque, mas já não havia
+festa. Era de manhã, a fogueira estava apagada, e os ciganos corriam
+para todos os lados muito afflictos e desvairados. Chegaram soldados e
+todo aquelle barulho e desordem acabou pela prisão dos ciganos que eram
+accusados de roubos. Com agudos gritos viram os pequenos dos ciganos que
+os soldados levavam á força seus pais e suas mãis, e que outros soldados
+os levavam a elles para outra parte. Thomé e Joanninha não tiveram animo
+para vêr mais e desviaram os olhos do vidro. Joanninha disse depois a
+Thomé:
+
+--Ainda querias ser filho de cigano para ter aquella vida livre que
+elles tem?
+
+--É verdade, disse Thomé desanimado, quem rouba não pode ter uma vida
+livre.
+
+--Os meninos ricos, tornou Joanninha, de certo passariam melhor vida, se
+não vivessem tão sósinhos como o principe.
+
+ * * * * *
+
+Á noite não poderam ir para a caixa das vistas maravilhosas porque a avó
+nunca lhes deu tempo de sahirem da cozinha, e o pai foi para casa muito
+cedo. Por isso ainda mais desejavam que chegasse a occasião de poderem
+lá tornar.
+
+Quando essa occasião chegou, viram um quarto muito bonito, não tão
+admiravel como a sala do principe, mas muito mais bonito do que o quarto
+da madrinha, com alcatifas de varias côres e bellos quadros nas paredes.
+O quarto estava cheio de lindas cousas para brincarem meninos e meninas.
+Um bonito quarto de bonecas, com senhoras e senhores muito bem vestidos,
+com sophás, cadeiras e caminhas pequenas, e uma cozinha cheia de louças
+brancas, panellas e pratos, muito mais do que havia na cozinha da avó;
+bonecas pequenas e grandes, quasi da altura de Joanninha, berços e
+cadeirinhas; e de outro lado um castello com soldados, e uma loja muito
+enfeitada com uvas seccas, amendoas, confeitos e figos, e um carro
+com bahús e saccos, e lindos livros de estampas; em uma palavra, eram
+quasi tantas cousas como tinha o principe. Thomé e Joanninha não cabiam
+em si de contentamento e admiração.
+
+Então entraram no quarto os donos de todas aquellas riquezas, que eram
+duas meninas e um menino. Parecia que vinham de passear. As meninas
+correram para as bonecas e o menino para a loja. Uma foi com um dinheiro
+pequenino e brilhante comprar dôces ao irmão, a outra começou a vestir
+as suas bonecas de uma caixinha cheia de ricos vestidos e chapelinhos.
+
+Ah, como ficaram tristes Thomé e Joanninha quando a avó os chamou para a
+ceia, e como sonhavam, a dormir e acordados, com aquellas bonitas
+cousas, e como correram na manhã seguinte á caixa para continuarem a vêr
+como eram felizes os tres irmãos!
+
+Mas já não era tudo tão bonito no quarto; as bonecas estavam no chão, e
+uma das meninas estava a chorar e a gritar; tinha deixado de noite as
+bonecas no chão e a porta do quarto aberta; a gata tinha entrado, tinha
+brincado com a boneca, e rasgou-lhe os vestidos de sêda e estragou-lhe
+as côres.
+
+--A culpa é tua, gritou um dos meninos, porque não pozeste as cousas em
+ordem.
+
+--Eu é que não tive culpa nenhuma, gritou a outra.
+
+E n'isto correram aos empurrões para a loja, e entraram em desordem por
+causa de um pão de assucar que as meninas queriam ter na sua cozinha e o
+irmão não queria que se tirasse da loja. A questionar e a gritar
+entraram as meninas na loja, e muitos dos vidros do dôce foram deitados
+ao chão: o menino cheio de colera correu á cozinha e deitou tudo ao
+chão, e quebrou a bonita louça que lá havia. Então foram tantos os
+gritos e queixas que Thomé e Joanninha não quizeram vêr mais.
+
+ * * * * *
+
+Tardou muito tempo que elles podessem tornar a vêr pelo vidro. Quando
+chegou a occasião, o que viram foi um lindo quarto e uma mesa com
+quinquilherias, bolos dôces, uma bella torta, confeitos e pasteis.
+Estavam lá duas meninas, e parecia que era o dia dos annos de uma, que
+era a que tinha recebido todas aquellas cousas. Não ralhavam nem se
+zangavam uma com a outra como tinham feito os outros meninos, mas tambem
+não se podia dizer que tinham boa saude e que estavam satisfeitas. Dizia
+uma:
+
+--Que te parece, Emma, vamos comer um bocadinho da tua torta?
+
+--Eu não, Sophia; antes queria maçans.
+
+--Maçans! pois tu não sabes que o senhor doutor prohibiu que comessemos
+fructa?
+
+--Ah! tambem a torta me faz mal, e a avó foi que m'a mandou; e os dôces
+fazem-me doer os dentes e foram mandados pela tia.
+
+--Então vamos brincar para o jardim, tornou Sophia.
+
+--Pois sim, vamos; e levo o meu chapéo novo. Iam para sahir quando
+appareceu a mãi e perguntou:
+
+--As meninas onde querem ir?
+
+--Vamos só um bocadinho para o jardim, maman.
+
+--Deus nos livre d'isso: no jardim está um vento muito frio e a terra
+muito humida. Nada, nada. Emma viria de lá com dôres de dentes e Sophia
+com a tosse. Deixem-se estar aqui. Eu vou levar d'aqui para fóra todas
+estas cousas, porque já comeram muito, e Sophia devia agora tomar o seu
+remedio.
+
+A menina Sophia fez uma careta de enjôo quando ouviu fallar no remedio.
+Joanninha não quiz esperar até que elle chegasse e deixaram tristes o
+vidro e a caixa.
+
+Não faltava a Thomé e a Joanninha que dizer e em que pensar a respeito
+do que tinham visto.
+
+--Diz-me cá, Thomé, perguntou Joanninha, parece-te que são infelizes
+todos os meninos que vivem no mundo?
+
+--Não, acudiu logo Thomé, eu acho que não póde ser. Se o principe não
+vivesse tão só...
+
+--Isso sim; e se os filhos dos ciganos tivessem bons pais; e se os tres
+irmãos não tivessem tão mau genio; e se as meninas não fossem doentes...
+Olha, quem é bom e de bom genio e tem saude, vive contente.
+
+--Mas quem é pobre e só como nós? perguntou Thomé.
+
+E Joanninha não soube o que havia de responder-lhe.
+
+ * * * * *
+
+Á noite a avó adormeceu cedo, mas elles mal se atreviam a ir ao vidro
+receando que acabasse por cousas tristes. Comtudo sempre foram.
+D'esta vez chegaram a gritar ambos ao mesmo tempo em voz um pouco alta:
+Isto é o nosso quarto e nós n'elle!
+
+E na verdade assim era, mas o quarto era mais alumiado e mais alegre,
+estava com mais ordem e mais aceio e limpeza, as vidraças sujas estavam
+bem lavadas, na janella havia em vasos um par de plantasinhas da
+floresta, como Joanninha as conhecia bem, de umas que nasciam mesmo com
+a neve; em uma gaiola de vimes, como Thomé já tinha visto fazer aos
+rapazes da aldeia, saltava um passarinho, que parecia estar melhor
+n'aquelle quarto agasalhado do que estaria livre ao ar frio, porque
+cantava e trinava que era um gosto ouvil-o. E a avó assentou-se á roda
+de fiar e Joanninha ao pé d'ella e Thomé a pequena distancia e não
+estavam aborrecidos e tristes como era d'antes; e cantavam uma bonita
+canção que já tinham aprendido na escóla e que nunca se tinham lembrado
+de cantar em casa. Cantavam tão suavemente que a avó, que percebia
+alguma cousa, piscava os olhos de contentamento. Por fim quando acabaram
+de cantar, o Thomé que elles viam lá dentro pegou em um grande livro que
+já ha muito tempo estava cheio de pó no sobrecéo da cama da avó, desde
+que ella nem com as lunetas podia lêr. Thomé e Joanninha olhavam
+espantados, porque era verdade que sabiam lêr, mas lêr em casa era cousa
+em que nunca tinham pensado. O Thomé do vidro começou a lêr em voz alta
+de maneira que a avó o ouvia; ao principio não foi tão correntemente
+como o verdadeiro Thomé teria lido, mas não tardou que fosse melhor. Era
+a historia de S. José, que os meninos já tinham ouvido, mas já ha muito
+tempo, e agora parecia-lhe tão cheia de novidade e de belleza que ao
+Thomé do vidro escutavam com toda a attenção, até que se ouviu um
+latido de cão. Era tambem exactamente como o latir do Fiel.
+
+E a Joanninha que se via lá dentro levantou-se, poz um par de sapatos
+velhos ao calor do lume e dependurou tambem ao calor do lar uma jaqueta
+velha do pai, e quando o pai entrou com Fiel, tirou-lhe Thomé a jaqueta
+molhada e pegou-lhe na espingarda, e Joanninha deu-lhe os sapatos
+quentes e a jaqueta bem enxuta.
+
+Thomé e Joanninha olhavam pasmados para aquelles cuidados com que
+trabalhavam as suas imagens dentro do vidro. Até então tinham visto o
+pai entrar e sahir sem ao menos pensarem em cuidar d'elle. O pai que
+elles viam pelo vidro estava muito admirado d'aquelles cuidados de seus
+filhos e mostrava-se muito mais meigo do que o verdadeiro pai costumava
+ser. Elle assentou-se á mesa, e Joanninha tinha uma ceia bem quente no
+lar, cousa que nunca lhe tinha lembrado, porque tambem a avó nunca
+pensava n'isso, e o pai batia-lhes no hombro, o que elle nunca tinha
+feito, e começou a fallar da mãi que Deus tinha levado para si, e que
+tambem cuidava muito d'elle; e tudo isso encantava tanto Joanninha e
+Thomé que não tinham vontade de tirar os olhos do vidro: mas a avó
+chamou por elles para se deitarem.
+
+ * * * * *
+
+Na manhã seguinte começaram Thomé e Joanninha a viver uma vida muito
+differente. Joanninha limpava e espanava, punha tudo em ordem e
+lavava a janella, de maneira que a avó, a quem aquillo parecia um sonho,
+perguntava: Então isto agora é uma igreja?--Como ainda não era tempo de
+flôres, Thomé levou do bosque alguns ramos verdes de faia, com os quaes
+adornou muito bem a sala. Depois ajudaram de boa vontade a avó a fazer o
+almoço, cousa que nunca tinham feito, e quando o comeram soube-lhes
+melhor do que nos outros dias. Depois assentou-se Joanninha com a roca
+ao pé da avó, e Thomé subiu a uma cadeira e abriu a Biblia, que estava
+cheia de pó como a que viram pelo vidro, e começou a soletrar. A avó
+escutou com muita attenção, e quando elle começou a lêr correntemente e
+ella ouviu pela primeira vez da bocca de seu neto a palavra de Deus, o
+seu coração cheio de annos sentiu-se mais novo, e ella ergueu as mãos ao
+céo, e não tirava de Thomé os seus olhos arrasados de lagrimas de
+alegria. Thomé ficou muito contente vendo o effeito da sua leitura e lia
+cada vez com mais fogo, e Joanninha escutava e fiava e não reparava como
+a manhã se passava depressa, até que a avó, que tinha o relogio na
+cabeça, se levantou para cozer as batatas. Então levantou-se Thomé e
+disse: Espere, avosinha, que eu ajudo-a.
+
+Foram ambos os netos tirar agua ao poço e a avó não cabia em si de
+alegria. Nunca tinham comido tão boas batatas. De tarde lembrou-lhes
+cantar, e começaram baixinho, e depois foram subindo a voz, e a avó
+escutava ao principio como se sonhasse, e sorria com um contentamento
+como ha muitos annos não tinha tido.
+
+Como passaram satisfeitos até que o pai chegou! E como elle se mostrou
+admirado d'aquelles cuidados que via nos filhos e que nunca mais vira
+desde que sua mulher fôra para a sepultura. Aqueceu-se com o fato
+que elles lhe deram, e encantado com aquellas meiguices dos meninos
+começou a contar muitas cousas da sua querida Margarida que estava no
+céo. A avó escutava com grande alegria e de tempos a tempos dizia alguma
+cousa. Antes de irem deitar-se disse ella ao pai: Tu deves vêr como
+Thomé lê bem.
+
+E foi buscar o seu velho livro de orações da noite. O pai, que já ha
+muitos annos não se lembrava de orações, escutou com viva alegria, e a
+voz de Thomé levava-lhe as santas palavras ao coração, que se abria para
+Deus. Quando Thomé fechou o livro, ergueu o pai as mãos ao céo e rezou.
+
+Thomé e Joanninha nunca dormiram um somno tão dôce como n'essa noite.
+
+Depois a mocidade foi passando, mas as boas obras davam alegria ao
+coração, o bom anjo da oração tinha entrado em casa, e fazia d'aquella
+socegada choupaninha um templo da paz e do amor.
+
+Os meninos não tinham desejos de tornar a olhar para o espelho do anão,
+porque entendiam que não lhes podia mostrar cousas melhores do que
+aquella sua vida caseira, principalmente quando veio a branda primavera,
+e elles pensaram como haviam de dar alegria á sua casinha no proximo
+inverno.
+
+Disseram-me que Thomé, passados annos, quando o pai e a avó já eram
+mortos, tinham corrido algumas terras, e veio a ser um habil e robusto
+carpinteiro que ajudou a construir muito bonitas casas e fez para si uma
+casinha muito aprazivel. Joanninha tinha ido para casa do padrinho, e
+veio a ser uma menina muito prendada e depois uma esperta aldean e boa
+mãi de filhos saudaveis.
+
+Os dous irmãos viveram sempre contentes com a sorte que Deus lhes deu, e
+quando viam de longe casas ricas, ou ricos vestidos ou custosas
+golosices, diziam comsigo: Aquillo talvez seja de um pobre principe, ou
+de algum menino de mau genio ou de alguma Emma doente.
+
+
+
+
+O CASTELLO ENCANTADO
+
+OU
+
+O MONTE DO CASTELLO DAS FADAS
+
+
+TRADIÇÃO PRUSSIANA
+
+Ao pé do rio Memer, e não longe da cidade de Tilsit, levanta-se um monte
+alto e redondo que se chama o monte do castello. Ha muitos e muitos
+annos houve alli um grande castello, como ainda hoje se póde vêr pelas
+ruinas das paredes, e por um fosso muito fundo e duas linhas de muralhas
+que estão de redor. A quem pertence e quem agora lá mora, é cousa de que
+ninguem sabe dar noticia, mas corre na terra uma tradição que reza que
+elle se aluiu de repente, e ainda hoje se mostra no cume do monte, mesmo
+no meio d'elle, um largo e escuro boqueirão, cujo fundo ainda ninguem
+pôde achar com cordas: diz-se que deve ter sido a chaminé do antigo
+castello. N'esses muros derribados reza a mesma tradição que é guardado
+um thesouro immenso por um porteiro, velhinho de cabellos brancos, que
+já tem sido visto muitas vezes pelos viajantes que sobem ao monte, e que
+ninguem até hoje tem podido ir aproveitar-se d'elle.
+
+Um dia andavam muitos rapazes de uma aldeia proxima de Tilsit a
+pastorear gado no monte do castello. O dia ia em mais de meio, o sol
+queimava e os rapazes deitaram-se á sombra de um rosal bravo e
+pozeram-se a contar historias. Entre outras cousas fallaram no muito
+ouro que estava no monte por debaixo d'elles, e mostraram desejos de que
+lhes apparecesse o porteiro do castello para irem atraz d'elle e
+deitarem mão ao thesouro. Mas mostravam esse animo por ser dia claro,
+porque nenhum d'elles era capaz de se deixar ficar só no monte do
+castello depois de escurecer.
+
+--Sim, dizia o mais novo, fazia-me boa conta o ouro, e ainda mais a
+minha mãi que está velha, corcovada e trôpega e ainda se assenta á roda
+de fiar, ganhando assim com muito trabalho mas honestamente o escasso
+pão de cada dia; que alegria não seria a d'ella se eu podesse levar-lhe
+para casa uma boa mão cheia de dinheiro! Mas eu não quero nada com o tal
+phantasma do homem pequenino.
+
+--Tolo! disseram os outros, elle não faz mal a ninguem; provavelmente
+descançaria e não lhe seria preciso andar a vaguear pelo monte, se
+alguem achasse o thesouro, porque então não teria mais que guardar.
+
+Assim palravam elles até que um se lembrou de irem todos ao boqueirão e
+atirarem pedras para baixo. Mas por maiores que fossem as pedras que
+arrastassem até ao buraco e lançassem dentro, não ouviam cahir nenhuma
+no fundo.
+
+--Se houvesse uma corda bem comprida, disse Fernando que era o mais
+velho, e rapaz forte e animoso, poderia um de nós descer um bom pedaço,
+e vêr se acharia alguma porta ou cousa semelhante que fosse dar onde
+está o ouro.
+
+--Em casa de meu amo, disse outro, ha um poço, e está uma corda no
+guindaste que com certeza é duas vezes tão comprida como este monte.
+Querem que a vá buscar? Em casa não está agora ninguem porque meu amo e
+minha ama sahiram para longe para um baptisado.
+
+A proposta foi bem recebida por todos, menos pelo pequeno Theophilo.
+
+--Nós, disse Fernando com os olhos afogueados, podemos talvez ser ricos
+com pouco custo, não precisando mais de guardar gado pelo ardor do sol;
+podemos mesmo comprar casa e campos e ter moços para o gado, se
+enchermos bem os bolsos lá em baixo. Vai buscar a corda, depois
+tiraremos á sorte quem ha-de descer á cova; os outros ficarão a segurar
+a corda em cima, e o que descer será içado logo que dê signal puxando
+por ella.
+
+Todos estavam muito contentes, menos o pequeno Theophilo, que como
+medroso se oppunha áquella resolução, mas foi escarnecido pelos
+camaradas. Quando chegou a corda e foram lançadas as sortes, a quem
+tocou a vez foi justamente ao timorato Theophilo, que bem fugiria d'alli
+para longe se os camaradas não o segurassem e não o atassem á força com
+a corda. Gritando e bracejando, com grandes risadas dos companheiros foi
+lançado no boqueirão redondo e descido devagar. A ponta da corda foi
+atada com muita segurança ao tronco de uma arvore, e pouco a pouco foram
+os rapazes deixando ir cada vez mais para o fundo o seu pequeno
+camarada. Passados alguns minutos curvaram-se na borda do buraco e
+disseram: «Que vês lá embaixo, Theophilo?» Mas Theophilo só pedia que o
+puxassem para fóra.
+
+A final já não se entendia o que elle dizia: a corda, que era mais
+comprida do que a altura da torre da igreja de Tilsit, estava já a
+chegar ao fim, e ainda se sentia retesada e pesada, signal certo de que
+Theophilo ainda não tinha chegado ao fundo. Mas de repente viu-se que
+estava bamba. Os moços do gado deram gritos de alegria, vendo que por
+fim estava Theophilo em terra firme: estenderam meio corpo por sobre a
+borda do boqueirão; chamaram e pozeram-se a escutar, mas o silencio era
+de mortos. Assim esperaram muito tempo, uma hora e ainda mais; agora,
+diziam elles, já Theophilo tem tido tempo de ver tudo e de encher os
+bolsos com ouro e prata. Puxaram a corda para cima, mas a corda não
+trazia nada. Como esperassem ainda uma hora e outra hora sem que a corda
+trouxesse alguma cousa acima, começaram a affligir-se e a inquietar-se.
+Depois correram muito pezarosos á aldeia, e com medo de castigo disseram
+á velha mãi doente do seu camarada perdido que Theophilo tinha trepado
+sósinho ás ruinas do monte do castello e de repente tinha desapparecido.
+
+Foi grande a angustia da pobre mãi do rapaz, cuja alegria unica era o
+seu Theophilo. Chorou e gemeu toda a noite, não houve somno que lhe
+fechasse os olhos, e bem quizera ella morrer para ir ter com seu filho
+ao céo, porque elle de certo tinha cahido no fundo do boqueirão do monte
+do castello, e lá estava despedaçado e morto.
+
+Quando na manhã seguinte Fernando e os outros moços do gado levavam
+outra vez os rebanhos para o pasto da vespera, ainda afflictos pelo que
+tinha acontecido, correu Theophilo ao encontro d'elles na raiz do monte.
+Todos os seus bolsos, e o barrete, e mesmo as mãos, estavam cheias de
+ouro, e elle com grande alegria contou aos camaradas como tudo lhe tinha
+corrido bem. Disse elle:
+
+--Logo que me senti em chão firme e que me desatei da corda, vi uma
+porta diante de mim e por ella entrei em uma cozinha muito grande. Ardia
+no lar uma grande fogueira que não fazia fumo nenhum, e em toda a parte
+não se via senão cousas de ouro e de prata. De repente veio direito a
+mim um velhinho pequeno, pegou-me na mão com muito bons modos e me disse
+que não tivesse medo porque me assegurava que não havia alli ninguem que
+me fizesse mal. Então perdi o medo, e atravessei com o bom velho muitas
+salas cada vez mais bonitas, onde havia montes de ouro. Então deu-me o
+castellão differentes iguarias muito boas para comer, e mostrou-me uma
+cama em que eu podia dormir. O vinho muito dôce que bebi pesou-me na
+cabeça, e eu dormi como um morto até que o mesmo velho pequenino me foi
+acordar. Então encheu-me de ouro o barrete e os bolsos tanto quanto
+podiam levar, e disse-me: «Guarda isto em lembrança do porteiro do
+castello e tracta de tua velha mãi.» E pegando-me em uma mão, abriu uma
+porta pequena, e quando puz os pés fora, vi o céo azul e o sol da manhã,
+e ouvi o sino da aldeia que tocava ás ave-marias. Elle não sahiu,
+disse-me adeus com a mão, e desappareceu. A porta por onde tinha sahido
+não a tornei a vêr. Graças a Deus, tudo foi bem até ao fim. Como minha
+mãi vai ficar contente!
+
+E Theophilo correu logo á aldeia, sem dar mais ouvidos aos seus
+camaradas que bem queriam ouvir contar mais alguma cousa.
+
+--Agora, disseram elles uns para os outros quando viram as grandes
+riquezas com que Theophilo appareceu, devemos ir tambem ao bom porteiro
+velho e trazer alguma cousa do seu thesouro. Vamos vêr a quem por sorte
+caberá a vez de ir lá abaixo.
+
+--Para que ha-de ser á sorte? disse Fernando; eu sou o mais velho de
+todos, e hei-de ser o primeiro a descer. A quem não estiver pelo que
+digo, provarei que está do meu lado o direito do mais forte.
+
+Os camaradas resmungaram, mas não se atreveram a resistir ao robusto
+rapaz, e por isso foi Fernando descido ao boqueirão, depois de ter
+primeiro tirado o seu pão da saccola pastoril, para ter onde deitar
+muito ouro que esperava receber do porteiro do arruinado castello. De
+novo se mostrou a corda retesada quasi até ao fim, e os outros a
+colheram sem que trouxesse nada, mas não esperaram que o camarada
+sahisse para fóra n'aquelle mesmo dia, porque sabiam que elle tinha lá
+em baixo boas cousas para comer e uma cama bem fofa para passar a noite,
+e que lhes appareceria de manhã muito alegre, como o pequeno Theophilo,
+ao pé do monte. A ausencia de Fernando foi pouco notada na aldeia; os
+companheiros levaram-lhe a casa o gado, e elle não tinha uma mãi que o
+chorasse.
+
+Na manhã seguinte todos os outros cheios de impaciencia sahiram com o
+gado mais cedo do que costumavam, mas não encontraram Fernando.
+Esperaram um pouco, depois correram ao alto do monte, deitaram a corda
+ao boqueirão, e inquietos chamaram o camarada pelo nome. Mas não houve
+resposta. Depois ninguem tornou a ver Fernando, nem appareceu ninguem
+que tivesse animo para descer ao fundo do monte do castello, e apanhar o
+thesouro que lá está enterrado.
+
+
+
+
+GRATIDÃO DE UM FILHO
+
+E
+
+INGRATIDÃO DE OUTRO
+
+(Hebel.)
+
+
+Quem reparar um pouco, ha de ver muitas vezes que o homem na velhice é
+tratado por seus filhos exactamente do mesmo modo, como elle havia
+tratado seus paes, quando erão velhos e já sem forças. E isto
+comprehende-se bem. Os filhos aprendem com os paes; não veem nem ouvem
+mais ninguem, e por isso seguem o seu exemplo. Assim se verifica
+naturalmente o que tantas vezes se diz, e está escripto: «a benção e a
+maldição dos paes vem cair sobre os filhos.»
+
+Ouçamos agora duas historias que se contão a proposito d'isto: a
+primeira é digna de imitação; a segunda merece ser muito meditada.
+
+Uma vez um certo principe foi dar um passeio a cavallo, encontrou-se com
+um camponez diligente e alegre, que andava a trabalhar em um campo, e
+poz-se a conversar com elle.
+
+D'alli a alguns dias soube o principe que o campo não era propriedade
+d'aquelle homem, o qual não passava d'um jornaleiro que pela modica
+quantia de tres tostões por dia cuidava do seu amanho. O principe, que
+para os pesados encargos do governo precisava de enormissimas
+sommas, não podia comprehender como tres tostões diarios erão meios
+bastantes para o nosso homem viver, e de mais a mais de rosto tão
+alegre. Este porém respondeu-lhe: «Nada me faltaria, se eu pudesse
+dispôr de todo esse dinheiro: a terça parte chega-me bem; com um terço
+pago as minhas dividas e a terça parte restante pertence ás minhas
+economias.» O bom do principe ficou ainda mais admirado. Mas o camponez
+continuou: «O que tenho, reparto-o com meus paes, que são velhos e já
+não podem trabalhar, e com meus filhos, que andão por ora a aprender;
+áquelles pago-lhes o amor com que me tratárão na minha infancia, e
+d'estes espero que não me abandonarão tambem na minha cansada velhice.»
+Não é verdade que tudo isto foi muito bem dito, é ainda melhor pensado,
+e ainda muito melhor executado? O principe recompensou aquelle homem de
+bem, olhou com desvelo pelos filhos, e a benção que os paes lhe lançárão
+ao morrer, foi-lhe retribuida pelos filhos agradecidos com amor e amparo.
+
+Havia porém outro homem que tratava tão mal seu pae, a quem a edade e as
+doenças tinhão na verdade tornado impertinente, que o velhinho mostrou
+desejos de entrar em um hospital de pobres, que havia na mesma aldeia.
+Alli esperava elle, apesar do pouco affecto, pelo menos vêr-se livre das
+reprehensões que em casa lhe amarguravão os ultimos dias da vida. O
+filho ingrato saltou de contente apenas soube dos desejos do pobre
+velho, e ainda antes de o sol se esconder por detraz das montanhas
+visinhas, já elles estavão satisfeitos. Mas no hospital não encontrou
+elle tudo quanto desejava, e passado algum tempo pedíu ao filho, como
+ultimo favor, que lhe mandasse dois lençoes, para não ter de dormir toda
+a noite na palha estreme. Procurou este os peores que tinha, e
+chamando seu filho, creanca de dez annos, ordenou-lhe que os levasse ao
+hospital.
+
+Ficou porém admirado ao vêr que o pequeno escondia a um canto um dos
+lençoes e só levava ao avô o outro; e apenas elle veio, perguntou-lhe
+porque tinha feito aquillo. O filho respondeu friamente que tinha
+guardado um dos lençoes para o dar ao pae, quando mais tarde o mandasse
+para o hospital.
+
+Que lição tiramos d'aqui?
+
+_Honra teu pae e tua mãe, para que sejas feliz._
+
+
+
+
+O CHAPELINHO VERMELHO
+
+OU
+
+A FADA E O LOBO
+
+
+Era uma vez uma rapariguinha da aldeia, a mais bonita que-podia haver:
+sua mãe adorava-a, e sua avó, que era a _Fada dos jasmim_, ainda mais.
+Esta boa mulher deu-lhe de presente um chapelinho vermelho, que lhe
+ficava tão bem, que a chamaram o Chapelinho Vermelho.
+
+Um dia sua mãe, tendo feito alguns bolos, disse-lhe:--Vae ver como está
+tua avó, pois que me disseram que ella estava doente; leva-lhe este bolo
+e este pote de manteiga. O Chapelinho Vermelho partiu logo para casa de
+sua avó, que morava n'outra aldeia. Passando n'um bosque, encontrou um
+lobo com cara de gente, que tinha boa vontade de a comer; mas não ousou
+fazel-o, por temor de alguns carvoeiros que estavam na floresta.
+Perguntou-lhe onde ella ia; e a pobre pequena, que não sabia que era
+perigoso dar attenção a um lobo, respondeu:--Vou ver minha avó, e
+levar-lhe um bolo com um pote de manteiga, que minha mãe lhe
+manda.--Ella mora muito longe? perguntou o lobo.--Não, senhor, respondeu
+o Chapelinho, é além d'aquelle moinho, que vossê vê lá ao longe, na
+primeira casa da aldeia.--Pois bem, disse o lobo, eu tambem quero ir
+vel-a, vou por este caminho, tu irás por aquelle, e veremos quem chega
+lá primeiro. O lobo poz-se a correr a toda a pressa pelo caminho mais
+curto; e a pequenina foi pelo caminho mais comprido, divertindo-se a
+colher avelãs, a correr atraz das borboletas, e a fazer ramalhetes das
+flores que via. O lobo não tardou muito a chegar a casa da avó, e bateu
+á porta: truz, truz, mas ninguem respondeu, porque a _Fada dos jasmins_,
+sabendo quem era, quiz fazel-o persuadir que não havia gente em casa.
+
+Tendo o lobo batido mais duas vezes, sem que lhe respondessem, suppôz
+que a avó do Chapelinho Vermelho havia saido, e resolveu entrar na casa,
+para esperar as duas e comel-as. Assim resolvido, levantou a aldraba, e
+abrindo-se a porta, entrou na casa, onde não viu ninguem; porque a
+_Fada_ se havia escondido em um armario, que estava á cabeceira da cama,
+d'onde via e observava tudo. O lobo deu duas voltas pela casa, e,
+vendo-a sósinha, fechou a porta com a aldraba e foi deitar-se na cama da
+avó, á espera da primeira que apparecesse. Pouco tempo depois chegou o
+Chapelinho Vermelho, que bateu á porta: _truz, truz,_--Quem está ahi?--O
+Chapelinho Vermelho, que ouviu a voz grossa do lobo, teve medo ao
+principio; mas pensando que sua avó estava rouca, respondeu:--É sua neta
+Chapelinho Vermelho, que lhe traz um bolo e um potesinho de manteiga,
+que minha mãe lhe manda. O lobo gritou-lhe, amaciando a voz:--Levanta a
+aldraba. A pequenina levantou a aldraba, e a porta abriu-se. O lobo,
+vendo-a entrar, lhe disse, escondendo a cabeça debaixo dos lençoes:--Põe
+o bolo e o potesinho de manteiga em cima da mesa, e vem-te deitar
+commigo. O Chapelinho Vermelho foi-se metter na cama; mas ficou muito
+admirada de ver sua avó despida. A pequenina lhe disse:--Ó minha avó!
+como os seus braços são compridos!--É para melhor te abraçar, minha
+neta.--Ó minha avó! como as suas pernas são grandes!--É para correr
+melhor, minha neta.--Minha avó! as suas orelhas são bem compridas!--É
+para escutar melhor, minha neta.--Minha avó! que olhos tem tão
+grandes!--É para ver melhor, minha neta.--Minha avó! para que tem dentes
+tamanhos!?--É para te comer. E dizendo estas palavras, este mau lobo
+lançou-se sobre Chapelinho Vermelho para comel-a; mas estacou de
+repente, ficando sem movimento, porque a _Fada_, saindo do escondrijo,
+lhe tocou com a sua _varinha de condão_. O Chapelinho Vermelho deu um
+grito de alegria ao ver sua avó, que tirou a netinha de ao pé do lobo,
+mais morta que viva, pelo susto que tivera. Então disse a _Fada_
+para a netinha:--Que castigo se ha de dar áquelle malvado lobo, que te
+queria devorar?--Dê-lhe, minha avósinha, o castigo que quizer, respondeu
+o Chapelinho Vermelho.--Pois então vae para a janella, que verás o que
+nunca viste. Estando o Chapelinho Vermelho á janella, viu saír de casa o
+lobo, todo coberto de _busca-pés_ (é d'este tempo que data o
+descobrimento da polvora) desde a ponta do rabo até á do focinho, e
+ouviu dizer a sua avó:--Vae, malvado, correndo por ahi fóra até que vás
+apagar o fogo no poço do moinho, onde morrerás afogado. Isto dito,
+começaram os _busca-pés_ a arder, dando tiros tão medonhos, que o lobo
+fugiu espavorido, e julgando apagar o fogo com agua, foi lançar-se ao
+rio, que corria perto, afogando-se justamente no _poço do moinho_, que
+desde então ficou sendo o _poço do lobo_.
+
+Depois d'isto disse a _Fada_ para o Chapelinho Vermelho:--has de
+prometter-me que de hoje em diante, quando tua mãe te mandar a algum
+recado, não te has de demorar pelo caminho, nem conversar com quem não
+conheces, dizendo-lhe o que vaes fazer; e se assim o fizeres, dou-te por
+_dom_ que serás mui formosa e casarás com um grande fidalgo.
+
+E assim foi: pois crescendo o Chapelinho Vermelho, fez-se tão discreta e
+tão formosa, que foi pedida em casamento por um grande fidalgo da
+visinhança, com o qual casou e viveu muito feliz.
+
+
+
+
+O FATO NOVO DO REI
+
+(Anderson).
+
+
+Era uma vez um rei que gostava tanto de roupas novas, que empregava em
+se vestir todo o dinheiro que tinha.
+
+Se passava revista aos seus soldados, se apparecia nos espectaculos ou
+passeios publicos, não tinha outro fim em vista que não fosse mostrar
+como ia vestido. Era um fato para cada hora do dia; de maneira que assim
+como é costume dizer-se de qualquer rei: «Sua magestade está em conselho
+de ministros», a respeito d'este dizia-se: «Sua magestade está no seu
+guarda-roupa».
+
+A capital em que elle vivia, era uma cidade alegre, principalmente pelo
+grande numero de estrangeiros que alli concorrião. Um dia chegárão
+áquella cidade dois impostores que se annunciárão como tecelões, dizendo
+que sabião tecer um panno como nunca se vira. Era um estofo notavel, não
+só pela belleza das côres e do desenho, mas sobretudo porque tinha a
+maravilhosa qualidade de se tornar invisivel para quem não exercesse,
+como devia, o seu emprego, ou fosse demasiadamente estupido.
+
+--Uma roupa d'esse panno deve ser impagavel--disse comsigo o rei;--por
+meio d'ella chegarei a conhecer quaes são os homens incapazes do meu
+reino, e poderei distinguir os intelligentes dos estupidos. Um fato
+assim é uma cousa indispensavel.--Em seguida mandou adeantar aos homens
+muito dinheiro para poderem desde logo dar começo á obra.
+
+Os aventureiros armárão effectivamente dois teares e pozerão-se a fingir
+que trabalhavão, embora nas lançadeiras não houvesse nem sombra de
+fiado. A cada passo estavão a pedir seda da mais fina e ouro do melhor
+quilate, que ião ensacando, sem todavia deixarem de trabalhar nos teares
+vasios até alta noite.
+
+Passado algum tempo, lembrou-se o rei de sair para ver em que altura ia
+o artefacto. Sentiu-se porém seriamente embaraçado, quando se recordou
+de que o estofo não podia ser visto por quem fosse tolo ou não exercesse
+condignamente o seu mister. Não era porque duvidasse de si; em todo o
+caso julgou prudente, pelo sim, pelo não, mandar adeante alguem que
+examinasse o estofo. Toda a cidade sabia da qualidade maravilhosa que
+elle tinha; cada um estava ancioso por saber se o seu vizinho era idiota
+ou inhabil.
+
+--Vou mandar o meu velho e honrado ministro,--disse comsigo o
+rei.--Ninguem, como elle, para avaliar a obra, porque alem de ser um
+homem fino, é irreprehensivel no desempenho das suas funcções.
+
+O ministro entrou na sala onde trabalhavão os dois impostores, e
+arregalando muito os olhos, disse de si para si:--Meu Deos, não vejo
+nada!--Mas, nem palavra. Os dois tecelões pedirão-lhe que se
+approximasse, e perguntárão que tal achava o desenho, e se as côres erão
+ou não magnificas. Ao mesmo tempo apontavão-lhe para os teares, onde o
+velho ministro tinha os olhos pregados, mas onde não via nada, pela
+simples razão de não haver lá nada que vêr.
+
+--Pois na realidade, serei eu tambem um asno?--perguntava elle a si
+mesmo.--É preciso que ninguem o suspeite. Serei eu incapaz de
+exercer o meu cargo? Não! não darei a saber a ninguem que não vi o tecido.
+
+--Então, que dizeis?--perguntou um dos tecelões.
+
+--Admiravel, é uma cousa surprehendente!--respondeu o ministro, pondo os
+oculos.--Este desenho, estas côres... vou immediatamente participar ao
+rei que fiquei satisfeitissimo.
+
+--Isso é uma grande honra para nós,--disserão os dois tecelões, e
+começarão a chamar-lhe a attenção sobre as côres e desenhos imaginarios,
+aos quaes elles tinhão o cuidado de ir dando um nome. O ministro ouviu
+attentamente, para repetir deante do rei tudo quanto elles dizião.
+
+Alguns dias depois o rei mandou outro funccionario honesto examinar o
+estofo e vêr se estava prompto. Aconteceu a este o que tinha acontecido
+já ao ministro: por mais que olhasse, não via nada.
+
+--Não é verdade que isto é um tecido admiravel?--perguntavam os dois
+impostores, e ião mostrando as côres e desenhos que não existião.
+
+--Pois eu não sou tolo!--pensava o homem.--Dar-se-ha o caso que eu não
+seja digno de exercer o meu emprego? Isso é singular; mas eu farei por o
+não perder.--E em seguida elogiou muito o tecido, e louvou sobretudo a
+escolha das côres e do desenho. Foi dizer ao rei que o estôfo era
+magnifico, e d'ahi a pouco não havia ninguem que não fallasse nelle.
+
+Por ultimo quiz o rei ir vê-lo pessoalmente, emquanto estava ainda no
+tear, e acompanhado d'um grande sequito de pessoas escolhidas, entre as
+quaes se encontravão os dois funccionarios honestos, dirigiu-se ao logar
+onde os dois trapaceiros continuavão a trabalhar com todo o cuidado,
+mas sem fio de seda ou de ouro, nem especie de fiado algum.
+
+--Então não é excellente?--perguntárão os dois ministros.--O desenho e
+as côres são dignas de vossa magestade.--E apontavão para os teares
+vasios, como se os outros pudessem ver ahi alguma cousa.
+
+--Que é isto?--disse comsigo o rei--eu não vejo nada. Acaso serei eu
+imbecil?! Não serei digno de ser rei? Esta é a maior infelicidade que me
+podia acontecer.--Depois exclamou de repente:--Magnifico! Declaro-me
+completamente satisfeito.
+
+Abanou a cabeça em signal de approvação, e contemplou o tear sem se
+atrever a dizer a verdade. Todos os do sequito contemplarão tambem, sem
+comtudo nada verem, e disserão com o rei:--É magnifico!--Depois
+aconselhárão-no que estreasse o fato novo numa procissão que devia sair
+d'ahi a pouco.--É magnifico! admiravel! excellente!--dizião todos á uma;
+e a alegria era indescriptivel.
+
+Os dois impostores forão condecorados, e recebêrão o titulo de tecelões
+da casa real. Na vespera da procissão trabalharão toda a noite á luz de
+dezeseis velas.
+
+A final fingirão tirar a peça do tear; cortárão, no ar, com grandes
+tesouras; coserão com agulhas desenfiadas, e depois de tudo isto
+disserão que estava prompto o fato.
+
+Veio o rei em pessoa, acompanhado dos seus ajudantes de campo, e os dois
+trapaceiros com os braços levantados como se segurassem alguma cousa,
+disserão:--Aqui tem vossa magestade a calça, a casaca e o manto. Tudo
+isto é leve como uma teia de aranha. Ha-de parecer a vossa magestade que
+não traz nada sobre o corpo, mas é justamente nisto que está a
+principal qualidade do tecido.
+
+--É verdade,--respondêrão os ajudantes de campo, mas sem verem nada.
+
+Em seguida os tecelões pedirão ao rei que se collocasse deante d'um
+espelho, afim de lhe provarem o fato, e depois de o despirem todo,
+fingirão que lhe vestião uma por uma as differentes peças. O rei ia-se
+mirando e remirando ao espelho.
+
+--Que bem lhe fica! que bem talhado!--exclamavão todos os
+cortezãos.--Que desenhos! E as côres? É um fato precioso!
+
+--Está lá fora o pallio, debaixo do qual vossa magestade tem de ir na
+procissão,--disse o mestre de ceremonias.
+
+--Bom, eu estou prompto--respondeu o rei;--penso que assim não vou
+mal.--E viu-se ainda uma vez ao espelho, para contemplar o esplendor em
+que ia.
+
+Os caudatarios apalpárão o chão, como se quizessem levantar a cauda do
+manto, e caminhárão com os braços estendidos como se segurassem alguma
+cousa, não querendo dar a entender que não vião nada.
+
+Assim caminhava o rei debaixo do magnifico pallio, e toda a gente da rua
+e das janellas exclamava:--Que sumptuoso vestido! que bella cauda tem o
+manto! o feitio é irreprehensivel!--Ninguem queria dar a conhecer que
+não via nada, para não ser taxado de estupido ou incapaz de exercer o
+seu emprego. Nunca fato algum do rei tinha dado tanto na vista.
+
+--Mas o rei vae nú;--gritou uma creancinha.
+
+--Meu Deus! escutae a voz da innocencia--disse o pae.
+
+Immediatamente correu por toda a multidão, que uma creança dissera
+que o rei ia nú; e a final exclamárão todos á uma:--O rei vae nú!
+
+Este sentiu-se extremamente mortificado, porque lhe parecia que tinha
+razão; mas cobrou animo e disse comsigo:--Seja o que for, é
+indispensavel que eu fique até ao fim.--Depois tomou uns ares ainda mais
+magestosos, e os caudatarios continuarão a segurar, com todo o respeito,
+a cauda que não existia.
+
+
+
+
+AS FADAS
+
+OU
+
+A MENINA BEM CREADA
+
+
+Era uma vez uma viuva, que tinha duas filhas; a mais velha parecia-se
+tanto no genio e na cara com a mãe, que quem via uma, via a outra. Ambas
+eram tão orgulhosas e tão desagradaveis, que se não podia viver com
+ellas. A mais moça, que era o retrato de seu pae, pela bondade, era ao
+mesmo tempo uma das mais lindas raparigas que se podiam ver. Como
+naturalmente se ama o seu similhante, esta mãe era douda por sua
+filha mais velha, e ao mesmo tempo tinha uma forte aversão para a mais
+nova, que mandava comer na cozinha, e trabalhar continuamente.
+
+Entre outras cousas era preciso que esta menina fosse duas vezes por dia
+buscar, a uma meia legua grande de sua casa, um grande cantaro cheio de
+agua. Um dia, que a infeliz creança estava n'esta fonte, chegou-se a
+ella uma pobre mulher, e lhe pediu que a deixasse beber.--Pois não!
+minha senhora, disse esta bella menina; e dizendo estas palavras, tomou
+agua no melhor sitio da fonte, e lh'a apresentou, sustendo o seu
+cantaro, para que ella podesse beber mais facilmente. A boa mulher,
+tendo bebido, lhe disse:--A menina é tão bonita, tão boa, é tão bem
+creiada, que não posso deixar de lhe fazer um _dom_. (Era uma Fada, que
+tinha tomado figura de uma pobre aldeã, para ver até onde iria a boa
+educação d'esta menina.) Eu dou-lhe por _dom_, continuou a fada, que a
+cada palavra que disser, sair-lhe-ha da bôca uma flor e uma pedra
+preciosa. Quando esta boa menina chegou a casa, a mãe ralhou-lhe por
+haver tardado tanto tempo.--Perdoe-me, minha mãe, por ter tardado. E
+dizendo estas palavras, deitou pela bôca duas rosas, duas perolas, e
+tres bons diamantes.--Que é isto? disse a mãe, admirada. Quem te deu
+isto, minha filha? (Era a primeira vez que a tratava por sua filha.) A
+pobre menina contou-lhe tudo o que lhe tinha acontecido, não sem deitar
+pela bôca uma infinidade de diamantes.--Realmente, disse a mãe, vou
+mandar lá tua irmã. Vem cá, Mariquinhas, vem ver o que sáe da bôca de
+tua irmã quando ella falla; queres tu ter o mesmo dom? Vae buscar agua á
+fonte, e quando uma pobre mulher te pedir de beber, dá-lh'a com
+muita civilidade.--Pois não! respondeu a mal-creada; eu ir á
+fonte!--Quero que lá vás, disse a mãe, e já. Maria foi, mas resmungando.
+Pegou no mais bonito jarro de prata que havia na casa, e chegou á fonte.
+Viu logo sair da floresta uma dama magnificamente vestida, que lhe pediu
+agua para beber. Era a mesma Fada que tinha apparecido a sua irmã, mas
+que tinha tomado a figura e os vestidos de uma princeza, para ver até
+onde iria a má creação d'esta rapariga. Porventura eu vim cá para lhe
+dar de beber? disse a mal-creada orgulhosa. Era o que me faltava trazer
+eu um jarro de prata para dar de beber á senhora: ora beba na fonte, se
+quizer.--Sois bem pouco politica! replicou a Fada, sem se encolerisar.
+Pois bem, já que é tão mal-creada dou-lhe por _dom_, que a cada palavra
+que disser, sair-lhe-ha da bôca uma serpente e um sapo. Voltou a casa, e
+sua mãe gritou:--Minha filha! minha filha! então que ha?--Nada, minha
+mãe! respondeu ella, deitando pela bôca duas serpentes e um sapo.--Oh
+céos! exclamou a mãe; que vejo! É tua irmã que tem a culpa; ha de
+pagar-m'o. E dizendo estas palavras, correu a ella para lhe bater.
+
+A pobre menina fugiu para a floresta visinha. O filho do rei, que
+voltava da caça, encontrou-a, e vendo-a tão linda, perguntou-lhe o que
+ella fazia alli sósinha, e porque chorava!--Oh! meu senhor, é porque
+minha mãe pôz-me fóra de casa. O filho do rei, que viu sair-lhe da bôca
+seis perolas e seis diamantes, pediu-lhe que lhe dissesse d'onde isto
+vinha. Ella contou toda a sua historia. O filho do rei ficou namorado
+d'ella; e considerando que um tal dom valia mais que tudo o que se podia
+dar em dote a uma princeza, levou-a para o palacio de el-rei seu
+pae, onde casou com ella. Sua irmã fez-se aborrecer tanto, que sua
+propria mãe a pôz fóra de casa; e esta desgraçada, depois de ter corrido
+bastante sem achar ninguem que quizesse recolhel-a, morreu no meio de um
+bosque.
+
+
+
+
+A RAPARIGUINHA DOS LUMES PROMPTOS
+
+(_Andersen_--traducção de José Joaquim Rodrigues de Freitas.)
+
+
+Estava horrivelmente frio, geava, e era quasi noite escura, a ultima do
+anno.
+
+Estava assim escuro e frio, quando caminhava pela rua uma rapariguinha
+com os pés nús e a cabeça descoberta. Tinha calçado chinelas ao sair de
+casa, mas de que lhe servírão? Erão muito grandes, e tanto, que a mãe as
+tinha usado até então; demais, a pequena perdeu-as ao atravessar á
+pressa uma rua, fugindo de dois carros que rodávão com velocidade de pôr
+medo. Uma das chinelas não a poude tornar a achar; e a outra apanhou-a
+um rapaz, e lá foi a correr com ella; até se lembrou que lhe serviria de
+berço, caso viesse a ter filhos.
+
+Assim caminhou a rapariguinha com os pésinhos nús e rôxos de frio.
+Trazia num avental velho uma porção de lumes promptos, e na mão um maço
+d'elles. Ninguem lhe comprára nada todo o dia, ninguem lhe fizera
+presente de cinco réis.
+
+Imagem da miseria, a pobre pequena ia-se arrastando a tremer de frio e
+fome!
+
+Os flocos de neve cobrião-lhe o cabello comprido e louro, que em
+formosos anneis lhe caía pelo collo abaixo; mas, em verdade, n'isto
+pensava ella!
+
+De todas as janellas brilhavão luzes; e vinha de lá um delicioso cheiro
+a ganso assado; era a noite de S. Silvestre; e n'isto pensava ella!
+
+A um canto formado por duas casas, uma das quaes era mais saliente do
+que a outra, sentou-se ella, e, como poude, conchegou-se; metteu bem
+para dentro os pésinhos, mas ainda mais lhe arrefecêrão; e não ousava ir
+para casa por não ter vendido phosphoros, nem arranjado dinheiro.
+
+Bem sabia que o pae lhe havia de bater, e em casa tambem estava frio;
+cobria-a só o telhado, pelo qual o vento assobiava, ainda quando se
+tapavão os buracos maiores com palha e farrapos.
+
+O frio quasi lhe não deixava mover as mãos.
+
+Ah! um lume prompto podia fazer-lhe bem; se tirasse um do mólho, se o
+accendesse na parede, e se aquecesse a elle os dedos!
+
+Tirou um. Zahs! Como scintillava, como ardia! Era uma chamma quente e
+brilhante, era uma luzinha; poz sobre ella as mãos, era uma luzinha
+maravilhosa. Á rapariguinha pareceu que estava deante de um grande fogão
+de ferro todo guarnecido de latão polido. Abençoado fogo, que tão bem
+aquecia! Mas a chammasinha apaga-se, o fogão desapparece, ficárão-lhe na
+mão só os restos do lume prompto que ardêra.
+
+Accendeu outro na parede, este alumiava e tornava transparentes como um
+véo os logares da parede em que os seus raios incidião: podia assim vêr
+para dentro da sala.
+
+A mesa tinha uma toalha branca de neve, sobre a qual luzia louça de
+porcellana; o ganso assado, cheio de maçãs e ameixas sêcas, exhalava
+deliciosos vapores. E o que ainda era mais bello: o ganso saltava do
+prato abaixo, cambaleava pelo chão adeante, e vinha até á pobre creança,
+trazendo no peito a faca e o garfo.
+
+Lá se apagou o lume prompto, e só ficou a parede, espessa, fria e humida.
+
+Ella accendeu ainda um phosphoro. E eis que lhe pareceu estar sob a
+magestosa arvore do Natal, ainda maior e mais adornada, que a outra que
+vira ao travéz da janella da casa d'um rico negociante. Milhares de
+luzes ardiam nos ramos verdes; e imagens variegadas, como numa vitrina,
+olhavão para a rapariga. A pequena estendeu para ellas as mãos; e eis
+que se apagou o lume prompto.
+
+As luzes do Natal subirão mais e mais; parecião-lhe estrellas no céo;
+uma d'ellas caiu formando longo rasto luminoso.
+
+Alguem que morre, disse comsigo a rapariguinha; porque a avó, unica que
+lhe tivera amor, e que já era fallecida, lhe contára que uma alma sobe
+para Deos, quando uma estrella cáe para a terra.
+
+Accendeu mais outro phosphoro; a luz fêz-se de novo, e no meio do brilho
+d'ella erguia-se a velha avó, tão resplendente e pura, tão cheia de
+doçura e de amor!
+
+Minha avó, exclamou a pequena. Oh! leva-me comtigo. Eu sei que tu
+desapparecerás quando o phosphoro se apagar. Has-de passar como o fogão
+quente, como o delicioso ganso assado, e como a grande e magestosa
+arvore do Natal!
+
+E rapidamente accendeu todo o mólho de phosphoros, a fim de ter alli a
+avó bem segura.
+
+E os phosphoros fulgurárão com tal brilho, que havia luz mais viva do
+que em pleno dia; a avó nunca fôra tão alta nem tão formosa: tomou nos
+braços a rapariguinha, e ambas voárão pelas regiões da luz e da alegria
+até muito alto, muito alto; não havia lá nem frio, nem fome, nem
+angustia: erão perto de Deos.
+
+Mas encostada ao canto da parede, quando veio o frio amanhecer, estava a
+pobre rapariga com as faces vermelhas e um sorriso nos labios; matou-a o
+gêlo na ultima noite do anno velho.
+
+E o sol do anno novo passou sobre o seu cadaversinho.
+
+Immovel estava a rapariguinha: alli estava ella com os phosphoros, dos
+quaes havia queimado um maço.
+
+Ninguem suspeitava quanto ella vira de bello, e em que brilhante região
+entrára com a avó no dia de anno novo.
+
+
+FIM DA SEXTA PARTE
+
+
+
+
+
+End of the Project Gutenberg EBook of O Oraculo do Passado, do presente e do
+Futuro (6/7), by Bento Serrano
+
+*** END OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK O ORACULO DO PASSADO (6/7) ***
+
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+Gutenberg Literary Archive Foundation was created to provide a secure
+and permanent future for Project Gutenberg-tm and future generations.
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+and how your efforts and donations can help, see Sections 3 and 4
+and the Foundation web page at https://www.pglaf.org.
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+Foundation
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+Literary Archive Foundation are tax deductible to the full extent
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@@ -0,0 +1,1787 @@
+<!DOCTYPE html PUBLIC "-//W3C//DTD HTML 4.01 Transitional//EN"
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+<head>
+ <title>O Oráculo da Magica</title>
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+</head>
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+<body>
+
+
+<pre>
+
+The Project Gutenberg EBook of O Oraculo do Passado, do presente e do
+Futuro (6/7), by Bento Serrano
+
+This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with
+almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or
+re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included
+with this eBook or online at www.gutenberg.org
+
+
+Title: O Oraculo do Passado, do presente e do Futuro (6/7)
+ Parte Sexta: O oraculo da Magica
+
+Author: Bento Serrano
+
+Release Date: March 23, 2010 [EBook #31741]
+
+Language: Portuguese
+
+Character set encoding: ISO-8859-1
+
+*** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK O ORACULO DO PASSADO (6/7) ***
+
+
+
+
+Produced by Mike Silva (produced from scanned images of
+public domain material from Google Book Search)
+
+
+
+
+
+
+</pre>
+
+
+<div class="capa">
+<p style="font-size: 3em;">O ORACULO</p>
+
+<p>DO</p>
+
+<p style="font-size: 1.5em;">PASSADO, DO PRESENTE E DO FUTURO</p>
+
+<p style="font-size: 0.8em;">OU O</p>
+
+<p>Verdadeiro modo de aprender no passado a prevenir o presente, e a adivinhar
+o futuro</p>
+
+<p style="font-size: 0.8em;">POR</p>
+
+<p style="font-size: 1.5em;">BENTO SERRANO</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>ASTROLOGO DA SERRA DA ESTRELLA,</p>
+
+<p><i>Onde reside ha perto de trinta annos, sendo a sua habitação uma estreita
+gruta que lhe serve de gabinete dos seus assiduos estudos astronomicos</i></p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<div
+style="font-size: 0.9em;margin-left:20%; text-align: left; width: 60%; border: solid 2px #000000;padding: 0.5em;">
+<h4>OBRA DIVIDIDA EM SETE PARTES, CONTENDO CADA UMA O SEGUINTE:</h4>
+
+<p>Parte primeira&mdash;O ORACULO DA NOITE<br>
+Parte Segunda&mdash;O ORACULO DAS SALAS<br>
+Parte Terceira&mdash;O ORACULO DOS SEGREDOS<br>
+Parte Quarta&mdash;O ORACULO DAS FLORES<br>
+Parte Quinta&mdash;O ORACULO DAS SINAS<br>
+Parte Sexta&mdash;O ORACULO DA MAGICA<br>
+Parte Setima&mdash;O ORACULO DOS ASTROS</p>
+</div>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p style="font-size: 0.8em;">PORTO<br>
+LIVRARIA PORTUGUEZA&mdash;EDITORA<br>
+55, Largo dos Loyos, 56<br>
+1883</p>
+</div>
+
+<div style="text-align:center;">
+<p style="font-size: 1.5em;">PARTE SEXTA</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p style="font-size: 3em;">O ORACULO DA MAGICA</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>OU</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p style="font-size: 1.5em;">O ESPELHO MAGICO DO ANÃO</p>
+
+<p>SEGUIDO DA INTERESSANTE DESCRIPÇÃO DE UM</p>
+
+<p style="font-size: 1.2em;">CASTELLO ENCANTADO</p>
+
+<p>OU O</p>
+
+<p style="font-size: 1.2em;">MONTE DO CASTELLO DAS FADAS</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p style="font-size: 0.8em;">PORTO</p>
+
+<p>LIVRARIA PORTUGUEZA&mdash;EDITORA<br>
+55, Largo dos Loyos, 56<br>
+1883</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p align="center">Porto: 1883&mdash;Imprensa Commercial&mdash;Lavadouros,
+16.</p>
+</div>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<div id="corpo">
+<h1><a name="SECTION0001000">O ESPELHO MAGICO DO ANÃO</a> </h1>
+
+<p>Thomé e Joanninha viviam quasi sós na sua pequena casinha, fóra do bosque,
+tão sós como nunca tinham vivido. O pai era couteiro e guarda-matas, e por
+isso, ou o tempo estivesse bom ou mau, passava muitos dias sem ir a casa, a
+guardar as florestas e a matar a caça silvestre que era para a mesa do senhor
+das terras. A mãi tinha morrido, e na choupana ninguem estava com os meninos
+senão a avó, que já via mal e ouvia pouco. A avó passava todo o dia assentada
+ao lar, menos quando andava coxeando pela cosinha para preparar a pobre comida
+para os pequenos, ou quando dormia. De dous em dous ou de tres em tres dias
+vinha Luiza, que morava na aldeia, trazer o leite, o pão e o que era mais
+necessario; mas passavam-se semanas sem entrar um homem na choupana.</p>
+
+<p>No verão pouco cuidado dava isso aos pequenos, porque iam todos os dias á
+escola da aldeia, e era isso para elles um divertimento. Os passaros
+faziam-lhes companhia cantando alegres; no caminho encontravam lirios ou
+morangos, que colhiam para venderem na aldeia ou para levarem ao mestre.
+Passadas as horas de aula, corriam á floresta, por onde andavam de um para
+outro lado com o pai, e espreitavam<span class="pn">{4}</span> esquilos e
+cabritinhos montezes, e já uma vez tinham visto de longe um bello veado. E
+assim, lendo nos seus livros na escola ou colhendo avelans nas matas, não
+sabiam o que era aborrecimento em todo o verão.</p>
+
+<p>Mas no inverno era verdadeiramente triste, porque não podiam entrar na
+floresta, e tinham de estar em casa como dous ratinhos no seu buraco. O pai era
+obrigado a andar por fóra e levava comsigo Fiel, bonito perdigueiro, que era o
+compaheiro unico dos pequenos. Tambem, se o pai estava em casa era raro que
+dissesse alguma cousa; assentado á lareira, dormia ou limpava armas de caça. Em
+outro tempo contava a avó muitas historias bonitas, mas então já não contava
+nada, e se fallava era a meia voz e só comsigo. Joanninha assentava-se ao pé da
+avó com uma roca pequena e fiava; mas era um trabalho aborrecido por não haver
+quem conversasse. Thomé talhava em bocados de pau figuras de cães e de lebres;
+mas sahiam-lhe sempre mal feitas, e tantas vezes dava golpes nos dedos que
+perdia a paciencia e deixava a obra. O que mais o divertia era fazer casinhas
+com pedras e bocados de pau que ajuntava; mas as casas cahiam com grande
+barulho, e a avó dizia-lhe que não tinha geito nenhum para aquillo. Então dizia
+ás vezes Thomé com mau humor:</p>
+
+<p>&mdash;Ora, porque não havemos nós de ser como os filhos dos ricos, como o
+filho de um fidalgo que uma vez passou na aldeia, ou como os do balio, que
+podem comer tudo que quizerem, ou como os filhos dos ciganos que andam por onde
+querem?</p>
+
+<p>Em uma tarde, perto do Natal, tudo estava calado e triste. O azeite no
+candieiro estava quasi acabado, e o caminho para a aldeia estava tão cheio de
+neve que Luiza não tinha podido apparecer com as cousas<span
+class="pn">{5}</span> precisas. Não havia com que fazer arder o candieiro. Por
+fortuna o luar era claro como o dia; mas os pequenos tinham medo das sombras
+exquisitas que o luar fazia.</p>
+
+<p>Joanninha chegava-se muito para a avó, e Thomé fez o mesmo e disse á velha
+avó em voz alta:</p>
+
+<p>&mdash;Avósinha, conte-nos hoje uma historia, ainda que seja pequenina:
+ainda ha-de saber alguma.</p>
+
+<p>&mdash;Não sei nenhuma, rapaz, resmungou a velha, mesmo nenhuma.
+Esqueceram-me todas.</p>
+
+<p>&mdash;Só uma, avósinha; conte do anão da pedreira.</p>
+
+<p>&mdash;Da pedreira, ah, sim, rapaz, espera; deixa vêr se me lembra. Onde
+está a grande pedreira, em baixo no barranco era em outro tempo uma rocha forte
+e a prumo como um muro, d'onde nunca tinha sahido nenhuma pedra, e defronte da
+rocha havia um pedaço de terreno coberto de viçosa verdura: por debaixo moravam
+os anões; descia-se por degraus ao pequenino castello da rainha dos anões, e
+debaixo da terra era uma cidade muito bonita. Na floresta não entravam
+caçadores nem cortadores de lenha nem montantes, e nos dias de sol subiam todos
+os anões e assoalhavam-se no musgo verde, e faziam banquetes e dançavam com
+muita alegria. Um dia começaram os homens de fóra a levantar casas na planicie,
+e entraram na floresta e cortaram arvores, e acarretaram grandes pedras para
+fóra. Ficou tudo cheio da entulho de redor do bello rochedo que ficava defronte
+do terreno cheio de verdura, e de redor da cidade dos anões. Para que os homens
+não podessem cortar mais pedras, foram os anões de noite todos juntos á
+floresta e cortaram pedras muito grandes e levaram-nas de rodo com toda a força
+até á entrada da mata. Os homens descontentes foram á rocha e fizeram saltar as
+pedras em pedaços,<span class="pn">{6}</span> e ellas cahiam com grande
+estrondo no prado. Assim ficou toda arruinada a bonita cidade dos anões, e
+houve muitas lagrimas e sentimento: Os anões que não tinham sido mortos,
+escavaram um subterraneo fóra do bosque. Lá vivem agora, e se edificaram outra
+cidade é cousa que não se sabe. Desde então tem rodado para fóra muitas pedras
+de noite; mas estão sempre a cahir outras lá dentro, e todos os annos na noite
+de S. Thomé, sahem elles para verem se ainda ha muitas pedras no terreno, e a
+quem de lá tirar n'essa noite tres pedras, não negam os anões cousa nenhuma que
+lhes seja pedida.</p>
+
+<p>Assim contou a avó. Havia muito tempo que ella não tinha fallado tanto, e
+estava cançada. Joanninha estava cheia de medo e chegava-se muito para ella,
+mas Thomé, com as faces ardentes e olhos brilhantes, pensava na historia e bem
+quizera saber se os anões ainda appareciam.</p>
+
+<p>Então Fiel ladrou fóra, e entrou o pai, cançado, carrancudo e gelado; mesmo
+ás escuras procurou alguma coasa que podesse comer; mas a velha esquecia-se
+d'elle muitas vezes, e elle teve de deitar-se com fome. No inverno dormia a avó
+na alcova e Joanninha com ella, e o pai com Thomé na salinha proxima. O pai,
+depois de pegar a dormir, roncava toda a noite, e não havia nada n'este mundo
+que o acordasse, só se fosse algum tiro dado na mata.</p>
+
+<p>N'essa noite Thomé não podia dormir. Não era a primeira vez que elle ouvia
+contar a historia dos anões; mas nunca tinha sabido que estavam tão perto e que
+ainda appareciam. Batia-lhe o coração com desejos anciosos, pensando que podia
+com as riquezas dos anões alegrar aquella miseravel solidão dos bosques. E
+faltavam só dous dias para o S. Thomé!<span class="pn">{7}</span></p>
+
+<p>Não pôde calar-se que não dissesse na manhã seguinte ao ouvido de
+Joanninha:</p>
+
+<p>&mdash;Joanninha, depois de amanhã, é o dia de S. Thomé; vamos tirar pedras
+do territorio dos anões.</p>
+
+<p>Mas Joanninha olhou para elle com olhos espantados, e disse:</p>
+
+<p>&mdash;Ora essa! Tu não vês que é só uma historia do que já passou ha mais
+de cem annos? E demais, eu morreria de medo se sahisse de noite.</p>
+
+<p>Thomé ficou entendendo que nada faria com aquella maricas, apesar de
+Joanninha ser mais velha, e calou-se com o seu projecto.</p>
+
+<p style="text-align:center;">&mdash;</p>
+
+<p>Na noite de S. Thomé foi o pai cedo para casa, e antes de ter a avó apagado
+o candieiro já elle dormia como uma pedra. Thomé esperou que Joanninha tambem
+adormecesse; a avó sabia elle que não o ouviria ainda que estivesse acordada.
+Não tardou muito que tudo fosse silencio: elle não se tinha despido, puxou o
+barrete de pelles para as orelhas e sahiu. Fiel não estava acostumado a vêr
+sahir Thomé sosinho; e ficou muito espantado e resmungou quando Thomé lhe poz a
+mão pela cabeça.</p>
+
+<p>A lua ainda brilhava clara, e no bosque havia um silencio de cemiterio que
+assustava Thomé; mas tomou animo, e metteu-se com passos ligeiros e firmes ao
+bem conhecido caminho da grande pedreira. Não se ouvia o mais leve murmurio
+quando elle entrou no barranco, e então estremeceu vendo a rocha escavada em
+que mal entrava um raio da lua. Com passos tremulos<span class="pn">{8}</span>
+foi andando até ao lugar onde tinha sido o territorio dos anões, e onde só
+havia então uma grande quantidade de pedras grandes e pequenas. Com as mãos a
+tremer, agarrou nas maiores que pôde levantar, e levou-as para fóra.</p>
+
+<p>&mdash;Quem está ahi? perguntou uma voz fina, quando elle deitava fóra a
+ultima.</p>
+
+<p>No unico lugar que a lua alumiava no barranco estava um homem muito pequeno
+vestido de verde, que era o que perguntava a Thomé:</p>
+
+<p>&mdash;Quem está ahi?</p>
+
+<p>&mdash;Sou o Thomé do guarda-matas, disse elle muito embaraçado, e tirando
+com todo o respeito o barrete.</p>
+
+<p>&mdash;Que queres d'aqui?</p>
+
+<p>&mdash;Só queria tirar pedras para que os senhores podessem viver aqui
+debaixo.</p>
+
+<p>&mdash;Pouco podes fazer, disse o anão com tristeza, mas é uma boa obra que
+deve ser recompensada. O que é que desejas mais?</p>
+
+<p>Thomé já tinha pensado em muitas cousas, mas n'aquella occasião não lhe
+lembrava quasi nada. Lembrou-se de um cavallo em que elle podesse ir á escola,
+de uma pipa cheia de azeite para que sempre houvesse que arder no candieiro, e
+de um sacco cheio de maçans e de nozes; mas nada d'isso valia o que elle tinha
+feito. Por fim disse gaguejando:</p>
+
+<p>&mdash;Uma sacca de dinheiro.</p>
+
+<p>O anão perguntou-lhe:</p>
+
+<p>&mdash;Então já sabes o que isso é? Que queres fazer com o dinheiro?</p>
+
+<p>Thomé respondeu um pouco animado:</p>
+
+<p>&mdash;Em lugar da nossa choupana, fazia uma casa grande, muito grande,
+ainda maior que é na aldeia a casa do monteiro; e uma cavallariça cheia de
+bellos<span class="pn">{9}</span> cavallos em que eu podesse correr, quando
+tudo estivesse cheio de neve; e comprava á Joanninha um vestido novo, e um
+barril de azeite para não estarmos ás escuras.</p>
+
+<p>&mdash;E que mais? disse o anão sorrindo; has-de fazer uma casa, mas não
+n'este escuro bosque; andarás por fóra da tua terra, mas para isso não precisas
+de cavallo; Joanninha poderá ter o vestido novo sem ser dado por ti, e quando
+quizeres ter azeite bastante, vai com a tua cestinha á pedreira onde acharás
+com que faças azeite sufficiente para arder no candieiro em dous annos. Entendo
+que a sacca de dinheiro não te serve de nada; ainda és muito pequeno.</p>
+
+<p>&mdash;Ah, disse Thomé desanimado, a nossa vida não seria tão miseravel e
+tão aborrecida nas grandes noites de inverno, se tivessemos algum bonito livro
+de estampas.</p>
+
+<p>&mdash;Lá isso, disse o anão, é cousa que póde ter bom remedio; vai
+descançado que depois da noite do Natal irei ter comtigo e cuidarei no modo de
+nunca mais te parecerem longas as noites de inverno. Alegra-te, os anões sabem
+pagar o bem que lhes fazem.</p>
+
+<p>O anão desappareceu, Thomé ficou a tremer, e foi-se embora muito mais
+inquieto do que tinha sahido. Sem que ninguem ouvisse, levantou a aldrava de
+pau, entrou em casa, foi ao seu quarto, deitou-se, e toda a noite sonhou com o
+anão. Não quiz dizer nada a Joanninha, porque elle mesmo não sabia bem o que o
+anão faria, apesar de esperar com anciedade a chegada do Natal.</p>
+
+<p>Chegou a noite de Natal, e não faltava alegria na cabaninha da floresta. O
+pai tinha trazido da aldeia grande quantidade de maçans e de nozes, a avó tinha
+dado aos pequenos duas bonitas estampas que ainda<span class="pn">{10}</span>
+achou na sua Biblia, e na manhã do dia de festa, chegou a criada da senhora do
+monteiro, que era madrinha de Thomé e de Joanninha, e trouxe dous bonitos
+corações de pão doce, um lindo gibão novo para Joanninha, e uma jaqueta bem
+forrada e quente para Thomé. O pai não sahiu de casa e cozinhou uma lebre.
+Havia muito tempo que elles não tinham vivido tão bem; mas Thomé não estava tão
+contente como nos outros annos, porque não sabia se o melhor ainda havia de
+vir.</p>
+
+<p style="text-align:center;">&mdash;</p>
+
+<p>Veio a noite e todos adormeceram, menos Thomé que se assentou na cama
+vestido, e pensava no que poderia trazer-lhe o seu novo amigo para passar o
+tempo enfadonho do sombrio inverno, quando ouviu bater de leve á porta de casa.
+Com algum susto e temor, mas a toda a pressa saltou da cama, e abriu ao homem
+pequenino vestido de verde, que não levava nada comsigo senão um vidro redondo,
+muito brilhante e de muitas côres.</p>
+
+<p>&mdash;Leva-me ao teu quarto, disse o anão, entrando e andando mais ligeiro
+do que Thomé.</p>
+
+<p>Foram ao quarto de dormir em que se via tudo claramente com a luz que o
+vidro dava. O que lá se via era um leito velho, uma mesa manca com tres pés, e
+duas cadeiras. O traste maior era uma alta e larga caixa, mettida na parede,
+ennegrecida pelo tempo, e que muitas vezes tinha sido um bom lugar para o jogo
+das escondidas. Nas costas da caixa havia um grande buraco redondo por onde
+Joanninha tinha medo de espreitar porque via tudo escuro.<span
+class="pn">{11}</span></p>
+
+<p>Esta caixa foi o que deu mais nos olhos ao anão, que entrou n'ella pela
+tampa meio aberta e esteve a trabalhar e a bater lá dentro algum, tempo.</p>
+
+<p>&mdash;Agora, disse elle, depois que sahiu, já não haveis de passar o tempo
+com aborrecimento; quando as horas parecerem muito compridas, olhem pelo buraco
+redondo que está na caixa, seja de manhã ou seja de tarde, quando estejam sós.
+Adeus, rapaz; Deus te dê da sua graça.</p>
+
+<p>&mdash;E antes de Thomé saber o que havia de novo, já o anão tinha sahido.
+Thomé não entendeu bem o que tudo aquillo queria dizer, e não se atreveu a ir
+logo vêr á caixa. Foi deitar-se ao pé de seu pai, e pensando e scismando se o
+anão fallaria seriamente ou a gracejar, adormeceu.</p>
+
+<p>Na manhã seguinte o pai sahiu cedo, e Thomé não pôde calar-se, e ao pé da
+surda avó contou baixinho á irmã toda a sua aventura, de que ella se riu sem
+lhe dar credito, mas tremendo de susto. Por fim resolveu-a a ir de tarde com
+elle fazer a primeira visita á caixa, e como esperavam alguma cousa, não
+souberam n'esse dia o que era aborrecimento.</p>
+
+<p>Á noite, ainda o pai não tinha entrado e a avó cabeceava com somno, quando
+ambos se metteram na caixa cheios de anciedade. Thomé, que era mais animoso,
+foi o primeiro que olhou pelo buraco onde brilhava o vidro do anão. Ah! que
+resplendor lhe veio bater nos olhos! Puxou logo Joanninha para si, porque a
+abertura era bastante larga para poderem vêr ambos ao mesmo tempo. Eram
+maravilhas o que elles viam, e mal se podiam conter para não darem altos gritos
+de espanto. Viam uma grande sala, muito grande, alumiada de um modo magestoso
+por lustres dourados, com muitos centos de velas de côres. E uma<span
+class="pn">{12}</span> mesa estava carregada com as cousas mais maravilhosas:
+soldados, de pé e de cavallo, regimentos inteiros com peças e armas, e uma
+cavallariça cheia de cavallos pequenos de todas as raças, e livros com ricas
+pinturas, e uma grande quantidade de objectos de brinquedo, que elles nunca
+tinham visto, e pequenas esporas de prata, e uma espingarda e espada, e um
+soberbo vestuario de velludo bordado a ouro. Todas estas cousas magnificas
+estavam dispostas sobre a mesa na melhor ordem, e ao pé havia açafatinhos e
+pratos com os dôces mais finos.</p>
+
+<p>&mdash;Ah, de quem será isto! disseram os dous irmãos suspirando.</p>
+
+<p>A porta abriu-se, e entrou um rapaz esguio e pallido, que teria dez annos, e
+atraz d'elle muitas senhoras e homens da nobreza vistosamente vestidos. Thomé e
+Joanninha pensavam que aquellas riquezas deviam pertencer a muitos meninos, e
+olhavam para todos os que iam entrando na sala; mas não havia outro menino
+senão o que entrou primeiro, e que passou por todas aquellas cousas tão ricas
+sem fazer muito caso d'ellas, em quanto que Thomé e Joanninha pregavam no vidro
+os olhos afogueados e parecia que queriam devorar todas aquellas maravilhas.</p>
+
+<p>&mdash;Rapazes, onde estaes vós? gritou fóra a voz da avó.</p>
+
+<p>Voltaram a cabeça assustados, e viram tudo ás escuras, como era nos outros
+dias, e a velha caixa estava sem luz como se nada tivesse acontecido. Aos dous
+irmãos ainda parecia tudo um sonho quando se assentaram ao pé do candieiro no
+quarto velho e defumado. N'essa noite chegaram a sentir quasi alegria por a avó
+ser surda, porque podiam fallar á vontade nas maravilhas que viram, e a cada um
+lembrava alguma<span class="pn">{13}</span> cousa muito bonita em que o outro
+não tinha reparado.</p>
+
+<p>&mdash;Ai, diziam elles suspirando, que boas cousas tem aquelle menino
+fidalgo! Se nós tambem tivessemos cousas assim!</p>
+
+<p>E ainda diziam o mesmo quando o somno lhes fechou os olhos, para ainda lhes
+mostrar em sonho tanta grandeza.</p>
+
+<p>Antes de ser bem dia, foi Joanninha á sala da caixa. O pai não estava em
+casa, e por isso podiam á vontade ir olhar pelo vidro maravilhoso. Como elles
+desejavam ver ainda uma vez a bella sala de hontem! Agora era á luz clara do
+dia, mas, era quasi tão bonito como com os centos de luzes de côr: ainda havia
+todas as cousas ricas de hontem, mas não estavam em tão boa ordem, o menino que
+tinham visto estava vestido de sêda deitado sobre o sophá, com alguns dos
+bonitos livros espalhados de redor d'elle, e parecia estar muito aborrecido.</p>
+
+<p>Quando Thomé e Joanninha se mostravam admirados de que podesse haver alguem
+que não estivesse contente com tão maravilhosas cousas, abriu-se uma porta da
+sala, e entrou um senhor de idade. Os meninos ouviram fallar como muito ao
+longe, mas entendiam bem o que se dizia. O velho perguntou:</p>
+
+<p>&mdash;Já está enfastiado, meu caro principe, de tantas cousas que fariam
+felizes outros meninos?</p>
+
+<p>&mdash;Outros meninos! disse o principe; os outros meninos não estão sós, e
+eu já vi todas as minhas cousas que me deram.</p>
+
+<p>&mdash;Mas vossa alteza bem sabe que se lhe dá companhia quando a quer
+ter.</p>
+
+<p>&mdash;Que companhia! Vem um, e diz: «Bons dias, principe»; e diz outro:
+«Que tem principe?»; e brincam<span class="pn">{14}</span> com o que eu tenho e
+conversam e riem uns com os outros; e quando lhes chega o aborrecimento, vão-se
+embora e eu fico só. Quem me dera sahir como sahem os outros meninos!</p>
+
+<p>&mdash;Mas se vossa alteza quer, póde ir passear ou viajar</p>
+
+<p>&mdash;Ah, sim, ir passear na sua companhia, ou andar em carro ou a cavallo
+acompanhado por camaristas. Que grande alegria! o que quizera era ir só e para
+onde me parecesse. Antes queria ser filho de ciganos do que principe.</p>
+
+<p>Antes que Thomé e Joanninha podessem ouvir mais nada, chamou por elles a
+avó. Sahiram da caixa e o buraco ficou ás escuras.</p>
+
+<p style="text-align:center;">&mdash;</p>
+
+<p>Muito tinham os dous irmãos que dizer um ao outro! O que elles não podiam
+entender era porque estava o principe tão impertinente.</p>
+
+<p>&mdash;Ah, como nós estariamos contentes com aquellas cousas tão bonitas!
+dizia Thomé suspirando.</p>
+
+<p>&mdash;Sim, mas nós não estamos sós, dizia Joanninha.</p>
+
+<p>&mdash;É verdade que os meninos ricos quando não estão sós, tambem estão
+contentes, dizia Thomé para si.</p>
+
+<p>&mdash;Havemos de vêr, dizia Joanninha, se o principe ainda lá está hoje á
+noite.</p>
+
+<p>Com grande alegria passaram elles todo o dia a conversar, e a anciedade não
+podia ser maior quando outra vez olharam pelo vidro.</p>
+
+<p>Já não era a sala, mas sim um bosque, quasi como<span class="pn">{15}</span>
+aquelle em que elles moravam, e havia no bosque um grande pedaço de terreno sem
+arvores onde ardia uma fogueira; em que estava estendida uma bella peça de caça
+brava, e de redor da fogueira muita gente esfarrapada e enfarruscada, e alguns
+tocadores de instrumentos que tocavam uma musica alegre, e uma multidão de
+creanças que dançavam e saltavam com uma alegria de selvagens.</p>
+
+<p>&mdash;Ah, isto é muito divertido, dizia Thomé.</p>
+
+<p>Mas Joanninha abanava a cabeça porque não lhe agradava o que via. Um rapaz
+d'aquelles ciganos chegou com um grande sacco cheio de fructas seccas, e todos
+os pequenos o receberam com gritos de alegria, e elle despejou o sacco no chão.
+Todos se atiraram ás fructas seccas como quem tinha fome e comeram a bom comer.
+Depois começaram outra vez a saltar e a cantar desentoados, e Thomé começava a
+sentir desejos de tambem ir saltar com elles, quando o pai que chegava de fora
+os chamou para o quarto.</p>
+
+<p>Toda a noute teve Thomé os ciganos na imaginação, de maneira que deu cuidado
+a Joanninha que pensava que Thomé podia muito bem sahir de casa de noite e
+fugir para os ciganos. Mesmo a dormir cantava Thomé o que tinha ouvido tocar
+aos ciganos.</p>
+
+<p>Muito cedo, antes de acordar o pai, foi Thomé olhar pelo vidro, sem esperar
+por Joanninha, que só passado algum tempo é que foi ter com elle. O que viram
+era ainda o verde prado do bosque, mas já não havia festa. Era de manhã, a
+fogueira estava apagada, e os ciganos corriam para todos os lados muito
+afflictos e desvairados. Chegaram soldados e todo aquelle barulho e desordem
+acabou pela prisão dos ciganos que eram accusados de roubos. Com agudos gritos
+viram os pequenos dos ciganos que os soldados levavam<span
+class="pn">{16}</span> á força seus pais e suas mãis, e que outros soldados os
+levavam a elles para outra parte. Thomé e Joanninha não tiveram animo para vêr
+mais e desviaram os olhos do vidro. Joanninha disse depois a Thomé:</p>
+
+<p>&mdash;Ainda querias ser filho de cigano para ter aquella vida livre que
+elles tem?</p>
+
+<p>&mdash;É verdade, disse Thomé desanimado, quem rouba não pode ter uma vida
+livre.</p>
+
+<p>&mdash;Os meninos ricos, tornou Joanninha, de certo passariam melhor vida,
+se não vivessem tão sósinhos como o principe.</p>
+
+<p style="text-align:center;">&mdash;</p>
+
+<p>Á noite não poderam ir para a caixa das vistas maravilhosas porque a avó
+nunca lhes deu tempo de sahirem da cozinha, e o pai foi para casa muito cedo.
+Por isso ainda mais desejavam que chegasse a occasião de poderem lá tornar.</p>
+
+<p>Quando essa occasião chegou, viram um quarto muito bonito, não tão admiravel
+como a sala do principe, mas muito mais bonito do que o quarto da madrinha, com
+alcatifas de varias côres e bellos quadros nas paredes. O quarto estava cheio
+de lindas cousas para brincarem meninos e meninas. Um bonito quarto de bonecas,
+com senhoras e senhores muito bem vestidos, com sophás, cadeiras e caminhas
+pequenas, e uma cozinha cheia de louças brancas, panellas e pratos, muito mais
+do que havia na cozinha da avó; bonecas pequenas e grandes, quasi da altura de
+Joanninha, berços e cadeirinhas; e de outro lado um castello com soldados, e
+uma loja muito enfeitada com<span class="pn">{17}</span> uvas seccas, amendoas,
+confeitos e figos, e um carro com bahús e saccos, e lindos livros de estampas;
+em uma palavra, eram quasi tantas cousas como tinha o principe. Thomé e
+Joanninha não cabiam em si de contentamento e admiração.</p>
+
+<p>Então entraram no quarto os donos de todas aquellas riquezas, que eram duas
+meninas e um menino. Parecia que vinham de passear. As meninas correram para as
+bonecas e o menino para a loja. Uma foi com um dinheiro pequenino e brilhante
+comprar dôces ao irmão, a outra começou a vestir as suas bonecas de uma
+caixinha cheia de ricos vestidos e chapelinhos.</p>
+
+<p>Ah, como ficaram tristes Thomé e Joanninha quando a avó os chamou para a
+ceia, e como sonhavam, a dormir e acordados, com aquellas bonitas cousas, e
+como correram na manhã seguinte á caixa para continuarem a vêr como eram
+felizes os tres irmãos!</p>
+
+<p>Mas já não era tudo tão bonito no quarto; as bonecas estavam no chão, e uma
+das meninas estava a chorar e a gritar; tinha deixado de noite as bonecas no
+chão e a porta do quarto aberta; a gata tinha entrado, tinha brincado com a
+boneca, e rasgou-lhe os vestidos de sêda e estragou-lhe as côres.</p>
+
+<p>&mdash;A culpa é tua, gritou um dos meninos, porque não pozeste as cousas em
+ordem.</p>
+
+<p>&mdash;Eu é que não tive culpa nenhuma, gritou a outra.</p>
+
+<p>E n'isto correram aos empurrões para a loja, e entraram em desordem por
+causa de um pão de assucar que as meninas queriam ter na sua cozinha e o irmão
+não queria que se tirasse da loja. A questionar e a gritar entraram as meninas
+na loja, e muitos dos vidros do dôce foram deitados ao chão: o menino cheio de
+colera correu á cozinha e deitou tudo ao chão, e quebrou<span
+class="pn">{18}</span> a bonita louça que lá havia. Então foram tantos os
+gritos e queixas que Thomé e Joanninha não quizeram vêr mais.</p>
+
+<p style="text-align:center;">&mdash;</p>
+
+<p>Tardou muito tempo que elles podessem tornar a vêr pelo vidro. Quando chegou
+a occasião, o que viram foi um lindo quarto e uma mesa com quinquilherias,
+bolos dôces, uma bella torta, confeitos e pasteis. Estavam lá duas meninas, e
+parecia que era o dia dos annos de uma, que era a que tinha recebido todas
+aquellas cousas. Não ralhavam nem se zangavam uma com a outra como tinham feito
+os outros meninos, mas tambem não se podia dizer que tinham boa saude e que
+estavam satisfeitas. Dizia uma:</p>
+
+<p>&mdash;Que te parece, Emma, vamos comer um bocadinho da tua torta?</p>
+
+<p>&mdash;Eu não, Sophia; antes queria maçans.</p>
+
+<p>&mdash;Maçans! pois tu não sabes que o senhor doutor prohibiu que comessemos
+fructa?</p>
+
+<p>&mdash;Ah! tambem a torta me faz mal, e a avó foi que m'a mandou; e os dôces
+fazem-me doer os dentes e foram mandados pela tia.</p>
+
+<p>&mdash;Então vamos brincar para o jardim, tornou Sophia.</p>
+
+<p>&mdash;Pois sim, vamos; e levo o meu chapéo novo. Iam para sahir quando
+appareceu a mãi e perguntou:</p>
+
+<p>&mdash;As meninas onde querem ir?</p>
+
+<p>&mdash;Vamos só um bocadinho para o jardim, maman.<span
+class="pn">{19}</span></p>
+
+<p>&mdash;Deus nos livre d'isso: no jardim está um vento muito frio e a terra
+muito humida. Nada, nada. Emma viria de lá com dôres de dentes e Sophia com a
+tosse. Deixem-se estar aqui. Eu vou levar d'aqui para fóra todas estas cousas,
+porque já comeram muito, e Sophia devia agora tomar o seu remedio.</p>
+
+<p>A menina Sophia fez uma careta de enjôo quando ouviu fallar no remedio.
+Joanninha não quiz esperar até que elle chegasse e deixaram tristes o vidro e a
+caixa.</p>
+
+<p>Não faltava a Thomé e a Joanninha que dizer e em que pensar a respeito do
+que tinham visto.</p>
+
+<p>&mdash;Diz-me cá, Thomé, perguntou Joanninha, parece-te que são infelizes
+todos os meninos que vivem no mundo?</p>
+
+<p>&mdash;Não, acudiu logo Thomé, eu acho que não póde ser. Se o principe não
+vivesse tão só...</p>
+
+<p>&mdash;Isso sim; e se os filhos dos ciganos tivessem bons pais; e se os tres
+irmãos não tivessem tão mau genio; e se as meninas não fossem doentes... Olha,
+quem é bom e de bom genio e tem saude, vive contente.</p>
+
+<p>&mdash;Mas quem é pobre e só como nós? perguntou Thomé.</p>
+
+<p>E Joanninha não soube o que havia de responder-lhe.</p>
+
+<p style="text-align:center;">&mdash;</p>
+
+<p>Á noite a avó adormeceu cedo, mas elles mal se atreviam a ir ao vidro
+receando que acabasse por cousas<span class="pn">{20}</span> tristes. Comtudo
+sempre foram. D'esta vez chegaram a gritar ambos ao mesmo tempo em voz um pouco
+alta: Isto é o nosso quarto e nós n'elle!</p>
+
+<p>E na verdade assim era, mas o quarto era mais alumiado e mais alegre, estava
+com mais ordem e mais aceio e limpeza, as vidraças sujas estavam bem lavadas,
+na janella havia em vasos um par de plantasinhas da floresta, como Joanninha as
+conhecia bem, de umas que nasciam mesmo com a neve; em uma gaiola de vimes,
+como Thomé já tinha visto fazer aos rapazes da aldeia, saltava um passarinho,
+que parecia estar melhor n'aquelle quarto agasalhado do que estaria livre ao ar
+frio, porque cantava e trinava que era um gosto ouvil-o. E a avó assentou-se á
+roda de fiar e Joanninha ao pé d'ella e Thomé a pequena distancia e não estavam
+aborrecidos e tristes como era d'antes; e cantavam uma bonita canção que já
+tinham aprendido na escóla e que nunca se tinham lembrado de cantar em casa.
+Cantavam tão suavemente que a avó, que percebia alguma cousa, piscava os olhos
+de contentamento. Por fim quando acabaram de cantar, o Thomé que elles viam lá
+dentro pegou em um grande livro que já ha muito tempo estava cheio de pó no
+sobrecéo da cama da avó, desde que ella nem com as lunetas podia lêr. Thomé e
+Joanninha olhavam espantados, porque era verdade que sabiam lêr, mas lêr em
+casa era cousa em que nunca tinham pensado. O Thomé do vidro começou a lêr em
+voz alta de maneira que a avó o ouvia; ao principio não foi tão correntemente
+como o verdadeiro Thomé teria lido, mas não tardou que fosse melhor. Era a
+historia de S. José, que os meninos já tinham ouvido, mas já ha muito tempo, e
+agora parecia-lhe tão cheia de novidade e de belleza que ao Thomé do vidro
+escutavam com toda a attenção,<span class="pn">{21}</span> até que se ouviu um
+latido de cão. Era tambem exactamente como o latir do Fiel.</p>
+
+<p>E a Joanninha que se via lá dentro levantou-se, poz um par de sapatos velhos
+ao calor do lume e dependurou tambem ao calor do lar uma jaqueta velha do pai,
+e quando o pai entrou com Fiel, tirou-lhe Thomé a jaqueta molhada e pegou-lhe
+na espingarda, e Joanninha deu-lhe os sapatos quentes e a jaqueta bem
+enxuta.</p>
+
+<p>Thomé e Joanninha olhavam pasmados para aquelles cuidados com que
+trabalhavam as suas imagens dentro do vidro. Até então tinham visto o pai
+entrar e sahir sem ao menos pensarem em cuidar d'elle. O pai que elles viam
+pelo vidro estava muito admirado d'aquelles cuidados de seus filhos e
+mostrava-se muito mais meigo do que o verdadeiro pai costumava ser. Elle
+assentou-se á mesa, e Joanninha tinha uma ceia bem quente no lar, cousa que
+nunca lhe tinha lembrado, porque tambem a avó nunca pensava n'isso, e o pai
+batia-lhes no hombro, o que elle nunca tinha feito, e começou a fallar da mãi
+que Deus tinha levado para si, e que tambem cuidava muito d'elle; e tudo isso
+encantava tanto Joanninha e Thomé que não tinham vontade de tirar os olhos do
+vidro: mas a avó chamou por elles para se deitarem.</p>
+
+<p style="text-align:center;">&mdash;</p>
+
+<p>Na manhã seguinte começaram Thomé e Joanninha a viver uma vida muito
+differente. Joanninha limpava<span class="pn">{22}</span> e espanava, punha
+tudo em ordem e lavava a janella, de maneira que a avó, a quem aquillo parecia
+um sonho, perguntava: Então isto agora é uma igreja?&mdash;Como ainda não era
+tempo de flôres, Thomé levou do bosque alguns ramos verdes de faia, com os
+quaes adornou muito bem a sala. Depois ajudaram de boa vontade a avó a fazer o
+almoço, cousa que nunca tinham feito, e quando o comeram soube-lhes melhor do
+que nos outros dias. Depois assentou-se Joanninha com a roca ao pé da avó, e
+Thomé subiu a uma cadeira e abriu a Biblia, que estava cheia de pó como a que
+viram pelo vidro, e começou a soletrar. A avó escutou com muita attenção, e
+quando elle começou a lêr correntemente e ella ouviu pela primeira vez da bocca
+de seu neto a palavra de Deus, o seu coração cheio de annos sentiu-se mais
+novo, e ella ergueu as mãos ao céo, e não tirava de Thomé os seus olhos
+arrasados de lagrimas de alegria. Thomé ficou muito contente vendo o effeito da
+sua leitura e lia cada vez com mais fogo, e Joanninha escutava e fiava e não
+reparava como a manhã se passava depressa, até que a avó, que tinha o relogio
+na cabeça, se levantou para cozer as batatas. Então levantou-se Thomé e disse:
+Espere, avosinha, que eu ajudo-a.</p>
+
+<p>Foram ambos os netos tirar agua ao poço e a avó não cabia em si de alegria.
+Nunca tinham comido tão boas batatas. De tarde lembrou-lhes cantar, e começaram
+baixinho, e depois foram subindo a voz, e a avó escutava ao principio como se
+sonhasse, e sorria com um contentamento como ha muitos annos não tinha tido.</p>
+
+<p>Como passaram satisfeitos até que o pai chegou! E como elle se mostrou
+admirado d'aquelles cuidados que via nos filhos e que nunca mais vira
+desde<span class="pn">{23}</span> que sua mulher fôra para a sepultura.
+Aqueceu-se com o fato que elles lhe deram, e encantado com aquellas meiguices
+dos meninos começou a contar muitas cousas da sua querida Margarida que estava
+no céo. A avó escutava com grande alegria e de tempos a tempos dizia alguma
+cousa. Antes de irem deitar-se disse ella ao pai: Tu deves vêr como Thomé lê
+bem.</p>
+
+<p>E foi buscar o seu velho livro de orações da noite. O pai, que já ha muitos
+annos não se lembrava de orações, escutou com viva alegria, e a voz de Thomé
+levava-lhe as santas palavras ao coração, que se abria para Deus. Quando Thomé
+fechou o livro, ergueu o pai as mãos ao céo e rezou.</p>
+
+<p>Thomé e Joanninha nunca dormiram um somno tão dôce como n'essa noite.</p>
+
+<p>Depois a mocidade foi passando, mas as boas obras davam alegria ao coração,
+o bom anjo da oração tinha entrado em casa, e fazia d'aquella socegada
+choupaninha um templo da paz e do amor.</p>
+
+<p>Os meninos não tinham desejos de tornar a olhar para o espelho do anão,
+porque entendiam que não lhes podia mostrar cousas melhores do que aquella sua
+vida caseira, principalmente quando veio a branda primavera, e elles pensaram
+como haviam de dar alegria á sua casinha no proximo inverno.</p>
+
+<p>Disseram-me que Thomé, passados annos, quando o pai e a avó já eram mortos,
+tinham corrido algumas terras, e veio a ser um habil e robusto carpinteiro que
+ajudou a construir muito bonitas casas e fez para si uma casinha muito
+aprazivel. Joanninha tinha ido para casa do padrinho, e veio a ser uma menina
+muito prendada e depois uma esperta aldean e boa mãi de filhos saudaveis.<span
+class="pn">{24}</span></p>
+
+<p>Os dous irmãos viveram sempre contentes com a sorte que Deus lhes deu, e
+quando viam de longe casas ricas, ou ricos vestidos ou custosas golosices,
+diziam comsigo: Aquillo talvez seja de um pobre principe, ou de algum menino de
+mau genio ou de alguma Emma doente.<span class="pn">{25}</span></p>
+
+<h1><a name="SECTION0002000">O CASTELLO ENCANTADO<br>
+OU<br>
+O MONTE DO CASTELLO DAS FADAS</a></h1>
+
+<h2><a name="SECTION0002100">TRADIÇÃO PRUSSIANA</a></h2>
+
+<p>Ao pé do rio Memer, e não longe da cidade de Tilsit, levanta-se um monte
+alto e redondo que se chama o monte do castello. Ha muitos e muitos annos houve
+alli um grande castello, como ainda hoje se póde vêr pelas ruinas das paredes,
+e por um fosso muito fundo e duas linhas de muralhas que estão de redor. A quem
+pertence e quem agora lá mora, é cousa de que ninguem sabe dar noticia, mas
+corre na terra uma tradição que reza que elle se aluiu de repente, e ainda hoje
+se mostra no cume do monte, mesmo no meio d'elle, um largo e escuro boqueirão,
+cujo fundo ainda ninguem pôde achar com cordas: diz-se que deve ter sido a
+chaminé do antigo castello. N'esses muros derribados reza a mesma tradição que
+é guardado um thesouro immenso por um porteiro, velhinho de cabellos brancos,
+que já tem sido visto muitas vezes pelos viajantes que sobem ao monte, e que
+ninguem até hoje tem podido ir aproveitar-se d'elle.<span
+class="pn">{26}</span></p>
+
+<p>Um dia andavam muitos rapazes de uma aldeia proxima de Tilsit a pastorear
+gado no monte do castello. O dia ia em mais de meio, o sol queimava e os
+rapazes deitaram-se á sombra de um rosal bravo e pozeram-se a contar historias.
+Entre outras cousas fallaram no muito ouro que estava no monte por debaixo
+d'elles, e mostraram desejos de que lhes apparecesse o porteiro do castello
+para irem atraz d'elle e deitarem mão ao thesouro. Mas mostravam esse animo por
+ser dia claro, porque nenhum d'elles era capaz de se deixar ficar só no monte
+do castello depois de escurecer.</p>
+
+<p>&mdash;Sim, dizia o mais novo, fazia-me boa conta o ouro, e ainda mais a
+minha mãi que está velha, corcovada e trôpega e ainda se assenta á roda de
+fiar, ganhando assim com muito trabalho mas honestamente o escasso pão de cada
+dia; que alegria não seria a d'ella se eu podesse levar-lhe para casa uma boa
+mão cheia de dinheiro! Mas eu não quero nada com o tal phantasma do homem
+pequenino.</p>
+
+<p>&mdash;Tolo! disseram os outros, elle não faz mal a ninguem; provavelmente
+descançaria e não lhe seria preciso andar a vaguear pelo monte, se alguem
+achasse o thesouro, porque então não teria mais que guardar.</p>
+
+<p>Assim palravam elles até que um se lembrou de irem todos ao boqueirão e
+atirarem pedras para baixo. Mas por maiores que fossem as pedras que
+arrastassem até ao buraco e lançassem dentro, não ouviam cahir nenhuma no
+fundo.</p>
+
+<p>&mdash;Se houvesse uma corda bem comprida, disse Fernando que era o mais
+velho, e rapaz forte e animoso, poderia um de nós descer um bom pedaço, e vêr
+se acharia alguma porta ou cousa semelhante que fosse dar onde está o ouro.</p>
+
+<p>&mdash;Em casa de meu amo, disse outro, ha um poço,<span
+class="pn">{27}</span> e está uma corda no guindaste que com certeza é duas
+vezes tão comprida como este monte. Querem que a vá buscar? Em casa não está
+agora ninguem porque meu amo e minha ama sahiram para longe para um
+baptisado.</p>
+
+<p>A proposta foi bem recebida por todos, menos pelo pequeno Theophilo.</p>
+
+<p>&mdash;Nós, disse Fernando com os olhos afogueados, podemos talvez ser ricos
+com pouco custo, não precisando mais de guardar gado pelo ardor do sol; podemos
+mesmo comprar casa e campos e ter moços para o gado, se enchermos bem os bolsos
+lá em baixo. Vai buscar a corda, depois tiraremos á sorte quem ha-de descer á
+cova; os outros ficarão a segurar a corda em cima, e o que descer será içado
+logo que dê signal puxando por ella.</p>
+
+<p>Todos estavam muito contentes, menos o pequeno Theophilo, que como medroso
+se oppunha áquella resolução, mas foi escarnecido pelos camaradas. Quando
+chegou a corda e foram lançadas as sortes, a quem tocou a vez foi justamente ao
+timorato Theophilo, que bem fugiria d'alli para longe se os camaradas não o
+segurassem e não o atassem á força com a corda. Gritando e bracejando, com
+grandes risadas dos companheiros foi lançado no boqueirão redondo e descido
+devagar. A ponta da corda foi atada com muita segurança ao tronco de uma
+arvore, e pouco a pouco foram os rapazes deixando ir cada vez mais para o fundo
+o seu pequeno camarada. Passados alguns minutos curvaram-se na borda do buraco
+e disseram: «Que vês lá embaixo, Theophilo?» Mas Theophilo só pedia que o
+puxassem para fóra.</p>
+
+<p>A final já não se entendia o que elle dizia: a corda, que era mais comprida
+do que a altura da torre<span class="pn">{28}</span> da igreja de Tilsit,
+estava já a chegar ao fim, e ainda se sentia retesada e pesada, signal certo de
+que Theophilo ainda não tinha chegado ao fundo. Mas de repente viu-se que
+estava bamba. Os moços do gado deram gritos de alegria, vendo que por fim
+estava Theophilo em terra firme: estenderam meio corpo por sobre a borda do
+boqueirão; chamaram e pozeram-se a escutar, mas o silencio era de mortos. Assim
+esperaram muito tempo, uma hora e ainda mais; agora, diziam elles, já Theophilo
+tem tido tempo de ver tudo e de encher os bolsos com ouro e prata. Puxaram a
+corda para cima, mas a corda não trazia nada. Como esperassem ainda uma hora e
+outra hora sem que a corda trouxesse alguma cousa acima, começaram a
+affligir-se e a inquietar-se. Depois correram muito pezarosos á aldeia, e com
+medo de castigo disseram á velha mãi doente do seu camarada perdido que
+Theophilo tinha trepado sósinho ás ruinas do monte do castello e de repente
+tinha desapparecido.</p>
+
+<p>Foi grande a angustia da pobre mãi do rapaz, cuja alegria unica era o seu
+Theophilo. Chorou e gemeu toda a noite, não houve somno que lhe fechasse os
+olhos, e bem quizera ella morrer para ir ter com seu filho ao céo, porque elle
+de certo tinha cahido no fundo do boqueirão do monte do castello, e lá estava
+despedaçado e morto.</p>
+
+<p>Quando na manhã seguinte Fernando e os outros moços do gado levavam outra
+vez os rebanhos para o pasto da vespera, ainda afflictos pelo que tinha
+acontecido, correu Theophilo ao encontro d'elles na raiz do monte. Todos os
+seus bolsos, e o barrete, e mesmo as mãos, estavam cheias de ouro, e elle com
+grande alegria contou aos camaradas como tudo lhe tinha corrido bem. Disse
+elle:<span class="pn">{29}</span></p>
+
+<p>&mdash;Logo que me senti em chão firme e que me desatei da corda, vi uma
+porta diante de mim e por ella entrei em uma cozinha muito grande. Ardia no lar
+uma grande fogueira que não fazia fumo nenhum, e em toda a parte não se via
+senão cousas de ouro e de prata. De repente veio direito a mim um velhinho
+pequeno, pegou-me na mão com muito bons modos e me disse que não tivesse medo
+porque me assegurava que não havia alli ninguem que me fizesse mal. Então perdi
+o medo, e atravessei com o bom velho muitas salas cada vez mais bonitas, onde
+havia montes de ouro. Então deu-me o castellão differentes iguarias muito boas
+para comer, e mostrou-me uma cama em que eu podia dormir. O vinho muito dôce
+que bebi pesou-me na cabeça, e eu dormi como um morto até que o mesmo velho
+pequenino me foi acordar. Então encheu-me de ouro o barrete e os bolsos tanto
+quanto podiam levar, e disse-me: «Guarda isto em lembrança do porteiro do
+castello e tracta de tua velha mãi.» E pegando-me em uma mão, abriu uma porta
+pequena, e quando puz os pés fora, vi o céo azul e o sol da manhã, e ouvi o
+sino da aldeia que tocava ás ave-marias. Elle não sahiu, disse-me adeus com a
+mão, e desappareceu. A porta por onde tinha sahido não a tornei a vêr. Graças a
+Deus, tudo foi bem até ao fim. Como minha mãi vai ficar contente!</p>
+
+<p>E Theophilo correu logo á aldeia, sem dar mais ouvidos aos seus camaradas
+que bem queriam ouvir contar mais alguma cousa.</p>
+
+<p>&mdash;Agora, disseram elles uns para os outros quando viram as grandes
+riquezas com que Theophilo appareceu, devemos ir tambem ao bom porteiro velho e
+trazer alguma cousa do seu thesouro. Vamos vêr a quem por sorte caberá a vez de
+ir lá abaixo.<span class="pn">{30}</span></p>
+
+<p>&mdash;Para que ha-de ser á sorte? disse Fernando; eu sou o mais velho de
+todos, e hei-de ser o primeiro a descer. A quem não estiver pelo que digo,
+provarei que está do meu lado o direito do mais forte.</p>
+
+<p>Os camaradas resmungaram, mas não se atreveram a resistir ao robusto rapaz,
+e por isso foi Fernando descido ao boqueirão, depois de ter primeiro tirado o
+seu pão da saccola pastoril, para ter onde deitar muito ouro que esperava
+receber do porteiro do arruinado castello. De novo se mostrou a corda retesada
+quasi até ao fim, e os outros a colheram sem que trouxesse nada, mas não
+esperaram que o camarada sahisse para fóra n'aquelle mesmo dia, porque sabiam
+que elle tinha lá em baixo boas cousas para comer e uma cama bem fofa para
+passar a noite, e que lhes appareceria de manhã muito alegre, como o pequeno
+Theophilo, ao pé do monte. A ausencia de Fernando foi pouco notada na aldeia;
+os companheiros levaram-lhe a casa o gado, e elle não tinha uma mãi que o
+chorasse.</p>
+
+<p>Na manhã seguinte todos os outros cheios de impaciencia sahiram com o gado
+mais cedo do que costumavam, mas não encontraram Fernando. Esperaram um pouco,
+depois correram ao alto do monte, deitaram a corda ao boqueirão, e inquietos
+chamaram o camarada pelo nome. Mas não houve resposta. Depois ninguem tornou a
+ver Fernando, nem appareceu ninguem que tivesse animo para descer ao fundo do
+monte do castello, e apanhar o thesouro que lá está enterrado.<span
+class="pn">{31}</span></p>
+
+<h2><a name="SECTION0002200">GRATIDÃO DE UM FILHO<br>
+E<br>
+INGRATIDÃO DE OUTRO</a></h2>
+
+<p style="text-align:center;"><small>(Hebel.)</small></p>
+
+<p></p>
+
+<p>Quem reparar um pouco, ha de ver muitas vezes que o homem na velhice é
+tratado por seus filhos exactamente do mesmo modo, como elle havia tratado seus
+paes, quando erão velhos e já sem forças. E isto comprehende-se bem. Os filhos
+aprendem com os paes; não veem nem ouvem mais ninguem, e por isso seguem o seu
+exemplo. Assim se verifica naturalmente o que tantas vezes se diz, e está
+escripto: «a benção e a maldição dos paes vem cair sobre os filhos.»</p>
+
+<p>Ouçamos agora duas historias que se contão a proposito d'isto: a primeira é
+digna de imitação; a segunda merece ser muito meditada.</p>
+
+<p>Uma vez um certo principe foi dar um passeio a cavallo, encontrou-se com um
+camponez diligente e alegre, que andava a trabalhar em um campo, e poz-se a
+conversar com elle.</p>
+
+<p>D'alli a alguns dias soube o principe que o campo não era propriedade
+d'aquelle homem, o qual não passava d'um jornaleiro que pela modica quantia de
+tres tostões por dia cuidava do seu amanho. O principe, que para os pesados
+encargos do governo precisava<span class="pn">{32}</span> de enormissimas
+sommas, não podia comprehender como tres tostões diarios erão meios bastantes
+para o nosso homem viver, e de mais a mais de rosto tão alegre. Este porém
+respondeu-lhe: «Nada me faltaria, se eu pudesse dispôr de todo esse dinheiro: a
+terça parte chega-me bem; com um terço pago as minhas dividas e a terça parte
+restante pertence ás minhas economias.» O bom do principe ficou ainda mais
+admirado. Mas o camponez continuou: «O que tenho, reparto-o com meus paes, que
+são velhos e já não podem trabalhar, e com meus filhos, que andão por ora a
+aprender; áquelles pago-lhes o amor com que me tratárão na minha infancia, e
+d'estes espero que não me abandonarão tambem na minha cansada velhice.» Não é
+verdade que tudo isto foi muito bem dito, é ainda melhor pensado, e ainda muito
+melhor executado? O principe recompensou aquelle homem de bem, olhou com
+desvelo pelos filhos, e a benção que os paes lhe lançárão ao morrer, foi-lhe
+retribuida pelos filhos agradecidos com amor e amparo.</p>
+
+<p>Havia porém outro homem que tratava tão mal seu pae, a quem a edade e as
+doenças tinhão na verdade tornado impertinente, que o velhinho mostrou desejos
+de entrar em um hospital de pobres, que havia na mesma aldeia. Alli esperava
+elle, apesar do pouco affecto, pelo menos vêr-se livre das reprehensões que em
+casa lhe amarguravão os ultimos dias da vida. O filho ingrato saltou de
+contente apenas soube dos desejos do pobre velho, e ainda antes de o sol se
+esconder por detraz das montanhas visinhas, já elles estavão satisfeitos. Mas
+no hospital não encontrou elle tudo quanto desejava, e passado algum tempo
+pedíu ao filho, como ultimo favor, que lhe mandasse dois lençoes, para não ter
+de dormir toda a noite na palha<span class="pn">{33}</span> estreme. Procurou
+este os peores que tinha, e chamando seu filho, creanca de dez annos,
+ordenou-lhe que os levasse ao hospital.</p>
+
+<p>Ficou porém admirado ao vêr que o pequeno escondia a um canto um dos lençoes
+e só levava ao avô o outro; e apenas elle veio, perguntou-lhe porque tinha
+feito aquillo. O filho respondeu friamente que tinha guardado um dos lençoes
+para o dar ao pae, quando mais tarde o mandasse para o hospital.</p>
+
+<p>Que lição tiramos d'aqui?</p>
+
+<p><em>Honra teu pae e tua mãe, para que sejas feliz.</em></p>
+
+<h2><a name="SECTION0002300">O CHAPELINHO VERMELHO <br>
+OU <br>
+A FADA E O LOBO</a> </h2>
+
+<p>Era uma vez uma rapariguinha da aldeia, a mais bonita que-podia haver: sua
+mãe adorava-a, e sua avó, que era a <em>Fada dos jasmim</em>, ainda mais.
+Esta<span class="pn">{34}</span> boa mulher deu-lhe de presente um chapelinho
+vermelho, que lhe ficava tão bem, que a chamaram o Chapelinho Vermelho.</p>
+
+<p>Um dia sua mãe, tendo feito alguns bolos, disse-lhe:&mdash;Vae ver como está
+tua avó, pois que me disseram que ella estava doente; leva-lhe este bolo e este
+pote de manteiga. O Chapelinho Vermelho partiu logo para casa de sua avó, que
+morava n'outra aldeia. Passando n'um bosque, encontrou um lobo com cara de
+gente, que tinha boa vontade de a comer; mas não ousou fazel-o, por temor de
+alguns carvoeiros que estavam na floresta. Perguntou-lhe onde ella ia; e a
+pobre pequena, que não sabia que era perigoso dar attenção a um lobo,
+respondeu:&mdash;Vou ver minha avó, e levar-lhe um bolo com um pote de
+manteiga, que minha mãe lhe manda.&mdash;Ella mora muito longe? perguntou o
+lobo.&mdash;Não, senhor, respondeu o Chapelinho, é além d'aquelle moinho, que
+vossê vê lá ao longe, na primeira casa da aldeia.&mdash;Pois bem, disse o lobo,
+eu tambem quero ir vel-a, vou por este caminho, tu irás por aquelle, e veremos
+quem chega lá primeiro. O lobo poz-se a correr a toda a pressa pelo caminho
+mais curto; e a pequenina foi pelo caminho mais comprido, divertindo-se a
+colher avelãs, a correr atraz das borboletas, e a fazer ramalhetes das flores
+que via. O lobo não tardou muito a chegar a casa da avó, e bateu á porta: truz,
+truz, mas ninguem respondeu, porque a <em>Fada dos jasmins</em>, sabendo quem
+era, quiz fazel-o persuadir que não havia gente em casa.</p>
+
+<p>Tendo o lobo batido mais duas vezes, sem que lhe respondessem, suppôz que a
+avó do Chapelinho Vermelho havia saido, e resolveu entrar na casa, para esperar
+as duas e comel-as. Assim resolvido, levantou a aldraba, e abrindo-se a porta,
+entrou na casa, onde<span class="pn">{35}</span> não viu ninguem; porque a
+<em>Fada</em> se havia escondido em um armario, que estava á cabeceira da cama,
+d'onde via e observava tudo. O lobo deu duas voltas pela casa, e, vendo-a
+sósinha, fechou a porta com a aldraba e foi deitar-se na cama da avó, á espera
+da primeira que apparecesse. Pouco tempo depois chegou o Chapelinho Vermelho,
+que bateu á porta: <em>truz, truz,</em>&mdash;Quem está ahi?&mdash;O Chapelinho
+Vermelho, que ouviu a voz grossa do lobo, teve medo ao principio; mas pensando
+que sua avó estava rouca, respondeu:&mdash;É sua neta Chapelinho Vermelho, que
+lhe traz um bolo e um potesinho de manteiga, que minha mãe lhe manda. O lobo
+gritou-lhe, amaciando a voz:&mdash;Levanta a aldraba. A pequenina levantou a
+aldraba, e a porta abriu-se. O lobo, vendo-a entrar, lhe disse, escondendo a
+cabeça debaixo dos lençoes:&mdash;Põe o bolo e o potesinho de manteiga em cima
+da mesa, e vem-te deitar commigo. O Chapelinho Vermelho foi-se metter na cama;
+mas ficou muito admirada de ver sua avó despida. A pequenina lhe disse:&mdash;Ó
+minha avó! como os seus braços são compridos!&mdash;É para melhor te abraçar,
+minha neta.&mdash;Ó minha avó! como as suas pernas são grandes!&mdash;É para
+correr melhor, minha neta.&mdash;Minha avó! as suas orelhas são bem
+compridas!&mdash;É para escutar melhor, minha neta.&mdash;Minha avó! que olhos
+tem tão grandes!&mdash;É para ver melhor, minha neta.&mdash;Minha avó! para que
+tem dentes tamanhos!?&mdash;É para te comer. E dizendo estas palavras, este mau
+lobo lançou-se sobre Chapelinho Vermelho para comel-a; mas estacou de repente,
+ficando sem movimento, porque a <em>Fada</em>, saindo do escondrijo, lhe tocou
+com a sua <em>varinha de condão</em>. O Chapelinho Vermelho deu um grito de
+alegria ao ver sua avó, que tirou a netinha de ao pé do lobo, mais morta que
+viva, pelo susto que tivera. Então<span class="pn">{36}</span> disse a
+<em>Fada</em> para a netinha:&mdash;Que castigo se ha de dar áquelle malvado
+lobo, que te queria devorar?&mdash;Dê-lhe, minha avósinha, o castigo que
+quizer, respondeu o Chapelinho Vermelho.&mdash;Pois então vae para a janella,
+que verás o que nunca viste. Estando o Chapelinho Vermelho á janella, viu saír
+de casa o lobo, todo coberto de <em>busca-pés</em> (é d'este tempo que data o
+descobrimento da polvora) desde a ponta do rabo até á do focinho, e ouviu dizer
+a sua avó:&mdash;Vae, malvado, correndo por ahi fóra até que vás apagar o fogo
+no poço do moinho, onde morrerás afogado. Isto dito, começaram os
+<em>busca-pés</em> a arder, dando tiros tão medonhos, que o lobo fugiu
+espavorido, e julgando apagar o fogo com agua, foi lançar-se ao rio, que corria
+perto, afogando-se justamente no <em>poço do moinho</em>, que desde então ficou
+sendo o <em>poço do lobo</em>.</p>
+
+<p>Depois d'isto disse a <em>Fada</em> para o Chapelinho Vermelho:&mdash;has de
+prometter-me que de hoje em diante, quando tua mãe te mandar a algum recado,
+não te has de demorar pelo caminho, nem conversar com quem não conheces,
+dizendo-lhe o que vaes fazer; e se assim o fizeres, dou-te por <em>dom</em> que
+serás mui formosa e casarás com um grande fidalgo.</p>
+
+<p>E assim foi: pois crescendo o Chapelinho Vermelho, fez-se tão discreta e tão
+formosa, que foi pedida em casamento por um grande fidalgo da visinhança, com o
+qual casou e viveu muito feliz.<span class="pn">{37}</span></p>
+
+<h2><a name="SECTION0002400">O FATO NOVO DO REI</a></h2>
+
+<p style="text-align:center;"><small>(Anderson).</small></p>
+
+<p></p>
+
+<p>Era uma vez um rei que gostava tanto de roupas novas, que empregava em se
+vestir todo o dinheiro que tinha.</p>
+
+<p>Se passava revista aos seus soldados, se apparecia nos espectaculos ou
+passeios publicos, não tinha outro fim em vista que não fosse mostrar como ia
+vestido. Era um fato para cada hora do dia; de maneira que assim como é costume
+dizer-se de qualquer rei: «Sua magestade está em conselho de ministros», a
+respeito d'este dizia-se: «Sua magestade está no seu guarda-roupa».</p>
+
+<p>A capital em que elle vivia, era uma cidade alegre, principalmente pelo
+grande numero de estrangeiros que alli concorrião. Um dia chegárão áquella
+cidade dois impostores que se annunciárão como tecelões, dizendo que sabião
+tecer um panno como nunca se vira. Era um estofo notavel, não só pela belleza
+das côres e do desenho, mas sobretudo porque tinha a maravilhosa qualidade de
+se tornar invisivel para quem não exercesse, como devia, o seu emprego, ou
+fosse demasiadamente estupido.</p>
+
+<p>&mdash;Uma roupa d'esse panno deve ser impagavel&mdash;disse comsigo o
+rei;&mdash;por meio d'ella chegarei a conhecer quaes são os homens incapazes do
+meu reino, e poderei distinguir os intelligentes dos estupidos. Um<span
+class="pn">{38}</span> fato assim é uma cousa indispensavel.&mdash;Em seguida
+mandou adeantar aos homens muito dinheiro para poderem desde logo dar começo á
+obra.</p>
+
+<p>Os aventureiros armárão effectivamente dois teares e pozerão-se a fingir que
+trabalhavão, embora nas lançadeiras não houvesse nem sombra de fiado. A cada
+passo estavão a pedir seda da mais fina e ouro do melhor quilate, que ião
+ensacando, sem todavia deixarem de trabalhar nos teares vasios até alta
+noite.</p>
+
+<p>Passado algum tempo, lembrou-se o rei de sair para ver em que altura ia o
+artefacto. Sentiu-se porém seriamente embaraçado, quando se recordou de que o
+estofo não podia ser visto por quem fosse tolo ou não exercesse condignamente o
+seu mister. Não era porque duvidasse de si; em todo o caso julgou prudente,
+pelo sim, pelo não, mandar adeante alguem que examinasse o estofo. Toda a
+cidade sabia da qualidade maravilhosa que elle tinha; cada um estava ancioso
+por saber se o seu vizinho era idiota ou inhabil.</p>
+
+<p>&mdash;Vou mandar o meu velho e honrado ministro,&mdash;disse comsigo o
+rei.&mdash;Ninguem, como elle, para avaliar a obra, porque alem de ser um homem
+fino, é irreprehensivel no desempenho das suas funcções.</p>
+
+<p>O ministro entrou na sala onde trabalhavão os dois impostores, e arregalando
+muito os olhos, disse de si para si:&mdash;Meu Deos, não vejo nada!&mdash;Mas,
+nem palavra. Os dois tecelões pedirão-lhe que se approximasse, e perguntárão
+que tal achava o desenho, e se as côres erão ou não magnificas. Ao mesmo tempo
+apontavão-lhe para os teares, onde o velho ministro tinha os olhos pregados,
+mas onde não via nada, pela simples razão de não haver lá nada que vêr.</p>
+
+<p>&mdash;Pois na realidade, serei eu tambem um asno?&mdash;perguntava elle a
+si mesmo.&mdash;É preciso que ninguem<span class="pn">{39}</span> o suspeite.
+Serei eu incapaz de exercer o meu cargo? Não! não darei a saber a ninguem que
+não vi o tecido.</p>
+
+<p>&mdash;Então, que dizeis?&mdash;perguntou um dos tecelões.</p>
+
+<p>&mdash;Admiravel, é uma cousa surprehendente!&mdash;respondeu o ministro,
+pondo os oculos.&mdash;Este desenho, estas côres... vou immediatamente
+participar ao rei que fiquei satisfeitissimo.</p>
+
+<p>&mdash;Isso é uma grande honra para nós,&mdash;disserão os dois tecelões, e
+começarão a chamar-lhe a attenção sobre as côres e desenhos imaginarios, aos
+quaes elles tinhão o cuidado de ir dando um nome. O ministro ouviu
+attentamente, para repetir deante do rei tudo quanto elles dizião.</p>
+
+<p>Alguns dias depois o rei mandou outro funccionario honesto examinar o estofo
+e vêr se estava prompto. Aconteceu a este o que tinha acontecido já ao
+ministro: por mais que olhasse, não via nada.</p>
+
+<p>&mdash;Não é verdade que isto é um tecido admiravel?&mdash;perguntavam os
+dois impostores, e ião mostrando as côres e desenhos que não existião.</p>
+
+<p>&mdash;Pois eu não sou tolo!&mdash;pensava o homem.&mdash;Dar-se-ha o caso
+que eu não seja digno de exercer o meu emprego? Isso é singular; mas eu farei
+por o não perder.&mdash;E em seguida elogiou muito o tecido, e louvou sobretudo
+a escolha das côres e do desenho. Foi dizer ao rei que o estôfo era magnifico,
+e d'ahi a pouco não havia ninguem que não fallasse nelle.</p>
+
+<p>Por ultimo quiz o rei ir vê-lo pessoalmente, emquanto estava ainda no tear,
+e acompanhado d'um grande sequito de pessoas escolhidas, entre as quaes se
+encontravão os dois funccionarios honestos, dirigiu-se ao logar onde os dois
+trapaceiros continuavão<span class="pn">{40}</span> a trabalhar com todo o
+cuidado, mas sem fio de seda ou de ouro, nem especie de fiado algum.</p>
+
+<p>&mdash;Então não é excellente?&mdash;perguntárão os dois ministros.&mdash;O
+desenho e as côres são dignas de vossa magestade.&mdash;E apontavão para os
+teares vasios, como se os outros pudessem ver ahi alguma cousa.</p>
+
+<p>&mdash;Que é isto?&mdash;disse comsigo o rei&mdash;eu não vejo nada. Acaso
+serei eu imbecil?! Não serei digno de ser rei? Esta é a maior infelicidade que
+me podia acontecer.&mdash;Depois exclamou de repente:&mdash;Magnifico!
+Declaro-me completamente satisfeito.</p>
+
+<p>Abanou a cabeça em signal de approvação, e contemplou o tear sem se atrever
+a dizer a verdade. Todos os do sequito contemplarão tambem, sem comtudo nada
+verem, e disserão com o rei:&mdash;É magnifico!&mdash;Depois aconselhárão-no
+que estreasse o fato novo numa procissão que devia sair d'ahi a pouco.&mdash;É
+magnifico! admiravel! excellente!&mdash;dizião todos á uma; e a alegria era
+indescriptivel.</p>
+
+<p>Os dois impostores forão condecorados, e recebêrão o titulo de tecelões da
+casa real. Na vespera da procissão trabalharão toda a noite á luz de dezeseis
+velas.</p>
+
+<p>A final fingirão tirar a peça do tear; cortárão, no ar, com grandes
+tesouras; coserão com agulhas desenfiadas, e depois de tudo isto disserão que
+estava prompto o fato.</p>
+
+<p>Veio o rei em pessoa, acompanhado dos seus ajudantes de campo, e os dois
+trapaceiros com os braços levantados como se segurassem alguma cousa,
+disserão:&mdash;Aqui tem vossa magestade a calça, a casaca e o manto. Tudo isto
+é leve como uma teia de aranha. Ha-de parecer a vossa magestade que não traz
+nada<span class="pn">{41}</span> sobre o corpo, mas é justamente nisto que está
+a principal qualidade do tecido.</p>
+
+<p>&mdash;É verdade,&mdash;respondêrão os ajudantes de campo, mas sem verem
+nada.</p>
+
+<p>Em seguida os tecelões pedirão ao rei que se collocasse deante d'um espelho,
+afim de lhe provarem o fato, e depois de o despirem todo, fingirão que lhe
+vestião uma por uma as differentes peças. O rei ia-se mirando e remirando ao
+espelho.</p>
+
+<p>&mdash;Que bem lhe fica! que bem talhado!&mdash;exclamavão todos os
+cortezãos.&mdash;Que desenhos! E as côres? É um fato precioso!</p>
+
+<p>&mdash;Está lá fora o pallio, debaixo do qual vossa magestade tem de ir na
+procissão,&mdash;disse o mestre de ceremonias.</p>
+
+<p>&mdash;Bom, eu estou prompto&mdash;respondeu o rei;&mdash;penso que assim
+não vou mal.&mdash;E viu-se ainda uma vez ao espelho, para contemplar o
+esplendor em que ia.</p>
+
+<p>Os caudatarios apalpárão o chão, como se quizessem levantar a cauda do
+manto, e caminhárão com os braços estendidos como se segurassem alguma cousa,
+não querendo dar a entender que não vião nada.</p>
+
+<p>Assim caminhava o rei debaixo do magnifico pallio, e toda a gente da rua e
+das janellas exclamava:&mdash;Que sumptuoso vestido! que bella cauda tem o
+manto! o feitio é irreprehensivel!&mdash;Ninguem queria dar a conhecer que não
+via nada, para não ser taxado de estupido ou incapaz de exercer o seu emprego.
+Nunca fato algum do rei tinha dado tanto na vista.</p>
+
+<p>&mdash;Mas o rei vae nú;&mdash;gritou uma creancinha.</p>
+
+<p>&mdash;Meu Deus! escutae a voz da innocencia&mdash;disse o pae.</p>
+
+<p>Immediatamente correu por toda a multidão, que<span class="pn">{42}</span>
+uma creança dissera que o rei ia nú; e a final exclamárão todos á uma:&mdash;O
+rei vae nú!</p>
+
+<p>Este sentiu-se extremamente mortificado, porque lhe parecia que tinha razão;
+mas cobrou animo e disse comsigo:&mdash;Seja o que for, é indispensavel que eu
+fique até ao fim.&mdash;Depois tomou uns ares ainda mais magestosos, e os
+caudatarios continuarão a segurar, com todo o respeito, a cauda que não
+existia.</p>
+
+<h2><a name="SECTION0002500">AS FADAS <br>
+OU <br>
+A MENINA BEM CREADA</a> </h2>
+
+<p>Era uma vez uma viuva, que tinha duas filhas; a mais velha parecia-se tanto
+no genio e na cara com a mãe, que quem via uma, via a outra. Ambas eram tão
+orgulhosas e tão desagradaveis, que se não podia viver com ellas. A mais moça,
+que era o retrato de seu pae, pela bondade, era ao mesmo tempo uma das mais
+lindas raparigas que se podiam ver. Como naturalmente<span
+class="pn">{43}</span> se ama o seu similhante, esta mãe era douda por sua
+filha mais velha, e ao mesmo tempo tinha uma forte aversão para a mais nova,
+que mandava comer na cozinha, e trabalhar continuamente.</p>
+
+<p>Entre outras cousas era preciso que esta menina fosse duas vezes por dia
+buscar, a uma meia legua grande de sua casa, um grande cantaro cheio de agua.
+Um dia, que a infeliz creança estava n'esta fonte, chegou-se a ella uma pobre
+mulher, e lhe pediu que a deixasse beber.&mdash;Pois não! minha senhora, disse
+esta bella menina; e dizendo estas palavras, tomou agua no melhor sitio da
+fonte, e lh'a apresentou, sustendo o seu cantaro, para que ella podesse beber
+mais facilmente. A boa mulher, tendo bebido, lhe disse:&mdash;A menina é tão
+bonita, tão boa, é tão bem creiada, que não posso deixar de lhe fazer um
+<em>dom</em>. (Era uma Fada, que tinha tomado figura de uma pobre aldeã, para
+ver até onde iria a boa educação d'esta menina.) Eu dou-lhe por <em>dom</em>,
+continuou a fada, que a cada palavra que disser, sair-lhe-ha da bôca uma flor e
+uma pedra preciosa. Quando esta boa menina chegou a casa, a mãe ralhou-lhe por
+haver tardado tanto tempo.&mdash;Perdoe-me, minha mãe, por ter tardado. E
+dizendo estas palavras, deitou pela bôca duas rosas, duas perolas, e tres bons
+diamantes.&mdash;Que é isto? disse a mãe, admirada. Quem te deu isto, minha
+filha? (Era a primeira vez que a tratava por sua filha.) A pobre menina
+contou-lhe tudo o que lhe tinha acontecido, não sem deitar pela bôca uma
+infinidade de diamantes.&mdash;Realmente, disse a mãe, vou mandar lá tua irmã.
+Vem cá, Mariquinhas, vem ver o que sáe da bôca de tua irmã quando ella falla;
+queres tu ter o mesmo dom? Vae buscar agua á fonte, e quando uma pobre
+mulher<span class="pn">{44}</span> te pedir de beber, dá-lh'a com muita
+civilidade.&mdash;Pois não! respondeu a mal-creada; eu ir á fonte!&mdash;Quero
+que lá vás, disse a mãe, e já. Maria foi, mas resmungando. Pegou no mais bonito
+jarro de prata que havia na casa, e chegou á fonte. Viu logo sair da floresta
+uma dama magnificamente vestida, que lhe pediu agua para beber. Era a mesma
+Fada que tinha apparecido a sua irmã, mas que tinha tomado a figura e os
+vestidos de uma princeza, para ver até onde iria a má creação d'esta rapariga.
+Porventura eu vim cá para lhe dar de beber? disse a mal-creada orgulhosa. Era o
+que me faltava trazer eu um jarro de prata para dar de beber á senhora: ora
+beba na fonte, se quizer.&mdash;Sois bem pouco politica! replicou a Fada, sem
+se encolerisar. Pois bem, já que é tão mal-creada dou-lhe por <em>dom</em>, que
+a cada palavra que disser, sair-lhe-ha da bôca uma serpente e um sapo. Voltou a
+casa, e sua mãe gritou:&mdash;Minha filha! minha filha! então que
+ha?&mdash;Nada, minha mãe! respondeu ella, deitando pela bôca duas serpentes e
+um sapo.&mdash;Oh céos! exclamou a mãe; que vejo! É tua irmã que tem a culpa;
+ha de pagar-m'o. E dizendo estas palavras, correu a ella para lhe bater.</p>
+
+<p>A pobre menina fugiu para a floresta visinha. O filho do rei, que voltava da
+caça, encontrou-a, e vendo-a tão linda, perguntou-lhe o que ella fazia alli
+sósinha, e porque chorava!&mdash;Oh! meu senhor, é porque minha mãe pôz-me fóra
+de casa. O filho do rei, que viu sair-lhe da bôca seis perolas e seis
+diamantes, pediu-lhe que lhe dissesse d'onde isto vinha. Ella contou toda a sua
+historia. O filho do rei ficou namorado d'ella; e considerando que um tal dom
+valia mais que tudo o que se podia dar em dote a uma princeza, levou-a<span
+class="pn">{45}</span> para o palacio de el-rei seu pae, onde casou com ella.
+Sua irmã fez-se aborrecer tanto, que sua propria mãe a pôz fóra de casa; e esta
+desgraçada, depois de ter corrido bastante sem achar ninguem que quizesse
+recolhel-a, morreu no meio de um bosque.</p>
+
+<h2><a name="SECTION0002600">A RAPARIGUINHA DOS LUMES PROMPTOS</a> </h2>
+
+<p style="text-align:center;"><small>(<em>Andersen</em>&mdash;traducção de José
+Joaquim Rodrigues de Freitas.)</small></p>
+
+<p></p>
+
+<p>Estava horrivelmente frio, geava, e era quasi noite escura, a ultima do
+anno.</p>
+
+<p>Estava assim escuro e frio, quando caminhava pela rua uma rapariguinha com
+os pés nús e a cabeça descoberta. Tinha calçado chinelas ao sair de casa, mas
+de que lhe servírão? Erão muito grandes, e tanto, que a mãe as tinha usado até
+então; demais, a pequena perdeu-as ao atravessar á pressa uma rua, fugindo de
+dois carros que rodávão com velocidade de pôr medo. Uma das chinelas não a
+poude tornar a achar; e a outra apanhou-a um rapaz, e lá foi a correr com ella;
+até se lembrou que lhe serviria de berço, caso viesse a ter filhos.</p>
+
+<p>Assim caminhou a rapariguinha com os pésinhos<span class="pn">{46}</span>
+nús e rôxos de frio. Trazia num avental velho uma porção de lumes promptos, e
+na mão um maço d'elles. Ninguem lhe comprára nada todo o dia, ninguem lhe
+fizera presente de cinco réis.</p>
+
+<p>Imagem da miseria, a pobre pequena ia-se arrastando a tremer de frio e
+fome!</p>
+
+<p>Os flocos de neve cobrião-lhe o cabello comprido e louro, que em formosos
+anneis lhe caía pelo collo abaixo; mas, em verdade, n'isto pensava ella!</p>
+
+<p>De todas as janellas brilhavão luzes; e vinha de lá um delicioso cheiro a
+ganso assado; era a noite de S. Silvestre; e n'isto pensava ella!</p>
+
+<p>A um canto formado por duas casas, uma das quaes era mais saliente do que a
+outra, sentou-se ella, e, como poude, conchegou-se; metteu bem para dentro os
+pésinhos, mas ainda mais lhe arrefecêrão; e não ousava ir para casa por não ter
+vendido phosphoros, nem arranjado dinheiro.</p>
+
+<p>Bem sabia que o pae lhe havia de bater, e em casa tambem estava frio;
+cobria-a só o telhado, pelo qual o vento assobiava, ainda quando se tapavão os
+buracos maiores com palha e farrapos.</p>
+
+<p>O frio quasi lhe não deixava mover as mãos.</p>
+
+<p>Ah! um lume prompto podia fazer-lhe bem; se tirasse um do mólho, se o
+accendesse na parede, e se aquecesse a elle os dedos!</p>
+
+<p>Tirou um. Zahs! Como scintillava, como ardia! Era uma chamma quente e
+brilhante, era uma luzinha; poz sobre ella as mãos, era uma luzinha
+maravilhosa. Á rapariguinha pareceu que estava deante de um grande fogão de
+ferro todo guarnecido de latão polido. Abençoado fogo, que tão bem aquecia! Mas
+a chammasinha apaga-se, o fogão desapparece, ficárão-lhe na mão só os restos do
+lume prompto que ardêra.<span class="pn">{47}</span></p>
+
+<p>Accendeu outro na parede, este alumiava e tornava transparentes como um véo
+os logares da parede em que os seus raios incidião: podia assim vêr para dentro
+da sala.</p>
+
+<p>A mesa tinha uma toalha branca de neve, sobre a qual luzia louça de
+porcellana; o ganso assado, cheio de maçãs e ameixas sêcas, exhalava deliciosos
+vapores. E o que ainda era mais bello: o ganso saltava do prato abaixo,
+cambaleava pelo chão adeante, e vinha até á pobre creança, trazendo no peito a
+faca e o garfo.</p>
+
+<p>Lá se apagou o lume prompto, e só ficou a parede, espessa, fria e humida.</p>
+
+<p>Ella accendeu ainda um phosphoro. E eis que lhe pareceu estar sob a
+magestosa arvore do Natal, ainda maior e mais adornada, que a outra que vira ao
+travéz da janella da casa d'um rico negociante. Milhares de luzes ardiam nos
+ramos verdes; e imagens variegadas, como numa vitrina, olhavão para a rapariga.
+A pequena estendeu para ellas as mãos; e eis que se apagou o lume prompto.</p>
+
+<p>As luzes do Natal subirão mais e mais; parecião-lhe estrellas no céo; uma
+d'ellas caiu formando longo rasto luminoso.</p>
+
+<p>Alguem que morre, disse comsigo a rapariguinha; porque a avó, unica que lhe
+tivera amor, e que já era fallecida, lhe contára que uma alma sobe para Deos,
+quando uma estrella cáe para a terra.</p>
+
+<p>Accendeu mais outro phosphoro; a luz fêz-se de novo, e no meio do brilho
+d'ella erguia-se a velha avó, tão resplendente e pura, tão cheia de doçura e de
+amor!</p>
+
+<p>Minha avó, exclamou a pequena. Oh! leva-me comtigo. Eu sei que tu
+desapparecerás quando o phosphoro se apagar. Has-de passar como o fogão quente,
+como<span class="pn">{48}</span> o delicioso ganso assado, e como a grande e
+magestosa arvore do Natal!</p>
+
+<p>E rapidamente accendeu todo o mólho de phosphoros, a fim de ter alli a avó
+bem segura.</p>
+
+<p>E os phosphoros fulgurárão com tal brilho, que havia luz mais viva do que em
+pleno dia; a avó nunca fôra tão alta nem tão formosa: tomou nos braços a
+rapariguinha, e ambas voárão pelas regiões da luz e da alegria até muito alto,
+muito alto; não havia lá nem frio, nem fome, nem angustia: erão perto de
+Deos.</p>
+
+<p>Mas encostada ao canto da parede, quando veio o frio amanhecer, estava a
+pobre rapariga com as faces vermelhas e um sorriso nos labios; matou-a o gêlo
+na ultima noite do anno velho.</p>
+
+<p>E o sol do anno novo passou sobre o seu cadaversinho.</p>
+
+<p>Immovel estava a rapariguinha: alli estava ella com os phosphoros, dos quaes
+havia queimado um maço.</p>
+
+<p>Ninguem suspeitava quanto ella vira de bello, e em que brilhante região
+entrára com a avó no dia de anno novo.</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p style="text-align: center;">FIM DA SEXTA PARTE</p>
+</div>
+
+
+
+
+
+
+
+<pre>
+
+
+
+
+
+End of the Project Gutenberg EBook of O Oraculo do Passado, do presente e do
+Futuro (6/7), by Bento Serrano
+
+*** END OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK O ORACULO DO PASSADO (6/7) ***
+
+***** This file should be named 31741-h.htm or 31741-h.zip *****
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+
+Produced by Mike Silva (produced from scanned images of
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+
+
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+will be renamed.
+
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+(and you!) can copy and distribute it in the United States without
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+goals and ensuring that the Project Gutenberg-tm collection will
+remain freely available for generations to come. In 2001, the Project
+Gutenberg Literary Archive Foundation was created to provide a secure
+and permanent future for Project Gutenberg-tm and future generations.
+To learn more about the Project Gutenberg Literary Archive Foundation
+and how your efforts and donations can help, see Sections 3 and 4
+and the Foundation web page at https://www.pglaf.org.
+
+
+Section 3. Information about the Project Gutenberg Literary Archive
+Foundation
+
+The Project Gutenberg Literary Archive Foundation is a non profit
+501(c)(3) educational corporation organized under the laws of the
+state of Mississippi and granted tax exempt status by the Internal
+Revenue Service. The Foundation's EIN or federal tax identification
+number is 64-6221541. Its 501(c)(3) letter is posted at
+https://pglaf.org/fundraising. Contributions to the Project Gutenberg
+Literary Archive Foundation are tax deductible to the full extent
+permitted by U.S. federal laws and your state's laws.
+
+The Foundation's principal office is located at 4557 Melan Dr. S.
+Fairbanks, AK, 99712., but its volunteers and employees are scattered
+throughout numerous locations. Its business office is located at
+809 North 1500 West, Salt Lake City, UT 84116, (801) 596-1887, email
+business@pglaf.org. Email contact links and up to date contact
+information can be found at the Foundation's web site and official
+page at https://pglaf.org
+
+For additional contact information:
+ Dr. Gregory B. Newby
+ Chief Executive and Director
+ gbnewby@pglaf.org
+
+
+Section 4. Information about Donations to the Project Gutenberg
+Literary Archive Foundation
+
+Project Gutenberg-tm depends upon and cannot survive without wide
+spread public support and donations to carry out its mission of
+increasing the number of public domain and licensed works that can be
+freely distributed in machine readable form accessible by the widest
+array of equipment including outdated equipment. Many small donations
+($1 to $5,000) are particularly important to maintaining tax exempt
+status with the IRS.
+
+The Foundation is committed to complying with the laws regulating
+charities and charitable donations in all 50 states of the United
+States. Compliance requirements are not uniform and it takes a
+considerable effort, much paperwork and many fees to meet and keep up
+with these requirements. We do not solicit donations in locations
+where we have not received written confirmation of compliance. To
+SEND DONATIONS or determine the status of compliance for any
+particular state visit https://pglaf.org
+
+While we cannot and do not solicit contributions from states where we
+have not met the solicitation requirements, we know of no prohibition
+against accepting unsolicited donations from donors in such states who
+approach us with offers to donate.
+
+International donations are gratefully accepted, but we cannot make
+any statements concerning tax treatment of donations received from
+outside the United States. U.S. laws alone swamp our small staff.
+
+Please check the Project Gutenberg Web pages for current donation
+methods and addresses. Donations are accepted in a number of other
+ways including including checks, online payments and credit card
+donations. To donate, please visit: https://pglaf.org/donate
+
+
+Section 5. General Information About Project Gutenberg-tm electronic
+works.
+
+Professor Michael S. Hart was the originator of the Project Gutenberg-tm
+concept of a library of electronic works that could be freely shared
+with anyone. For thirty years, he produced and distributed Project
+Gutenberg-tm eBooks with only a loose network of volunteer support.
+
+
+Project Gutenberg-tm eBooks are often created from several printed
+editions, all of which are confirmed as Public Domain in the U.S.
+unless a copyright notice is included. Thus, we do not necessarily
+keep eBooks in compliance with any particular paper edition.
+
+
+Most people start at our Web site which has the main PG search facility:
+
+ https://www.gutenberg.org
+
+This Web site includes information about Project Gutenberg-tm,
+including how to make donations to the Project Gutenberg Literary
+Archive Foundation, how to help produce our new eBooks, and how to
+subscribe to our email newsletter to hear about new eBooks.
+
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+This eBook, including all associated images, markup, improvements,
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+the "Copyright How-To" at https://www.gutenberg.org.
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+jurisdictions other than the United States. Anyone seeking to utilize
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+status under the laws that apply to them.
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