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authorRoger Frank <rfrank@pglaf.org>2025-10-14 20:01:20 -0700
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+The Project Gutenberg EBook of Fialho d'Almeida, by Visconde de Vila Moura
+
+This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with
+almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or
+re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included
+with this eBook or online at www.gutenberg.org
+
+
+Title: Fialho d'Almeida
+
+Author: Visconde de Vila Moura
+
+Illustrator: António Carneiro
+
+Release Date: November 12, 2010 [EBook #34288]
+
+Language: Portuguese
+
+Character set encoding: ISO-8859-1
+
+*** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK FIALHO D'ALMEIDA ***
+
+
+
+
+Produced by Mike Silva
+
+
+
+
+
+ VISCONDE
+
+ DE
+
+ VILLA-MOURA
+
+
+ FIALHO D'ALMEIDA
+
+ (COM UM DESENHO DE ANTONIO CARNEIRO)
+
+
+ EDIÇÃO DA «RENASCENÇA PORTUGUESA»
+
+
+
+
+ Direitos reservados
+
+
+
+
+ FIALHO D'ALMEIDA
+
+
+
+
+DO AUCTOR:
+
+A Moral na Religião e na Arte, 1906.
+
+A Vida Mental Portuguesa, 1909.
+
+Vida Litteraria e Politica, 1911.
+
+Nova Sapho (romance), 1912.
+
+Camillo Inédito annotado, 1913.
+
+CONTOS E NOVELLAS:
+
+I--Doentes da Belleza, 1913.
+
+II--Bohemios, 1914.
+
+Antonio Nobre, 1915.
+
+Grandes de Portugal (em collaboração com Antonio Carneiro), 1916.
+
+Fialho d'Almeida, 1916.
+
+
+
+
+ VISCONDE DE VILLA-MOURA
+
+ Fialho d'Almeida
+
+
+
+ EDIÇÃO DA
+ «RENASCENÇA PORTUGUESA»
+ PORTO
+
+
+
+
+I
+
+CUBA E VILLA DE FRADES
+
+
+Eu estive já, por duas vezes, em Villa de Frades, no largo da
+Misericordia, onde foi aquella «casinha de taipa, construida por
+pedreiros da gente de Fialho»--como elle nos conta na _Autobiographia_
+do seu livro--_Á Esquina_.
+
+Fui ali quando das minhas jornadas pelo Baixo Alemtejo, em excursão de
+curioso pelo mais da sua gente e paizagem.
+
+A primeira vez que visitei a residencia de Fialho, que não é já hoje a
+casita de taipa que os seus construiram, mas uma das melhores da
+terriola,--foi por uma tarde de agosto, uma daquellas tardes de
+rescaldo que erguem, á volta de nós, serpentes de fogo, e lhe ensinaram,
+a elle, a sua pintura deslumbrante, á maneira de Rubens, em que a
+propria côr queima!
+
+Não foi sem um certo alvoroço, confesso, que bati ao portão da antiga
+casa do Escriptor.
+
+Veio alguem abri-lo, deixando a descoberto, a meio de uma segunda porta
+fronteira, um homem alto, vestido de negro, de aspecto recolhido, quasi
+ecclesiastico, e que, num instante, me encarou e desappareceu,
+abandonando-me no jardim, ao sol, com o meu remorso de indiscreto.
+
+Desapparecera tambem o creado, ou quem quer que fosse, que me tinha
+introduzido no pateo.
+
+Esperei instantes, e, como não visse alguem, dirigi-me para a entrada da
+primeira casa, que logo vi ser a cozinha, encarando, pela segunda vez,
+aquella mesma figura quasi sombra, que depois soube que era o irmão
+de Fialho.
+
+Disse alto o que queria:--falar ao dono da casa e pedir-lhe o favor de
+me deixar ver a antiga residencia do Artista.
+
+Sahiu a attender-me uma mulher nova, figura doente e franzina, que logo
+se deu a explicar-me que era ella a actual dona da antiga casa do
+Escriptor, de quem era parenta, vivendo ali com o marido e seu primo, o
+irmão de Fialho d'Almeida, que, já ao tempo, mais familiarizado comigo,
+me fitava serenamente.
+
+Dei-me tambem a vê-lo melhor.
+
+Não me lembro da edade que me disse ter; quarenta e sete annos podia
+talvez apparentar.
+
+--Que era um temperamento impressionavel, a espaços dado a medos e
+hysterias, sempre melancholico, informou ainda a sua parenta.
+
+Deparou-me, pois, o acaso, nem mais nem menos, do que um novo documento
+a instruir a historia do genio do Artista, na pessoa do irmão, que me
+dei a ver como uma figura-symbolo de familia, em que, não sei porque,
+presenti a elegia viva da Arte mais exquisita e morbida de Fialho,
+qualquer coisa da neurilidade extravagante dos seus doridos, aquella que
+animou os seus personagens tão suavemente fataes e androgynos, toda a
+belleza maravilhosa, e não raro inconsequente, da sua obra de
+apontamentos, onde tão extranhamente exuberam os noctambulos e toda a
+sorte de mysteriosos!
+
+Corrêra, de certo, enferma a adolescencia do irmão de Fialho, que viera
+até ali, aos quarenta e sete annos, ou mais que podia ter, porventura
+ainda innocente, como por milagre da sua mesma frouxidão de alma, a que,
+a cada momento, sua prima alludia, ao referir-me, perto delle, as
+sinistras manhans das suas torturas de neuropatha.
+
+Entretanto que a dona da Casa me convidava a passar á primeira sala,
+chegou o marido della, tambem primo de Fialho, que, a meu pedido,
+mandara chamar, e que logo se dispoz a acompanhar-me, apontando-me, por
+miudo, o mobiliario e antigos aposentos do Artista.
+
+Fôra este seu parente a quem Fialho recorrera, quando, na vespera da
+morte, veio a Villa de Frades, ordenar os papeis do seu gabinete, como
+quem se decide a dispor tudo, antes de seguir...
+
+--Quando chegou deu pela falta da chave do escriptorio, me explicou o
+snr. José Fialho. E apontando uma porta:--tentou ainda abri-lo,
+quebrando o vidro daquella bandeira; por fim, resolveu-se a chamar-me,
+e, como é cá da minha arte este serviço, pois sou carpinteiro,
+immediatamente arranjei tudo; e, elle entrou, demorando-se aqui até á
+hora da partida.
+
+Insisti na supposição, que mais se radicou em mim, depois da minha
+derradeira estada no Alemtejo, do provavel suicidio de Fialho,
+confirmando-me o seu parente que, de facto, se tinha aventurado tal
+suspeita, logo apoz a sua morte, mas que os medicos que, por ultimo, o
+haviam soccorrido, tinham negado o facto, e, elle, por si, coisa alguma
+sabia dizer a tal respeito...
+
+Entretanto, encarou-me mysteriosamente, quando lhe disse que alguem da
+familia Carapeto, que lhe assistira á morte, na Cuba, tinha como certo o
+seu envenenamento; que, na vespera, elle tratara do arranjo definitivo
+de tudo, e nomeadamente do seu testamento, lavrado numa das dependencias
+da Tabacaria Fonseca, onde costumava passar parte das noites; que
+soubera, ainda na Cuba, dos seus aborrecimentos de doente, afóra outras
+razões que a minha admiração tinha reunido para reconstituir o drama
+duvidoso do seu desenlace.
+
+Mas deixêmos este caso ao tempo, que é quem definitivamente aclara tudo,
+e voltemos á sua casa de Villa de Frades.
+
+
+Como acima informei, actualmente pouco deve ella ter da construcção
+primitivamente gizada pelo pae do Escriptor, antigo mestre regio da
+freguezia.
+
+É sabido que Fialho casara com uma senhora de fortuna, de quem tambem
+ficou herdeiro, pelo que tanto aquella Casa, como a de Cuba, sua
+residencia predilecta, foram por elle reformadas, com todas as melhorias
+em uso nas boas construcções da região.
+
+Mas não se infira dahi que se trate de edificios luxuosos; são, pelo
+contrario, casas sem interesse, e, ainda, no ponto de vista artistico,
+valem tão sómente pelo caracter que lhes advém do facto de obedecerem ao
+desenho do mais das habitações daquellas paragens,--quasi todas ellas
+tijoladas, cozinhas brancas de telha van, eirados sobre a planicie, e os
+jardins tão intimos das casas e pateos, á maneira arabe, como que
+continuando-se das salas.
+
+Villa de Frades, pequena povoação do concelho da Vidigueira, com um
+censo de dois mil habitantes proximamente, tem um certo relevo, em
+contraste com o resto da formidavel planura sul-alemtejana, e, o que é
+mais, foi uma das poucas terras, se não a unica do districto, que
+encontrei verde, no agosto em que a visitei. Tudo o mais, ao largo, era
+desolação e secca.
+
+ [IMAGEM: Fialho d'Almeida. Desenho de Antonio Carneiro]
+
+Para lá da matriz, logo ao sahir do povoado, corriam as obras das
+escolas que o Escriptor garantira com o seu testamento, e que,
+confesso, pouco me detiveram, dado o meu aborrecimento por construcções
+do seu desenho, entre gaiolas e penitenciarias, com destino á futura
+infancia de Villa de Frades, de mais, ao tempo, sobremaneira
+antipathicas, como todos os edificios por concluir.
+
+O que devéras me prendeu, foi a chamada antiga Casa da Aula, pela qual
+perguntei ao primo de Fialho e immediatamente saiu a apontar-me.
+
+É fronteira á Egreja, e um edificio tosco, sobre o comprido, áquelle
+tempo escrupulosamente caiado, de aspecto simples e o ar abstracto de um
+templo abandonado.
+
+Era quasi noite. A matriz bateu não sei que horas, com aquella
+solemnidade triste, que é do dobrar dos sinos de todas as villas...
+
+Dei-me a imaginar a infancia de Fialho, partilhando daquella
+melancholia, pelas grandes tardes morrinhentas de Villa de Frades, com
+todo o primeiro mundo da sua inicial e subconsciente comparticipação da
+Vida...
+
+Ali, de facto, naquella humillissima escola, cursara elle as primeiras
+lettras, de par das primeiras contrariedades, ao lado do pae, o mestre
+escola da terra, «aquelle typo de santo austero, n'uma alma de sonhador,
+sempre calado», explica o Artista, annos depois.
+
+E, em verdade, tanto como a casa onde nasceu, mais ainda, talvez, se me
+prendeu da alma aquella capellita das suas primeiras canseiras.
+
+Ahi deveria, porventura, estabelecer-se o Museu-Fialho, uma vez que uma
+dezena de amigos, refiro-me sobretudo aos seus amigos de leitura, se
+concertasse para juntar em tal logar, com os seus livros, tudo o que
+pudesse considerar-se como reliquia da sua obra ou memoria.
+
+Da casa de Fialho, em Villa de Frades, hoje quasi vazia do peregrino
+espirito que a encheu, lembrarei especialmente o quarto do Artista,
+onde, por acaso, quedam algumas arcas com revistas que excluiu da sua
+livraria, destinada á Bibliotheca de Lisboa, legando-as a um amigo que
+ainda as não levantou, e, nas paredes, duas telas da sua auctoria.
+
+Propositadamente trazemos a publico a noticia, que cremos em primeira
+hora, daquellas telas, ambas más, de figuras religiosas, de tintas
+empastadas e peior desenho, pelo interesse de documentar o seu esforço
+de plastico, que o fez pintor, em segredo, a elle, o critico
+impertinente dos maiores pintores do seu paiz!
+
+Esta, porventura, tambem a nota mais interessante que me foi dado
+conhecer por informação da Familia-Fialho, e me fez lembrar o caso
+de Hugo, identicamente desenhista e, mais ainda, entalhador, e cuja
+obra, no genero, decora, ao presente, a sua antiga residencia, hoje
+Museu, na _Place des Vosges_.
+
+Finalmente, resta-me apontar, o trecho fronteiro á casa, systema absorto
+de outeiros verde-suaves, que se me depararam conhecidos, como se, de
+sempre, os houvesse visitado.
+
+E, de facto, era quasi assim. Conhecia-os, havia muito, de algumas das
+paginas mais luxuriantes do Escriptor, onde elle, o magnifico colorista,
+a espaços se deu a pintá-los daquella tinta intima que lhe veio, pelo
+tempo fóra, das suas memorias e impressões de infante.
+
+
+Despeço-me, á pressa, da sympathica terriola, como quem foge do tumulto
+de lembranças que me vem da casa, daquelles outeiros, dos primos de
+Fialho, do Irmão, irreprehensivelmente estatual no seu papel de symbolo
+rigoroso; e parece-me receber das mãos deste fios da tragedia, ainda
+viva, das primeiras desfortunas do Artista, as que lhe advieram da quasi
+miseria da sua segunda infancia, e cuja recordação o obrigava talvez,
+mais tarde, a fugir dali, (onde viveu sempre o menos tempo) por
+morphinizar-se do aborrecimento em commum por terras de mais convivio.
+
+
+A Casa da Cuba, que em geral preferia, quando estava no Alemtejo, é um
+edificio melhor que o de Villa de Frades, tambem terreo e de
+compartimentos amplos.
+
+Nesta casa fui encontrar enferma, na mesma alcova em que o Artista
+agonisara, a sua antiga legataria,--uma senhora de edade da Familia
+Carapeto, a quem devo o offerecimento dos retratos de Fialho que
+illustram a presente noticia e alguns dos seus esclarecimentos.
+
+Pouco me detive nesta sua antiga morada, e o tempo que ali quedei foi no
+terraço, velho miradouro de gosto mourisco, donde se abrange, numa
+extensão de leguas, o mais das terras seccas que circumdam a Comarca.
+
+Cuba é das povoações mais incaracteristicas e sem interesse que
+encontrei no Baixo Alemtejo. Lembra, pela monotonia do seu casario
+reverberante, certas povoações de Hespanha, da Mancha, sobretudo, e que,
+em vez de quebrarem a aridez das chans, servem como que a memorá-las,
+tão irmans da estepe parecem crescer da terra.
+
+Avalio, com tristeza, do viver do Escriptor na villa, quando, obrigado
+pelas mil coisas desagradaveis da sua vida, em que parece não ter
+figurado pouco a intriga politica da ultima hora,--se recolheu aos seus
+telheiros.
+
+Fez o acaso que me defrontasse com o proprietario da Tabacaria, em que
+passava uma parte das noites, a conversar, por distrahir-se e illudir a
+monotonia que o cercava.
+
+Deu-se-me logo o snr. Fonseca, não afianço o appellido, como tendo sido
+muito da intimidade de Fialho, propondo-se reproduzir factos e retalhos
+seus de conversa que, é claro, lhe sahiam pouco authenticos...
+
+--Conheceu-o pessoalmente? me perguntou elle, a meio das suas tiradas.
+
+E, á minha negativa:
+
+--Pois olhe que era melhor ouvi-lo, do que lê-lo!
+
+Os livros valem pouco, accrescentou, em comparação com o que elle aqui
+nos contava...
+
+E logo continuou a palavrear ácerca do Artista, emquanto eu me explicava
+a sua vida final, o suicidio provavel, os caixões de revistas que vira
+em Villa de Frades, e com as quaes elle, por ultimo, quasi obrigado a
+viver ali, bem por certo, de volta a casa, iria feriar-se daquellas
+noites mal conversadas com quem, por falta de ouvidos, não podia
+ouvi-lo,--a elle que fora em Lisboa, o primeiro de um cenáculo de que
+haviam feito parte, entre outros, artistas como Ramalho e Bordallo, ao
+lado de curiosos, ás vezes, valha a verdade, bem inferiores ao
+sympathico negociante, que, ao menos, herdara do seu convivio a devoção
+supersticiosa da sua memoria!
+
+
+Como quer que seja, pois que Fialho passou em Cuba os ultimos annos da
+sua vida, importa-me naturalmente escrever da pequena cabeça da
+comarca o pouco que della apontei de más lembranças.
+
+Como acima referi, não tem ella, para mim, a bem dizer, outro interesse
+alem do que lhe advem do facto de ter sido o derradeiro exilio do
+Escriptor, que se dava a disfarçá-lo, administrando directamente as suas
+herdades.
+
+Especie de villa improvisada, sem paizagem que pudesse entreter, por
+momentos, o espirito, aliaz exigentissimo do Artista; sem edificios de
+valor; com repartições inferiores; avenidas lugubres, no geito da
+Alameda, sobranceira ao Caminho de ferro, e sombria como uma rua de
+cemiterio; habitações mesquinhas, servidas de ruas mal calçadas; a
+Estação, a distancia, quasi que fugida da terra que a fizeram
+servir--tal é, de facto, Cuba, cujo casario abre sobre a campina
+formidavel do sul como uma aguarella infima!
+
+E, entretanto, foi ali que Fialho quiz ficar, e mandou que lhe erigissem
+o mausoleu, que visitei na ultima tarde da minha estada em Cuba, depois
+de dolorosos transes para arrancar duma adega o chaveiro do Cemiterio.
+
+Ah! como Fialho tinha razão, ao informar-nos no conto--_A Ruiva:_--«Ha
+uma coisa peior que um cão damnado: é um coveiro bebado!»
+
+Comtudo, ao lado dum tal coveiro segui eu até ao cemiterio de Cuba, em
+que, aliaz, coisa alguma de notavel fui encontrar.
+
+Todos os cemiterios, a meu ver, se parecem; o da Cuba vale o
+_Père-Lachaise_, como o de _Montmartre_ ou _Montparnasse_, por nomear os
+trez mais notaveis de França (onde os homens passam por mais
+reconhecidos)--como os de todas as terras, ainda os das muito
+civilizadas e extremas.
+
+Imagine-se um cercado alto, com o ar de casa, á qual o vento
+arrebatasse o telhado, arruamentos de capellas e arcas com lettras de
+pedra, uma especie de convento de ossos, onde todos os dias ha camas de
+terra revolvidas e cruzes novas;--a frieza dos brancos e solemnes livros
+de marmore, das flores, ali casuaes e tranzidas, dos esguios arvoredos,
+como de todo um pequeno mundo de symbolos;--uma lage-obstaculo em cada
+campa, e, como a fechar mais os que jazem, gradis, linhas de cimento
+juntando as cantarias, mais um complicado e diabolico systema de
+cremalheiras e cadeados!
+
+Eis o cemiterio de Cuba, cujo desenho é, de facto, o de todas as grandes
+ou pequenas cidades de mortos, dos quaes os vivos se vão desquitando,
+mais ainda do que cobrindo-os daquelles obstaculos,--quasi esquecendo-os
+para ali, onde perpetuamente terão de ficar, afastados de tudo, onde
+jámais chegará o proprio carinho selvagem dos temporaes, sós, entre os
+silencios negros da sua noite immensa, velados dos elementos, a par das
+esculpturas somnambulas dos tumulos, tambem de si indifferentes,
+abstractas, e, como por acaso, ali dispostas, ainda por erguerem
+(paredes-meias dos cinerarios) o formal e glacido tributo da sua agonia
+fria e lapidar!
+
+Ora, isto me ia eu recordando, ao seguir, mais o coveiro, pelo cemiterio
+de Cuba, do mesmo passo que, sem querer, lembrava certas passagens da
+Obra de Fialho, que, de momento, quasi me falavam, e, eu sentia, como
+que batidas de vento, ao meu ouvido...
+
+Como no caso das grandes paginas de presagio da sua
+monographia--_Manuel_, começára de anoitecer, e os sinos tocavam!
+
+Ainda mais, lembro-me de ouvir, ao longe, nitidamente,
+distinctamente, representando-se-me como um relampago vermelho á meia
+treva, o uivar daquelle cão, que, quando, em taes paginas, o Artista se
+dá a dialogar com o Coveiro a probabilidade de Manuel ser enterrado
+vivo, como toda a sua afflicção pela farça material dos tumulos--como
+que o chama á realidade desse mundo que fica para alem do proprio
+pezadelo hystero-epiletico da sua tortura de superemotivo, e lhe queda,
+a dobrar, na alma, o timbre vivo e sinistro da hora horrivel que já não
+conta, e, eu, de momento senti ali, perto delle, bater tragicamente,
+lugubremente, como um echo do seu sentido, ainda doloroso, embora já
+distante, vago, erradio...
+
+Porque, para mim, esse typo de _hysterico_ e _fragmentado_,
+_contradictorio_ e _presciente_ que figurou no _Manuel_, é
+fundamentalmente elle proprio, desdobrando-se por escrever a sua
+mesma «duplicidade cerebral» e gritar contra a desgraça do _outro_, «o
+que morrera», e agora, eu sabia ali, sem que ao menos pudesse precisar
+onde!
+
+Onde?
+
+Eis o que o coveiro, depois que o instei, se deu a contar-me, moendo as
+palavras, que, aliaz, lhe sahiam cavas e aos gorgolões, como se me
+falasse ainda da adega á qual, minutos antes, o fôra arrancar.
+
+Afinal pouco tem que ver a futura Casaforte dos ossos de Fialho,--no
+começo da primeira rua do cemiterio, e a poucos passos do portão, como
+do logar em que nos encontravamos.
+
+Imagine-se uma especie de cofre em marmore branco, sem arestas,
+escrupulosamente polido e goivado á volta, quasi sem ornatos, uma porta
+grossa cruzada da fecharia,--todo elle de um desenho facil, e, por sobre
+a cupula, ainda de pedra, dois gatos de bronze, dormindo abraçados o
+velho somno dos symbolos! Eis tudo...
+
+Este, repetimos, o mausoleu que lhe servirá em breve.
+
+Porque provisoriamente, e a avaliar das informações que apontei, o
+Escriptor, descança ainda, de momento, ao fim do cemiterio, perto da
+ultima parede, num pedaço de chão mal tijolado e de emprestimo, em
+sepultura rasa...
+
+
+
+
+II
+
+A INDOLE DE FIALHO
+
+
+Não é facil escrever de momento, e directamente, ácerca dum artista como
+Fialho, tal o occultismo das suas predilecções, como, mais propriamente,
+da obra que deixou, e tomaremos ainda como indice da sua singularissima
+neurilidade.
+
+Assim, começaremos por esclarecer que Fialho d'Almeida era filho de um
+homem da Beira e de uma mulher do Alemtejo, por melhor caracterizar
+algumas das suas extranhezas e contrastes, como o seu conflicto em
+materia de assumptos e realizações artisticas, que, antes de tudo,
+parecia advir-lhe do ser encontro de duas raças.
+
+Da mesma maneira que cumpre ter presente a influencia da provincia
+em que nasceu, e que, na infancia, a edade impressionavel por
+excellencia, lhe deu aquelle amor pela tinta mais propria, ou seja a que
+os seus olhos receberam directamente da paizagem; como a sua grande
+intimidade com a natureza, com quem aprendeu a exprimir-se, e que tão
+fundamente foi penetrada pelo seu genio.
+
+De facto, nenhum elemento mais cioso da transmissão do caracter do que a
+terra. O que Fialho prova, á saciedade, a par dos nossos maiores
+impressionistas.
+
+Desenvolvemos noutro logar[1] a indole da zona mais meridional
+do Alemtejo, onde se incluem Cuba e a pequena villa em que nasceu Fialho.
+
+Resulta daquelle estudo um campo ethnico á parte na geographia intima
+de Portugal região embaraçada da herança arabe, que semelhantemente
+se vê na cultura, nos seus barros e azulejos, nas suas casas, como nas
+manifestações mais simples da vida vulgar dos seus habitantes.
+
+Ora Fialho, que ali passou parte da infancia jámais destruirá a
+recordação do primeiro espectaculo natural que feriu a sua retina de
+colorista, e, depois, pela vida fóra, mais se lhe foi insinuando pela
+mesma fatalidade de sangue e nascimento que á sua terra o prendia. É
+isto, apesar da herança de tristeza que tambem desta lhe provinha, e a
+que se refere, ainda doridamente, annos depois da sua estada ali, no
+capitulo autobiographico do _Á Esquina_.
+
+De facto, é sempre presente, na sua obra, aquelle primeiro campo de
+observações. Ahi ha a ver a intriga das passagens mais violentas das
+suas narrativas, as tintas das suas combinações de painelista, os
+dialogos e personagens brutaes da sua tragedia mais popular; e, para
+alem, ainda, da paizagem, como das figuras, a razão culminante do seu
+genio de origem, em que migra o sonho luxurioso, mais que dum artista e
+dum povo,--duma civilização perdida!
+
+Importa insistir: a herança arabe se não vingou entre nós, como em
+Hespanha, a ponto de que, ainda hoje, quasi tudo o que tem de grande se
+não foi della, nella se filia--nem por isso deixou de influir no genio
+de Portugal, onde logrou a sua invasão pelo Sul, e, onde, repetimos, se
+conserva evidente.
+
+É ali viva, manifesta em todas as coisas, e, sobretudo, nos homens, a
+quem as mesmas condições da terra naturalmente defenderam das fusões com
+outras raças.
+
+Ora, assentes estes factos, e tendo presente os ensinamentos que do seu
+conhecimento derivam, chegamos logicamente a entender melhor o caso,
+na apparencia extranho, das manifestações, por vezes distantes e tão
+intensivamente artisticas do Sul, e mais, em especial, de certos
+capitulos da obra de Fialho d'Almeida.
+
+Em verdade, eu não encontro para explicar-me o exuberante exquisito de
+algumas paginas do Artista, mais do que o segredo das colorações, como
+dos labyrinthicos e caprichosos desenhos de certos e admiraveis
+exemplares da civilização arabe na Peninsula, dentre os quaes me veem á
+lembrança, quasi sem o querer, os velhos monumentos da Andaluzia,
+tambem, porventura, da melhor intimidade de Fialho, e que o deviam ser
+de todos os artistas, muito particularmente dos de Portugal e Hespanha.
+
+E, de facto, qual o artista, verdadeiramente curioso de civilizações
+mortas, que não percorreu ainda Alhambra,--a Alhambra monumental dos
+grandes Paços de Luz, redosos e filigranados, cujos marchetes e esmaltes
+se nos defrontam, mais do que como obra paciente e custosissima, quasi
+dolorosos á nossa admiração, pela mesma regularidade do seu maravilhoso,
+tão distantemente extranho!
+
+Pois paga a pena a sua visita, sobretudo á luz de certas horas, quando,
+pelo estio, a tarde transfigura os monumentos, quasi os move!--e
+Alhambra inteira exulta á claridade frouxa dos seus crepusculos.
+
+Como, de egual sorte, surprehende o desenho interior dos phantasticos
+paços, ainda pelo que abrigam de inaudito, no espectaculo das suas
+casas-retabulos, aliaz tão intimamente caprichosas, como se fossem
+ampliações das covas naturaes que, no Monte Sacro, lhes são fronteiras.
+
+É que ninguem como o povo arabe teve o segredo dos recantos, soube
+estudar e praticar as sombras, quasi medir a penumbra das arcarias; da
+mesma forma que tambem ninguem mais, como elle, conseguiu dominar pontos
+de vista, aperceber horizontes, toda a natureza, moldurá-la dos seus
+monumentos, por vezes verdadeiros filtros de luz,--viver, sentir a côr,
+e, o que é mais, orchestrá-la na sua obra, de uma fina grandeza sem egual.
+
+Dahi tambem o não se saber que mais admirar dos encantados paços, bem de
+molde a servirem a luxuria religiosa de tão lendario povo, se o
+labyrinthico desenho das suas paredes, como dos seus tectos e azulejos,
+se o mesmo diabolismo e imaginativa do seu alçado!
+
+
+Ora, derivando dos monumentos attribuidos ao genio arabe, á razão de
+sangue que flue na gente do sul da Peninsula, chegamos facilmente á
+averiguação do grande valor da tutela semita no nosso movimento
+tradicional, mercê daquella herança--tutela sobremaneira documentada, no
+mais do nosso lyrismo, como, em regra, em toda a nossa obra artistica.
+
+E, assim, nos encontramos, muito naturalmente com o caso de Fialho
+d'Almeida.
+
+De facto, dentre os grandes plasticos da Peninsula, quem mais que o
+grande Artista conseguiu ainda praticar um semelhante ou equivalente
+embrenhado de esmaltes e de linhas, o segredo da luz e da côr, identica
+riqueza no processo de exprimir Arte, toda aquella ancia de vida
+luxuriosa que ergue o mais da obra arabe, e, em que domina sempre, ao
+lado do culto do individuo, considerado na sua religiosidade como no seu
+luxo,--a preoccupação alacre do supremo culto da Natureza!
+
+E, entretanto, não foi, ainda, sob um tal ponto de vista que
+principalmente nos demos a estuda-lo.
+
+A verdade é que fiamos pouco do rigorismo dos methodos geralmente
+considerados como mais logicos, por mais naturalistas, os que tudo
+explicam pela razão exclusiva da procedencia e do meio--quando se trata
+de comprehender emotivos da estatura de Fialho, cuja obra precisa, a
+nosso entender, principalmente ser considerada sem opinião previa, ou
+seja a toda a luz dos seus livros, e onde ha, a par das admiraveis
+fatalidades das suas taras de artista do Sul, o conhecimento, os
+commentarios, como a presença ou suggestões de tudo o que nesse rodopio
+de Arte, que foi a segunda metade do outro seculo, podia considerar-se
+de mais interessante ou notavel.
+
+Mas caminhemos vagarosamente. Em primeiro logar, convem ter presente
+que ha nos recursos de Fialho d'Almeida um grande numero de facetas e a
+tal ponto imprevistas e admiraveis, que, a elle proprio, o offuscaram,
+perturbando-o, e impedindo até que realizasse o que para todo o auctor
+deve ser o primeiro fim--a obra de conjuncto, que, exactamente, resulta
+do ajustamento ou systematização de todo o seu trabalho, de molde a
+levantar a figura do Artista se elle é um temperamento, ou o objectivo
+da sua Arte, quando elle tenha de desapparecer, em sacrificio á sua mais
+propria missão.
+
+O tempo é ainda um material ao dispor dos artistas, embora, quanto a
+nós, o peior dos materiaes.
+
+Fialho devotou-se-lhe, talvez, excessivamente. Pois que tinha auscultado
+a miseria do povo, no seu instincto, por desventura apurado nos
+primeiros annos da sua vida de acaso, não raro deixou falar o
+coração, para alem da sua mesma canseira de Artista.
+
+Quantas vezes elle, que foi um espirito alto e pairante, se deu a
+desmedir o grito dos que a propria miseria, confinada da cobardia
+congenita das desgraças populares, havia tornado quasi aphonos, e que
+ainda, por uma razão de indole, eternizou vivo e plebeu,--tal como lhe
+sahiu, ao primeiro golpe, nas paginas formidaveis dos _Gatos_!
+
+Foi isto um delicto de Arte, seria um bem?
+
+Foi um facto. E este facto vale o melhor da sua obra de pamphletario
+que, antes de qualquer outra, convem ter presente.
+
+Ora, neste rumo de trabalhos, seguiu elle, naturalmente, o exemplo de
+todos os pamphletarios;--isto é, deu-se a compor paginas do material
+commum, o que vale dizer de aspirações e casos, não raro menos
+claros de que vulgares!
+
+Dahi partiu, e logicamente foi até ao fim: a servir a propria plebe
+politica--a peior das plebes!
+
+Houve tempo em que não socegou. Numa canseira pertinaz, diaria, quasi
+tomou por seu dever perseguir a vida constituida, onde quer que ella
+surgisse ou se se lhe afigurasse.
+
+Ora, este foi, tambem, porventura, o seu mal, assente como está que, em
+materia de vida conjuncta, peior do que qualquer instituição crapulosa
+ou gasta, é a sua substituição á doida, á sorte, como infelizmente,
+entre nós, elle a ajudou a preparar!
+
+
+Acabo de percorrer os _Gatos_, onde reuniu o melhor da sua Arte de
+pamphletario.
+
+Do primeiro ao ultimo opusculo, que serie de estudos, de commentarios,
+de almas e acontecimentos tratados pelo seu riso!
+
+Tudo o que elle tinha de imprevisto, como tudo o que da inferioridade de
+uns poude reunir e editar para servir a inferioridade dos outros, está
+ali, nos seis volumes que hoje formam a Obra, e ficará como documento
+dos seus violentos e extremadissimos recursos.
+
+Pois que foi a civilização quem categorisou o riso, transfundindo-o,
+filtrando-o até á ironia, uma das grandes forças da demolição
+moderna,--importa ainda considerar o riso de Fialho.
+
+A ironia de Fialho, se assim podemos escrever daquella sua indole--era
+ainda, como não podia deixar de ser, um caso mais do seu temperamento de
+violento, aggravado do tempo e meio em que, por acaso, reagiu.
+
+Assim, nada tem de commum, por exemplo, com Eça e Camillo, por falar dos
+humoristas mais discutidos da lida contemporanea.
+
+Camillo era a graça a flux, com os seus laivos de razão intima, muito
+para alem dos castellos politico-litterarios de momento, golfando risos
+ao acaso da sua natural interpretação sinistra de Humanidade.
+
+Eça deu-se scepticamente a lapidar costumes e figuras infimas, no geral
+de uma banalidade exhaustiva, á conta do prazer do seu riso frio, que
+logo se fez moda, como tudo o que nos vinha de fóra, por seu intermedio.
+
+É ver o successo das _Cartas de Fradique Mendes_, «um Acacio a serio»,
+informa Fialho, e cuja prosa relata o apontoado symetrico das notas dum
+civilizado, ali paciente e cuidadosamente estylizadas pelo seu sentido
+de mundano.
+
+ [IMAGEM: Fotografia de Fialho d'Almeida.]
+
+Ora, nada de premeditado encontramos em Fialho, e nomeadamente nas
+notações dos Gatos, por cujo entrecho natural é que comecemos o exame á
+sua obra.
+
+A razão desta preferencia incide, é claro, na mesma indole dos folhetos
+que reuniu debaixo daquelle titulo, e, onde, de facto, encontramos, a
+despeito dos seus propositos, o Fialho definitivo, quer sob o ponto de
+vista do estylo e inauditismo de Arte, quer ainda pela acção demolidora
+que tanto foi de seu empenho e naquella obra rajou desesperadamente, a
+paginas plenas, como em nenhum outro dos seus trabalhos.
+
+ [1] Terras do Sul.
+
+
+
+
+III
+
+O PAMPHLETARIO
+
+
+Abre os _Gatos_ o aviso-cartaz de que o auctor se propõe tratar
+criticamente os homens e os acontecimentos, explicando,
+humoristicamente, o nome da publicação.
+
+O primeiro folheto da serie tem a data de Agosto de 1889, e inaugura por
+um capitulo, pleno de paixão artistica, com seus esmaltes de
+irreverencia, e a que elle chamou:--_Bric-á-bracomania, como cultura e
+como doença._
+
+No desenvolvimento da curiosa these encontra-se naturalmente com o caso
+do testamento de D. Fernando. Este caso foi um dos mais antipathicos e
+escandalosos do tempo, pois que accendeu nos Paços, com o odio da
+rainha pela condessa d'Edla, uma questão de familia burgueza, em que se
+discutiu tudo, desde a imaginada loucura lucida do principe, ao tempo
+das suas ultimas disposições, até ao valor e direito dos _bibelots_ e
+quadros do seu espolio!
+
+Veio a questão para a rua, e, ainda dessa vez, rua e Paço se deram as
+mãos, na roda de insultos dirigidos á viuva de D. Fernando, sem attenção
+pela memoria deste principe, cuja probidade foi tratada sem sombra, não
+diremos já de justiça, mas de delicadeza.
+
+Em nome dos republicanos dirigia, no _Seculo_, a campanha Rodrigues de
+Freitas, valha a verdade, serenamente. Por parte do Paço, e vestindo,
+mais uma vez, a innocente pelle do povo--. escrevia Emygdio Navarro,
+tratando cynicamente D. Fernando, em quem diagnosticara dois scirrhos--o
+da cara, que o levara á morte, e o do coração, que elle, Emygdio
+Navarro, se propunha sarjar publicamente, fazendo-lhe a historia na
+praça das _Novidades_, e isto, affirmava, por dignificar a memoria do Rei!
+
+Fialho que, de facto, era um delicado, e, por accidente, se fizera
+politico, e, bem por certo, lhe repugnava toda aquella griteira, tratou
+tambem do caso moderadamente, chegando a lembrar até a arbitragem para
+resolver os direitos do espolio controvertido.
+
+Ainda, por egual forma, trata a figura de D. Fernando, cujo perfil
+surprehende, sobretudo, á luz da sua aventura de amoroso e homem de Arte.
+
+Assim visto, não podia elle deixar de lhe ser sympathico, e dahi tambem
+o seu elogio, mal disfarçado, como as attitudes em que o focou, e donde
+mal sobresahe o vulto, ao tempo tão acintosamente discutido, do Rei!
+
+Quer dizer, em verdade, é ali presente a homenagem do Artista ao
+Artista, para lá de todo o convencionalismo critico, como de toda a
+exigencia publica.
+
+
+Começa o segundo opusculo por um capitulo dedicado ao violoncellista
+Sergio, e que, neste proposito a que nos obrigamos, de mero indiciador
+das suas passagens de mais interesse e que melhor o mostram--mal podemos
+tratar condignamente.
+
+Registe-se, no entretanto, o extremado capitulo, como um dos mais
+notaveis da sua obra, e, alem de tudo, a forma como elle, sempre tão
+presente nos seus livros, sabia, embora excepcionalmente, apagar-se,
+quando as circumstancias lhe conferiam Arte que um tal sacrificio valesse.
+
+É o caso do violoncellista. Para no-lo descrever, Fialho quasi se apaga
+no café-concerto da Mouraria, em que o apresenta, e, onde, de facto,
+elle costumava ir, ás noites, transfigurando-o da sua Arte, cuja
+referencia é, ainda, como que a sombra resoante da alma tão
+extranhamente regressiva do Musico.
+
+
+Paginas adiante, é tambem com paixão e valor equivalentes que, a
+proposito das exequias de D. Luiz, trata a figura da Rainha.
+
+D. Maria Pia resalta do seu exame como uma resurreição dos grandes
+dramas reaes de Shakespeare, ou seja como um verdadeiro prodigio de
+alma, genialmente estatuada da sua tristeza de soberana-viuva,
+equilibrando-se no orgulho profissional da sua creação de princeza de
+raça, acaso abordada ás praias portuguezas.
+
+Inegualavelmente soberba, de facto, a sua maneira de tratar a
+lendaria Rainha que surprehende nos funeraes do Rei como um alabastro
+solemne!
+
+Assim a tinha sonhado, tanto como o Paço, a propria Rua que, entretanto,
+lhe perdoava tudo, ainda os mais custosos dispendios, tomando-a, mais do
+que como Rainha--como uma figura de luxo, especie de marmore vivo, por
+boa fatalidade, a soldo no Museu Real das Necessidades.
+
+Tambem, por seu lado, ella cumpria escrupulosamente o papel a que, por
+sua mesma prosapia, se compromettera (fôra cheia de protocolo a sua
+escriptura de esponsaes)--e dahi o vê-la toda a gente mais do que
+cerimoniosa, theatral, quasi memoria, seguindo sempre, de par da sua
+lenda, de que ninguem, nem ainda os mais ousados, tentaram algum dia
+separá-la!
+
+Quando endoideceu (a natureza é logica; que outra doença devia
+segui-la?) logo os jornaes vieram contar as parabolas da sua
+loucura, nos Paços de Cintra; corriam historias de _toilettes_ que
+jámais usara; e, por fim, enterneceu a sua retirada de Portugal, quando,
+na Ericeira partiu, tão magestosa e alheadamente, como annos antes,
+tinha chegado...
+
+A differença dos dois espectaculos, estava, unicamente, no tempo, que
+daquelle passo final da sua vida tinha urdido mais uma tragedia!
+
+Chegara solemnissima, recebida por toda a ordem de festas e alegrias
+officiaes; retirou, á opportunidade da primeira revolução, como uma
+rainha usada, que já não serve, e segue, á pressa, devolvida, ao paiz de
+origem.
+
+
+Despedimo-nos com pezar destas paginas, que tão fundamente, por si,
+bastariam a vincar a alma do Artista, acaso nellas mal casada á sua
+preoccupação de pamphletario,--para derivar a outras que, na sua obra,
+dão o contraste da violencia, talvez, mais inopportuna e abrupta, que
+ainda instigou critica portugueza!
+
+Reportamo-nos ao caso grosseiro das suas diatribes contra Guilherme de
+Azevedo que justiçou depois de morto, e declara analysar sobre uma pedra
+de autopsia, ainda sem piedade por si, como pelos leitores, e quando
+aquelle, já longe, havia ganho, ha muito, o esquecimento publico!
+
+Na sua quasi diabolica sanha de deprimir vê-o primeiramente no seu logar
+de escrivão de fazenda em Santarem, onde o surprehende a passear os seus
+aleijões, de par das suas canseiras de lyrico e apaixonado ridiculo.
+
+Depois examina-lhe, publicamente, os defeitos, as suas fraquezas e
+purgueiras de estrumoso, como a sua obra, na parte mais rebuscada,
+indo até pracear-lhe os papeis unhados pela lida do chronista!
+
+Por fim, como que convida o publico a assistir-lhe á morte, em Pariz,
+numa casa de saude!
+
+E, para o caso de que o publico falte, redige elle mesmo a informação da
+agonia do Artista, passada, esclarece, entre sujidades!
+
+Ora eu não sei de outra hora tão extranhamente infeliz para um escriptor!
+
+
+Do mais dos artistas contemporaneos, e, especialmente, dos pintores, é
+sabido o que escreveu de desalentador para elles que já, contra si,
+tinham tudo:--a rua, o mundo politico, o meio pobre em que trabalhavam,
+o paiz de origem, e toda a serie de prejuizos que, para mais, Fialho
+conhecia intimamente como ninguem!
+
+Comtudo, nem Columbano escapou a esta sua impertinencia, por vezes de
+uma irritação doente, quasi atrabiliaria e descomposta, á conta da sua
+faina de exigir do mundo plastico, mais do que representações da
+natureza, verdadeiras telas vivas, porventura, a capricho, illuminadas
+das suas mesmas composições escriptas.
+
+Dahi a sua injustiça para com o grande pintor que, no seu juizo facil da
+primeira hora, qualificou de mero artista hesitante, como que estagnado,
+«perdido, na monotonia cadaverica dos seus quadros de imitação!»
+
+E, de identica maneira, tratava os outros.
+
+Não lhe era facil fugir á fatalidade do seu genio, sempre em duvida, e
+que mascarava de desdens; para mais acossado pela circumstancia de
+viver, o mais do tempo, em Lisboa, onde os Artistas teem _ateliers_
+paredes-meias, e a Arte anda sempre ao de cima das sympathias duma tal
+Cidade, ainda, como nenhuma outra, de entre as nossas, aberta a
+intimidades, mettediça, e pretenciosamente futil!
+
+Dahi tambem a sua maneira, quasi mesquinha, de tratar a Politica e, em
+especial, os politicos.
+
+A Carlos Lobo d'Avila, por exemplo, processa-o como degenerado.
+
+Lopo Vaz é, para elle, um mero «preboste regio». A Barjona toma-o como
+um conselheiro de negocios, anecdotico e sujo. Hintze é uma especie de
+empresario de Portugal--feitoria-ingleza, figura dependente e quasi
+irresponsavel ás ordens da dynastia, e assim os outros.
+
+A paixão do pamphletario céga-o a qualquer vislumbre de justiça para
+com politicos e assim tambem para com o Rei, que, ainda á maneira
+popular, considerava como figura enkystada no corpo governativo da
+Nacionalidade.
+
+Dahi tambem o atacá-lo systematicamente, afeiando-o de todos os
+delictos, em que não deixou de figurar a pecha das mais ruins
+ingratidões, as já classicas ingratidões dos reis!
+
+Quer dizer, consciente ou inconscientemente, foi, como todos os
+pamphletarios, um Orpheu da Rua, pelo menos até se sentir sacudido por
+ella.
+
+E fossem lá insinuar ao seu aferro pelas chamadas reivindicações
+democraticas, que atraz da ingratidão dos reis, está sempre a ingratidão
+dos povos; que a França, por exemplo, politicamente radical, no curso de
+dezenas de annos, conserva no _Père Lachaise_ a ossada de Balzac, ao
+passo que carreou, ha muito, para o Pantheon Carnot e outros menores!
+
+De que lhe serviria, de momento, o aviso? O que sempre enche a obra do
+pamphletario é a philosophia facil do odio ao Constituido, onde quer que
+elle se encontre. Emquanto ha reis, a culpa de tudo o que existe de mau,
+ou por tal passa, é dos reis; como é dos padres emquanto ha padres; dos
+validos emquanto ha validos; em ultimo logar, dos parlamentos; de tudo,
+emfim, o que o povo, em nome dos seus direitos, nunca até hoje
+definidos, organiza e desorganiza, menos a seu talante, do que ao acaso
+de uma esperança ou das gerações por apparecer!
+
+E, comtudo, não falta nunca quem se dê a orchestrar a sua voz, por mais
+vaga, ou dissonante que ella seja.
+
+É preciso que o escriptor tenha, mais do que talento, uma sensibilidade
+propria e escrupulosamente cerrada ao gosto publico, melhor ainda,
+religiosamente isenta, para que possa afastar, com desprezo, o applauso
+geral, repulsando, para longe, o titulo de dirigente, ou seja o de
+encantador das multidões, pelo qual, principalmente, o maior numero dos
+apostolos se bate.
+
+E, em todo o caso, como aquella isenção é rara!
+
+Ainda os de melhor fé e que se julgam de posse duma missão necessaria,
+raro chegam, por si, a conhecer do erro de excesso, em materia de
+reverencia e culto pelo publico!
+
+O que, a miudo, se dá, é a inutilidade da sua faina, e isto pelo mesmo
+uso daquelle prestigio, ainda sujeito, como tudo, á acção do tempo que
+sómente, não consome as obras de sentido definitivo.
+
+Este foi tambem o caso de Fialho que durante annos destruiu, sem
+treguas, confundindo, propositadamente, os principios e os homens,
+batendo, de toda a maneira, um systema que, sobretudo, foi erro não
+termos reformado dentro das nossas melhores tradições; e que elle,
+Fialho, como os demais contemporaneos escriptores politicos, reputaram
+fóra de toda a razão nacional.
+
+É claro que deste erro se confessou mais tarde repeso--ou tenha sido
+quando as suas palavras offereciam menor echo--ao ver que, para os
+logares mais responsaveis, quando o antigo regime cahiu, o paiz,
+democratizado á força, não encontrou, de momento, para substituir o
+corpo official expulso, mais do que gente ousada, que mental e
+moralmente valia menos do que a anterior, que de si já estava muito
+abaixo da geração que a havia antecedido, e cuja herança nem sequer
+soubera defender!
+
+É de justiça lembrar que tambem Fialho foi dos primeiros a corrigir os
+impetos dos pretendentes que, de todos os lados, surgiram com a sua
+conta de serviços; embora o facto valha unicamente a justificar a sua
+boa fé.
+
+Era tarde. Á sombra das suas paginas, como das de Ramalho, Junqueiro,
+Eça e Bordallo, por lembrar os maiores, se tinham elles organizado de
+vez, entretanto que a alvorada do regime abria logicamente por um banquete!
+
+Para mais, quasi todos os demolidores, companheiros de Fialho, tinham
+desapparecido. Ao acaso do tempo ficara, unicamente, Ramalho--velho,
+surdo a louvores como a insultos, fechado na sua cella de valetudinario,
+em Lisboa, de facto uma especie de santo de nicho do _bairro alto_, a
+quem já, a bem dizer, ninguem recorria, de cujos milagres ninguem mais
+queria saber...
+
+Bordallo morrera, providencialmente, antes do bôdo.
+
+Alem de que, quem se atreveria a continuar-lhe a obra? Onde o artista da
+sua coragem, á altura de um jornal nos moldes do _Antonio Maria_? Onde o
+redactor graphico do seu estylo, e, mais ainda, onde as
+personalidades-motivos a enchê-lo?
+
+Como quer que seja, Fialho, leal ao que, de começo, se impuzera, tentou
+ainda o ultimo esforço, contra o muito do que succedera e lhe repugnava
+tanto como á consciencia, á sua sensibilidade, acuradissima, de Artista.
+
+Era tarde, repetimos. Já ninguem o ouvia, demais que elle proprio tinha
+perdido o vigor das suas primeiras investidas!
+
+
+E, entretanto, o Artista crescera ainda, depois das novas provações, ou
+antes tinha-se accrescentado daquella razão de amargura que a vida
+empresta sempre, cedo ou tarde, aos temperamentos da sua
+impressionabilidade, e que nelle deu a transfiguração notavel de um
+ousio artistico sem egual, e de que é, sobretudo, exemplo essa obra
+trasbordante da sua derradeira colheita--«_Barbear e Pentear_».
+
+
+Este livro, sublinhado pela explicação amarga--_Jornal dum vagabundo_,
+que aliaz emprega noutras obras, attinge, effectivamente, o maximo da
+sua perfeição exquisita.
+
+É ali que verdadeiramente elle trata a mulher-fada, tão de sua
+predilecção, e de quem se dá a referir a _toilete_, á luz dos móres
+recursos, escrevendo da sua razão de vestir, como arte maxima; das joias
+que redundam do seu imaginar em preciosos esmaltes vivos, especie de
+insectos inertes, quasi pedras mornas por não arrepiarem a carne-seda
+das animadas estatuas que são chamadas a guarnecer;--de tudo, emfim, o
+que do abraço caprichoso da arte e da natureza elle poude aventurar de
+imprevisto na ideação dum espectaculo para embriagar sensibilidades!
+
+E, de facto, chega ás maiores extranhezas de gosto na inventiva daquelle
+livro, e especialmente no seu capitulo:--_Juizo do Anno_, quer pelo
+turbilhão de côr que delle entorna, quer, sobretudo, pelo seu empenho de
+phantasia e _nuance_ ali expressos, como ainda pela circumstancia de
+considerar a mulher o que, porventura, virá um dia a ser, um caso de
+perfeição sómente, quando a natureza mais accordada com o homem, sahir
+de sua attitude esphingica, e isto ainda por viver com elle uma
+futura vida luxuriosa, sem medos e sem pecados...
+
+
+As _Pasquinadas_ e o _Á Esquina_ subordinam-se á mesma rubrica:--_Jornal
+dum vagabundo._
+
+Nesta ultima obra ha de tudo:--paginas notaveis e criticas de menos folgo.
+
+São do melhor interesse as que abrem o livro e
+titulou:--_Autobiographia_; e devem ter-se como supremas aquellas em que
+nos descreve os _Ceifeiros_, como as que referem as suas impressões da
+Atalaya e Exposição-Bordallo.
+
+Tambem este livro inclue umas notas a que deu a epigraphe:--_Problema
+taurino_, e que, já agora, glosaremos, embora de fugida.
+
+Neste capitulo lança o Escriptor á balha a idéa do toureio a serio nas
+praças portuguezas, o que vale informar:--a opinião da morte do
+touro, com os demais episodios sangrentos dos curros hespanhoes.
+
+Ora a proposta, se foi sincera, destoa, a nosso ver, da sagacidade do
+critico, acaso perturbada pela paixão do aficionado e homem do sul,
+paredes-meias da Hespanha e seus costumes.
+
+O portuguez habituou-se facilmente á morte pela associação politica;
+aceita, como de direito, o assassinato por adulterio, e toda a ordem de
+morte por um delicto sectarista ou passional; o que elle jámais
+decretará é a morte por uma razão de Arte, e isto pelo mesmo facto de
+não comprehender outro sacrificio que não seja para sagrar ou colher
+interesse.
+
+Ora, para elle, o toureio, ainda como exposição de vida e educação de
+raça, não tem interesse.
+
+As _Pasquinadas_ reunem uma serie de artigos de impressão
+rapida--instantaneos dos acontecimentos e pessoas de occasião.
+
+Entretanto, como se tenha dado o caso de ter sido obrigado a tratar de
+figuras da categoria de Camillo e Sarah Bernhardt, este livro inclue, a
+seu proposito, paginas que, bem por certo, ficarão ainda como documentos
+da sua desproporcionada maneira de considerar os grandes artistas!
+
+Insurgia-se elle, a espaços, contra as lettras, friamente rigorosas, dos
+modelos mais classicos e academicos.
+
+E, de facto, importava-lhe sahir não só das velhas disposições, como
+ainda dos recursos em uso, por inteiro alheios ao genio, mais que
+revolucionario, desmedido, daquelles dois vultos, que, por isso mesmo,
+tratou, não só fóra de todos os moldes, mas, mais ainda, fóra do tempo.
+
+A _Lisboa Galante_, outro livro de voga, comprehende, em geral,
+episodios e aspectos de cidade, por entre apontamentos de casos minimos,
+por communs, a todos os logares de accumulação.
+
+Entretanto, ainda ahi Fialho incluiu phantasias e situações admiraveis,
+haja em vista o conto--_Amor de velhos_; e, sobretudo, a _Chavena da
+China_, porcellanas da sua maior delicadeza e inventiva.
+
+
+Passaremos á pressa sobre o livro--_Saibam quantos..._ não só porque
+literariamente o não accrescenta, como pela circumstancia de nelle ter
+reunido cartas e artigos politicos que valem, meramente, como actos de
+sua contrição.
+
+Archivemos, no emtanto, do capitulo--_A morte do Rei_, o seu leal
+proposito de homenagem a D. Carlos, a cujo caracter, por fim,
+concede as mais complexas facetas, e a impossibilidade de falar destas
+em paginas resumidas, como as que, de momento, lhe consagra; e, mais
+ainda, como fecho dellas, o seguinte:--«Pobre D. Carlos! quando se pensa
+que afinal era mais intelligente e teve talvez virtudes superiores ás
+dos seus adversarios, e por não dizer ás dos seus cumplices...»
+
+Eis, finalmente, palavras suas, ácerca de D. Carlos, alinhadas, talvez,
+sobre a impressão da morte brutal do rei, á hora, quem sabe? em que o
+seu cadaver, abandonado de todos, presidente do Conselho incluso, lhe
+dava a lembrar a calumnia, tanta vez pelo pamphletario, contra elle,
+escripta, de primeiro responsavel da desordem a que o paiz descera!
+
+É que talvez já ao tempo elle bem claramente visse que aquelle que tão
+violentamente responsabilizara como primeiro culpado do desastre a
+que a nacionalidade havia chegado, era afinal um rei que consumira um
+reinado a procurar Alguem, no fundo, bem da alma, elle proprio, com a
+Rua, que era, de facto, quem mandava, sem que, ao menos, governasse,
+como ao presente, e que ora o applaudia, mais á rainha, ora o insultava,
+até que se decretou a montaria com que, por fim, deu fecho á Realeza.
+
+
+Mas, deixemos o rumo de taes considerações que, indevidamente, é de uso
+considerar politicas, e que, ao acaso, nos occorreram, a proposito
+dalgumas paginas do _Saibam quantos..._ ultimo passo na vida de Fialho,
+e ainda á conta da sua velha lida de pamphletario.
+
+Finalmente, pois que, por esta obra, chegamos ao termo da sua jornada de
+agitador, resta-nos, ao presente, e logicamente, insistir no mais da
+sua melhor canseira--isto a proposito, não só dalguns trechos já
+marcados, como ainda doutros, onde mais intencionalmente se deu a urdir
+obra de Arte pela Arte.
+
+Assim visto, este será, em nosso entender, o Fialho definitivo, cujo
+elogio desde já promettemos levar a cabo quasi sem rasuras criticas, ou
+seja sem restricções, no capitulo a seguir...
+
+
+
+
+IV
+
+O ARTISTA
+
+FIGURAS NOTAVEIS DA SUA GALERIA. INTUITOS E SUPERIORES FATALIDADES DO
+SEU TEMPERAMENTO. UMA GRANDE E ADMIRAVEL REVOLUÇÃO ESTHETICA. A SUA OBRA.
+
+ [IMAGEM: Fotografia de Fialho d'Almeida.]
+
+
+Nenhum outro documento mais interessante, se bem que mais difficil de
+ler, do que o primeiro livro dum Artista.
+
+Toda a obra de Arte tem a sua infancia que importa ver na prova-estreia
+do auctor, atravez dos seus defeitos, como das suas virtudes.
+
+Ora essa difficuldade eu senti ao ler os _Contos_ de Fialho, quer pela
+exuberancia de vida episodica de que esta obra se enreda, quer pelo
+tumulto dos recursos que já ali o auctor revela.
+
+Exemplificando.
+
+Abre elle este seu primeiro livro por uma historia, em parte de sua
+observação, e em parte de phantasia,--_A Ruiva._
+
+Pela intriga deste seu trabalho, vê-se que elle não chegou a realizar
+uma novella, no rigor geralmente attribuido ás composições deste nome.
+Bem pelo contrario, o que conseguiu foi uma serie de biographias, ou,
+mais propriamente, de exquisitas telas.
+
+Fialho, muito do Sul, é, como já vimos, um pintor; ou melhor, um
+painelista, no geito dos pintores da Hespanha meridional, logrando, pela
+penna, conforme o seu poder de descriptivo, dar a côr, tonalidades e
+almas tão distantes e irreaes e, no entretanto, tão signaladamente
+intimas e perfeitas, como só as encontramos nas prodigiosas collecções
+dalguns auctores da Andaluzia,--isto a averiguar da impressão das suas
+manchas, como das suas madonas e dos seus aleijados, ou seja de quasi
+toda a sua galeria de excelsas e de sinistros!
+
+Assim, a _Ruiva_, principal figura do conto em analyse, é uma especie de
+hyena de amor, transportando-se, quando os guardas do cemiterio saem, á
+casa do deposito, onde entra para escolher cadaveres!
+
+É pela calma mysteriosa e calada que elle descreve a necrophila
+Carolina, misto de miseravel e viciosa, tacteando os mortos
+adolescentes, quasi possuindo-os.
+
+Exquisita figura de virgem, a suave e brutal filha do coveiro, que
+Fialho trata com enthusiasmo, quasi carinhosamente, ainda na sua faina
+de amante de formas mortas!
+
+A Marcellina é o typo vulgar da harpia, velha e sabia, que tendo
+aprendido da miseria tudo o que de mau ella ensina, volvera a sua
+experiencia num capital que lhe ia servindo para viver...
+
+Para o caso, ella é a alcoveta que vende a _Ruiva_ a um rapazola, o
+João, um precoce torpe, typo de bambino operario, official de
+marceneiro e fadista, que um momento a possue e quasi logo a abandona.
+
+É filho dum bebado e duma desgraçada que elle, ainda creança, vae
+encontrar, pela ultima vez, na _morgue_, depois que a acabaram os maus
+tratos do marido.
+
+E, tambem, dahi a sua historia, que em si resume a vida natural de todos
+os tresnoitados pelos portaes e escadas.
+
+Por fim, fecha o conto o relato da faina livre de Carolina (a _Ruiva_),
+primeiro assalariada numa fabrica, depois pelos quartos andares,
+vendendo-se a todos os vicios, até que, roida da tuberculose, chega ao
+hospital, donde sáe aos pedaços, como um gesso em cacos!
+
+O seu enterro descreve-o o Artista no primeiro capitulo, como para
+impôr, logo de começo, o conto, de tal arte iniciado, á maneira
+romantica, pelo seu episodio mais pio e sinistro.
+
+É ahi que apparece a figura do coveiro, pae da Ruiva, uma especie de
+Antonio Pedro no _Hamlet_, acaso transportado á taberna do _Pescada_,
+onde o Contista o apresenta, bebado, a commentar a morte da filha!
+
+
+Eis a noticia-summario do que temos pela estreia de Arte de Fialho, em
+1878, ou tenha sido do tempo de quando elle, intencionalmente realista,
+com suas tintas de Hoffmann, se deu a iniciar a sua obra por uma figura,
+aliaz nada casual--a _Ruiva_, cuja caveira nos aponta, ao fim do livro,
+sobre a sua banca de contista-medico, não se sabe bem, se como um
+despojo de estudioso, se como um cofre de osso de que antes, por
+capricho, se dera a extrahir uma novella...
+
+Como quer que seja, esta realiza menos o que pretende ser--a biographia
+da filha do coveiro--do que a primeira galeria de figuras da sua maneira
+extranha de pintar, e onde a _Ruiva_ acaso surge como que sombreada
+daquella maceração e tinta de luar que Zurbaran parece ter composto já
+da eternidade para espectrar as figuras tão suavemente doentes dos seus
+monges!
+
+E, entretanto, como ali está, naquella simples novella todo o seu
+original processo, desde o poderosissimo descriptivo que lhe anima o
+melhor da obra, até á sua pintura, ainda narrativa, de costumes; a
+hesitação do Artista no papel violento ou declamatorio dos personagens;
+a sua maneira dispersa e fragmentaria; o dialogo; a imprecisão de
+traços; a preoccupação das grandes telas; a falta de peças no esqueleto
+do seu trabalho; a paixão de certas figuras, como de certos logares;
+a sua dolorosa e sensual sanha de necrographo, de par dos seus carinhos,
+como dos seus sustos pela morte; o monstruoso dos typos, desgarrando,
+autónomos, um drama proprio; o sentido da vida no que ella tem de mais
+intimo, como no que pode suggerir de mais esparso; a falta de
+ajustamento e equilibrio no curso da acção; e, para alem destas
+qualidades e defeitos, dos typos, como das situações, o Auctor,
+exuberante da sua razão de belleza a esmo, desmedindo, revolucionando a
+Arte, por servir a Arte; no seu intimo medroso, e instinctivamente
+avesso, se não inimigo de todo o methodo;--e, entretanto, sempre elle,
+comsigo mesmo, fazendo valer o defeito pelo que nelle nos dá de grande e
+imprevisto; creando das suas desproporções, uma Arte propria; arruando
+de graça a cidade amoral dos seus viciosos; enscenando a vida do
+verde-amarello da sua biliosa de pamphletario;--e tudo como quem
+empresta a sua fatalidade de exotico aos homens e coisas a tratar; e
+sempre para alem de todas as convenções, como de todos os moldes
+academicos!
+
+
+Particularizemos, ainda um pouco, este seu processo, não tanto por
+firmar principios, como por tratar do seu ousio de Artista, ou seja das
+suas figuras de imaginação, visto que esta não é, nos emotivos do seu
+destino, mero delirio do sentido, mas, pelo contrario, uma força ainda a
+avaliar das suas creações.
+
+Effectivamente, bem errada e mesquinhamente trabalham os que se dão a
+encaixar a vida num preceito!
+
+Pois que esta é, de si, infinita, recurso algum, por minimo, deve
+escapar ao seu apercebimento.
+
+Ora este cuidado tinha Fialho bem affecto da sensibilidade, cuja ancia
+de representação, jámais deixou de archivar tudo quanto a vida real ou a
+phantazia lhe importavam, embora, ás vezes, á doida,--fosse numa pagina,
+ou numa simples linha.
+
+Assim, naquelle mesmo volume--_(Contos)_, ha um capitulo, _Os dois
+Primos_, em que apparece a sombra de Albertina, uma actriz, e que vale
+menos pela belleza real da sua figurinha de exigua, que pela sua
+presença artificializada de quasi-dahlia--ao acaso cahida num palco de
+Lisboa, onde elle, o Artista, a surprehende, á luz da sua _toilette_, á
+qual, por fim, de todo, attribue o successo feliz da sua linha de
+_cocotte_!
+
+Este ainda um exemplo do seu occultismo de Arte,--do seu segredo e
+poder de imprevisto.
+
+
+Tambem a mesma graça quasi infantil, de tratar a phantasia a que deu o
+nome de _Chavena da China_, como todos os seus objectos e figurinhas do
+mais delicado relevo, usa elle já no conto--_Os dois patifes_, do mesmo
+volume, ao escrever ácerca de dois gatitos, verdadeiras porcellanas
+vivas e mexidas, e de cujas correrias elle logrou a deliciosa
+tragicomedia do arrasamento duma cidade de cartão, prenda de annos do
+pequeno Arthur.
+
+Lê-se dum folgo a linda historia, como essa outra--_Ninho d'Aguia_, de
+que, por egual, o Artista tira o partido, já notavel, do seu engenho de
+considerar figuras suaves e innocentes, e em que, tambem, as pobres aves
+do conto são tratadas como barros vivos, a que sempre alligou
+carinhos que jámais o vimos dispender no capitulo humano da sua Obra.
+
+E propositadamente nos referimos a estas suas pequeninas obras primas,
+menos por feriar-nos da historia magoante dos seus nevroticos--figuras
+quasi-anjos, ao lado de mulheres e bambinos quasi-flores--do que por
+mostrar as delicadezas da sua Arte, tão sinceramente desegual, quanto,
+por vezes, exhaustiva, á conta de certas insistencias e mal escolhidos
+episodios.
+
+
+Comtudo, verdadeiramente grande é só mais tarde, quando, muito para alem
+daquelle livro, sae a moldar do seu genio adulto, então notavel de
+extremos recursos, a vida monstruosa dos grandes e desafortunados typos
+do seu fabulario. Reportamo-nos ao tempo da _Madona do Campo Santo_,
+do _Anão_, da monographia-_Manuel_ e principalmente dos _Pobres_.
+
+E, pois que mal poderiamos concluir do seu grande poder de plasticizar
+da Imaginação, sem nos referirmos a estas obras, tratemo-las, embora
+passageiramente, menos para as ver que para as apontar.
+
+
+O _Manuel_ é, sem contestação, a mais sincera figura da sua galeria de
+_Nocturnos_. É um ser que da sua propria alma o Escriptor edita; e, de
+si, nos dá como um ex-voto á sua tortura de humano quando, penitente da
+propria escravidão da sua Arte, della se entrega a versar o que de mais
+inquietante ella tem:--o indefinido da sua universalidade dolorosa e
+reveladora. Quer dizer, é ainda menos do que uma obra de Arte, um
+espelho doloroso, em que elle se transfigura dos seus medos, como
+dos seus sonhos,--dando-se ahi, de facto, como melhor nos não podia
+surdir:--no espectaculo da sua figura de receio, ou seja no esgar
+caricatural e dramatico da sua afflicção de presciente.
+
+Mas reconstruamos, tanto quanto possivel, por palavras suas, a sinistra
+figura de _Manuel_, ainda por melhor a esclarecer.
+
+Primeiramente a creança:
+
+--«Era aos nove annos como uma figurinha de aguarella, fina de carnes,
+os cabellos sem pigmento, as unhas longas, a voz avelludada e com
+demoras sentimentaes em certas inflexões--amando a solidão e as musicas
+plangentes, colleccionando estampas de castellos, terrivel no amor como
+no odio, e duma volubilidade tal na phantasia, que era impossivel
+prende-lo a uma lição por meia hora, sem elle cortar o assumpto com
+extravagancias de mimo e _enfant gaté_.»
+
+Mais:--«Tinha a feminilidade da igreja, o nervosismo do incenso, paixões
+quasi physicas por imagens, sentido este que nunca se lhe apagou de
+todo, e que a reclusão de Campolide exasperou a um mysticismo de fazer
+inquietações aos proprios padres.»
+
+Quando já homem, «no typo de algarvio, branco de cera, idealmente puro
+como a afilada gravação dum camafeu, a sua belleza tinha transcendencias
+extaticas, uma pacificação de tinta lurenta, macerada, esfallecida de
+insomnia; e dava a impressão dum destes insexuaes no gosto da Seraphita,
+cujo mysterio desorienta,--por terem tudo o que faz sonhar, sublinhado
+por tudo o que faz soffrer.»
+
+Esta a epoca em que o Escriptor melhor fixa o drama de _Manuel_, que já
+daquelles retratos, resulta menos uma figura autonoma do que uma imagem
+de especial e entranha vocação, especie de seraphim de egreja, dahi
+fugido por viver a vida emprestada do Artista que o elegeu.
+
+Mas sigamos, ainda mais vagarosamente, o graphico doloroso das suas
+grandes azas de anjo bohemio...
+
+_Manuel_ chega a Lisboa quando--diz o Artista--«a bem dizer já ninguem
+esperava por elle», isto é, «quando decrescia no Martinho a terrivel
+phalange dos revoltados á Byron, e entrava a achar-se um tic pulha nas
+attitudes procuradas, nas vozes de chibato, nos olhares revoltos, e mais
+artificios de que até ali os homens de lettras se revestiam em publico,
+por fugir ao molde burguez da outra gente.»
+
+Era uma figura «toda nervos, altivo como se viesse de berço real», a
+preceito recortado pelo Artista, do seu album intimo,--o que lhe
+reproduzia as sombras carinhosas dos «bellos seres de excepção do
+seu cyclo, os da extranha lumininosidade interior» que ante a sua
+«mysantropia moral» conseguiam impor-se, pela mesma razão do seu
+genio,--de que elle via chispar, a par de extravagantes «inauditismos»
+«maravilhas minusculas» da mais emotiva Arte.
+
+Chegado a Lisboa, ei-lo, primeiramente perplexo, o pobre _Manuel_, no
+papel de anjo despregado, e, como que por acaso, transferido da Egreja
+da sua aldeia ao museu vivo duma cidade tão falha de interesse que nem
+sequer tem torpeza propria;--depois vivendo o expediente dos
+sem-recursos, longe dos seus, luctando entre o seu pudor de Artista e a
+intranquilidade do seu genio atrabiliario e dispersivo.
+
+Esta inadaptação é a mesma que depois lhe dá a Tragedia--aquella
+«_tragedia dum homem de genio obscuro_», que Fialho extrae da sua
+caprichosa maneira de reagir, tal como devia sahir-lhe, lavrada de
+ironias--como daquella philosophia e tristeza que enchem a obra a que o
+Artista dá o nome de--«_Esculptura_ em fragmentos» pois que «dos seus
+avulsos bocados» ninguem poderia tirar mais do que «mutilações de uma
+grande estatua...»
+
+Ora, dessa estatua nos apresenta elle, a par de bocados infimos, com
+extranhezas caricaturaes e laivos dum rir doente, _boutades_ e dôr
+inferior, por demais fragmentada, quasi sem significação de
+Arte,--trechos formidaveis, como certas passagens da «_Noite de Alcacer
+Kebir_», aliaz tão lugubres e intensivamente trabalhadas como raro
+encontramos outras, ainda na obra de Fialho.
+
+E, entretanto, não é a Arte de _Manuel_ o que mais interessa da sua
+biographia.
+
+O que melhor vale, e della resalta, é a sua mesma reacção, ainda mais
+que de encontro ao meio alheio, quando do ruflar do seu genio no
+intimo de si proprio!
+
+Esta lucta fóca-a o Artista da sua lente amarello-lugubre, desde a
+primeira infancia do bohemio até á edade da «fixação do seu typo de
+adolescente» que estatua da «hereditariedade», desenvolvendo-se,
+determinando-se, sobretudo, na vida de collegio--na sua reclusão de
+Campolide, onde toda a ordem de factores apropriados, ajustando-se-lhe
+«como serpes» se porfiam «a esfuriar nesse corpinho espurio» todos os
+instinctos do seu genio de tarado, e que de si erguem o perfeito modelo
+morbido que, effectivamente, chega a realizar.
+
+Na sua vontade lassa nada mais governa que o proprio instincto do luxo,
+do inesperado, da extravagancia da sua ideação frouxa e admiravel,--como
+a inclinação bohemia da sua vida de acaso, á qual se dá, sem que
+alguma vez se interrogue.
+
+Ainda por dessedentar os nervos, logo de começo perros ás suas
+exigencias, entrega-se á embriaguez.
+
+Tinha necessidade de excitar-se, de viver violentamente os seus
+delirios, ainda como por melhor escutar a sua nevrose, de tal arte mais
+nitida á sua sensacional expectação.
+
+Intermittentemente cahia em marasmos; tinha «syncopes de intelligencia»
+que eram como que sombras daquella sobrexcitação e o derivavam do seu
+tumulto ao que Fialho chamou os seus «crepusculos intellectuaes com
+sobrelaivos de perseguição e delirio religioso.»
+
+«De resto na sua esthetica, como na sua vida, sobresaltos de louco!»
+
+Depois dum maior exgottamento de vida nervosa, adoeceu gravemente, e
+tão gravemente, informa o Escriptor, que não era difficil «marcar
+na sua intelligencia o accesso vesperal da sua ennublação».
+
+A partir deste momento deu-se a errar...
+
+A sua enfermidade era como que uma obsessão de si proprio, sempre alerta
+contra o _outro_, isto é, contra aquelle que a sua duplicidade mental
+dava como presente aos seus menores actos--e lhe embaraçava tudo o que
+deliberasse!
+
+Novos dias e elle cada vez mais doente, erratico, somnambulo, com a
+paixão do alcool e o susto de tudo.
+
+Certa madrugada accordou horrorizado com a idéa de que o estavam a
+enterrar vivo e o desejo «de que o deixassem apodrecer fóra da cova»...
+
+A partir deste dia a sua vida torna-se pavorosa; é a creatura sem rumo,
+equilibrando-se, ao justo, no acaso geral do arranjo commum.
+
+É, sobretudo, como expoente de vontade que o homem vale; ora elle
+perdera absolutamente a vontade, mantendo-se como que, provisoriamente,
+a dentro do seu corpo, ao tempo já desconjunctado de fantochino, e que
+lhe sobrevivia por milagre, como num assomo de quasi extravagante apego
+pelo que fôra...
+
+O resto adivinha-se:--é a convulsão das ultimas horas; são restos de
+sonho; os derradeiros phantasmas, nos seus derradeiros dias; é elle
+gritando a sua agonia doida, numa casa de saude, a pelejar a morte, como
+se, de minuto a minuto, lhe rompessem cordões nervosos; finalmente elle
+ainda, mas com a vida a fugir-lhe e como que afilando-se-lhe até
+perder-se na noite rehabilitante da sua podridão...
+
+E, entretanto, a sua historia não acaba ahi!
+
+Como noutro logar affirmamos, ha, para alem da sua vida de symbolo,
+o caso vivo, em aberto, duma real figura da qual o bohemio «um duplo»,
+se accrescenta e desdobra, e que, a nosso ver, é, nem mais nem menos, do
+que o seu proprio revelador,--o Artista que, na alludida monographia,
+sinceramente, lugubremente, trata o caso da morte de _Manuel_ como se a
+espreitasse em si proprio!
+
+Passaremos adiante a miuda informação daquelle desenlace, ainda logico
+dentro da extravagante «_Tragedia de um homem de genio obscuro_», por
+ver, de relance, o Artista, ao pretexto do admiravel estudo em analyse.
+
+De facto, qual a figura que surde para alem da mascara de _Manuel_?
+
+É, affirma-lo-emos ainda uma vez, nem mais nem menos do que o Auctor,
+embora transfigurado da sua Arte:--isto é o artista «_violento e
+contradictorio_» que dahi resulta; ou seja o escriptor atavicamente
+«_presciente do raro em arte_», com o mais extranho «_senso pictoral de
+certos aspectos sociaes_», de par do maior «_poder amplificador dos
+grotescos_»; o artista, a um tempo «_fragmentario e dispersivo_»; o
+transfigurador; a creatura perdida «_em assumpções de genio_» e logo
+baixada dos «_fulgurantes cimos da intelligencia_», como que distrahido
+por casos minimos; o «_de filiação hysteriça e infancia convulsiva,
+terrivel no amor como no odio_», o «mystico» e necrographo, de «_vontade
+frouxa, com antipathias invenciveis pelos grandes fanfarrões da
+sociedade e escriptores lançados_»--o emotivo, emfim, que no _Manuel_
+não faz mais do que esmaltar de picaresco e lugubre a sua propria
+figura, errando nelle o seu drama de morbido, e parabolando-lhe, nas
+attitudes, como na desgraça, os seus grandes pavores da morte, de
+par da duvida que lhe advinha da sua mesma Obra, que, no fundo, julgava
+irremediavelmente episodica e fragmentaria![2]
+
+Por isso, tambem, ao deixar o quarto, do _outro_, agonisante, elle põe
+na boca do indio, o Pratas, velho confidente dos dois, como que o echo
+do seu pensamento intimo:--«O ideal seria que a alma delle não morresse,
+e nós ainda a encontrassemos, intacta e genial, num outro mundo
+insubmisso»!
+
+Ainda uma vez mais, elle formula o seu velho sonho:--não acabar! Em
+ultima analyse:--o seu drama em duas palavras[3].
+
+Finalmente nada mais haveria a escrever de commentario ao extraordinario
+capitulo da obra de Fialho que principalmente nos demos a desarticular
+ainda por compor a figura que nelle foi--se não tivessemos de incluir um
+tal trabalho na parte que reservamos das suas melhores provas.
+
+Como demonstração de Arte, mal poderiamos deixar de alludir ás paginas
+que fecham a tragedia, em parte verdadeira, de _Manuel_--e que tambem,
+de si, são, ainda de uma precisão e valor notaveis.
+
+De facto, velou elle o doente de duas figuras que mal apparecem no curso
+da acção e, no quarto do moribundo, apresenta silenciosas,--duas
+esphinges de odio que o encaram e ao Pratas, o segundo companheiro de
+_Manuel_, como se fossem elles os verdadeiros culpados da sua desgraça!
+
+A primeira é um velho, o pae do doente que, depois de lhe ter negado os
+recursos, tomando á conta de extravagancia todos os seus dispendios,
+como o seu irremissivel alcance de saude, vem assistir-lhe á morte.
+
+A segunda, e mais notavel das duas figuras, é aquella que o Artista
+designa na folha-cartaz da monographia por--_essa mulher de negro!_
+
+«É, segundo informa, quasi velha, com um vestido negro e uma gollilha
+bordada, em grandes bicos. Sobre as orelhas ha já cabellos brancos, tem
+a pallidez macerada duma santa, as mãos reaes, queixo voluntario...
+Emtanto essa rigidez guarda uma boca pura de creança, e sae dessa
+magua, uma obra prima de martyrio.»
+
+«Tóco, narra, por fim, as mãos do agonisante, um marmore molhado. Está a
+amanhecer lá fóra, e os cinzentos azues dessa madrugada de inverno
+entram no quarto, com albescencias funeraes que me espantam. Pelas
+quatro horas Pratas que lhe sustinha o pulso, dá de repente um grito: é
+o momento: e o velho erguendo-se, em vez de correr ao filho morto, é
+contra nós que parece crescer, rigidamente...»
+
+Eis o final do drama!
+
+Mas quem é aquella _mulher de negro_?
+
+Eis o que mal nos diz. O que della se sabe é unicamente que fôra uma
+rara figura de dedicação, envelhecendo no sonho de ser noiva do bohemio,
+que lhe escrevia, e elle amara vagamente...
+
+De momento, aponta-a o Artista como um regelo de amor, acaso um
+symbolo assomado ali ainda por enscenar as ultimas horas do bohemio.
+
+
+Derivando, no exame das suas obras primas, ás paginas que, dentre as
+citadas, maior contraste offerecem com aquella monographia,
+encontramo-nos com o seu admiravel conto,--o _Anão_.
+
+Este demonstra, alem de tudo, de par da mais frisante extravagancia
+imaginativa, o seu grande poder caricatural.
+
+Trata-se duma ligeira farça que o auctor compõe, mais que dos
+personagens, das suas situações.
+
+Por outro lado, o drama é um jogo de riso, em cujo taboleiro Fialho
+incluiu uma pedra dolorosa--o Carrasquinho, o _Anão_...
+
+Este é uma figura minima, minuscula a ponto de se perder na copa
+dum chapeo de pello, e no bolso da madrinha quando do seu casamento; é
+um quasi monstro de fabula, entre humano e herbivoro, de «focinho
+aguçado e movel, mascando sempre, com as bosseladuras da testa de
+tendencias conicas para chibato, sensivel e espantadiço aos rumores
+dispersos do campo, a quem os bodes reconheciam um ar de familia, e por
+quem as cabrinhas amorosamente se roçavam» quando elle, o pobre
+cabreiro, se misturava com ellas no redil.
+
+Casou com a Rosa «um cavallão da mais desmedida estatura, que a mãe
+trouxera vinte e sete mezes no ventre e levára seis dias a expulsar!»
+
+O Anão dansava o fandango e era videiro. De principio tudo lhe foi bem;
+a boda correra-lhe alegre, bem folgada, depois da qual o manageiro de
+Torres, o Jacinthinho, se installou por metade de cada dia em casa
+da Rosa.
+
+Esta a desgraça! Quando o _Anão_ chega a mulher bate-lhe e o manageiro
+obriga-o a dansar...
+
+A seis mezes do casamento a Rosa dá-lhe um rapagão, forte como «um boi
+bravo».
+
+Tudo no conto são confrontos e confusões de animaes armados...
+
+O Anão, cada vez mais chibato, lá vae vivendo, ora em casa, ora entre os
+sementões, sempre lamentando-se, na sua «voz balada», até que um dia,
+tendo-o a mulher enfaixado (por confusão com o filho) e conduzido á
+missa, lá o povileo toma-o pelo proprio diabo, e logo um devoto bebado o
+arremessa da torre abaixo, e era uma vez o pobre Carrasquinho,
+esborrachado contra as lages sepulcraes do adro!...
+
+Tal o esqueleto da historia que o genio do humorista vae depois
+folhando das situações mais ridiculas, e que, de tal arte, lhe decorre
+viva, hilariante pelo imprevisto e desproporcionado dos personagens, e
+em que o pobre «_grão de milho_», mal sobresae como uma figurinha de
+amuleto, errando ao acaso vida emprestada.
+
+E, entretanto, é num tão exiguo personagem que, principalmente, o Auctor
+se dá a desenrolar aquella aventura, toda ella uma farça de dolorosa
+escravidão!
+
+O mesmo sestro que levara Fialho a apolegar a gente miuda, por attingir
+a expansão maxima do seu inegualavel empirismo de Arte, de semelhante
+forma lhe pautou a solução da vida em riso, que a breve trecho e
+involuntariamente derivava em farça. Ainda mais, deliciou-se da união
+dos elementos mais difficeis, como impossiveis até, quando, pelo drama
+convulso da sua polypersonalidade, se deu a parabolar da vida real
+o mundo imaginativo das suas extravagantes suggestões de artista.
+
+Dahi as phantasias, no genero daquellas, ao lado de outras em que
+sobresaem mulheres como a _Madona do Campo Santo_, a quem dota da
+galantaria e gestos nobres dos cysnes, figurinha de suave illuminura, e
+que, mais ainda que do seu vicio de comer flores, elle parece alimentar
+do pão azymo da sua Arte!
+
+
+Mas não nos antecipemos á referencia que della nos deixou.
+
+Reunamos os fragmentos da estatua da _Madona_:--«restos, diz o
+Escriptor, da mais assombrosa esculptura que tem visto o mundo, e que,
+soldados por agulhas de ferro, ornam hoje o tumulo de Judith.»
+
+ [IMAGEM: Fotografia e assinatura de Fialho d'Almeida.]
+
+Ora a _Madona do Campo Santo_, foi tambem uma das creações mais tratadas
+pela suave idolatria de Fialho, e que elle, antes do apaixonado Albano,
+se deu a estatuar numa hora de quasi divina loucura!
+
+E não é ainda casualmente que escrevemos da sua idolatria.
+
+A verdade é que o grande Artista foi, alem de tudo, um pagão, embora por
+fatalidade da sua arte de Extranho, por amor daquella Arte que ainda, de
+egual maneira, o fez religioso ou, melhor, sectario de toda a Belleza,
+como jámais conhecemos outro.
+
+É ver as paginas que dedica á _Madona do Campo Santo_, ao lado de outras,
+como as que abrem o _Paiz das Uvas_, e a admiravel _Symphonia_ da
+_Cidade do Vicio_!
+
+Em todas ellas, que de adoraveis espectros de faunos e de
+sylphos:--creações phantasticas do genio mysterioso da grande
+jornada humana immemoravel; e que a elle, ao Poeta, o levam a cantar (a
+sua obra é ali um hymno)--um quasi amor contra a natureza, de tão
+extravagante e brutal!
+
+E, entretanto, é ainda á «vibratilidade dolorosa do sol» que elle
+escreve e nos diz da «vida allucinada» que lhe vae em roda.
+
+Dahi, tambem, a sua litteratura, na apparencia difficil e desajustada,
+como um romance da Mythologia, gritada de Evohés, com palmas á belleza e
+á ebriedade, pompas sem rito, casos de flora animada e fauna monstruosa,
+com a sua multidão de satyros e dryades, formando junto a Baccho--o Deus
+da boca fogueirada de risos, acaso os mesmos que, por vezes, parecem
+tingir da sua cambiante algumas das paginas mais notaveis, ainda por
+menos verosimeis, do transfigurador!
+
+É dum folgo que se leem estas passagens que quasi nos suggerem a
+esperança dum suave mundo de deuses reaes, pleno de sentido novo, e em
+que exuberem, a esmo, os fructos, e cresçam divinamente os marmores!
+
+Ora, dum tal poder de imaginação, e influencia de tudo, facil nos é
+derivar ao mais do seu _atelier_ de estatuario do Exquisito; e, mais
+propriamente, ao caso da _Madona do Campo Santo_, a cujo proposito
+trouxemos aquelles recursos.
+
+
+A _Madona_ é, na verdade, uma das suas obras primas de mais justificado
+renome:--typo de mulher-insecto, dentando flores, amando por instincto,
+comendo com dôr, tocada, ainda por uma razão de belleza, do susto humano
+de morrer, gracil como uma ave, de resto frouxa e luarada como convinha
+a uma creatura do outro mundo...
+
+E tão deslocada fôra, tão doutro mundo ella era, que Fialho, querendo
+apontar-nos, no final da novella, a estatua que da sua memoria desbastou
+Albano, é assim que a descreve:
+
+«Era uma maravilha unica de genio! Desabrochava completa, estendendo os
+braços para invocar Deus, por um assombro de equilibrio lançada na
+attitude de quem desprende vôos, desennovelando-se da base como uma
+labareda de sarça, em zig-zags aéreos. Esse phenomeno de extranha
+belleza, era ao mesmo tempo um prodigio de audacia, palpitava, falava,
+sentia-se soffrer e respirar, como uma creatura.»
+
+Notavel trecho, de si eloquente até ao excesso, e bem de molde a
+resuscitar a pobre Judith!
+
+Entretanto, permitta-se-nos, ainda a tal proposito, um breve
+parentheses, ou seja o glossario de faceis considerações, á conta
+da sua esculptura.
+
+
+É tão somente para frisar que, ainda em Fialho, como para o mais dos
+plasticos portuguezes, a estatuaria é sobretudo narrativa.
+
+O marmore da _Madona_ não é, effectivamente, um mero acaso da imaginação
+do contista; bem pelo contrario, estava na logica da sua educação, pois
+que lhe proveio directamente da mesma causa romantica, que ainda, ao
+presente, determina o grande numero dos nossos estatuarios.
+
+Ainda mais, o movimento liberal, que, entre nós, começou em 1820, deu á
+Arte portugueza um motivo de ornamentação tão extranho como
+detestavel,--a estatuaria rhetorica, se assim podemos defini-la e que,
+de logo, começou a animar os nossos terreiros publicos, onde mais
+ou menos todas as memorias discursam!
+
+E, a tal ponto a nossa exuberancia de latinos, ligou ao gesto o seu
+sentido de eternidade que, ainda hoje, reputariamos inverosimil, entre
+nós, a estatua, á maneira ingleza, como significado de mera presença,--a
+figura-marco, tal como surde, nas praças de Londres, menos como ficção
+de vida, do que, pelo contrario, como uma forma abstracta, e a que o
+Artista procura dar sempre aquella attitude quasi sagrada que,
+definitivamente, volve em symbolos as memorias!
+
+
+Comtudo, dado o facto do supremo poder de Fialho, como plastico, força é
+admittir que bem foi para a memoria de Judith a sua estatua, tal qual
+elle a trabalhou, como todo o drama de que circumscreveu a sua
+prodigiosa e raphaelesca figura, a cuja decomposição, por fim,
+assiste, indifferente, depois que ella, já morta, de «face marbreada de
+roxo» e a «expressão carrancuda» por lhe terem arrancado a
+mascara,--começa a abater, da sua gracil e suave forma de noiva dos
+«esponsaes da eternidade...»
+
+
+Finalmente, o ultimo conto das suas apontadas obras--_Os Pobres_,
+comprehende um trecho curto, e, no entretanto, ainda mais notavel que os
+anteriores.
+
+E tão notavel que só a custo poderemos desarticular essa singularissima
+peça de Arte, tal a selvageria que dá cohesão á novella, concebida para
+alem de todas as ficções litterarias!
+
+Trata-se dum casamento de monstros numas ruinas, de «duas virgindades
+adormecidas», informa o narrador, que num momento vingam o amor
+abstemio de tantos annos, e celebram, á cumplicidade de uma noite
+tenebrosa, o seu brutal noivado.
+
+Elle, o macho, é um ser desprezivel, vivendo de restos, especie de
+cyphotico, aleijado pelo lapis de Velasquez; valente pela sua vida de
+carreira, ao ar livre; humilde; torto e forte como um azinho; animal
+corrido de todas as mesas, piolhento que as raparigas enjeitam e
+escarnecem nos serões:--figura, emfim, perdida no «immenso irradouro»
+que é, para elle, o mundo.
+
+Segue da Vidigueira para Pedrogão ao acaso do vento, que o esfarrapa,
+confundindo-o com a urze.
+
+Leva-o o mesmo fim de sempre:--pedir, errar...
+
+Vae por entre a esteva que o açouta; «o vento fala-lhe»; e, no emtanto,
+elle nada ouve, caminhando á ventura, como um elemento deslocado da
+mesma noite sinistra que o persegue...
+
+Entra, por acaso, numa ruina, onde o guia primeiramente um resto de
+brazido, depois um farrapo de oração, que sae dum canto, por fim o
+cheiro da femea, uma sombra que escabuja a seu lado, e, num momento,
+desdobra para elle fios occultos de uma voluptuosidade instinctiva, toda
+animal.
+
+Elle presente-a; e ella fala-lhe, numa voz que é um rôgo, de que elle
+não sabe deslindar-se, até que começam de tecer-se novos fios do desejo
+dos dois, do impulso mutuo que subito os impelle um para o outro, como
+duas forças dum mesmo systema que a luxuria move e dão de si o ruido de
+corpos escamosos, «rimando urros», diz o Artista, numa especie de
+noivado de potestades, com ferezas e grunhidos de varrascos!
+
+Tal o relato-impressão que do estupendo conto nos ficou, e pelo qual
+chegamos, naturalmente, e, por ultimo, ao fim dos maiores recursos de
+Fialho; e que, a partir deste momento, nos permittem averiguar da sua
+obra em conjuncto, atravez das paginas exemplificadas, como daquelles
+seus mais caracteristicos personagens.
+
+Ora, o que, dumas e doutros, de logo se nota é que o mesmo titulo de
+_Doentios_, que indica o seu primeiro livro, inculca tambem o grande
+numero das suas figuras-motivos.
+
+Entretanto, o que mal pode explicar-se, fóra do seu caso de raça, é o
+segredo da sua forma, ainda tão exoticamente plastica,--como o seu
+grande conhecimento da Arte pairante alem-fronteiras, e que,
+cumulativamente, exerceu de par dos móres diabolismos, ainda e sobretudo
+ao pretexto da nossa comedia publica. Como quer que seja,
+propositadamente guardamos, para final do presente estudo, a analyse
+generica destes recursos, de que, já agora, partiremos para a revolução
+artistica que da sua penna levantou, sobretudo contra o pantano
+classico, e rhetorica do momento.
+
+A todos os formalismos, de facto, elle deu batalha, não só vencendo,
+mas, mais ainda, trazendo á Arte novas intenções, de par de melhores
+impulsos e novos rumos.
+
+Houve contemporaneos, como João de Deus e Bordallo, cujo inauditismo é
+tanto mais para admirar, quanto mais occulta nos deixaram a sua razão de
+Arte.
+
+Não é este o caso de Fialho, cujo genio reagiu sobre uma cultura
+intensa, procurada como num anceio de quasi exhaustação.
+
+Desde Balzac, o mais notavel dos mestres do pensamento novo, até aos
+exquisitos Goncourts, lavrantes quasi diabolicos dos mil nadas mundanos,
+apostolos da graça, como do mais extravagante japonesismo litterario,
+todos os grandes contemporaneos elle conheceu e estudou; do mesmo passo
+que o seu espirito, com escala por todas as representações de
+Arte:--museus, revistas, theatros, escolas, industrias de luxo, por todo
+o espectaculo, emfim, onde houvesse que aprender,--se repartiu, talvez
+menos por enriquecer-se dos seus ensinamentos, que por colher as
+suggestões que do seu interesse mais tarde desenvolveu.
+
+Ora duma curiosidade de tal forma animada foi que, naturalmente, sahiu a
+editar o melhor da sua obra, como tudo o que da sua sympathia pelo raro
+elle poude discorrer atravez da sua dolorosa fadiga de
+supersensibilizado!
+
+Assim, tambem, talvez nenhum dos escriptores do seu tempo conseguisse
+surprehender a Arte dos etherisados e extranhos cumes donde elle se deu
+a vertiginá-la.
+
+É ver as paizagens, quasi irreaes do seu lapis de crayonista; as suas
+figurinhas hystericas de branda genealogia biblica; os seus aleijados;
+as suas porcellanas, como todo o mundo phantastico da sua inegualavel Arte!
+
+
+Tambem é de costume, tratando-se de Fialho, escrever do que vulgarmente
+se considera a sua obra critica.
+
+Não o faremos nós, ainda em attenção ao criterio proprio de que Fialho
+não foi um critico, mas um impressionista.
+
+E, a proposito, vem recordar o caso de Ramalho que, depois de uma vida
+longa, perscrutando a canseira extranha, talvez menos pelo trabalho
+de a corrigir que pelo vicio de a desfiar; depois duma fadiga insana por
+ver do trabalho alheio, no proposito de deixar definitivas as suas
+notações de pedagogo, sáe, por fim, a desculpar-se, na pagina derradeira
+do seu papel de critico, denunciando a publico a sua aspiração até ahi
+occulta,--imagina-se lá de que!--nem mais nem menos do que de poeta
+lyrico...
+
+E, comtudo, como é de estimar, a nova triste daquelle velho, figura
+rigida de portuense, com suas tintas de trato inglez, escrevendo á
+garrocha no couro endurecido de Portugal do tempo, afinal sobre o motivo
+constante e commum a todos os criticos,--ácerca dos mais versateis casos
+de gosto burguez!
+
+Porque, fundamentalmente, foi o gosto burguez que elle tratou, embora
+como uma especie de jogador de penna contra os cenaculos havidos
+então como tradicionaes, e de que um acaso de civilização o fizera
+transfuga.
+
+Entretanto, é bem de archivar aquella sua pagina de contrição, ainda
+como desfecho do seu ingrato mister. É que, de facto, elle era um
+artista, e dahi o ter vindo a publico indultar-se, como em final
+provação, dos seus cançados propositos criticos, se não legar-nos, á
+hora da sua agonia litteraria, uma derradeira ironia...
+
+Contrariamente outros dos seus melhores contemporaneos, e entre
+todos:--Fialho, Eça, Bordallo e ainda Junqueiro (a despeito da sua
+escravidão politica)--haviam sido mais do que reformadores da
+Arte,--seus verdadeiros revolucionarios, isto no melhor sentido da
+desacreditada palavra.
+
+Vejamos, a traços rapidos, a acção que de um tal confronto advem, pois
+que obteremos, assim, a par da divergencia dos temperamentos de
+maior interesse na vida artistica do tempo,--a sua systematização e um
+fim commum, ou tenha sido a notavel revolução litteraria que das suas
+provas resultou.
+
+Comecemos por Bordallo, bem por certo, ainda hoje, o menos estudado.
+
+Raphael Bordallo, que conseguiu tornar poderosa uma arte, entre nós
+desacreditadissima, mercê da chusma dos habilidosos:--a Caricatura, foi,
+de facto, o genio em bruto, um oleiro de amalgama, misturando, na sua
+masseira de Jove do tempo, toda a sorte de civilização, por mais
+desencontrada; trabalhando, ora de phantasia, ora dos seus apontamentos
+de rua; e, finalmente, editando-se, tal como Fialho, ainda por seu
+innato valor.
+
+Eça, talvez o de menos influencia, se bem que tambem o unico que
+logrou admirações incondicionaes, foi, de facto, dentre todos, o menos
+original, que não o menos brilhante.
+
+No seu _atelier_ não faltou petrecho algum dos mais necessarios ao
+arranjo dos seus livros de Arte, aliaz sempre duma belleza meditada, a
+bem dizer medida, e em que perpassa todo um methodo opiado de ironias,
+por entre as suas demais preoccupações de consciente marmorista e
+penitenciario da prosa.
+
+Finalmente, Junqueiro foi dentre as figuras litterarias do momento o
+mais sagaz e ajustavel á sua extranha confusão.
+
+Por isso tambem, logo que appareceu, se fez mister consagrá-lo, de par
+dos seus alexandrinos, ainda undisonos e revoados, á Hugo, e que os do
+tempo immediatamente se deram a ouvir, mais do que com attenção devida a
+uma obra de Arte, religiosamente, como se nas suas rolantes e
+evocativas estrophes o Poeta orchestrasse a propria musica do mar...
+
+
+Mas deixemos propriamente o caso da acção politica por parte da geração
+a que pertenceu Fialho para o vermos, a elle, tal como tem de ficar,
+nessa outra revolução litteraria que sobreleva aquella, e á qual devemos
+mais attento exame.
+
+Fialho foi, bem por certo, sob tal ponto de vista, o maior do seu tempo,
+pois que realizou um verdadeiro revolucionario da Arte, que, partindo da
+admiração dos typos classicos, das paginas mais academicas, seguiu
+directamente o filão popular, colhendo e escrevendo, sem o corromper, o
+sentimento plebeu, sempre que este sentimento lhe poude expressar uma
+verdade, ou refundir da phantasia situações e estados litterarios
+novos.
+
+E não se imagine que, ainda no capitulo menos original e mais facil da
+sua obra, como pamphetario, elle deixasse de mostrar os melhores
+ensinamentos e boa fé.
+
+É ver o que nos diz duma possivel Lisboa monumental, á sua maneira; dos
+seus propositos de substituição duma cidade á moderna, como a
+fizeram,--facil e incaracteristica,--por uma cidade-memoria!
+
+Ainda mais:--antes delle creara-se uma especie de constitucionalismo das
+Lettras, aliaz sempre, mais ou menos regradas ao gosto classico, o
+que, de egual maneira, satisfazia leitores e auctores...
+
+Ora Fialho foi um dos raros que, entre nós, com melhor ousio praticou o
+direito da escripta a flux, sem medos, como sem os bardos aramados
+da covencional Litteratura anterior.
+
+
+Muito justas as suas paginas de theatro onde versou a nossa
+miserabilissima flora dramatica, e onde nem sequer teve a descontar á
+auctoridade com que a viu a pecha dalguma vez a ter tentado. O que elle
+nos diz dessas peçasinhas de acaso, que lá fóra seriam inverosimeis num
+theatro de suburbio, e que, entre nós, tão facilmente são alçadas,
+segundo a categoria jornalistica ou politica dos auctores, a peças de
+grande effeito, por um publico, ás vezes educado, mas sem coragem para
+patear ou sahir a meio da semsaboria em que, por via de regra, nos
+nossos palcos, as peças decaem!
+
+Da Hespanha do Sul, sua visinha, vimos como soube orchestrar a luz,
+tanto do seu pincel, de par do mais da vida natural que, como ninguem,
+teve o poder de aperceber.
+
+Tambem elle, se vivesse em Hespanha, onde a sua intenção revolucionaria
+seria inopportuna, teria completado, talvez, o capitulo mais desfalcado
+de quanto escreveu:--referimo-nos, sobretudo, á sua maneira de tratar
+figuras e seus demais esboços de novellista.
+
+Entre nós, dados os multiplices acasos da mesquinhez publica, que
+affecta a nossa vida de livraria, e onde a maior parte dos auctores, de
+olhos fitos na _coterie_, raro sabe trabalhar independentemente,--elle
+que começou por demolir, e demolir _à outrance_, gastando, a paginas
+plenas, talento e nervos, deixou-se, talvez, desviar, demasiadamente,
+pelas reclamações que do seu valor o publico exigia; e dahi
+aquellas faltas, de que, por fim, a visão clara da derradeira hora lhe
+deu os mais angustiosos clarões!
+
+E, entretanto, se onde quer que está, chega a memoria do que vae
+passando,--com que surpresa ha de sentir (se lá ha surpresas) tudo isso
+que para ahi ficou após de si!
+
+É que, bem péor do que no seu tempo, os Artistas são hoje, para o grande
+numero dos mentores officiaes, meras figuras de acaso, cujos agoiros
+elles, os revolucionarios de hontem, por cautela, se dão a amordaçar; e,
+isto sómente, porque se não perturbe a troça a que a Nacionalidade
+desceu,--ou seja uma ceia de politicos, pela cerrada noite fóra, que vem
+de longe, e onde um teclado de dentes, instrumentando o desforço de
+fomes velhas, nem sequer deixa ouvir, por attenuar, a voz dos
+_baccarats_...
+
+Mas abandonemos, por uma razão de sensibilidade, a noticia do
+inopportuno festim.
+
+E pois que, sobre uma tal noite, acertou de baixar escuridão mais
+tragica, a que ameaça de subverter a raça, que, ainda por sua admiravel
+fatalidade, terá de triumphar,--vamos nós inventariando tudo o que ao
+presente de grande existe e futuramente possa servir-nos.
+
+Ora, no extranho conjuncto da nossa obra escripta, já hoje
+extrema,--têem, como acabamos de ver, o maior interesse, as paginas de
+Fialho, quer no seu valor intrinseco, quer pelo que representam em
+confronto com os demais e alheios padrões de Arte.
+
+Uma obra, unicamente, elle não teve de seu intento; e, conseguintemente,
+não logrou escrever, como a não escreveram, talvez, por a supporem então
+menos necessaria, os que o precederam, e que, no entretanto, de
+momento, se torna preciso, quanto antes, compor, ainda por servir
+aquelle resurgimento.
+
+Reportamo-nos, (quem ainda o não sentiu?) á falta de um _Manual de
+Sensibilidade_, o que equivale a informar--duma nova Cartilha, com
+destino á futura mocidade portugueza, e onde caibam as delicadezas
+porque sempre nos affirmamos, ainda atravez do mais accidentado da nossa
+jornada historica; e que hoje, mais do que nunca de opportunidade é que
+desde já occupem quem, para alem de todos os sectarismos--sinta, mais do
+que por si, pela Nacionalidade, a carinhosa obrigação de as versar!
+
+Trata-se, de resto, dum livro facil, pois que nos não é preciso mais do
+que editá-lo dum bem orientado sentido popular, ou seja do nosso velho
+espirito de generosidade e isenção, aliaz, de si, ainda latente,
+quando não expresso, na obra dos nossos maiores auctores,--tambem,
+quanto a nós, os melhores, se não, até hoje, os unicos interpretes da
+verdadeira alma de Portugal.
+
+
+_Ancede_, novembro de 1916.
+
+ [2] Propositadamente, e á sua maneira, _pelas suas proprias
+ palavras_, e tambem «como quem junta uma esculptura de bocados»,
+ entendemos dever reunir, ainda por melhor o revelar, aquellas suas
+ mais entranhas e quasi confessadas caracteristicas.
+
+ [3] E não se infira destes seus receios o argumento simplista da
+ improbabilidade do seu suicidio, pois que, muito ao contrario,
+ aquella versão pode denotar, quem o sabe? como que o seu
+ aprestamento, com as costumadas alternações de desespero
+ e intimidades com a Morte, de facto habituaes á maior parte
+ dos que voluntariamente a provocam.
+
+
+
+INDICE
+
+
+ I
+ Pag.
+ Cuba e Villa de Frades 7
+
+ II
+
+ A indole de Fialho 33
+
+ III
+
+ O Pamphletario 51
+
+ IV
+
+ O Artista 79
+
+
+
+
+ ACABOU DE SE IMPRIMIR
+ NA TIPOGRAFIA DA «RENASCENÇA PORTUGUESA»,
+ RUA DOS MÁRTIRES DA LIBERDADE, 178,
+ AOS 14 DE FEVEREIRO DE 1917.
+
+
+
+
+
+End of Project Gutenberg's Fialho d'Almeida, by Visconde de Vila Moura
+
+*** END OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK FIALHO D'ALMEIDA ***
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+
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+Gutenberg-tm electronic works if you follow the terms of this agreement
+and help preserve free future access to Project Gutenberg-tm electronic
+works. See paragraph 1.E below.
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+remain freely available for generations to come. In 2001, the Project
+Gutenberg Literary Archive Foundation was created to provide a secure
+and permanent future for Project Gutenberg-tm and future generations.
+To learn more about the Project Gutenberg Literary Archive Foundation
+and how your efforts and donations can help, see Sections 3 and 4
+and the Foundation web page at https://www.pglaf.org.
+
+
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+Foundation
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+501(c)(3) educational corporation organized under the laws of the
+state of Mississippi and granted tax exempt status by the Internal
+Revenue Service. The Foundation's EIN or federal tax identification
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+Literary Archive Foundation are tax deductible to the full extent
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+ <title>Fialho d'Almeida, por Visconde de Villa-Moura</title>
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+The Project Gutenberg EBook of Fialho d'Almeida, by Visconde de Vila Moura
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+This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with
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+
+
+Title: Fialho d'Almeida
+
+Author: Visconde de Vila Moura
+
+Illustrator: António Carneiro
+
+Release Date: November 12, 2010 [EBook #34288]
+
+Language: Portuguese
+
+Character set encoding: ISO-8859-1
+
+*** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK FIALHO D'ALMEIDA ***
+
+
+
+
+Produced by Mike Silva
+
+
+
+
+
+</pre>
+
+
+<p> </p>
+<div style="border: solid 2px #000; padding: 1em; text-align: center;">
+
+<p style="font-size: 1.5em;">VISCONDE</p>
+
+<p style="font-size: 1.3em;">DE</p>
+
+<p style="font-size: 1.5em;">VILLA-MOURA</p>
+<p>&nbsp;</p>
+<p>&nbsp;</p>
+<p>&nbsp;</p>
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p style="font-size: 2em;">FIALHO D'ALMEIDA</p>
+
+<p>(COM UM DESENHO DE ANTONIO CARNEIRO)</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p style="font-size: 1.3em;">EDIÇÃO DA «RENASCENÇA PORTUGUESA»</p>
+
+</div>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p style="text-align: center; font-size: small;">Direitos reservados</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+<p>&nbsp;</p>
+<p>&nbsp;</p>
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p style="text-align:center; font-size: 1.5em;">FIALHO D'ALMEIDA</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+<p>&nbsp;</p>
+<p>&nbsp;</p>
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p style="text-align: center;">DO AUCTOR:</p>
+
+<p>A Moral na Religião e na Arte, 1906.</p>
+<p>A Vida Mental Portuguesa, 1909.</p>
+<p>Vida Litteraria e Politica, 1911.</p>
+<p>Nova Sapho (romance), 1912.</p>
+<p>Camillo Inédito annotado, 1913.</p>
+
+<p>C<small>ONTOS E</small> N<small>OVELLAS</small>:</p>
+
+<p>I&mdash;Doentes da Belleza, 1913.</p>
+<p>II&mdash;Bohemios, 1914.</p>
+
+<p>Antonio Nobre, 1915.</p>
+<p>Grandes de Portugal (em collaboração com Antonio Carneiro), 1916.</p>
+<p>Fialho d'Almeida, 1916.</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+<p>&nbsp;</p>
+<p>&nbsp;</p>
+<p>&nbsp;</p>
+
+<div style="text-align: center;">
+<p style="font-size: 1.5em; text-decoration: underline;">V<small>ISCONDE DE</small> V<small>ILLA</small>-M<small>OURA</small></p>
+
+<p style="font-size: 2.5em;">Fialho d'Almeida</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+<p>&nbsp;</p>
+<p><img src="images/renascenca.png" border="0" alt="Logotipo Renascença Portuguesa"></p>
+<p>&nbsp;</p>
+<p>&nbsp;</p>
+
+
+<p>EDIÇÃO DA<br>
+«RENASCENÇA PORTUGUESA»<br>
+PORTO</p>
+</div>
+<p>&nbsp;</p>
+<p>&nbsp;</p>
+<p>&nbsp;</p>
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p><span class="pn"><a name="pag_6">{6}</a><br><a name="pag_7">{7}</a></span></p>
+
+<div id="corpo">
+
+<h2>I</h2>
+
+<h2>CUBA E VILLA DE FRADES</h2>
+
+<p><span class="pn"><a name="pag_8">{8}</a><br><a name="pag_9">{9}</a></span></p>
+
+<div class="cap">
+E<span class="sc">u</span> estive já, por duas vezes, em Villa
+de Frades, no largo da Misericordia,
+onde foi aquella «casinha de taipa, construida
+por pedreiros da gente de Fialho»&mdash;como
+elle nos conta na <em>Autobiographia</em>
+do seu livro&mdash;<em>Á Esquina</em>.</div>
+
+<p>Fui ali quando das minhas jornadas
+pelo Baixo Alemtejo, em excursão de
+curioso pelo mais da sua gente e paizagem.</p>
+
+<p>A primeira vez que visitei a residencia
+de Fialho, que não é já hoje a casita de
+taipa que os seus construiram, mas uma
+das melhores da terriola,&mdash;foi por uma
+tarde de agosto, uma daquellas tardes de<span class="pn"><a name="pag_10">{10}</a></span>
+rescaldo que erguem, á volta de nós, serpentes
+de fogo, e lhe ensinaram, a elle, a
+sua pintura deslumbrante, á maneira de
+Rubens, em que a propria côr queima!</p>
+
+<p>Não foi sem um certo alvoroço, confesso,
+que bati ao portão da antiga casa
+do Escriptor.</p>
+
+<p>Veio alguem abri-lo, deixando a descoberto,
+a meio de uma segunda porta
+fronteira, um homem alto, vestido de negro,
+de aspecto recolhido, quasi ecclesiastico,
+e que, num instante, me encarou e desappareceu,
+abandonando-me no jardim, ao
+sol, com o meu remorso de indiscreto.</p>
+
+<p>Desapparecera tambem o creado, ou
+quem quer que fosse, que me tinha introduzido
+no pateo.</p>
+
+<p>Esperei instantes, e, como não visse
+alguem, dirigi-me para a entrada da primeira
+casa, que logo vi ser a cozinha,
+encarando, pela segunda vez, aquella mesma<span class="pn"><a name="pag_11">{11}</a></span>
+figura quasi sombra, que depois soube
+que era o irmão de Fialho.</p>
+
+<p>Disse alto o que queria:&mdash;falar ao dono
+da casa e pedir-lhe o favor de me deixar
+ver a antiga residencia do Artista.</p>
+
+<p>Sahiu a attender-me uma mulher nova,
+figura doente e franzina, que logo se deu
+a explicar-me que era ella a actual dona
+da antiga casa do Escriptor, de quem era
+parenta, vivendo ali com o marido e seu
+primo, o irmão de Fialho d'Almeida, que,
+já ao tempo, mais familiarizado comigo,
+me fitava serenamente.</p>
+
+<p>Dei-me tambem a vê-lo melhor.</p>
+
+<p>Não me lembro da edade que me disse
+ter; quarenta e sete annos podia talvez
+apparentar.</p>
+
+<p>&mdash;Que era um temperamento impressionavel,
+a espaços dado a medos e hysterias,
+sempre melancholico, informou
+ainda a sua parenta.<span class="pn"><a name="pag_12">{12}</a></span></p>
+
+<p>Deparou-me, pois, o acaso, nem mais
+nem menos, do que um novo documento
+a instruir a historia do genio do Artista,
+na pessoa do irmão, que me dei a ver
+como uma figura-symbolo de familia, em
+que, não sei porque, presenti a elegia viva
+da Arte mais exquisita e morbida de Fialho,
+qualquer coisa da neurilidade extravagante
+dos seus doridos, aquella que animou
+os seus personagens tão suavemente
+fataes e androgynos, toda a belleza maravilhosa,
+e não raro inconsequente, da sua
+obra de apontamentos, onde tão extranhamente
+exuberam os noctambulos e toda
+a sorte de mysteriosos!</p>
+
+<p>Corrêra, de certo, enferma a adolescencia
+do irmão de Fialho, que viera até ali,
+aos quarenta e sete annos, ou mais que
+podia ter, porventura ainda innocente,
+como por milagre da sua mesma frouxidão
+de alma, a que, a cada momento,<span class="pn"><a name="pag_13">{13}</a></span>
+sua prima alludia, ao referir-me, perto
+delle, as sinistras manhans das suas torturas
+de neuropatha.</p>
+
+<p>Entretanto que a dona da Casa me
+convidava a passar á primeira sala, chegou
+o marido della, tambem primo de Fialho,
+que, a meu pedido, mandara chamar, e que
+logo se dispoz a acompanhar-me, apontando-me,
+por miudo, o mobiliario e antigos
+aposentos do Artista.</p>
+
+<p>Fôra este seu parente a quem Fialho
+recorrera, quando, na vespera da morte,
+veio a Villa de Frades, ordenar os papeis
+do seu gabinete, como quem se decide a
+dispor tudo, antes de seguir...</p>
+
+<p>&mdash;Quando chegou deu pela falta da
+chave do escriptorio, me explicou o snr.
+José Fialho. E apontando uma porta:&mdash;tentou
+ainda abri-lo, quebrando o vidro
+daquella bandeira; por fim, resolveu-se a
+chamar-me, e, como é cá da minha arte<span class="pn"><a name="pag_14">{14}</a></span>
+este serviço, pois sou carpinteiro, immediatamente
+arranjei tudo; e, elle entrou,
+demorando-se aqui até á hora da partida.</p>
+
+<p>Insisti na supposição, que mais se radicou
+em mim, depois da minha derradeira
+estada no Alemtejo, do provavel suicidio de
+Fialho, confirmando-me o seu parente que,
+de facto, se tinha aventurado tal suspeita,
+logo apoz a sua morte, mas que os medicos
+que, por ultimo, o haviam soccorrido, tinham
+negado o facto, e, elle, por si, coisa
+alguma sabia dizer a tal respeito...</p>
+
+<p>Entretanto, encarou-me mysteriosamente,
+quando lhe disse que alguem da
+familia Carapeto, que lhe assistira á morte,
+na Cuba, tinha como certo o seu envenenamento;
+que, na vespera, elle tratara do
+arranjo definitivo de tudo, e nomeadamente
+do seu testamento, lavrado numa das dependencias
+da Tabacaria Fonseca, onde
+costumava passar parte das noites; que<span class="pn"><a name="pag_15">{15}</a></span>
+soubera, ainda na Cuba, dos seus aborrecimentos
+de doente, afóra outras razões que
+a minha admiração tinha reunido para reconstituir
+o drama duvidoso do seu desenlace.</p>
+
+<p>Mas deixêmos este caso ao tempo, que
+é quem definitivamente aclara tudo, e voltemos
+á sua casa de Villa de Frades.</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Como acima informei, actualmente
+pouco deve ella ter da construcção primitivamente
+gizada pelo pae do Escriptor,
+antigo mestre regio da freguezia.</p>
+
+<p>É sabido que Fialho casara com uma
+senhora de fortuna, de quem tambem ficou
+herdeiro, pelo que tanto aquella Casa, como
+a de Cuba, sua residencia predilecta, foram
+por elle reformadas, com todas as melhorias
+em uso nas boas construcções da região.</p>
+
+<p>Mas não se infira dahi que se trate de<span class="pn"><a name="pag_16">{16}</a></span>
+edificios luxuosos; são, pelo contrario, casas
+sem interesse, e, ainda, no ponto de vista
+artistico, valem tão sómente pelo caracter
+que lhes advém do facto de obedecerem
+ao desenho do mais das habitações
+daquellas paragens,&mdash;quasi todas ellas
+tijoladas, cozinhas brancas de telha van,
+eirados sobre a planicie, e os jardins tão
+intimos das casas e pateos, á maneira arabe,
+como que continuando-se das salas.</p>
+
+<p>Villa de Frades, pequena povoação do
+concelho da Vidigueira, com um censo
+de dois mil habitantes proximamente, tem
+um certo relevo, em contraste com o resto
+da formidavel planura sul-alemtejana, e, o
+que é mais, foi uma das poucas terras, se
+não a unica do districto, que encontrei verde,
+no agosto em que a visitei. Tudo o
+mais, ao largo, era desolação e secca.</p>
+
+<div class="ilustracao">
+
+<p><img src="images/fialho1.jpg" border="0" width="100%" alt="Fialho d'Almeida. Desenho de Antonio Carneiro"></p>
+
+<p style="text-align: center;">FIALHO D'ALMEIDA</p>
+
+<p style="text-align: right;">(Desenho de Antonio Carneiro).</p>
+</div>
+
+<p>Para lá da matriz, logo ao sahir do povoado,
+corriam as obras das escolas que o<span class="pn"><a name="pag_17">{17}</a></span>
+Escriptor garantira com o seu testamento,
+e que, confesso, pouco me detiveram, dado
+o meu aborrecimento por construcções do
+seu desenho, entre gaiolas e penitenciarias,
+com destino á futura infancia de Villa de
+Frades, de mais, ao tempo, sobremaneira
+antipathicas, como todos os edificios por
+concluir.</p>
+
+<p>O que devéras me prendeu, foi a chamada
+antiga Casa da Aula, pela qual perguntei
+ao primo de Fialho e immediatamente
+saiu a apontar-me.</p>
+
+<p>É fronteira á Egreja, e um edificio
+tosco, sobre o comprido, áquelle tempo escrupulosamente
+caiado, de aspecto simples
+e o ar abstracto de um templo abandonado.</p>
+
+<p>Era quasi noite. A matriz bateu não
+sei que horas, com aquella solemnidade
+triste, que é do dobrar dos sinos de todas
+as villas...</p>
+
+<p>Dei-me a imaginar a infancia de Fialho,<span class="pn"><a name="pag_18">{18}</a></span>
+partilhando daquella melancholia, pelas
+grandes tardes morrinhentas de Villa de
+Frades, com todo o primeiro mundo da
+sua inicial e subconsciente comparticipação
+da Vida...</p>
+
+<p>Ali, de facto, naquella humillissima
+escola, cursara elle as primeiras lettras, de
+par das primeiras contrariedades, ao lado
+do pae, o mestre escola da terra, «aquelle
+typo de santo austero, n'uma alma de sonhador,
+sempre calado», explica o Artista,
+annos depois.</p>
+
+<p>E, em verdade, tanto como a casa onde
+nasceu, mais ainda, talvez, se me prendeu
+da alma aquella capellita das suas primeiras
+canseiras.</p>
+
+<p>Ahi deveria, porventura, estabelecer-se
+o Museu-Fialho, uma vez que uma dezena
+de amigos, refiro-me sobretudo aos seus
+amigos de leitura, se concertasse para juntar
+em tal logar, com os seus livros, tudo o<span class="pn"><a name="pag_19">{19}</a></span>
+que pudesse considerar-se como reliquia
+da sua obra ou memoria.</p>
+
+<p>Da casa de Fialho, em Villa de Frades,
+hoje quasi vazia do peregrino espirito que
+a encheu, lembrarei especialmente o quarto
+do Artista, onde, por acaso, quedam algumas
+arcas com revistas que excluiu
+da sua livraria, destinada á Bibliotheca de
+Lisboa, legando-as a um amigo que ainda
+as não levantou, e, nas paredes, duas telas
+da sua auctoria.</p>
+
+<p>Propositadamente trazemos a publico
+a noticia, que cremos em primeira hora,
+daquellas telas, ambas más, de figuras religiosas,
+de tintas empastadas e peior desenho,
+pelo interesse de documentar o seu
+esforço de plastico, que o fez pintor, em
+segredo, a elle, o critico impertinente dos
+maiores pintores do seu paiz!</p>
+
+<p>Esta, porventura, tambem a nota mais
+interessante que me foi dado conhecer por<span class="pn"><a name="pag_20">{20}</a></span>
+informação da Familia-Fialho, e me fez
+lembrar o caso de Hugo, identicamente
+desenhista e, mais ainda, entalhador, e
+cuja obra, no genero, decora, ao presente,
+a sua antiga residencia, hoje Museu, na
+<em>Place des Vosges</em>.</p>
+
+<p>Finalmente, resta-me apontar, o trecho
+fronteiro á casa, systema absorto de outeiros
+verde-suaves, que se me depararam
+conhecidos, como se, de sempre, os houvesse
+visitado.</p>
+
+<p>E, de facto, era quasi assim. Conhecia-os,
+havia muito, de algumas das paginas mais
+luxuriantes do Escriptor, onde elle, o magnifico
+colorista, a espaços se deu a pintá-los
+daquella tinta intima que lhe veio, pelo
+tempo fóra, das suas memorias e impressões
+de infante.</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Despeço-me, á pressa, da sympathica
+terriola, como quem foge do tumulto de<span class="pn"><a name="pag_21">{21}</a></span>
+lembranças que me vem da casa, daquelles
+outeiros, dos primos de Fialho, do Irmão,
+irreprehensivelmente estatual no seu papel
+de symbolo rigoroso; e parece-me receber
+das mãos deste fios da tragedia, ainda
+viva, das primeiras desfortunas do Artista,
+as que lhe advieram da quasi miseria da
+sua segunda infancia, e cuja recordação
+o obrigava talvez, mais tarde, a fugir dali,
+(onde viveu sempre o menos tempo) por
+morphinizar-se do aborrecimento em commum
+por terras de mais convivio.</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>A Casa da Cuba, que em geral preferia,
+quando estava no Alemtejo, é um edificio
+melhor que o de Villa de Frades, tambem
+terreo e de compartimentos amplos.</p>
+
+<p>Nesta casa fui encontrar enferma, na
+mesma alcova em que o Artista agonisara, a
+sua antiga legataria,&mdash;uma senhora de<span class="pn"><a name="pag_22">{22}</a></span>
+edade da Familia Carapeto, a quem devo o
+offerecimento dos retratos de Fialho que
+illustram a presente noticia e alguns dos
+seus esclarecimentos.</p>
+
+<p>Pouco me detive nesta sua antiga morada,
+e o tempo que ali quedei foi no terraço,
+velho miradouro de gosto mourisco,
+donde se abrange, numa extensão de leguas,
+o mais das terras seccas que circumdam
+a Comarca.</p>
+
+<p>Cuba é das povoações mais incaracteristicas
+e sem interesse que encontrei no
+Baixo Alemtejo. Lembra, pela monotonia
+do seu casario reverberante, certas povoações
+de Hespanha, da Mancha, sobretudo,
+e que, em vez de quebrarem a aridez das
+chans, servem como que a memorá-las, tão
+irmans da estepe parecem crescer da terra.</p>
+
+<p>Avalio, com tristeza, do viver do Escriptor
+na villa, quando, obrigado pelas
+mil coisas desagradaveis da sua vida, em<span class="pn"><a name="pag_23">{23}</a></span>
+que parece não ter figurado pouco a intriga
+politica da ultima hora,&mdash;se recolheu
+aos seus telheiros.</p>
+
+<p>Fez o acaso que me defrontasse com
+o proprietario da Tabacaria, em que passava
+uma parte das noites, a conversar, por distrahir-se
+e illudir a monotonia que o cercava.</p>
+
+<p>Deu-se-me logo o snr. Fonseca, não
+afianço o appellido, como tendo sido muito
+da intimidade de Fialho, propondo-se reproduzir
+factos e retalhos seus de conversa
+que, é claro, lhe sahiam pouco authenticos...</p>
+
+<p>&mdash;Conheceu-o pessoalmente? me perguntou
+elle, a meio das suas tiradas.</p>
+
+<p>E, á minha negativa:</p>
+
+<p>&mdash;Pois olhe que era melhor ouvi-lo, do
+que lê-lo!</p>
+
+<p>Os livros valem pouco, accrescentou,
+em comparação com o que elle aqui nos
+contava...<span class="pn"><a name="pag_24">{24}</a></span></p>
+
+<p>E logo continuou a palavrear ácerca do
+Artista, emquanto eu me explicava a sua
+vida final, o suicidio provavel, os caixões
+de revistas que vira em Villa de Frades, e
+com as quaes elle, por ultimo, quasi obrigado
+a viver ali, bem por certo, de volta
+a casa, iria feriar-se daquellas noites mal
+conversadas com quem, por falta de ouvidos,
+não podia ouvi-lo,&mdash;a elle que fora
+em Lisboa, o primeiro de um cenáculo de
+que haviam feito parte, entre outros, artistas
+como Ramalho e Bordallo, ao lado de
+curiosos, ás vezes, valha a verdade, bem
+inferiores ao sympathico negociante, que,
+ao menos, herdara do seu convivio a devoção
+supersticiosa da sua memoria!</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Como quer que seja, pois que Fialho
+passou em Cuba os ultimos annos da sua
+vida, importa-me naturalmente escrever da<span class="pn"><a name="pag_25">{25}</a></span>
+pequena cabeça da comarca o pouco que
+della apontei de más lembranças.</p>
+
+<p>Como acima referi, não tem ella, para
+mim, a bem dizer, outro interesse alem do
+que lhe advem do facto de ter sido o derradeiro
+exilio do Escriptor, que se dava a
+disfarçá-lo, administrando directamente as
+suas herdades.</p>
+
+<p>Especie de villa improvisada, sem paizagem
+que pudesse entreter, por momentos,
+o espirito, aliaz exigentissimo do Artista;
+sem edificios de valor; com repartições inferiores;
+avenidas lugubres, no geito da
+Alameda, sobranceira ao Caminho de ferro,
+e sombria como uma rua de cemiterio; habitações
+mesquinhas, servidas de ruas mal
+calçadas; a Estação, a distancia, quasi que
+fugida da terra que a fizeram servir&mdash;tal
+é, de facto, Cuba, cujo casario abre
+sobre a campina formidavel do sul como
+uma aguarella infima!<span class="pn"><a name="pag_26">{26}</a></span></p>
+
+<p>E, entretanto, foi ali que Fialho quiz
+ficar, e mandou que lhe erigissem o mausoleu,
+que visitei na ultima tarde da minha
+estada em Cuba, depois de dolorosos
+transes para arrancar duma adega o chaveiro
+do Cemiterio.</p>
+
+<p>Ah! como Fialho tinha razão, ao informar-nos
+no conto&mdash;<em>A Ruiva:</em>&mdash;«Ha
+uma coisa peior que um cão damnado: é
+um coveiro bebado!»</p>
+
+<p>Comtudo, ao lado dum tal coveiro segui
+eu até ao cemiterio de Cuba, em que,
+aliaz, coisa alguma de notavel fui encontrar.</p>
+
+<p>Todos os cemiterios, a meu ver, se parecem;
+o da Cuba vale o <em>Père-Lachaise</em>,
+como o de <em>Montmartre</em> ou <em>Montparnasse</em>,
+por nomear os trez mais notaveis de França
+(onde os homens passam por mais reconhecidos)&mdash;como
+os de todas as terras,
+ainda os das muito civilizadas e extremas.</p>
+
+<p>Imagine-se um cercado alto, com o ar<span class="pn"><a name="pag_27">{27}</a></span>
+de casa, á qual o vento arrebatasse o telhado,
+arruamentos de capellas e arcas com
+lettras de pedra, uma especie de convento de
+ossos, onde todos os dias ha camas de terra
+revolvidas e cruzes novas;&mdash;a frieza dos
+brancos e solemnes livros de marmore, das
+flores, ali casuaes e tranzidas, dos esguios
+arvoredos, como de todo um pequeno
+mundo de symbolos;&mdash;uma lage-obstaculo
+em cada campa, e, como a fechar
+mais os que jazem, gradis, linhas de cimento
+juntando as cantarias, mais um complicado
+e diabolico systema de cremalheiras
+e cadeados!</p>
+
+<p>Eis o cemiterio de Cuba, cujo desenho
+é, de facto, o de todas as grandes ou pequenas
+cidades de mortos, dos quaes os
+vivos se vão desquitando, mais ainda do
+que cobrindo-os daquelles obstaculos,&mdash;quasi
+esquecendo-os para ali, onde perpetuamente
+terão de ficar, afastados de tudo,<span class="pn"><a name="pag_28">{28}</a></span>
+onde jámais chegará o proprio carinho selvagem
+dos temporaes, sós, entre os silencios
+negros da sua noite immensa, velados
+dos elementos, a par das esculpturas
+somnambulas dos tumulos, tambem de si
+indifferentes, abstractas, e, como por acaso,
+ali dispostas, ainda por erguerem (paredes-meias
+dos cinerarios) o formal e glacido
+tributo da sua agonia fria e lapidar!</p>
+
+<p>Ora, isto me ia eu recordando, ao seguir,
+mais o coveiro, pelo cemiterio de
+Cuba, do mesmo passo que, sem querer,
+lembrava certas passagens da Obra de Fialho,
+que, de momento, quasi me falavam,
+e, eu sentia, como que batidas de vento, ao
+meu ouvido...</p>
+
+<p>Como no caso das grandes paginas de
+presagio da sua monographia&mdash;<em>Manuel</em>,
+começára de anoitecer, e os sinos tocavam!</p>
+
+<p>Ainda mais, lembro-me de ouvir, ao<span class="pn"><a name="pag_29">{29}</a></span>
+longe, nitidamente, distinctamente, representando-se-me
+como um relampago vermelho
+á meia treva, o uivar daquelle cão,
+que, quando, em taes paginas, o Artista se
+dá a dialogar com o Coveiro a probabilidade
+de Manuel ser enterrado vivo, como
+toda a sua afflicção pela farça material
+dos tumulos&mdash;como que o chama á realidade
+desse mundo que fica para alem
+do proprio pezadelo hystero-epiletico da
+sua tortura de superemotivo, e lhe queda,
+a dobrar, na alma, o timbre vivo e sinistro
+da hora horrivel que já não conta, e, eu, de
+momento senti ali, perto delle, bater tragicamente,
+lugubremente, como um echo
+do seu sentido, ainda doloroso, embora já
+distante, vago, erradio...</p>
+
+<p>Porque, para mim, esse typo de <em>hysterico</em>
+e <em>fragmentado</em>, <em>contradictorio</em> e <em>presciente</em>
+que figurou no <em>Manuel</em>, é fundamentalmente
+elle proprio, desdobrando-se<span class="pn"><a name="pag_30">{30}</a></span>
+por escrever a sua mesma «duplicidade cerebral»
+e gritar contra a desgraça do <em>outro</em>,
+«o que morrera», e agora, eu sabia ali,
+sem que ao menos pudesse precisar onde!</p>
+
+<p>Onde?</p>
+
+<p>Eis o que o coveiro, depois que o instei,
+se deu a contar-me, moendo as palavras,
+que, aliaz, lhe sahiam cavas e aos gorgolões,
+como se me falasse ainda da adega á
+qual, minutos antes, o fôra arrancar.</p>
+
+<p>Afinal pouco tem que ver a futura Casaforte
+dos ossos de Fialho,&mdash;no começo da
+primeira rua do cemiterio, e a poucos passos
+do portão, como do logar em que nos
+encontravamos.</p>
+
+<p>Imagine-se uma especie de cofre em
+marmore branco, sem arestas, escrupulosamente
+polido e goivado á volta, quasi sem
+ornatos, uma porta grossa cruzada da fecharia,&mdash;todo
+elle de um desenho facil, e,
+por sobre a cupula, ainda de pedra, dois<span class="pn"><a name="pag_31">{31}</a></span>
+gatos de bronze, dormindo abraçados o velho
+somno dos symbolos! Eis tudo...</p>
+
+<p>Este, repetimos, o mausoleu que lhe
+servirá em breve.</p>
+
+<p>Porque provisoriamente, e a avaliar das
+informações que apontei, o Escriptor, descança
+ainda, de momento, ao fim do cemiterio,
+perto da ultima parede, num pedaço
+de chão mal tijolado e de emprestimo,
+em sepultura rasa...<span class="pn"><a name="pag_32">{32}</a><br><a name="pag_33">{33}</a></span></p>
+
+
+<h2>II</h2>
+
+<h2>A INDOLE DE FIALHO</h2>
+
+<p><span class="pn"><a name="pag_34">{34}</a><br><a name="pag_35">{35}</a></span></p>
+
+<div class="cap">
+N<span class="sc">ão</span> é facil escrever de momento, e directamente,
+ácerca dum artista como
+Fialho, tal o occultismo das suas predilecções,
+como, mais propriamente, da obra
+que deixou, e tomaremos ainda como indice
+da sua singularissima neurilidade.</div>
+
+<p>Assim, começaremos por esclarecer que
+Fialho d'Almeida era filho de um homem
+da Beira e de uma mulher do Alemtejo,
+por melhor caracterizar algumas das suas
+extranhezas e contrastes, como o seu conflicto
+em materia de assumptos e realizações
+artisticas, que, antes de tudo, parecia
+advir-lhe do ser encontro de duas raças.</p>
+
+<p>Da mesma maneira que cumpre ter presente<span class="pn"><a name="pag_36">{36}</a></span>
+a influencia da provincia em que nasceu,
+e que, na infancia, a edade impressionavel
+por excellencia, lhe deu aquelle amor
+pela tinta mais propria, ou seja a que os seus
+olhos receberam directamente da paizagem;
+como a sua grande intimidade com
+a natureza, com quem aprendeu a exprimir-se,
+e que tão fundamente foi penetrada
+pelo seu genio.</p>
+
+<p>De facto, nenhum elemento mais cioso
+da transmissão do caracter do que a terra.
+O que Fialho prova, á saciedade, a par dos
+nossos maiores impressionistas.</p>
+
+<p>Desenvolvemos noutro logar<sup><a href="#nota1" name="m_nota1">[1]</a></sup> a indole
+da zona mais meridional do Alemtejo,
+onde se incluem Cuba e a pequena villa
+em que nasceu Fialho.</p>
+
+<p>Resulta daquelle estudo um campo
+ethnico á parte na geographia intima de<span class="pn"><a name="pag_37">{37}</a></span>
+Portugal região embaraçada da herança
+arabe, que semelhantemente se vê na cultura,
+nos seus barros e azulejos, nas suas
+casas, como nas manifestações mais simples
+da vida vulgar dos seus habitantes.</p>
+
+<p>Ora Fialho, que ali passou parte da infancia
+jámais destruirá a recordação do primeiro
+espectaculo natural que feriu a sua
+retina de colorista, e, depois, pela vida
+fóra, mais se lhe foi insinuando pela mesma
+fatalidade de sangue e nascimento que á
+sua terra o prendia. É isto, apesar da herança
+de tristeza que tambem desta lhe
+provinha, e a que se refere, ainda doridamente,
+annos depois da sua estada ali,
+no capitulo autobiographico do <em>Á Esquina</em>.</p>
+
+<p>De facto, é sempre presente, na sua
+obra, aquelle primeiro campo de observações.
+Ahi ha a ver a intriga das passagens
+mais violentas das suas narrativas, as tintas
+das suas combinações de painelista, os<span class="pn"><a name="pag_38">{38}</a></span>
+dialogos e personagens brutaes da sua
+tragedia mais popular; e, para alem, ainda,
+da paizagem, como das figuras, a razão
+culminante do seu genio de origem, em
+que migra o sonho luxurioso, mais que dum
+artista e dum povo,&mdash;duma civilização perdida!</p>
+
+<p>Importa insistir: a herança arabe se não
+vingou entre nós, como em Hespanha, a
+ponto de que, ainda hoje, quasi tudo o que
+tem de grande se não foi della, nella se
+filia&mdash;nem por isso deixou de influir no
+genio de Portugal, onde logrou a sua invasão
+pelo Sul, e, onde, repetimos, se conserva
+evidente.</p>
+
+<p>É ali viva, manifesta em todas as coisas,
+e, sobretudo, nos homens, a quem as mesmas
+condições da terra naturalmente defenderam
+das fusões com outras raças.</p>
+
+<p>Ora, assentes estes factos, e tendo
+presente os ensinamentos que do seu conhecimento<span class="pn"><a name="pag_39">{39}</a></span>
+derivam, chegamos logicamente
+a entender melhor o caso, na apparencia
+extranho, das manifestações, por
+vezes distantes e tão intensivamente artisticas
+do Sul, e mais, em especial, de certos
+capitulos da obra de Fialho d'Almeida.</p>
+
+<p>Em verdade, eu não encontro para explicar-me
+o exuberante exquisito de algumas
+paginas do Artista, mais do que o segredo
+das colorações, como dos labyrinthicos e
+caprichosos desenhos de certos e admiraveis
+exemplares da civilização arabe na Peninsula,
+dentre os quaes me veem á lembrança,
+quasi sem o querer, os velhos monumentos
+da Andaluzia, tambem, porventura,
+da melhor intimidade de Fialho, e que
+o deviam ser de todos os artistas, muito
+particularmente dos de Portugal e Hespanha.</p>
+
+<p>E, de facto, qual o artista, verdadeiramente
+curioso de civilizações mortas,<span class="pn"><a name="pag_40">{40}</a></span>
+que não percorreu ainda Alhambra,&mdash;a
+Alhambra monumental dos grandes Paços
+de Luz, redosos e filigranados, cujos marchetes
+e esmaltes se nos defrontam, mais
+do que como obra paciente e custosissima,
+quasi dolorosos á nossa admiração, pela
+mesma regularidade do seu maravilhoso,
+tão distantemente extranho!</p>
+
+<p>Pois paga a pena a sua visita, sobretudo
+á luz de certas horas, quando, pelo
+estio, a tarde transfigura os monumentos,
+quasi os move!&mdash;e Alhambra inteira
+exulta á claridade frouxa dos seus crepusculos.</p>
+
+<p>Como, de egual sorte, surprehende o
+desenho interior dos phantasticos paços,
+ainda pelo que abrigam de inaudito, no
+espectaculo das suas casas-retabulos, aliaz
+tão intimamente caprichosas, como se fossem
+ampliações das covas naturaes que,
+no Monte Sacro, lhes são fronteiras.<span class="pn"><a name="pag_41">{41}</a></span></p>
+
+<p>É que ninguem como o povo arabe
+teve o segredo dos recantos, soube estudar
+e praticar as sombras, quasi medir a
+penumbra das arcarias; da mesma forma
+que tambem ninguem mais, como elle,
+conseguiu dominar pontos de vista, aperceber
+horizontes, toda a natureza, moldurá-la
+dos seus monumentos, por vezes verdadeiros
+filtros de luz,&mdash;viver, sentir a côr,
+e, o que é mais, orchestrá-la na sua obra,
+de uma fina grandeza sem egual.</p>
+
+<p>Dahi tambem o não se saber que mais
+admirar dos encantados paços, bem de
+molde a servirem a luxuria religiosa de tão
+lendario povo, se o labyrinthico desenho
+das suas paredes, como dos seus tectos e
+azulejos, se o mesmo diabolismo e imaginativa
+do seu alçado!</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Ora, derivando dos monumentos attribuidos
+ao genio arabe, á razão de sangue<span class="pn"><a name="pag_42">{42}</a></span>
+que flue na gente do sul da Peninsula,
+chegamos facilmente á averiguação do
+grande valor da tutela semita no nosso
+movimento tradicional, mercê daquella
+herança&mdash;tutela sobremaneira documentada,
+no mais do nosso lyrismo, como, em
+regra, em toda a nossa obra artistica.</p>
+
+<p>E, assim, nos encontramos, muito naturalmente
+com o caso de Fialho d'Almeida.</p>
+
+<p>De facto, dentre os grandes plasticos
+da Peninsula, quem mais que o grande
+Artista conseguiu ainda praticar um
+semelhante ou equivalente embrenhado
+de esmaltes e de linhas, o segredo da luz
+e da côr, identica riqueza no processo de
+exprimir Arte, toda aquella ancia de vida
+luxuriosa que ergue o mais da obra arabe,
+e, em que domina sempre, ao lado do culto
+do individuo, considerado na sua religiosidade
+como no seu luxo,&mdash;a preoccupação
+alacre do supremo culto da Natureza!<span class="pn"><a name="pag_43">{43}</a></span></p>
+
+<p>E, entretanto, não foi, ainda, sob um tal
+ponto de vista que principalmente nos demos
+a estuda-lo.</p>
+
+<p>A verdade é que fiamos pouco do rigorismo
+dos methodos geralmente considerados
+como mais logicos, por mais naturalistas,
+os que tudo explicam pela razão exclusiva
+da procedencia e do meio&mdash;quando
+se trata de comprehender emotivos da estatura
+de Fialho, cuja obra precisa, a nosso
+entender, principalmente ser considerada
+sem opinião previa, ou seja a toda a luz
+dos seus livros, e onde ha, a par das
+admiraveis fatalidades das suas taras de
+artista do Sul, o conhecimento, os commentarios,
+como a presença ou suggestões
+de tudo o que nesse rodopio de Arte, que
+foi a segunda metade do outro seculo,
+podia considerar-se de mais interessante ou
+notavel.</p>
+
+<p>Mas caminhemos vagarosamente. Em<span class="pn"><a name="pag_44">{44}</a></span>
+primeiro logar, convem ter presente que
+ha nos recursos de Fialho d'Almeida um
+grande numero de facetas e a tal ponto
+imprevistas e admiraveis, que, a elle proprio,
+o offuscaram, perturbando-o, e impedindo
+até que realizasse o que para
+todo o auctor deve ser o primeiro fim&mdash;a obra
+de conjuncto, que, exactamente,
+resulta do ajustamento ou systematização
+de todo o seu trabalho, de molde a levantar
+a figura do Artista se elle é um temperamento,
+ou o objectivo da sua Arte, quando
+elle tenha de desapparecer, em sacrificio á
+sua mais propria missão.</p>
+
+<p>O tempo é ainda um material ao dispor
+dos artistas, embora, quanto a nós, o peior
+dos materiaes.</p>
+
+<p>Fialho devotou-se-lhe, talvez, excessivamente.
+Pois que tinha auscultado a miseria
+do povo, no seu instincto, por desventura
+apurado nos primeiros annos da sua vida<span class="pn"><a name="pag_45">{45}</a></span>
+de acaso, não raro deixou falar o coração,
+para alem da sua mesma canseira de Artista.</p>
+
+<p>Quantas vezes elle, que foi um espirito
+alto e pairante, se deu a desmedir o grito
+dos que a propria miseria, confinada da cobardia
+congenita das desgraças populares,
+havia tornado quasi aphonos, e que ainda,
+por uma razão de indole, eternizou vivo e
+plebeu,&mdash;tal como lhe sahiu, ao primeiro
+golpe, nas paginas formidaveis dos <em>Gatos</em>!</p>
+
+<p>Foi isto um delicto de Arte, seria um
+bem?</p>
+
+<p>Foi um facto. E este facto vale o melhor
+da sua obra de pamphletario que,
+antes de qualquer outra, convem ter presente.</p>
+
+<p>Ora, neste rumo de trabalhos, seguiu
+elle, naturalmente, o exemplo de todos os
+pamphletarios;&mdash;isto é, deu-se a compor
+paginas do material commum, o que vale<span class="pn"><a name="pag_46">{46}</a></span>
+dizer de aspirações e casos, não raro menos
+claros de que vulgares!</p>
+
+<p>Dahi partiu, e logicamente foi até ao fim:
+a servir a propria plebe politica&mdash;a peior
+das plebes!</p>
+
+<p>Houve tempo em que não socegou.
+Numa canseira pertinaz, diaria, quasi tomou
+por seu dever perseguir a vida constituida,
+onde quer que ella surgisse ou se
+se lhe afigurasse.</p>
+
+<p>Ora, este foi, tambem, porventura, o seu
+mal, assente como está que, em materia de
+vida conjuncta, peior do que qualquer instituição
+crapulosa ou gasta, é a sua substituição
+á doida, á sorte, como infelizmente,
+entre nós, elle a ajudou a preparar!</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Acabo de percorrer os <em>Gatos</em>, onde
+reuniu o melhor da sua Arte de pamphletario.<span class="pn"><a name="pag_47">{47}</a></span></p>
+
+<p>Do primeiro ao ultimo opusculo, que serie
+de estudos, de commentarios, de almas
+e acontecimentos tratados pelo seu riso!</p>
+
+<p>Tudo o que elle tinha de imprevisto,
+como tudo o que da inferioridade de uns
+poude reunir e editar para servir a inferioridade
+dos outros, está ali, nos seis volumes
+que hoje formam a Obra, e ficará
+como documento dos seus violentos e extremadissimos
+recursos.</p>
+
+<p>Pois que foi a civilização quem categorisou
+o riso, transfundindo-o, filtrando-o
+até á ironia, uma das grandes forças da
+demolição moderna,&mdash;importa ainda considerar
+o riso de Fialho.</p>
+
+<p>A ironia de Fialho, se assim podemos
+escrever daquella sua indole&mdash;era
+ainda, como não podia deixar de ser, um
+caso mais do seu temperamento de violento,
+aggravado do tempo e meio em que,
+por acaso, reagiu.<span class="pn"><a name="pag_48">{48}</a></span></p>
+
+<p>Assim, nada tem de commum, por
+exemplo, com Eça e Camillo, por falar
+dos humoristas mais discutidos da lida
+contemporanea.</p>
+
+<p>Camillo era a graça a flux, com os seus
+laivos de razão intima, muito para alem dos
+castellos politico-litterarios de momento,
+golfando risos ao acaso da sua natural interpretação
+sinistra de Humanidade.</p>
+
+<p>Eça deu-se scepticamente a lapidar costumes
+e figuras infimas, no geral de uma
+banalidade exhaustiva, á conta do prazer
+do seu riso frio, que logo se fez moda,
+como tudo o que nos vinha de fóra, por
+seu intermedio.</p>
+
+<p>É ver o successo das <em>Cartas de Fradique
+Mendes</em>, «um Acacio a serio», informa
+Fialho, e cuja prosa relata o apontoado
+symetrico das notas dum civilizado, ali
+paciente e cuidadosamente estylizadas pelo
+seu sentido de mundano.<span class="pn"><a name="pag_49">{49}</a></span></p>
+
+<div class="ilustracao">
+
+<p><img src="images/fialho2.jpg" border="0" width="100%" alt="Fotografia de Fialho d'Almeida."></p>
+
+<p>FIALHO D'ALMEIDA</p>
+</div>
+
+<p>Ora, nada de premeditado encontramos
+em Fialho, e nomeadamente nas notações
+dos Gatos, por cujo entrecho natural é que
+comecemos o exame á sua obra.</p>
+
+<p>A razão desta preferencia incide, é
+claro, na mesma indole dos folhetos que
+reuniu debaixo daquelle titulo, e, onde,
+de facto, encontramos, a despeito dos
+seus propositos, o Fialho definitivo, quer
+sob o ponto de vista do estylo e inauditismo
+de Arte, quer ainda pela acção demolidora
+que tanto foi de seu empenho e
+naquella obra rajou desesperadamente, a
+paginas plenas, como em nenhum outro
+dos seus trabalhos.<span class="pn"><a name="pag_50">{50}</a></span></p>
+
+
+<div class="rodape">
+<p><sup><a href="#m_nota1" name="nota1">[1]</a></sup>
+Terras do Sul.</p>
+</div>
+
+<p><span class="pn"><a name="pag_51">{51}</a></span></p>
+
+<h2>III</h2>
+
+<h2>O PAMPHLETARIO</h2>
+
+<p><span class="pn"><a name="pag_52">{52}</a><br><a name="pag_53">{53}</a></span></p>
+
+<div class="cap">
+A<span class="sc">bre</span> os <em>Gatos</em> o aviso-cartaz de que o
+auctor se propõe tratar criticamente os
+homens e os acontecimentos, explicando,
+humoristicamente, o nome da publicação.</div>
+
+<p>O primeiro folheto da serie tem a data
+de Agosto de 1889, e inaugura por um capitulo,
+pleno de paixão artistica, com seus
+esmaltes de irreverencia, e a que elle chamou:&mdash;<em>Bric-á-bracomania,
+como cultura
+e como doença.</em></p>
+
+<p>No desenvolvimento da curiosa these
+encontra-se naturalmente com o caso do
+testamento de D. Fernando. Este caso foi
+um dos mais antipathicos e escandalosos
+do tempo, pois que accendeu nos Paços,<span class="pn"><a name="pag_54">{54}</a></span>
+com o odio da rainha pela condessa d'Edla,
+uma questão de familia burgueza, em que
+se discutiu tudo, desde a imaginada loucura
+lucida do principe, ao tempo das suas
+ultimas disposições, até ao valor e direito
+dos <em>bibelots</em> e quadros do seu espolio!</p>
+
+<p>Veio a questão para a rua, e, ainda dessa
+vez, rua e Paço se deram as mãos, na roda
+de insultos dirigidos á viuva de D. Fernando,
+sem attenção pela memoria deste
+principe, cuja probidade foi tratada sem
+sombra, não diremos já de justiça, mas de
+delicadeza.</p>
+
+<p>Em nome dos republicanos dirigia, no
+<em>Seculo</em>, a campanha Rodrigues de Freitas,
+valha a verdade, serenamente. Por parte do
+Paço, e vestindo, mais uma vez, a innocente
+pelle do povo&mdash;. escrevia Emygdio Navarro,
+tratando cynicamente D. Fernando, em
+quem diagnosticara dois scirrhos&mdash;o da
+cara, que o levara á morte, e o do coração,<span class="pn"><a name="pag_55">{55}</a></span>
+que elle, Emygdio Navarro, se propunha
+sarjar publicamente, fazendo-lhe a historia
+na praça das <em>Novidades</em>, e isto, affirmava,
+por dignificar a memoria do Rei!</p>
+
+<p>Fialho que, de facto, era um delicado,
+e, por accidente, se fizera politico, e, bem
+por certo, lhe repugnava toda aquella griteira,
+tratou tambem do caso moderadamente,
+chegando a lembrar até a arbitragem
+para resolver os direitos do espolio controvertido.</p>
+
+<p>Ainda, por egual forma, trata a figura
+de D. Fernando, cujo perfil surprehende,
+sobretudo, á luz da sua aventura de amoroso
+e homem de Arte.</p>
+
+<p>Assim visto, não podia elle deixar de
+lhe ser sympathico, e dahi tambem o seu
+elogio, mal disfarçado, como as attitudes
+em que o focou, e donde mal sobresahe o
+vulto, ao tempo tão acintosamente discutido,
+do Rei!<span class="pn"><a name="pag_56">{56}</a></span></p>
+
+<p>Quer dizer, em verdade, é ali presente
+a homenagem do Artista ao Artista, para
+lá de todo o convencionalismo critico, como
+de toda a exigencia publica.</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Começa o segundo opusculo por um
+capitulo dedicado ao violoncellista Sergio, e
+que, neste proposito a que nos obrigamos,
+de mero indiciador das suas passagens de
+mais interesse e que melhor o mostram&mdash;mal
+podemos tratar condignamente.</p>
+
+<p>Registe-se, no entretanto, o extremado
+capitulo, como um dos mais notaveis da
+sua obra, e, alem de tudo, a forma como
+elle, sempre tão presente nos seus livros,
+sabia, embora excepcionalmente, apagar-se,
+quando as circumstancias lhe conferiam Arte
+que um tal sacrificio valesse.</p>
+
+<p>É o caso do violoncellista. Para no-lo
+descrever, Fialho quasi se apaga no café-concerto<span class="pn"><a name="pag_57">{57}</a></span>
+da Mouraria, em que o apresenta, e,
+onde, de facto, elle costumava ir, ás noites,
+transfigurando-o da sua Arte, cuja referencia
+é, ainda, como que a sombra resoante
+da alma tão extranhamente regressiva
+do Musico.</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Paginas adiante, é tambem com paixão
+e valor equivalentes que, a proposito das
+exequias de D. Luiz, trata a figura da
+Rainha.</p>
+
+<p>D. Maria Pia resalta do seu exame
+como uma resurreição dos grandes dramas
+reaes de Shakespeare, ou seja como um
+verdadeiro prodigio de alma, genialmente
+estatuada da sua tristeza de soberana-viuva,
+equilibrando-se no orgulho profissional
+da sua creação de princeza de raça, acaso
+abordada ás praias portuguezas.</p>
+
+<p>Inegualavelmente soberba, de facto, a<span class="pn"><a name="pag_58">{58}</a></span>
+sua maneira de tratar a lendaria Rainha que
+surprehende nos funeraes do Rei como um
+alabastro solemne!</p>
+
+<p>Assim a tinha sonhado, tanto como
+o Paço, a propria Rua que, entretanto, lhe
+perdoava tudo, ainda os mais custosos
+dispendios, tomando-a, mais do que como
+Rainha&mdash;como uma figura de luxo, especie
+de marmore vivo, por boa fatalidade, a
+soldo no Museu Real das Necessidades.</p>
+
+<p>Tambem, por seu lado, ella cumpria escrupulosamente
+o papel a que, por sua
+mesma prosapia, se compromettera (fôra
+cheia de protocolo a sua escriptura de esponsaes)&mdash;e
+dahi o vê-la toda a gente
+mais do que cerimoniosa, theatral, quasi
+memoria, seguindo sempre, de par da sua
+lenda, de que ninguem, nem ainda os mais
+ousados, tentaram algum dia separá-la!</p>
+
+<p>Quando endoideceu (a natureza é
+logica; que outra doença devia segui-la?)<span class="pn"><a name="pag_59">{59}</a></span>
+logo os jornaes vieram contar as parabolas
+da sua loucura, nos Paços de
+Cintra; corriam historias de <em>toilettes</em> que
+jámais usara; e, por fim, enterneceu a sua
+retirada de Portugal, quando, na Ericeira
+partiu, tão magestosa e alheadamente,
+como annos antes, tinha chegado...</p>
+
+<p>A differença dos dois espectaculos, estava,
+unicamente, no tempo, que daquelle
+passo final da sua vida tinha urdido mais
+uma tragedia!</p>
+
+<p>Chegara solemnissima, recebida por
+toda a ordem de festas e alegrias officiaes;
+retirou, á opportunidade da primeira
+revolução, como uma rainha usada, que já
+não serve, e segue, á pressa, devolvida,
+ao paiz de origem.</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Despedimo-nos com pezar destas paginas,
+que tão fundamente, por si, bastariam<span class="pn"><a name="pag_60">{60}</a></span>
+a vincar a alma do Artista, acaso nellas
+mal casada á sua preoccupação de pamphletario,&mdash;para
+derivar a outras que, na sua
+obra, dão o contraste da violencia, talvez,
+mais inopportuna e abrupta, que ainda instigou
+critica portugueza!</p>
+
+<p>Reportamo-nos ao caso grosseiro das
+suas diatribes contra Guilherme de Azevedo
+que justiçou depois de morto, e declara analysar
+sobre uma pedra de autopsia, ainda
+sem piedade por si, como pelos leitores, e
+quando aquelle, já longe, havia ganho, ha
+muito, o esquecimento publico!</p>
+
+<p>Na sua quasi diabolica sanha de deprimir
+vê-o primeiramente no seu logar de escrivão
+de fazenda em Santarem, onde o surprehende
+a passear os seus aleijões, de par
+das suas canseiras de lyrico e apaixonado
+ridiculo.</p>
+
+<p>Depois examina-lhe, publicamente, os
+defeitos, as suas fraquezas e purgueiras de<span class="pn"><a name="pag_61">{61}</a></span>
+estrumoso, como a sua obra, na parte mais
+rebuscada, indo até pracear-lhe os papeis
+unhados pela lida do chronista!</p>
+
+<p>Por fim, como que convida o publico a
+assistir-lhe á morte, em Pariz, numa casa
+de saude!</p>
+
+<p>E, para o caso de que o publico falte,
+redige elle mesmo a informação da agonia
+do Artista, passada, esclarece, entre sujidades!</p>
+
+<p>Ora eu não sei de outra hora tão extranhamente
+infeliz para um escriptor!</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Do mais dos artistas contemporaneos,
+e, especialmente, dos pintores, é sabido o
+que escreveu de desalentador para elles
+que já, contra si, tinham tudo:&mdash;a rua, o
+mundo politico, o meio pobre em que trabalhavam,
+o paiz de origem, e toda a serie<span class="pn"><a name="pag_62">{62}</a></span>
+de prejuizos que, para mais, Fialho conhecia
+intimamente como ninguem!</p>
+
+<p>Comtudo, nem Columbano escapou a
+esta sua impertinencia, por vezes de uma
+irritação doente, quasi atrabiliaria e descomposta,
+á conta da sua faina de exigir
+do mundo plastico, mais do que representações
+da natureza, verdadeiras telas
+vivas, porventura, a capricho, illuminadas
+das suas mesmas composições escriptas.</p>
+
+<p>Dahi a sua injustiça para com o grande
+pintor que, no seu juizo facil da primeira
+hora, qualificou de mero artista hesitante,
+como que estagnado, «perdido, na monotonia
+cadaverica dos seus quadros de imitação!»</p>
+
+<p>E, de identica maneira, tratava os outros.</p>
+
+<p>Não lhe era facil fugir á fatalidade do
+seu genio, sempre em duvida, e que mascarava<span class="pn"><a name="pag_63">{63}</a></span>
+de desdens; para mais acossado pela
+circumstancia de viver, o mais do tempo,
+em Lisboa, onde os Artistas teem <em>ateliers</em>
+paredes-meias, e a Arte anda sempre ao de
+cima das sympathias duma tal Cidade,
+ainda, como nenhuma outra, de entre as
+nossas, aberta a intimidades, mettediça, e
+pretenciosamente futil!</p>
+
+<p>Dahi tambem a sua maneira, quasi mesquinha,
+de tratar a Politica e, em especial,
+os politicos.</p>
+
+<p>A Carlos Lobo d'Avila, por exemplo,
+processa-o como degenerado.</p>
+
+<p>Lopo Vaz é, para elle, um mero «preboste
+regio». A Barjona toma-o como um
+conselheiro de negocios, anecdotico e sujo.
+Hintze é uma especie de empresario de
+Portugal&mdash;feitoria-ingleza, figura dependente
+e quasi irresponsavel ás ordens da
+dynastia, e assim os outros.</p>
+
+<p>A paixão do pamphletario céga-o a<span class="pn"><a name="pag_64">{64}</a></span>
+qualquer vislumbre de justiça para com politicos
+e assim tambem para com o Rei, que,
+ainda á maneira popular, considerava como
+figura enkystada no corpo governativo da
+Nacionalidade.</p>
+
+<p>Dahi tambem o atacá-lo systematicamente,
+afeiando-o de todos os delictos, em
+que não deixou de figurar a pecha das
+mais ruins ingratidões, as já classicas ingratidões
+dos reis!</p>
+
+<p>Quer dizer, consciente ou inconscientemente,
+foi, como todos os pamphletarios,
+um Orpheu da Rua, pelo menos até se sentir
+sacudido por ella.</p>
+
+<p>E fossem lá insinuar ao seu aferro pelas
+chamadas reivindicações democraticas,
+que atraz da ingratidão dos reis, está sempre
+a ingratidão dos povos; que a França,
+por exemplo, politicamente radical, no curso
+de dezenas de annos, conserva no <em>Père Lachaise</em>
+a ossada de Balzac, ao passo que<span class="pn"><a name="pag_65">{65}</a></span>
+carreou, ha muito, para o Pantheon Carnot
+e outros menores!</p>
+
+<p>De que lhe serviria, de momento, o
+aviso? O que sempre enche a obra do
+pamphletario é a philosophia facil do odio
+ao Constituido, onde quer que elle se encontre.
+Emquanto ha reis, a culpa de tudo
+o que existe de mau, ou por tal passa, é dos
+reis; como é dos padres emquanto ha padres;
+dos validos emquanto ha validos; em ultimo
+logar, dos parlamentos; de tudo, emfim, o
+que o povo, em nome dos seus direitos,
+nunca até hoje definidos, organiza e desorganiza,
+menos a seu talante, do que ao
+acaso de uma esperança ou das gerações
+por apparecer!</p>
+
+<p>E, comtudo, não falta nunca quem se
+dê a orchestrar a sua voz, por mais vaga,
+ou dissonante que ella seja.</p>
+
+<p>É preciso que o escriptor tenha, mais
+do que talento, uma sensibilidade propria<span class="pn"><a name="pag_66">{66}</a></span>
+e escrupulosamente cerrada ao gosto publico,
+melhor ainda, religiosamente isenta,
+para que possa afastar, com desprezo, o
+applauso geral, repulsando, para longe, o
+titulo de dirigente, ou seja o de encantador
+das multidões, pelo qual, principalmente, o
+maior numero dos apostolos se bate.</p>
+
+<p>E, em todo o caso, como aquella isenção
+é rara!</p>
+
+<p>Ainda os de melhor fé e que se julgam
+de posse duma missão necessaria, raro
+chegam, por si, a conhecer do erro de excesso,
+em materia de reverencia e culto
+pelo publico!</p>
+
+<p>O que, a miudo, se dá, é a inutilidade
+da sua faina, e isto pelo mesmo uso
+daquelle prestigio, ainda sujeito, como tudo,
+á acção do tempo que sómente, não consome
+as obras de sentido definitivo.</p>
+
+<p>Este foi tambem o caso de Fialho que
+durante annos destruiu, sem treguas, confundindo,<span class="pn"><a name="pag_67">{67}</a></span>
+propositadamente, os principios e
+os homens, batendo, de toda a maneira,
+um systema que, sobretudo, foi erro não
+termos reformado dentro das nossas melhores
+tradições; e que elle, Fialho, como
+os demais contemporaneos escriptores politicos,
+reputaram fóra de toda a razão nacional.</p>
+
+<p>É claro que deste erro se confessou
+mais tarde repeso&mdash;ou tenha sido quando
+as suas palavras offereciam menor echo&mdash;ao
+ver que, para os logares mais responsaveis,
+quando o antigo regime cahiu,
+o paiz, democratizado á força, não encontrou,
+de momento, para substituir o
+corpo official expulso, mais do que gente
+ousada, que mental e moralmente valia menos
+do que a anterior, que de si já estava
+muito abaixo da geração que a havia antecedido,
+e cuja herança nem sequer soubera
+defender!<span class="pn"><a name="pag_68">{68}</a></span></p>
+
+<p>É de justiça lembrar que tambem Fialho
+foi dos primeiros a corrigir os impetos
+dos pretendentes que, de todos os lados,
+surgiram com a sua conta de serviços;
+embora o facto valha unicamente a justificar
+a sua boa fé.</p>
+
+<p>Era tarde. Á sombra das suas paginas,
+como das de Ramalho, Junqueiro, Eça e
+Bordallo, por lembrar os maiores, se tinham
+elles organizado de vez, entretanto
+que a alvorada do regime abria logicamente
+por um banquete!</p>
+
+<p>Para mais, quasi todos os demolidores,
+companheiros de Fialho, tinham desapparecido.
+Ao acaso do tempo ficara, unicamente,
+Ramalho&mdash;velho, surdo a louvores
+como a insultos, fechado na sua cella de
+valetudinario, em Lisboa, de facto uma especie
+de santo de nicho do <em>bairro alto</em>, a
+quem já, a bem dizer, ninguem recorria, de
+cujos milagres ninguem mais queria saber...<span class="pn"><a name="pag_69">{69}</a></span></p>
+
+<p>Bordallo morrera, providencialmente,
+antes do bôdo.</p>
+
+<p>Alem de que, quem se atreveria a continuar-lhe
+a obra? Onde o artista da sua coragem,
+á altura de um jornal nos moldes
+do <em>Antonio Maria</em>? Onde o redactor graphico
+do seu estylo, e, mais ainda, onde
+as personalidades-motivos a enchê-lo?</p>
+
+<p>Como quer que seja, Fialho, leal ao
+que, de começo, se impuzera, tentou ainda
+o ultimo esforço, contra o muito do que
+succedera e lhe repugnava tanto como á
+consciencia, á sua sensibilidade, acuradissima,
+de Artista.</p>
+
+<p>Era tarde, repetimos. Já ninguem o ouvia,
+demais que elle proprio tinha perdido
+o vigor das suas primeiras investidas!</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>E, entretanto, o Artista crescera ainda,
+depois das novas provações, ou antes tinha-se<span class="pn"><a name="pag_70">{70}</a></span>
+accrescentado daquella razão de
+amargura que a vida empresta sempre,
+cedo ou tarde, aos temperamentos da sua
+impressionabilidade, e que nelle deu a
+transfiguração notavel de um ousio artistico
+sem egual, e de que é, sobretudo,
+exemplo essa obra trasbordante da sua
+derradeira colheita&mdash;«<em>Barbear e Pentear</em>».</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Este livro, sublinhado pela explicação
+amarga&mdash;<em>Jornal dum vagabundo</em>, que
+aliaz emprega noutras obras, attinge, effectivamente,
+o maximo da sua perfeição exquisita.</p>
+
+<p>É ali que verdadeiramente elle trata a
+mulher-fada, tão de sua predilecção, e de
+quem se dá a referir a <em>toilete</em>, á luz dos
+móres recursos, escrevendo da sua razão
+de vestir, como arte maxima; das joias que<span class="pn"><a name="pag_71">{71}</a></span>
+redundam do seu imaginar em preciosos
+esmaltes vivos, especie de insectos inertes,
+quasi pedras mornas por não arrepiarem
+a carne-seda das animadas estatuas
+que são chamadas a guarnecer;&mdash;de tudo,
+emfim, o que do abraço caprichoso da
+arte e da natureza elle poude aventurar de
+imprevisto na ideação dum espectaculo
+para embriagar sensibilidades!</p>
+
+<p>E, de facto, chega ás maiores extranhezas
+de gosto na inventiva daquelle
+livro, e especialmente no seu capitulo:&mdash;<em>Juizo
+do Anno</em>, quer pelo turbilhão
+de côr que delle entorna, quer, sobretudo,
+pelo seu empenho de phantasia
+e <em>nuance</em> ali expressos, como ainda pela
+circumstancia de considerar a mulher o
+que, porventura, virá um dia a ser, um
+caso de perfeição sómente, quando a natureza
+mais accordada com o homem, sahir
+de sua attitude esphingica, e isto ainda por<span class="pn"><a name="pag_72">{72}</a></span>
+viver com elle uma futura vida luxuriosa,
+sem medos e sem pecados...</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>As <em>Pasquinadas</em> e o <em>Á Esquina</em> subordinam-se
+á mesma rubrica:&mdash;<em>Jornal
+dum vagabundo.</em></p>
+
+<p>Nesta ultima obra ha de tudo:&mdash;paginas
+notaveis e criticas de menos folgo.</p>
+
+<p>São do melhor interesse as que abrem
+o livro e titulou:&mdash;<em>Autobiographia</em>; e devem
+ter-se como supremas aquellas em
+que nos descreve os <em>Ceifeiros</em>, como as
+que referem as suas impressões da Atalaya
+e Exposição-Bordallo.</p>
+
+<p>Tambem este livro inclue umas notas
+a que deu a epigraphe:&mdash;<em>Problema taurino</em>,
+e que, já agora, glosaremos, embora
+de fugida.</p>
+
+<p>Neste capitulo lança o Escriptor á balha
+a idéa do toureio a serio nas praças<span class="pn"><a name="pag_73">{73}</a></span>
+portuguezas, o que vale informar:&mdash;a opinião
+da morte do touro, com os demais
+episodios sangrentos dos curros hespanhoes.</p>
+
+<p>Ora a proposta, se foi sincera, destoa, a
+nosso ver, da sagacidade do critico, acaso
+perturbada pela paixão do aficionado e homem
+do sul, paredes-meias da Hespanha
+e seus costumes.</p>
+
+<p>O portuguez habituou-se facilmente á
+morte pela associação politica; aceita, como
+de direito, o assassinato por adulterio,
+e toda a ordem de morte por um delicto
+sectarista ou passional; o que elle jámais
+decretará é a morte por uma razão de Arte,
+e isto pelo mesmo facto de não comprehender
+outro sacrificio que não seja para
+sagrar ou colher interesse.</p>
+
+<p>Ora, para elle, o toureio, ainda como
+exposição de vida e educação de raça, não
+tem interesse.<span class="pn"><a name="pag_74">{74}</a></span></p>
+
+<p>As <em>Pasquinadas</em> reunem uma serie de
+artigos de impressão rapida&mdash;instantaneos
+dos acontecimentos e pessoas de occasião.</p>
+
+<p>Entretanto, como se tenha dado o caso
+de ter sido obrigado a tratar de figuras
+da categoria de Camillo e Sarah Bernhardt,
+este livro inclue, a seu proposito, paginas
+que, bem por certo, ficarão ainda como
+documentos da sua desproporcionada maneira
+de considerar os grandes artistas!</p>
+
+<p>Insurgia-se elle, a espaços, contra as
+lettras, friamente rigorosas, dos modelos
+mais classicos e academicos.</p>
+
+<p>E, de facto, importava-lhe sahir não só
+das velhas disposições, como ainda dos
+recursos em uso, por inteiro alheios ao
+genio, mais que revolucionario, desmedido,
+daquelles dois vultos, que, por isso
+mesmo, tratou, não só fóra de todos os
+moldes, mas, mais ainda, fóra do tempo.<span class="pn"><a name="pag_75">{75}</a></span></p>
+
+<p>A <em>Lisboa Galante</em>, outro livro de
+voga, comprehende, em geral, episodios e
+aspectos de cidade, por entre apontamentos
+de casos minimos, por communs, a
+todos os logares de accumulação.</p>
+
+<p>Entretanto, ainda ahi Fialho incluiu
+phantasias e situações admiraveis, haja em
+vista o conto&mdash;<em>Amor de velhos</em>; e, sobretudo,
+a <em>Chavena da China</em>, porcellanas
+da sua maior delicadeza e inventiva.</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Passaremos á pressa sobre o livro&mdash;<em>Saibam
+quantos...</em> não só porque literariamente
+o não accrescenta, como pela
+circumstancia de nelle ter reunido cartas
+e artigos politicos que valem, meramente,
+como actos de sua contrição.</p>
+
+<p>Archivemos, no emtanto, do capitulo&mdash;<em>A
+morte do Rei</em>, o seu leal proposito
+de homenagem a D. Carlos, a cujo caracter,<span class="pn"><a name="pag_76">{76}</a></span>
+por fim, concede as mais complexas facetas,
+e a impossibilidade de falar destas em
+paginas resumidas, como as que, de momento,
+lhe consagra; e, mais ainda, como
+fecho dellas, o seguinte:&mdash;«Pobre D. Carlos!
+quando se pensa que afinal era mais
+intelligente e teve talvez virtudes superiores
+ás dos seus adversarios, e por não dizer
+ás dos seus cumplices...»</p>
+
+<p>Eis, finalmente, palavras suas, ácerca de
+D. Carlos, alinhadas, talvez, sobre a impressão
+da morte brutal do rei, á hora,
+quem sabe? em que o seu cadaver, abandonado
+de todos, presidente do Conselho
+incluso, lhe dava a lembrar a calumnia,
+tanta vez pelo pamphletario, contra elle,
+escripta, de primeiro responsavel da desordem
+a que o paiz descera!</p>
+
+<p>É que talvez já ao tempo elle bem claramente
+visse que aquelle que tão violentamente
+responsabilizara como primeiro<span class="pn"><a name="pag_77">{77}</a></span>
+culpado do desastre a que a nacionalidade
+havia chegado, era afinal um rei que consumira
+um reinado a procurar Alguem, no
+fundo, bem da alma, elle proprio, com a
+Rua, que era, de facto, quem mandava, sem
+que, ao menos, governasse, como ao presente,
+e que ora o applaudia, mais á rainha,
+ora o insultava, até que se decretou a montaria
+com que, por fim, deu fecho á Realeza.</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Mas, deixemos o rumo de taes considerações
+que, indevidamente, é de uso
+considerar politicas, e que, ao acaso, nos
+occorreram, a proposito dalgumas paginas
+do <em>Saibam quantos...</em> ultimo passo na
+vida de Fialho, e ainda á conta da sua velha
+lida de pamphletario.</p>
+
+<p>Finalmente, pois que, por esta obra,
+chegamos ao termo da sua jornada de agitador,<span class="pn"><a name="pag_78">{78}</a></span>
+resta-nos, ao presente, e logicamente,
+insistir no mais da sua melhor canseira&mdash;isto
+a proposito, não só dalguns trechos
+já marcados, como ainda doutros, onde
+mais intencionalmente se deu a urdir obra
+de Arte pela Arte.</p>
+
+<p>Assim visto, este será, em nosso entender,
+o Fialho definitivo, cujo elogio
+desde já promettemos levar a cabo quasi
+sem rasuras criticas, ou seja sem restricções,
+no capitulo a seguir...<span class="pn"><a name="pag_79">{79}</a></span></p>
+
+
+<h2>IV</h2>
+
+<h2>O ARTISTA</h2>
+
+<p style="margin-left:2em; text-indent: -2em;">F<small>IGURAS NOTAVEIS DA SUA GALERIA.</small> I<small>NTUITOS E SUPERIORES
+FATALIDADES DO SEU TEMPERAMENTO.</small> U<small>MA GRANDE E ADMIRAVEL REVOLUÇÃO ESTHETICA.</small> A <small>SUA</small>
+O<small>BRA.</small></P>
+
+<p><span class="pn"><a name="pag_80">{80}</a></span></p>
+
+
+<div class="ilustracao">
+
+<p><img src="images/fialho3.jpg" border="0" width="100%" alt="Fotografia de Fialho d'Almeida."></p>
+
+<p>FIALHO D'ALMEIDA</p>
+</div>
+
+<p><span class="pn"><a name="pag_81">{81}</a></span></p>
+
+<div class="cap">
+N<span class="sc">enhum</span> outro documento mais interessante,
+se bem que mais difficil de ler,
+do que o primeiro livro dum Artista.</div>
+
+<p>Toda a obra de Arte tem a sua infancia
+que importa ver na prova-estreia do auctor,
+atravez dos seus defeitos, como das suas
+virtudes.</p>
+
+<p>Ora essa difficuldade eu senti ao ler
+os <em>Contos</em> de Fialho, quer pela exuberancia
+de vida episodica de que esta obra se
+enreda, quer pelo tumulto dos recursos
+que já ali o auctor revela.</p>
+
+<p>Exemplificando.</p>
+
+<p>Abre elle este seu primeiro livro por
+uma historia, em parte de sua observação,
+e em parte de phantasia,&mdash;<em>A Ruiva.</em><span class="pn"><a name="pag_82">{82}</a></span></p>
+
+<p>Pela intriga deste seu trabalho, vê-se
+que elle não chegou a realizar uma novella,
+no rigor geralmente attribuido ás
+composições deste nome. Bem pelo contrario,
+o que conseguiu foi uma serie de
+biographias, ou, mais propriamente, de exquisitas
+telas.</p>
+
+<p>Fialho, muito do Sul, é, como já vimos,
+um pintor; ou melhor, um painelista, no
+geito dos pintores da Hespanha meridional,
+logrando, pela penna, conforme
+o seu poder de descriptivo, dar a côr, tonalidades
+e almas tão distantes e irreaes e,
+no entretanto, tão signaladamente intimas e
+perfeitas, como só as encontramos nas prodigiosas
+collecções dalguns auctores da Andaluzia,&mdash;isto
+a averiguar da impressão
+das suas manchas, como das suas madonas
+e dos seus aleijados, ou seja de
+quasi toda a sua galeria de excelsas e de
+sinistros!<span class="pn"><a name="pag_83">{83}</a></span></p>
+
+<p>Assim, a <em>Ruiva</em>, principal figura do
+conto em analyse, é uma especie de hyena
+de amor, transportando-se, quando os guardas
+do cemiterio saem, á casa do deposito,
+onde entra para escolher cadaveres!</p>
+
+<p>É pela calma mysteriosa e calada que
+elle descreve a necrophila Carolina, misto
+de miseravel e viciosa, tacteando os mortos
+adolescentes, quasi possuindo-os.</p>
+
+<p>Exquisita figura de virgem, a suave e
+brutal filha do coveiro, que Fialho trata
+com enthusiasmo, quasi carinhosamente,
+ainda na sua faina de amante de formas
+mortas!</p>
+
+<p>A Marcellina é o typo vulgar da harpia,
+velha e sabia, que tendo aprendido
+da miseria tudo o que de mau ella ensina,
+volvera a sua experiencia num capital que
+lhe ia servindo para viver...</p>
+
+<p>Para o caso, ella é a alcoveta que
+vende a <em>Ruiva</em> a um rapazola, o João,<span class="pn"><a name="pag_84">{84}</a></span>
+um precoce torpe, typo de bambino operario,
+official de marceneiro e fadista, que
+um momento a possue e quasi logo a abandona.</p>
+
+<p>É filho dum bebado e duma desgraçada
+que elle, ainda creança, vae encontrar,
+pela ultima vez, na <em>morgue</em>, depois que
+a acabaram os maus tratos do marido.</p>
+
+<p>E, tambem, dahi a sua historia, que em
+si resume a vida natural de todos os tresnoitados
+pelos portaes e escadas.</p>
+
+<p>Por fim, fecha o conto o relato da faina
+livre de Carolina (a <em>Ruiva</em>), primeiro assalariada
+numa fabrica, depois pelos quartos
+andares, vendendo-se a todos os vicios,
+até que, roida da tuberculose, chega ao hospital,
+donde sáe aos pedaços, como um
+gesso em cacos!</p>
+
+<p>O seu enterro descreve-o o Artista no
+primeiro capitulo, como para impôr, logo de
+começo, o conto, de tal arte iniciado, á<span class="pn"><a name="pag_85">{85}</a></span>
+maneira romantica, pelo seu episodio mais
+pio e sinistro.</p>
+
+<p>É ahi que apparece a figura do coveiro,
+pae da Ruiva, uma especie de Antonio
+Pedro no <em>Hamlet</em>, acaso transportado á
+taberna do <em>Pescada</em>, onde o Contista o
+apresenta, bebado, a commentar a morte
+da filha!</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Eis a noticia-summario do que temos
+pela estreia de Arte de Fialho, em 1878,
+ou tenha sido do tempo de quando elle,
+intencionalmente realista, com suas tintas
+de Hoffmann, se deu a iniciar a sua obra
+por uma figura, aliaz nada casual&mdash;a <em>Ruiva</em>,
+cuja caveira nos aponta, ao fim do livro,
+sobre a sua banca de contista-medico, não
+se sabe bem, se como um despojo de estudioso,
+se como um cofre de osso de que
+antes, por capricho, se dera a extrahir uma
+novella...<span class="pn"><a name="pag_86">{86}</a></span></p>
+
+<p>Como quer que seja, esta realiza menos
+o que pretende ser&mdash;a biographia
+da filha do coveiro&mdash;do que a primeira
+galeria de figuras da sua maneira extranha
+de pintar, e onde a <em>Ruiva</em> acaso surge
+como que sombreada daquella maceração
+e tinta de luar que Zurbaran parece ter
+composto já da eternidade para espectrar
+as figuras tão suavemente doentes dos
+seus monges!</p>
+
+<p>E, entretanto, como ali está, naquella
+simples novella todo o seu original processo,
+desde o poderosissimo descriptivo
+que lhe anima o melhor da obra, até á sua
+pintura, ainda narrativa, de costumes; a
+hesitação do Artista no papel violento ou
+declamatorio dos personagens; a sua maneira
+dispersa e fragmentaria; o dialogo;
+a imprecisão de traços; a preoccupação
+das grandes telas; a falta de peças no
+esqueleto do seu trabalho; a paixão de<span class="pn"><a name="pag_87">{87}</a></span>
+certas figuras, como de certos logares; a
+sua dolorosa e sensual sanha de necrographo,
+de par dos seus carinhos, como
+dos seus sustos pela morte; o monstruoso
+dos typos, desgarrando, autónomos, um
+drama proprio; o sentido da vida no que
+ella tem de mais intimo, como no que pode
+suggerir de mais esparso; a falta de ajustamento
+e equilibrio no curso da acção; e,
+para alem destas qualidades e defeitos, dos
+typos, como das situações, o Auctor, exuberante
+da sua razão de belleza a esmo,
+desmedindo, revolucionando a Arte, por
+servir a Arte; no seu intimo medroso, e
+instinctivamente avesso, se não inimigo de
+todo o methodo;&mdash;e, entretanto, sempre
+elle, comsigo mesmo, fazendo valer o defeito
+pelo que nelle nos dá de grande e
+imprevisto; creando das suas desproporções,
+uma Arte propria; arruando de graça
+a cidade amoral dos seus viciosos; enscenando<span class="pn"><a name="pag_88">{88}</a></span>
+a vida do verde-amarello da sua
+biliosa de pamphletario;&mdash;e tudo como
+quem empresta a sua fatalidade de exotico
+aos homens e coisas a tratar; e sempre
+para alem de todas as convenções, como de
+todos os moldes academicos!</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Particularizemos, ainda um pouco, este
+seu processo, não tanto por firmar principios,
+como por tratar do seu ousio de
+Artista, ou seja das suas figuras de imaginação,
+visto que esta não é, nos emotivos
+do seu destino, mero delirio do sentido,
+mas, pelo contrario, uma força ainda
+a avaliar das suas creações.</p>
+
+<p>Effectivamente, bem errada e mesquinhamente
+trabalham os que se dão a encaixar
+a vida num preceito!</p>
+
+<p>Pois que esta é, de si, infinita, recurso<span class="pn"><a name="pag_89">{89}</a></span>
+algum, por minimo, deve escapar ao seu
+apercebimento.</p>
+
+<p>Ora este cuidado tinha Fialho bem
+affecto da sensibilidade, cuja ancia de representação,
+jámais deixou de archivar tudo
+quanto a vida real ou a phantazia lhe importavam,
+embora, ás vezes, á doida,&mdash;fosse
+numa pagina, ou numa simples linha.</p>
+
+<p>Assim, naquelle mesmo volume&mdash;<em>(Contos)</em>,
+ha um capitulo, <em>Os dois Primos</em>,
+em que apparece a sombra de Albertina,
+uma actriz, e que vale menos pela
+belleza real da sua figurinha de exigua, que
+pela sua presença artificializada de quasi-dahlia&mdash;ao
+acaso cahida num palco de Lisboa,
+onde elle, o Artista, a surprehende, á
+luz da sua <em>toilette</em>, á qual, por fim, de todo,
+attribue o successo feliz da sua linha de
+<em>cocotte</em>!</p>
+
+<p>Este ainda um exemplo do seu occultismo<span class="pn"><a name="pag_90">{90}</a></span>
+de Arte,&mdash;do seu segredo e poder
+de imprevisto.</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Tambem a mesma graça quasi infantil,
+de tratar a phantasia a que deu o nome de
+<em>Chavena da China</em>, como todos os seus
+objectos e figurinhas do mais delicado relevo,
+usa elle já no conto&mdash;<em>Os dois patifes</em>,
+do mesmo volume, ao escrever ácerca
+de dois gatitos, verdadeiras porcellanas
+vivas e mexidas, e de cujas correrias elle
+logrou a deliciosa tragicomedia do arrasamento
+duma cidade de cartão, prenda de
+annos do pequeno Arthur.</p>
+
+<p>Lê-se dum folgo a linda historia,
+como essa outra&mdash;<em>Ninho d'Aguia</em>, de que,
+por egual, o Artista tira o partido, já notavel,
+do seu engenho de considerar figuras
+suaves e innocentes, e em que, tambem,
+as pobres aves do conto são tratadas como<span class="pn"><a name="pag_91">{91}</a></span>
+barros vivos, a que sempre alligou carinhos
+que jámais o vimos dispender no capitulo
+humano da sua Obra.</p>
+
+<p>E propositadamente nos referimos a
+estas suas pequeninas obras primas, menos
+por feriar-nos da historia magoante
+dos seus nevroticos&mdash;figuras quasi-anjos,
+ao lado de mulheres e bambinos quasi-flores&mdash;do
+que por mostrar as delicadezas
+da sua Arte, tão sinceramente desegual,
+quanto, por vezes, exhaustiva, á conta de certas
+insistencias e mal escolhidos episodios.</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Comtudo, verdadeiramente grande é
+só mais tarde, quando, muito para alem
+daquelle livro, sae a moldar do seu genio
+adulto, então notavel de extremos recursos,
+a vida monstruosa dos grandes e desafortunados
+typos do seu fabulario. Reportamo-nos
+ao tempo da <em>Madona do Campo
+Santo</em>,<span class="pn"><a name="pag_92">{92}</a></span> do <em>Anão</em>, da monographia-<em>Manuel</em>
+e principalmente dos <em>Pobres</em>.</p>
+
+<p>E, pois que mal poderiamos concluir
+do seu grande poder de plasticizar da Imaginação,
+sem nos referirmos a estas obras,
+tratemo-las, embora passageiramente, menos
+para as ver que para as apontar.</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>O <em>Manuel</em> é, sem contestação, a mais
+sincera figura da sua galeria de <em>Nocturnos</em>.
+É um ser que da sua propria
+alma o Escriptor edita; e, de si, nos dá
+como um ex-voto á sua tortura de humano
+quando, penitente da propria escravidão da
+sua Arte, della se entrega a versar o que
+de mais inquietante ella tem:&mdash;o indefinido
+da sua universalidade dolorosa e reveladora.
+Quer dizer, é ainda menos do
+que uma obra de Arte, um espelho doloroso,
+em que elle se transfigura dos seus<span class="pn"><a name="pag_93">{93}</a></span>
+medos, como dos seus sonhos,&mdash;dando-se
+ahi, de facto, como melhor nos não podia
+surdir:&mdash;no espectaculo da sua figura de
+receio, ou seja no esgar caricatural e dramatico
+da sua afflicção de presciente.</p>
+
+<p>Mas reconstruamos, tanto quanto possivel,
+por palavras suas, a sinistra figura
+de <em>Manuel</em>, ainda por melhor a esclarecer.</p>
+
+<p>Primeiramente a creança:</p>
+
+<p>&mdash;«Era aos nove annos como uma figurinha
+de aguarella, fina de carnes, os
+cabellos sem pigmento, as unhas longas,
+a voz avelludada e com demoras sentimentaes
+em certas inflexões&mdash;amando a
+solidão e as musicas plangentes, colleccionando
+estampas de castellos, terrivel no
+amor como no odio, e duma volubilidade
+tal na phantasia, que era impossivel prende-lo
+a uma lição por meia hora, sem elle
+cortar o assumpto com extravagancias de
+mimo e <em>enfant gaté</em>.»<span class="pn"><a name="pag_94">{94}</a></span></p>
+
+<p>Mais:&mdash;«Tinha a feminilidade da igreja,
+o nervosismo do incenso, paixões quasi
+physicas por imagens, sentido este que
+nunca se lhe apagou de todo, e que a reclusão
+de Campolide exasperou a um mysticismo
+de fazer inquietações aos proprios
+padres.»</p>
+
+<p>Quando já homem, «no typo de algarvio,
+branco de cera, idealmente puro
+como a afilada gravação dum camafeu, a
+sua belleza tinha transcendencias extaticas,
+uma pacificação de tinta lurenta, macerada,
+esfallecida de insomnia; e dava a
+impressão dum destes insexuaes no gosto
+da Seraphita, cujo mysterio desorienta,&mdash;por
+terem tudo o que faz sonhar, sublinhado
+por tudo o que faz soffrer.»</p>
+
+<p>Esta a epoca em que o Escriptor melhor
+fixa o drama de <em>Manuel</em>, que já
+daquelles retratos, resulta menos uma figura
+autonoma do que uma imagem de<span class="pn"><a name="pag_95">{95}</a></span>
+especial e entranha vocação, especie de
+seraphim de egreja, dahi fugido por viver
+a vida emprestada do Artista que o elegeu.</p>
+
+<p>Mas sigamos, ainda mais vagarosamente,
+o graphico doloroso das suas grandes
+azas de anjo bohemio...</p>
+
+<p><em>Manuel</em> chega a Lisboa quando&mdash;diz
+o Artista&mdash;«a bem dizer já ninguem esperava
+por elle», isto é, «quando decrescia
+no Martinho a terrivel phalange dos revoltados
+á Byron, e entrava a achar-se um
+tic pulha nas attitudes procuradas, nas vozes
+de chibato, nos olhares revoltos, e
+mais artificios de que até ali os homens
+de lettras se revestiam em publico, por
+fugir ao molde burguez da outra gente.»</p>
+
+<p>Era uma figura «toda nervos, altivo
+como se viesse de berço real», a preceito
+recortado pelo Artista, do seu album intimo,&mdash;o
+que lhe reproduzia as sombras carinhosas
+dos «bellos seres de excepção do<span class="pn"><a name="pag_96">{96}</a></span>
+seu cyclo, os da extranha lumininosidade
+interior» que ante a sua «mysantropia moral»
+conseguiam impor-se, pela mesma
+razão do seu genio,&mdash;de que elle via chispar,
+a par de extravagantes «inauditismos»
+«maravilhas minusculas» da mais emotiva
+Arte.</p>
+
+<p>Chegado a Lisboa, ei-lo, primeiramente
+perplexo, o pobre <em>Manuel</em>, no papel de
+anjo despregado, e, como que por acaso,
+transferido da Egreja da sua aldeia ao museu
+vivo duma cidade tão falha de interesse
+que nem sequer tem torpeza propria;&mdash;depois
+vivendo o expediente dos sem-recursos,
+longe dos seus, luctando entre o
+seu pudor de Artista e a intranquilidade
+do seu genio atrabiliario e dispersivo.</p>
+
+<p>Esta inadaptação é a mesma que depois
+lhe dá a Tragedia&mdash;aquella «<em>tragedia
+dum homem de genio obscuro</em>», que Fialho
+extrae da sua caprichosa maneira de reagir,<span class="pn"><a name="pag_97">{97}</a></span>
+tal como devia sahir-lhe, lavrada de
+ironias&mdash;como daquella philosophia e tristeza
+que enchem a obra a que o Artista
+dá o nome de&mdash;«<em>Esculptura</em> em fragmentos»
+pois que «dos seus avulsos bocados»
+ninguem poderia tirar mais do que «mutilações
+de uma grande estatua...»</p>
+
+<p>Ora, dessa estatua nos apresenta elle,
+a par de bocados infimos, com extranhezas
+caricaturaes e laivos dum rir doente, <em>boutades</em>
+e dôr inferior, por demais fragmentada,
+quasi sem significação de Arte,&mdash;trechos
+formidaveis, como certas passagens
+da «<em>Noite de Alcacer Kebir</em>», aliaz tão lugubres
+e intensivamente trabalhadas como
+raro encontramos outras, ainda na obra de
+Fialho.</p>
+
+<p>E, entretanto, não é a Arte de <em>Manuel</em>
+o que mais interessa da sua biographia.</p>
+
+<p>O que melhor vale, e della resalta, é a
+sua mesma reacção, ainda mais que de encontro<span class="pn"><a name="pag_98">{98}</a></span>
+ao meio alheio, quando do ruflar
+do seu genio no intimo de si proprio!</p>
+
+<p>Esta lucta fóca-a o Artista da sua lente
+amarello-lugubre, desde a primeira infancia
+do bohemio até á edade da «fixação
+do seu typo de adolescente» que estatua
+da «hereditariedade», desenvolvendo-se,
+determinando-se, sobretudo, na vida de
+collegio&mdash;na sua reclusão de Campolide,
+onde toda a ordem de factores apropriados,
+ajustando-se-lhe «como serpes»
+se porfiam «a esfuriar nesse corpinho espurio»
+todos os instinctos do seu genio
+de tarado, e que de si erguem o perfeito
+modelo morbido que, effectivamente, chega
+a realizar.</p>
+
+<p>Na sua vontade lassa nada mais governa
+que o proprio instincto do luxo, do
+inesperado, da extravagancia da sua ideação
+frouxa e admiravel,&mdash;como a inclinação
+bohemia da sua vida de acaso, á<span class="pn"><a name="pag_99">{99}</a></span>
+qual se dá, sem que alguma vez se interrogue.</p>
+
+<p>Ainda por dessedentar os nervos, logo
+de começo perros ás suas exigencias, entrega-se
+á embriaguez.</p>
+
+<p>Tinha necessidade de excitar-se, de
+viver violentamente os seus delirios, ainda
+como por melhor escutar a sua nevrose,
+de tal arte mais nitida á sua sensacional
+expectação.</p>
+
+<p>Intermittentemente cahia em marasmos;
+tinha «syncopes de intelligencia» que eram
+como que sombras daquella sobrexcitação
+e o derivavam do seu tumulto ao que
+Fialho chamou os seus «crepusculos
+intellectuaes com sobrelaivos de perseguição
+e delirio religioso.»</p>
+
+<p>«De resto na sua esthetica, como na
+sua vida, sobresaltos de louco!»</p>
+
+<p>Depois dum maior exgottamento de
+vida nervosa, adoeceu gravemente, e tão<span class="pn"><a name="pag_100">{100}</a></span>
+gravemente, informa o Escriptor, que não
+era difficil «marcar na sua intelligencia o
+accesso vesperal da sua ennublação».</p>
+
+<p>A partir deste momento deu-se a errar...</p>
+
+<p>A sua enfermidade era como que uma
+obsessão de si proprio, sempre alerta contra
+o <em>outro</em>, isto é, contra aquelle que a
+sua duplicidade mental dava como presente
+aos seus menores actos&mdash;e lhe embaraçava
+tudo o que deliberasse!</p>
+
+<p>Novos dias e elle cada vez mais doente,
+erratico, somnambulo, com a paixão do alcool
+e o susto de tudo.</p>
+
+<p>Certa madrugada accordou horrorizado
+com a idéa de que o estavam a enterrar
+vivo e o desejo «de que o deixassem apodrecer
+fóra da cova»...</p>
+
+<p>A partir deste dia a sua vida torna-se
+pavorosa; é a creatura sem rumo, equilibrando-se,
+ao justo, no acaso geral do
+arranjo commum.<span class="pn"><a name="pag_101">{101}</a></span></p>
+
+<p>É, sobretudo, como expoente de vontade
+que o homem vale; ora elle perdera
+absolutamente a vontade, mantendo-se
+como que, provisoriamente, a dentro do
+seu corpo, ao tempo já desconjunctado de
+fantochino, e que lhe sobrevivia por milagre,
+como num assomo de quasi extravagante
+apego pelo que fôra...</p>
+
+<p>O resto adivinha-se:&mdash;é a convulsão das
+ultimas horas; são restos de sonho; os derradeiros
+phantasmas, nos seus derradeiros
+dias; é elle gritando a sua agonia doida,
+numa casa de saude, a pelejar a morte,
+como se, de minuto a minuto, lhe rompessem
+cordões nervosos; finalmente elle
+ainda, mas com a vida a fugir-lhe e como
+que afilando-se-lhe até perder-se na noite
+rehabilitante da sua podridão...</p>
+
+<p>E, entretanto, a sua historia não acaba
+ahi!</p>
+
+<p>Como noutro logar affirmamos, ha, para<span class="pn"><a name="pag_102">{102}</a></span>
+alem da sua vida de symbolo, o caso vivo,
+em aberto, duma real figura da qual o
+bohemio «um duplo», se accrescenta e
+desdobra, e que, a nosso ver, é, nem mais
+nem menos, do que o seu proprio revelador,&mdash;o
+Artista que, na alludida monographia,
+sinceramente, lugubremente,
+trata o caso da morte de <em>Manuel</em> como se
+a espreitasse em si proprio!</p>
+
+<p>Passaremos adiante a miuda informação
+daquelle desenlace, ainda logico dentro
+da extravagante «<em>Tragedia de um
+homem de genio obscuro</em>», por ver, de relance,
+o Artista, ao pretexto do admiravel
+estudo em analyse.</p>
+
+<p>De facto, qual a figura que surde para
+alem da mascara de <em>Manuel</em>?</p>
+
+<p>É, affirma-lo-emos ainda uma vez, nem
+mais nem menos do que o Auctor, embora
+transfigurado da sua Arte:&mdash;isto é o
+artista «<em>violento e contradictorio</em>» que<span class="pn"><a name="pag_103">{103}</a></span>
+dahi resulta; ou seja o escriptor atavicamente
+«<em>presciente do raro em arte</em>», com o mais
+extranho «<em>senso pictoral de certos aspectos
+sociaes</em>», de par do maior «<em>poder
+amplificador dos grotescos</em>»; o artista,
+a um tempo «<em>fragmentario e dispersivo</em>»;
+o transfigurador; a creatura perdida
+«<em>em assumpções de genio</em>» e logo baixada
+dos «<em>fulgurantes cimos da intelligencia</em>»,
+como que distrahido por casos minimos;
+o «<em>de filiação hysteriça e infancia convulsiva,
+terrivel no amor como no odio</em>»,
+o «mystico» e necrographo, de «<em>vontade
+frouxa, com antipathias invenciveis pelos
+grandes fanfarrões da sociedade e
+escriptores lançados</em>»&mdash;o emotivo, emfim,
+que no <em>Manuel</em> não faz mais do que
+esmaltar de picaresco e lugubre a sua propria
+figura, errando nelle o seu drama de
+morbido, e parabolando-lhe, nas attitudes,
+como na desgraça, os seus grandes pavores<span class="pn"><a name="pag_104">{104}</a></span>
+da morte, de par da duvida que lhe advinha
+da sua mesma Obra, que, no fundo,
+julgava irremediavelmente episodica e fragmentaria!<sup><a href="#nota2" name="m_nota2">[2]</a></sup></p>
+
+<p>Por isso, tambem, ao deixar o quarto,
+do <em>outro</em>, agonisante, elle põe na boca
+do indio, o Pratas, velho confidente dos
+dois, como que o echo do seu pensamento
+intimo:&mdash;«O ideal seria que a alma delle
+não morresse, e nós ainda a encontrassemos,
+intacta e genial, num outro mundo
+insubmisso»!</p>
+
+<p>Ainda uma vez mais, elle formula o
+seu velho sonho:&mdash;não acabar! Em ultima
+analyse:&mdash;o seu drama em duas palavras<sup><a href="#nota3" name="m_nota3">[3]</a></sup>.<span class="pn"><a name="pag_105">{105}</a></span></p>
+
+<p>Finalmente nada mais haveria a escrever
+de commentario ao extraordinario capitulo
+da obra de Fialho que principalmente
+nos demos a desarticular ainda por compor
+a figura que nelle foi&mdash;se não tivessemos
+de incluir um tal trabalho na parte que
+reservamos das suas melhores provas.</p>
+
+<p>Como demonstração de Arte, mal
+poderiamos deixar de alludir ás paginas
+que fecham a tragedia, em parte verdadeira,
+de <em>Manuel</em>&mdash;e que tambem, de si, são,
+ainda de uma precisão e valor notaveis.</p>
+
+<p>De facto, velou elle o doente de duas
+figuras que mal apparecem no curso da
+acção e, no quarto do moribundo, apresenta<span class="pn"><a name="pag_106">{106}</a></span>
+silenciosas,&mdash;duas esphinges de odio que
+o encaram e ao Pratas, o segundo companheiro
+de <em>Manuel</em>, como se fossem
+elles os verdadeiros culpados da sua desgraça!</p>
+
+<p>A primeira é um velho, o pae do
+doente que, depois de lhe ter negado os
+recursos, tomando á conta de extravagancia
+todos os seus dispendios, como o seu
+irremissivel alcance de saude, vem assistir-lhe
+á morte.</p>
+
+<p>A segunda, e mais notavel das duas
+figuras, é aquella que o Artista designa na
+folha-cartaz da monographia por&mdash;<em>essa
+mulher de negro!</em></p>
+
+<p>«É, segundo informa, quasi velha, com
+um vestido negro e uma gollilha bordada, em
+grandes bicos. Sobre as orelhas ha já cabellos
+brancos, tem a pallidez macerada
+duma santa, as mãos reaes, queixo voluntario...
+Emtanto essa rigidez guarda uma<span class="pn"><a name="pag_107">{107}</a></span>
+boca pura de creança, e sae dessa magua,
+uma obra prima de martyrio.»</p>
+
+<p>«Tóco, narra, por fim, as mãos do
+agonisante, um marmore molhado. Está a
+amanhecer lá fóra, e os cinzentos azues
+dessa madrugada de inverno entram no
+quarto, com albescencias funeraes que me
+espantam. Pelas quatro horas Pratas que
+lhe sustinha o pulso, dá de repente um
+grito: é o momento: e o velho erguendo-se,
+em vez de correr ao filho morto, é contra
+nós que parece crescer, rigidamente...»</p>
+
+<p>Eis o final do drama!</p>
+
+<p>Mas quem é aquella <em>mulher de negro</em>?</p>
+
+<p>Eis o que mal nos diz. O que della
+se sabe é unicamente que fôra uma rara
+figura de dedicação, envelhecendo no sonho
+de ser noiva do bohemio, que lhe escrevia,
+e elle amara vagamente...</p>
+
+<p>De momento, aponta-a o Artista como
+um regelo de amor, acaso um symbolo<span class="pn"><a name="pag_108">{108}</a></span>
+assomado ali ainda por enscenar as ultimas
+horas do bohemio.</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Derivando, no exame das suas obras
+primas, ás paginas que, dentre as citadas,
+maior contraste offerecem com aquella monographia,
+encontramo-nos com o seu admiravel
+conto,&mdash;o <em>Anão</em>.</p>
+
+<p>Este demonstra, alem de tudo, de par
+da mais frisante extravagancia imaginativa,
+o seu grande poder caricatural.</p>
+
+<p>Trata-se duma ligeira farça que o auctor
+compõe, mais que dos personagens,
+das suas situações.</p>
+
+<p>Por outro lado, o drama é um jogo
+de riso, em cujo taboleiro Fialho incluiu
+uma pedra dolorosa&mdash;o Carrasquinho, o
+<em>Anão</em>...</p>
+
+<p>Este é uma figura minima, minuscula<span class="pn"><a name="pag_109">{109}</a></span>
+a ponto de se perder na copa dum chapeo
+de pello, e no bolso da madrinha
+quando do seu casamento; é um quasi
+monstro de fabula, entre humano e herbivoro,
+de «focinho aguçado e movel,
+mascando sempre, com as bosseladuras da
+testa de tendencias conicas para chibato,
+sensivel e espantadiço aos rumores dispersos
+do campo, a quem os bodes reconheciam
+um ar de familia, e por quem as cabrinhas
+amorosamente se roçavam» quando
+elle, o pobre cabreiro, se misturava
+com ellas no redil.</p>
+
+<p>Casou com a Rosa «um cavallão da
+mais desmedida estatura, que a mãe trouxera
+vinte e sete mezes no ventre e levára
+seis dias a expulsar!»</p>
+
+<p>O Anão dansava o fandango e era videiro.
+De principio tudo lhe foi bem; a
+boda correra-lhe alegre, bem folgada, depois
+da qual o manageiro de Torres, o<span class="pn"><a name="pag_110">{110}</a></span>
+Jacinthinho, se installou por metade de
+cada dia em casa da Rosa.</p>
+
+<p>Esta a desgraça! Quando o <em>Anão</em> chega
+a mulher bate-lhe e o manageiro obriga-o
+a dansar...</p>
+
+<p>A seis mezes do casamento a Rosa
+dá-lhe um rapagão, forte como «um boi
+bravo».</p>
+
+<p>Tudo no conto são confrontos e confusões
+de animaes armados...</p>
+
+<p>O Anão, cada vez mais chibato, lá vae
+vivendo, ora em casa, ora entre os sementões,
+sempre lamentando-se, na sua «voz
+balada», até que um dia, tendo-o a mulher
+enfaixado (por confusão com o filho) e
+conduzido á missa, lá o povileo toma-o
+pelo proprio diabo, e logo um devoto bebado
+o arremessa da torre abaixo, e era
+uma vez o pobre Carrasquinho, esborrachado
+contra as lages sepulcraes do adro!...</p>
+
+<p>Tal o esqueleto da historia que o genio<span class="pn"><a name="pag_111">{111}</a></span>
+do humorista vae depois folhando das situações
+mais ridiculas, e que, de tal arte,
+lhe decorre viva, hilariante pelo imprevisto
+e desproporcionado dos personagens, e em
+que o pobre «<em>grão de milho</em>», mal sobresae
+como uma figurinha de amuleto,
+errando ao acaso vida emprestada.</p>
+
+<p>E, entretanto, é num tão exiguo personagem
+que, principalmente, o Auctor se
+dá a desenrolar aquella aventura, toda ella
+uma farça de dolorosa escravidão!</p>
+
+<p>O mesmo sestro que levara Fialho a
+apolegar a gente miuda, por attingir a
+expansão maxima do seu inegualavel empirismo
+de Arte, de semelhante forma lhe pautou
+a solução da vida em riso, que a breve
+trecho e involuntariamente derivava em
+farça. Ainda mais, deliciou-se da união
+dos elementos mais difficeis, como impossiveis
+até, quando, pelo drama convulso
+da sua polypersonalidade, se deu a parabolar<span class="pn"><a name="pag_112">{112}</a></span>
+da vida real o mundo imaginativo
+das suas extravagantes suggestões
+de artista.</p>
+
+<p>Dahi as phantasias, no genero daquellas,
+ao lado de outras em que sobresaem
+mulheres como a <em>Madona do
+Campo Santo</em>, a quem dota da galantaria
+e gestos nobres dos cysnes, figurinha
+de suave illuminura, e que, mais
+ainda que do seu vicio de comer flores,
+elle parece alimentar do pão azymo da sua
+Arte!</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Mas não nos antecipemos á referencia
+que della nos deixou.</p>
+
+<p>Reunamos os fragmentos da estatua da
+<em>Madona</em>:&mdash;«restos, diz o Escriptor, da
+mais assombrosa esculptura que tem visto
+o mundo, e que, soldados por agulhas de
+ferro, ornam hoje o tumulo de Judith.»<span class="pn"><a name="pag_113">{113}</a></span></p>
+
+<div class="ilustracao">
+
+<p><img src="images/fialho4.jpg" border="0" width="100%" alt="Fotografia e assinatura de Fialho d'Almeida."></p>
+
+</div>
+
+<p>Ora a <em>Madona do Campo Santo</em>,
+foi tambem uma das creações mais tratadas
+pela suave idolatria de Fialho, e
+que elle, antes do apaixonado Albano,
+se deu a estatuar numa hora de quasi
+divina loucura!</p>
+
+<p>E não é ainda casualmente que escrevemos
+da sua idolatria.</p>
+
+<p>A verdade é que o grande Artista foi,
+alem de tudo, um pagão, embora por
+fatalidade da sua arte de Extranho, por amor
+daquella Arte que ainda, de egual maneira,
+o fez religioso ou, melhor, sectario de
+toda a Belleza, como jámais conhecemos
+outro.</p>
+
+<p>É ver as paginas que dedica á <em>Madona
+do Campo Santo</em>, ao lado de outras, como
+as que abrem o <em>Paiz das Uvas</em>, e a admiravel
+<em>Symphonia</em> da <em>Cidade do Vicio</em>!</p>
+
+<p>Em todas ellas, que de adoraveis espectros
+de faunos e de sylphos:&mdash;creações phantasticas<span class="pn"><a name="pag_114">{114}</a></span>
+do genio mysterioso da grande jornada
+humana immemoravel; e que a elle,
+ao Poeta, o levam a cantar (a sua obra é ali
+um hymno)&mdash;um quasi amor contra a
+natureza, de tão extravagante e brutal!</p>
+
+<p>E, entretanto, é ainda á «vibratilidade
+dolorosa do sol» que elle escreve e nos diz
+da «vida allucinada» que lhe vae em roda.</p>
+
+<p>Dahi, tambem, a sua litteratura, na
+apparencia difficil e desajustada, como um
+romance da Mythologia, gritada de Evohés,
+com palmas á belleza e á ebriedade,
+pompas sem rito, casos de flora animada e
+fauna monstruosa, com a sua multidão
+de satyros e dryades, formando junto a
+Baccho&mdash;o Deus da boca fogueirada de
+risos, acaso os mesmos que, por vezes, parecem
+tingir da sua cambiante algumas
+das paginas mais notaveis, ainda por menos
+verosimeis, do transfigurador!</p>
+
+<p>É dum folgo que se leem estas passagens<span class="pn"><a name="pag_115">{115}</a></span>
+que quasi nos suggerem a esperança
+dum suave mundo de deuses reaes, pleno
+de sentido novo, e em que exuberem, a
+esmo, os fructos, e cresçam divinamente
+os marmores!</p>
+
+<p>Ora, dum tal poder de imaginação,
+e influencia de tudo, facil nos é derivar ao
+mais do seu <em>atelier</em> de estatuario do
+Exquisito; e, mais propriamente, ao caso da
+<em>Madona do Campo Santo</em>, a cujo proposito
+trouxemos aquelles recursos.</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>A <em>Madona</em> é, na verdade, uma das
+suas obras primas de mais justificado renome:&mdash;typo
+de mulher-insecto, dentando
+flores, amando por instincto, comendo
+com dôr, tocada, ainda por uma
+razão de belleza, do susto humano de morrer,
+gracil como uma ave, de resto frouxa
+e luarada como convinha a uma creatura
+do outro mundo...<span class="pn"><a name="pag_116">{116}</a></span></p>
+
+<p>E tão deslocada fôra, tão doutro mundo
+ella era, que Fialho, querendo apontar-nos,
+no final da novella, a estatua que da sua
+memoria desbastou Albano, é assim que
+a descreve:</p>
+
+<p>«Era uma maravilha unica de genio!
+Desabrochava completa, estendendo os
+braços para invocar Deus, por um assombro
+de equilibrio lançada na attitude
+de quem desprende vôos, desennovelando-se
+da base como uma labareda de sarça,
+em zig-zags aéreos. Esse phenomeno de
+extranha belleza, era ao mesmo tempo um
+prodigio de audacia, palpitava, falava, sentia-se
+soffrer e respirar, como uma creatura.»</p>
+
+<p>Notavel trecho, de si eloquente até ao
+excesso, e bem de molde a resuscitar a pobre
+Judith!</p>
+
+<p>Entretanto, permitta-se-nos, ainda a tal
+proposito, um breve parentheses, ou seja o<span class="pn"><a name="pag_117">{117}</a></span>
+glossario de faceis considerações, á conta
+da sua esculptura.</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>É tão somente para frisar que, ainda
+em Fialho, como para o mais dos plasticos
+portuguezes, a estatuaria é sobretudo narrativa.</p>
+
+<p>O marmore da <em>Madona</em> não é, effectivamente,
+um mero acaso da imaginação
+do contista; bem pelo contrario, estava
+na logica da sua educação, pois que
+lhe proveio directamente da mesma causa
+romantica, que ainda, ao presente, determina
+o grande numero dos nossos estatuarios.</p>
+
+<p>Ainda mais, o movimento liberal, que,
+entre nós, começou em 1820, deu á
+Arte portugueza um motivo de ornamentação
+tão extranho como detestavel,&mdash;a
+estatuaria rhetorica, se assim podemos
+defini-la e que, de logo, começou a animar<span class="pn"><a name="pag_118">{118}</a></span>
+os nossos terreiros publicos, onde mais
+ou menos todas as memorias discursam!</p>
+
+<p>E, a tal ponto a nossa exuberancia de
+latinos, ligou ao gesto o seu sentido de
+eternidade que, ainda hoje, reputariamos
+inverosimil, entre nós, a estatua, á maneira
+ingleza, como significado de mera
+presença,&mdash;a figura-marco, tal como surde,
+nas praças de Londres, menos como ficção
+de vida, do que, pelo contrario, como
+uma forma abstracta, e a que o Artista procura
+dar sempre aquella attitude quasi sagrada
+que, definitivamente, volve em symbolos
+as memorias!</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Comtudo, dado o facto do supremo
+poder de Fialho, como plastico, força é
+admittir que bem foi para a memoria de
+Judith a sua estatua, tal qual elle a trabalhou,
+como todo o drama de que circumscreveu
+a sua prodigiosa e raphaelesca figura,<span class="pn"><a name="pag_119">{119}</a></span>
+a cuja decomposição, por fim, assiste,
+indifferente, depois que ella, já morta, de
+«face marbreada de roxo» e a «expressão
+carrancuda» por lhe terem arrancado a
+mascara,&mdash;começa a abater, da sua gracil
+e suave forma de noiva dos «esponsaes da
+eternidade...»</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Finalmente, o ultimo conto das suas
+apontadas obras&mdash;<em>Os Pobres</em>, comprehende
+um trecho curto, e, no entretanto,
+ainda mais notavel que os anteriores.</p>
+
+<p>E tão notavel que só a custo poderemos
+desarticular essa singularissima peça de
+Arte, tal a selvageria que dá cohesão á
+novella, concebida para alem de todas as
+ficções litterarias!</p>
+
+<p>Trata-se dum casamento de monstros
+numas ruinas, de «duas virgindades adormecidas»,<span class="pn"><a name="pag_120">{120}</a></span>
+informa o narrador, que num
+momento vingam o amor abstemio de tantos
+annos, e celebram, á cumplicidade de
+uma noite tenebrosa, o seu brutal noivado.</p>
+
+<p>Elle, o macho, é um ser desprezivel,
+vivendo de restos, especie de cyphotico,
+aleijado pelo lapis de Velasquez; valente
+pela sua vida de carreira, ao ar livre;
+humilde; torto e forte como um azinho;
+animal corrido de todas as mesas, piolhento
+que as raparigas enjeitam e escarnecem
+nos serões:&mdash;figura, emfim, perdida no
+«immenso irradouro» que é, para elle, o
+mundo.</p>
+
+<p>Segue da Vidigueira para Pedrogão
+ao acaso do vento, que o esfarrapa, confundindo-o
+com a urze.</p>
+
+<p>Leva-o o mesmo fim de sempre:&mdash;pedir,
+errar...</p>
+
+<p>Vae por entre a esteva que o açouta;
+«o vento fala-lhe»; e, no emtanto, elle nada<span class="pn"><a name="pag_121">{121}</a></span>
+ouve, caminhando á ventura, como um elemento
+deslocado da mesma noite sinistra
+que o persegue...</p>
+
+<p>Entra, por acaso, numa ruina, onde o
+guia primeiramente um resto de brazido,
+depois um farrapo de oração, que sae dum
+canto, por fim o cheiro da femea, uma
+sombra que escabuja a seu lado, e, num momento,
+desdobra para elle fios occultos de
+uma voluptuosidade instinctiva, toda animal.</p>
+
+<p>Elle presente-a; e ella fala-lhe, numa voz
+que é um rôgo, de que elle não sabe deslindar-se,
+até que começam de tecer-se
+novos fios do desejo dos dois, do impulso
+mutuo que subito os impelle um para o outro,
+como duas forças dum mesmo systema
+que a luxuria move e dão de si o ruido
+de corpos escamosos, «rimando urros»,
+diz o Artista, numa especie de noivado
+de potestades, com ferezas e grunhidos de
+varrascos!<span class="pn"><a name="pag_122">{122}</a></span></p>
+
+<p>Tal o relato-impressão que do estupendo
+conto nos ficou, e pelo qual
+chegamos, naturalmente, e, por ultimo,
+ao fim dos maiores recursos de Fialho; e
+que, a partir deste momento, nos permittem
+averiguar da sua obra em conjuncto, atravez
+das paginas exemplificadas, como daquelles
+seus mais caracteristicos personagens.</p>
+
+<p>Ora, o que, dumas e doutros, de logo
+se nota é que o mesmo titulo de <em>Doentios</em>,
+que indica o seu primeiro livro, inculca
+tambem o grande numero das suas figuras-motivos.</p>
+
+<p>Entretanto, o que mal pode explicar-se,
+fóra do seu caso de raça, é o segredo
+da sua forma, ainda tão exoticamente
+plastica,&mdash;como o seu grande conhecimento
+da Arte pairante alem-fronteiras, e
+que, cumulativamente, exerceu de par dos
+móres diabolismos, ainda e sobretudo
+ao pretexto da nossa comedia publica.<span class="pn"><a name="pag_123">{123}</a></span>
+Como quer que seja, propositadamente
+guardamos, para final do presente estudo,
+a analyse generica destes recursos, de que,
+já agora, partiremos para a revolução artistica
+que da sua penna levantou, sobretudo contra
+o pantano classico, e rhetorica do momento.</p>
+
+<p>A todos os formalismos, de facto, elle
+deu batalha, não só vencendo, mas, mais
+ainda, trazendo á Arte novas intenções,
+de par de melhores impulsos e novos
+rumos.</p>
+
+<p>Houve contemporaneos, como João
+de Deus e Bordallo, cujo inauditismo
+é tanto mais para admirar, quanto mais
+occulta nos deixaram a sua razão de
+Arte.</p>
+
+<p>Não é este o caso de Fialho, cujo genio
+reagiu sobre uma cultura intensa, procurada
+como num anceio de quasi exhaustação.<span class="pn"><a name="pag_124">{124}</a></span></p>
+
+<p>Desde Balzac, o mais notavel dos mestres
+do pensamento novo, até aos exquisitos
+Goncourts, lavrantes quasi diabolicos
+dos mil nadas mundanos, apostolos da
+graça, como do mais extravagante japonesismo
+litterario, todos os grandes contemporaneos
+elle conheceu e estudou; do
+mesmo passo que o seu espirito, com escala
+por todas as representações de Arte:&mdash;museus,
+revistas, theatros, escolas, industrias
+de luxo, por todo o espectaculo, emfim, onde
+houvesse que aprender,&mdash;se repartiu, talvez
+menos por enriquecer-se dos seus ensinamentos,
+que por colher as suggestões
+que do seu interesse mais tarde desenvolveu.</p>
+
+<p>Ora duma curiosidade de tal forma
+animada foi que, naturalmente, sahiu a editar
+o melhor da sua obra, como tudo o
+que da sua sympathia pelo raro elle poude
+discorrer atravez da sua dolorosa fadiga
+de supersensibilizado!<span class="pn"><a name="pag_125">{125}</a></span></p>
+
+<p>Assim, tambem, talvez nenhum dos
+escriptores do seu tempo conseguisse surprehender
+a Arte dos etherisados e extranhos
+cumes donde elle se deu a vertiginá-la.</p>
+
+<p>É ver as paizagens, quasi irreaes do
+seu lapis de crayonista; as suas figurinhas
+hystericas de branda genealogia biblica;
+os seus aleijados; as suas porcellanas, como
+todo o mundo phantastico da sua inegualavel
+Arte!</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Tambem é de costume, tratando-se
+de Fialho, escrever do que vulgarmente se
+considera a sua obra critica.</p>
+
+<p>Não o faremos nós, ainda em attenção
+ao criterio proprio de que Fialho não foi
+um critico, mas um impressionista.</p>
+
+<p>E, a proposito, vem recordar o caso de
+Ramalho que, depois de uma vida longa,<span class="pn"><a name="pag_126">{126}</a></span>
+perscrutando a canseira extranha, talvez
+menos pelo trabalho de a corrigir que pelo
+vicio de a desfiar; depois duma fadiga insana
+por ver do trabalho alheio, no proposito
+de deixar definitivas as suas notações
+de pedagogo, sáe, por fim, a desculpar-se,
+na pagina derradeira do seu papel de critico,
+denunciando a publico a sua aspiração
+até ahi occulta,&mdash;imagina-se lá de que!&mdash;nem
+mais nem menos do que de poeta
+lyrico...</p>
+
+<p>E, comtudo, como é de estimar, a
+nova triste daquelle velho, figura rigida
+de portuense, com suas tintas de trato inglez,
+escrevendo á garrocha no couro endurecido
+de Portugal do tempo, afinal sobre
+o motivo constante e commum a todos
+os criticos,&mdash;ácerca dos mais versateis casos
+de gosto burguez!</p>
+
+<p>Porque, fundamentalmente, foi o gosto
+burguez que elle tratou, embora como uma<span class="pn"><a name="pag_127">{127}</a></span>
+especie de jogador de penna contra os cenaculos
+havidos então como tradicionaes,
+e de que um acaso de civilização o fizera
+transfuga.</p>
+
+<p>Entretanto, é bem de archivar aquella
+sua pagina de contrição, ainda como desfecho
+do seu ingrato mister. É que, de
+facto, elle era um artista, e dahi o ter vindo
+a publico indultar-se, como em final provação,
+dos seus cançados propositos criticos,
+se não legar-nos, á hora da sua agonia litteraria,
+uma derradeira ironia...</p>
+
+<p>Contrariamente outros dos seus melhores
+contemporaneos, e entre todos:&mdash;Fialho,
+Eça, Bordallo e ainda Junqueiro (a despeito
+da sua escravidão politica)&mdash;haviam
+sido mais do que reformadores da Arte,&mdash;seus
+verdadeiros revolucionarios, isto no
+melhor sentido da desacreditada palavra.</p>
+
+<p>Vejamos, a traços rapidos, a acção
+que de um tal confronto advem, pois que<span class="pn"><a name="pag_128">{128}</a></span>
+obteremos, assim, a par da divergencia
+dos temperamentos de maior interesse na
+vida artistica do tempo,&mdash;a sua systematização
+e um fim commum, ou tenha sido a
+notavel revolução litteraria que das suas
+provas resultou.</p>
+
+<p>Comecemos por Bordallo, bem por
+certo, ainda hoje, o menos estudado.</p>
+
+<p>Raphael Bordallo, que conseguiu tornar
+poderosa uma arte, entre nós desacreditadissima,
+mercê da chusma dos
+habilidosos:&mdash;a Caricatura, foi, de facto,
+o genio em bruto, um oleiro de
+amalgama, misturando, na sua masseira
+de Jove do tempo, toda a sorte de civilização,
+por mais desencontrada; trabalhando,
+ora de phantasia, ora dos seus
+apontamentos de rua; e, finalmente, editando-se,
+tal como Fialho, ainda por seu
+innato valor.</p>
+
+<p>Eça, talvez o de menos influencia, se<span class="pn"><a name="pag_129">{129}</a></span>
+bem que tambem o unico que logrou admirações
+incondicionaes, foi, de facto, dentre
+todos, o menos original, que não o menos
+brilhante.</p>
+
+<p>No seu <em>atelier</em> não faltou petrecho algum
+dos mais necessarios ao arranjo dos seus
+livros de Arte, aliaz sempre duma belleza
+meditada, a bem dizer medida, e em que
+perpassa todo um methodo opiado de ironias,
+por entre as suas demais preoccupações
+de consciente marmorista e penitenciario
+da prosa.</p>
+
+<p>Finalmente, Junqueiro foi dentre as
+figuras litterarias do momento o mais sagaz
+e ajustavel á sua extranha confusão.</p>
+
+<p>Por isso tambem, logo que appareceu,
+se fez mister consagrá-lo, de par dos seus
+alexandrinos, ainda undisonos e revoados,
+á Hugo, e que os do tempo immediatamente
+se deram a ouvir, mais do que com
+attenção devida a uma obra de Arte, religiosamente,<span class="pn"><a name="pag_130">{130}</a></span>
+como se nas suas rolantes e
+evocativas estrophes o Poeta orchestrasse
+a propria musica do mar...</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Mas deixemos propriamente o caso da
+acção politica por parte da geração a que
+pertenceu Fialho para o vermos, a elle, tal
+como tem de ficar, nessa outra revolução
+litteraria que sobreleva aquella, e á qual
+devemos mais attento exame.</p>
+
+<p>Fialho foi, bem por certo, sob tal ponto
+de vista, o maior do seu tempo, pois que
+realizou um verdadeiro revolucionario da
+Arte, que, partindo da admiração dos typos
+classicos, das paginas mais academicas, seguiu
+directamente o filão popular, colhendo
+e escrevendo, sem o corromper, o sentimento
+plebeu, sempre que este sentimento
+lhe poude expressar uma verdade, ou refundir<span class="pn"><a name="pag_131">{131}</a></span>
+da phantasia situações e estados
+litterarios novos.</p>
+
+<p>E não se imagine que, ainda no capitulo
+menos original e mais facil da sua
+obra, como pamphetario, elle deixasse
+de mostrar os melhores ensinamentos e
+boa fé.</p>
+
+<p>É ver o que nos diz duma possivel
+Lisboa monumental, á sua maneira; dos
+seus propositos de substituição duma cidade
+á moderna, como a fizeram,&mdash;facil
+e incaracteristica,&mdash;por uma cidade-memoria!</p>
+
+<p>Ainda mais:&mdash;antes delle creara-se uma
+especie de constitucionalismo das Lettras,
+aliaz sempre, mais ou menos regradas ao
+gosto classico, o que, de egual maneira,
+satisfazia leitores e auctores...</p>
+
+<p>Ora Fialho foi um dos raros que, entre
+nós, com melhor ousio praticou o direito da
+escripta a flux, sem medos, como sem os<span class="pn"><a name="pag_132">{132}</a></span>
+bardos aramados da covencional Litteratura
+anterior.</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>Muito justas as suas paginas de theatro
+onde versou a nossa miserabilissima flora
+dramatica, e onde nem sequer teve a
+descontar á auctoridade com que a viu a
+pecha dalguma vez a ter tentado. O que
+elle nos diz dessas peçasinhas de acaso,
+que lá fóra seriam inverosimeis num theatro
+de suburbio, e que, entre nós, tão facilmente
+são alçadas, segundo a categoria jornalistica
+ou politica dos auctores, a peças de
+grande effeito, por um publico, ás vezes educado,
+mas sem coragem para patear ou
+sahir a meio da semsaboria em que, por
+via de regra, nos nossos palcos, as peças
+decaem!<span class="pn"><a name="pag_133">{133}</a></span></p>
+
+<p>Da Hespanha do Sul, sua visinha, vimos
+como soube orchestrar a luz, tanto do
+seu pincel, de par do mais da vida natural
+que, como ninguem, teve o poder de aperceber.</p>
+
+<p>Tambem elle, se vivesse em Hespanha,
+onde a sua intenção revolucionaria seria
+inopportuna, teria completado, talvez, o
+capitulo mais desfalcado de quanto escreveu:&mdash;referimo-nos,
+sobretudo, á sua
+maneira de tratar figuras e seus demais
+esboços de novellista.</p>
+
+<p>Entre nós, dados os multiplices acasos
+da mesquinhez publica, que affecta a nossa
+vida de livraria, e onde a maior parte dos
+auctores, de olhos fitos na <em>coterie</em>, raro sabe
+trabalhar independentemente,&mdash;elle que
+começou por demolir, e demolir <em>à outrance</em>,
+gastando, a paginas plenas, talento e
+nervos, deixou-se, talvez, desviar, demasiadamente,
+pelas reclamações que do seu<span class="pn"><a name="pag_134">{134}</a></span>
+valor o publico exigia; e dahi aquellas faltas,
+de que, por fim, a visão clara da derradeira
+hora lhe deu os mais angustiosos clarões!</p>
+
+<p>E, entretanto, se onde quer que está, chega
+a memoria do que vae passando,&mdash;com
+que surpresa ha de sentir (se lá ha surpresas)
+tudo isso que para ahi ficou após de si!</p>
+
+<p>É que, bem péor do que no seu tempo,
+os Artistas são hoje, para o grande numero
+dos mentores officiaes, meras figuras de acaso,
+cujos agoiros elles, os revolucionarios de
+hontem, por cautela, se dão a amordaçar;
+e, isto sómente, porque se não perturbe a
+troça a que a Nacionalidade desceu,&mdash;ou
+seja uma ceia de politicos, pela cerrada
+noite fóra, que vem de longe, e onde um
+teclado de dentes, instrumentando o desforço
+de fomes velhas, nem sequer deixa
+ouvir, por attenuar, a voz dos <em>baccarats</em>...<span class="pn"><a name="pag_135">{135}</a></span></p>
+
+<p>Mas abandonemos, por uma razão de
+sensibilidade, a noticia do inopportuno
+festim.</p>
+
+<p>E pois que, sobre uma tal noite, acertou
+de baixar escuridão mais tragica, a que
+ameaça de subverter a raça, que, ainda por
+sua admiravel fatalidade, terá de triumphar,&mdash;vamos
+nós inventariando tudo o que ao
+presente de grande existe e futuramente
+possa servir-nos.</p>
+
+<p>Ora, no extranho conjuncto da nossa
+obra escripta, já hoje extrema,&mdash;têem,
+como acabamos de ver, o maior interesse,
+as paginas de Fialho, quer no seu valor
+intrinseco, quer pelo que representam em
+confronto com os demais e alheios padrões
+de Arte.</p>
+
+<p>Uma obra, unicamente, elle não teve de
+seu intento; e, conseguintemente, não logrou
+escrever, como a não escreveram, talvez,
+por a supporem então menos necessaria,<span class="pn"><a name="pag_136">{136}</a></span>
+os que o precederam, e que, no
+entretanto, de momento, se torna preciso,
+quanto antes, compor, ainda por servir
+aquelle resurgimento.</p>
+
+<p>Reportamo-nos, (quem ainda o não sentiu?)
+á falta de um <em>Manual de Sensibilidade</em>,
+o que equivale a informar&mdash;duma nova
+Cartilha, com destino á futura mocidade
+portugueza, e onde caibam as delicadezas
+porque sempre nos affirmamos, ainda atravez
+do mais accidentado da nossa jornada
+historica; e que hoje, mais do que nunca
+de opportunidade é que desde já occupem
+quem, para alem de todos os sectarismos&mdash;sinta,
+mais do que por si, pela
+Nacionalidade, a carinhosa obrigação de as
+versar!</p>
+
+<p>Trata-se, de resto, dum livro facil, pois
+que nos não é preciso mais do que editá-lo
+dum bem orientado sentido popular, ou
+seja do nosso velho espirito de generosidade<span class="pn"><a name="pag_137">{137}</a></span>
+e isenção, aliaz, de si, ainda latente,
+quando não expresso, na obra dos
+nossos maiores auctores,&mdash;tambem, quanto
+a nós, os melhores, se não, até hoje, os
+unicos interpretes da verdadeira alma de
+Portugal.</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p><small><em>Ancede</em>, novembro de 1916.</small></p>
+
+<div class="rodape">
+<p><sup><a href="#m_nota2" name="nota2">[2]</a></sup>
+Propositadamente, e á sua maneira, <em>pelas suas
+proprias palavras</em>, e tambem «como quem junta uma
+esculptura de bocados», entendemos dever reunir, ainda
+por melhor o revelar, aquellas suas mais entranhas e
+quasi confessadas caracteristicas.</p>
+
+<p><sup><a href="#m_nota3" name="nota3">[3]</a></sup>
+E não se infira destes seus receios o argumento
+simplista da improbabilidade do seu suicidio, pois que,
+muito ao contrario, aquella versão pode denotar, quem o
+sabe? como que o seu aprestamento, com as costumadas
+alternações de desespero e intimidades com a Morte, de
+facto habituaes á maior parte dos que voluntariamente a
+provocam.</p>
+</div>
+
+</div>
+
+<p><span class="pn"><a name="pag_139">{139}</a></span></p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+<p>&nbsp;</p>
+<p>&nbsp;</p>
+<p>&nbsp;</p>
+<h2>INDICE</h2>
+<p><span class="pn"><a name="pag_140">{140}</a><br><a name="pag_141">{141}</a></span></p>
+<p>&nbsp;</p>
+<p>&nbsp;</p>
+
+<table align="center" summary="Indice">
+<tr><th colspan="2">I</th></tr>
+
+<tr><td>&nbsp;</td><td>Pag.</td></tr>
+
+<tr><td>Cuba e Villa de Frades</td><td><A href="#pag_7">7</A></td></tr>
+
+<tr><th colspan="2">II</th></tr>
+
+<tr><td>A indole de Fialho</td><td><A href="#pag_33">33</A></td></tr>
+
+<tr><th colspan="2">III</th></tr>
+
+<tr><td>O Pamphletario</td><td><A href="#pag_51">51</A></td></tr>
+
+<tr><th colspan="2">IV</th></tr>
+
+<tr><td>O Artista</td><td><A href="#pag_79">79</A></td></tr>
+</table>
+
+<p>&nbsp;</p>
+<p>&nbsp;</p>
+<p>&nbsp;</p>
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p style="text-align: center;">ACABOU DE SE IMPRIMIR<br>
+
+NA TIPOGRAFIA DA «RENASCENÇA PORTUGUESA»,<br>
+
+RUA DOS MÁRTIRES DA LIBERDADE, 178,<br>
+
+AOS 14 DE FEVEREIRO DE 1917.</p>
+
+
+
+
+
+
+
+
+<pre>
+
+
+
+
+
+End of Project Gutenberg's Fialho d'Almeida, by Visconde de Vila Moura
+
+*** END OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK FIALHO D'ALMEIDA ***
+
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+Gutenberg-tm electronic works if you follow the terms of this agreement
+and help preserve free future access to Project Gutenberg-tm electronic
+works. See paragraph 1.E below.
+
+1.C. The Project Gutenberg Literary Archive Foundation ("the Foundation"
+or PGLAF), owns a compilation copyright in the collection of Project
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+Fairbanks, AK, 99712., but its volunteers and employees are scattered
+throughout numerous locations. Its business office is located at
+809 North 1500 West, Salt Lake City, UT 84116, (801) 596-1887, email
+business@pglaf.org. Email contact links and up to date contact
+information can be found at the Foundation's web site and official
+page at https://pglaf.org
+
+For additional contact information:
+ Dr. Gregory B. Newby
+ Chief Executive and Director
+ gbnewby@pglaf.org
+
+
+Section 4. Information about Donations to the Project Gutenberg
+Literary Archive Foundation
+
+Project Gutenberg-tm depends upon and cannot survive without wide
+spread public support and donations to carry out its mission of
+increasing the number of public domain and licensed works that can be
+freely distributed in machine readable form accessible by the widest
+array of equipment including outdated equipment. Many small donations
+($1 to $5,000) are particularly important to maintaining tax exempt
+status with the IRS.
+
+The Foundation is committed to complying with the laws regulating
+charities and charitable donations in all 50 states of the United
+States. Compliance requirements are not uniform and it takes a
+considerable effort, much paperwork and many fees to meet and keep up
+with these requirements. We do not solicit donations in locations
+where we have not received written confirmation of compliance. To
+SEND DONATIONS or determine the status of compliance for any
+particular state visit https://pglaf.org
+
+While we cannot and do not solicit contributions from states where we
+have not met the solicitation requirements, we know of no prohibition
+against accepting unsolicited donations from donors in such states who
+approach us with offers to donate.
+
+International donations are gratefully accepted, but we cannot make
+any statements concerning tax treatment of donations received from
+outside the United States. U.S. laws alone swamp our small staff.
+
+Please check the Project Gutenberg Web pages for current donation
+methods and addresses. Donations are accepted in a number of other
+ways including including checks, online payments and credit card
+donations. To donate, please visit: https://pglaf.org/donate
+
+
+Section 5. General Information About Project Gutenberg-tm electronic
+works.
+
+Professor Michael S. Hart was the originator of the Project Gutenberg-tm
+concept of a library of electronic works that could be freely shared
+with anyone. For thirty years, he produced and distributed Project
+Gutenberg-tm eBooks with only a loose network of volunteer support.
+
+
+Project Gutenberg-tm eBooks are often created from several printed
+editions, all of which are confirmed as Public Domain in the U.S.
+unless a copyright notice is included. Thus, we do not necessarily
+keep eBooks in compliance with any particular paper edition.
+
+
+Most people start at our Web site which has the main PG search facility:
+
+ https://www.gutenberg.org
+
+This Web site includes information about Project Gutenberg-tm,
+including how to make donations to the Project Gutenberg Literary
+Archive Foundation, how to help produce our new eBooks, and how to
+subscribe to our email newsletter to hear about new eBooks.
+
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+This eBook, including all associated images, markup, improvements,
+metadata, and any other content or labor, has been confirmed to be
+in the PUBLIC DOMAIN IN THE UNITED STATES.
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+Procedures for determining public domain status are described in
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+this eBook outside of the United States should confirm copyright
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+Project Gutenberg (https://www.gutenberg.org) public repository for
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