summaryrefslogtreecommitdiff
diff options
context:
space:
mode:
authorRoger Frank <rfrank@pglaf.org>2025-10-14 19:56:21 -0700
committerRoger Frank <rfrank@pglaf.org>2025-10-14 19:56:21 -0700
commit5a251090ba95e57da25318d409505970a7cb4de6 (patch)
treeac4f09f35767c38a6e7eb04faca58a156b5ac2dc
initial commit of ebook 31743HEADmain
-rw-r--r--.gitattributes3
-rw-r--r--31743-8.txt2312
-rw-r--r--31743-8.zipbin0 -> 37129 bytes
-rw-r--r--31743-h.zipbin0 -> 39693 bytes
-rw-r--r--31743-h/31743-h.htm2500
-rw-r--r--LICENSE.txt11
-rw-r--r--README.md2
7 files changed, 4828 insertions, 0 deletions
diff --git a/.gitattributes b/.gitattributes
new file mode 100644
index 0000000..6833f05
--- /dev/null
+++ b/.gitattributes
@@ -0,0 +1,3 @@
+* text=auto
+*.txt text
+*.md text
diff --git a/31743-8.txt b/31743-8.txt
new file mode 100644
index 0000000..19505f1
--- /dev/null
+++ b/31743-8.txt
@@ -0,0 +1,2312 @@
+The Project Gutenberg EBook of Portugal enfermo por vicios, e abusos de
+ambos os sexos, by José Daniel Rodrigues da Costa
+
+This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with
+almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or
+re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included
+with this eBook or online at www.gutenberg.org
+
+
+Title: Portugal enfermo por vicios, e abusos de ambos os sexos
+
+Author: José Daniel Rodrigues da Costa
+
+Release Date: March 23, 2010 [EBook #31743]
+
+Language: Portuguese
+
+Character set encoding: ISO-8859-1
+
+*** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK PORTUGAL ENFERMO POR VICIOS ***
+
+
+
+
+Produced by Pedro Saborano (produced from scanned images
+of public domain material from Google Book Search)
+
+
+
+
+
+
+ PORTUGAL ENFERMO
+
+ POR VICIOS, E ABUSOS DE AMBOS OS SEXOS.
+
+ DEDICADO AO SENHOR
+
+ JOSÉ LUIZ GUERNER,
+
+ CONSUL DE S. M. SICILIANNA,
+
+ POR
+
+ JOSÉ DANIEL RODRIGUES DA COSTA,
+
+ ENTRE OS PASTORES DO TEJO
+
+ JOSINO LEIRIENSE
+
+
+ LISBOA:
+ NA IMPRESSÃO REGIA.
+ ANNO 1819
+
+ _Com Licença._
+
+
+
+
+SENHOR JOSE LUIZ GUERNER:
+
+
+_Quando comecei a compor esta Obra, intitulada=Portugal Enfermo por
+vicios, e abusos=logo me veio á lembrança o dedicar-lha. E approveitando
+estas primeiras idéas, foi tal o prazer, que concebi, por huma tão
+acertada escolha, que parecia que com mais facilidade, e affluencia me
+occorião pensamentos para a ultimar._
+
+_Eu faria huma injuria á Gratidão, se me lembrasse de outra pessoa para
+esta Dedicatoria; quando por experiencia tenho conhecido quanto a sua
+curiosidade, applicação, e talentos ambicionão as minhas Producções._
+
+_Aqui me offerecia agora a minha imaginação hum vasto assumpto, para
+tecer-lhe o Elogio, que merece hum homem amador das Bellas Letras, e ornado
+d'aquellas virtudes moraes, que tanto caracterizão o verdadeiro homem de
+bem. Mas fazer das suas apreciaveis qualidades huma extensa narração, seria
+dar por nova huma pintura ao mesmo Pintor, que a desenhou._
+
+_O Céo dilate a sua estimavel vida para consolação dos seus amigos;
+sendo hum dos que mais o preza, e respeita_
+
+ _José Daniel Rodrigues da Costa_
+
+
+
+
+PROLOGO.
+
+
+Nem a vaidade de ser Author, nem a presumpção de exceder os Escriptores
+do meu tempo, nem o desvanecimento dos repetidos elogios, que muitas
+Pessoas me fazem, serião incentivos bastantes para eu escrever com tanta
+assiduidade, como escrevo. Não me ufanão semelhantes apavonações; porque
+o deixar-me possuir destes fôfos sentimentos seria em mim huma bem
+notada mania.
+
+Devem capacitar-se os meus amabilissimos Leitores que o meu genio, hum
+pouco propenso ás Bellas Letras, e mais que tudo, o muito, que prezo
+quanto he honesto, e civíl, he que me desafia a desembainhar a espada da
+Critica contra os vicios em todas as minhas Obras, acutilando estes, e
+poupando com tudo os seus adoradores.
+
+He por tanto que exponho ao Público esta Obra dos achaques chrónicos,
+com que o tempo tem contaminado os antigos, memoraveis, e bem acceitos
+costumes do nosso Portugal; que quanto mais se reprehendem os
+d'agora, tanto maiores elogios se fazem aos passados.
+
+Tem os vicios, e os abusos chegado ao maior auge na presente época em
+ambos os sexos. Não se lhes acha mediania; e neste labyrintho de cousas
+não fica ao homem, que bem pensa, mais que os dois refrigerios: ou de
+chorar, ou de rir dos destemperos deste Seculo nos excessos, que se
+observão no luxo, nas educações, e no viver de agora.
+
+Com effeito eu vejo os tempos bem desgraçados para composições de
+qualquer natureza. Nos principios do Seculo dezoito houve muito quem
+escrevesse, porque havia muito quem lêsse; depois ainda houve muito quem
+lêsse, e menos quem escrevesse; mas presentemente nem ha quem escreva,
+nem quem lêa; porque as minimas cousas, que apparecem, nem essas mesmas
+se gastão.
+
+Vamos porém sempre compondo alguma cousa para huma parte da mocidade bem
+morigerada, que ainda se encontra tanto nesta Cidade, como por essas
+Provincias; Rapazes applicados, de perfeita educação, e que faz gosto
+ouvillos na sociedade: com estes me entenderei; em quanto os outros
+entregues ás desenfreadas paixões, que os illudem, se fazem verdugos de
+si mesmos. Sobre estes he que recahe a critica desta pequena
+composição, que desenvolve os achaques de Portugal, causados pela
+epidemia dos vicios, e abusos de huma grande parte de gente.
+
+Leitor, perdôa aos defeitos da Obra; mas não perdôes aos teus, para não
+seres contado no catalogo dos viciosos: compra, e lê, que he o melhor
+modo de saberes quanto isto
+
+ Vale.
+
+
+
+
+PORTUGAL ENFERMO PELOS VICIOS, E ABUSOS.
+
+ _Os escritos que saê da mão fóra
+ Tantas Sentenças tem, tantos Ledores,
+ Assim Miranda o canta, assim o chora.
+ Sempre a verdade achou murmuradores;
+ A mentira que damna, e lisongea
+ Sempre (em pouco saber) grandes favores._
+
+ Bernard. Cart. XV.
+
+
+ Portugal, Portugal! Eu te lastimo!
+ E bem que velho sou inda me animo
+ A mostrar-te os defeitos, e os excessos
+ Dos costumes, que tens já tão avessos
+ Dos costumes, que tinhas algum dia,
+ Quando mais reflexão na gente havia.
+ Tu de estranhas Nações foste invejado;
+ Hoje faz compaixão teu pobre estado:
+ Cada vez te vão mais enfraquecendo,
+ Todo o brilho, que tinhas, vais perdendo:
+ Paraiso do Mundo te chamavão;
+ As mais Nações com tigo se animavão;
+ Ellas porém ficárão sans, e fortes;
+ E tu a todo o instante exposto aos córtes
+ Da usura, da ambição, da falsidade,
+ Do egoismo, da fuga, da impiedade:
+ Males, que aos que bem pensão causão tedio,
+ A que apenas descubro hum só remedio,
+ Que outro melhor não ha, a que se apelle,
+ E muita gente chora a falta d'Elle[1]....
+
+ Portugal, Portugal! Eu te lastimo!
+ E o pezar, que me causas, mal reprimo!
+ Estás presentemente na figura
+ Do enfermo, que não póde com a cura,
+ Por ter molestias taes tão complicadas,
+ Que parte das receitas são baldadas.
+
+ Vai aos banhos do mar a Dama bella,
+ Porque delles precisa, ou por cautela;
+ O Velho busca estuporado as Caldas,
+ E alli da mocidade purga as baldas,
+ Consegue movimento em braço, e perna,
+ E a perdida cabeça já governa;
+ Frouxo Taful, que tem debilidade,
+ Por excessos de toda a qualidade
+ Recorre ás infusões d'aquacia, e quina;
+ Mas tambem pouco e pouco se defina,
+ Se não acautelou mais a saude,
+ E não tem depois disto quem o ajude;
+ Todos a tempo buscão curativo,
+ Para vêr se em seu mal tem lenitivo:
+ E só tu, Portugal, chegaste a estado
+ De seres paralitico entrevado!
+ Todos de fóra vem sangue tirar-te;
+ Porisso nada póde aproveitar-te.
+ Os Estrangeiros, que a Lisboa chegão,
+ Te vem bichas deitar, e todas pegão,
+ Sempre em proveito seu com abundancia,
+ Té ficares de todo sem sustancia.
+ Medicina não sei, mas tenho lido
+ Dois Livros, que me tem muito instruido,
+ Hum da propria exp'riencia, outro do mundo,
+ E só nesta lição he que me fundo,
+ Para bem conhecer por estes meios
+ Tanto os achaques meus, como os alheios.
+ Ora antes que de todo a vida exhales,
+ Ouve parte da origem de teus males.
+
+ Eu vejo de alguns homens apartados
+ Os deveres mais puros, e sagrados;
+ Atropellada a honra, a probidade,
+ A razão, a decencia, a sãa verdade:
+ Isto por homens, que apparencias tem
+ De honrados, de Christãos, de homens de bem
+
+ Eu vejo o feroz crime a garra alçando,
+ Os trêfegos viventes subjugando,
+ Só a fim de os trazer ao seu partido,
+ Deixando o bom caracter corrompido.
+
+ Eu vejo huns indivíduos mui sagazes,
+ De transtornar os outros bem capazes;
+ Porque com o systema de egoistas
+ Ao que os outros possuem botão vistas.
+ Lanção-lhes rede, rede que não falha,
+ Peixe grosso, e miudo cahe na malha,
+ Dizendo-nos depois, como em resposta:
+ Eu por aqui me sirvo, ou dei á costa.
+ Que em limpo Portuguez, nada confuso,
+ He fugir, ou quebrar, como hoje he uso.
+ Eu sei que hum Guarda-Livros foi chamado,
+ Para as Contas fazer de hum Ex-quebrado;
+ E como aquella quebra era segunda,
+ Não podia acertar-lhe bem a funda.
+ Té que lhe perguntou com desengano:
+ Com quanto quer quebrar, Senhor Fulano?
+ Esta pergunta prova que ha bicheiro,
+ Que inda que quebre, fica sempre inteiro.
+
+ Eu vejo hoje os amigos desfrutantes,
+ Palradores de officio, e bem fallantes,
+ Muito promptos em toda a patuscada;
+ Porém, em se occupando, tudo he nada,
+ De função em função, em bons jantares,
+ Por não ficarem vagos os lugares;
+ Mas que, se alguem lhes pede algum soccorro,
+ Virárão logo a peça para fôrro,
+ Fugindo de valer por amizade
+ Aos que fôrão da sua sociedade:
+ Vileza sem igual, que achar não pensa
+ O que tem hum vexame, ou tem doença,
+ Que em banquetes largou bastante a pelle,
+ Para nutrir os que hoje fogem delle.
+
+ Vejo homens, que de seu muito tiverão,
+ Que de tudo o que tinhão, conta derão
+ No teimoso valete, sota, e az,
+ Nos trez dados, que o copo saltar faz,
+ No grande tratamento afidalgado,
+ Na sege, no jardim, luzido estado,
+ Banquetes, sociedades, mancebías,
+ E outras taes, e quejandas bizarrias:
+ Tudo feito sem calculo seguro,
+ Sem minima lembrança do futuro,
+ Para agora se vêrem sem ter nada
+ N'huma vida bem triste, e desgraçada.
+
+ Eu vejo outros mesquinhos, e forretas,
+ Que não passão de velhas meias pretas,
+ Sua casaca eterna, já virada
+ No anno, em que a náo Cabrea foi queimada;
+ Ferrolhando o dinheiro no bahú,
+ Para que não lho leve belzebu;
+ Contado, e recontado na alta noite,
+ Porque a pedir algum ninguem se affoite.
+ Tudo á porta fechada sós vivendo,
+ Vestindo muito mal, peior comendo;
+ E que vive assim bem hum destes pensa,
+ Ou seja na saude, ou na doença;
+ Té que toda a reserva finaliza
+ Nas garras de hum irmão lá de Galliza.
+ Eis aqui hum dinheiro que não gira,
+ E por isso a outra gente não respira,
+ Isto he que faz que toda a casa gema;
+ Pois outros ricos ha de igual systema.
+
+ Vejo huns homens, que são muito abastados,
+ E de semblantes sempre carregados;
+ Caras _de sum es fui_, mas _por causar_,
+ Hum bom modo a ninguem sabem mostrar:
+ Eu bem sei que quem tem muito dinheiro,
+ Grosseiro fica sempre, se he grosseiro;
+ Porque pejada burra de riqueza
+ Não emenda o que vem de natureza.
+ Eu chamo a huns homens taes _verbos de encher_,
+ Vivem só de ajuntar, e de comer,
+ De cabeça mais leve do que a escuma,
+ Gosto não sabem ter por cousa alguma;
+ Para valer aos mais nunca tem geito,
+ Para si são _Dativo de proveito_
+ Taes pinturas; a mal nunca se tomem
+ O que lêr, e apontar he que he máo homem.
+
+ Portugal, Portugal! eu te lastimo!
+ E teus flagellos na memoria imprimo!
+ Eu vejo homens solteiros, sem emprego,
+ Porém tendo de môças bom conchego;
+ Parece que por magica he que passão;
+ Pois sem que diligencia alguma fação
+ Por grangear a vida, a tudo acodem;
+ Não sei como nutrir os vicios podem!
+ Eu trabalho, e não vivo satisfeito;
+ E elles andão de corpo mui direito,
+ Mil aproxes fazendo á bolsa alheia,
+ Sem acharem tal vida indigna e feia.
+ Hum lhes diz: _Eu não posso; outro: não tenho:_
+ E a concluir d'aqui sómente venho
+ Que tem esta comedia por final
+ Cadêa, Portaria, ou Hospital.
+
+ Eu vejo outros sem rendas, nem officio,
+ Do Matrimonio entrar no sacrificio:
+ Marido pobretão, mulher sem nada;
+ Em crescendo dos filhos a manada,
+ O mesmo he que ter sella sem cavallo,
+ Casa sem tecto, e sino sem badalo.
+ Acabou-se huma cousa, faltão mil,
+ De dinheiro não ha nem hum ceitil:
+ Olha hum para o outro, as razões crescem;
+ Os filhos nús, de fome desfalecem;
+ Té que o Marido toma o desafôgo
+ De se ir metter na casa que dá jogo.
+ Alli se perde a noite quasi toda,
+ A vêr se de huma vez desanda a roda,
+ Com as iscas de emprestimos de Amigos,
+ Que só em casos taes servem de abrigos;
+ E a familia em cuidados, em tormento,
+ Que inda he peior que a falta de sustento.
+
+ Eu vejo, nestes tempos desditosos,
+ Povos empobrecidos, e chorosos;
+ Pois quando vém hum mal, outros se seguem,
+ Que os Mortaes atenúão, e perseguem.
+ Mas a pezar da falta de dinheiro,
+ Apparece nos bairros o gaiteiro,
+ As bandeiras nas cordas penduradas,
+ Por onde as festas são annunciadas,
+ Tudo feito com lustre, e com grandeza,
+ Foi Juiza a Senhora Dona Andreza.
+ Os festeiros não tem nada de seu;
+ Mas a festa da rua tudo deu.
+ Anda o velho engraçado co' os Leilões
+ Dos cargos, que custárão bons tostões.
+ Temos fogo de vistas, vistas raras,
+ N'hum beco, que de largo tem tres varas;
+ Que huma roda, que salta em Fogo ardendo,
+ Vem desordens fazer nos que estão vendo;
+ E póde muito bem a propriedade
+ Com fogo reduzir-se em ametade.
+ Estes p'rigos não são muito pequenos,
+ E já tem succedido mais, ou menos.
+ Nunca vi de dinheiro tanta fome,
+ Nem tantas festas de despeza, e nome.
+ Eu louvo, e não crimino a devoção;
+ Haja festa de Igreja, e bom Sermão;
+ Tenha a festividade do arrayal
+ Cousas, que fação bem, e nunca mal.
+ O dinheiro de máscaras, e fogo
+ Vá gastar-se com outro desafogo
+ Mais util, mais vistoso, mais louvavel
+ Em acudir a tanto miseravel.
+ Dem rações á pobreza dessa rua,
+ E a festa christãmente se conclua.
+ No lugar, em que o fogo armar se havia,
+ Haja comprida meza neste dia;
+ Hum, ou dois caldeirões de mantimento,
+ Que sirvão aos mendigos de sustento,
+ Ministrados por esses bons festeiros,
+ Que se fação da meza dispenseiros,
+ Sem tumulto, em socego, e com cuidado
+ No cégo, na criança, no aleijado.
+ Isto he que dá exemplo, he que edifica;
+ Deste modo a função completa fica;
+ E não com fogo, máscaras, e bulhas,
+ Tornando-se as esmolas em fagulhas.
+ Na terra, e Céo nada ha mais relevante,
+ Que acudirmos ao nosso semelhante.
+ Se não querem na rua estar com isto,
+ Fação o que eu a muitos tenho visto:
+ Vão ás Cadêas, que isto dá bom nome,
+ Repartão de comer por quem tem fome:
+ Arme-se em gravidade a Confraria,
+ Vá consummar esta obra santa, e pia;
+ Que disto inda se tira hum bom partido;
+ O mais tudo he trabalho desluzido,
+ Motivos de desordens, e de insultos,
+ Indecentes tornando aquelles cultos;
+ Porque destas funcções he raro o brinco,
+ Em que não saião prezos quatro, ou cinco.
+
+ He bem digno tambem de se notar
+ Andarem hoje os pobres a cantar,
+ De guitarra, ou viola má, ou boa
+ Por todas essas ruas de Lisboa.
+ Parece que festejão a pobreza,
+ Ou que ella, lhes não dá muita tristeza!
+ Eu bem sei o ditado, de quem canta,
+ Seus males mais, ou menos sempre espanta;
+ Mas co' a Musica, a fome não se cura;
+ E he só (bemdito Deos) de que ha fartura!
+
+ Portugal, Portugal, eu te lastimo!
+ E de sentir comtigo não me eximo!
+ Eu vejo velhos Pais cheios de vicios,
+ Pondo os filhos nos mesmos precipicios.
+ Co' os exemplos, que dão em casa, e fóra,
+ Sem pejo, sem cautela, e sem melhora.
+ Quando hum Pai deve ser (ou moço, ou velho),
+ Da familia de casa hum vivo espelho;
+ Mas se elle he o primeiro em se infamar,
+ Como póde a seus filhos doutrinar!
+ Filho houve já, que entrando no Oratorio
+ Aos Padres fez primeiro hum peditorio:
+ Que chamassem seu Pai, porque queria;
+ Beijar-lhe a mão por fim, pois que morria,
+ E que só acabava descançado
+ Se fosse por seu Pai abençoado.
+ Chegou o Pai gemendo, sem conforto,
+ Em lagrimas banhado, e quasi morto.
+ Então o filho, dando-lhe hum abraço,
+ Desconjuntou-lhe os ossos do espinhaço,
+ Dizendo-lhe: Receba o pago seu
+ Da creação perversa, que me deo;
+ Quando nos armazens se embebedava;
+ Se tres cópos bebia, tres me dava;
+ Humas vezes em paz, outras em guerra.
+ Fazendo bordos hiamos a terra.
+ Ás casas, em que jogo sempre havia;
+ Levava-me na sua companhia;
+ Eu pois n'hum vicio tal sempre embebido,
+ Me vi por muitas vezes bem perdido;
+ Jogava o que era meu, e mais o alheio,
+ Até que já sem brio, e sem receio,
+ Achando que de meu não tinha nada,
+ Voltei-me para ser ladrão de estrada.
+ Ficar deve em memoria esta lição,
+ Que o bem, e o mal provém da educação.
+ Banida deve ser da Sociedade
+ Perdida, e viciosa mocidade:
+ Bem como nas searas acontece,
+ Que toda a herva inutil, que alli cresce,
+ Pela raiz se corta, aos pés se deita,
+ Por não damnar o grão, que se aproveita.
+
+ Eu vejo a mocidade brava, e louca,
+ Vaporando fumaças pela boca,
+ Mostrando da doudice o sobrescrito
+ No queimado xaruto por palito.
+ Eu vi, não me contárão, isto he certo,
+ Ir á Loja da Neve muito esperto
+ Hum tafulão Gigante pela altura,
+ Mas bem proporcionado na figura,
+ Fumando com excesso de tal sorte,
+ Que lançava da boca hum fumo forte:
+ Pedio carapinhada, e foi fumando,
+ Alimpando o suor de quando em quando,
+ O fogo com a neve a hum tempo unindo,
+ Pelo mesmo canal tudo embutindo:
+ Sahia huma fumaça lá do centro,
+ Hia hum gole de neve para dentro.
+ Mas não posso acertar bem na razão
+ Do fogo, e neve ter combinação!
+ No que se alcança bem, sem muito estudo,
+ Que hum taful tem guelas para tudo.
+
+ Eu vejo rapazinhos enfeitados
+ Mui bem nascidos, muito mal creados,
+ Que ficão sem estudos, e sem bens,
+ Tafúes de quarteirão a dois vintens,
+ Com hum procedimento escandaloso,
+ Envolto no calote attencioso,
+ Que com boas palavras disfarçado,
+ Depois de conseguido, he declarado.
+ Não fallemos nas bellas qualidades
+ De tomarem bastantes amizades;
+ E nas casas de bem entrada tendo,
+ Pouco e pouco se vão desenvolvendo,
+ As innocentes filhas illudindo,
+ Requestando, escrevendo, persuadindo;
+ E ellas acreditando os rendimentos,
+ Nas vozes, que se dão de casamentos,
+ Com fantasticos teres, e promessas,
+ Té irem de candêas ás avessas;
+ Porque o pai presentio, a mãi espreita;
+ Leva o Senhor fulano huma desfeita.
+ E em este penetrando o contratempo,
+ Cuida logo em mudar-se antes de tempo;
+ E vai com esta mesma synfonia
+ Dar Trevas para outra freguezia.
+ Da má educação lhe provém tudo;
+ Pais, que deixão seus filhos sem estudo,
+ Ou não escolhem Mestres com recato,
+ Porque só querem ir ao mais barato!
+
+ Eu vejo huns fôfos Mestres de Collegios,
+ Inculcando sciencia, e privilegios,
+ Porém jogando a Ronda co' os Meninos
+ Nas horas vagas dos seus bons ensinos;
+ Que por estas razões bem se conhece
+ Que entre tanto Collegio, que apparece,
+ Não obstante haver Mestres a cardumes,
+ Vão de mal em peior nossos costumes.
+ Os rapazes mimosos de algum dia
+ Apreciavão Musica, e Poesia,
+ Séria Dança, discreta Sociedade,
+ Mostrando sempre certa gravidade.
+ Não digo que não ha inda hoje disto;
+ Mas destas prendas poucos tenho visto.
+ Hoje ha muitos tafues com outras prendas,
+ Morgados de Pantana, mas sem rendas.
+ Só presumpção de sabios tem comsigo,
+ E obrigallos a lêr he hum castigo,
+ Até parece já, por desvario,
+ Que a muita discrição lhes faz fastio:
+ Prezão mais hum cavallo, que ande bem,
+ Que o melhor Livro, que hum Livreiro tem;
+ E o que escapa de ter esta paixão,
+ Vai a ser hum acérrimo Glotão
+ Quer biffes a _lamoda_ de _planchetas_,
+ Cabeça de vitella, e costeletas,
+ A geléa da boa mão de vacca
+ Que isto he que fortalece a gente fraca:
+ Desmancha-se depois com misturadas,
+ Em merendas, e outras patuscadas;
+ Com ranchos de solteiras, e viuvas,
+ Manda vir aves, hervas, ovos, uvas,
+ Melancias, melões, maçãs, morangos,
+ Nisto largão a penna os novos frangos;
+ Donde a cólica vem, e a indigestão,
+ Que, de fraqueza, os põe á Santa Unção:
+ Julgão que tem estomago de ferro;
+ Mas tarde a conhecer vem o seu erro:
+ Depois de relaxados, sem vigor,
+ E alguns co' seu raminho de estupor,
+ Então com mais cautela se procura
+ Onde a pinga haverá, que seja pura;
+ Vinho de Lavradio, ou Carcavellos,
+ Bucellas, ou Chamusca, vinhos bellos;
+ Porque esta Livraria fortifica,
+ A quem de ameijoadas[2] entisica.
+ Entenda-me o Leitor, como quizer,
+ No resto que a saude faz perder:
+ E para o bom patusca[3] ter dinheiro,
+ Vê se póde encontrar farto banqueiro.
+ Assenta que he melhor, e lhe convém
+ Partidas de lucrar algum vintem;
+ Nascendo excessos taes, e tal doudice,
+ Da escacez do dinheiro, que já disse,
+ Huma escacez que faz damnos immensos,
+ Que os calotes, e crimes traz appensos.
+ Na gente má, ou boa, môça, e idosa,
+ A penuria geral se faz penosa:
+ Cada qual anda vendo o melhor meio
+ De achar á sua casa algum esteio;
+ E quando se vê muito desgraçado,
+ Lança-se aos vicios já desesperado;
+ Porque os tempos de muita Loteria,
+ Sortes, rifas, e jôgo em demasia,
+ São tempos de miseria, em cuja lida
+ Se perde pouco e pouco o amor á vida.
+
+ Eu vejo mil Bilhares por Lisboa,
+ Outros tantos Cafés com gente boa,
+ Rapazes gigantescos, e corados,
+ Sem ter algum defeito de aleijados;
+ Tem estes mocetões o mesmo gasto
+ Pelas casas das Sortes, Neve, e Pasto;
+ E as simples Legiões na sua alçada
+ Apenas achão gente estropeada.
+
+ Eu vejo alguns modernos falladores,
+ Que em todas as sciencias são Doutores;
+ Fallão de Leis, sem nellas se formarem,
+ E de guerra, sem nunca millitarem,
+ Mathematicos são por nigromancia,
+ Porque nelles não ha senão jactancia;
+ Com Filosofos querem ter parelha,
+ Mas com Filosofia só de orelha;
+ E com taes espertezas sem mais fundo,
+ Resolvem pela sonça meio mundo.
+ Se vão em Gabinetes discorrer,
+ Sabem tudo o que ha feito, e por fazer:
+ Nos governos dos Reinos dão pennada,
+ Mas andão sempre em vida desgraçada;
+ Não sabem governar a casa sua,
+ E vão governar Reinos pela rua,
+ Dando planos, fingindo descubertas,
+ Pondo discursos vãos em regras certas,
+ Mettendo de Latim palavras finas,
+ Que mais parecem Mouras, que Latinas;
+ Que a tanto os pantalões se deliberão,
+ Quando nem _Musa musae_ conhecêrão.
+ Mas se alguem, com razão, lhes vai ao fato,
+ Em nada se tornou tanto apparato.
+
+ Outros, vejo, que querem ser fidalgos,
+ Por irem atrás delles, como galgos;
+ E com justas, e herdadas Excellencias,
+ Querem estes tambem ter preferencias,
+ Enthusiasmados tanto na manía,
+ Que não passão sem huma Senhoria;
+ Por virem de Friellas, e Frieiras,
+ Seus Avos de Melgaços, e Melgeiras,
+ Que ainda destes fumos ha sinaes
+ Em huma sege velha sem varaes,
+ Que no canto da loja se conserva,
+ Com hum brazão pintado, de reserva.
+ Porém sempre he preciso ser mui tonto
+ Quem não vê que hoje ha nisto algum desconto;
+ Que altivos pensamentos, qualidades,
+ Alicerces de antigas fatuidades,
+ Hoje consistem só em ser herdeiro,
+ Ou a torto, e direito ter dinheiro.
+
+ Eu vejo papelões, que não passárão
+ Das linhas para lá, nem encararão
+ Sequer com o inimigo n'hum só ponto,
+ Mas em tudo o que fallão vem hum conto
+ Do muito, que soffrêrão pela guerra,
+ Nadando em rios, avançando terra
+ Com tal fome, que atrás de tres galinhas
+ Os Pyrenéos subírão de gatinhas:
+ Que depois lá n'hum choque, que tiverão,
+ A hum batalhão Francez a morte derão;
+ Que o do zabumba só livrou a pelle,
+ Porque escapou mettido dentro delle.
+ Destas, e outras basofias apparecem:
+ Quando sabemos de outros, que merecem
+ Hum eterno louvor, eterna fama,
+ A quem a Patria dignos filhos chama,
+ Portuguezes honrados, valorosos,
+ Do inimigo terror, varões briosos,
+ Que as cicatrizes mostrão pelo peito
+ Com que attestão melhor quanto tem feito.
+
+ Portugal, Portugal! eu te lastimo!
+ Com pena de te vêr, meus versos rimo!
+ Eu agora he que bem tenho alcançado
+ Quanto de tudo estás necessitado!
+ Pois perdeste a sciencia, engenho, e arte,
+ Que te deo sempre fama em toda a parte.
+ Hoje vejo o teu mal, que não melhora,
+ Se tudo o que precisas vem de fóra.
+ Tens nos Collegios Mestres Estrangeiros,
+ Tens de muitas Nações cem mezinheiros,
+ Que com pós, e com balsamos subidos
+ Vão as bocas limpando aos presumidos;
+ E ainda não se dando por contentes,
+ Té nos querem levar da boca os dentes;
+ Equilibrios, Balões, e Peloticas,
+ Urso, e Macacos com trezentas nicas,
+ Figurinhas gesso, outras de cera,
+ Nynfa, que n'harpa em dedilhar se esmera;
+ A Menina, que falla pendurada,
+ A boa Dançarina escripturada,
+ Que hum par de mil cruzados vem buscar;
+ E nós he que ficamos a dançar!
+ Outra, que tem a voz quasi divina,
+ Como já se chamou á Zamparina;
+ Outro, que engole espadas brancas, pretas,
+ Como nós engulimos estas petas;
+ E outras mil subtilezas deste lote;
+ Vistas de praça, ou sala, ou camarote,
+ Com armadilhas taes vem esta gente
+ Na vagante esperar a grossa enchente,
+ E carregando vão, como as formigas,
+ Quanto podem tirar destas fadigas!
+ Só Portuguezes nunca tenho visto,
+ Que vão aos outros Reinos fazer disto.
+ Estrangeiras Modistas se apresentão,
+ Com letreiro á janella do que inventão;
+ Que as Modistas de cá, bem que trabalhão,
+ Á vista das de fóra já não calhão.
+ A si se accolhe o pobre aventureiro;
+ Porque lhe basta o nome de Estrangeiro,
+ Para abrir loja, e ser afortunado.
+ Veio do seu paiz esporeado,
+ Chegou aqui, poz loja de vestidos;
+ E ficão os tafues mui bem sortidos.
+ Tem fato para magro, e para gordo,
+ Té desapparecer, pondo-se a bordo:
+ Caridade em tal gente sempre luz,
+ Pois vem a Portugal vestir os nús.
+ Mas dizem muitas lingoas mal dizentes
+ Que elles não vestem; vem despir as gentes.
+ Nada tem escapado, ou esquecido,
+ Para o metal, que tinhas, ser sumido.
+ Nós gememos em quanto os outros luzem;
+ Té barricas de pinos se introduzem;
+ Porque o pino de fóra, por mais duro,
+ Deixa o tacão mais forte, e mais seguro.
+ Se até vejo substancias combinadas,
+ Nos paizes estranhos preparadas,
+ Para pôr bom cherume nas panellas,
+ E fazer hum bom molho ás cabidellas:
+ E disto haverem lojas em Lisboa,
+ Que por caixeira tem Madama Grôa!
+ Eu inda espero vêr na Barra entrados
+ Navios com almoços já temp'rados;
+ Que ha de ser huma cousa bem acceita
+ Vir já prompto o Café, torrada feita!
+ Porém nós he que disto culpa temos,
+ Porque de nós apreço não fazemos.
+ Até he riso vêr, termos trocado
+ O traje, que entre nós foi sempre usado,
+ Pelos trajes de todas as Nações,
+ Que abandonão çapatos, e calções.
+ Nem a meia comprida já governa,
+ Anda dentro da bota nua a perna,
+ Como eu a boa gente tenho visto;
+ Os Mouros pouco mais fazem do que isto.
+ Vejo entrar em lugares mui sisudos
+ Velhos, e moços, quaes pintos calçudos,
+ Pantalonas; polainas de Galegos;
+ Só resta usarem calças, como os Gregos.
+ Confessemos que he este o nosso fraco;
+ Que arremedar he o uso do macaco.
+
+ Eu vejo pela classe dos Livreiros
+ Lucros tirarem só os Estranjeiros.
+ Que direi de Edições, que vem de fóra?
+ Façamos aqui pausa por agora.
+ Só sei que a mocidade, com deleite,
+ Bebe em taes livros venenoso leite;
+ E os Livreiros de cá postos ás moscas;
+ Que as obras Portuguezas são mui toscas;
+ O sainete não tem, nem a belleza,
+ Que mostra qualquer obra, se he Franceza.
+ Arte de cortar callos sem tisoura,
+ Modo de conservar a barba loura,
+ As Cartas de Madama Patulher,
+ A Novella da Meza sem Talher:
+ Instrucções, e Preceitos de Dentistas,
+ Invento de crear galos sem cristas.
+ O caso he ser Francez o tal livrinho,
+ Que he da meza d'agora o melhor vinho.
+ Livreiro Portuguez apenas vende
+ Cartas, por onde o A, B, C se aprende,
+ Bilhetes, com que Boas Festas damos,
+ Outros de Enterro, que he que mais gastamos,
+ Letras de Cambio, Pautas, Taboada,
+ Roteiros de Pilotos, e mais nada.
+ Parece que ninguem já hoje estima
+ Composições em Prosa, nem em Rima.
+ Acabou todo o gosto da Leitura,
+ Tudo vejo mudado de figura.
+ Nas obras, que se imprimem, (não se crê)
+ Ha tal, que assigna, accoita, e não as lê!
+ N'hum destes o trabalho se perdeo,
+ Que não póde achar gosto ao que não lêo.
+
+ Portugal, Portugal! tu tens comtigo
+ Immensa gente, de quem és abrigo,
+ Que devendo-te mil obrigações,
+ Mostrar-te sabem só ingratidões.
+ A primeira, que vejo praticar-se,
+ He nada, do que he teu, hoje estimar-se.
+ Fabricantes de cá morrem de fome;
+ A sedinha estrangeira he que tem nome.
+ Não valem nada Artistas Portuguezes;
+ Os de fóra são só as boas rezes.
+ As obras do Paiz não são perfeitas,
+ Não tem fama, ou valor, são mal acceitas;
+ Mas a quinquilheria de armação,
+ Se he de fóra, tem logo estimação,
+ E serve para o luxo, e para a moda,
+ Que Damas, e Tafúes tudo se engoda
+ Com estas bugiarias de tecidos
+ De pedraria falsa, ouros fingidos;
+ Té vemos entre tantas bagatellas
+ Os Mouros com caixotes de chinelas,
+ E tão bem feitas como os seus narizes,
+ Que bem mostrão ser obra de aprendizes.
+ Todos tem aqui seu manancial,
+ Até ficarmos todos sem real.
+ N'outro tempo hum Fidalgo desta Côrte,
+ Homem de bom pensar, e de bom porte,
+ Puxou por huma caixa rica, e boa,
+ Feita por certo Ourives de Lisboa.
+ Todos os circumstantes, que se achavão
+ Sentados ao jantar, vendo-a, pasmavão
+ Por tanta perfeição, lavor, e arte,
+ Que se lhe descobria em toda a parte.
+ Na mente de ser obra estrangeirada,
+ Foi por todos a caixa elogiada.
+ Logo o dono da casa mui gostoso,
+ Porque ficasse o Ourives mais famoso,
+ Conhecer mesmo alli a todos fez
+ Mão d'obra ser de Ourives Portuguez.
+ Apenas semelhante voz se larga,
+ Como quem prova cousa, que lhe amarga,
+ Hum notava d'alli certo defeito,
+ Outro lhe achava falta de preceito.
+ Então o bom Fidalgo decisivo
+ Os reprehendeo dizendo: Eis o motivo,
+ Porque a nossa Nação tanto padece,
+ E entre as outras Nações nunca florece;
+ Nós he que assim fazemos desgraçados
+ Homens, que devem ser eternizados;
+ E estes devem queixar-se com razão,
+ Vendo dos seus o premio, que lhes dão.
+
+ Portugal, Portugal! eu te lastimo!
+ Porque sou próle tua mais te estimo!
+ Pois não entro no rol das almas fracas,
+ Que a tudo, e a todos vírão as casacas!
+ Eu vejo formigueiros de usurarios,
+ Que vão muito subtís por modos varios
+ Movendo sagazmente a real mola,
+ Até tudo ficar pedindo esmola.
+ Some-se pouco a pouco o numerario,
+ Todos vão lendo o mesmo breviario;
+ Para a vida mui poucas cousas bastão,
+ As superfluas são as que mais gastão;
+ O luxo, os appetites, as vaidades,
+ A grande emulação das amizades:
+ Só porque usa Fulana, e traja assim,
+ Querêllas desbancar he logo o fim:
+ Isto em todas as cousas se está vendo,
+ Donde nasce o calote, e empenho horrendo;
+ Que inda vendo que os lucros não acodem,
+ Todos querem fazer mais do que podem:
+ Por isso hoje bons trastes são vendidos,
+ Que se herdárão de Avós mais comedidos;
+ Se estes das sepulturas resurgissem,
+ Talvez ficassem doudos do que vissem!
+ Destruindo-se assim, sem reflexão,
+ Cousas que tinhão tanta estimação;
+ Que antes do que as penhoras as escalem,
+ Vão pela terça parte do que valem;
+ E ainda compradoras custa a achar,
+ Porque todos estão a jejuar.
+ Grande cousa he viver hoje demente,
+ Para não dar valor ao que se sente!
+ Inquietações, costumes, tempo, e mundo,
+ Tudo atira c'os os homens para o fundo
+ Porque por mais que nadem na desgraça,
+ Velhice, Doença, e Morte, os ameaça:
+ No que passamos, temos o presagio
+ De ninguem escapar deste naufragio:
+ Porém no mar dos damnos a tormenta,
+ Nem o Ceo, nem a terra he que a fomenta:
+ Huns aos outros nós mesmos atormentamos,
+ Com coração de bronze, flagellamos:
+ Só o proprio interesse he que nos guia
+ E pene quem penar nesta ingrezia.
+ Assim dando se vai cabo de tudo,
+ Té acabarmos todos em agudo:
+ Todos vamos ficando como espetos,
+ Em tristes descarnados esqueletos,
+ Huns de calvas á mostra, outros tapadas,
+ Que a urgencia faz cabeças escalvadas;
+ Seguem-se os estupores, e malinas,
+ Paralysias, mortes repentinas.
+ Nunca vi tantos homens com achaques
+ Pelas repetições destes ataques.
+ Nestes tempos só vive satisfeito
+ O homem de baixa esfera, porque o peito
+ Não toma nem fortuna, nem desgraça;
+ Com o pouco, que tem, com isso passa;
+ Pois não pezão sobre elle obrigações
+ De familias com certas sujeições.
+ O homem de bens, de honrados sentimentos
+ Vive sem ter resurça hoje em tormentos;
+ Vive, mas hum viver apouquentado,
+ Com a fome, e miseria sempre ao lado.
+ Porque hum pai de familias com despeza,
+ Vendo os recursos todos em fraqueza,
+ Se nas faltas, que sente, mais discorre,
+ Chora, pasma, esmorece, abate, e morre.
+ Ora seja em desconto de peccados,
+ Irmos todos á cova entisicados!
+ Para não carregarmos aos irmãos,
+ Que andão tambem (coitados!) pouco sãos.
+
+ Eu vejo cambiar, vender dinheiro,
+ Que põe quem compra, e vende de poleiro;
+ E os pobres opprimidos, arrastados,
+ Que estes são quasi sempre os cambiados.
+ E pegou em Lisboa o novo officio,
+ Com a capa de ser hum beneficio:
+ Tudo especulações destes Senhores
+ Compassivos, civís rebatedores,
+ Que pudérão achar seguro meio
+ De mostrar não querer suor alheio;
+ Porque _in verbo_ papel a conta he justa,
+ Pois o vendem por menos que lhes custa;
+ E mostra na consciencia ser exacto
+ Quem compra caro, e vende mais barato.
+ Disto nossos Avós nunca tiverão;
+ Forão-se, não sabendo o que perdêrão.
+ Parece que por manha, ou por estudo,
+ Se esconde o ouro, e prata, cobre, e tudo,
+ A fim de com tal fome, e taes empates,
+ Não se acabar a praga dos rebates.
+ Lembro-me que na minha mocidade
+ Tinha o dinheiro a mesma validade;
+ Hoje o Papel Moeda dominante
+ Sempre o recebo em quarto minguante;
+ Pois se em metal o quero vêr tornado,
+ Logo he por _manos limpias_ maquiado.
+ Porém do mal o menos, feliz eu,
+ Se alcançasse em Papel tudo o que he meu.
+ Se o dinheiro se vende assim patente,
+ Tambem se vende gente á mesma gente.
+ O Commercio afrouxou, todos se chorão,
+ Vendo que de fortuna não melhorão.
+ Tem atacado a Praça em viva guerra
+ Tantos Piratas, que ha por mar, e terra.
+ São entre nós fazendas genuinas.
+ Chinelas, suspensorios, lamparinas,
+ Papeis de castiçaes, graixa a tostão,
+ Caixas de obrêas, bolas de carvão.
+ As escôvas, que dão lustros mimosos,
+ Porque inda não estamos bem lustrosos.
+ Só nisto he que se faz algum negocio,
+ Tudo o mais pede chuva posto em ocio.
+
+ Eu vejo homens hypócritas tratando
+ Negocios de ir os outros depennando
+ Com fallas divinas, astutas manhas,
+ Com Deos na boca, e o demo nas entranhas.
+ Não querem encarregos para a morte,
+ Por isso se regulão desta sorte.
+ He desta gente o calculo seguinte;
+ Tudo que vale cem, comprar por vinte.
+ Alminhas boas, que andão entre nós!
+ Que do dinheiro são sempre hum cadoz.
+ Eu rio quando vejo estes beatos,
+ Sanguisugas, e esponjas de contratos;
+ De olhos meios fechados a fallarem,
+ Até os seus int'resses ultimarem;
+ Mas depois dos ajustes serem feitos,
+ Abrem os olhos tortos, ou direitos,
+ Ora pondo-os no chão, ora no Céo,
+ Que este he da hypocrisia o grande véo:
+ Té que lhe chega ás vezes neste estudo
+ Revéz, em que o diabo leva tudo.
+
+ Portugal, Portugal! eu te lastimo!
+ E quando te analyso, desanimo!
+ Destes estratagemas, e usos novos
+ Provém os muitos damnos dos teus Povos,
+ Eu vejo certos homens presumidos,
+ E nos cargos, que tem, tão embebidos,
+ Que por viverem fartos sem desgraça,
+ Assentão que são feitos de outra massa,
+ E mostrão se a fallar todos inchados,
+ Que parecem perús enchouriçados,
+ As palavras soltando, como Oraculo,
+ Decidindo por si em todo o obstaculo:
+ Tratando os que lhes são inferiores,
+ Com soberba, impostura, e dissabores,
+ Sem verem que huma falla mais ardente
+ Dobra o flagello ao triste dependente;
+ Que tem de hum bom Despacho a qualidade
+ A resposta civil de humanidade.
+
+ Eu vejo homens de grandes ordenados,
+ Que fazem os dos outros ser quartados;
+ Os que elles tem, sempre achão ser pequenos,
+ Mas querem que o dos outros fique em menos;
+ Que o triste pão, que o empregado come,
+ He que augmenta a despesa, e que faz nome;
+ Mas o que elles desfrutão inda occulto
+ He huma bagatella, não faz vulto.
+ Não maculo ninguem, porém ha disto,
+ Como eu por muitas vezes tenho visto.
+ Isto com alvo certo não se entende;
+ Quem tiver este vicio, que se emende,
+ E singular fazer-se não intente
+ Á custa do flagello da outra gente.
+
+ Eu vejo té nas mesmas Irmandades
+ Disputarem-se em meza qualidades;
+ E nos públicos actos distincções,
+ Como se a Deos servissem gerações;
+ Quando a Igreja é a Mãi do rico, e pobre,
+ Do velho, e moço, do plebéo, e nobre.
+ Porém assombrar isto me não deve;
+ Se ha Juiz de irmandade, que se atreve
+ A separar na Igreja o challe, e a manta
+ Da capa e lenço; isto mais espanta.
+
+ Eu vejo gente mui temente a Deos,
+ Que até quer penetrar segredos seus.
+ Prognosticando está tremor de terra,...[4]
+ Bem como se o tremor fosse huma guerra,
+ Que os homens entre si movem, se querem,
+ Só pelos seus caprichos defenderem.
+ Se o Repertorio désse hum tremor certo,
+ Tinhamos hum Profeta descuberto;
+ Que os fundos mineraes em quem bem pensa,
+ Pódem casar co' os astros sem dispensa;
+ Nem Deos castigo algum ao mundo envia
+ Por calculos geraes d'Astrologia.
+ Mas he para pasmar vêr que houve gente
+ Tão crédula, tão frouxa, tão demente,
+ Que para o campo grande se ausentava
+ Com susto do tremor, que se esperava!
+ Como se taes estragos, e ruinas
+ Houvessem de ter vesp'ras, e matinas.
+ Com effeito o tremor foi grande assumpto
+ Para gente, que espera inda hum defunto.
+ Em fim houve no campo nova feira,
+ Onde a gente passou a noite inteira
+ Em huma companhia historiada.
+ A noite das fogueiras em Almada
+ Não se passa com mais satisfação!
+ Foi huma noite mais de São João!
+ Com medo do tremor, que não havia,
+ Na vespera fugião já de dia
+ Para o campo lindissimas mochachas
+ Com os seus taboleiros de bolachas.
+ Homens de quartas de agoa se ajuntárão,
+ Que apezar do seu medo, inda lucrárão.
+ De guitarras sómente havia falta,
+ Que he com que nas Gavotas mais se salta.
+ Não se fazia Terço, ou Oração,
+ Porque o susto pôz tudo em confusão.
+ Se viesse instrumento, tarde, ou cedo,
+ Perdião as meninas mais o medo.
+ De acabar com os homens já são horas;
+ Vamos ajustar contas ás Senhoras.
+
+ Eu vejo o luxo as bolsas devorando,
+ E as Fabricas estranhas sustentando,
+ Pondo a nossa Nação empobrecida
+ Co' appetite das modas illudida.
+ Cada mez huma cousa de outro gosto,
+ Que a maridos, e pais lhes dá de rosto.
+ E as tafulas cahindo a todo o risco,
+ Bem como o passarinho cahe no visco:
+ Vestidos de magnifico valor,
+ Chailes, e mantas de mimosa côr.
+ Muitas diversidades de filós,
+ E outras taes tentações: pobres de nós!
+ Eu vejo muita cousa vir de França,
+ Enfeites, que de os vêr a vista cança;
+ Té cabelleiras vem para Senhoras,
+ A quem as calvas são mui devedoras,
+ Feitas de coifa elastica, e mui preta,
+ Com hum monête, em ar de maçaneta:
+ Porém estes modernos penteados.
+ De cabellos puxados, repuxados,
+ As cabeças vão pondo em tal figura,
+ Que fazem seja calva a formosura.
+ De França nos vem outra corriola,
+ De que usão as Senhoras como estola:
+ He numa tira elastica de rufos,
+ De espaço a espaço tem tambem seus tufos,
+ E chamão-lhes da moda as inventoras
+ Os modernos caprichos das Senhoras:
+ Custão a tres mil réis, outros a mais;
+ E assim com estas cousas, e outras tais,
+ Vem o sagaz, e o lepido estrangeiro,
+ A trocar aqui trapos, por dinheiro.
+ Resta virem de França bem bordados,
+ Elasticos cueiros perfumados,
+ Que ha de ser hum aceio bem acceito
+ Para tanta criança que ha de peito.
+ A filha da arrastada vendedeira
+ Quer trajar á fidalga, e ser primeira.
+ Leiteiras, e outras taes eu tenho visto,
+ Que de todas as modas são hum misto;
+ Atrás de hum burro de ceirão cançadas,
+ De rufos, e de folhos enfeitadas,
+ Que vão com estas vãs tafularias
+ Vendendo leite, nabos, melancias;
+ Mas no que esta gentalha tem errado
+ He não conhecer bem o seu estado;
+ Querendo co'a mais louca presumpção
+ Huns, e outros mostrar o que não são:
+ Procedendo huma tal desigualdade
+ Da falta de juizo, e honestidade.
+ E porque não ha nisto meio termo,
+ Te vejo, Portugal, bastante enfermo!
+ Da fórma que isto indico, não insulto;
+ Mas póde percebello o mais estulto.
+
+ As nossas circumstancias, nosso estado
+ Pedem hum viver hoje acautelado.
+ Os tempos para o rico, e para o pobre
+ Já são de pouca prata, e muito cobre.
+ Ninguem póde fazer hoje thesouro,
+ He hum milagre o vêr quartinho em ouro:
+ Muito faz quem com boa economia
+ Se sustentar hum dia, e outra dia;
+ Que se entrudos fizer amiudados,
+ Ha de ter muitos dias de finados.
+ Luxo na mêza, luxo no vestido,
+ Pelas funções hum luxo desmedido,
+ No fim se lhe acha o erro que desgosta;
+ Por isso tantas náos tem dado á costa!
+
+ Eu vejo reviver nos nossos dias
+ Das velhas as ridiculas manias
+ De verem cousas más, pregando peças,
+ A pedir Missas, a ultimar Promessas,
+ Deixando-as as visões, que lhes fallárão,
+ Tão doentes do susto, que mamárão,
+ Que se queixão de dores nas barrigas,
+ Talvez por hemorroides, ou lombrigas.
+ Huma diz que observou, outra que vio,
+ Outra que até na cama lhe bolio.
+ Ha pouco em certa casa huma donzella
+ Levantou por medrosa huma balella,
+ Porque sentio á roda do seu leito
+ Andar hum ermitão muito direito.
+ Logo huma desdentada velha tia
+ Respondeo, que de noite ella sentia
+ Jogar-se pela salla muito a bola,
+ E outras vezes tambem tocar viola:
+ Que guardava comsigo este segredo,
+ Porque a familia não tomasse medo.
+ Acudio a criada delampeira,
+ Levantando na casa igual poeira,
+ Dizendo que ella vio na chaminé
+ Hum pretinho pequeno posto em pé:
+ Que vira fora de horas na cosinha
+ A cantar, como gallo, huma gallinha,
+ E que lhe forão pôr o seu capote,
+ E côco de esfregar dentro do pote.
+ Mas tudo isto fazia hum tal criado,
+ Que andava da criada namorado;
+ Porque o dono da casa com disfarce,
+ Macaco velho, por desenganar-se,
+ Foi-se na carvoeira introduzir
+ De noite, sem ninguem o presumir;
+ E vendo na alta noite bem a fundo
+ Duas almas, que inda erão deste mundo,
+ Que era o moço co' a moça conversando,
+ Ao encontro sahio, mas perguntando:
+ Que querião d'alli, ou a que vinhão?
+ Ou se restituições algumas tinhão?
+ Que trazia hum arrocho exp'rimentado,
+ Para lhes acabar aquelle fado.
+ E depois de molhar a sua sopa,
+ Impoz pela manhã, com vento em pôpa,
+ As duas cousas más, e nesse dia
+ Á familia pagou igual quantia.
+
+ Tambem em Campolide hoje acontece
+ Hum caso, que aos das velhas se parece.
+ Pois houve hum pobre alarve, que morrêo,
+ E a seu filho em fantasma appareceo,
+ Determinando a venda de huma vacca,
+ Para pagar o panno da borjaca,
+ Que escava ao mercador inda devendo,
+ Por cuja causa andava padecendo.
+ O filho foi fallar-lhe, por esperto,
+ Porém veio de lá de horror cuberto;
+ Cahio na cama trémulo, e doente,
+ Que inda concorre a ir vêllo muita gente.
+
+ As cousas más serão cousa mui boa,
+ Huma vez que appareção por Lisboa;
+ Porque havendo nas casas esta fama,
+ Foi-se dos Senhorios a derrama,
+ Que vão a excesso tal subindo a renda,
+ Que não ha já com casas quem se entenda;
+ E se o inquilino pede huma equidade,
+ Tirão-lhe seis tostões por caridade.
+ Porém motins de noite nos sobrados,
+ Fantasmas de lençoes pelos telhados,
+ Deitada a fama destas pataratas,
+ Só assim se acharão casas baratas.
+
+ Eu vejo das Tafulas a mania
+ No luxo, com tão grande bizarria,
+ Que parece, que perdem da lembrança
+ Da vida á morte a funebre mudança;
+ Engolfadas na moda dos vestidos,
+ Nas guarnições, nos fôlhos, e franzidos,
+ Não lhes vem hum instante ao pensamento
+ Da guerra, fome, e peste o abatimento.
+ Quem vê, que pelo mundo ha destes p'rigos,
+ Deve temellos mais, como castigos
+ Das vaidades, caprichos, soberbias,
+ Desmazelos, excessos, fantasias;
+ E pôr a tanto luxo hum meio termo,
+ Que serve de enfeitar hum corpo enfermo.
+ O tempo em consumir-nos he veloz,
+ Não respeita Toukins, Rendas, Filós;
+ He preciso pensar, com seriedade,
+ N'um tempo de huma tal calamidade!
+ Reformando-se vidas, e costumes,
+ Que este tempo não he de antigos Numes,
+ Huns fabulosos Deoses, que illudião
+ Os povos, que a seu gosto he que os fazião.
+ Vigia sobre nós a MÃO ETERNA,
+ Que nos castiga, ampara, e nos governa;
+ Escandaliza aos olhos da razão,
+ Tanta desenvoltura, e perdição.
+
+ Tocando nas que são de baixa esfera,
+ Esta gente tambem não se modera;
+ Raparigas de brutos o retrato,
+ Nutridas só, de vicios, sem recato,
+ Criadas sem algum regulamento,
+ Nem querem trabalhar para o sustento;
+ Não buscão de servir decentes meios,
+ Não querem aturar genios alheios;
+ Quando muitas, que em casas tem servido.
+ Fortunas tem achado, e bom marido;
+ Mas querem exceder os seus limites,
+ Sustentar luzimentos, e appetites,
+ Nos péssimos int'resses embebidas,
+ Se fazem desgraçadas, e perdidas,
+ Máos exemplos de Mãis, Pais inhumanos,
+ He que põem estas tristes em taes damnos;
+ A Mãi, que a filha achar por manha tonta,
+ Huma tunda lhe dê, por minha conta.
+
+ Vejo muitas Senhoras pela rua,
+ Como se andassem pela casa sua,
+ De sáia, e de jaleco sem mais nada,
+ A cabeça composta de palhada,
+ Na mão o indispensavel, n'outra o leque,
+ Andando como doudas, téque téque:
+ E isto sempre com tal desembaraço,
+ Que hum passo não alcança o outro passo.
+ Sem chaile, manta, capa, nem capote,
+ Tendo a desenvoltura por hum dote:
+ Perdida assim aquella gravidade
+ Das sérias Portuguezas d'outra idade.
+ Não digo, nem direi que he uso em todas
+ Os excessos ridiculos das modas,
+ Inda ha muitas familias commedidas,
+ Honestas, sérias, graves, bem regidas.
+ Fallo da que na rua encontro só,
+ Sem Mãi, tia, cunhada, nem avó:
+ Bem como a expatriada taverneira,
+ Que partio do seu reino aventureira,
+ Para pôr em Lisboa em qualquer parte
+ Tasca com hum fogão, e hum estandarte;
+ E que sem mais decencia, nem reparo,
+ Vai ás praças comprar o seu preparo,
+ Com vestido de chita, nús os braços,
+ Touca de folhos liza, ou com seus laços.
+ Por isto os homens todos mais se atrevem,
+ Quando fallando estão, ou quando escrevem
+ Contra hum sexo, que sempre foi perfeito,
+ Mas que em parte vai tendo algum defeito
+ Nos trajes, que adoptou á estrangeira,
+ Com a capa de ser tudo á ligeira.
+
+ Ah mantos, mantos! tempo abençoado,
+ Em que tudo se via respeitado!
+ Inda que ouço dizer a alguns espertos,
+ Que os olhos estão hoje muito abertos.
+ Tomára perguntar-lhes: Que tivemos
+ Desta grande esperteza, que hoje vemos?
+ Andarem raparigas pelas praças
+ De noite, e dia expostas a desgraças?
+ Mãis, e filhas chegando a tal estado,
+ Que não temem do mundo o máo olhado?
+ Agourar os cometas, que apparecem?
+ Vêr Balões, que no ar desapparecem?
+ Não dar credito a nada, que se lê;
+ Porém dos Repertorios fazer fé?
+ Viver de muitas tramas, e illusões?
+ Usar-se pantalonas por calções?
+ O cabello sem pós, chapéo redondo?
+ Fallar, sem fundamento, com estrondo
+ Nos Barcos de vapôr, e seu destino?
+ No rapé ordinario, grosso, e fino?
+ Não me devo metter n'outras materias;
+ A decencia me pede lhes dê ferias.
+ E viviamos nós tão atrazados?
+ Traziamos os olhos bem fechados!
+ Porém não sei de que he que quando havião
+ Esses olhos, que d'antes não se abrião,
+ Havia a boa fé, humanidade,
+ Consciencia, moral, honestidade,
+ Nos Officios Divinos devoção,
+ Sério, respeito, boa educação:
+ Disto nascião genios de ternura,
+ Juizo, compaixão, amor, candura;
+ Hoje notão-se, como raridades
+ Encontrarem-se destas qualidades.
+ Por todo o mundo espiritos inquietos
+ Andão-se levantando como insectos,
+ Não abração a paz, nem o socego,
+ O de olhos mais abertos anda cego,
+ Sendo desta mania o fim primeiro
+ O saciar de sangue, e de dinheiro.
+
+ Portugal, Portugal! eu te lastimo,
+ Porque he tudo verdade quanto exprimo!
+ Eu vejo homens casados namorando,
+ Que se vão por solteiros inculcando;
+ Ás mulheres dos mais arrastão aza,
+ E ardem se o mesmo mal lhes vai por casa,
+ Sem se lembrarem que estas influencias
+ Trazem comsigo tristes consequencias,
+ E que fazer aos mais nunca devemos
+ O que para nós outros não queremos.
+
+ Eu vejo huma menina das d'agora,
+ Que por casar não quer estar hum' hora,
+ E que inda que naufrague, e vá ao fundo
+ Parece-lhe fugir-lhe já o mundo;
+ Que até já de doze annos vejo muitas
+ Fazendo aos chichisbéos certas perguntas,
+ Dirigidas sómente a casamento,
+ Que ás vezes se converte n'hum tormento;
+ Quando algum dia poucas se casavão,
+ Em quanto os dezenove não contavão.
+ Mas que ha de ser, se a mãi de pequeninas
+ Quer que pisquem os olhos as meninas!
+ E fica por gracinha da criança
+ O saber namorar muito em lembrança.
+ Com esta educação se desenvolvem,
+ Té que de graça a sério se resolvem,
+ E sem que esperem ser fruta do tarde,
+ Vão sujeitar-se ao jugo (Deos as guarde.)
+
+ Eu vejo certos genios de Senhoras,
+ Que variando estão todas as horas,
+ Muito doudas no modo de pensar,
+ Por isso bem não podem acertar.
+ Se adormecem mui fixas n'hum intento,
+ Acordão já com outro pensamento:
+ Fazem desta inconstancia mesmo alarde,
+ O que são de manhã, não são de tarde.
+ Em muitas se descobre este defeito,
+ O qual tomão os homens muito a peito;
+ Porque não sabem, vendo esta incerteza,
+ Quando a mulher he falsa, ou tem firmeza,
+ Quando zomba, entretem, ou falla serio,
+ Ou se anda louca, de juizo aério.
+
+ Vejo algumas de genio impertinente,
+ Que postas a fallar matarão gente
+ Com gritos, que se mettem nos ouvidos,
+ Que muitas ensurdecem os maridos.
+ Surdos devião elles todos ser,
+ Para o luxo das filhas, e mulher,
+ Prendas, e dotes n'huma Dama boa
+ No luxo não estão, sim na pessoa.
+ Nossas avós, que em moças se casárão,
+ De luxo com excesso não usárão;
+ E se alguma comsigo mais gastava,
+ Lindas sedas do Reino he que comprava:
+ Das quaes, inda depois de ser usadas,
+ Se fazião cubertas aceadas;
+ E não podre filó com bordadura,
+ Que tres, quatro lavagens só atura,
+ Comprado por hum mimo rico e guapo,
+ Que no fim de seis mezes he hum trapo;
+ E o dinheiro a cahir pela invenção,
+ Apezar da barriga não ter pão.
+ Luxo no frontespicio he que apparece,
+ Em tudo o mais pobreza se conhece.
+
+ Tambem do compromisso he a partida:
+ E porque a gente seja bem servida,
+ Vêm o opio do chá tambem por luxo,
+ Ou agoa quente de enxagoar o buxo;
+ Que não passando de agoa, e de fatia,
+ Leva hum par de tostões: quem tal diria!
+ E para que se bote a conta a tudo,
+ Vamos vêr o que leva por miudo.
+ Aparelho aceado, igual bandeja,
+ Porque o brio da casa alli se veja:
+ Perola, Aljôfar, ou Hisson, e Uxim;
+ Carvão, manteiga, e assucar não ruim;
+ Criadas de trazer, e de levar;
+ Agoa a ferver até isto acabar.
+ Anda a Dona da casa sem descanço
+ Dando por toda a copa o seu balanço;
+ Se de humas cousas tem, ha de outras falta;
+ No aparelho o gatinho ás vezes salta;
+ O estrondo, que elle faz, ouve-se fora,
+ Parte á cozinha em sustos a Senhora:
+ Vê seis, ou sete chavanas quebradas,
+ E por desgraça são das emprestadas.
+ Dá co'hum páo na criada, e mais no gato;
+ Põe-se a moça a chorar, juntando o fato.
+ Este o risco, este o trem, he esta a lida,
+ Para pão com manteiga, agoa fervida!
+ Ah tempos, tempos! Como estaes mudados!
+ Onde estão as merendas dos estrados?
+ Onde a crespa salada, e a ella junto
+ O saboroso paio, o bom presunto?
+ Perdeste, Portugal, costumes taes,
+ E com elles perdeste os cabedaes!
+ Querendo só com chá em abundancia,
+ Que he tudo fórma, e nada de substancia,
+ Crear todo o vigor, de que careces
+ Nestas enfermidades, que padeces.
+
+ Vejo tambem Senhoras mui teimosas,
+ E nas teimas, que tem, tão caprichosas,
+ Que por levarem só a sua avante,
+ Levantão testemunhos n'hum instante.
+ Accelerão-se, gritão, e esbravejão,
+ Só porque accreditadas melhor sejão.
+ Se alguem as desmentio, temos historia,
+ He offensa, que fica de memoria;
+ Porque quem commetter tal attentado,
+ Conte ficar por ellas mal olhado;
+ Que huma mulher tem tanto de extremosa,
+ Compassiva, amoravel, carinhosa,
+ Como tem de raivosa, e vingativa,
+ Delirante, indomavel, cega, e altiva,
+ Se offendida se vê, ou tem ciume,
+ Parece que dos olhos lhe sahe lume,
+ E n'hum tal frenesi a pobre cai,
+ Que d'alli a morrer mui pouco vai.
+ Tambem as modas lhes vão dando a morte;
+ Pois vejo-as em Janeiro áspero, e forte,
+ De panninho, e de chitas armadinhas,
+ De caças, de filós, ou de sedinhas:
+ De dia em dia passão constipadas,
+ Por isso vemos tantas descoradas,
+ Com dôr de peito, com tossinha secca,
+ Com pertinazes dores de enxaqueca.
+ O homem no anno tem quatro estações;
+ As Senhoras não tem senão verões.
+ Elles abafão-se, ellas põem-se á fresca;
+ Que he quando o reumatismo mais se pesca.
+ Algum dia o baetão, panno, ou veludo
+ Da Senhora era o trajo mais sisudo,
+ Com que de inverno andava reparada
+ Dos grandes frios, e áspera geada;
+ E inda, além de ser isto uso decente,
+ Raras vezes se via huma doente,
+ Hoje agoas ferreas, ares de Bemfica,
+ Banhos de mar, remedios de botica,
+ Vão as Senhoras pondo em tal frescura,
+ Que vão fartas de fresco á sepultura.
+
+ Ora pois, Portugal, eu te lastimo!
+ E só para teu bem he que te intimo,
+ Visto haver já mui pouco quem te entenda,
+ Que tenhas nos abusos mais emenda.
+ Quem a qualquer faisca acode logo,
+ Não vê arder em casa hum grande fogo.
+ Talvez por eu dizer isto, que sinto,
+ Apezar de saber-se que não minto,
+ Muita gente dirá que cuide em mim:
+ Que deixe Portugal, e o Mundo assim;
+ Que por mais que me empenhe na reforma,
+ O Mundo não se afasta desta norma.
+ Eu isso lhe concedo, não lho nego;
+ Porém se em verso, e prosa assim lhe prégo,
+ He para no sermão fazer-lhe certo
+ Que o sei conhecer bem, e bem de perto.
+
+ E tu, ó Portugal, se inda te illudes,
+ Os vicios confundindo co'as virtudes,
+ Enlevado na moda, e nos abusos,
+ Esquecido dos teus antigos usos,
+ Filosofias novas não abraces,
+ Com estes modernismos não te enlaces;
+ Modifica os costumes, que te arrastão,
+ Que inda o pouco, que tens, isso te gastão:
+ Faze que resuscite de huma vez
+ O honrado, e bom caracter Portuguez:
+ Faze que as Bellas Letras possão inda
+ Mostrar aos nacionaes a face linda,
+ Que raiando de novo, como a Aurora,
+ Dêm aos genios enfermos a melhora.
+ E talvez possa então a mocidade
+ Criar-lhes mais amor, mais amizade;
+ Que n'hum espasmo tal, nesta inação
+ De tão perniciosa educação,
+ A tudo, quanto he bom, se perde o gosto,
+ Nem de hum livro se lê sequer o rosto.
+
+ A mesma encantadora alta Poesia
+ Appreço já não tem, como algum dia:
+ Então era por todos estimada;
+ Hoje está, como tudo, desgraçada.
+ Feliz tempo de antigos Portuguezes!
+ Camões, Sá de Miranda, Sá Menezes;
+ Hum Castilho, huns Andrades, hum Ferreira,
+ Castro, Teive, Bernardes, e Silveira;
+ George de Monte-Mór, Franco Barreto,
+ Do almo Virgilio Traductor completo;
+ Candido Lisitano Mestre da Arte,
+ Hum Bacellar, que em meu louvor tem parte;
+ Hum Matos Traductor do grande Tasso,
+ Educado das Musas no regaço;
+ Homens de gosto, de arte, e natureza,
+ Honra da Lingoagem Portugueza!
+ Nos escriptos de então se descobria
+ A sentença, a doçura co' a harmonia.
+ Mais proximos a nós muitos respeitão
+ Outros mil, cujas obras nos deleitão:
+ Hum Tarouca, hum Penalva, hum Ericeira,
+ De quem a alada Fama he pregoeira;
+ Hum Gregorio de Matos bem sabido,
+ Hum Alexandre, hum Pinto Renascido,
+ Frei Simão, nos seus versos implicado
+ Com este Renascido mal fadado;
+ Hum Lobo Leiriense, Cunha, e Pina,
+ Hum Padre Bras, que em graça não declina;
+ Hum Duarte Ferrão muito erudito,
+ Que produzio o Metrico Palito;
+ (Se delle o proprio nome este não he,
+ Conheça-se em Reitor da Nazaré;)
+ Hum Brito de Vianna, hum Meliseu,
+ Pimenta jovial no que escreveu;
+ Hum Vilella, hum Basilio, hum Paradiz,
+ Hum Gonzaga, hum Garção, douto Diniz;
+ Claudio, Quita, Alvarenga, Hum Amaral,
+ Hum Bandeira bastante social;
+ O Sabio, e inimitavel Tolentino,
+ Que aprendeo a viver no seu ensino;
+ Bocage, Pimentel, Curvo Semmedo,
+ O actual Orador Padre Macedo;
+ Hum Padre Nascimento, hum Quintanilha,
+ Com quem Apollo fez igual partilha;
+ Dias em Bellas Letras eminente,
+ Figueiredo no Cómico eloquente;
+ Hum Torres, hum Massuellos, Lara, Azedo,
+ Moraes, e outro estimavel Figueiredo:
+ Cujos Nomes a Febo enchem de gloria,
+ A Fama os leva ao Templo da Memoria.
+
+ Matos, que desde a idade juvenil
+ Se casou com a Musa Pastoril:
+ Tudo quanto escreveo hoje se preza;
+ Por mostrar huma rara natureza.
+ Dois Ribeiros, Brandão, hum vago Lobo,
+ Que de critico a fama lhe não roubo;
+ O celebrado Abbade de Jacente,
+ Hum Theodoro com elle contendente;
+ Hum Caldas Brazileiro, no improviso
+ Engraçado, modesto, e com juizo:
+ Sempre em qualquer assumpto discorria,
+ Deixando, satisfeita a companhia:
+ Se delle algum rival ha por desgraça,
+ Aponte-me segundo, que isto faça!
+
+ Dois Barunchos, Otone, e mais Coutinho,
+ Que acertárão das Musas no caminho;
+ Hum Medina, hum Novaes, Maya, e Delgado;
+ Hum Bersane no Lirico affamado,
+ Severino, e Soares Portuense,
+ Hum Maximo, que o iguala, se o não vence;
+ Hum engenhoso Barros, que em viveza
+ Prodigio mostra ser da natureza;
+ Hum Cabral Transmontano ás Musas dado,
+ Nobrega, que viveo tão desgraçado;
+ Hum Guerreiro, e Belmiro, que honra o Douro:
+ Todos a C'rôa tem do Febeo Louro.
+
+ Mais tres Vates, a quem faltou a vista,
+ (Que remedio não ha, que lhe resista.)
+ Hum Thomaz, hum Martins, novo Castilho,
+ Qualquer delles de Apollo digno filho.
+ Mas se dos olhos toda a luz perdêrão,
+ No juizo outras luzes accendêrão.
+ Hum Araujo, hum Lopes, hum Moniz,
+ Mayo e Lima, que já ferir me quiz:
+ Que inda apezar do ataque, que me fez,
+ Jamais de o elogiar perderei vez;
+ Que ataques de Poeta, inda os maiores,
+ Como foguetes são de jogadores.
+ Estes Genios harmonicos, que pinto,
+ Lá no Premesse tem lugar distinto,
+
+ Hum Durão Padre Mestre Graciano
+ Com Estro divertido Americano.
+ Serra, Ferreira Lobo, o bom Forjaz,
+ E o Beneficiado Velho Vaz
+ (O consoante aqui me deo conselho,
+ Para pôr Velho Vaz, e não Vaz Velho.)
+ O Conego José São Bernardino,
+ Filho tambem de Apollo, homem de tino;
+ Campello, os dois Malhões, Mello, e Raposo,
+ Carvalho, igual ao jovial Barroso;
+ H[~u] Costa, h[~u] Bingre, h[~u] Camera, h[~u] Verné,
+ Quintella, Xavier, Padre Soye.
+ Dois Botelhos Professo, e Secular,
+ Hum Antonio Ricardo, hum Aguiar.
+ Estes Vates, que aponto, se conhecem,
+ E huma eterna saudade nos merecem:
+ Qualquer delles crédor de melhor sorte,
+ «E outros, em quem poder não teve a morte.»
+ Quasi todos nas obras, que deixárão,
+ Seus Nomes sem vaidade eternizárão.
+ Destes Vates mui poucos vivos são,
+ E todos elles honrão a Nação.
+ Confesso que hoje tenho a maior gloria
+ Em trazer estes Genios á memoria.
+ Mas que serve escrever grandes volumes,
+ Se estão prevaricados os costumes!
+ Quatro velhos, que lêm estes Authores,
+ São os que inda lhes dão justos louvores;
+ Que estes meninos de hoje (coitadinhos!)
+ Estudão n'outras classes de livrinhos,
+ Livrinhos, com que o demo quiz campar,
+ Para as bolsas de todo entisicar.
+ Pouca gente conhece, ou avalia
+ O trabalho, que dá qualquer Poesia.
+ Lêr, e rir bem se vê não custar nada;
+ Compor empreza foi sempre arriscada;
+ E por isso estimar-se mais se deve
+ A penna, que em qualquer assumpto escreve.
+
+ Portugal, Portugal! eu te lastimo,
+ Se com verdades taes te não animo!
+ Sem se lêr, nada bom póde fazer-se;
+ Edificios não ha sem alicer-se.
+ Quem lê, e estuda a fundo sem jactancia,
+ Dissipa as densas nuvens da ignorancia.
+ Se já puzeste as Armas em descanco,
+ Vai dar nas Livrarias hum balanço:
+ Escolhe, compra, e lê; porque a lição
+ Ha de accender-te as luzes da razão:
+ Ella ensina, interessa, ella diverte,
+ E póde dar juízo ao mais inerte.
+ E se, seguindo a ordem, que me espera,
+ «Eu nunca mais serei quem d'antes era,»
+ Recordando o que eu digo alguns instantes,
+ Portugal, tu serás qual eras d'antes.
+
+
+ * * * * *
+
+ _As cousas todas veja aqui mudadas
+ Em tristes as que ledas ser soyão
+ As tristes muito mais tristes tornadas._
+ Bernard. Cart. VI.
+
+
+SONETO.
+
+ Soffreo Lysia hum Tremor de terra horrendo,[5]
+ Seguio-se-lhe depois Traição ferina,[6]
+ Rebateo de hum Leão furia, e rapina,[7]
+ E pouco a pouco foi a fronte erguendo:[8]
+ Por morte do seu Rei ficou gemendo,[9]
+ E o Céo, por consolalla, lhe destina
+ Soberana immortal quasi divina,[10]
+ Que em paz o Povo seu ficou regendo:
+ Hum Monstro de ambição, e de vingança[11]
+ Surge do centro do sulfureo Averno,
+ Perde a Europa o equilibrio da balança:
+ Restaura Portugal seu bom Governo;
+ Mas não vêr o seu Rei!.. Esta lembrança[12]
+ O põe banhado em pranto, e em luto eterno.
+
+
+
+
+Ao Author se mandou pelo Correio carta sem nome, datada de 22 de Julho
+do presente anno de 1819, na qual se lhe pedia, com o maior empenho,
+quizesse decifrar o seguinte Epitaphio enigmatico; e que na primeira
+Obra, que désse á luz, puzesse a sua definição.
+
+Suspeita-se porém que a carta veio de pessoa gorda; e ou fosse escrita
+por basofía, ou por divertido ataque ao Author, seja qual for o motivo,
+elle vai a satisfazer.
+
+ _Epitaphio Enigmatico._
+
+ Ci git le fils, ci git la mere,
+ Ci git la fille avec le pere,
+ Ci git la soeur, ci git le frere,
+ Ci git la femme, et le mari,
+ Et ne sont que trois corps ici.
+
+Responde o Author: Que logo que o filho seja hermaphrodito, temos neste
+aborto da natureza filho, e filha, irmão, e irmã em hum corpo só. No
+pai, e mãi temos marido, e mulher, que são dois corpos: por morte de
+todos, jazem só tres no tumulo.
+
+Por outra: Tendo hum homem huma filha, e deíxando-a ainda criança, para
+ir viajar, quando voltou, casou com ella, por hum acaso, ignorando
+ser a mesma, que deixou de pequenina; e vindo a ter hum filho della, e a
+morrer todos tres pela ordem do tempo, indo todos á mesma sepultura,
+fica bem claro que alli se achão filho, e mãi, filha, e pai, irmão, e
+irmã, mulher, e marido, tudo em tres corpos.
+
+Estimará o Author ter acertado, ou que algum dos seus curiosos Leitores
+descubrão melhor intelligencia, com tanto que não seja a que vem
+explicada no primeiro tomo do Divertimento de Estudiosos pag. 59, onde
+se acha este mesmo Enigma mais resumido; porque aponta, seis pessoas, e
+dá enterrados só dois corpos, como se vê no seguinte:
+
+ Cy gist le pere, cy gist la mere,
+ Cy gist la soeur, cy gist le frere:
+ Cy gist la femme, e le mary;
+ Et n'y a que deux corps icy.
+
+ _Divertim. de Estud. Tom. I. pag. 59._
+
+Agora roga o Author ao Amigo, que lhe escreveo a mencionada carta,
+queira decifrar-lhe tambem os Enigmas, Advinhação, e Charades, que se
+seguem, e que se não tirárão de Livros.
+
+
+_1.º Enigma._
+
+ Eu sou hum Mundo sem gente,
+ Figuro em qualquer trabalho;
+ Humas vezes não sou nada,
+ Outras vezes muito valho:
+ Eu entro no Purgatorio,
+ E tambem vou ao Inferno,
+ Entrada tenho no Ceo,
+ E estou ao lado do Eterno:
+ Os Anjos de mim dependem,
+ Os Virtuosos, e os Santos;
+ No Mundo, sem ser aranha,
+ Ando sempre pelos cantos.
+
+ O que isto será *
+ O Leitor o dirá. *
+
+
+_2.º Enigma._
+
+ Vinte e hum homens se embarcárão,
+ Temporal os apanhou;
+ Morrêrão vinte afogados,
+ Temos hum, que se salvou:
+ Este seguio a viagem;
+ Mas comsigo sempre achou
+ A conta dos mesmos vinte,
+ Com que na praia embarcou;
+ Que por sinal de amizade,
+ Que sempre se praticou,
+ Alguns as mãos apertavão
+ Aos socios do que escapou.
+
+ Desejava-se saber *
+ Dos vinte quaes vem a ser. *
+
+
+_3.º Enigma._
+
+ Comprárão-se doze,
+ Mas seis estruidos,
+ E forão por doze,
+ Os seis repartidos:
+ Com partes iguaes
+ Os doze ficárão;
+ Porém os perdidos
+ Aqui não entrárão:
+ E faz esta conta
+ Ser certa, e ser boa,
+ Caber huma inteira,
+ A cada pessoa.
+
+ Para melhor perceberes *
+ Resta saber soletrar; *
+ Depois disto conheceres, *
+ Luzes podes alcançar *
+ Vastas, para me entenderes. *
+
+
+_Adivinhação._
+
+ Julgão-me todos riqueza,
+ Porém ando esfrangalhado;
+ E quem me vê neste estado,
+ He que mais me estima, e preza:
+ Minha mulher, sem benzer
+ De quebranto, os mais defende;
+ E quem de mófas se offende,
+ A vai a outro off'recer:
+ O ser branco, ou ser vermelho,
+ Não me faz algum destrôço;
+ Tanto me estimão em moço
+ Como depois que sou velho.
+
+ Fita os olhos no que digo, *
+ Gostarás disto comigo. *
+
+
+1.ª Charade.
+
+ Se o principio do meu nome
+ Vem d'Astro de claridade,
+ He bem, que, sendo celeste,
+ Seja o meio a caridade:
+ E que o fim, de igual razão,
+ Vos denote a compaixão;
+ Vindo unido a defender,
+ Vossa vida, e vosso ter.
+
+ Solta as redeas ao discurso, *
+ Dá combinação, ás cousas; *
+ Do Sabio he este o recurso. *
+
+
+2.ª Charade.
+
+ A primeira, e segunda he mui veloz;
+ Sendo aguda a terceira afflige, e mata;
+ E quem reúne as tres, faz-se hum algoz.
+
+ Cabe na mente do esperto *
+ Saber o quanto te digo; *
+ Dorme, sahirás deste apêrto. *
+
+ ======
+
+ Amigo, escusas cançar-te;
+ Por ter de ti compaixão,
+ Nos versos, que tem estrella,
+ Acharás a explicação.
+
+ Se Acrosticos não entendes,
+ (O que não he natural,)
+ He por que tens a cabeça
+ Formada de pedra, e cal.
+
+
+
+
+CATALOGO
+
+_Das Obras impressas de José Daniel Rodrigues da Costa._
+
+ * Rimas I. e II. Tomo.
+ * Theatro Cómico de pequenas Peças.
+ * Almocreve de Petas, dividido na 2.ª impressão, em 3 Tomos.
+ * Comboi de mentiras.
+ * Espreitador do Mundo novo, em que vem as 6 partes dos Opios.
+ * Barco da Carreira dos tôlos.
+ * Jôgo dos Dotes.
+ * Hospital do Mundo.
+ * Camera Optica.
+ * Tribunal da Razão.
+ * Revista dos Genios.
+ * Roda da Fortuna.
+ * Os Enjeitados da Fortuna.
+ * O Poema do Balão aos Habitantes da Lua.
+ * E esta de Portugal enfermo por vicios, e abusos.
+
+_Do mesmo Author se imprimírão avulsos os Folhetos seguintes._
+
+ * Quadras alegres aos Annos do Serenissimo Senhor D. Pedro Carlos,
+ em 1804.
+ * Quintilhas ao mesmo Senhor, em 1805.
+ * Ditas ao mesmo assumpto, em 1806.
+ * Quadras divertidas ao mesmo, em 1807.
+ * Espelho de jogadores. Este Folheto vem tambem impresso na Revista
+ dos Genios.
+
+_Obras do mesmo Author, impressas do anno de 1808 por diante, ao vasto,
+e calamitoso assumpto da invasão dos Francezes em Portugal._
+
+ * Protecção á Franceza I. e II. Parte.
+ * Partidista contra Partidistas.
+ * Resposta á Proclamação, que em Hespanha fez o General Augereau.
+ * Cantigas Patrioticas.
+ * Surriada a Massena I. e II. Parte.
+ * Conversação Nocturna das Esquinas do Rocío de Lisboa.
+ * Carta de parabens, com hum Dialogo dos dois Generaes Francezes
+ Filippon, e Bertier.
+ * Encontro na Eternidade dos dois Generaes Francezes Marmont, e Bonnet.
+ * Silva ao memoravel Lord Wellington.
+ * Testamento engenhoso do Dom Quixote da França, ao partir para a
+ Russia.
+ * Canto funebre na sentida Morte da nossa Soberana a Senhora D.
+ MARIA I.
+
+
+ * * * * *
+
+As pessoas curiosas podem esperar pela Parte II. desta Obra, para
+poderem então mandalla encadernar, junta com o Poema do Balão aos
+Habitantes da Lua, que assim lhes ficará hum Livro de 8.º completo.
+
+_Vende-se esta Obra na Loja de Francisco Xavier de Carvalho, defronte da
+Rua de S. Francisco da Cidade; na de Antonio Manoel Polycarpo da Silva,
+junto ao Senado; na de Antonio Xavier Moreira, da Impressão Regia
+debaixo da Arcada; na de João Henriques, no principio da Rua Augusta; na
+de Antonio Pedro, na Rua do Ouro; na de Luiz José de Carvalho, aos
+Paulistas; e em Belém, na da Viuva de José Tiburcio. Preço 240 réis._
+
+ * * * * *
+
+ [1] ... A desejada vinda dos nossos Soberanos.
+
+ [2] _Ameijoadas_, são noites perdidas: tirada esta palavra do
+ Diccionario novo dos Tafues.
+
+ [3] _Patusca_, palavra tirada do mencionado Diccionario apenso.
+
+ [4] Hum tremor imaginario, com que em 20 de Agosto do presente anno
+ de 1819 se intimidou parte do Povo de Lisboa, tomando em diverso
+ sentido o que lhes dizia o Reportorio naquelle mez.
+
+ [5] O grande Terremoto do 1 de Novembro de 1755.
+
+ [6] O horroroso attentado na infausta noite de 3 de Setembro de
+ 1758.
+
+ [7] A guerra da Hespanha contra Portugal em 1761.
+
+ [8] A reedificação da Cidade de Lisboa.
+
+ [9] A morte do sempre memoravel Rei o Senhor D. JOSÉ I.
+
+ [10] O feliz Reinado da Fidelissima Senhora D. MARIA I.
+
+ [11] O Tyranno do Mundo, assollador dos Povos, Napoleão Bonaparte.
+
+ [12] O nosso amabilissimo Monarcha o Senhor D. JOÃO VI.
+
+
+
+
+Notas de transcrição:
+
+O texto aqui transcrito, é uma cópia integral e inalterada do livro
+impresso em 1819.
+
+Mantivemos a grafia usada na edição impressa, tendo sido corrigidos alguns
+pequenos erros tipográficos evidentes, que não alteram a leitura do texto,
+e que por isso não considerámos necessário assinalá-los. Mantivemos
+inclusivamente as eventuais incoerências de grafia de algumas palavras, em
+particular quanto à acentuação.
+
+Nesta versão electrónica, em texto simples, não é possível representar
+alguns caracteres usados no livro impresso. Usamos como substituto desses
+caracteres os seguintes marcadores:
+
+[~u] = u com til por cima, corresponde aproximadamente a "um";
+
+
+
+
+
+
+
+End of the Project Gutenberg EBook of Portugal enfermo por vicios, e abusos
+de ambos os sexos, by José Daniel Rodrigues da Costa
+
+*** END OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK PORTUGAL ENFERMO POR VICIOS ***
+
+***** This file should be named 31743-8.txt or 31743-8.zip *****
+This and all associated files of various formats will be found in:
+ https://www.gutenberg.org/3/1/7/4/31743/
+
+Produced by Pedro Saborano (produced from scanned images
+of public domain material from Google Book Search)
+
+
+Updated editions will replace the previous one--the old editions
+will be renamed.
+
+Creating the works from public domain print editions means that no
+one owns a United States copyright in these works, so the Foundation
+(and you!) can copy and distribute it in the United States without
+permission and without paying copyright royalties. Special rules,
+set forth in the General Terms of Use part of this license, apply to
+copying and distributing Project Gutenberg-tm electronic works to
+protect the PROJECT GUTENBERG-tm concept and trademark. Project
+Gutenberg is a registered trademark, and may not be used if you
+charge for the eBooks, unless you receive specific permission. If you
+do not charge anything for copies of this eBook, complying with the
+rules is very easy. You may use this eBook for nearly any purpose
+such as creation of derivative works, reports, performances and
+research. They may be modified and printed and given away--you may do
+practically ANYTHING with public domain eBooks. Redistribution is
+subject to the trademark license, especially commercial
+redistribution.
+
+
+
+*** START: FULL LICENSE ***
+
+THE FULL PROJECT GUTENBERG LICENSE
+PLEASE READ THIS BEFORE YOU DISTRIBUTE OR USE THIS WORK
+
+To protect the Project Gutenberg-tm mission of promoting the free
+distribution of electronic works, by using or distributing this work
+(or any other work associated in any way with the phrase "Project
+Gutenberg"), you agree to comply with all the terms of the Full Project
+Gutenberg-tm License (available with this file or online at
+https://gutenberg.org/license).
+
+
+Section 1. General Terms of Use and Redistributing Project Gutenberg-tm
+electronic works
+
+1.A. By reading or using any part of this Project Gutenberg-tm
+electronic work, you indicate that you have read, understand, agree to
+and accept all the terms of this license and intellectual property
+(trademark/copyright) agreement. If you do not agree to abide by all
+the terms of this agreement, you must cease using and return or destroy
+all copies of Project Gutenberg-tm electronic works in your possession.
+If you paid a fee for obtaining a copy of or access to a Project
+Gutenberg-tm electronic work and you do not agree to be bound by the
+terms of this agreement, you may obtain a refund from the person or
+entity to whom you paid the fee as set forth in paragraph 1.E.8.
+
+1.B. "Project Gutenberg" is a registered trademark. It may only be
+used on or associated in any way with an electronic work by people who
+agree to be bound by the terms of this agreement. There are a few
+things that you can do with most Project Gutenberg-tm electronic works
+even without complying with the full terms of this agreement. See
+paragraph 1.C below. There are a lot of things you can do with Project
+Gutenberg-tm electronic works if you follow the terms of this agreement
+and help preserve free future access to Project Gutenberg-tm electronic
+works. See paragraph 1.E below.
+
+1.C. The Project Gutenberg Literary Archive Foundation ("the Foundation"
+or PGLAF), owns a compilation copyright in the collection of Project
+Gutenberg-tm electronic works. Nearly all the individual works in the
+collection are in the public domain in the United States. If an
+individual work is in the public domain in the United States and you are
+located in the United States, we do not claim a right to prevent you from
+copying, distributing, performing, displaying or creating derivative
+works based on the work as long as all references to Project Gutenberg
+are removed. Of course, we hope that you will support the Project
+Gutenberg-tm mission of promoting free access to electronic works by
+freely sharing Project Gutenberg-tm works in compliance with the terms of
+this agreement for keeping the Project Gutenberg-tm name associated with
+the work. You can easily comply with the terms of this agreement by
+keeping this work in the same format with its attached full Project
+Gutenberg-tm License when you share it without charge with others.
+
+1.D. The copyright laws of the place where you are located also govern
+what you can do with this work. Copyright laws in most countries are in
+a constant state of change. If you are outside the United States, check
+the laws of your country in addition to the terms of this agreement
+before downloading, copying, displaying, performing, distributing or
+creating derivative works based on this work or any other Project
+Gutenberg-tm work. The Foundation makes no representations concerning
+the copyright status of any work in any country outside the United
+States.
+
+1.E. Unless you have removed all references to Project Gutenberg:
+
+1.E.1. The following sentence, with active links to, or other immediate
+access to, the full Project Gutenberg-tm License must appear prominently
+whenever any copy of a Project Gutenberg-tm work (any work on which the
+phrase "Project Gutenberg" appears, or with which the phrase "Project
+Gutenberg" is associated) is accessed, displayed, performed, viewed,
+copied or distributed:
+
+This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with
+almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or
+re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included
+with this eBook or online at www.gutenberg.org
+
+1.E.2. If an individual Project Gutenberg-tm electronic work is derived
+from the public domain (does not contain a notice indicating that it is
+posted with permission of the copyright holder), the work can be copied
+and distributed to anyone in the United States without paying any fees
+or charges. If you are redistributing or providing access to a work
+with the phrase "Project Gutenberg" associated with or appearing on the
+work, you must comply either with the requirements of paragraphs 1.E.1
+through 1.E.7 or obtain permission for the use of the work and the
+Project Gutenberg-tm trademark as set forth in paragraphs 1.E.8 or
+1.E.9.
+
+1.E.3. If an individual Project Gutenberg-tm electronic work is posted
+with the permission of the copyright holder, your use and distribution
+must comply with both paragraphs 1.E.1 through 1.E.7 and any additional
+terms imposed by the copyright holder. Additional terms will be linked
+to the Project Gutenberg-tm License for all works posted with the
+permission of the copyright holder found at the beginning of this work.
+
+1.E.4. Do not unlink or detach or remove the full Project Gutenberg-tm
+License terms from this work, or any files containing a part of this
+work or any other work associated with Project Gutenberg-tm.
+
+1.E.5. Do not copy, display, perform, distribute or redistribute this
+electronic work, or any part of this electronic work, without
+prominently displaying the sentence set forth in paragraph 1.E.1 with
+active links or immediate access to the full terms of the Project
+Gutenberg-tm License.
+
+1.E.6. You may convert to and distribute this work in any binary,
+compressed, marked up, nonproprietary or proprietary form, including any
+word processing or hypertext form. However, if you provide access to or
+distribute copies of a Project Gutenberg-tm work in a format other than
+"Plain Vanilla ASCII" or other format used in the official version
+posted on the official Project Gutenberg-tm web site (www.gutenberg.org),
+you must, at no additional cost, fee or expense to the user, provide a
+copy, a means of exporting a copy, or a means of obtaining a copy upon
+request, of the work in its original "Plain Vanilla ASCII" or other
+form. Any alternate format must include the full Project Gutenberg-tm
+License as specified in paragraph 1.E.1.
+
+1.E.7. Do not charge a fee for access to, viewing, displaying,
+performing, copying or distributing any Project Gutenberg-tm works
+unless you comply with paragraph 1.E.8 or 1.E.9.
+
+1.E.8. You may charge a reasonable fee for copies of or providing
+access to or distributing Project Gutenberg-tm electronic works provided
+that
+
+- You pay a royalty fee of 20% of the gross profits you derive from
+ the use of Project Gutenberg-tm works calculated using the method
+ you already use to calculate your applicable taxes. The fee is
+ owed to the owner of the Project Gutenberg-tm trademark, but he
+ has agreed to donate royalties under this paragraph to the
+ Project Gutenberg Literary Archive Foundation. Royalty payments
+ must be paid within 60 days following each date on which you
+ prepare (or are legally required to prepare) your periodic tax
+ returns. Royalty payments should be clearly marked as such and
+ sent to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation at the
+ address specified in Section 4, "Information about donations to
+ the Project Gutenberg Literary Archive Foundation."
+
+- You provide a full refund of any money paid by a user who notifies
+ you in writing (or by e-mail) within 30 days of receipt that s/he
+ does not agree to the terms of the full Project Gutenberg-tm
+ License. You must require such a user to return or
+ destroy all copies of the works possessed in a physical medium
+ and discontinue all use of and all access to other copies of
+ Project Gutenberg-tm works.
+
+- You provide, in accordance with paragraph 1.F.3, a full refund of any
+ money paid for a work or a replacement copy, if a defect in the
+ electronic work is discovered and reported to you within 90 days
+ of receipt of the work.
+
+- You comply with all other terms of this agreement for free
+ distribution of Project Gutenberg-tm works.
+
+1.E.9. If you wish to charge a fee or distribute a Project Gutenberg-tm
+electronic work or group of works on different terms than are set
+forth in this agreement, you must obtain permission in writing from
+both the Project Gutenberg Literary Archive Foundation and Michael
+Hart, the owner of the Project Gutenberg-tm trademark. Contact the
+Foundation as set forth in Section 3 below.
+
+1.F.
+
+1.F.1. Project Gutenberg volunteers and employees expend considerable
+effort to identify, do copyright research on, transcribe and proofread
+public domain works in creating the Project Gutenberg-tm
+collection. Despite these efforts, Project Gutenberg-tm electronic
+works, and the medium on which they may be stored, may contain
+"Defects," such as, but not limited to, incomplete, inaccurate or
+corrupt data, transcription errors, a copyright or other intellectual
+property infringement, a defective or damaged disk or other medium, a
+computer virus, or computer codes that damage or cannot be read by
+your equipment.
+
+1.F.2. LIMITED WARRANTY, DISCLAIMER OF DAMAGES - Except for the "Right
+of Replacement or Refund" described in paragraph 1.F.3, the Project
+Gutenberg Literary Archive Foundation, the owner of the Project
+Gutenberg-tm trademark, and any other party distributing a Project
+Gutenberg-tm electronic work under this agreement, disclaim all
+liability to you for damages, costs and expenses, including legal
+fees. YOU AGREE THAT YOU HAVE NO REMEDIES FOR NEGLIGENCE, STRICT
+LIABILITY, BREACH OF WARRANTY OR BREACH OF CONTRACT EXCEPT THOSE
+PROVIDED IN PARAGRAPH F3. YOU AGREE THAT THE FOUNDATION, THE
+TRADEMARK OWNER, AND ANY DISTRIBUTOR UNDER THIS AGREEMENT WILL NOT BE
+LIABLE TO YOU FOR ACTUAL, DIRECT, INDIRECT, CONSEQUENTIAL, PUNITIVE OR
+INCIDENTAL DAMAGES EVEN IF YOU GIVE NOTICE OF THE POSSIBILITY OF SUCH
+DAMAGE.
+
+1.F.3. LIMITED RIGHT OF REPLACEMENT OR REFUND - If you discover a
+defect in this electronic work within 90 days of receiving it, you can
+receive a refund of the money (if any) you paid for it by sending a
+written explanation to the person you received the work from. If you
+received the work on a physical medium, you must return the medium with
+your written explanation. The person or entity that provided you with
+the defective work may elect to provide a replacement copy in lieu of a
+refund. If you received the work electronically, the person or entity
+providing it to you may choose to give you a second opportunity to
+receive the work electronically in lieu of a refund. If the second copy
+is also defective, you may demand a refund in writing without further
+opportunities to fix the problem.
+
+1.F.4. Except for the limited right of replacement or refund set forth
+in paragraph 1.F.3, this work is provided to you 'AS-IS' WITH NO OTHER
+WARRANTIES OF ANY KIND, EXPRESS OR IMPLIED, INCLUDING BUT NOT LIMITED TO
+WARRANTIES OF MERCHANTIBILITY OR FITNESS FOR ANY PURPOSE.
+
+1.F.5. Some states do not allow disclaimers of certain implied
+warranties or the exclusion or limitation of certain types of damages.
+If any disclaimer or limitation set forth in this agreement violates the
+law of the state applicable to this agreement, the agreement shall be
+interpreted to make the maximum disclaimer or limitation permitted by
+the applicable state law. The invalidity or unenforceability of any
+provision of this agreement shall not void the remaining provisions.
+
+1.F.6. INDEMNITY - You agree to indemnify and hold the Foundation, the
+trademark owner, any agent or employee of the Foundation, anyone
+providing copies of Project Gutenberg-tm electronic works in accordance
+with this agreement, and any volunteers associated with the production,
+promotion and distribution of Project Gutenberg-tm electronic works,
+harmless from all liability, costs and expenses, including legal fees,
+that arise directly or indirectly from any of the following which you do
+or cause to occur: (a) distribution of this or any Project Gutenberg-tm
+work, (b) alteration, modification, or additions or deletions to any
+Project Gutenberg-tm work, and (c) any Defect you cause.
+
+
+Section 2. Information about the Mission of Project Gutenberg-tm
+
+Project Gutenberg-tm is synonymous with the free distribution of
+electronic works in formats readable by the widest variety of computers
+including obsolete, old, middle-aged and new computers. It exists
+because of the efforts of hundreds of volunteers and donations from
+people in all walks of life.
+
+Volunteers and financial support to provide volunteers with the
+assistance they need are critical to reaching Project Gutenberg-tm's
+goals and ensuring that the Project Gutenberg-tm collection will
+remain freely available for generations to come. In 2001, the Project
+Gutenberg Literary Archive Foundation was created to provide a secure
+and permanent future for Project Gutenberg-tm and future generations.
+To learn more about the Project Gutenberg Literary Archive Foundation
+and how your efforts and donations can help, see Sections 3 and 4
+and the Foundation web page at https://www.pglaf.org.
+
+
+Section 3. Information about the Project Gutenberg Literary Archive
+Foundation
+
+The Project Gutenberg Literary Archive Foundation is a non profit
+501(c)(3) educational corporation organized under the laws of the
+state of Mississippi and granted tax exempt status by the Internal
+Revenue Service. The Foundation's EIN or federal tax identification
+number is 64-6221541. Its 501(c)(3) letter is posted at
+https://pglaf.org/fundraising. Contributions to the Project Gutenberg
+Literary Archive Foundation are tax deductible to the full extent
+permitted by U.S. federal laws and your state's laws.
+
+The Foundation's principal office is located at 4557 Melan Dr. S.
+Fairbanks, AK, 99712., but its volunteers and employees are scattered
+throughout numerous locations. Its business office is located at
+809 North 1500 West, Salt Lake City, UT 84116, (801) 596-1887, email
+business@pglaf.org. Email contact links and up to date contact
+information can be found at the Foundation's web site and official
+page at https://pglaf.org
+
+For additional contact information:
+ Dr. Gregory B. Newby
+ Chief Executive and Director
+ gbnewby@pglaf.org
+
+
+Section 4. Information about Donations to the Project Gutenberg
+Literary Archive Foundation
+
+Project Gutenberg-tm depends upon and cannot survive without wide
+spread public support and donations to carry out its mission of
+increasing the number of public domain and licensed works that can be
+freely distributed in machine readable form accessible by the widest
+array of equipment including outdated equipment. Many small donations
+($1 to $5,000) are particularly important to maintaining tax exempt
+status with the IRS.
+
+The Foundation is committed to complying with the laws regulating
+charities and charitable donations in all 50 states of the United
+States. Compliance requirements are not uniform and it takes a
+considerable effort, much paperwork and many fees to meet and keep up
+with these requirements. We do not solicit donations in locations
+where we have not received written confirmation of compliance. To
+SEND DONATIONS or determine the status of compliance for any
+particular state visit https://pglaf.org
+
+While we cannot and do not solicit contributions from states where we
+have not met the solicitation requirements, we know of no prohibition
+against accepting unsolicited donations from donors in such states who
+approach us with offers to donate.
+
+International donations are gratefully accepted, but we cannot make
+any statements concerning tax treatment of donations received from
+outside the United States. U.S. laws alone swamp our small staff.
+
+Please check the Project Gutenberg Web pages for current donation
+methods and addresses. Donations are accepted in a number of other
+ways including including checks, online payments and credit card
+donations. To donate, please visit: https://pglaf.org/donate
+
+
+Section 5. General Information About Project Gutenberg-tm electronic
+works.
+
+Professor Michael S. Hart was the originator of the Project Gutenberg-tm
+concept of a library of electronic works that could be freely shared
+with anyone. For thirty years, he produced and distributed Project
+Gutenberg-tm eBooks with only a loose network of volunteer support.
+
+
+Project Gutenberg-tm eBooks are often created from several printed
+editions, all of which are confirmed as Public Domain in the U.S.
+unless a copyright notice is included. Thus, we do not necessarily
+keep eBooks in compliance with any particular paper edition.
+
+
+Most people start at our Web site which has the main PG search facility:
+
+ https://www.gutenberg.org
+
+This Web site includes information about Project Gutenberg-tm,
+including how to make donations to the Project Gutenberg Literary
+Archive Foundation, how to help produce our new eBooks, and how to
+subscribe to our email newsletter to hear about new eBooks.
diff --git a/31743-8.zip b/31743-8.zip
new file mode 100644
index 0000000..5f50eb2
--- /dev/null
+++ b/31743-8.zip
Binary files differ
diff --git a/31743-h.zip b/31743-h.zip
new file mode 100644
index 0000000..3fc36d0
--- /dev/null
+++ b/31743-h.zip
Binary files differ
diff --git a/31743-h/31743-h.htm b/31743-h/31743-h.htm
new file mode 100644
index 0000000..41d39c4
--- /dev/null
+++ b/31743-h/31743-h.htm
@@ -0,0 +1,2500 @@
+<!DOCTYPE html PUBLIC "-//W3C//DTD HTML 4.01 Transitional//EN"
+ "http://www.w3.org/TR/html4/loose.dtd">
+<html>
+<head>
+ <title>Portugal enfermo por vicios e abusos de ambos os sexos, por José
+ Daniel Rodrigues da Costa</title>
+ <meta name="Author" content="José Daniel Rodrigues da Costa">
+ <meta name="Publisher" content="Impressão Regia">
+ <meta name="Date" content="1819">
+ <meta http-equiv="content-type" content="text/html; charset=iso-8859-15">
+ <style type="text/css">
+ body{margin-left: 10%;
+ margin-right: 10%;
+ }
+ .pn {
+ text-indent: 0em;
+ position: absolute;
+ left: 92%;
+ font-size: smaller;
+ text-align: right;
+ color: silver;
+ }
+ #corpo p{text-align: justify; text-indent: 1em;}
+ h1 {text-align: center; margin-top: 3em; margin-bottom: 2em;}
+ h2, h3 {text-align: center;}
+ h3 {font-size: small;}
+ a {text-decoration: none;}
+ #corpo p.sinopse {margin: 0; font-size: small; text-indent: 0;}
+ hr {border: 0; border-top: solid 1px #000; }
+ blockquote {margin-left: 10%;}
+ .rodape {
+ font-size: 0.8em;
+ margin: 2em;
+ }
+ #corpo .ilustracao p{text-align: center; font-size: small;}
+span.accent sup {margin-right: -0.9em; margin-left: 0;}
+
+/* Opera fix tilde positioning over non utf chars */
+@media all and (-webkit-min-device-pixel-ratio:10000), not all and (-webkit-min-device-pixel-ratio:0)
+{
+span.accent sup {margin-right: -0.55em; margin-left: 0; margin-top: 0.1em;}
+}
+
+span.accent sup { .margin-right: -0.5em;}
+ .fbox {border: solid black 1px; background-color: #FFFFCC; font-size: 0.8em;
+ margin-left: 10%; margin-right: 10%;}
+
+ </style>
+</head>
+
+<body>
+
+
+<pre>
+
+The Project Gutenberg EBook of Portugal enfermo por vicios, e abusos de
+ambos os sexos, by José Daniel Rodrigues da Costa
+
+This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with
+almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or
+re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included
+with this eBook or online at www.gutenberg.org
+
+
+Title: Portugal enfermo por vicios, e abusos de ambos os sexos
+
+Author: José Daniel Rodrigues da Costa
+
+Release Date: March 23, 2010 [EBook #31743]
+
+Language: Portuguese
+
+Character set encoding: ISO-8859-1
+
+*** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK PORTUGAL ENFERMO POR VICIOS ***
+
+
+
+
+Produced by Pedro Saborano (produced from scanned images
+of public domain material from Google Book Search)
+
+
+
+
+
+
+</pre>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<div style="text-align:center;">
+<p style="font-size: 2em;">PORTUGAL ENFERMO</p>
+
+<p style="font-size: 1.4em;">POR VICIOS, E ABUSOS</p>
+
+<p style="font-size: 1.6em;">DE AMBOS OS SEXOS.</p>
+
+<p>DEDICADO AO SENHOR</p>
+
+<p style="font-size: 1.6em;">JOSÉ LUIZ GUERNER,</p>
+
+<p>CONSUL DE S. M. SICILIANNA,</p>
+
+<p>POR</p>
+
+<p style="font-size: 1.4em;">JOSÉ DANIEL RODRIGUES DA COSTA,</p>
+
+<p>ENTRE OS PASTORES DO TEJO</p>
+
+<p style="font-size: 1.4em;">JOSINO LEIRIENSE</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p style="font-size: 1.4em;">LISBOA:</p>
+
+<p style="font-size: 1.4em;">NA IMPRESSÃO REGIA.</p>
+
+<p>ANNO 1819</p>
+<hr style="width: 30%">
+
+<p><em>Com Licença.</em></p>
+</div>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<div id="corpo">
+<h2>SENHOR JOSE LUIZ GUERNER:</h2>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p><em>Quando comecei a compor esta Obra, intitulada=Portugal Enfermo por
+vicios, e abusos=logo me veio á lembrança o dedicar-lha. E approveitando estas
+primeiras idéas, foi tal o prazer, que concebi, por huma tão acertada escolha,
+que parecia que com mais facilidade, e affluencia me occorião pensamentos para
+a ultimar.</em></p>
+
+<p><em>Eu faria huma injuria á Gratidão, se me lembrasse de outra pessoa para
+esta Dedicatoria; quando por experiencia tenho conhecido quanto a sua
+curiosidade, applicação, e talentos ambicionão as minhas Producções.</em></p>
+
+<p><em>Aqui me offerecia agora a minha imaginação hum vasto assumpto, para
+tecer-lhe o<span class="pn">{IV}</span> Elogio, que merece hum homem amador das
+Bellas Letras, e ornado d'aquellas virtudes moraes, que tanto caracterizão o
+verdadeiro homem de bem. Mas fazer das suas apreciaveis qualidades huma extensa
+narração, seria dar por nova huma pintura ao mesmo Pintor, que a desenhou.</em>
+</p>
+
+<p><em>O Céo dilate a sua estimavel vida para consolação dos seus amigos; sendo
+hum dos que mais o preza, e respeita</em></p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p style="text-align: right;"><em>José Daniel Rodrigues da Costa<span
+class="pn">{V}</span> </em></p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<h2>PROLOGO.</h2>
+
+<p>Nem a vaidade de ser Author, nem a presumpção de exceder os Escriptores do
+meu tempo, nem o desvanecimento dos repetidos elogios, que muitas Pessoas me
+fazem, serião incentivos bastantes para eu escrever com tanta assiduidade, como
+escrevo. Não me ufanão semelhantes apavonações; porque o deixar-me possuir
+destes fôfos sentimentos seria em mim huma bem notada mania.</p>
+
+<p>Devem capacitar-se os meus amabilissimos Leitores que o meu genio, hum pouco
+propenso ás Bellas Letras, e mais que tudo, o muito, que prezo quanto he
+honesto, e civíl, he que me desafia a desembainhar a espada da Critica contra
+os vicios em todas as minhas Obras, acutilando estes, e poupando com tudo os
+seus adoradores.</p>
+
+<p>He por tanto que exponho ao Público esta Obra dos achaques chrónicos, com
+que o tempo tem contaminado os antigos, memoraveis, e bem acceitos costumes do
+nosso Portugal; que quanto mais se reprehendem os d'agora,<span
+class="pn">{VI}</span> tanto maiores elogios se fazem aos passados.</p>
+
+<p>Tem os vicios, e os abusos chegado ao maior auge na presente época em ambos
+os sexos. Não se lhes acha mediania; e neste labyrintho de cousas não fica ao
+homem, que bem pensa, mais que os dois refrigerios: ou de chorar, ou de rir dos
+destemperos deste Seculo nos excessos, que se observão no luxo, nas educações,
+e no viver de agora.</p>
+
+<p>Com effeito eu vejo os tempos bem desgraçados para composições de qualquer
+natureza. Nos principios do Seculo dezoito houve muito quem escrevesse, porque
+havia muito quem lêsse; depois ainda houve muito quem lêsse, e menos quem
+escrevesse; mas presentemente nem ha quem escreva, nem quem lêa; porque as
+minimas cousas, que apparecem, nem essas mesmas se gastão.</p>
+
+<p>Vamos porém sempre compondo alguma cousa para huma parte da mocidade bem
+morigerada, que ainda se encontra tanto nesta Cidade, como por essas
+Provincias; Rapazes applicados, de perfeita educação, e que faz gosto ouvillos
+na sociedade: com estes me entenderei; em quanto os outros entregues ás
+desenfreadas paixões, que os illudem, se fazem verdugos de si mesmos. Sobre
+estes he que recahe<span class="pn">{VII}</span> a critica desta pequena
+composição, que desenvolve os achaques de Portugal, causados pela epidemia dos
+vicios, e abusos de huma grande parte de gente.</p>
+
+<p>Leitor, perdôa aos defeitos da Obra; mas não perdôes aos teus, para não
+seres contado no catalogo dos viciosos: compra, e lê, que he o melhor modo de
+saberes quanto isto</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p style="text-align: right;">Vale.<span class="pn">{VIII}</span></p>
+
+<p><span class="pn">{1}</span></p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<h2>PORTUGAL ENFERMO<br>
+PELOS VICIOS, E ABUSOS.</h2>
+
+<div style="margin-left: 30%; font-size: small;">
+<hr>
+
+<blockquote>
+ <em>Os escritos que saê da mão fóra<br>
+ Tantas Sentenças tem, tantos Ledores,<br>
+ Assim Miranda o canta, assim o chora.<br>
+ Sempre a verdade achou murmuradores;<br>
+ A mentira que damna, e lisongea<br>
+ Sempre (em pouco saber) grandes favores.</em><br>
+           Bernard. Cart. XV.</blockquote>
+<hr>
+</div>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<blockquote>
+ Portugal, Portugal! Eu te lastimo!<br>
+ E bem que velho sou inda me animo<br>
+ A mostrar-te os defeitos, e os excessos<br>
+ Dos costumes, que tens já tão avessos<br>
+ Dos costumes, que tinhas algum dia,<br>
+ Quando mais reflexão na gente havia.<br>
+ Tu de estranhas Nações foste invejado;<br>
+ Hoje faz compaixão teu pobre estado:<br>
+ Cada vez te vão mais enfraquecendo,<br>
+ Todo o brilho, que tinhas, vais perdendo:<br>
+ Paraiso do Mundo te chamavão;<span class="pn">{2}</span><br>
+ As mais Nações com tigo se animavão;<br>
+ Ellas porém ficárão sans, e fortes;<br>
+ E tu a todo o instante exposto aos córtes<br>
+ Da usura, da ambição, da falsidade,<br>
+ Do egoismo, da fuga, da impiedade:<br>
+ Males, que aos que bem pensão causão tedio,<br>
+ A que apenas descubro hum só remedio,<br>
+ Que outro melhor não ha, a que se apelle,<br>
+ E muita gente chora a falta d'Elle<a name="tex2html1"
+ href="#foot71"><sup>[1]</sup></a>....<br>
+ <br>
+ Portugal, Portugal! Eu te lastimo!<br>
+ E o pezar, que me causas, mal reprimo!<br>
+ Estás presentemente na figura<br>
+ Do enfermo, que não póde com a cura,<br>
+ Por ter molestias taes tão complicadas,<br>
+ Que parte das receitas são baldadas.<br>
+ <br>
+ Vai aos banhos do mar a Dama bella,<br>
+ Porque delles precisa, ou por cautela;<br>
+ O Velho busca estuporado as Caldas,<br>
+ E alli da mocidade purga as baldas,<br>
+ Consegue movimento em braço, e perna,<br>
+ E a perdida cabeça já governa;<br>
+ Frouxo Taful, que tem debilidade,<br>
+ Por excessos de toda a qualidade<br>
+ Recorre ás infusões d'aquacia, e quina;<span class="pn">{3}</span><br>
+ Mas tambem pouco e pouco se defina,<br>
+ Se não acautelou mais a saude,<br>
+ E não tem depois disto quem o ajude;<br>
+ Todos a tempo buscão curativo,<br>
+ Para vêr se em seu mal tem lenitivo:<br>
+ E só tu, Portugal, chegaste a estado<br>
+ De seres paralitico entrevado!<br>
+ Todos de fóra vem sangue tirar-te;<br>
+ Porisso nada póde aproveitar-te.<br>
+ Os Estrangeiros, que a Lisboa chegão,<br>
+ Te vem bichas deitar, e todas pegão,<br>
+ Sempre em proveito seu com abundancia,<br>
+ Té ficares de todo sem sustancia.<br>
+ Medicina não sei, mas tenho lido<br>
+ Dois Livros, que me tem muito instruido,<br>
+ Hum da propria exp'riencia, outro do mundo,<br>
+ E só nesta lição he que me fundo,<br>
+ Para bem conhecer por estes meios<br>
+ Tanto os achaques meus, como os alheios.<br>
+ Ora antes que de todo a vida exhales,<br>
+ Ouve parte da origem de teus males.<br>
+ <br>
+ Eu vejo de alguns homens apartados<br>
+ Os deveres mais puros, e sagrados;<br>
+ Atropellada a honra, a probidade,<br>
+ A razão, a decencia, a sãa verdade:<br>
+ Isto por homens, que apparencias tem<br>
+ De honrados, de Christãos, de homens de bem<span class="pn">{4}</span><br>
+ <br>
+ Eu vejo o feroz crime a garra alçando,<br>
+ Os trêfegos viventes subjugando,<br>
+ Só a fim de os trazer ao seu partido,<br>
+ Deixando o bom caracter corrompido.<br>
+ <br>
+ Eu vejo huns indivíduos mui sagazes,<br>
+ De transtornar os outros bem capazes;<br>
+ Porque com o systema de egoistas<br>
+ Ao que os outros possuem botão vistas.<br>
+ Lanção-lhes rede, rede que não falha,<br>
+ Peixe grosso, e miudo cahe na malha,<br>
+ Dizendo-nos depois, como em resposta:<br>
+ Eu por aqui me sirvo, ou dei á costa.<br>
+ Que em limpo Portuguez, nada confuso,<br>
+ He fugir, ou quebrar, como hoje he uso.<br>
+ Eu sei que hum Guarda-Livros foi chamado,<br>
+ Para as Contas fazer de hum Ex-quebrado;<br>
+ E como aquella quebra era segunda,<br>
+ Não podia acertar-lhe bem a funda.<br>
+ Té que lhe perguntou com desengano:<br>
+ Com quanto quer quebrar, Senhor Fulano?<br>
+ Esta pergunta prova que ha bicheiro,<br>
+ Que inda que quebre, fica sempre inteiro.<br>
+ <br>
+ Eu vejo hoje os amigos desfrutantes,<br>
+ Palradores de officio, e bem fallantes,<br>
+ Muito promptos em toda a patuscada;<br>
+ Porém, em se occupando, tudo he nada,<span class="pn">{5}</span><br>
+ De função em função, em bons jantares,<br>
+ Por não ficarem vagos os lugares;<br>
+ Mas que, se alguem lhes pede algum soccorro,<br>
+ Virárão logo a peça para fôrro,<br>
+ Fugindo de valer por amizade<br>
+ Aos que fôrão da sua sociedade:<br>
+ Vileza sem igual, que achar não pensa<br>
+ O que tem hum vexame, ou tem doença,<br>
+ Que em banquetes largou bastante a pelle,<br>
+ Para nutrir os que hoje fogem delle.<br>
+ <br>
+ Vejo homens, que de seu muito tiverão,<br>
+ Que de tudo o que tinhão, conta derão<br>
+ No teimoso valete, sota, e az,<br>
+ Nos trez dados, que o copo saltar faz,<br>
+ No grande tratamento afidalgado,<br>
+ Na sege, no jardim, luzido estado,<br>
+ Banquetes, sociedades, mancebías,<br>
+ E outras taes, e quejandas bizarrias:<br>
+ Tudo feito sem calculo seguro,<br>
+ Sem minima lembrança do futuro,<br>
+ Para agora se vêrem sem ter nada<br>
+ N'huma vida bem triste, e desgraçada.<br>
+ <br>
+ Eu vejo outros mesquinhos, e forretas,<br>
+ Que não passão de velhas meias pretas,<br>
+ Sua casaca eterna, já virada<br>
+ No anno, em que a náo Cabrea foi queimada;<span class="pn">{6}</span><br>
+ Ferrolhando o dinheiro no bahú,<br>
+ Para que não lho leve belzebu;<br>
+ Contado, e recontado na alta noite,<br>
+ Porque a pedir algum ninguem se affoite.<br>
+ Tudo á porta fechada sós vivendo,<br>
+ Vestindo muito mal, peior comendo;<br>
+ E que vive assim bem hum destes pensa,<br>
+ Ou seja na saude, ou na doença;<br>
+ Té que toda a reserva finaliza<br>
+ Nas garras de hum irmão lá de Galliza.<br>
+ Eis aqui hum dinheiro que não gira,<br>
+ E por isso a outra gente não respira,<br>
+ Isto he que faz que toda a casa gema;<br>
+ Pois outros ricos ha de igual systema.<br>
+ <br>
+ Vejo huns homens, que são muito abastados,<br>
+ E de semblantes sempre carregados;<br>
+ Caras <em>de sum es fui</em>, mas <em>por causar</em>,<br>
+ Hum bom modo a ninguem sabem mostrar:<br>
+ Eu bem sei que quem tem muito dinheiro,<br>
+ Grosseiro fica sempre, se he grosseiro;<br>
+ Porque pejada burra de riqueza<br>
+ Não emenda o que vem de natureza.<br>
+ Eu chamo a huns homens taes <em>verbos de encher</em>,<br>
+ Vivem só de ajuntar, e de comer,<br>
+ De cabeça mais leve do que a escuma,<br>
+ Gosto não sabem ter por cousa alguma;<br>
+ Para valer aos mais nunca tem geito,<span class="pn">{7}</span><br>
+ Para si são <em>Dativo de proveito</em><br>
+ Taes pinturas; a mal nunca se tomem<br>
+ O que lêr, e apontar he que he máo homem.<br>
+ <br>
+ Portugal, Portugal! eu te lastimo!<br>
+ E teus flagellos na memoria imprimo!<br>
+ Eu vejo homens solteiros, sem emprego,<br>
+ Porém tendo de môças bom conchego;<br>
+ Parece que por magica he que passão;<br>
+ Pois sem que diligencia alguma fação<br>
+ Por grangear a vida, a tudo acodem;<br>
+ Não sei como nutrir os vicios podem!<br>
+ Eu trabalho, e não vivo satisfeito;<br>
+ E elles andão de corpo mui direito,<br>
+ Mil aproxes fazendo á bolsa alheia,<br>
+ Sem acharem tal vida indigna e feia.<br>
+ Hum lhes diz: <em>Eu não posso; outro: não tenho:</em><br>
+ E a concluir d'aqui sómente venho<br>
+ Que tem esta comedia por final<br>
+ Cadêa, Portaria, ou Hospital.<br>
+ <br>
+ Eu vejo outros sem rendas, nem officio,<br>
+ Do Matrimonio entrar no sacrificio:<br>
+ Marido pobretão, mulher sem nada;<br>
+ Em crescendo dos filhos a manada,<br>
+ O mesmo he que ter sella sem cavallo,<br>
+ Casa sem tecto, e sino sem badalo.<br>
+ Acabou-se huma cousa, faltão mil,<span class="pn">{8}</span><br>
+ De dinheiro não ha nem hum ceitil:<br>
+ Olha hum para o outro, as razões crescem;<br>
+ Os filhos nús, de fome desfalecem;<br>
+ Té que o Marido toma o desafôgo<br>
+ De se ir metter na casa que dá jogo.<br>
+ Alli se perde a noite quasi toda,<br>
+ A vêr se de huma vez desanda a roda,<br>
+ Com as iscas de emprestimos de Amigos,<br>
+ Que só em casos taes servem de abrigos;<br>
+ E a familia em cuidados, em tormento,<br>
+ Que inda he peior que a falta de sustento.<br>
+ <br>
+ Eu vejo, nestes tempos desditosos,<br>
+ Povos empobrecidos, e chorosos;<br>
+ Pois quando vém hum mal, outros se seguem,<br>
+ Que os Mortaes atenúão, e perseguem.<br>
+ Mas a pezar da falta de dinheiro,<br>
+ Apparece nos bairros o gaiteiro,<br>
+ As bandeiras nas cordas penduradas,<br>
+ Por onde as festas são annunciadas,<br>
+ Tudo feito com lustre, e com grandeza,<br>
+ Foi Juiza a Senhora Dona Andreza.<br>
+ Os festeiros não tem nada de seu;<br>
+ Mas a festa da rua tudo deu.<br>
+ Anda o velho engraçado co' os Leilões<br>
+ Dos cargos, que custárão bons tostões.<br>
+ Temos fogo de vistas, vistas raras,<br>
+ N'hum beco, que de largo tem tres varas;<span class="pn">{9}</span><br>
+ Que huma roda, que salta em Fogo ardendo,<br>
+ Vem desordens fazer nos que estão vendo;<br>
+ E póde muito bem a propriedade<br>
+ Com fogo reduzir-se em ametade.<br>
+ Estes p'rigos não são muito pequenos,<br>
+ E já tem succedido mais, ou menos.<br>
+ Nunca vi de dinheiro tanta fome,<br>
+ Nem tantas festas de despeza, e nome.<br>
+ Eu louvo, e não crimino a devoção;<br>
+ Haja festa de Igreja, e bom Sermão;<br>
+ Tenha a festividade do arrayal<br>
+ Cousas, que fação bem, e nunca mal.<br>
+ O dinheiro de máscaras, e fogo<br>
+ Vá gastar-se com outro desafogo<br>
+ Mais util, mais vistoso, mais louvavel<br>
+ Em acudir a tanto miseravel.<br>
+ Dem rações á pobreza dessa rua,<br>
+ E a festa christãmente se conclua.<br>
+ No lugar, em que o fogo armar se havia,<br>
+ Haja comprida meza neste dia;<br>
+ Hum, ou dois caldeirões de mantimento,<br>
+ Que sirvão aos mendigos de sustento,<br>
+ Ministrados por esses bons festeiros,<br>
+ Que se fação da meza dispenseiros,<br>
+ Sem tumulto, em socego, e com cuidado<br>
+ No cégo, na criança, no aleijado.<br>
+ Isto he que dá exemplo, he que edifica;<br>
+ Deste modo a função completa fica;<span class="pn">{10}</span><br>
+ E não com fogo, máscaras, e bulhas,<br>
+ Tornando-se as esmolas em fagulhas.<br>
+ Na terra, e Céo nada ha mais relevante,<br>
+ Que acudirmos ao nosso semelhante.<br>
+ Se não querem na rua estar com isto,<br>
+ Fação o que eu a muitos tenho visto:<br>
+ Vão ás Cadêas, que isto dá bom nome,<br>
+ Repartão de comer por quem tem fome:<br>
+ Arme-se em gravidade a Confraria,<br>
+ Vá consummar esta obra santa, e pia;<br>
+ Que disto inda se tira hum bom partido;<br>
+ O mais tudo he trabalho desluzido,<br>
+ Motivos de desordens, e de insultos,<br>
+ Indecentes tornando aquelles cultos;<br>
+ Porque destas funcções he raro o brinco,<br>
+ Em que não saião prezos quatro, ou cinco.<br>
+ <br>
+ He bem digno tambem de se notar<br>
+ Andarem hoje os pobres a cantar,<br>
+ De guitarra, ou viola má, ou boa<br>
+ Por todas essas ruas de Lisboa.<br>
+ Parece que festejão a pobreza,<br>
+ Ou que ella, lhes não dá muita tristeza!<br>
+ Eu bem sei o ditado, de quem canta,<br>
+ Seus males mais, ou menos sempre espanta;<br>
+ Mas co' a Musica, a fome não se cura;<br>
+ E he só (bemdito Deos) de que ha fartura!<span class="pn">{11}</span><br>
+ <br>
+ Portugal, Portugal, eu te lastimo!<br>
+ E de sentir comtigo não me eximo!<br>
+ Eu vejo velhos Pais cheios de vicios,<br>
+ Pondo os filhos nos mesmos precipicios.<br>
+ Co' os exemplos, que dão em casa, e fóra,<br>
+ Sem pejo, sem cautela, e sem melhora.<br>
+ Quando hum Pai deve ser (ou moço, ou velho),<br>
+ Da familia de casa hum vivo espelho;<br>
+ Mas se elle he o primeiro em se infamar,<br>
+ Como póde a seus filhos doutrinar!<br>
+ Filho houve já, que entrando no Oratorio<br>
+ Aos Padres fez primeiro hum peditorio:<br>
+ Que chamassem seu Pai, porque queria;<br>
+ Beijar-lhe a mão por fim, pois que morria,<br>
+ E que só acabava descançado<br>
+ Se fosse por seu Pai abençoado.<br>
+ Chegou o Pai gemendo, sem conforto,<br>
+ Em lagrimas banhado, e quasi morto.<br>
+ Então o filho, dando-lhe hum abraço,<br>
+ Desconjuntou-lhe os ossos do espinhaço,<br>
+ Dizendo-lhe: Receba o pago seu<br>
+ Da creação perversa, que me deo;<br>
+ Quando nos armazens se embebedava;<br>
+ Se tres cópos bebia, tres me dava;<br>
+ Humas vezes em paz, outras em guerra.<br>
+ Fazendo bordos hiamos a terra.<br>
+ Ás casas, em que jogo sempre havia;<br>
+ Levava-me na sua companhia;<span class="pn">{12}</span><br>
+ Eu pois n'hum vicio tal sempre embebido,<br>
+ Me vi por muitas vezes bem perdido;<br>
+ Jogava o que era meu, e mais o alheio,<br>
+ Até que já sem brio, e sem receio,<br>
+ Achando que de meu não tinha nada,<br>
+ Voltei-me para ser ladrão de estrada.<br>
+ Ficar deve em memoria esta lição,<br>
+ Que o bem, e o mal provém da educação.<br>
+ Banida deve ser da Sociedade<br>
+ Perdida, e viciosa mocidade:<br>
+ Bem como nas searas acontece,<br>
+ Que toda a herva inutil, que alli cresce,<br>
+ Pela raiz se corta, aos pés se deita,<br>
+ Por não damnar o grão, que se aproveita.<br>
+ <br>
+ Eu vejo a mocidade brava, e louca,<br>
+ Vaporando fumaças pela boca,<br>
+ Mostrando da doudice o sobrescrito<br>
+ No queimado xaruto por palito.<br>
+ Eu vi, não me contárão, isto he certo,<br>
+ Ir á Loja da Neve muito esperto<br>
+ Hum tafulão Gigante pela altura,<br>
+ Mas bem proporcionado na figura,<br>
+ Fumando com excesso de tal sorte,<br>
+ Que lançava da boca hum fumo forte:<br>
+ Pedio carapinhada, e foi fumando,<br>
+ Alimpando o suor de quando em quando,<br>
+ O fogo com a neve a hum tempo unindo,<span class="pn">{13}</span><br>
+ Pelo mesmo canal tudo embutindo:<br>
+ Sahia huma fumaça lá do centro,<br>
+ Hia hum gole de neve para dentro.<br>
+ Mas não posso acertar bem na razão<br>
+ Do fogo, e neve ter combinação!<br>
+ No que se alcança bem, sem muito estudo,<br>
+ Que hum taful tem guelas para tudo.<br>
+ <br>
+ Eu vejo rapazinhos enfeitados<br>
+ Mui bem nascidos, muito mal creados,<br>
+ Que ficão sem estudos, e sem bens,<br>
+ Tafúes de quarteirão a dois vintens,<br>
+ Com hum procedimento escandaloso,<br>
+ Envolto no calote attencioso,<br>
+ Que com boas palavras disfarçado,<br>
+ Depois de conseguido, he declarado.<br>
+ Não fallemos nas bellas qualidades<br>
+ De tomarem bastantes amizades;<br>
+ E nas casas de bem entrada tendo,<br>
+ Pouco e pouco se vão desenvolvendo,<br>
+ As innocentes filhas illudindo,<br>
+ Requestando, escrevendo, persuadindo;<br>
+ E ellas acreditando os rendimentos,<br>
+ Nas vozes, que se dão de casamentos,<br>
+ Com fantasticos teres, e promessas,<br>
+ Té irem de candêas ás avessas;<br>
+ Porque o pai presentio, a mãi espreita;<span class="pn">{14}</span><br>
+ Leva o Senhor fulano huma desfeita.<br>
+ E em este penetrando o contratempo,<br>
+ Cuida logo em mudar-se antes de tempo;<br>
+ E vai com esta mesma synfonia<br>
+ Dar Trevas para outra freguezia.<br>
+ Da má educação lhe provém tudo;<br>
+ Pais, que deixão seus filhos sem estudo,<br>
+ Ou não escolhem Mestres com recato,<br>
+ Porque só querem ir ao mais barato!<br>
+ <br>
+ Eu vejo huns fôfos Mestres de Collegios,<br>
+ Inculcando sciencia, e privilegios,<br>
+ Porém jogando a Ronda co' os Meninos<br>
+ Nas horas vagas dos seus bons ensinos;<br>
+ Que por estas razões bem se conhece<br>
+ Que entre tanto Collegio, que apparece,<br>
+ Não obstante haver Mestres a cardumes,<br>
+ Vão de mal em peior nossos costumes.<br>
+ Os rapazes mimosos de algum dia<br>
+ Apreciavão Musica, e Poesia,<br>
+ Séria Dança, discreta Sociedade,<br>
+ Mostrando sempre certa gravidade.<br>
+ Não digo que não ha inda hoje disto;<br>
+ Mas destas prendas poucos tenho visto.<br>
+ Hoje ha muitos tafues com outras prendas,<br>
+ Morgados de Pantana, mas sem rendas.<br>
+ Só presumpção de sabios tem comsigo,<span class="pn">{15}</span><br>
+ E obrigallos a lêr he hum castigo,<br>
+ Até parece já, por desvario,<br>
+ Que a muita discrição lhes faz fastio:<br>
+ Prezão mais hum cavallo, que ande bem,<br>
+ Que o melhor Livro, que hum Livreiro tem;<br>
+ E o que escapa de ter esta paixão,<br>
+ Vai a ser hum acérrimo Glotão<br>
+ Quer biffes a <em>lamoda</em> de <em>planchetas</em>,<br>
+ Cabeça de vitella, e costeletas,<br>
+ A geléa da boa mão de vacca<br>
+ Que isto he que fortalece a gente fraca:<br>
+ Desmancha-se depois com misturadas,<br>
+ Em merendas, e outras patuscadas;<br>
+ Com ranchos de solteiras, e viuvas,<br>
+ Manda vir aves, hervas, ovos, uvas,<br>
+ Melancias, melões, maçãs, morangos,<br>
+ Nisto largão a penna os novos frangos;<br>
+ Donde a cólica vem, e a indigestão,<br>
+ Que, de fraqueza, os põe á Santa Unção:<br>
+ Julgão que tem estomago de ferro;<br>
+ Mas tarde a conhecer vem o seu erro:<br>
+ Depois de relaxados, sem vigor,<br>
+ E alguns co' seu raminho de estupor,<br>
+ Então com mais cautela se procura<br>
+ Onde a pinga haverá, que seja pura;<br>
+ Vinho de Lavradio, ou Carcavellos,<br>
+ Bucellas, ou Chamusca, vinhos bellos;<br>
+ Porque esta Livraria fortifica,<span class="pn">{16}</span><br>
+ A quem de ameijoadas<a name="tex2html2" href="#foot251"><sup>[2]</sup></a>
+ entisica.<br>
+ Entenda-me o Leitor, como quizer,<br>
+ No resto que a saude faz perder:<br>
+ E para o bom patusca<a name="tex2html3" href="#foot252"><sup>[3]</sup></a>
+ ter dinheiro,<br>
+ Vê se póde encontrar farto banqueiro.<br>
+ Assenta que he melhor, e lhe convém<br>
+ Partidas de lucrar algum vintem;<br>
+ Nascendo excessos taes, e tal doudice,<br>
+ Da escacez do dinheiro, que já disse,<br>
+ Huma escacez que faz damnos immensos,<br>
+ Que os calotes, e crimes traz appensos.<br>
+ Na gente má, ou boa, môça, e idosa,<br>
+ A penuria geral se faz penosa:<br>
+ Cada qual anda vendo o melhor meio<br>
+ De achar á sua casa algum esteio;<br>
+ E quando se vê muito desgraçado,<br>
+ Lança-se aos vicios já desesperado;<br>
+ Porque os tempos de muita Loteria,<br>
+ Sortes, rifas, e jôgo em demasia,<br>
+ São tempos de miseria, em cuja lida<br>
+ Se perde pouco e pouco o amor á vida.<br>
+ <br>
+ Eu vejo mil Bilhares por Lisboa,<span class="pn">{17}</span><br>
+ Outros tantos Cafés com gente boa,<br>
+ Rapazes gigantescos, e corados,<br>
+ Sem ter algum defeito de aleijados;<br>
+ Tem estes mocetões o mesmo gasto<br>
+ Pelas casas das Sortes, Neve, e Pasto;<br>
+ E as simples Legiões na sua alçada<br>
+ Apenas achão gente estropeada.<br>
+ <br>
+ Eu vejo alguns modernos falladores,<br>
+ Que em todas as sciencias são Doutores;<br>
+ Fallão de Leis, sem nellas se formarem,<br>
+ E de guerra, sem nunca millitarem,<br>
+ Mathematicos são por nigromancia,<br>
+ Porque nelles não ha senão jactancia;<br>
+ Com Filosofos querem ter parelha,<br>
+ Mas com Filosofia só de orelha;<br>
+ E com taes espertezas sem mais fundo,<br>
+ Resolvem pela sonça meio mundo.<br>
+ Se vão em Gabinetes discorrer,<br>
+ Sabem tudo o que ha feito, e por fazer:<br>
+ Nos governos dos Reinos dão pennada,<br>
+ Mas andão sempre em vida desgraçada;<br>
+ Não sabem governar a casa sua,<br>
+ E vão governar Reinos pela rua,<br>
+ Dando planos, fingindo descubertas,<br>
+ Pondo discursos vãos em regras certas,<br>
+ Mettendo de Latim palavras finas,<br>
+ Que mais parecem Mouras, que Latinas;<span class="pn">{18}</span><br>
+ Que a tanto os pantalões se deliberão,<br>
+ Quando nem <em>Musa musae</em> conhecêrão.<br>
+ Mas se alguem, com razão, lhes vai ao fato,<br>
+ Em nada se tornou tanto apparato.<br>
+ <br>
+ Outros, vejo, que querem ser fidalgos,<br>
+ Por irem atrás delles, como galgos;<br>
+ E com justas, e herdadas Excellencias,<br>
+ Querem estes tambem ter preferencias,<br>
+ Enthusiasmados tanto na manía,<br>
+ Que não passão sem huma Senhoria;<br>
+ Por virem de Friellas, e Frieiras,<br>
+ Seus Avos de Melgaços, e Melgeiras,<br>
+ Que ainda destes fumos ha sinaes<br>
+ Em huma sege velha sem varaes,<br>
+ Que no canto da loja se conserva,<br>
+ Com hum brazão pintado, de reserva.<br>
+ Porém sempre he preciso ser mui tonto<br>
+ Quem não vê que hoje ha nisto algum desconto;<br>
+ Que altivos pensamentos, qualidades,<br>
+ Alicerces de antigas fatuidades,<br>
+ Hoje consistem só em ser herdeiro,<br>
+ Ou a torto, e direito ter dinheiro.<br>
+ <br>
+ Eu vejo papelões, que não passárão<br>
+ Das linhas para lá, nem encararão<br>
+ Sequer com o inimigo n'hum só ponto,<br>
+ Mas em tudo o que fallão vem hum conto<span class="pn">{19}</span><br>
+ Do muito, que soffrêrão pela guerra,<br>
+ Nadando em rios, avançando terra<br>
+ Com tal fome, que atrás de tres galinhas<br>
+ Os Pyrenéos subírão de gatinhas:<br>
+ Que depois lá n'hum choque, que tiverão,<br>
+ A hum batalhão Francez a morte derão;<br>
+ Que o do zabumba só livrou a pelle,<br>
+ Porque escapou mettido dentro delle.<br>
+ Destas, e outras basofias apparecem:<br>
+ Quando sabemos de outros, que merecem<br>
+ Hum eterno louvor, eterna fama,<br>
+ A quem a Patria dignos filhos chama,<br>
+ Portuguezes honrados, valorosos,<br>
+ Do inimigo terror, varões briosos,<br>
+ Que as cicatrizes mostrão pelo peito<br>
+ Com que attestão melhor quanto tem feito.<br>
+ <br>
+ Portugal, Portugal! eu te lastimo!<br>
+ Com pena de te vêr, meus versos rimo!<br>
+ Eu agora he que bem tenho alcançado<br>
+ Quanto de tudo estás necessitado!<br>
+ Pois perdeste a sciencia, engenho, e arte,<br>
+ Que te deo sempre fama em toda a parte.<br>
+ Hoje vejo o teu mal, que não melhora,<br>
+ Se tudo o que precisas vem de fóra.<br>
+ Tens nos Collegios Mestres Estrangeiros,<br>
+ Tens de muitas Nações cem mezinheiros,<br>
+ Que com pós, e com balsamos subidos<span class="pn">{20}</span><br>
+ Vão as bocas limpando aos presumidos;<br>
+ E ainda não se dando por contentes,<br>
+ Té nos querem levar da boca os dentes;<br>
+ Equilibrios, Balões, e Peloticas,<br>
+ Urso, e Macacos com trezentas nicas,<br>
+ Figurinhas gesso, outras de cera,<br>
+ Nynfa, que n'harpa em dedilhar se esmera;<br>
+ A Menina, que falla pendurada,<br>
+ A boa Dançarina escripturada,<br>
+ Que hum par de mil cruzados vem buscar;<br>
+ E nós he que ficamos a dançar!<br>
+ Outra, que tem a voz quasi divina,<br>
+ Como já se chamou á Zamparina;<br>
+ Outro, que engole espadas brancas, pretas,<br>
+ Como nós engulimos estas petas;<br>
+ E outras mil subtilezas deste lote;<br>
+ Vistas de praça, ou sala, ou camarote,<br>
+ Com armadilhas taes vem esta gente<br>
+ Na vagante esperar a grossa enchente,<br>
+ E carregando vão, como as formigas,<br>
+ Quanto podem tirar destas fadigas!<br>
+ Só Portuguezes nunca tenho visto,<br>
+ Que vão aos outros Reinos fazer disto.<br>
+ Estrangeiras Modistas se apresentão,<br>
+ Com letreiro á janella do que inventão;<br>
+ Que as Modistas de cá, bem que trabalhão,<br>
+ Á vista das de fóra já não calhão.<br>
+ A si se accolhe o pobre aventureiro;<span class="pn">{21}</span><br>
+ Porque lhe basta o nome de Estrangeiro,<br>
+ Para abrir loja, e ser afortunado.<br>
+ Veio do seu paiz esporeado,<br>
+ Chegou aqui, poz loja de vestidos;<br>
+ E ficão os tafues mui bem sortidos.<br>
+ Tem fato para magro, e para gordo,<br>
+ Té desapparecer, pondo-se a bordo:<br>
+ Caridade em tal gente sempre luz,<br>
+ Pois vem a Portugal vestir os nús.<br>
+ Mas dizem muitas lingoas mal dizentes<br>
+ Que elles não vestem; vem despir as gentes.<br>
+ Nada tem escapado, ou esquecido,<br>
+ Para o metal, que tinhas, ser sumido.<br>
+ Nós gememos em quanto os outros luzem;<br>
+ Té barricas de pinos se introduzem;<br>
+ Porque o pino de fóra, por mais duro,<br>
+ Deixa o tacão mais forte, e mais seguro.<br>
+ Se até vejo substancias combinadas,<br>
+ Nos paizes estranhos preparadas,<br>
+ Para pôr bom cherume nas panellas,<br>
+ E fazer hum bom molho ás cabidellas:<br>
+ E disto haverem lojas em Lisboa,<br>
+ Que por caixeira tem Madama Grôa!<br>
+ Eu inda espero vêr na Barra entrados<br>
+ Navios com almoços já temp'rados;<br>
+ Que ha de ser huma cousa bem acceita<br>
+ Vir já prompto o Café, torrada feita!<br>
+ Porém nós he que disto culpa temos,<span class="pn">{22}</span><br>
+ Porque de nós apreço não fazemos.<br>
+ Até he riso vêr, termos trocado<br>
+ O traje, que entre nós foi sempre usado,<br>
+ Pelos trajes de todas as Nações,<br>
+ Que abandonão çapatos, e calções.<br>
+ Nem a meia comprida já governa,<br>
+ Anda dentro da bota nua a perna,<br>
+ Como eu a boa gente tenho visto;<br>
+ Os Mouros pouco mais fazem do que isto.<br>
+ Vejo entrar em lugares mui sisudos<br>
+ Velhos, e moços, quaes pintos calçudos,<br>
+ Pantalonas; polainas de Galegos;<br>
+ Só resta usarem calças, como os Gregos.<br>
+ Confessemos que he este o nosso fraco;<br>
+ Que arremedar he o uso do macaco.<br>
+ <br>
+ Eu vejo pela classe dos Livreiros<br>
+ Lucros tirarem só os Estranjeiros.<br>
+ Que direi de Edições, que vem de fóra?<br>
+ Façamos aqui pausa por agora.<br>
+ Só sei que a mocidade, com deleite,<br>
+ Bebe em taes livros venenoso leite;<br>
+ E os Livreiros de cá postos ás moscas;<br>
+ Que as obras Portuguezas são mui toscas;<br>
+ O sainete não tem, nem a belleza,<br>
+ Que mostra qualquer obra, se he Franceza.<br>
+ Arte de cortar callos sem tisoura,<br>
+ Modo de conservar a barba loura,<span class="pn">{23}</span><br>
+ As Cartas de Madama Patulher,<br>
+ A Novella da Meza sem Talher:<br>
+ Instrucções, e Preceitos de Dentistas,<br>
+ Invento de crear galos sem cristas.<br>
+ O caso he ser Francez o tal livrinho,<br>
+ Que he da meza d'agora o melhor vinho.<br>
+ Livreiro Portuguez apenas vende<br>
+ Cartas, por onde o A, B, C se aprende,<br>
+ Bilhetes, com que Boas Festas damos,<br>
+ Outros de Enterro, que he que mais gastamos,<br>
+ Letras de Cambio, Pautas, Taboada,<br>
+ Roteiros de Pilotos, e mais nada.<br>
+ Parece que ninguem já hoje estima<br>
+ Composições em Prosa, nem em Rima.<br>
+ Acabou todo o gosto da Leitura,<br>
+ Tudo vejo mudado de figura.<br>
+ Nas obras, que se imprimem, (não se crê)<br>
+ Ha tal, que assigna, accoita, e não as lê!<br>
+ N'hum destes o trabalho se perdeo,<br>
+ Que não póde achar gosto ao que não lêo.<br>
+ <br>
+ Portugal, Portugal! tu tens comtigo<br>
+ Immensa gente, de quem és abrigo,<br>
+ Que devendo-te mil obrigações,<br>
+ Mostrar-te sabem só ingratidões.<br>
+ A primeira, que vejo praticar-se,<br>
+ He nada, do que he teu, hoje estimar-se.<br>
+ Fabricantes de cá morrem de fome;<span class="pn">{24}</span><br>
+ A sedinha estrangeira he que tem nome.<br>
+ Não valem nada Artistas Portuguezes;<br>
+ Os de fóra são só as boas rezes.<br>
+ As obras do Paiz não são perfeitas,<br>
+ Não tem fama, ou valor, são mal acceitas;<br>
+ Mas a quinquilheria de armação,<br>
+ Se he de fóra, tem logo estimação,<br>
+ E serve para o luxo, e para a moda,<br>
+ Que Damas, e Tafúes tudo se engoda<br>
+ Com estas bugiarias de tecidos<br>
+ De pedraria falsa, ouros fingidos;<br>
+ Té vemos entre tantas bagatellas<br>
+ Os Mouros com caixotes de chinelas,<br>
+ E tão bem feitas como os seus narizes,<br>
+ Que bem mostrão ser obra de aprendizes.<br>
+ Todos tem aqui seu manancial,<br>
+ Até ficarmos todos sem real.<br>
+ N'outro tempo hum Fidalgo desta Côrte,<br>
+ Homem de bom pensar, e de bom porte,<br>
+ Puxou por huma caixa rica, e boa,<br>
+ Feita por certo Ourives de Lisboa.<br>
+ Todos os circumstantes, que se achavão<br>
+ Sentados ao jantar, vendo-a, pasmavão<br>
+ Por tanta perfeição, lavor, e arte,<br>
+ Que se lhe descobria em toda a parte.<br>
+ Na mente de ser obra estrangeirada,<br>
+ Foi por todos a caixa elogiada.<br>
+ Logo o dono da casa mui gostoso,<span class="pn">{25}</span><br>
+ Porque ficasse o Ourives mais famoso,<br>
+ Conhecer mesmo alli a todos fez<br>
+ Mão d'obra ser de Ourives Portuguez.<br>
+ Apenas semelhante voz se larga,<br>
+ Como quem prova cousa, que lhe amarga,<br>
+ Hum notava d'alli certo defeito,<br>
+ Outro lhe achava falta de preceito.<br>
+ Então o bom Fidalgo decisivo<br>
+ Os reprehendeo dizendo: Eis o motivo,<br>
+ Porque a nossa Nação tanto padece,<br>
+ E entre as outras Nações nunca florece;<br>
+ Nós he que assim fazemos desgraçados<br>
+ Homens, que devem ser eternizados;<br>
+ E estes devem queixar-se com razão,<br>
+ Vendo dos seus o premio, que lhes dão.<br>
+ <br>
+ Portugal, Portugal! eu te lastimo!<br>
+ Porque sou próle tua mais te estimo!<br>
+ Pois não entro no rol das almas fracas,<br>
+ Que a tudo, e a todos vírão as casacas!<br>
+ Eu vejo formigueiros de usurarios,<br>
+ Que vão muito subtís por modos varios<br>
+ Movendo sagazmente a real mola,<br>
+ Até tudo ficar pedindo esmola.<br>
+ Some-se pouco a pouco o numerario,<br>
+ Todos vão lendo o mesmo breviario;<br>
+ Para a vida mui poucas cousas bastão,<br>
+ As superfluas são as que mais gastão;<span class="pn">{26}</span><br>
+ O luxo, os appetites, as vaidades,<br>
+ A grande emulação das amizades:<br>
+ Só porque usa Fulana, e traja assim,<br>
+ Querêllas desbancar he logo o fim:<br>
+ Isto em todas as cousas se está vendo,<br>
+ Donde nasce o calote, e empenho horrendo;<br>
+ Que inda vendo que os lucros não acodem,<br>
+ Todos querem fazer mais do que podem:<br>
+ Por isso hoje bons trastes são vendidos,<br>
+ Que se herdárão de Avós mais comedidos;<br>
+ Se estes das sepulturas resurgissem,<br>
+ Talvez ficassem doudos do que vissem!<br>
+ Destruindo-se assim, sem reflexão,<br>
+ Cousas que tinhão tanta estimação;<br>
+ Que antes do que as penhoras as escalem,<br>
+ Vão pela terça parte do que valem;<br>
+ E ainda compradoras custa a achar,<br>
+ Porque todos estão a jejuar.<br>
+ Grande cousa he viver hoje demente,<br>
+ Para não dar valor ao que se sente!<br>
+ Inquietações, costumes, tempo, e mundo,<br>
+ Tudo atira c'os os homens para o fundo<br>
+ Porque por mais que nadem na desgraça,<br>
+ Velhice, Doença, e Morte, os ameaça:<br>
+ No que passamos, temos o presagio<br>
+ De ninguem escapar deste naufragio:<br>
+ Porém no mar dos damnos a tormenta,<br>
+ Nem o Ceo, nem a terra he que a fomenta:<span class="pn">{27}</span><br>
+ Huns aos outros nós mesmos atormentamos,<br>
+ Com coração de bronze, flagellamos:<br>
+ Só o proprio interesse he que nos guia<br>
+ E pene quem penar nesta ingrezia.<br>
+ Assim dando se vai cabo de tudo,<br>
+ Té acabarmos todos em agudo:<br>
+ Todos vamos ficando como espetos,<br>
+ Em tristes descarnados esqueletos,<br>
+ Huns de calvas á mostra, outros tapadas,<br>
+ Que a urgencia faz cabeças escalvadas;<br>
+ Seguem-se os estupores, e malinas,<br>
+ Paralysias, mortes repentinas.<br>
+ Nunca vi tantos homens com achaques<br>
+ Pelas repetições destes ataques.<br>
+ Nestes tempos só vive satisfeito<br>
+ O homem de baixa esfera, porque o peito<br>
+ Não toma nem fortuna, nem desgraça;<br>
+ Com o pouco, que tem, com isso passa;<br>
+ Pois não pezão sobre elle obrigações<br>
+ De familias com certas sujeições.<br>
+ O homem de bens, de honrados sentimentos<br>
+ Vive sem ter resurça hoje em tormentos;<br>
+ Vive, mas hum viver apouquentado,<br>
+ Com a fome, e miseria sempre ao lado.<br>
+ Porque hum pai de familias com despeza,<br>
+ Vendo os recursos todos em fraqueza,<br>
+ Se nas faltas, que sente, mais discorre,<br>
+ Chora, pasma, esmorece, abate, e morre.<span class="pn">{28}</span><br>
+ Ora seja em desconto de peccados,<br>
+ Irmos todos á cova entisicados!<br>
+ Para não carregarmos aos irmãos,<br>
+ Que andão tambem (coitados!) pouco sãos.<br>
+ <br>
+ Eu vejo cambiar, vender dinheiro,<br>
+ Que põe quem compra, e vende de poleiro;<br>
+ E os pobres opprimidos, arrastados,<br>
+ Que estes são quasi sempre os cambiados.<br>
+ E pegou em Lisboa o novo officio,<br>
+ Com a capa de ser hum beneficio:<br>
+ Tudo especulações destes Senhores<br>
+ Compassivos, civís rebatedores,<br>
+ Que pudérão achar seguro meio<br>
+ De mostrar não querer suor alheio;<br>
+ Porque <em>in verbo</em> papel a conta he justa,<br>
+ Pois o vendem por menos que lhes custa;<br>
+ E mostra na consciencia ser exacto<br>
+ Quem compra caro, e vende mais barato.<br>
+ Disto nossos Avós nunca tiverão;<br>
+ Forão-se, não sabendo o que perdêrão.<br>
+ Parece que por manha, ou por estudo,<br>
+ Se esconde o ouro, e prata, cobre, e tudo,<br>
+ A fim de com tal fome, e taes empates,<br>
+ Não se acabar a praga dos rebates.<br>
+ Lembro-me que na minha mocidade<br>
+ Tinha o dinheiro a mesma validade;<br>
+ Hoje o Papel Moeda dominante<span class="pn">{29}</span><br>
+ Sempre o recebo em quarto minguante;<br>
+ Pois se em metal o quero vêr tornado,<br>
+ Logo he por <em>manos limpias</em> maquiado.<br>
+ Porém do mal o menos, feliz eu,<br>
+ Se alcançasse em Papel tudo o que he meu.<br>
+ Se o dinheiro se vende assim patente,<br>
+ Tambem se vende gente á mesma gente.<br>
+ O Commercio afrouxou, todos se chorão,<br>
+ Vendo que de fortuna não melhorão.<br>
+ Tem atacado a Praça em viva guerra<br>
+ Tantos Piratas, que ha por mar, e terra.<br>
+ São entre nós fazendas genuinas.<br>
+ Chinelas, suspensorios, lamparinas,<br>
+ Papeis de castiçaes, graixa a tostão,<br>
+ Caixas de obrêas, bolas de carvão.<br>
+ As escôvas, que dão lustros mimosos,<br>
+ Porque inda não estamos bem lustrosos.<br>
+ Só nisto he que se faz algum negocio,<br>
+ Tudo o mais pede chuva posto em ocio.<br>
+ <br>
+ Eu vejo homens hypócritas tratando<br>
+ Negocios de ir os outros depennando<br>
+ Com fallas divinas, astutas manhas,<br>
+ Com Deos na boca, e o demo nas entranhas.<br>
+ Não querem encarregos para a morte,<br>
+ Por isso se regulão desta sorte.<br>
+ He desta gente o calculo seguinte;<br>
+ Tudo que vale cem, comprar por vinte.<span class="pn">{30}</span><br>
+ Alminhas boas, que andão entre nós!<br>
+ Que do dinheiro são sempre hum cadoz.<br>
+ Eu rio quando vejo estes beatos,<br>
+ Sanguisugas, e esponjas de contratos;<br>
+ De olhos meios fechados a fallarem,<br>
+ Até os seus int'resses ultimarem;<br>
+ Mas depois dos ajustes serem feitos,<br>
+ Abrem os olhos tortos, ou direitos,<br>
+ Ora pondo-os no chão, ora no Céo,<br>
+ Que este he da hypocrisia o grande véo:<br>
+ Té que lhe chega ás vezes neste estudo<br>
+ Revéz, em que o diabo leva tudo.<br>
+ <br>
+ Portugal, Portugal! eu te lastimo!<br>
+ E quando te analyso, desanimo!<br>
+ Destes estratagemas, e usos novos<br>
+ Provém os muitos damnos dos teus Povos,<br>
+ Eu vejo certos homens presumidos,<br>
+ E nos cargos, que tem, tão embebidos,<br>
+ Que por viverem fartos sem desgraça,<br>
+ Assentão que são feitos de outra massa,<br>
+ E mostrão se a fallar todos inchados,<br>
+ Que parecem perús enchouriçados,<br>
+ As palavras soltando, como Oraculo,<br>
+ Decidindo por si em todo o obstaculo:<br>
+ Tratando os que lhes são inferiores,<br>
+ Com soberba, impostura, e dissabores,<br>
+ Sem verem que huma falla mais ardente<span class="pn">{31}</span><br>
+ Dobra o flagello ao triste dependente;<br>
+ Que tem de hum bom Despacho a qualidade<br>
+ A resposta civil de humanidade.<br>
+ <br>
+ Eu vejo homens de grandes ordenados,<br>
+ Que fazem os dos outros ser quartados;<br>
+ Os que elles tem, sempre achão ser pequenos,<br>
+ Mas querem que o dos outros fique em menos;<br>
+ Que o triste pão, que o empregado come,<br>
+ He que augmenta a despesa, e que faz nome;<br>
+ Mas o que elles desfrutão inda occulto<br>
+ He huma bagatella, não faz vulto.<br>
+ Não maculo ninguem, porém ha disto,<br>
+ Como eu por muitas vezes tenho visto.<br>
+ Isto com alvo certo não se entende;<br>
+ Quem tiver este vicio, que se emende,<br>
+ E singular fazer-se não intente<br>
+ Á custa do flagello da outra gente.<br>
+ <br>
+ Eu vejo té nas mesmas Irmandades<br>
+ Disputarem-se em meza qualidades;<br>
+ E nos públicos actos distincções,<br>
+ Como se a Deos servissem gerações;<br>
+ Quando a Igreja é a Mãi do rico, e pobre,<br>
+ Do velho, e moço, do plebéo, e nobre.<br>
+ Porém assombrar isto me não deve;<br>
+ Se ha Juiz de irmandade, que se atreve<span class="pn">{32}</span><br>
+ A separar na Igreja o challe, e a manta<br>
+ Da capa e lenço; isto mais espanta.<br>
+ <br>
+ Eu vejo gente mui temente a Deos,<br>
+ Que até quer penetrar segredos seus.<br>
+ Prognosticando está tremor de terra,...<a name="tex2html4"
+ href="#foot114"><sup>[4]</sup></a><br>
+ Bem como se o tremor fosse huma guerra,<br>
+ Que os homens entre si movem, se querem,<br>
+ Só pelos seus caprichos defenderem.<br>
+ Se o Repertorio désse hum tremor certo,<br>
+ Tinhamos hum Profeta descuberto;<br>
+ Que os fundos mineraes em quem bem pensa,<br>
+ Pódem casar co' os astros sem dispensa;<br>
+ Nem Deos castigo algum ao mundo envia<br>
+ Por calculos geraes d'Astrologia.<br>
+ Mas he para pasmar vêr que houve gente<br>
+ Tão crédula, tão frouxa, tão demente,<br>
+ Que para o campo grande se ausentava<br>
+ Com susto do tremor, que se esperava!<br>
+ Como se taes estragos, e ruinas<br>
+ Houvessem de ter vesp'ras, e matinas.<br>
+ Com effeito o tremor foi grande assumpto<br>
+ Para gente, que espera inda hum defunto.<span class="pn">{33}</span><br>
+ Em fim houve no campo nova feira,<br>
+ Onde a gente passou a noite inteira<br>
+ Em huma companhia historiada.<br>
+ A noite das fogueiras em Almada<br>
+ Não se passa com mais satisfação!<br>
+ Foi huma noite mais de São João!<br>
+ Com medo do tremor, que não havia,<br>
+ Na vespera fugião já de dia<br>
+ Para o campo lindissimas mochachas<br>
+ Com os seus taboleiros de bolachas.<br>
+ Homens de quartas de agoa se ajuntárão,<br>
+ Que apezar do seu medo, inda lucrárão.<br>
+ De guitarras sómente havia falta,<br>
+ Que he com que nas Gavotas mais se salta.<br>
+ Não se fazia Terço, ou Oração,<br>
+ Porque o susto pôz tudo em confusão.<br>
+ Se viesse instrumento, tarde, ou cedo,<br>
+ Perdião as meninas mais o medo.<br>
+ De acabar com os homens já são horas;<br>
+ Vamos ajustar contas ás Senhoras.<br>
+ <br>
+ Eu vejo o luxo as bolsas devorando,<br>
+ E as Fabricas estranhas sustentando,<br>
+ Pondo a nossa Nação empobrecida<br>
+ Co' appetite das modas illudida.<br>
+ Cada mez huma cousa de outro gosto,<br>
+ Que a maridos, e pais lhes dá de rosto.<br>
+ E as tafulas cahindo a todo o risco,<span class="pn">{34}</span><br>
+ Bem como o passarinho cahe no visco:<br>
+ Vestidos de magnifico valor,<br>
+ Chailes, e mantas de mimosa côr.<br>
+ Muitas diversidades de filós,<br>
+ E outras taes tentações: pobres de nós!<br>
+ Eu vejo muita cousa vir de França,<br>
+ Enfeites, que de os vêr a vista cança;<br>
+ Té cabelleiras vem para Senhoras,<br>
+ A quem as calvas são mui devedoras,<br>
+ Feitas de coifa elastica, e mui preta,<br>
+ Com hum monête, em ar de maçaneta:<br>
+ Porém estes modernos penteados.<br>
+ De cabellos puxados, repuxados,<br>
+ As cabeças vão pondo em tal figura,<br>
+ Que fazem seja calva a formosura.<br>
+ De França nos vem outra corriola,<br>
+ De que usão as Senhoras como estola:<br>
+ He numa tira elastica de rufos,<br>
+ De espaço a espaço tem tambem seus tufos,<br>
+ E chamão-lhes da moda as inventoras<br>
+ Os modernos caprichos das Senhoras:<br>
+ Custão a tres mil réis, outros a mais;<br>
+ E assim com estas cousas, e outras tais,<br>
+ Vem o sagaz, e o lepido estrangeiro,<br>
+ A trocar aqui trapos, por dinheiro.<br>
+ Resta virem de França bem bordados,<br>
+ Elasticos cueiros perfumados,<br>
+ Que ha de ser hum aceio bem acceito<span class="pn">{35}</span><br>
+ Para tanta criança que ha de peito.<br>
+ A filha da arrastada vendedeira<br>
+ Quer trajar á fidalga, e ser primeira.<br>
+ Leiteiras, e outras taes eu tenho visto,<br>
+ Que de todas as modas são hum misto;<br>
+ Atrás de hum burro de ceirão cançadas,<br>
+ De rufos, e de folhos enfeitadas,<br>
+ Que vão com estas vãs tafularias<br>
+ Vendendo leite, nabos, melancias;<br>
+ Mas no que esta gentalha tem errado<br>
+ He não conhecer bem o seu estado;<br>
+ Querendo co'a mais louca presumpção<br>
+ Huns, e outros mostrar o que não são:<br>
+ Procedendo huma tal desigualdade<br>
+ Da falta de juizo, e honestidade.<br>
+ E porque não ha nisto meio termo,<br>
+ Te vejo, Portugal, bastante enfermo!<br>
+ Da fórma que isto indico, não insulto;<br>
+ Mas póde percebello o mais estulto.<br>
+ <br>
+ As nossas circumstancias, nosso estado<br>
+ Pedem hum viver hoje acautelado.<br>
+ Os tempos para o rico, e para o pobre<br>
+ Já são de pouca prata, e muito cobre.<br>
+ Ninguem póde fazer hoje thesouro,<br>
+ He hum milagre o vêr quartinho em ouro:<br>
+ Muito faz quem com boa economia<br>
+ Se sustentar hum dia, e outra dia;<span class="pn">{36}</span><br>
+ Que se entrudos fizer amiudados,<br>
+ Ha de ter muitos dias de finados.<br>
+ Luxo na mêza, luxo no vestido,<br>
+ Pelas funções hum luxo desmedido,<br>
+ No fim se lhe acha o erro que desgosta;<br>
+ Por isso tantas náos tem dado á costa!<br>
+ <br>
+ Eu vejo reviver nos nossos dias<br>
+ Das velhas as ridiculas manias<br>
+ De verem cousas más, pregando peças,<br>
+ A pedir Missas, a ultimar Promessas,<br>
+ Deixando-as as visões, que lhes fallárão,<br>
+ Tão doentes do susto, que mamárão,<br>
+ Que se queixão de dores nas barrigas,<br>
+ Talvez por hemorroides, ou lombrigas.<br>
+ Huma diz que observou, outra que vio,<br>
+ Outra que até na cama lhe bolio.<br>
+ Ha pouco em certa casa huma donzella<br>
+ Levantou por medrosa huma balella,<br>
+ Porque sentio á roda do seu leito<br>
+ Andar hum ermitão muito direito.<br>
+ Logo huma desdentada velha tia<br>
+ Respondeo, que de noite ella sentia<br>
+ Jogar-se pela salla muito a bola,<br>
+ E outras vezes tambem tocar viola:<br>
+ Que guardava comsigo este segredo,<br>
+ Porque a familia não tomasse medo.<br>
+ Acudio a criada delampeira,<span class="pn">{37}</span><br>
+ Levantando na casa igual poeira,<br>
+ Dizendo que ella vio na chaminé<br>
+ Hum pretinho pequeno posto em pé:<br>
+ Que vira fora de horas na cosinha<br>
+ A cantar, como gallo, huma gallinha,<br>
+ E que lhe forão pôr o seu capote,<br>
+ E côco de esfregar dentro do pote.<br>
+ Mas tudo isto fazia hum tal criado,<br>
+ Que andava da criada namorado;<br>
+ Porque o dono da casa com disfarce,<br>
+ Macaco velho, por desenganar-se,<br>
+ Foi-se na carvoeira introduzir<br>
+ De noite, sem ninguem o presumir;<br>
+ E vendo na alta noite bem a fundo<br>
+ Duas almas, que inda erão deste mundo,<br>
+ Que era o moço co' a moça conversando,<br>
+ Ao encontro sahio, mas perguntando:<br>
+ Que querião d'alli, ou a que vinhão?<br>
+ Ou se restituições algumas tinhão?<br>
+ Que trazia hum arrocho exp'rimentado,<br>
+ Para lhes acabar aquelle fado.<br>
+ E depois de molhar a sua sopa,<br>
+ Impoz pela manhã, com vento em pôpa,<br>
+ As duas cousas más, e nesse dia<br>
+ Á familia pagou igual quantia.<br>
+ <br>
+ Tambem em Campolide hoje acontece<br>
+ Hum caso, que aos das velhas se parece.<span class="pn">{38}</span><br>
+ Pois houve hum pobre alarve, que morrêo,<br>
+ E a seu filho em fantasma appareceo,<br>
+ Determinando a venda de huma vacca,<br>
+ Para pagar o panno da borjaca,<br>
+ Que escava ao mercador inda devendo,<br>
+ Por cuja causa andava padecendo.<br>
+ O filho foi fallar-lhe, por esperto,<br>
+ Porém veio de lá de horror cuberto;<br>
+ Cahio na cama trémulo, e doente,<br>
+ Que inda concorre a ir vêllo muita gente.<br>
+ <br>
+ As cousas más serão cousa mui boa,<br>
+ Huma vez que appareção por Lisboa;<br>
+ Porque havendo nas casas esta fama,<br>
+ Foi-se dos Senhorios a derrama,<br>
+ Que vão a excesso tal subindo a renda,<br>
+ Que não ha já com casas quem se entenda;<br>
+ E se o inquilino pede huma equidade,<br>
+ Tirão-lhe seis tostões por caridade.<br>
+ Porém motins de noite nos sobrados,<br>
+ Fantasmas de lençoes pelos telhados,<br>
+ Deitada a fama destas pataratas,<br>
+ Só assim se acharão casas baratas.<br>
+ <br>
+ Eu vejo das Tafulas a mania<br>
+ No luxo, com tão grande bizarria,<br>
+ Que parece, que perdem da lembrança<br>
+ Da vida á morte a funebre mudança;<span class="pn">{39}</span><br>
+ Engolfadas na moda dos vestidos,<br>
+ Nas guarnições, nos fôlhos, e franzidos,<br>
+ Não lhes vem hum instante ao pensamento<br>
+ Da guerra, fome, e peste o abatimento.<br>
+ Quem vê, que pelo mundo ha destes p'rigos,<br>
+ Deve temellos mais, como castigos<br>
+ Das vaidades, caprichos, soberbias,<br>
+ Desmazelos, excessos, fantasias;<br>
+ E pôr a tanto luxo hum meio termo,<br>
+ Que serve de enfeitar hum corpo enfermo.<br>
+ O tempo em consumir-nos he veloz,<br>
+ Não respeita Toukins, Rendas, Filós;<br>
+ He preciso pensar, com seriedade,<br>
+ N'um tempo de huma tal calamidade!<br>
+ Reformando-se vidas, e costumes,<br>
+ Que este tempo não he de antigos Numes,<br>
+ Huns fabulosos Deoses, que illudião<br>
+ Os povos, que a seu gosto he que os fazião.<br>
+ Vigia sobre nós a M<small>ÃO </small>E<small>TERNA</small>,<br>
+ Que nos castiga, ampara, e nos governa;<br>
+ Escandaliza aos olhos da razão,<br>
+ Tanta desenvoltura, e perdição.<br>
+ <br>
+ Tocando nas que são de baixa esfera,<br>
+ Esta gente tambem não se modera;<br>
+ Raparigas de brutos o retrato,<br>
+ Nutridas só, de vicios, sem recato,<br>
+ Criadas sem algum regulamento,<span class="pn">{40}</span><br>
+ Nem querem trabalhar para o sustento;<br>
+ Não buscão de servir decentes meios,<br>
+ Não querem aturar genios alheios;<br>
+ Quando muitas, que em casas tem servido.<br>
+ Fortunas tem achado, e bom marido;<br>
+ Mas querem exceder os seus limites,<br>
+ Sustentar luzimentos, e appetites,<br>
+ Nos péssimos int'resses embebidas,<br>
+ Se fazem desgraçadas, e perdidas,<br>
+ Máos exemplos de Mãis, Pais inhumanos,<br>
+ He que põem estas tristes em taes damnos;<br>
+ A Mãi, que a filha achar por manha tonta,<br>
+ Huma tunda lhe dê, por minha conta.<br>
+ <br>
+ Vejo muitas Senhoras pela rua,<br>
+ Como se andassem pela casa sua,<br>
+ De sáia, e de jaleco sem mais nada,<br>
+ A cabeça composta de palhada,<br>
+ Na mão o indispensavel, n'outra o leque,<br>
+ Andando como doudas, téque téque:<br>
+ E isto sempre com tal desembaraço,<br>
+ Que hum passo não alcança o outro passo.<br>
+ Sem chaile, manta, capa, nem capote,<br>
+ Tendo a desenvoltura por hum dote:<br>
+ Perdida assim aquella gravidade<br>
+ Das sérias Portuguezas d'outra idade.<br>
+ Não digo, nem direi que he uso em todas<br>
+ Os excessos ridiculos das modas,<span class="pn">{41}</span><br>
+ Inda ha muitas familias commedidas,<br>
+ Honestas, sérias, graves, bem regidas.<br>
+ Fallo da que na rua encontro só,<br>
+ Sem Mãi, tia, cunhada, nem avó:<br>
+ Bem como a expatriada taverneira,<br>
+ Que partio do seu reino aventureira,<br>
+ Para pôr em Lisboa em qualquer parte<br>
+ Tasca com hum fogão, e hum estandarte;<br>
+ E que sem mais decencia, nem reparo,<br>
+ Vai ás praças comprar o seu preparo,<br>
+ Com vestido de chita, nús os braços,<br>
+ Touca de folhos liza, ou com seus laços.<br>
+ Por isto os homens todos mais se atrevem,<br>
+ Quando fallando estão, ou quando escrevem<br>
+ Contra hum sexo, que sempre foi perfeito,<br>
+ Mas que em parte vai tendo algum defeito<br>
+ Nos trajes, que adoptou á estrangeira,<br>
+ Com a capa de ser tudo á ligeira.<br>
+ <br>
+ Ah mantos, mantos! tempo abençoado,<br>
+ Em que tudo se via respeitado!<br>
+ Inda que ouço dizer a alguns espertos,<br>
+ Que os olhos estão hoje muito abertos.<br>
+ Tomára perguntar-lhes: Que tivemos<br>
+ Desta grande esperteza, que hoje vemos?<br>
+ Andarem raparigas pelas praças<br>
+ De noite, e dia expostas a desgraças?<br>
+ Mãis, e filhas chegando a tal estado,<span class="pn">{42}</span><br>
+ Que não temem do mundo o máo olhado?<br>
+ Agourar os cometas, que apparecem?<br>
+ Vêr Balões, que no ar desapparecem?<br>
+ Não dar credito a nada, que se lê;<br>
+ Porém dos Repertorios fazer fé?<br>
+ Viver de muitas tramas, e illusões?<br>
+ Usar-se pantalonas por calções?<br>
+ O cabello sem pós, chapéo redondo?<br>
+ Fallar, sem fundamento, com estrondo<br>
+ Nos Barcos de vapôr, e seu destino?<br>
+ No rapé ordinario, grosso, e fino?<br>
+ Não me devo metter n'outras materias;<br>
+ A decencia me pede lhes dê ferias.<br>
+ E viviamos nós tão atrazados?<br>
+ Traziamos os olhos bem fechados!<br>
+ Porém não sei de que he que quando havião<br>
+ Esses olhos, que d'antes não se abrião,<br>
+ Havia a boa fé, humanidade,<br>
+ Consciencia, moral, honestidade,<br>
+ Nos Officios Divinos devoção,<br>
+ Sério, respeito, boa educação:<br>
+ Disto nascião genios de ternura,<br>
+ Juizo, compaixão, amor, candura;<br>
+ Hoje notão-se, como raridades<br>
+ Encontrarem-se destas qualidades.<br>
+ Por todo o mundo espiritos inquietos<br>
+ Andão-se levantando como insectos,<br>
+ Não abração a paz, nem o socego,<span class="pn">{43}</span><br>
+ O de olhos mais abertos anda cego,<br>
+ Sendo desta mania o fim primeiro<br>
+ O saciar de sangue, e de dinheiro.<br>
+ <br>
+ Portugal, Portugal! eu te lastimo,<br>
+ Porque he tudo verdade quanto exprimo!<br>
+ Eu vejo homens casados namorando,<br>
+ Que se vão por solteiros inculcando;<br>
+ Ás mulheres dos mais arrastão aza,<br>
+ E ardem se o mesmo mal lhes vai por casa,<br>
+ Sem se lembrarem que estas influencias<br>
+ Trazem comsigo tristes consequencias,<br>
+ E que fazer aos mais nunca devemos<br>
+ O que para nós outros não queremos.<br>
+ <br>
+ Eu vejo huma menina das d'agora,<br>
+ Que por casar não quer estar hum' hora,<br>
+ E que inda que naufrague, e vá ao fundo<br>
+ Parece-lhe fugir-lhe já o mundo;<br>
+ Que até já de doze annos vejo muitas<br>
+ Fazendo aos chichisbéos certas perguntas,<br>
+ Dirigidas sómente a casamento,<br>
+ Que ás vezes se converte n'hum tormento;<br>
+ Quando algum dia poucas se casavão,<br>
+ Em quanto os dezenove não contavão.<br>
+ Mas que ha de ser, se a mãi de pequeninas<br>
+ Quer que pisquem os olhos as meninas!<br>
+ E fica por gracinha da criança<span class="pn">{44}</span><br>
+ O saber namorar muito em lembrança.<br>
+ Com esta educação se desenvolvem,<br>
+ Té que de graça a sério se resolvem,<br>
+ E sem que esperem ser fruta do tarde,<br>
+ Vão sujeitar-se ao jugo (Deos as guarde.)<br>
+ <br>
+ Eu vejo certos genios de Senhoras,<br>
+ Que variando estão todas as horas,<br>
+ Muito doudas no modo de pensar,<br>
+ Por isso bem não podem acertar.<br>
+ Se adormecem mui fixas n'hum intento,<br>
+ Acordão já com outro pensamento:<br>
+ Fazem desta inconstancia mesmo alarde,<br>
+ O que são de manhã, não são de tarde.<br>
+ Em muitas se descobre este defeito,<br>
+ O qual tomão os homens muito a peito;<br>
+ Porque não sabem, vendo esta incerteza,<br>
+ Quando a mulher he falsa, ou tem firmeza,<br>
+ Quando zomba, entretem, ou falla serio,<br>
+ Ou se anda louca, de juizo aério.<br>
+ <br>
+ Vejo algumas de genio impertinente,<br>
+ Que postas a fallar matarão gente<br>
+ Com gritos, que se mettem nos ouvidos,<br>
+ Que muitas ensurdecem os maridos.<br>
+ Surdos devião elles todos ser,<br>
+ Para o luxo das filhas, e mulher,<br>
+ Prendas, e dotes n'huma Dama boa<span class="pn">{45}</span><br>
+ No luxo não estão, sim na pessoa.<br>
+ Nossas avós, que em moças se casárão,<br>
+ De luxo com excesso não usárão;<br>
+ E se alguma comsigo mais gastava,<br>
+ Lindas sedas do Reino he que comprava:<br>
+ Das quaes, inda depois de ser usadas,<br>
+ Se fazião cubertas aceadas;<br>
+ E não podre filó com bordadura,<br>
+ Que tres, quatro lavagens só atura,<br>
+ Comprado por hum mimo rico e guapo,<br>
+ Que no fim de seis mezes he hum trapo;<br>
+ E o dinheiro a cahir pela invenção,<br>
+ Apezar da barriga não ter pão.<br>
+ Luxo no frontespicio he que apparece,<br>
+ Em tudo o mais pobreza se conhece.<br>
+ <br>
+ Tambem do compromisso he a partida:<br>
+ E porque a gente seja bem servida,<br>
+ Vêm o opio do chá tambem por luxo,<br>
+ Ou agoa quente de enxagoar o buxo;<br>
+ Que não passando de agoa, e de fatia,<br>
+ Leva hum par de tostões: quem tal diria!<br>
+ E para que se bote a conta a tudo,<br>
+ Vamos vêr o que leva por miudo.<br>
+ Aparelho aceado, igual bandeja,<br>
+ Porque o brio da casa alli se veja:<br>
+ Perola, Aljôfar, ou Hisson, e Uxim;<br>
+ Carvão, manteiga, e assucar não ruim;<span class="pn">{46}</span><br>
+ Criadas de trazer, e de levar;<br>
+ Agoa a ferver até isto acabar.<br>
+ Anda a Dona da casa sem descanço<br>
+ Dando por toda a copa o seu balanço;<br>
+ Se de humas cousas tem, ha de outras falta;<br>
+ No aparelho o gatinho ás vezes salta;<br>
+ O estrondo, que elle faz, ouve-se fora,<br>
+ Parte á cozinha em sustos a Senhora:<br>
+ Vê seis, ou sete chavanas quebradas,<br>
+ E por desgraça são das emprestadas.<br>
+ Dá co'hum páo na criada, e mais no gato;<br>
+ Põe-se a moça a chorar, juntando o fato.<br>
+ Este o risco, este o trem, he esta a lida,<br>
+ Para pão com manteiga, agoa fervida!<br>
+ Ah tempos, tempos! Como estaes mudados!<br>
+ Onde estão as merendas dos estrados?<br>
+ Onde a crespa salada, e a ella junto<br>
+ O saboroso paio, o bom presunto?<br>
+ Perdeste, Portugal, costumes taes,<br>
+ E com elles perdeste os cabedaes!<br>
+ Querendo só com chá em abundancia,<br>
+ Que he tudo fórma, e nada de substancia,<br>
+ Crear todo o vigor, de que careces<br>
+ Nestas enfermidades, que padeces.<br>
+ <br>
+ Vejo tambem Senhoras mui teimosas,<br>
+ E nas teimas, que tem, tão caprichosas,<br>
+ Que por levarem só a sua avante,<span class="pn">{47}</span><br>
+ Levantão testemunhos n'hum instante.<br>
+ Accelerão-se, gritão, e esbravejão,<br>
+ Só porque accreditadas melhor sejão.<br>
+ Se alguem as desmentio, temos historia,<br>
+ He offensa, que fica de memoria;<br>
+ Porque quem commetter tal attentado,<br>
+ Conte ficar por ellas mal olhado;<br>
+ Que huma mulher tem tanto de extremosa,<br>
+ Compassiva, amoravel, carinhosa,<br>
+ Como tem de raivosa, e vingativa,<br>
+ Delirante, indomavel, cega, e altiva,<br>
+ Se offendida se vê, ou tem ciume,<br>
+ Parece que dos olhos lhe sahe lume,<br>
+ E n'hum tal frenesi a pobre cai,<br>
+ Que d'alli a morrer mui pouco vai.<br>
+ Tambem as modas lhes vão dando a morte;<br>
+ Pois vejo-as em Janeiro áspero, e forte,<br>
+ De panninho, e de chitas armadinhas,<br>
+ De caças, de filós, ou de sedinhas:<br>
+ De dia em dia passão constipadas,<br>
+ Por isso vemos tantas descoradas,<br>
+ Com dôr de peito, com tossinha secca,<br>
+ Com pertinazes dores de enxaqueca.<br>
+ O homem no anno tem quatro estações;<br>
+ As Senhoras não tem senão verões.<br>
+ Elles abafão-se, ellas põem-se á fresca;<br>
+ Que he quando o reumatismo mais se pesca.<br>
+ Algum dia o baetão, panno, ou veludo<span class="pn">{48}</span><br>
+ Da Senhora era o trajo mais sisudo,<br>
+ Com que de inverno andava reparada<br>
+ Dos grandes frios, e áspera geada;<br>
+ E inda, além de ser isto uso decente,<br>
+ Raras vezes se via huma doente,<br>
+ Hoje agoas ferreas, ares de Bemfica,<br>
+ Banhos de mar, remedios de botica,<br>
+ Vão as Senhoras pondo em tal frescura,<br>
+ Que vão fartas de fresco á sepultura.<br>
+ <br>
+ Ora pois, Portugal, eu te lastimo!<br>
+ E só para teu bem he que te intimo,<br>
+ Visto haver já mui pouco quem te entenda,<br>
+ Que tenhas nos abusos mais emenda.<br>
+ Quem a qualquer faisca acode logo,<br>
+ Não vê arder em casa hum grande fogo.<br>
+ Talvez por eu dizer isto, que sinto,<br>
+ Apezar de saber-se que não minto,<br>
+ Muita gente dirá que cuide em mim:<br>
+ Que deixe Portugal, e o Mundo assim;<br>
+ Que por mais que me empenhe na reforma,<br>
+ O Mundo não se afasta desta norma.<br>
+ Eu isso lhe concedo, não lho nego;<br>
+ Porém se em verso, e prosa assim lhe prégo,<br>
+ He para no sermão fazer-lhe certo<br>
+ Que o sei conhecer bem, e bem de perto.<br>
+ <br>
+ E tu, ó Portugal, se inda te illudes,<span class="pn">{49}</span><br>
+ Os vicios confundindo co'as virtudes,<br>
+ Enlevado na moda, e nos abusos,<br>
+ Esquecido dos teus antigos usos,<br>
+ Filosofias novas não abraces,<br>
+ Com estes modernismos não te enlaces;<br>
+ Modifica os costumes, que te arrastão,<br>
+ Que inda o pouco, que tens, isso te gastão:<br>
+ Faze que resuscite de huma vez<br>
+ O honrado, e bom caracter Portuguez:<br>
+ Faze que as Bellas Letras possão inda<br>
+ Mostrar aos nacionaes a face linda,<br>
+ Que raiando de novo, como a Aurora,<br>
+ Dêm aos genios enfermos a melhora.<br>
+ E talvez possa então a mocidade<br>
+ Criar-lhes mais amor, mais amizade;<br>
+ Que n'hum espasmo tal, nesta inação<br>
+ De tão perniciosa educação,<br>
+ A tudo, quanto he bom, se perde o gosto,<br>
+ Nem de hum livro se lê sequer o rosto.<br>
+ <br>
+ A mesma encantadora alta Poesia<br>
+ Appreço já não tem, como algum dia:<br>
+ Então era por todos estimada;<br>
+ Hoje está, como tudo, desgraçada.<br>
+ Feliz tempo de antigos Portuguezes!<br>
+ Camões, Sá de Miranda, Sá Menezes;<br>
+ Hum Castilho, huns Andrades, hum Ferreira,<br>
+ Castro, Teive, Bernardes, e Silveira;<span class="pn">{50}</span><br>
+ George de Monte-Mór, Franco Barreto,<br>
+ Do almo Virgilio Traductor completo;<br>
+ Candido Lisitano Mestre da Arte,<br>
+ Hum Bacellar, que em meu louvor tem parte;<br>
+ Hum Matos Traductor do grande Tasso,<br>
+ Educado das Musas no regaço;<br>
+ Homens de gosto, de arte, e natureza,<br>
+ Honra da Lingoagem Portugueza!<br>
+ Nos escriptos de então se descobria<br>
+ A sentença, a doçura co' a harmonia.<br>
+ Mais proximos a nós muitos respeitão<br>
+ Outros mil, cujas obras nos deleitão:<br>
+ Hum Tarouca, hum Penalva, hum Ericeira,<br>
+ De quem a alada Fama he pregoeira;<br>
+ Hum Gregorio de Matos bem sabido,<br>
+ Hum Alexandre, hum Pinto Renascido,<br>
+ Frei Simão, nos seus versos implicado<br>
+ Com este Renascido mal fadado;<br>
+ Hum Lobo Leiriense, Cunha, e Pina,<br>
+ Hum Padre Bras, que em graça não declina;<br>
+ Hum Duarte Ferrão muito erudito,<br>
+ Que produzio o Metrico Palito;<br>
+ (Se delle o proprio nome este não he,<br>
+ Conheça-se em Reitor da Nazaré;)<br>
+ Hum Brito de Vianna, hum Meliseu,<br>
+ Pimenta jovial no que escreveu;<br>
+ Hum Vilella, hum Basilio, hum Paradiz,<br>
+ Hum Gonzaga, hum Garção, douto Diniz;<span class="pn">{51}</span><br>
+ Claudio, Quita, Alvarenga, Hum Amaral,<br>
+ Hum Bandeira bastante social;<br>
+ O Sabio, e inimitavel Tolentino,<br>
+ Que aprendeo a viver no seu ensino;<br>
+ Bocage, Pimentel, Curvo Semmedo,<br>
+ O actual Orador Padre Macedo;<br>
+ Hum Padre Nascimento, hum Quintanilha,<br>
+ Com quem Apollo fez igual partilha;<br>
+ Dias em Bellas Letras eminente,<br>
+ Figueiredo no Cómico eloquente;<br>
+ Hum Torres, hum Massuellos, Lara, Azedo,<br>
+ Moraes, e outro estimavel Figueiredo:<br>
+ Cujos Nomes a Febo enchem de gloria,<br>
+ A Fama os leva ao Templo da Memoria.<br>
+ <br>
+ Matos, que desde a idade juvenil<br>
+ Se casou com a Musa Pastoril:<br>
+ Tudo quanto escreveo hoje se preza;<br>
+ Por mostrar huma rara natureza.<br>
+ Dois Ribeiros, Brandão, hum vago Lobo,<br>
+ Que de critico a fama lhe não roubo;<br>
+ O celebrado Abbade de Jacente,<br>
+ Hum Theodoro com elle contendente;<br>
+ Hum Caldas Brazileiro, no improviso<br>
+ Engraçado, modesto, e com juizo:<br>
+ Sempre em qualquer assumpto discorria,<br>
+ Deixando, satisfeita a companhia:<span class="pn">{52}</span><br>
+ Se delle algum rival ha por desgraça,<br>
+ Aponte-me segundo, que isto faça!<br>
+ <br>
+ Dois Barunchos, Otone, e mais Coutinho,<br>
+ Que acertárão das Musas no caminho;<br>
+ Hum Medina, hum Novaes, Maya, e Delgado;<br>
+ Hum Bersane no Lirico affamado,<br>
+ Severino, e Soares Portuense,<br>
+ Hum Maximo, que o iguala, se o não vence;<br>
+ Hum engenhoso Barros, que em viveza<br>
+ Prodigio mostra ser da natureza;<br>
+ Hum Cabral Transmontano ás Musas dado,<br>
+ Nobrega, que viveo tão desgraçado;<br>
+ Hum Guerreiro, e Belmiro, que honra o Douro:<br>
+ Todos a C'rôa tem do Febeo Louro.<br>
+ <br>
+ Mais tres Vates, a quem faltou a vista,<br>
+ (Que remedio não ha, que lhe resista.)<br>
+ Hum Thomaz, hum Martins, novo Castilho,<br>
+ Qualquer delles de Apollo digno filho.<br>
+ Mas se dos olhos toda a luz perdêrão,<br>
+ No juizo outras luzes accendêrão.<br>
+ Hum Araujo, hum Lopes, hum Moniz,<br>
+ Mayo e Lima, que já ferir me quiz:<br>
+ Que inda apezar do ataque, que me fez,<br>
+ Jamais de o elogiar perderei vez;<br>
+ Que ataques de Poeta, inda os maiores,<span class="pn">{53}</span><br>
+ Como foguetes são de jogadores.<br>
+ Estes Genios harmonicos, que pinto,<br>
+ Lá no Premesse tem lugar distinto,<br>
+ <br>
+ Hum Durão Padre Mestre Graciano<br>
+ Com Estro divertido Americano.<br>
+ Serra, Ferreira Lobo, o bom Forjaz,<br>
+ E o Beneficiado Velho Vaz<br>
+ (O consoante aqui me deo conselho,<br>
+ Para pôr Velho Vaz, e não Vaz Velho.)<br>
+ O Conego José São Bernardino,<br>
+ Filho tambem de Apollo, homem de tino;<br>
+ Campello, os dois Malhões, Mello, e Raposo,<br>
+ Carvalho, igual ao jovial Barroso;<br>
+ H<span class="accent"><sup>~</sup>u</span> Costa, h<span class="accent"><sup>~</sup>u</span> Bingre, h<span class="accent"><sup>~</sup>u</span> Camera, h<span class="accent"><sup>~</sup>u</span> Verné,<br>
+ Quintella, Xavier, Padre Soye.<br>
+ Dois Botelhos Professo, e Secular,<br>
+ Hum Antonio Ricardo, hum Aguiar.<br>
+ Estes Vates, que aponto, se conhecem,<br>
+ E huma eterna saudade nos merecem:<br>
+ Qualquer delles crédor de melhor sorte,<br>
+ «E outros, em quem poder não teve a morte.»<br>
+ Quasi todos nas obras, que deixárão,<br>
+ Seus Nomes sem vaidade eternizárão.<br>
+ Destes Vates mui poucos vivos são,<br>
+ E todos elles honrão a Nação.<br>
+ Confesso que hoje tenho a maior gloria<span class="pn">{54}</span><br>
+ Em trazer estes Genios á memoria.<br>
+ Mas que serve escrever grandes volumes,<br>
+ Se estão prevaricados os costumes!<br>
+ Quatro velhos, que lêm estes Authores,<br>
+ São os que inda lhes dão justos louvores;<br>
+ Que estes meninos de hoje (coitadinhos!)<br>
+ Estudão n'outras classes de livrinhos,<br>
+ Livrinhos, com que o demo quiz campar,<br>
+ Para as bolsas de todo entisicar.<br>
+ Pouca gente conhece, ou avalia<br>
+ O trabalho, que dá qualquer Poesia.<br>
+ Lêr, e rir bem se vê não custar nada;<br>
+ Compor empreza foi sempre arriscada;<br>
+ E por isso estimar-se mais se deve<br>
+ A penna, que em qualquer assumpto escreve.<br>
+ <br>
+ Portugal, Portugal! eu te lastimo,<br>
+ Se com verdades taes te não animo!<br>
+ Sem se lêr, nada bom póde fazer-se;<br>
+ Edificios não ha sem alicer-se.<br>
+ Quem lê, e estuda a fundo sem jactancia,<br>
+ Dissipa as densas nuvens da ignorancia.<br>
+ Se já puzeste as Armas em descanco,<br>
+ Vai dar nas Livrarias hum balanço:<br>
+ Escolhe, compra, e lê; porque a lição<br>
+ Ha de accender-te as luzes da razão:<br>
+ Ella ensina, interessa, ella diverte,<br>
+ E póde dar juízo ao mais inerte.<span class="pn">{55}</span><br>
+ E se, seguindo a ordem, que me espera,<br>
+ «Eu nunca mais serei quem d'antes era,»<br>
+ Recordando o que eu digo alguns instantes,<br>
+ Portugal, tu serás qual eras d'antes.<span class="pn">{56}</span></blockquote>
+<span class="pn">{57}</span>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<div style="margin-left: 30%; font-size: small;">
+<hr>
+
+<blockquote>
+ <em>As cousas todas veja aqui mudadas<br>
+ Em tristes as que ledas ser soyão<br>
+ As tristes muito mais tristes tornadas.</em><br>
+          Bernard. Cart. VI.</blockquote>
+<hr>
+</div>
+
+<p style="text-align:center;">SONETO.</p>
+
+<blockquote>
+ Soffreo Lysia hum Tremor de terra horrendo,<a name="tex2html5"
+ href="#foot154"><sup>[5]</sup></a><br>
+    Seguio-se-lhe depois Traição ferina,<a name="tex2html6"
+ href="#foot155"><sup>[6]</sup></a><br>
+    Rebateo de hum Leão furia, e rapina,<a name="tex2html7"
+ href="#foot156"><sup>[7]</sup></a><br>
+    E pouco a pouco foi a fronte erguendo:<a name="tex2html8"
+ href="#foot157"><sup>[8]</sup></a><br>
+ Por morte do seu Rei ficou gemendo,<a name="tex2html9"
+ href="#foot253"><sup>[9]</sup></a><br>
+    E o Céo, por consolalla, lhe destina<br>
+    Soberana immortal quasi divina,<a name="tex2html10"
+ href="#foot254"><sup>[10]</sup></a><br>
+    Que em paz o Povo seu ficou regendo:<br>
+ Hum Monstro de ambição, e de vingança<a name="tex2html11"
+ href="#foot161"><sup>[11]</sup></a><br>
+    Surge do centro do sulfureo Averno,<br>
+    Perde a Europa o equilibrio da balança:<br>
+ Restaura Portugal seu bom Governo;<br>
+    Mas não vêr o seu Rei!.. Esta lembrança<a name="tex2html12"
+ href="#foot255"><sup>[12]</sup></a><br>
+    O põe banhado em pranto, e em luto eterno.<span
+class="pn">{58}</span></blockquote>
+<span class="pn">{59}</span>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Ao Author se mandou pelo Correio carta sem nome, datada de 22 de Julho do
+presente anno de 1819, na qual se lhe pedia, com o maior empenho, quizesse
+decifrar o seguinte Epitaphio enigmatico; e que na primeira Obra, que désse á
+luz, puzesse a sua definição.</p>
+
+<p>Suspeita-se porém que a carta veio de pessoa gorda; e ou fosse escrita por
+basofía, ou por divertido ataque ao Author, seja qual for o motivo, elle vai a
+satisfazer.</p>
+
+<blockquote>
+ <em>          Epitaphio Enigmatico.<br>
+ <br>
+ </em>Ci git le fils, ci git la mere,<br>
+ Ci git la fille avec le pere,<br>
+ Ci git la soeur, ci git le frere,<br>
+ Ci git la femme, et le mari,<br>
+ Et ne sont que trois corps ici.</blockquote>
+
+<p>Responde o Author: Que logo que o filho seja hermaphrodito, temos neste
+aborto da natureza filho, e filha, irmão, e irmã em hum corpo só. No pai, e mãi
+temos marido, e mulher, que são dois corpos: por morte de todos, jazem só tres
+no tumulo.</p>
+
+<p>Por outra: Tendo hum homem huma filha, e deíxando-a ainda criança, para ir
+viajar,<span class="pn">{60}</span> quando voltou, casou com ella, por hum
+acaso, ignorando ser a mesma, que deixou de pequenina; e vindo a ter hum filho
+della, e a morrer todos tres pela ordem do tempo, indo todos á mesma sepultura,
+fica bem claro que alli se achão filho, e mãi, filha, e pai, irmão, e irmã,
+mulher, e marido, tudo em tres corpos.</p>
+
+<p>Estimará o Author ter acertado, ou que algum dos seus curiosos Leitores
+descubrão melhor intelligencia, com tanto que não seja a que vem explicada no
+primeiro tomo do Divertimento de Estudiosos pag. 59, onde se acha este mesmo
+Enigma mais resumido; porque aponta, seis pessoas, e dá enterrados só dois
+corpos, como se vê no seguinte:</p>
+
+<blockquote>
+ Cy gist le pere, cy gist la mere,<br>
+ Cy gist la soeur, cy gist le frere:<br>
+ Cy gist la femme, e le mary;<br>
+ Et n'y a que deux corps icy.<br>
+ <br>
+        <em>Divertim. de Estud. Tom. I. pag. 59.</em></blockquote>
+
+<p>Agora roga o Author ao Amigo, que lhe escreveo a mencionada carta, queira
+decifrar-lhe tambem os Enigmas, Advinhação, e Charades, que se seguem, e que se
+não tirárão de Livros.<span class="pn">{61}</span></p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p style="text-align:center;"><em>1.º Enigma.</em></p>
+
+<blockquote>
+ Eu sou hum Mundo sem gente,<br>
+ Figuro em qualquer trabalho;<br>
+ Humas vezes não sou nada,<br>
+ Outras vezes muito valho:<br>
+ Eu entro no Purgatorio,<br>
+ E tambem vou ao Inferno,<br>
+ Entrada tenho no Ceo,<br>
+ E estou ao lado do Eterno:<br>
+ Os Anjos de mim dependem,<br>
+ Os Virtuosos, e os Santos;<br>
+ No Mundo, sem ser aranha,<br>
+ Ando sempre pelos cantos.<br>
+
+
+ <blockquote>
+ O que isto será *<br>
+ O Leitor o dirá. *<span class="pn">{62}</span></blockquote>
+</blockquote>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p style="text-align:center;"><em>2.º Enigma.</em></p>
+
+<blockquote>
+ Vinte e hum homens se embarcárão,<br>
+ Temporal os apanhou;<br>
+ Morrêrão vinte afogados,<br>
+ Temos hum, que se salvou:<br>
+ Este seguio a viagem;<br>
+ Mas comsigo sempre achou<br>
+ A conta dos mesmos vinte,<br>
+ Com que na praia embarcou;<br>
+ Que por sinal de amizade,<br>
+ Que sempre se praticou,<br>
+ Alguns as mãos apertavão<br>
+ Aos socios do que escapou.
+
+ <blockquote>
+ Desejava-se saber *<br>
+ Dos vinte quaes vem a ser. *<span class="pn">{63}</span></blockquote>
+</blockquote>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p style="text-align:center;"><em>3.º Enigma.</em></p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<blockquote>
+ Comprárão-se doze,<br>
+ Mas seis estruidos,<br>
+ E forão por doze,<br>
+ Os seis repartidos:<br>
+ Com partes iguaes<br>
+ Os doze ficárão;<br>
+ Porém os perdidos<br>
+ Aqui não entrárão:<br>
+ E faz esta conta<br>
+ Ser certa, e ser boa,<br>
+ Caber huma inteira,<br>
+ A cada pessoa.
+
+ <blockquote>
+ Para melhor perceberes *<br>
+ Resta saber soletrar; *<br>
+ Depois disto conheceres, *<br>
+ Luzes podes alcançar *<br>
+ Vastas, para me entenderes. *<span class="pn">{64}</span></blockquote>
+</blockquote>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p style="text-align:center;"><em>Adivinhação.</em></p>
+
+<blockquote>
+ Julgão-me todos riqueza,<br>
+ Porém ando esfrangalhado;<br>
+ E quem me vê neste estado,<br>
+ He que mais me estima, e preza:<br>
+ Minha mulher, sem benzer<br>
+ De quebranto, os mais defende;<br>
+ E quem de mófas se offende,<br>
+ A vai a outro off'recer:<br>
+ O ser branco, ou ser vermelho,<br>
+ Não me faz algum destrôço;<br>
+ Tanto me estimão em moço<br>
+ Como depois que sou velho.
+
+ <blockquote>
+ Fita os olhos no que digo, *<br>
+ Gostarás disto comigo. *<span class="pn">{65}</span></blockquote>
+</blockquote>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p style="text-align:center;">1.ª Charade.</p>
+
+<blockquote>
+ Se o principio do meu nome<br>
+ Vem d'Astro de claridade,<br>
+ He bem, que, sendo celeste,<br>
+ Seja o meio a caridade:<br>
+ E que o fim, de igual razão,<br>
+ Vos denote a compaixão;<br>
+ Vindo unido a defender,<br>
+ Vossa vida, e vosso ter.
+
+ <blockquote>
+ Solta as redeas ao discurso, *<br>
+ Dá combinação, ás cousas; *<br>
+ Do Sabio he este o recurso. *<span class="pn">{66}</span></blockquote>
+</blockquote>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p style="text-align:center;">2.ª Charade.</p>
+
+<blockquote>
+ A primeira, e segunda he mui veloz;<br>
+ Sendo aguda a terceira afflige, e mata;<br>
+ E quem reúne as tres, faz-se hum algoz.
+
+ <blockquote>
+ Cabe na mente do esperto *<br>
+ Saber o quanto te digo; *<br>
+ Dorme, sahirás deste apêrto. *</blockquote>
+</blockquote>
+<hr style="width: 30%;">
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<blockquote>
+ Amigo, escusas cançar-te;<br>
+ Por ter de ti compaixão,<br>
+ Nos versos, que tem estrella,<br>
+ Acharás a explicação.<br>
+ <br>
+ Se Acrosticos não entendes,<br>
+ (O que não he natural,)<br>
+ He por que tens a cabeça<br>
+ Formada de pedra, e cal.<span class="pn">{67}</span></blockquote>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p style="text-align:center;">CATALOGO</p>
+
+<p style="text-align:center;"><em>Das Obras impressas de José Daniel Rodrigues
+da Costa.</em></p>
+<ul>
+ <li>Rimas I. e II. Tomo. </li>
+ <li>Theatro Cómico de pequenas Peças. </li>
+ <li>Almocreve de Petas, dividido na 2.ª impressão, em 3 Tomos. </li>
+ <li>Comboi de mentiras. </li>
+ <li>Espreitador do Mundo novo, em que vem as 6 partes dos Opios. </li>
+ <li>Barco da Carreira dos tôlos. </li>
+ <li>Jôgo dos Dotes. </li>
+ <li>Hospital do Mundo. </li>
+ <li>Camera Optica. </li>
+ <li>Tribunal da Razão. </li>
+ <li>Revista dos Genios. </li>
+ <li>Roda da Fortuna. </li>
+ <li>Os Enjeitados da Fortuna. </li>
+ <li>O Poema do Balão aos Habitantes da Lua. </li>
+ <li>E esta de Portugal enfermo por vicios, e abusos.<span
+ class="pn">{68}</span> </li>
+</ul>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p style="text-align:center;"><em>Do mesmo Author se imprimírão avulsos os
+Folhetos seguintes.</em> </p>
+<ul>
+ <li>Quadras alegres aos Annos do Serenissimo Senhor D. Pedro Carlos, em 1804.
+ </li>
+ <li>Quintilhas ao mesmo Senhor, em 1805. </li>
+ <li>Ditas ao mesmo assumpto, em 1806. </li>
+ <li>Quadras divertidas ao mesmo, em 1807. </li>
+ <li>Espelho de jogadores. Este Folheto vem tambem impresso na Revista dos
+ Genios. </li>
+</ul>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p style="text-align:center;"><em>Obras do mesmo Author, impressas do anno de
+1808 por diante, ao vasto, e calamitoso assumpto da invasão dos Francezes em
+Portugal.</em> </p>
+<ul>
+ <li>Protecção á Franceza I. e II. Parte. </li>
+ <li>Partidista contra Partidistas. </li>
+ <li>Resposta á Proclamação, que em Hespanha fez o General Augereau. </li>
+ <li>Cantigas Patrioticas. </li>
+ <li>Surriada a Massena I. e II. Parte. </li>
+ <li>Conversação Nocturna das Esquinas do Rocío de Lisboa. </li>
+ <li>Carta de parabens, com hum Dialogo dos dois Generaes Francezes Filippon,
+ e Bertier.<span class="pn">{70}</span> </li>
+ <li>Encontro na Eternidade dos dois Generaes Francezes Marmont, e Bonnet.
+ </li>
+ <li>Silva ao memoravel Lord Wellington. </li>
+ <li>Testamento engenhoso do Dom Quixote da França, ao partir para a Russia.
+ </li>
+ <li>Canto funebre na sentida Morte da nossa Soberana a Senhora D.
+ M<small>ARIA</small> I. </li>
+</ul>
+
+<p>As pessoas curiosas podem esperar pela Parte II. desta Obra, para poderem
+então mandalla encadernar, junta com o Poema do Balão aos Habitantes da Lua,
+que assim lhes ficará hum Livro de 8.º completo.</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+<hr>
+
+<p><em>Vende-se esta Obra na Loja de Francisco Xavier de Carvalho, defronte da
+Rua de S. Francisco da Cidade; na de Antonio Manoel Polycarpo da Silva, junto
+ao Senado; na de Antonio Xavier Moreira, da Impressão Regia debaixo da Arcada;
+na de João Henriques, no principio da Rua Augusta; na de Antonio Pedro, na Rua
+do Ouro; na de Luiz José de Carvalho, aos Paulistas; e em Belém, na da Viuva de
+José Tiburcio. Preço 240 réis.</em></p>
+<hr>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<div class="rodape">
+<p><a name="foot71" href="#tex2html1"><sup>[1]</sup></a> ... A desejada vinda
+dos nossos Soberanos.</p>
+
+<p><a name="foot251" href="#tex2html2"><sup>[2]</sup></a> <em>Ameijoadas</em>,
+são noites perdidas: tirada esta palavra do Diccionario novo dos Tafues.</p>
+
+<p><a name="foot252" href="#tex2html3"><sup>[3]</sup></a> <em>Patusca</em>,
+palavra tirada do mencionado Diccionario apenso.</p>
+
+<p><a name="foot114" href="#tex2html4"><sup>[4]</sup></a> Hum tremor
+imaginario, com que em 20 de Agosto do presente anno de 1819 se intimidou parte
+do Povo de Lisboa, tomando em diverso sentido o que lhes dizia o Reportorio
+naquelle mez.</p>
+
+<p><a name="foot154" href="#tex2html5"><sup>[5]</sup></a> O grande Terremoto do
+1 de Novembro de 1755.</p>
+
+<p><a name="foot155" href="#tex2html6"><sup>[6]</sup></a> O horroroso attentado
+na infausta noite de 3 de Setembro de 1758.</p>
+
+<p><a name="foot156" href="#tex2html7"><sup>[7]</sup></a> A guerra da Hespanha
+contra Portugal em 1761.</p>
+
+<p><a name="foot157" href="#tex2html8"><sup>[8]</sup></a> A reedificação da
+Cidade de Lisboa.</p>
+
+<p><a name="foot253" href="#tex2html9"><sup>[9]</sup></a> A morte do sempre
+memoravel Rei o Senhor D. J<small>OSÉ</small> I.</p>
+
+<p><a name="foot254" href="#tex2html10"><sup>[10]</sup></a> O feliz Reinado da
+Fidelissima Senhora D. M<small>ARIA</small> I.</p>
+
+<p><a name="foot161" href="#tex2html11"><sup>[11]</sup></a> O Tyranno do Mundo,
+assollador dos Povos, Napoleão Bonaparte.</p>
+
+<p><a name="foot255" href="#tex2html12"><sup>[12]</sup></a> O nosso
+amabilissimo Monarcha o Senhor D. J<small>OÃO</small> VI.</p>
+</div>
+</div>
+
+<p>&nbsp;</p>
+<div class="fbox"><p><b>Notas de transcrição:</b></p>
+
+<p>O texto aqui transcrito, é uma cópia integral e inalterada do livro
+impresso em 1819.</p>
+
+<p>Mantivemos a grafia usada na edição impressa, tendo sido corrigidos alguns
+pequenos erros tipográficos evidentes, que não alteram a leitura do texto,
+e que por isso não considerámos necessário assinalá-los. Mantivemos
+inclusivamente as eventuais incoerências de grafia de algumas palavras, em
+particular quanto à acentuação.</p>
+
+<p>Na edição impressa, foram usados caracteres que já não são usados,
+em particular "u com til" ( <span class="accent"><sup>~</sup>u</span> ). Para representar esses caracteres
+tirámos partido das potencialidades do html e css. O método usado foi testado com os <em>browsers</em> mais populares à data desta edição electrónica, mas ainda assim o resultado pode variar de utilizador para utilizador.</p>
+</div>
+
+
+
+
+
+
+
+
+
+<pre>
+
+
+
+
+
+End of the Project Gutenberg EBook of Portugal enfermo por vicios, e abusos
+de ambos os sexos, by José Daniel Rodrigues da Costa
+
+*** END OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK PORTUGAL ENFERMO POR VICIOS ***
+
+***** This file should be named 31743-h.htm or 31743-h.zip *****
+This and all associated files of various formats will be found in:
+ https://www.gutenberg.org/3/1/7/4/31743/
+
+Produced by Pedro Saborano (produced from scanned images
+of public domain material from Google Book Search)
+
+
+Updated editions will replace the previous one--the old editions
+will be renamed.
+
+Creating the works from public domain print editions means that no
+one owns a United States copyright in these works, so the Foundation
+(and you!) can copy and distribute it in the United States without
+permission and without paying copyright royalties. Special rules,
+set forth in the General Terms of Use part of this license, apply to
+copying and distributing Project Gutenberg-tm electronic works to
+protect the PROJECT GUTENBERG-tm concept and trademark. Project
+Gutenberg is a registered trademark, and may not be used if you
+charge for the eBooks, unless you receive specific permission. If you
+do not charge anything for copies of this eBook, complying with the
+rules is very easy. You may use this eBook for nearly any purpose
+such as creation of derivative works, reports, performances and
+research. They may be modified and printed and given away--you may do
+practically ANYTHING with public domain eBooks. Redistribution is
+subject to the trademark license, especially commercial
+redistribution.
+
+
+
+*** START: FULL LICENSE ***
+
+THE FULL PROJECT GUTENBERG LICENSE
+PLEASE READ THIS BEFORE YOU DISTRIBUTE OR USE THIS WORK
+
+To protect the Project Gutenberg-tm mission of promoting the free
+distribution of electronic works, by using or distributing this work
+(or any other work associated in any way with the phrase "Project
+Gutenberg"), you agree to comply with all the terms of the Full Project
+Gutenberg-tm License (available with this file or online at
+https://gutenberg.org/license).
+
+
+Section 1. General Terms of Use and Redistributing Project Gutenberg-tm
+electronic works
+
+1.A. By reading or using any part of this Project Gutenberg-tm
+electronic work, you indicate that you have read, understand, agree to
+and accept all the terms of this license and intellectual property
+(trademark/copyright) agreement. If you do not agree to abide by all
+the terms of this agreement, you must cease using and return or destroy
+all copies of Project Gutenberg-tm electronic works in your possession.
+If you paid a fee for obtaining a copy of or access to a Project
+Gutenberg-tm electronic work and you do not agree to be bound by the
+terms of this agreement, you may obtain a refund from the person or
+entity to whom you paid the fee as set forth in paragraph 1.E.8.
+
+1.B. "Project Gutenberg" is a registered trademark. It may only be
+used on or associated in any way with an electronic work by people who
+agree to be bound by the terms of this agreement. There are a few
+things that you can do with most Project Gutenberg-tm electronic works
+even without complying with the full terms of this agreement. See
+paragraph 1.C below. There are a lot of things you can do with Project
+Gutenberg-tm electronic works if you follow the terms of this agreement
+and help preserve free future access to Project Gutenberg-tm electronic
+works. See paragraph 1.E below.
+
+1.C. The Project Gutenberg Literary Archive Foundation ("the Foundation"
+or PGLAF), owns a compilation copyright in the collection of Project
+Gutenberg-tm electronic works. Nearly all the individual works in the
+collection are in the public domain in the United States. If an
+individual work is in the public domain in the United States and you are
+located in the United States, we do not claim a right to prevent you from
+copying, distributing, performing, displaying or creating derivative
+works based on the work as long as all references to Project Gutenberg
+are removed. Of course, we hope that you will support the Project
+Gutenberg-tm mission of promoting free access to electronic works by
+freely sharing Project Gutenberg-tm works in compliance with the terms of
+this agreement for keeping the Project Gutenberg-tm name associated with
+the work. You can easily comply with the terms of this agreement by
+keeping this work in the same format with its attached full Project
+Gutenberg-tm License when you share it without charge with others.
+
+1.D. The copyright laws of the place where you are located also govern
+what you can do with this work. Copyright laws in most countries are in
+a constant state of change. If you are outside the United States, check
+the laws of your country in addition to the terms of this agreement
+before downloading, copying, displaying, performing, distributing or
+creating derivative works based on this work or any other Project
+Gutenberg-tm work. The Foundation makes no representations concerning
+the copyright status of any work in any country outside the United
+States.
+
+1.E. Unless you have removed all references to Project Gutenberg:
+
+1.E.1. The following sentence, with active links to, or other immediate
+access to, the full Project Gutenberg-tm License must appear prominently
+whenever any copy of a Project Gutenberg-tm work (any work on which the
+phrase "Project Gutenberg" appears, or with which the phrase "Project
+Gutenberg" is associated) is accessed, displayed, performed, viewed,
+copied or distributed:
+
+This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with
+almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or
+re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included
+with this eBook or online at www.gutenberg.org
+
+1.E.2. If an individual Project Gutenberg-tm electronic work is derived
+from the public domain (does not contain a notice indicating that it is
+posted with permission of the copyright holder), the work can be copied
+and distributed to anyone in the United States without paying any fees
+or charges. If you are redistributing or providing access to a work
+with the phrase "Project Gutenberg" associated with or appearing on the
+work, you must comply either with the requirements of paragraphs 1.E.1
+through 1.E.7 or obtain permission for the use of the work and the
+Project Gutenberg-tm trademark as set forth in paragraphs 1.E.8 or
+1.E.9.
+
+1.E.3. If an individual Project Gutenberg-tm electronic work is posted
+with the permission of the copyright holder, your use and distribution
+must comply with both paragraphs 1.E.1 through 1.E.7 and any additional
+terms imposed by the copyright holder. Additional terms will be linked
+to the Project Gutenberg-tm License for all works posted with the
+permission of the copyright holder found at the beginning of this work.
+
+1.E.4. Do not unlink or detach or remove the full Project Gutenberg-tm
+License terms from this work, or any files containing a part of this
+work or any other work associated with Project Gutenberg-tm.
+
+1.E.5. Do not copy, display, perform, distribute or redistribute this
+electronic work, or any part of this electronic work, without
+prominently displaying the sentence set forth in paragraph 1.E.1 with
+active links or immediate access to the full terms of the Project
+Gutenberg-tm License.
+
+1.E.6. You may convert to and distribute this work in any binary,
+compressed, marked up, nonproprietary or proprietary form, including any
+word processing or hypertext form. However, if you provide access to or
+distribute copies of a Project Gutenberg-tm work in a format other than
+"Plain Vanilla ASCII" or other format used in the official version
+posted on the official Project Gutenberg-tm web site (www.gutenberg.org),
+you must, at no additional cost, fee or expense to the user, provide a
+copy, a means of exporting a copy, or a means of obtaining a copy upon
+request, of the work in its original "Plain Vanilla ASCII" or other
+form. Any alternate format must include the full Project Gutenberg-tm
+License as specified in paragraph 1.E.1.
+
+1.E.7. Do not charge a fee for access to, viewing, displaying,
+performing, copying or distributing any Project Gutenberg-tm works
+unless you comply with paragraph 1.E.8 or 1.E.9.
+
+1.E.8. You may charge a reasonable fee for copies of or providing
+access to or distributing Project Gutenberg-tm electronic works provided
+that
+
+- You pay a royalty fee of 20% of the gross profits you derive from
+ the use of Project Gutenberg-tm works calculated using the method
+ you already use to calculate your applicable taxes. The fee is
+ owed to the owner of the Project Gutenberg-tm trademark, but he
+ has agreed to donate royalties under this paragraph to the
+ Project Gutenberg Literary Archive Foundation. Royalty payments
+ must be paid within 60 days following each date on which you
+ prepare (or are legally required to prepare) your periodic tax
+ returns. Royalty payments should be clearly marked as such and
+ sent to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation at the
+ address specified in Section 4, "Information about donations to
+ the Project Gutenberg Literary Archive Foundation."
+
+- You provide a full refund of any money paid by a user who notifies
+ you in writing (or by e-mail) within 30 days of receipt that s/he
+ does not agree to the terms of the full Project Gutenberg-tm
+ License. You must require such a user to return or
+ destroy all copies of the works possessed in a physical medium
+ and discontinue all use of and all access to other copies of
+ Project Gutenberg-tm works.
+
+- You provide, in accordance with paragraph 1.F.3, a full refund of any
+ money paid for a work or a replacement copy, if a defect in the
+ electronic work is discovered and reported to you within 90 days
+ of receipt of the work.
+
+- You comply with all other terms of this agreement for free
+ distribution of Project Gutenberg-tm works.
+
+1.E.9. If you wish to charge a fee or distribute a Project Gutenberg-tm
+electronic work or group of works on different terms than are set
+forth in this agreement, you must obtain permission in writing from
+both the Project Gutenberg Literary Archive Foundation and Michael
+Hart, the owner of the Project Gutenberg-tm trademark. Contact the
+Foundation as set forth in Section 3 below.
+
+1.F.
+
+1.F.1. Project Gutenberg volunteers and employees expend considerable
+effort to identify, do copyright research on, transcribe and proofread
+public domain works in creating the Project Gutenberg-tm
+collection. Despite these efforts, Project Gutenberg-tm electronic
+works, and the medium on which they may be stored, may contain
+"Defects," such as, but not limited to, incomplete, inaccurate or
+corrupt data, transcription errors, a copyright or other intellectual
+property infringement, a defective or damaged disk or other medium, a
+computer virus, or computer codes that damage or cannot be read by
+your equipment.
+
+1.F.2. LIMITED WARRANTY, DISCLAIMER OF DAMAGES - Except for the "Right
+of Replacement or Refund" described in paragraph 1.F.3, the Project
+Gutenberg Literary Archive Foundation, the owner of the Project
+Gutenberg-tm trademark, and any other party distributing a Project
+Gutenberg-tm electronic work under this agreement, disclaim all
+liability to you for damages, costs and expenses, including legal
+fees. YOU AGREE THAT YOU HAVE NO REMEDIES FOR NEGLIGENCE, STRICT
+LIABILITY, BREACH OF WARRANTY OR BREACH OF CONTRACT EXCEPT THOSE
+PROVIDED IN PARAGRAPH F3. YOU AGREE THAT THE FOUNDATION, THE
+TRADEMARK OWNER, AND ANY DISTRIBUTOR UNDER THIS AGREEMENT WILL NOT BE
+LIABLE TO YOU FOR ACTUAL, DIRECT, INDIRECT, CONSEQUENTIAL, PUNITIVE OR
+INCIDENTAL DAMAGES EVEN IF YOU GIVE NOTICE OF THE POSSIBILITY OF SUCH
+DAMAGE.
+
+1.F.3. LIMITED RIGHT OF REPLACEMENT OR REFUND - If you discover a
+defect in this electronic work within 90 days of receiving it, you can
+receive a refund of the money (if any) you paid for it by sending a
+written explanation to the person you received the work from. If you
+received the work on a physical medium, you must return the medium with
+your written explanation. The person or entity that provided you with
+the defective work may elect to provide a replacement copy in lieu of a
+refund. If you received the work electronically, the person or entity
+providing it to you may choose to give you a second opportunity to
+receive the work electronically in lieu of a refund. If the second copy
+is also defective, you may demand a refund in writing without further
+opportunities to fix the problem.
+
+1.F.4. Except for the limited right of replacement or refund set forth
+in paragraph 1.F.3, this work is provided to you 'AS-IS' WITH NO OTHER
+WARRANTIES OF ANY KIND, EXPRESS OR IMPLIED, INCLUDING BUT NOT LIMITED TO
+WARRANTIES OF MERCHANTIBILITY OR FITNESS FOR ANY PURPOSE.
+
+1.F.5. Some states do not allow disclaimers of certain implied
+warranties or the exclusion or limitation of certain types of damages.
+If any disclaimer or limitation set forth in this agreement violates the
+law of the state applicable to this agreement, the agreement shall be
+interpreted to make the maximum disclaimer or limitation permitted by
+the applicable state law. The invalidity or unenforceability of any
+provision of this agreement shall not void the remaining provisions.
+
+1.F.6. INDEMNITY - You agree to indemnify and hold the Foundation, the
+trademark owner, any agent or employee of the Foundation, anyone
+providing copies of Project Gutenberg-tm electronic works in accordance
+with this agreement, and any volunteers associated with the production,
+promotion and distribution of Project Gutenberg-tm electronic works,
+harmless from all liability, costs and expenses, including legal fees,
+that arise directly or indirectly from any of the following which you do
+or cause to occur: (a) distribution of this or any Project Gutenberg-tm
+work, (b) alteration, modification, or additions or deletions to any
+Project Gutenberg-tm work, and (c) any Defect you cause.
+
+
+Section 2. Information about the Mission of Project Gutenberg-tm
+
+Project Gutenberg-tm is synonymous with the free distribution of
+electronic works in formats readable by the widest variety of computers
+including obsolete, old, middle-aged and new computers. It exists
+because of the efforts of hundreds of volunteers and donations from
+people in all walks of life.
+
+Volunteers and financial support to provide volunteers with the
+assistance they need are critical to reaching Project Gutenberg-tm's
+goals and ensuring that the Project Gutenberg-tm collection will
+remain freely available for generations to come. In 2001, the Project
+Gutenberg Literary Archive Foundation was created to provide a secure
+and permanent future for Project Gutenberg-tm and future generations.
+To learn more about the Project Gutenberg Literary Archive Foundation
+and how your efforts and donations can help, see Sections 3 and 4
+and the Foundation web page at https://www.pglaf.org.
+
+
+Section 3. Information about the Project Gutenberg Literary Archive
+Foundation
+
+The Project Gutenberg Literary Archive Foundation is a non profit
+501(c)(3) educational corporation organized under the laws of the
+state of Mississippi and granted tax exempt status by the Internal
+Revenue Service. The Foundation's EIN or federal tax identification
+number is 64-6221541. Its 501(c)(3) letter is posted at
+https://pglaf.org/fundraising. Contributions to the Project Gutenberg
+Literary Archive Foundation are tax deductible to the full extent
+permitted by U.S. federal laws and your state's laws.
+
+The Foundation's principal office is located at 4557 Melan Dr. S.
+Fairbanks, AK, 99712., but its volunteers and employees are scattered
+throughout numerous locations. Its business office is located at
+809 North 1500 West, Salt Lake City, UT 84116, (801) 596-1887, email
+business@pglaf.org. Email contact links and up to date contact
+information can be found at the Foundation's web site and official
+page at https://pglaf.org
+
+For additional contact information:
+ Dr. Gregory B. Newby
+ Chief Executive and Director
+ gbnewby@pglaf.org
+
+
+Section 4. Information about Donations to the Project Gutenberg
+Literary Archive Foundation
+
+Project Gutenberg-tm depends upon and cannot survive without wide
+spread public support and donations to carry out its mission of
+increasing the number of public domain and licensed works that can be
+freely distributed in machine readable form accessible by the widest
+array of equipment including outdated equipment. Many small donations
+($1 to $5,000) are particularly important to maintaining tax exempt
+status with the IRS.
+
+The Foundation is committed to complying with the laws regulating
+charities and charitable donations in all 50 states of the United
+States. Compliance requirements are not uniform and it takes a
+considerable effort, much paperwork and many fees to meet and keep up
+with these requirements. We do not solicit donations in locations
+where we have not received written confirmation of compliance. To
+SEND DONATIONS or determine the status of compliance for any
+particular state visit https://pglaf.org
+
+While we cannot and do not solicit contributions from states where we
+have not met the solicitation requirements, we know of no prohibition
+against accepting unsolicited donations from donors in such states who
+approach us with offers to donate.
+
+International donations are gratefully accepted, but we cannot make
+any statements concerning tax treatment of donations received from
+outside the United States. U.S. laws alone swamp our small staff.
+
+Please check the Project Gutenberg Web pages for current donation
+methods and addresses. Donations are accepted in a number of other
+ways including including checks, online payments and credit card
+donations. To donate, please visit: https://pglaf.org/donate
+
+
+Section 5. General Information About Project Gutenberg-tm electronic
+works.
+
+Professor Michael S. Hart was the originator of the Project Gutenberg-tm
+concept of a library of electronic works that could be freely shared
+with anyone. For thirty years, he produced and distributed Project
+Gutenberg-tm eBooks with only a loose network of volunteer support.
+
+
+Project Gutenberg-tm eBooks are often created from several printed
+editions, all of which are confirmed as Public Domain in the U.S.
+unless a copyright notice is included. Thus, we do not necessarily
+keep eBooks in compliance with any particular paper edition.
+
+
+Most people start at our Web site which has the main PG search facility:
+
+ https://www.gutenberg.org
+
+This Web site includes information about Project Gutenberg-tm,
+including how to make donations to the Project Gutenberg Literary
+Archive Foundation, how to help produce our new eBooks, and how to
+subscribe to our email newsletter to hear about new eBooks.
+
+
+</pre>
+
+</body>
+</html>
diff --git a/LICENSE.txt b/LICENSE.txt
new file mode 100644
index 0000000..6312041
--- /dev/null
+++ b/LICENSE.txt
@@ -0,0 +1,11 @@
+This eBook, including all associated images, markup, improvements,
+metadata, and any other content or labor, has been confirmed to be
+in the PUBLIC DOMAIN IN THE UNITED STATES.
+
+Procedures for determining public domain status are described in
+the "Copyright How-To" at https://www.gutenberg.org.
+
+No investigation has been made concerning possible copyrights in
+jurisdictions other than the United States. Anyone seeking to utilize
+this eBook outside of the United States should confirm copyright
+status under the laws that apply to them.
diff --git a/README.md b/README.md
new file mode 100644
index 0000000..0fcf418
--- /dev/null
+++ b/README.md
@@ -0,0 +1,2 @@
+Project Gutenberg (https://www.gutenberg.org) public repository for
+eBook #31743 (https://www.gutenberg.org/ebooks/31743)