summaryrefslogtreecommitdiff
diff options
context:
space:
mode:
-rw-r--r--.gitattributes3
-rw-r--r--44211-0.txt2591
-rw-r--r--44211-h/44211-h.htm3289
-rw-r--r--44211-h/images/fig01.pngbin0 -> 14387 bytes
-rw-r--r--44211-h/images/fig02.pngbin0 -> 6469 bytes
-rw-r--r--LICENSE.txt11
-rw-r--r--README.md2
-rw-r--r--old/44211-8.txt2983
-rw-r--r--old/44211-8.zipbin0 -> 35424 bytes
-rw-r--r--old/44211-h.zipbin0 -> 61260 bytes
-rw-r--r--old/44211-h/44211-h.htm3707
-rw-r--r--old/44211-h/images/fig01.pngbin0 -> 14387 bytes
-rw-r--r--old/44211-h/images/fig02.pngbin0 -> 6469 bytes
13 files changed, 12586 insertions, 0 deletions
diff --git a/.gitattributes b/.gitattributes
new file mode 100644
index 0000000..6833f05
--- /dev/null
+++ b/.gitattributes
@@ -0,0 +1,3 @@
+* text=auto
+*.txt text
+*.md text
diff --git a/44211-0.txt b/44211-0.txt
new file mode 100644
index 0000000..6fd12c3
--- /dev/null
+++ b/44211-0.txt
@@ -0,0 +1,2591 @@
+*** START OF THE PROJECT GUTENBERG EBOOK 44211 ***
+
+ *Nota de editor:* Devido à existência de erros tipográficos neste
+ texto, foram tomadas várias decisões quanto à versão final. Em caso
+ de dúvida, a grafia foi mantida de acordo com o original. No final
+ deste livro encontrará a lista de erros corrigidos.
+
+ Rita Farinha (Novembro 2013)
+
+
+
+
+NOCTURNOS
+
+
+
+
+D'esta edição tiraram-se mais _trinta exemplares_ que não entraram no
+mercado; sendo:
+
+12 exemplares em papel Japão n.^{os} 1 a 12
+
+12 exemplares em papel Whatman n.^{os} 13 a 24
+
+6 exemplares em papel China n.^{os} 25 a 30
+
+
+
+
+GONÇALVES CRESPO
+
+
+NOCTURNOS
+
+
+
+LISBOA
+_18, Rua Oriental do Passeio_
+1882
+
+
+
+
+_Direitos reservados_
+
+
+
+
+LISBOA--Imprensa Nacional
+
+
+
+
+A MINHA MULHER
+
+MARIA AMALIA VAZ DE CARVALHO
+
+
+ _A ti, ó boa e rara e fiel amiga,
+A mais sancta e a melhor das companheiras,
+A ti, ó flôr mimosa e alma antiga,
+--Doce Premio que ris ao meu cançaço--
+A ti, ó meu Conselho, estas ligeiras
+Folhas que ponho a medo em teu regaço._
+
+
+
+
+CONFIDENZA
+
+
+Perguntaste-me um dia a vida que eu levava.
+ Mimosa e eburnea flôr,
+ Em antes de te vêr; respondo-te: sonhava...
+ Ouviste, meu amôr?
+
+Não era bem sonhar: ás vezes largo espaço
+ Ficava-me a sorrir
+ Para os quadros que eu via em luminoso traço
+ Nas télas do porvir.
+
+Presta-me o ouvido attento, escuta-me, querida,
+ Os que me lembram mais:
+ Assim, fita nos meus, ó pomba estremecida,
+ Os olhos teus leaes!
+
+Olha este quadro e vê: o campo alegre e franco,
+ Uma aurora de abril:
+ Da larga estrada á beira um campanario branco,
+ O céu profundo anil.
+
+De uma casa á janella uma creança loura,
+ Loura como um trigal:
+ Fiando á luz do sol que leve a sobredoura
+ De aureola ideal.
+
+Toda risos e festa a doce creatura
+ Olhava para mim,
+ E eu repetia a sós: «alcanço-te, ventura!
+ Serei feliz emfim!»
+
+De um outro quadro então recordo-me saudoso,
+ E alongo os olhos meus
+ Para o quadro gentil, o sonho mais gracioso,
+ Que me cahiu dos céus!
+
+Fica ao longe da vil poeira das cidades
+ E do seu vão rumôr,
+ O palacio esquecido; ás horas das trindades,
+ Entremos nelle, flôr!
+
+Deixemos os jardins, as aleas, o arvoredo,
+ E o oloroso pomar;
+ Subamos essa escada, agora, a furto e a medo,
+ Comecemos a olhar.
+
+É vetusto o salão; em flaccida poltrona
+ Repoisa e scisma alguem:
+ Alguem que nos recorda a imagem da Madona,
+ Grave e sizuda mãe.
+
+D'esse alguem no regaço um anjo se reclina
+ Confiado e feliz,
+ Sáe-lhe um arôma subtil da bôcca pequenina.
+ Falla, não sei que diz.
+
+É casta essa creança e pura entre as mais puras,
+ Que em sonhos vi jámais;
+ Tem o vago esplendôr das biblicas figuras
+ Dos antigos missaes.
+
+É moça e é menina: olhar nenhum ainda
+ De leve a maculou.
+ Dorme no seio della o amôr, a crença infinda
+ Que Deus lhe confiou.
+
+Quando ella abre, sorrindo, as palpebras franjadas,
+ Ficamos a pensar
+ Nos mysterios do céu, nas cousas ignoradas
+ Que descobre esse olhar.
+
+Deixa que eu me ajoelhe extasiado e mudo,
+ Cego de tanta luz,
+ E que tremulo beije o tépido veludo
+ De seus pésinhos nús!
+
+E não córa, bem vês, a candida creança!
+ Antes meiga sorri,
+ E entre risos me diz, compondo a escura trança:
+ «Pensava agora em ti!
+
+«Porque tardaste tanto, ó poeta? eu te esperava
+ «Na minha solidão!
+ «Vem os segredos vêr que para ti guardava
+ «Dentro do coração!»
+
+Concertáe vossa orchestra, harmonicas espheras,
+ No célico esplendor!
+ Maria, essa creança, ó flôr das primaveras,
+ Eras tu, meu amôr!
+
+
+
+
+O VELHINHO
+
+A J. Cesar Machado
+
+
+Aquelle que ali vae triste e cançado
+ E mais tremente que os juncaes do brejo.
+ Foi outrora o mais bello e o mais amado
+ Entre os moços do antigo logarejo.
+
+Nas fitas d'esse labio desmaiado
+ Quantas mulheres tremulas de pejo
+ Não sorveram os néctares do beijo
+ Dos trigaes sobre o leito perfumado!
+
+Hoje é velhinho, e falla dos francezes
+ Aos rapazes da eschola, e ás raparigas
+ Que não cançam de ouvil-o... As mais das vezes
+
+Sobre a ponte, sósinho, ouve as cantigas
+ Das que lavam no rio, e o olhar extende
+ Ao sol que ao longe na agonia esplende...
+
+
+
+
+ANIMAL BRAVIO
+
+A M^{elle} Eugenia Vizeu
+
+
+Preferiras um ramo caprichoso
+ De escolha rara e de um concerto fino,
+ Onde visses o cácto purpurino
+ E os nevados jasmins do Tormentoso.
+
+Em vez do ramo exotico e oloroso,
+ Casto recreio d'esse olhar divino,
+ Acceita, Eugenia, este animal felino,
+ Que o meu braço subjuga vigoroso.
+
+Tive artes de o amansar: eil-o sereno!
+ Acode á minha voz, e ao meu aceno
+ Como um jaguar á voz de um saltimbanco...
+
+Vamos, sonêto! a prumo! ajoelhe, présto!
+ E á doce Eugenia, do sorriso honesto,
+ A fimbria oscule do vestido branco!
+
+
+
+
+AD AGROS
+
+
+Não tardes, flôr; a aldeia nos espera,
+ Chovem arômas dos folhudos ramos:
+ Suspensa do meu braço, eia! partamos!
+ Olha-nos Deus da crystallina esphera.
+
+Nas manhãs da passada primavera
+ Com que delícia ethérea nos amámos!
+ Iremos vêr os nomes que traçámos
+ No rude tronco em que se enlaça a hera.
+
+Não tardes, meu amôr, sei de um caminho,
+ Que sobe a encosta, e vae direito ao moinho,
+ Em cujas vélas bate o vento em cheio...
+
+Seguir-nos-hão as aves namoradas,
+ Que ao som das tuas infantis risadas
+ Modularão seu tremulo gorgeio...
+
+
+
+
+A NUVEM
+
+De Th. Gauthier
+
+
+As roupas deslaçando, entra no banho
+ A languida sultana enamorada:
+ Livre do pente, os hombros nús lhe beija
+ A longa e fina trança desatada.
+
+Atraz dos vidros o sultão a espreita;
+ E comsigo murmura: «como é bella!
+ «Ninguem a vê, ninguem! o negro eunucho
+ «Do harem na tôrre solitario vela!»
+
+--Eu a vejo, uma nuvem lhe responde
+ Do sereno e alto azul illuminado:
+ --Vejo-lhe os seios nús, vejo-lhe o dorso,
+ --E o seu corpo de perolas colmado--
+
+Fez-se pallido Ahmehd bem como a lua,
+ E erguendo o seu kandjar de folha rara,
+ Desce, e apunhala a nua favorita...
+ Quanto á nuvem... no azul se dissipára...
+
+
+
+
+O JURAMENTO DO ARABE
+
+A Teixeira de Queiroz
+
+
+Baçús, mulher de Ali, pastôra de camêlas,
+ Viu de noute, ao fulgor das rútilas estrellas,
+ Wail, chefe minaz de barbara pujança,
+ Matar-lhe um animal. Baçús jurou vingança;
+ Corre, célere vôa, entra na tenda e conta
+ A um hospede de Ali a grave e inulta affronta.
+
+«Baçús, disse tranquillo o hospede gentil,
+ Vingar-te-hei com meu braço, eu matarei Wail.»
+
+Disse e cumpriu.
+
+ Foi esta a causa verdadeira
+ Da guerra pertinaz, horrivel, carniceira
+ Que as tribus dividiu. Na lucta fratricida
+ Omar, filho de Amrú, perdêra o alento e a vida.
+
+Amrú que lanças mil aos rudes prélios leva,
+ E que em sangue inimigo, irado, os odios céva,
+ Incansavel procura, e é sempre embalde, o vil
+ Matador de seu filho, o trêdo Muhalhil.
+
+Uma noite, na tenda, a um moço prisioneiro,
+ Recem-colhido em campo, o indomito guerreiro
+ Fallou severo assim:
+ «Escravo, attende, e escuta:
+ «Aponta-me a região, o monte, o plaino, a gruta,
+ «Em que vive o traidôr Muhalhil, dize a verdade;
+ «Dá-me que o alcance vivo, e é tua a liberdade!»
+
+E o moço perguntou:
+ «É por Allah que o juras?»
+ --Juro, o chefe tornou--
+ «Sou o homem que procuras!
+ «Muhalhil é o meu nome, eu fui que espedacei
+ «A lança de teu filho, e aos pés o subjuguei!»
+
+E intrépido fitava o attonito inimigo.
+
+Amrú volveu:--És livre, Allah seja comtigo!
+
+
+
+
+NUM LEQUE
+
+
+Amar e ser amado, que ventura!
+ Não amar, sendo amado, é um triste horrôr:
+ Mas na vida ha uma noite mais escura,
+ É amar alguem que não nos tenha amôr!
+
+
+
+
+OLHOS DE JUDIA
+
+
+No transparente olhar das virgens da Allemanha
+ Nada um fluido subtil tam pleno de scismar,
+ Que a gente cuida ouvir uma sonata extranha
+ Num castello do Rheno em noites de luar.
+
+Flôr do Guadalquivir, gloria da ardente Hespanha,
+ Se dardejas, sorrindo, um teu lascivo olhar,
+ O crespo, o encapellado e procelloso mar
+ Dos desejos febris o coração nos banha.
+
+Nos teus olhos porém venusta semi-deia,
+ Como nas mutações de um rapido scenario,
+ Desdobram-se ante mim paizagens da Judeia...
+
+Vejo o louro Jesus vagueando solitario,
+ Vejo-o no Horto a chorar, ouço-lhe a voz na Ceia
+ E escuto-lhe o gemido extremo no Calvario.
+
+
+
+
+H. HEINE
+
+NUMEROS DO INTERMEZZO
+
+A M^{elle} Louìse de Almeida e Albuquerque
+
+
+
+
+I
+
+
+Rosas e lirios, pombas, sol radiante,
+ Tudo isso outrora, no fugaz passado,
+ Eu adorei constante.
+
+E d'esse amôr, que tive immaculado
+ Por lirios e aves e subtis perfumes,
+ Nem já me lembro, seductôra amante,
+ Fonte pura de amôr, que em ti resumes
+ A rosa, o lirio, a pomba e o sol radiante!
+
+
+
+
+II
+
+
+De um lirio branco no mimoso calix
+ Se eu a fosse depôr
+ A vaga essencia de meu peito, em breve
+ Escutáras no calice de neve
+ Uma canção de amôr.
+
+Canção divina relembrando as ancias,
+ E o languido tremôr
+ Daquelle beijo, em noite mysteriosa,
+ Que me deram teus labios côr de rosa,
+ Meu doce e casto amôr!
+
+
+
+
+III
+
+
+Á luz viva do claro sol radioso
+ O lóto inclina a fronte esmaecida,
+ E espera a noite pensativo e ancioso.
+
+Rompe a lua, e derrama a luz querida
+ Na corolla mimosa
+ Da pobre flôr que se abre enlanguecida.
+ Pobre flôr amorosa!
+
+Olhando o céu e a lua até parece
+ Que, em desmaios de amôr,
+ Treme, palpita, córa e desfallece
+
+ A scismadora e enamorada flôr!
+
+
+
+
+IV
+
+
+ Sobre os olhos formosos
+ Da minha doce amada
+Rimei canções que os astros decoraram;
+E embalsamei-lhe a bôcca perfumada
+ Em tercêtos graciosos.
+Innumeras estancias decantaram
+ Seu rôsto peregrino
+Que os jaspeados lirios escurece.
+ Que sonêto divino
+Eu rendilhára com subtis lavôres
+Sobre o seu coração... se ella o tivesse!
+
+
+
+
+V
+
+
+Pozeram-te no rôsto o aéreo véu nupcial.
+ Bem sei que te perdi, mas não te quero mal.
+
+Brilham do teu collar as pedras luminosas,
+ Mas no teu coração que noites luctuosas!
+
+Em sonhos eu desci, ó misera mulher,
+ Ás sombras da tua alma, e vi-te o padecer...
+
+Bem sei que te perdi, ó minha doce amada,
+ Mas não te quero mal, és muito desgraçada
+
+
+
+
+VI
+
+
+Sei-o; a tua vida é sem ventura,
+ É-nos commum esta funérea sorte.
+ Cáe sobre nós a mesma noite escura,
+ E isto não finda sem que chegue a morte.
+
+Se vejo nesse olhar um rir travêsso,
+ E em teu labio a insolencia costumada,
+ E o orgulho inflar teu coração... padeço,
+ E murmuro: «és como eu, tam desgraçada!»
+
+Bem sei que ris, mas o teu labio treme:
+ Nos teus olhos azues o pranto brilha:
+ Tens orgulho, e essa voz suspira e geme...
+ Como nós somos desgraçados, filha!
+
+
+
+
+VII
+
+
+ Se as flôres do balsedo
+Podessem ver meu peito alanceado,
+Como allivio ao meu aspero degredo,
+Mandar-me-hiam, das moitas do balsedo,
+De seus prantos o balsamo sagrado.
+
+ Se os rouxinoes da floresta
+Soubessem quanta dôr me rasga o seio,
+Para espancar a minha noite mésta,
+Mandar-me-hiam, das sombras da floresta,
+O seu mais terno e encantadôr gorgeio.
+
+ Se as estrellas do espaço
+Soubessem tudo quanto soffro em vida,
+Para embalar d'esta alma o vil cançaço,
+Mandar-me-hiam, dos concavos do espaço,
+Uma doce palavra condoída.
+
+ E essa que sabe tudo,
+O inferno e o horror da minha mocidade,
+É a dona das tranças de veludo,
+E das unhas rosadas... sabe tudo
+E apunhála-me a vida sem piedade!
+
+
+
+
+VIII
+
+
+Não me sabes dizer, ó minha amada,
+ O motivo, a razão
+ Porque pendem a face desmaiada
+ As rosas para o chão?
+
+Não me sabes dizer porque, no meio
+ Do vasto prado em flôr,
+ Das violetas cáe no roxo seio
+ Um véu de lucto e dôr?
+
+Diz-me porque ouço a voz das cotovias
+ Hoje lugubre assim?
+ E porque exhalam mortes e agonias
+ As urnas do jasmim?
+
+Por que motivo o sol tam claro e puro
+ De crepes se vestiu?
+ Porque um sinistro pezadelo escuro
+ Sobre a terra cahiu?
+
+Bem sei eu porque vejo tudo triste
+ Sem luz e sem calôr...
+ É que tu, pomba branca, me fugiste
+ Meu amôr, meu amôr!
+
+
+
+
+IX
+
+
+Disseram-te de mim feios horrôres,
+ De imaginarias culpas me crivaram,
+ E sobre as minhas lastimaveis dôres
+ Um negro véu lançaram!
+
+Distenderam os labios sacudindo
+ Com grave e serio gesto a fronte, e ao cabo...
+ (E acreditaste-os tu, meu anjo lindo!)
+ Chamaram-me o Diabo!
+
+O que ha de mais escuro e de mais feio
+ Na minha vida, ignoram-no os sandeus,
+ Tam occulto este amôr vive em meu seio,
+ Ó luz dos olhos meus!
+
+
+
+
+X
+
+
+Naquella manhã ditosa
+ O sol mandava-nos beijos;
+ Do rouxinol os solfejos
+ Suspiravam na amplidão.
+
+Se me lembro, ai! se me lembro
+ D'esse amplexo demorado,
+ Com que tu, meu lirio amado,
+ Uniste-me ao coração!
+
+Grasnava o côrvo agoirento,
+ As sêccas folhas cahiam,
+ E uns tristes raios desciam
+ Da plumbea curva dos céus.
+
+Se me lembro, ai! se me lembro
+ Da fria e grave mesura
+ Que, naquella tarde escura,
+ Fizeste ao dizer-me--adeus!
+
+
+
+
+XI
+
+
+Fôste fiel, no caminho
+ Doloroso que eu seguia,
+ Déste-me alentos, carinho,
+ Meu consôlo fôste, e guia.
+
+Déste-me tudo, ó consorte,
+ Roupa branca e até dinheiro!
+ E ao partir para o extrangeiro
+ Compraste-me o passaporte!
+
+Deus t'o pague, meu amôr!
+ E um viver te dê tranquillo!
+ Mas que te não faça aquillo
+ Que tu me fizeste, flôr!
+
+
+
+
+XII
+
+
+Emquanto eu andava viajando, a minha
+ Noiva gentil, o meu thesouro amado,
+ Julgando que eu tardava e que não vinha,
+ Fez á pressa o vestido de noivado,
+ E um dia, ao pé do altar, entrega anciosa
+ A um fôfo peralvilho a mão de esposa.
+
+Nada no mundo a minha amada eguala;
+ Nem eu sei a que a possa comparar!
+ Que doce é o aroma que o seu labio exhala!
+ Que gesto lindo! e que formoso olhar!
+ Suspende a queixa, coração trahido,
+ Deixaste o céu, do céu fôste banido!
+
+
+
+
+XIII
+
+
+Quando morreres, filha, ao teu jazigo
+ Descerei taciturno e allucinado,
+ E abraçando esse corpo delicado,
+ No frio marmor dormirei comtigo.
+
+E tu muda, e tu fria, e tu gelada!
+ E eu nos meus braços a apertar-te ainda!
+ E nas sombras daquella noite infinda
+ Clamo, estremeço e morro, alma adorada!
+
+Os mortos, alta noute, pouco e pouco
+ Erguer-se-hão, ao luar, rindo e dançando;
+ E eu ficarei na sombra, ó sonho louco!
+ No teu seio de jaspe repoisando.
+
+E quando a hora chegue em que as trombêtas
+ Do Juizo Final se ouvirem todas,
+ Não surgirás, inveja das violetas,
+ Do escuro leito das eternas bôdas!
+
+
+
+
+XIV
+
+
+ Do Norte sobre um monte,
+ Alto frio e gelado,
+ Um pinheiro isolado
+Ergue entre o gêlo a merencoria fronte.
+
+Todo tremulo, o misero deseja
+ Ser a esbelta palmeira viridente
+ Que em terra adusta odeia a luz ardente
+ Que sobre ella o implacavel sol dardeja.
+
+
+
+
+XV
+
+
+Das minhas penas fiz canções aladas
+ De alegre geito e jovial feição.
+ Vi-as partir em doidas revoadas,
+ E vi-as procurar teu coração.
+
+Partem alegres, voltam lacrymosas,
+ Perdido o fresco riso ingenuo e lêdo,
+ Mas do que viram guardam, silenciosas,
+ O mais profundo e lugubre segredo.
+
+
+
+
+XVI
+
+
+Eu não posso esquecer, perdão, minha senhora,
+ --Estes laços de amôr custam a desatar--
+ Eu não posso esquecer, ó minha doce aurora,
+ Que subjuguei teu corpo e essa alma singular...
+
+Teu corpo, ai! o teu corpo esbelto, moço e branco,
+ Já foi meu, já foi meu... mas neste instante, flôr,
+ Da tua alma prescindo, e escuta, serei franco,
+ Basta-me a que possuo, ah! basta, meu amôr!
+
+Se um dia succeder, que esse teu seio trema
+ De novo juncto ao meu, hei-de insuflar-te, doudo,
+ Metade da minha alma, e então, gloria suprema!
+ De ambos nós, meu amôr, faremos um só todo...
+
+
+
+
+XVII
+
+
+É domingo: o burguez deixa os asphaltos,
+ Dando o braço á burgueza;
+ Procura o campo, e, ao vêl-o, exclama aos saltos:
+ «Ó filha, que lindeza!»
+
+E pasma do verdôr febril, romantico,
+ Da múrmura floresta;
+ E a sua longa orelha absorve o cantico
+ Da passarada em festa.
+
+Eu que não saio, escondo a gelosia
+ Com negros cortinados,
+ E recebo a visita, em pleno dia,
+ Dos espectros amados.
+
+E aquelle Amôr que eu vi morrer outrora.
+ No meu quarto apparece!
+ Senta-se ao pé de mim, beija-me e chora,
+ E treme e desfallece!
+
+
+
+
+XVIII
+
+
+Rompia a manhã, rompia
+ Alegre como um trinado,
+ E eu ia triste e calado,
+ No meio d'essa alegria,
+ Por entre as flôres do prado...
+ Rompia a manhã, rompia...
+
+Vendo-me, as flôres do prado
+ Mais as rosas do silvedo
+ Cochicharam em segredo...
+ E erguendo os olhos, a medo,
+ Num tom de voz repassado
+ Da mais branda languidez:
+ «Como elle vae irritado,
+ «Os olhos fitos no chão!
+ «Perdôa por esta vez,
+ «Não ralhes com ella, não?»
+
+
+
+
+XIX
+
+
+Na tua face ardente e avelludada
+ Encandeia-se a luz do quente Estio,
+ Mas no teu coração, ó minha amada,
+ Habita o Inverno enregelado e frio.
+
+Mas quem assim te vê bella e formosa,
+ Verá mais tarde o Inverno tôrvo e feio
+ Nessa tua gentil face mimosa,
+ E o rubro Estio no teu branco seio!
+
+
+
+
+XX
+
+
+No momento do _adeus_ succede que os amantes
+ Se abraçam, a chorar, com vozes soluçantes.
+ Força, é força partir; a mão prende-se á mão,
+ E uma infinda tristesa inunda o coração.
+
+Para nós, meu amôr, nessa hora de agonia
+ Não houve o padecer que as almas excrucia:
+ Foi grave o nosso _adeus_ e frio, e só agora
+ É que a Dôr nos subjuga, e a Angustia nos devora.
+
+
+
+
+XXI
+
+
+Sonhei: de novo suspirava o vento
+ Das tilias sob a cupula odorante;
+ E como outrora ouvia o juramento
+ Do teu amôr constante.
+
+Que protestos de amôr nesse momento!
+ Mas na febre dos beijos que me deste,
+ Como para gravar teu juramento
+ Em meus dedos mordeste!
+
+Dona do riso alegre, ó meu tormento!
+ Dona de olhos azues, ó minha amada!
+ Já me bastava o doce juramento,
+ Foi de mais a dentada!
+
+
+
+
+XXII
+
+
+Chorei: sonhava e era comtigo, estavas
+ Morta num cemiterio, fria, fria...
+ E, ao despertar, senti que o pranto, em lavas,
+ De meus cançados olhos escorria.
+
+Chorei: sonhava e era comtigo, rosa;
+ Havias-me, sem dó, abandonado:
+ E, ao despertar da noite tormentosa,
+ Tinha o rôsto de lagrimas banhado.
+
+Chorei: sonhava, e era comtigo, ó linda!
+ Dizias-me, a sorrir, «como eu te adoro!»
+ Desperto, e logo numa angustia infinda,
+ Eis-me a chorar de novo e ainda choro!
+
+
+
+
+XXIII
+
+
+ Batido do torvelinho
+ O bosque palpita ao açoite
+ Do vento outomnal; é noite.
+Monto a cavallo e metto-me a caminho.
+
+ E este inquieto pensamento,
+ E esta phantasia errante
+ Levaram-me nesse instante
+Ao teu virgineo e candido aposento.
+
+ Os cães ladram; nas sonoras
+ Escadas assoma gente,
+ E eu no marmore luzente
+Faço tinir as rútilas esporas.
+
+ No teu quarto da baunilha
+ Vôam cálidos arômas;
+ Tu dormes, soltas as cômas,
+E eu nos teus braços cáio, minha filha!
+
+ Soluça o vento magoado:
+ Diz um carvalho altaneiro:
+ «Cavalleiro, cavalleiro,
+«Suspende o teu sonhar allucinado!»
+
+
+
+
+XXIV
+
+
+Eu enterro as canções de amôr e o fel amargo
+ Do meu triste sonhar:
+ Quero um caixão profundo, immenso, vasto e largo;
+ Depressa, ide-o buscar!
+
+Um caixão formidando, um féretro-portento,
+ Que sobreexceda e vença
+ O pêzo sobrehumano e o enorme comprimento
+ Da ponte de Mayença.
+
+Trazei-m'o sem demora; eu hei-de enchêl-o em breve;
+ Vereis a promptidão.
+ De Heidelberg o tonel será pequeno e leve
+ Ao pé d'esse caixão.
+
+Doze gigantes quero, o aspecto feio e rudo,
+ E de um vigôr sem conta,
+ Que me façam lembrar Christovam, o membrudo,
+ Que em Colonia se aponta.
+
+Gigantes, balouçae o féretro luctuoso!
+ Vamos! agora, ao mar!
+ Cova maior existe? Abysmo assim grandioso
+ Difficil é de achar.
+
+Sabeis porque eu desejo um féretro assim largo,
+ De vastas dimensões?
+ É que enterro, infeliz, o amôr, o fel amargo
+ Das minhas illusões.
+
+
+
+
+O MINUÊTE
+
+Ao dr. Thomaz de Carvalho
+
+
+Espaçoso é o salão: jarras a cada canto;
+ Admira-se o lavôr do tecto de páu sancto.
+
+Cadeiras de espaldar com fulvas pregarias:
+ Um enorme sophá: largas tapeçarias.
+
+O purpureo tapete aos olhos nos revela
+ Entre as garras de um tigre anciosa uma gazella.
+
+Retratos em redor: olhemos o primeiro:
+ No Tóro as mãos de Affonso o armaram cavalleiro.
+
+Era Arcebispo aquelle: esta foi açafata...
+ Que frescura sensual nos labios de escarlata!
+
+Olhos revendo o azul que sobre a Italia assoma:
+ Em finos caracóes, a loura e ondada côma:
+
+Collo robusto e nú: cabeça triumphante:
+ Consta que certo rei... passemos adeante!
+
+Este, que vês, morreu num africano areal
+ Por vingança cruel do aspero Pombal.
+
+D'esse olhar na expressão infinda e inenarravel
+ Desabrocha uma dôr profunda e inconsolavel.
+
+Defronte, uma donzella, o rosto meigo e afflicto,
+ Num extasis adora o pallido proscripto.
+
+O teu sonho nupcial, franzina morgadinha,
+ Tam cedo se desfez, ó misera e mesquinha!
+
+No burel escondeste o viço e a formusura,
+ E desmaiaste, flôr, no chão de uma clausura!...
+
+Repara nos desdens do fôfo conselheiro,
+ Que sorridente aspira a flôr de um jasmineiro!
+
+Em canones doutor: no Paço foi bemquisto:
+ Orna-lhe o peito a cruz de um habito de Christo.
+
+Esse outro combatendo ás portas de Bayona,
+ Como um bravo, alcançou a rútila dragôna.
+
+Vibra flammas do olhar; cabeça erecta e audaz;
+ Illumina-lhe o rôsto a gloria de um gilvaz.
+
+Assistímos, ao vêl-o, ás pugnas carniceiras,
+ E ouvimos o clangôr das musicas guerreiras...
+
+No antiquissimo espelho, á sombra das cortinas,
+ Reflecte-se o primôr de argenteas serpentinas.
+
+Sob o espelho se aninha um cravo marchetado,
+ Mimo outrora da casa, e prenda de um noivado.
+
+Ao lado um cofre encerra, em amoravel ninho,
+ Antiga partitura em velho pergaminho.
+
+Uma noite extendi a musica na estante,
+ E o cravo suspirou... naquelle mesmo instante
+
+Da eburnea pallidez doentia do teclado
+ Manso e manso evolou-se o arôma do passado.
+
+E vi descer do quadro a languida açafata
+ Que, ao discreto pallôr das lampadas de prata,
+
+A fimbria alevantando azul do seu vestido
+ O rôsto acerejado, o gesto commovido,
+
+A sorrir, deslisou graciosa no tapête,
+ Dançando airosamente o airoso minuête...
+
+
+
+
+O COVEIRO
+
+A Alberto Braga
+
+
+Elle entrou cabisbaixo e silencioso
+ Na immunda tasca, e foi sentar-se a um canto;
+ Deram-lhe vinho, recusou, o espanto
+ Cresceu no olhar do taberneiro oleoso.
+
+Elle era o mais antigo e o mais ruidoso
+ Dos freguezes da casa: ao obsceno canto
+ Ninguem prestava mais lascivo encanto
+ Ao som magoado de um violão choroso.
+
+Mas o velho sentára-se distante
+ Da alegre turba, a vista lacrymante
+ Mergulhada nas chammas do brazido...
+
+Disse um da roda: «espanta-me o coveiro!»
+ --Morreu-lhe ha pouco a filha...--distrahido
+ Volveu da bisca um contumaz parceiro.
+
+
+
+
+ADEUS!
+
+
+Uma vez, numa camara elegante,
+ De um contador no marmore de rosa,
+ Entre os mil nadas feminis que exhalam
+ Uns aromas subtis que nos embalam,
+ Vi uma concha pallida e graciosa.
+
+Sentira eu nella um som confuso e triste,
+ Como o dos sinos em remota aldeia;
+ Pobre concha! morria de saudade
+ Daquella vaga e triste immensidade
+ Do mar que chora na deserta areia.
+
+Olha, querida, como nessa concha,
+ Anda chorando em mim continuamente
+ Essa timida voz que tu soltaste,
+ Essa palavra ADEUS que murmuraste
+ Aos meus ouvidos languida e tremente!
+
+
+
+
+CAMONEANA
+
+
+
+
+I
+
+NA EGREJA DAS CHAGAS
+
+
+Ao dr. A. A. de Carvalho Monteiro
+
+
+Proxima vinha a nobre Catharina
+ Da porta principal da egreja, quando
+ Seu olhar encontrou suave e brando
+ O olhar de um moço de presença fina.
+
+E, ao fulgôr d'esse olhar ardente, inclina
+ A dama o rôsto, timida, córando...
+ Arfa-lhe o niveo seio, palpitando,
+ Em doida e extranha commoção divina.
+
+Camões, que outro não era o moço, ardido,
+ Num gesto de galan desvanecido,
+ «Quem vos pudéra merecer!» murmura.
+
+E a dama, ao ouvil-o, languida sorria,
+ Pois que em todos os tempos a ouzadia
+ Ao amôr nunca trouxe desventura.
+
+
+
+
+II
+
+A LEITURA DOS LUSIADAS
+
+
+A Vicente Pindella
+
+
+Do moço rei defronte, esbelto e cavalleiro
+ Camões recita; a côrte, silenciosa
+ Ante a rubra explosão do cantico guerreiro,
+ Admira essa Epopeia enorme e prodigiosa.
+
+«... Ruge a electrica voz do Adamastôr furiosa;
+ «Nas amuradas canta o alegre marinheiro;
+ «Do Oceano á flôr scintilla a esteira luminosa
+ «Dos pesados galeões do Gama aventureiro.
+
+«Terra! grita o gageiro; e á praia melindana
+ «Desce douda e febril a gente lusitana
+ «Desfraldam-se os pendões ao claro céu do Oriente...»
+
+Da gloria ante o esplendôr o olhar d'El-Rey fulgura;
+ O Camara no emtanto, alma sombria e escura,
+ No rei os olhos crava, e ri felinamente.
+
+
+
+
+III
+
+ANNOS DEPOIS
+
+
+A Bernardo Pindella
+
+
+Juncto de um catre vil, grosseiro e feio,
+ Por uma noite de luar saudoso,
+ Camões, pendida a fronte sobre o seio,
+ Scisma embebido num pesar luctuoso...
+
+Eis que na rua um cantico amôroso
+ Subitaneo se ouviu da noite em meio:
+ Já se abrem as adufas com receio...
+ Noite de amôres! que trovar mimoso!
+
+Camões acorda, e á gelosia assôma,
+ E aquelle canto, como um antigo arôma,
+ Resuscita-lhe os risos do passado.
+
+Viu-se moço e feliz, e ah! nesse instante,
+ No azul viu perpassar, claro e distante,
+ De Natercia gentil, o vulto amado...
+
+
+
+
+ESPHYNGE
+
+Traducção de uns versos de Alexandre Dumas
+escriptos num leque
+em que estava pintada uma Esphynge
+
+
+Que me queres, Esphynge? O que procuras? diz-m'o:
+ Se do poeta o segredo intentas penetrar,
+ Desce dos annos meus ao tenebroso abysmo,
+ Verás o Amôr aos Vinte e aos Sessenta o Pesar.
+
+Sim, Pesar, não de haver lançado aos quatro ventos
+ Com prodiga loucura o verbo triumphante,
+ A ambição, o dinheiro, os risos e os tormentos,
+ E as auroras de abril que passam num instante!
+
+Mas Pesar de sentir dentro em meu peito agora,
+ Como accêso vulcão em gêlos sepultado,
+ Do juvenil desejo a flamma que devora,
+ E de não poder mais, amando, ser amado!
+
+
+
+
+A CEIA DE TIBERIO
+
+Ao dr. J. Frederico Laranjo
+
+
+Opulento é o festim: em todo o vasto imperio
+ Outro não houve egual. Caprêa a dissoluta,
+ O retiro de amôr do perfido Tiberio,
+
+Illuminada ri. Ao longe Roma escuta
+ O confuso rumôr da tenebrosa orgia:
+ Assim geme, assim ronca o mar em funda gruta.
+
+Fascina, attrae, seduz, e os olhos extasia
+ A imperial vivenda: a sala é deslumbrante:
+ Ouro e gêmmas sem fim confundem-se á porfia.
+
+Das lampadas rebrilha o lume coruscante;
+ Nos triclinios esplende a purpura escarlata,
+ A fina tartaruga e o sandalo odorante.
+
+Aos angulos da sala, em primorosa prata,
+ Erotico esculptor grupos fundiu lascivos,
+ Em cujos membros nús Volupia se retrata.
+
+Resaltam da parede os satyros esquivos
+ Sob o pampano alegre: as nymphas, em corêas,
+ Dançam na riba, em flôr, de arroios fugitivos.
+
+Em marmórea piscina enroscam-se as murêas,
+ Dos patricios de Roma o pabulo dilecto,
+ Vezes sem conto, escravo, ali rompeste as veias!
+
+Pendem verdes festões do primoroso tecto,
+ Pyrrheico ali pintára um matagal folhudo,
+ E um lago crystallino, encantador, discreto.
+
+Diana ao sol enxuga as tranças de veludo,
+ Acteon espreita ancioso, e, ó rapida alegria!
+ Aos poucos se transforma em cervo ramalhudo.
+
+Em Miléto foi tincta a azul tapeçaria,
+ Que nas mesas se extende e nos mosaicos dorme;
+ Dos velarios se escôa o arôma que inebria.
+
+A festa é no pendor: num áureo prato informe
+ Eis que entra um javali, formosas gaditanas
+ Dançam em derredor. Ulula a grita enorme.
+
+Jorra o vinho de Kós purpureas espadanas;
+ Dos convivas na fronte enlaça-se a verbena,
+ Preludiam no emtanto as frautas sicilianas.
+
+Adoudada suspira uma canção obscena:
+ Fervem beijos no ar, os seios pulam, crescem
+ E desnudam-se á luz, Tiberio assim o ordena.
+
+As matronas, ao vêr o duro gesto, obedecem,
+ E lá passam gentis, deslisam mansamente
+ Dos marmores á flôr; são nuas, endoudecem!
+
+Um retiario nervudo, e um gladiador valente
+ Combatem, são leões; o pallido vencido
+ Mistura o sangue rubro ao vinho rescendente.
+
+Ora Tiberio ri... Mas subito um gemido
+ Longo e triste chorou nos paços de Caprêa...
+ Indagam: talvez fosse o gladiador ferido...
+
+Nesse instante Jesus morria na Judeia!
+
+
+
+
+TRIO DE POETAS
+
+
+
+
+I
+
+JOÃO DE LEMOS
+
+
+Ao Visconde de Pindella
+
+
+Na cidade gentil do austero estudo
+ Sobranceira ao Mondego socegado,
+ Em cuja riba o sinceiral folhudo
+ De rouxinoes suspira gorgeiado,
+
+Fôste erguido no concavo do escudo
+ Pelos moços de outrora, e celebrado
+ Trovador, cavalleiro, e namorado...
+ Tempo de glorias! Como passa tudo!
+
+No emtanto ás vezes, na provincia, quando
+ A um dôce, honesto e feminino bando
+ Digo a LUA DE LONDRES, de repente
+
+Da infancia volvo á candida simpleza,
+ E ondulam na minh'alma vagamente
+ Tremulas notas de fugaz tristeza.
+
+
+
+
+II
+
+JOÃO DE DEUS
+
+A Anthero do Quental
+
+
+Sempre que o leio, sinto-me captivo
+ De um não sei quê, de infinda suavidade,
+ E entram commigo uns longes de saudade,
+ Que me deixam sizudo e pensativo.
+
+Sonho: quizéra, em triste soledade,
+ Viver das gentes apartado e esquivo,
+ E erguer-me a esse planeta primitivo
+ Onde resplenda a eterna mocidade.
+
+Já o seu nome é tão suave e brando,
+ Tão eufonico, meigo e delicado,
+ Que fica nos ouvidos suspirando...
+
+Diz a lenda que vive descuidado,
+ RAMOS tecendo, e FLORES emmoitando,
+ Da Chymera nos seios reclinado.
+
+
+
+
+III
+
+JOÃO PENHA
+
+
+A Augusto Sarmento
+
+
+Nervoso mestre, domadôr valente
+ Da Rima e do Sonêto portuguez,
+ Não te eguala a pericia de um chinez
+ Na pintura de um vaso transparente.
+
+Ha no teu verso a musica dolente
+ Da guitarra andaluza, e muita vez
+ Rompe em meio da extranha languidez
+ O silvo estriduloso da serpente.
+
+No VINHO E FEL traçaste o escuro drama
+ Em que soluça e ri, na extensa gamma,
+ Teu desgrenhado amôr, doido e fatal...
+
+Mas se do peito ancioso o dardo arrancas,
+ Teu canto exhala as alegrias francas
+ De uma rubra Kermesse colossal.
+
+
+
+
+CHYMERAS
+
+A meu tio João de Almeida e Albuquerque
+
+
+O mar já me tentou: aspirações fogosas
+ Fizeram-me idear phantasticas viagens;
+ Eu sonhava trazer de incognitas paragens
+ Noticias immortaes ás gentes curiosas.
+
+Mais tarde desejei riquezas fabulosas,
+ Um palacio escondido em múrmuras folhagens,
+ Onde eu fosse occultar as candidas imagens
+ Das virgens que evoquei por noites silenciosas.
+
+Mas tudo isso passou: agora só me resta
+ Das chymeras que tive, uma visão modesta,
+ Um sonho encantador, de paz e de ventura.
+
+É simples; uma alcôva, um berço, um innocente,
+ E uma esposa adorada, envolta, a negligente!
+ De um longo penteadôr na immaculada alvura...
+
+
+
+
+ODOR DI FEMINA
+
+A Alberto Pimentel
+
+
+Era austero e sizudo; não havia
+ Frade mais exemplar nesse convento;
+ No seu cavado rôsto macilento
+ Um poêma de lagrimas se lia.
+
+Uma vez que na extensa livraria
+ Folheava o triste um livro pardacento,
+ Viram-no desmaiar, cahir do assento,
+ Convulso, e tôrvo sobre a lágea fria.
+
+De que morrêra o venerando frade?
+ Em vão busco as origens da verdade,
+ Ninguem m'a disse, explique-a quem pudér.
+
+Consta que um bibliophilo comprára
+ O livro estranho e que, ao abril-o, achára
+ Uns dourados cabellos de mulher...
+
+
+
+
+EM CAMINHO DA GUILHOTINA
+
+Á Senhora Condessa de Sabugoza
+
+
+A _viuva Capet_ vae ser guilhotinada.
+
+ Ora naquelle dia o povo de Pariz
+ Formidavel, brutal, colerico, feliz,
+ Erguera-se ao primeiro alvôr da madrugada.
+
+No caminho traçado ao funebre cortejo
+ O povo redemoinha;
+ Que todos sentem n'alma o tragico desejo
+ De ver como Sansão degolla uma rainha.
+
+Da carreta em redor ondeiam os soldados;
+ De cima dos telhados
+ Da rua, dos portaes, dos muros, dos balcões
+ Chovem sobre a rainha as vis imprecações.
+
+Ella comtudo altiva erecta e desdenhosa
+ Olha tranquillamente
+ Para o revolto mar da plebe tumultuosa.
+
+E emquanto aquelle povo inquieto e repulsivo
+ Anceia por ouvir o grito convulsivo
+ E o derradeiro arranco
+ D'essa mulher, e ri abominavelmente,
+ Um homem só, o algoz, vae triste e reverente.
+
+Póde nascer ao pé da forca um lirio branco.
+
+A carreta parou. Desce a rainha. Nisto
+ Viram-se uns braços nús
+ Erguerem para o ar, á flôr da multidão,
+ Uma loura creança, alegre como a luz,
+ Suave como o Christo,
+ A quem talvez faltando em casa a enxerga e o pão,
+ A mãe quizera dar aquella distracção.
+
+No primeiro degráu da escura guilhotina
+ A rainha de França
+ Ergueu o olhar e viu essa gentil creança
+ Levar a mão á flôr da bôcca pequenina,
+ E atirar-lhe, a sorrir, um beijo doce e honesto...
+
+E ella que fôra audaz, heroica e resoluta,
+ E ouvira, com desdem, da plebe a injuria bruta,
+ Ante a esmola infantil, graciosa, d'esse gesto,
+ Chorou.
+ «Chorou, emfim! A infame succumbiu!»
+ De entre o povo uma voz selvatica rugiu.
+
+
+
+
+A VIUVA
+
+Á Senhora D. Margarida Street
+
+
+Fóra de portas vive. É silenciosa
+ A modesta vivenda em que ella habita,
+ Ali correu-lhe a vida bonançosa,
+ Ali golpeou-lhe os seios a desdíta.
+
+Raro de quando em quando uma visita
+ Novas lhe traz da vida tumultuosa,
+ E ella sorrindo a furto, descuidosa,
+ No azul os olhos em silencio fita.
+
+Sósinha e triste a pallida viuva,
+ Por essas noites de invernia e chuva,
+ A um honesto e feminil labor se entrega.
+
+E, alta noite, levanta, em dôr sepulta,
+ O olhar, que fixa, e demorado prega
+ No eterno Ausente que num quadro avulta.
+
+
+
+
+FLÔR DO PANTANO
+
+A Bulhão Pato
+
+
+É pequenina e séria,
+ E tem o gesto grave
+ Da filha de um burgrave,
+ A candida Valeria.
+
+Não ha flôr mais suave,
+ De essencia mais ethérea,
+ E abriu-lhe a vida a chave
+ Do Vicio e da Miseria!
+
+Na sua loura côma
+ Nunca passou o arôma
+ Dos beijos maternaes.
+
+Ó credula Ignorancia,
+ Esconde áquella infancia
+ O nome vil dos paes!
+
+
+
+
+A RESPOSTA DO INQUISIDÔR
+
+A meu tio Luiz de Almeida e Albuquerque
+
+
+I
+
+A sala em que medita El-Rey é silenciosa,
+ Apainelada e fria, o largo reposteiro
+ Ondula brandamente á aragem preguiçosa.
+
+II
+
+Á cathedra real um Christo sobranceiro
+ Mésto, livido, nú, ferido e ensanguentado
+ Exhala sobre o seio o alento derradeiro.
+
+III
+
+El-Rey medita e scisma: o seu olhar turbado,
+ O seu obliquo olhar, o seu olhar de féra,
+ Vibra irrequieta luz, parece allucinado.
+
+IV
+
+Nisto á porta assomou a calva fronte austera
+ De um velho, e logo atraz um pagem que murmura:
+ «Eis o monge, Senhor, que Vossa Alteza espera!»
+
+V
+
+Curvára, ao entrar, o monge a tremula estatura:
+ Mãos dispostas em cruz no largo peito ancioso,
+ E humilhada a cerviz na ascetica postura.
+
+VI
+
+E comtudo esse frade humilde e respeitoso,
+ De olhos fitos no chão, tão fragil como um vime,
+ Na presença de um rei, de um Cesar poderoso,
+
+VII
+
+É fanatico e audaz; com mão de bronze opprime
+ O Solio, a Egreja, o Lar, e os corações dos crentes;
+ Flagella a sombra e o amôr, condemna a luz, e o crime!
+
+VIII
+
+Quando elle vae passando, as timoratas gentes
+ Benzem-se com pavôr e param de improviso
+ As canções juvenis nas aleas rescendentes.
+
+IX
+
+Nunca nos labios seus florira o alegre riso,
+ Tem cem annos, jamais beijára uma creança,
+ E crê subir, talvez, morrendo, ao Paraizo!
+
+X
+
+Na Hespanha, no Perú, em Napoles, na França
+ Paira como o sinistro espirito do Mal,
+ O negro inquisidôr, feroz como a Vingança.
+
+XI
+
+Sisto quinto, o cruel, fizera-o cardeal,
+ E a Hespanha pôde ver com assombroso espanto
+ Juncto do rei-panthera o inquisidôr-chacal.
+
+XII
+
+E Philippe dizia ao monge no entretanto:
+ «Sentinella da Lei, piedoso inquisidôr,
+ «Tu que fallas com Deus e és padre, e és bom, e és sancto
+
+XIII
+
+«Arranca-me este pezo, afasta-me este horrôr!
+ «Ah! diz'-me, cardeal, se é um vil, se é um precito
+ «O rei que é justo e mata o filho que é traidôr...»
+
+XIV
+
+E mais não disse o rei, tôrvo, sombrio e afflicto.
+ No emtanto o inquisidôr erguendo imperturbavel
+ O seu hediondo olhar das lageas de granito,
+
+XV
+
+Assim tornou com voz vibrante e formidavel:
+ --Ó principe, e apontava o livido Jesus,
+ --Para acalmar dos céus a colera implacavel
+
+XVI
+
+--O Eterno fez morrer seu filho numa cruz!--
+
+
+
+
+FERVET AMOR
+
+Ao dr. Antonio Candido
+
+
+Dá para a cêrca a estreita e humilde cella
+ D'essa que os seus abandonou, trocando
+ O calôr da familia ameno e brando
+ Pelo claustro que o sangue esfria e gela.
+
+Nos florões manuelinos da janella
+ Papeiam aves o seu ninho armando,
+ Veêm-se ao longe os trigos ondulando...
+ Maio sorri na pradaria bella.
+
+Zumbe o insecto na flôr do rosmaninho:
+ Nas giéstas pousa a abelha ébria de gôso:
+ Zunem bezouros e palpita o ninho.
+
+E a freira scisma e córa, ao vêr, ancioso,
+ Do seu cátre virgineo sobre o linho
+ Um par de borboletas amoroso.
+
+
+
+
+NA ALDEIA
+
+A Christovam Ayres
+
+
+Duas horas da tarde. Um sol ardente
+ Nos côlmos dardejando, e nos eirados.
+ Sobreleva aos sussurros abafados
+ O grito das bigornas estridente.
+
+A taberna é vazia; mansamente
+ Treme o loureiro nos humbraes pintados;
+ Zumbem á porta insectos variegados
+ Envolvidos do sol na luz tremente.
+
+Fia á soleira uma velhinha: o filho
+ No céu mal acordou da aurora o brilho,
+ Sahiu para os cançaços da lavoura.
+
+A nóra lava na ribeira, e os netos
+ Ao longe correm semi-nús, inquietos,
+ No mar ondeante da seára loura.
+
+
+
+
+ESTUDANTINA
+
+
+Acorda, minha Thereza,
+ Descerra a janella tua!
+ Espalha-se a luz da lua
+ Pela poetica deveza...
+ Entre os sinceiros da margem
+ Murmura o claro Mondego,
+ A noite corre em socêgo...
+ Acorda, minha Thereza!
+
+Não dorme quem tem amôres,
+ E o teu postigo é cerrado!
+ Deixa o leito perfumado,
+ E o travesseiro de flôres,
+ Se queres que eu acredite,
+ Ó minha pallida amiga,
+ Nas palavras da cantiga:
+ «Não dorme quem tem amôres!»
+
+Por isso eu vélo cantando,
+ E esta guitarra suspira,
+ E o meu coração delira
+ Mal vem a lua apontando...
+ É que, á noite, lirio branco,
+ Os astros guardam segredo
+ Dos beijos dados a medo...
+ Por isso eu vélo cantando...
+
+Quero vêr-te, como outrora
+ Nesse postigo inclinada,
+ Conversando enamorada
+ Até ao raiar da aurora...
+ Um lenço posto no liso
+ Dos teus hombros jaspeados,
+ Os cabellos destrançados...
+ Quero vêr-te como outrora.
+
+Não te assustes, Julieta,
+ Que a manhã te encontre ainda
+ Bebendo a canção infinda
+ Que soluça o teu poeta.
+ Cantará de entre os loureiros
+ Uma alegre cotovia,
+ Mal venha rompendo o dia...
+ Não te assustes, Julieta!
+
+Mas dorme a branca Thereza,
+ Cerrada a janella sua;
+ Espalha-se a luz da lua
+ Pela poetica deveza...
+ Entre os sinceiros da margem,
+ Murmura e corre o Mondego,
+ Que tristeza e que socêgo!
+ Ai! dorme, dorme, Thereza!
+
+
+
+
+AS ONDINAS
+
+H. HEINE
+
+Ao Visconde de Castilho II
+
+
+Na praia tranquilla murmuram sonoras
+ As ondas do mar.
+ E, ao dôce das aguas murmúrio palreiro,
+ Na areia dormita gentil cavalleiro
+ Á luz do luar.
+
+As bellas ondinas emergem das grutas
+ De vivo coral,
+ Accórrem ligeiras, e apontam, sorrindo,
+ O moço que julgam devéras dormindo
+ No argenteo areal.
+
+Vem esta, e perpassa do gorro nas plumas
+ As mãos de setim.
+ E aquella, com gesto divino, gracioso,
+ Nos ares levanta do joven formoso
+ O aureo telim.
+
+Ess'outra, que lavas, que fogo não vibram
+ Seus olhos de anil!
+ Debruça-se e arranca-lhe a rútila espada,
+ Nos copos brilhantes se apoia azougada,
+ Travessa e gentil.
+
+A quarta, saltando, retouça, lasciva,
+ Do moço em redor;
+ Suspira mansinho, de manso murmúra:
+ «Podésse eu em vida gosar a ventura
+ Do teu fino amôr!»
+
+A quinta rebeija-lhe as mãos, enlevada
+ Num sonho feliz,
+ E a sexta, com tremula e dôce esquivança,
+ Perfuma-lhe a bôcca, formosa creança!
+ Com beijos subtis...
+
+E o moço, fingindo que dorme tranquillo,
+ Não quer acordar.
+ E deixa que o abracem as bellas Ondinas,
+ E languido gosa caricias divinas
+ Á luz do luar...
+
+
+
+
+NO JOGO DAS CANNAS
+
+A Camillo Castello Branco
+
+
+Em garbosos corceis da Arabia cavalgando
+ Entram na larga arêna os próceres luzidos;
+ Corusca a pedraria, e esplendem, fluctuando,
+ Dos cocáres a pluma e a sêda dos vestidos.
+
+A quadrilha gentil dos Tavoras ardidos,
+ Com os lacaios da Tôrre um prélio simulando,
+ Terça galhardamente; o apparatoso bando
+ Deixa os olhos da turba em extase embebidos.
+
+Nas janellas do paço é toda a fidalguia:
+ Que jocundo prazer, que risos, que alegria!
+ Espectaculo augusto, e nobre, e singular!
+
+O sexto Affonso applaude: emtanto, maliciosa,
+ Maria de Nemours, sorrindo, a incestuosa!
+ No cunhado, subtil, poisa o lascivo olhar...
+
+
+
+
+NUNCA EU TE LÊSSE, BALLADA!
+
+
+Suspende a dura sentença
+ Que de teus labios ouvi.
+ E ergue do chão os quebrados
+ Teus negros olhos magoados,
+ Quando me acerco de ti.
+
+Ergueste-os, encantadôra!
+ Mas antes do teu perdão,
+ Attende-me, e ouve, senhora,
+ Com todo o teu coração.
+
+Escuta:
+ «A um rei namorado
+ «Sincera e fiel amante,
+ «Ao morrer, tinha deixado,
+ «De antigo affecto em penhor,
+ «Cinzelada taça de ouro
+ «Do mais subido valor.
+
+«O rei preferia a tudo
+ «Aquella doce lembrança
+ «Que lhe trazia os arômas
+ «De umas fluctuantes cômas,
+ «E de uns labios de veludo,
+ «Que elle beijára em creança.
+
+«Toda a vez que elle bebia
+ «Por esse vaso sagrado,
+ «Uma extatica alegria
+ «Como flôr ideal sorria
+ «No seu turvo olhar cançado.
+
+«Um dia sentiu-se o pobre
+ «Mais triste, velho e abatido,
+ «Abraçou-se commovido
+ «Á taça, o tremulo amante:
+
+«E as lagrimas, uma a uma,
+ «Deslisaram nesse instante
+ «Nos rudes flócos de espuma
+ «Da longa barba fluctuante.
+
+«Naquella hora de agonia,
+ «Chamou seus filhos e herdeiro,
+ «Deu-lhes tudo o que possuia,
+ «Ouro, palacios, riquezas,
+ «O seu castello roqueiro,
+ «E as suas largas devezas.
+
+«Dividiu tudo, contente;
+ «A taça guardou sómente.
+
+«Sentindo fugir-lhe a vida,
+ «Manda o triste convidar
+ «Seus pares, filhos e herdeiro
+ «Para um festim derradeiro
+ «No castello sobranceiro
+ «Ás verdes aguas do mar...
+
+«Em meio da festa, o velho
+ «Ergueu a taça e, sorrindo,
+ «Embebido o olhar no infindo,
+ «Um frouxo canto soltou...
+
+«E mal o canto findára,
+ «No leito da onda amara
+ «A taça de ouro lançou...»
+
+Eram profundos ciumes
+ Os d'esse rei namorado,
+ Que não fosse alguem beber
+ Por esse vaso sagrado,
+ E viesse a conhecer
+ Os cariciosos perfumes
+ Que o tinham embriagado...
+
+Hontem, á tarde, beijando-a
+ De teu labio a viva rosa,
+ Lembrou-me a historia singela
+ D'essa ballada amorosa;
+ E dentro em mim de repente
+ Tam extranha dôr senti,
+ Que num impeto demente
+ De teu labio humido e ardente
+ Com tôrvo aspecto fugi!
+
+Lembrou-me, cabeça louca!
+ Que se eu acaso morresse,
+ Talvez um outro sorvesse
+ Os beijos da tua bôcca...
+
+E no azul indefinido,
+ Ó minha piedosa anémona!
+ Cuidei ouvir o gemido
+ Da moribunda Desdemona...
+
+Ai, desavisado amôr!
+ Perdôa, sombra adorada!
+ Nunca eu te avistasse, flôr!
+ Nunca eu te lêsse, ballada!
+
+
+
+
+A NEGRA
+
+Ao dr. A. A. da Fonseca Pinto
+
+
+Teus olhos, ó robusta creatura,
+ Ó filha tropical!
+ Relembram os pavôres de uma escura
+ Floresta virginal.
+
+És negra sim, mas que formosos dentes,
+ Que perolas sem par
+ Eu vejo e admiro em rubidos crescentes
+ Se te escuto fallar!
+
+Teu corpo é forte, elastico, nervoso.
+ Que doce a ondulação
+ Do teu andar, que lembra o andar gracioso
+ Das onças do sertão!
+
+As languidas sinhás, gentis, mimosas,
+ Desprezam tua côr,
+ Mas invejam-te as formas gloriosas
+ E o olhar provocadôr.
+
+Mas andas triste, inquieta e distrahida;
+ Foges dos cafesaes,
+ E no escuro das mattas, escondida,
+ Soltas magoados ais...
+
+Nas esteiras, á noite, o corpo estiras
+ E, com ancias sem fim,
+ Levas aos seios nús, beijas e aspiras
+ Um candido jasmim...
+
+Amas a lua que embranquece os mattos,
+ Ó negra jurity!
+ A flôr da laranjeira, e os niveos cáctos
+ E tens horrôr de ti!...
+
+Amas tudo o que lembre o _branco_, o rosto
+ Que viste por teu mal,
+Um dia que sahias, ao sol pôsto,
+ De um verde taquaral...
+
+
+
+
+MATER DOLOROSA
+
+A Rangel de Lima
+
+
+Quando se fez ao largo a nave escura
+ Na praia essa mulher ficou chorando,
+ No doloroso aspecto figurando
+ A lacrymosa estatua da amargura.
+
+Dos céus a curva era tranquilla e pura:
+ Das gementes alcyones o bando
+ Via-se ao longe, em circulos, voando
+ Dos mares sobre a cérula planura.
+
+Nas ondas se atufára o sol radioso,
+ E a lua succedêra, astro mavioso,
+ De alvôr banhando os alcantis das fragas...
+
+E aquella pobre mãe, não dando conta
+ Que o sol morrêra, e que o luar desponta,
+ A vista embebe na amplidão das vagas...
+
+
+
+
+AS PRIMEIRAS LAGRIMAS DE EL-REY
+
+A M. Pinheiro Chagas
+
+
+I
+
+O principe morrêra, e logo os cortezãos,
+ Em prantos derredor do mortuario leito,
+ Erguem a voz em grita aos ceus levando as mãos.
+
+II
+
+El-Rey, João segundo, a fronte sobre o peito,
+ Contempla dos brandões á luz ensanguentada
+ O filho, e a dôr lhe avinca o grave e duro aspeito.
+
+III
+
+E eis que, a um gesto do rei, a turba consternada
+ A pouco e pouco sáe, reina o silencio, apenas
+ Cortado pelo uivar longinquo da nortada.
+
+IV
+
+Sobre o filho curvado, immerso em cruas penas,
+ Aquelle rei sinistro, energico e tigrino,
+ Tinha na frouxa voz modulações serenas.
+
+V
+
+E o filho inerte e mudo! então num desatino
+ Deixou-se El-Rey caír, ao acaso, num escabêllo
+ E quedou-se a pensar no seu atroz destino.
+
+VI
+
+Um enorme, um confuso e bronzeo pesadêlo
+ Caíu-lhe sobre o enfêrmo espirito enluctado,
+ E o suor inundou-lhe as barbas e o cabello.
+
+VII
+
+Talvez que o triste visse, em sonho allucinado,
+ Do duque de Vizeu o espectro vingativo
+ Apontando-lhe, a rir, o Infante inanimado.
+
+VIII
+
+E escutasse a feroz imprecação que altivo
+ No cadafalso, outróra, o duque de Bragança
+ Ás faces lhe cuspiu com gesto convulsivo.
+
+IX
+
+Subito ergue-se o rei, e para o leito avança,
+ E uma lagrima então, embalde reprimida,
+ Das barbas lhe cahiu no rosto da creança...
+
+X
+
+A vez primeira foi que El-Rey chorou em vida.
+
+
+
+
+O CURA SANCTA CRUZ
+
+CONTO DE A. DAUDET
+
+Ao dr. Sousa Martins
+
+
+O implacavel carlista, o Cura Sancta Cruz,
+ Que em nome do seu rei, e em nome de Jesus,
+ Da Navarra febril leva do sul ao norte
+ O odio, a perseguição, o incendio, o estrago, a morte.
+
+Nessa clara manhã risonha do Natal,
+ Tendo sobre o uniforme a veste clerical,
+ Na montanha, ao ar livre, á luz do sol, diz missa
+ Á guerrilha que o escuta extatica e submissa.
+
+Como um rebanho vil, a um lado, os prisioneiros
+ Ouvem-no, a tiritar, cheios de um medo atroz:
+ Olham-se mutuamente os tôrvos companheiros,
+ E murmuram: «meu Deus, o que será de nós?»
+
+Porque emfim toda a vez que o sanguinario Cura
+ Se volta, e o _oremus_ diz, segundo o ritual,
+ Da sacra vestimenta avultam na brancura
+ De pistolas um jogo e a fórma de um punhal.
+
+Quando afinal chegou o instante, a occasião
+ Em que a missa termina, o Cura, erguendo um braço,
+ Grave traçou no ar e na mudez do espaço
+ O clemente signal da paz e do perdão.
+
+A missa terminára.
+
+ O Cura nesse dia
+Como sentisse n'alma uns raios de alegria,
+ De bondade e de amor, foi-se direito ao bando
+ Dos captivos, e assim fallou circumvagando
+ A vista em derredor: «_Hermanos, viva Dios!_
+
+«Corre ahi que sou máu, fanatico e feroz...
+ «Pois em breve ides ver como se engana, quem
+ «Diz que eu sou o anti-Christo e que abomino o bem.
+ «Como é dia de festa e é dia de Natal,
+ «Dou-vos a liberdade, e não vos quero mal!
+
+«Mas haveis de primeiro, e isto, prompto e sem custo
+ «De joelhos beijar o pavilhão augusto
+ «De El-Rey nosso senhor...»
+ E mandou desfraldar
+ O carlista pendão, branco como o luar...
+
+Todos logo á porfia atiram-se por terra
+ E um grito: Viva El-Rey! echoou de serra em serra.
+
+No emtanto um prisioneiro, um moço imberbe ainda,
+ Firme ficou de pé, e olhava com infinda
+ Expressão de desdem a extranha vilania...
+ Braços postos em cruz, e intrepido sorria.
+
+«E tu?» surprezo disse e transtornado o Cura.
+ --Padre, volveu-lhe o esbelto joven, com brandura,
+ --Mata-me! aqui me tens! rio-me d'esse panno!
+ --Ao teu rei não me curvo... Eu sou republicano...--
+
+O Cura um acêno fez; formou-se um pelotão:
+ «Vamos! inda uma vez, viva D. Carlos!»
+
+ --Não!--
+
+E havia nessa voz tamanha heroicidade
+ E uma energia tal, que uns longes de piedade
+ Scintillaram no olhar do tôrvo guerrilheiro.
+
+«Muito bem, morrerás: mas dize-me primeiro,
+ «O que desejas tu? Queres beber, fumar?...
+
+--Padre, se vou morrer, quero-me confessar...
+ «Ouvir-te-hei!» disse o Cura, e, ao acaso, num granito
+ Assentou-se.
+
+ O captivo, olhos no chão, contrito
+ Os joelhos dobrou... Nesse fugaz instante
+ Elle viu, elle viu, num sonho lacrymante,
+ A sua infancia, o lar, o tecto de seus paes,
+ Os choupos do seu rio, os placidos casáes:
+ Viu a noiva gentil, a egreja, os arvoredos
+ E os parentes e irmãos, socios de seus brinquedos.
+
+Ah! quem póde esquecer o seu paiz natal!
+Ah! quem póde esquecer a benção maternal!
+
+Em distancia a guerrilha os dous observa... Então
+ Emquanto o padre escuta attento o prisioneiro,
+ Subito uma descarga estoira na amplidão.
+ Tremem a serra e o val, treme o desfiladeiro.
+
+«Ás armas! o inimigo!» a sentinella brada.
+ De golpe ergue-se o Cura, e á jóldra amotinada
+ Vôa, dá ordens, clama, emquanto as balas chovem.
+Nisto viu que inda estava ajoelhado o joven!
+Pára.
+ «Que fazes tu?» indaga em tom severo
+ --Padre, diz a creança, a absolvição espero--
+
+E em meio da febril convulsão da batalha,
+ Emquanto rompe e rasga os ares a metralha,
+ Viu-se o Cura depois de abençoar, ligeiro,
+ A fronte juvenil do heroico prisioneiro,
+ Pegar de uma clavina, e dando um passo ao lado,
+ Varar tranquillamente o craneo do soldado.
+
+
+
+
+A VENDA DOS BOIS
+
+Ao dr. J. de Vasconcellos Gusmão
+
+
+I
+
+O velho entrára triste: ao pé, juncto do lar,
+ Estava a companheira, absôrta, a meditar.
+
+--Mulher, a fé perdi, fallei a toda a gente,
+ E ninguem me valeu!--E ella com voz tremente:
+ «Dize-me, e o brazileiro?»
+ --Esse foi o primeiro.
+
+--Batí, fui ter com elle á casa do jantar.
+ Expliquei-lhe ao que vinha... entrou a gracejar:
+ «Com que então você quer _livrar_ o seu rapaz?...
+ «Visinho, tão mal faz!
+ «Deixe-me ir cada qual á sorte e ao seu destino!
+ «Seu filho é um mocetão valente e muito digno
+ «De servir o paiz...»
+
+ --E descascava um fructo...
+ --Desatei a chorar... «--Homem não seja bruto!
+ A farda não é morte...»
+ --E disse mais e mais
+ --Cousas de quem não sabe a dôr de uns tristes paes!
+
+E emquanto o velho punha a vista lacrymosa
+ Nos brazidos, a voz da mãe afflicta e anciosa
+ Perguntou: «e o prior?»
+ --Negou, negou tambem!--
+ A angustiada mãe
+ Retorcia o avental com mão febril, ardente.
+
+No silencio da noite então distinctamente,
+ Um profundo mugido,
+ Triste como um gemido,
+ Longo e longo chorou no lugubre aposento...
+
+ Entreolharam-se os dois...
+Nisto acóde á mulher um estranho pensamento...
+ «Temos ainda os bois!
+ Vendamol-os!» E ria...
+ O entristecido olhar
+ Do velho lavrador de lagrymas nublou-se.
+ E entrou a suspirar:
+ --Vender os infelizes!
+ --Uns pobres animaes, a quem só mingoa a fala
+ --Para serem Christãos! Parece que me estala
+ --No peito o coração... Vender os infelizes!...
+ --Pois seja assim, mulher! Farei o que tu dizes...
+
+
+II
+
+ Vinha rompendo a aurora
+ Risonha, virginal, feliz como um noivado,
+ Das aves á compita o tremulo trinado
+ Entre as balsas gorgeava. Era em descanço a nóra.
+
+No emtanto o lavrador, tremente e vacillante
+ Como um ladrão nocturno, ou como um namorado,
+ Abriu, de par em par, as portas do curral.
+ Subito nesse instante
+ Volveram para a entrada os bois o olhar leal,
+ Bondoso, humano e franco.
+
+ Que festiva alegria
+ O frequente menear das caudas traduzia
+ Resvalando em seu forte e musculoso flanco!
+
+ O velho antigamente
+ Tinha sempre, ao chegar, uma palavra amiga,
+ Um dicto, uma cantiga,
+ A que sempre um mugido alegre respondia.
+ Mas naquella manhã, silenciosamente,
+ Fatal como o dever
+ O velho foi buscar, a um canto, uma correia,
+ E lançou-a a tremer
+ Dos anafados bois ás pontas recurvadas.
+
+E sahiram os tres.
+ Nos concavos da aldeia
+ Choviam as canções das aves namoradas.
+
+
+III
+
+No cáes ha o moirejar das fabricas ruidoso;
+ Feroz e discordante
+ Juncta-se á voz humana o arfar estrepitante
+ Dos valentes pulmões das machinas inglezas.
+
+ Em novellos, ancioso,
+ Golpham as chaminés o denso e o escuro fumo
+ Que ascende e toma o rumo
+ Do claro e vasto azul, vazio de tristezas.
+
+Como um cetáceo ingente, encarvoado e feio
+ Um enorme Vapôr
+ De outros avulta em meio.
+ Em seu largo convez a marinhagem canta
+ E na faina febril as ancoras levanta.
+
+Naquella espessa náu, um velho, um lavradôr
+ Entre a faina do cáes, fita o dolente olhar...
+ É que ali dentro vão os bois, o seu amôr...
+ E áquella magoa intensa
+ E inenarravel dôr
+ Responde a descuidosa e gelida indifferença
+ Dos Homens, e dos Céus, e do profundo Mar...
+
+
+
+
+AO RABEQUISTA
+EUGENIO DEGREMONT
+
+Recitada na noite de 25 de fevereiro de 1876
+no theatro de S. João do Porto
+
+
+Vêde-o! É tão creança! ó mães, olhae-o!
+ Como é vivo o fulgor e ardente o raio
+ Que vibra nesse olhar!
+ Faz gosto vel-o assim tão pequenino
+ Enlevado nos sons do violino
+ A sonhar, a sonhar...
+
+E ao passo que a sua alma vae sonhando,
+ Vão-se ante nossos olhos desdobrando
+ Quadros a mil e mil.
+ A rabeca suspira? Assim amenas
+ São na longinqua roça as cantilenas
+ Das moças do Brazil.
+
+Vibra rispidos sons? E logo ouvimos
+ Curvar o vento da floresta os cimos
+ Com ruidoso fragôr...
+ E uivam pintadas onças e as araras
+ Roçam, fugindo, as tremulas taquaras,
+ E crocita o condôr.
+
+Enterrados nas humidas pastagens
+ Mugem raivosos bufalos selvagens,
+ E por entre os sarçaes
+ Pula a panthera; os jacarés astutos
+ Choram, fingindo lacrymosos lutos
+ Nos fulvos areaes.
+
+Soluçou a rabeca? Ouvi, formosas,
+ São os negros soltando as lastimosas
+ Canções do seu paiz;
+ Sem familia, sem patria, sem amôres,
+ Ninguem mitiga o fel daquellas dôres,
+ Triste raça infeliz!
+
+Agora, como em namorado anceio,
+ Sae da rabeca um languido gorgeio
+ Que enleva o coração.
+ E a saudade repinta-nos ao vivo
+ Dos sabiás o cantico lascivo
+ Nas sombras do sertão.
+
+Tudo isso e mais eu vejo, admiro e escuto,
+ Com meu olhar de prantos não enxuto,
+ Ó creança gentil,
+ Que em vez de perseguir as borboletas
+ Vens batalhar no meio dos atletas
+ E honrar o teu Brazil!
+
+Não presumas, porém, prodigio das creanças!
+ Que basta o fogo, o estro, a viva inspiração;
+ É mister trabalhar, sem isso nada alcanças;
+ A gloria chamarás, ser-te-ha o appello em vão.
+
+Pois que! tu cuidarás, creança, porventura
+ Que sem luctar, soffrer, sem horridos tormentos
+ O artista poderia erguer aos quatro ventos
+ A Epopêa, o Drama, a Estatua, a Partitura?
+
+Vamos, trabalha pois ó meu precoce artista,
+ Dos precipicios ri, vinga-me o barrocal!
+ Para o profundo azul estende a larga vista.
+ Eis-te nos alcantis! Eleva-te ao ideal!
+
+
+
+
+AS VELHAS NEGRAS
+
+A M.^{me} Aline de Gusmão
+
+
+As velhas negras, coitadas,
+ Ao longe estam assentadas
+ Do batuque folgasão.
+ Pulam creoulas faceiras
+ Em derredor das fogueiras
+ E das pipas de alcatrão.
+
+Na floresta rumorosa
+ Esparge a lua formosa
+ A clara luz tropical.
+ Tremeluzem pyrilampos
+ No verde-escuro dos campos
+ E nos concavos do val.
+
+Que noite de paz! que noite!
+ Não se ouve o estalar do açoite,
+ Nem as pragas do feitor!
+ E as pobres negras, coitadas,
+ Pendem as frontes cançadas
+ Num lethargico torpôr!
+
+E scismam: outrora, e d'antes
+ Havia tambem descantes,
+ E o tempo era tam feliz!
+ Ai! que profunda saudade
+ Da vida, da mocidade
+ Nas mattas do seu paiz!
+
+E ante o seu olhar vazio
+ De esperanças, frio, frio
+ Como um véu de viuvez,
+ Resurge e chora o passado
+ --Pobre ninho abandonado
+ Que a neve alagou, desfez...--
+
+E pensam nos seus amôres
+ Ephemeros como as flôres
+ Que o sol queima no sertão...
+ Os filhos, quando crescidos,
+ Foram levados, vendidos,
+ E ninguem sabe onde estão.
+
+Conheceram muito dono:
+ Embalaram tanto somno
+ De tanta sinhá gentil!
+ Foram mucambas amadas,
+ E agora inuteis, curvadas,
+ Numa velhice imbecil!
+
+No emtanto o luar de prata
+ Envolve a collina e a matta
+ E os cafesáes em redor!
+ E os negros, mostrando os dentes,
+ Saltam lepidos, contentes,
+ No batuque estrugidor.
+
+No espaçoso e amplo terreiro
+ A filha do Fazendeiro,
+ A sinhá sentimental,
+ Ouve um primo recem-vindo,
+ Que lhe narra o poema infindo
+ Das noites de Portugal.
+
+E ella avista, entre sorrisos,
+ De uns longinquos paraisos
+ A tentadôra visão...
+ No emtanto as velhas, coitadas,
+ Scismam ao longe assentadas
+ Do batuque folgasão...
+
+
+
+
+O RELOGIO
+
+No album de Eduardo Burnay
+
+
+Eburneo é o mostradôr: as horas são de prata,
+ Lê-se a firma Breguet por baixo do gracioso
+ Rendilhado ponteiro; a tampa é enorme e chata:
+ Nella o esmalte produz um quadro delicioso.
+
+Rapara: eis um salão: casquilho malicioso
+ Das festas cortesãs o mimo a flôr, a nata,
+ Juncto a um cravo sonoro a alegre voz desata.
+ Uma fidalga o escuta ebria de amôr e gôso.
+
+Rasga-se ampla a janella: ao longe o olhar descobre
+ O correcto jardim e o parque extenso e nobre.
+ As nuvens no alto céu fluctuam como espumas,
+
+Da paizagem no fundo, em lago transparente,
+ Onde se espelha o azul e o laranjal frondente,
+ Um cysne á luz do sol estende as niveas plumas.
+
+
+
+
+A MORTE DE D. QUICHOTE
+
+Ao Conde de Sabugosa
+
+
+Rôto o escudo, sem lança, a cóta escalavrada,
+ Sósinho, abandonado e á tôa como um cego,
+ Do crepusculo á luz dolente e immaculada
+ Entra na sua aldeia o altivo heroe Manchego.
+
+O tenue fumo sáe do côlmo das herdades,
+ Riem ao pé da fonte as frescas raparigas,
+ E á clara vibração sonora das trindades
+ Junctam-se brandamente as vozes e as cantigas.
+
+E o audaz Campeador, o Justiceiro, o Forte,
+ Que andára pelo mundo a combater os máus,
+ Defendendo a Mulher, desafiando a Morte,
+ Do paterno casal sentou-se nos degráus.
+
+Nos joelhos fincando o cotovêlo agudo
+ E no punho cerrado a fronte reclinando,
+ Quedou-se largo espaço, illacrymavel, mudo,
+ Para o inutil passado os olhos alongando...
+
+E ali, na dôce paz da sua alegre aldeia,
+ Sentiu que o avassallava uma tristeza infinda,
+ Quando esta voz se ouviu: «morreu-te a Dulcinêa,
+ Missionario do Bem, tua missão é finda!»
+
+E elle a ouvir e a scismar! A trefega sobrinha
+ Beija-o, falla-lhe, ri, abraça-o, mas o Heróe
+ Dest'arte lhe volveu «A morte se avisinha,
+ Levae-me para o leito!» E ouvil-o pena e dóe.
+
+Do leito á cabeceira o Bacharel e o Cura
+ Tentam resuscitar-lhe os sonhos e as chymeras;
+ Pintam-lhe o negro Mal triumphante, ó amargura!
+ O fraco aos pés do forte, o bom lançado ás féras...
+
+Contam-lhe o frio horror dos carceres sem luz.
+ Que nas tôrres feudaes pompeava o velho Crime.
+ Que os crescentes do Islam tinham vencido a Cruz,
+ Que a Injustiça era a Lei... Então feroz, sublime.
+
+Inquieto, semi-nú, sinistro, o cavalleiro
+ Bradou como um trovão: «Enverguem-me a loriga!
+ «Sellem-me o Rocinante, ó Sancho, ó escudeiro,
+ «Traze-me a lança, présto! e a minha espada amiga!»
+
+Tinha em brazas o olhar, e truculento o aspeito,
+ E vibrava em redôr a imaginaria lança...
+ Logo depois cahiu do respaldar do leito,
+ Morto: tendo no labio um riso de creança!
+
+
+
+
+INDICE
+
+
+A minha mulher 1
+Confidenza 3
+O velhinho 8
+Animal bravio 10
+Ad agros 12
+A nuvem 14
+O juramento do arabe 16
+Num leque 19
+Olhos de Judia 20
+Numeros do Intermezzo:
+ I 24
+ II 25
+ III 26
+ IV 28
+ V 29
+ VI 30
+ VII 32
+ VIII 34
+ IX 36
+ X 38
+ XI 40
+ XII 42
+ XIII 44
+ XIV 46
+ XV 47
+ XVI 48
+ XVII 50
+ XVIII 52
+ XIX 54
+ XX 55
+ XXI 56
+ XXII 58
+ XXIII 60
+ XXIV 62
+O minuête 65
+O coveiro 70
+Adeus! 72
+Camoneana:
+ A egreja das Chagas 76
+ A leitura dos Lusiadas 78
+ Annos depois 80
+Esphynge 83
+A ceia de Tiberio 85
+Trio de poetas:
+ João de Lemos 90
+ João de Deus 92
+ João Penha 94
+Chymeras 97
+Odor di femina 99
+Em caminho da guilhotina 101
+A viuva 104
+Flôr do pantano 106
+A resposta do inquisidôr 108
+Fervet amor 112
+Na aldeia 114
+Estudantina 116
+As Ondinas 119
+No jogo das cannas 122
+Nunca eu te lêsse, ballada 124
+A negra 129
+Mater dolorosa 132
+As primeiras lagrimas de El-Rey 134
+O Cura Sancta Cruz 137
+A venda dos bois 142
+Ao rabequista Eugenio Degremont 147
+As velhas negras 151
+O relogio 155
+A morte de D. Quichote 157
+
+
+
+
+TERMINOU-SE A IMPRESSÃO
+
+NOS PRELOS DA
+
+IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA
+
+a 6 de março de 1882
+
+[Figura]
+
+
+_18, Rua Oriental do Passeio_
+LISBOA
+
+
+
+
+Lista de erros corrigidos
+
+
+Aqui encontram-se listados todos os erros encontrados e corrigidos:
+
+
+ +----------+-----------------------+---------------------------+
+ | | Original | Correcção |
+ +----------+-----------------------+---------------------------+
+ |#pág. 30 | V | VI |
+ |#pág. 50 | XVI | XVII |
+ +----------+-----------------------+---------------------------+
+
+Identificámos a duplicação de títulos em numeração romana.
+Rectificámos mantendo a ordenação crescente, nomeadamente nos casos
+referidos acima.
+
+
+
+
+
+End of the Project Gutenberg EBook of Nocturnos, by Gonçalves Crespo
+
+*** END OF THE PROJECT GUTENBERG EBOOK 44211 ***
diff --git a/44211-h/44211-h.htm b/44211-h/44211-h.htm
new file mode 100644
index 0000000..238a5c2
--- /dev/null
+++ b/44211-h/44211-h.htm
@@ -0,0 +1,3289 @@
+<!DOCTYPE html PUBLIC "-//W3C//DTD XHTML 1.0 Strict//EN" "http://www.w3.org/TR/xhtml1/DTD/xhtml1-strict.dtd">
+<html xmlns="http://www.w3.org/1999/xhtml">
+<head>
+ <title>Nocturnos</title>
+
+
+ <meta name="AUTHOR" content="Gonçalves Crespo" />
+
+ <meta http-equiv="content-type" content="text/html; charset=UTF-8" />
+
+ <style type="text/css">
+body {width: 80%; margin-left:10%; text-align: justify;}
+h1, h2, h3, h4, h5 { text-align: center;}
+h1 {margin: 2em; text-align: center;}
+h2, h4 {margin-top: 2em;}
+.bbox {border: solid black 1px; margin-left: 10%; margin-right: 10%;}
+.fbox {border: solid black 1px; background-color: #FFFFCC; font-size: 75%; margin-left: 10%; margin-right: 10%;}
+.center {
+display: block;
+margin-left: auto;
+margin-right: auto;}
+.smallcaps {font-variant: small-caps;}
+.break {
+width: 32%;
+margin-left:34%;}
+.sbreak {
+width: 20%;
+margin-left:40%;}
+.breaks {
+width: 10%;
+margin-left:45%;}
+.poetry {
+margin-left:35%;}
+.poetry0 {
+margin-left:40%;}
+.poetry1 {
+margin-left:30%;}
+.poetry2 {
+margin-left:45%;}
+.poetry3 {
+margin-left:50%;}
+.poetry4 {
+margin-left:65%;}
+.pagenum { position: absolute;
+right: 5%;
+font-size: 75%;
+text-align: right;
+text-indent: 0em;
+font-style: normal;
+font-weight: normal;
+color: silver;
+background-color: inherit;
+font-variant: normal;}
+ </style>
+</head>
+
+
+<body>
+<div>*** START OF THE PROJECT GUTENBERG EBOOK 44211 ***</div>
+
+<div>
+<div class="fbox"> <b>Nota de editor:</b>
+Devido à
+existência de erros tipográficos neste texto,
+foram tomadas várias decisões quanto à
+versão final. Em caso de dúvida, a grafia foi
+mantida de acordo com o original. No final deste livro
+encontrará a lista de erros corrigidos.<br />
+<br /><div style="text-align: right; font-style: italic;">Rita
+Farinha (Novembro 2013)</div></div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<h2>NOCTURNOS</h2>
+<br />
+<br />
+<br />
+D'esta edição tiraram-se mais
+<em>trinta exemplares</em>
+que não entraram no mercado; sendo:
+<br />
+<br />
+<table style="margin-left: 10%; width: 80%;" border="0" cellpadding="2"
+cellspacing="2"><tr><td>12 exemplares em papel Japão</td><td>n.<sup>os</sup> 1 a
+12</td></tr>
+<tr><td>12 exemplares em papel Whatman</td><td>n.<sup>os</sup> 13 a
+24</td></tr>
+<tr><td>12 exemplares em papel China</td><td>n.<sup>os</sup> 25 a
+30</td></tr></table>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<div class="bbox">
+<br />
+<h3>GONÇALVES CRESPO</h3><br />
+<br />
+<div class="sbreak"><hr /></div>
+
+<h1>NOCTURNOS</h1><br />
+<div class="sbreak"><hr /></div>
+<br />
+<img src="images/fig01.png" width="100" height="131" alt="" class="center" />
+<br />
+<h4>LISBOA<br />
+<br />
+<em>18, Rua Oriental do Passeio</em><br />
+<br />
+1882</h4>
+</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<div style="text-align: center;"><em>Direitos reservados</em></div>
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<div class="break"><hr /></div>
+<div style="text-align: center;">LISBOA&mdash;<span class="smallcaps">Imprensa Nacional</span></div><br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<a name="p1" id="p1"></a><h3>A MINHA MULHER<br />
+<br />
+MARIA AMALIA VAZ DE CARVALHO</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry0"><em>A ti, ó boa e rara e fiel amiga,</em></div>
+<div class="poetry"><em>A mais sancta e a melhor das companheiras,<br />
+A ti, ó flôr mimosa e alma antiga,<br />
+&mdash;Doce Premio que ris ao meu cançaço&mdash;<br />
+A ti, ó meu Conselho, estas ligeiras<br />
+Folhas que ponho a medo em teu regaço.</em></div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<a name="p3" id="p3"></a><h3>CONFIDENZA</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry1">Perguntaste-me um dia a vida que eu levava.</div>
+<div class="poetry2">Mimosa e eburnea flôr,</div>
+<div class="poetry">Em antes de te vêr; respondo-te: sonhava...</div>
+<div class="poetry2">Ouviste, meu amôr?</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Não era bem sonhar: ás vezes largo espaço</div>
+<div class="poetry2">Ficava-me a sorrir</div>
+<div class="poetry">Para os quadros que eu via em luminoso traço</div>
+<div class="poetry2">Nas télas do porvir.</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[4]</span>
+<div class="poetry1">Presta-me o ouvido attento, escuta-me, querida,</div>
+<div class="poetry2">Os que me lembram mais:</div>
+<div class="poetry">Assim, fita nos meus, ó pomba estremecida,</div>
+<div class="poetry2">Os olhos teus leaes!</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Olha este quadro e vê: o campo alegre e franco,</div>
+<div class="poetry2">Uma aurora de abril:</div>
+<div class="poetry">Da larga estrada á beira um campanario branco,</div>
+<div class="poetry2">O céu profundo anil.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">De uma casa á janella uma creança loura,</div>
+<div class="poetry2">Loura como um trigal:</div>
+<div class="poetry">Fiando á luz do sol que leve a sobredoura</div>
+<div class="poetry2">De aureola ideal.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Toda risos e festa a doce creatura</div>
+<div class="poetry2">Olhava para mim,</div>
+<div class="poetry">E eu repetia a sós: «alcanço-te, ventura!</div>
+<div class="poetry2">Serei feliz emfim!»</div>
+<br />
+<div class="poetry1">De um outro quadro então recordo-me saudoso,</div>
+<div class="poetry2">E alongo os olhos meus</div>
+<div class="poetry">Para o quadro gentil, o sonho mais gracioso,</div>
+<div class="poetry2">Que me cahiu dos céus!</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[5]</span>
+<div class="poetry1">Fica ao longe da vil poeira das cidades</div>
+<div class="poetry2">E do seu vão rumôr,</div>
+<div class="poetry">O palacio esquecido; ás horas das trindades,</div>
+<div class="poetry2">Entremos nelle, flôr!</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Deixemos os jardins, as aleas, o arvoredo,</div>
+<div class="poetry2">E o oloroso pomar;</div>
+<div class="poetry">Subamos essa escada, agora, a furto e a medo,</div>
+<div class="poetry2">Comecemos a olhar.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">É vetusto o salão; em flaccida poltrona</div>
+<div class="poetry2">Repoisa e scisma alguem:</div>
+<div class="poetry">Alguem que nos recorda a imagem da Madona,</div>
+<div class="poetry2">Grave e sizuda mãe.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">D'esse alguem no regaço um anjo se reclina</div>
+<div class="poetry2">Confiado e feliz,</div>
+<div class="poetry">Sáe-lhe um arôma subtil da bôcca pequenina.</div>
+<div class="poetry2">Falla, não sei que diz.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">É casta essa creança e pura entre as mais puras,</div>
+<div class="poetry2">Que em sonhos vi jámais;</div>
+<div class="poetry">Tem o vago esplendôr das biblicas figuras</div>
+<div class="poetry2">Dos antigos missaes.</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[6]</span>
+<div class="poetry1">É moça e é menina: olhar nenhum ainda</div>
+<div class="poetry2">De leve a maculou.</div>
+<div class="poetry">Dorme no seio della o amôr, a crença infinda</div>
+<div class="poetry2">Que Deus lhe confiou.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Quando ella abre, sorrindo, as palpebras franjadas,</div>
+<div class="poetry2">Ficamos a pensar</div>
+<div class="poetry">Nos mysterios do céu, nas cousas ignoradas</div>
+<div class="poetry2">Que descobre esse olhar.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Deixa que eu me ajoelhe extasiado e mudo,</div>
+<div class="poetry2">Cego de tanta luz,</div>
+<div class="poetry">E que tremulo beije o tépido veludo</div>
+<div class="poetry2">De seus pésinhos nús!</div>
+<br />
+<div class="poetry1">E não córa, bem vês, a candida creança!</div>
+<div class="poetry2">Antes meiga sorri,</div>
+<div class="poetry">E entre risos me diz, compondo a escura trança:</div>
+<div class="poetry2">«Pensava agora em ti!</div>
+<br />
+<div class="poetry1">«Porque tardaste tanto, ó poeta? eu te esperava</div>
+<div class="poetry2">«Na minha solidão!</div>
+<div class="poetry">«Vem os segredos vêr que para ti guardava</div>
+<div class="poetry2">«Dentro do coração!»</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[7]</span>
+<div class="poetry1">Concertáe vossa orchestra, harmonicas espheras,</div>
+<div class="poetry2">No célico esplendor!</div>
+<div class="poetry">Maria, essa creança, ó flôr das primaveras,</div>
+<div class="poetry2">Eras tu, meu amôr!</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p8" id="p8">[8]</a></span>
+<h3>O VELHINHO</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<h5>A J. Cesar Machado</h5>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry1">Aquelle que ali vae triste e cançado</div>
+<div class="poetry">E mais tremente que os juncaes do brejo.<br />
+Foi outrora o mais bello e o mais amado<br />
+Entre os moços do antigo logarejo.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Nas fitas d'esse labio desmaiado</div>
+<div class="poetry">Quantas mulheres tremulas de pejo<br />
+Não sorveram os néctares do beijo<br />
+Dos trigaes sobre o leito perfumado!</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[9]</span>
+<div class="poetry1">Hoje é velhinho, e falla dos francezes</div>
+<div class="poetry">Aos rapazes da eschola, e ás raparigas<br />
+Que não cançam de ouvil-o... As mais das vezes</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Sobre a ponte, sósinho, ouve as cantigas</div>
+<div class="poetry">Das que lavam no rio, e o olhar extende<br />
+Ao sol que ao longe na agonia esplende...</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p10" id="p10">[10]</a></span>
+<h3>ANIMAL BRAVIO</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<h5>A M<sup>elle</sup> Eugenia Vizeu</h5>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry1">Preferiras um ramo caprichoso</div>
+<div class="poetry">De escolha rara e de um concerto fino,<br />
+Onde visses o cácto purpurino<br />
+E os nevados jasmins do Tormentoso.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Em vez do ramo exotico e oloroso,</div>
+<div class="poetry">Casto recreio d'esse olhar divino,<br />
+Acceita, Eugenia, este animal felino,<br />
+Que o meu braço subjuga vigoroso.</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[11]</span>
+<div class="poetry1">Tive artes de o amansar: eil-o sereno!</div>
+<div class="poetry">Acode á minha voz, e ao meu aceno<br />
+Como um jaguar á voz de um saltimbanco...</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Vamos, sonêto! a prumo! ajoelhe, présto!</div>
+<div class="poetry">E á doce Eugenia, do sorriso honesto,<br />
+A fimbria oscule do vestido branco!</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p12" id="p12">[12]</a></span>
+<h3>AD AGROS</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry1">Não tardes, flôr; a aldeia nos espera,</div>
+<div class="poetry">Chovem arômas dos folhudos ramos:<br />
+Suspensa do meu braço, eia! partamos!<br />
+Olha-nos Deus da crystallina esphera.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Nas manhãs da passada primavera</div>
+<div class="poetry">Com que delícia ethérea nos amámos!<br />
+Iremos vêr os nomes que traçámos<br />
+No rude tronco em que se enlaça a hera.</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[13]</span>
+<div class="poetry1">Não tardes, meu amôr, sei de um caminho,</div>
+<div class="poetry">Que sobe a encosta, e vae direito ao moinho,<br />
+Em cujas vélas bate o vento em cheio...</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Seguir-nos-hão as aves namoradas,</div>
+<div class="poetry">Que ao som das tuas infantis risadas<br />
+Modularão seu tremulo gorgeio...</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p14" id="p14">[14]</a></span>
+<h3>A NUVEM</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<h5>De Th. Gauthier</h5>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry1">As roupas deslaçando, entra no banho</div>
+<div class="poetry">A languida sultana enamorada:<br />
+Livre do pente, os hombros nús lhe beija<br />
+A longa e fina trança desatada.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Atraz dos vidros o sultão a espreita;</div>
+<div class="poetry">E comsigo murmura: «como é bella!<br />
+«Ninguem a vê, ninguem! o negro eunucho<br />
+«Do harem na tôrre solitario vela!»</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[15]</span>
+<div class="poetry1">&mdash;Eu a vejo, uma nuvem lhe responde</div>
+<div class="poetry">Do sereno e alto azul illuminado:<br />
+&mdash;Vejo-lhe os seios nús, vejo-lhe o dorso,<br />
+&mdash;E o seu corpo de perolas colmado&mdash;</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Fez-se pallido Ahmehd bem como a lua,</div>
+<div class="poetry">E erguendo o seu kandjar de folha rara,<br />
+Desce, e apunhala a nua favorita...<br />
+Quanto á nuvem... no azul se dissipára...</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p16" id="p16">[16]</a></span>
+<h3>O JURAMENTO DO ARABE</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<h5>A Teixeira de Queiroz</h5>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry1">Baçús, mulher de Ali, pastôra de camêlas,</div>
+<div class="poetry">Viu de noute, ao fulgor das rútilas estrellas,<br />
+Wail, chefe minaz de barbara pujança,<br />
+Matar-lhe um animal. Baçús jurou vingança;<br />
+Corre, célere vôa, entra na tenda e conta<br />
+A um hospede de Ali a grave e inulta affronta.</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[17]</span>
+<div class="poetry1">«Baçús, disse tranquillo o hospede gentil,</div>
+<div class="poetry">Vingar-te-hei com meu braço, eu matarei Wail.»</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Disse e cumpriu.</div>
+<br />
+<div class="poetry2">Foi esta a causa verdadeira</div>
+<div class="poetry">Da guerra pertinaz, horrivel, carniceira<br />
+Que as tribus dividiu. Na lucta fratricida<br />
+Omar, filho de Amrú, perdêra o alento e a vida.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Amrú que lanças mil aos rudes prélios leva,</div>
+<div class="poetry">E que em sangue inimigo, irado, os odios céva,<br />
+Incansavel procura, e é sempre embalde, o vil<br />
+Matador de seu filho, o trêdo Muhalhil.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Uma noite, na tenda, a um moço prisioneiro,</div>
+<div class="poetry">Recem-colhido em campo, o indomito guerreiro<br />
+Fallou severo assim:</div>
+<div class="poetry3">«Escravo, attende, e escuta:</div>
+<div class="poetry">«Aponta-me a região, o monte, o plaino, a gruta,<br />
+«Em que vive o traidôr Muhalhil, dize a verdade;<br />
+«Dá-me que o alcance vivo, e é tua a liberdade!»</div>
+<br />
+<div class="poetry1">E o moço perguntou:</div>
+<div class="poetry3">«É por Allah que o juras?»</div>
+<span class="pagenum">[18]</span>
+<div class="poetry">&mdash;Juro, o chefe tornou&mdash;</div>
+<div class="poetry3">«Sou o homem que procuras!</div>
+<div class="poetry">«Muhalhil é o meu nome, eu fui que espedacei<br />
+«A lança de teu filho, e aos pés o subjuguei!»</div>
+<br />
+<div class="poetry1">E intrépido fitava o attonito inimigo.<br />
+<br />
+Amrú volveu:&mdash;És livre, Allah seja comtigo!</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p19" id="p19">[19]</a></span>
+<h3>NUM LEQUE</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry1">Amar e ser amado, que ventura!</div>
+<div class="poetry">Não amar, sendo amado, é um triste horrôr:<br />
+Mas na vida ha uma noite mais escura,<br />
+É amar alguem que não nos tenha amôr!</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p20" id="p20">[20]</a></span>
+<h3>OLHOS DE JUDIA</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry1">No transparente olhar das virgens da Allemanha</div>
+<div class="poetry">Nada um fluido subtil tam pleno de scismar,<br />
+Que a gente cuida ouvir uma sonata extranha<br />
+Num castello do Rheno em noites de luar.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Flôr do Guadalquivir, gloria da ardente Hespanha,</div>
+<div class="poetry">Se dardejas, sorrindo, um teu lascivo olhar,<br />
+O crespo, o encapellado e procelloso mar<br />
+Dos desejos febris o coração nos banha.</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[21]</span>
+<div class="poetry1">Nos teus olhos porém venusta semi-deia,</div>
+<div class="poetry">Como nas mutações de um rapido scenario,<br />
+Desdobram-se ante mim paizagens da Judeia...</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Vejo o louro Jesus vagueando solitario,</div>
+<div class="poetry">Vejo-o no Horto a chorar, ouço-lhe a voz na Ceia<br />
+E escuto-lhe o gemido extremo no Calvario.</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<h3>H. HEINE
+<br />
+<br />
+NUMEROS DO INTERMEZZO</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<h5>A M<sup>elle</sup> Louìse de Almeida e Albuquerque</h5>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p24" id="p24">[24]</a></span>
+<h3>I</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry1">Rosas e lirios, pombas, sol radiante,</div>
+<div class="poetry">Tudo isso outrora, no fugaz passado,</div>
+<div class="poetry0">Eu adorei constante.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">E d'esse amôr, que tive immaculado</div>
+<div class="poetry">Por lirios e aves e subtis perfumes,<br />
+Nem já me lembro, seductôra amante,<br />
+Fonte pura de amôr, que em ti resumes<br />
+A rosa, o lirio, a pomba e o sol radiante!</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p25" id="p25">[25]</a></span>
+<h3>II</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry1">De um lirio branco no mimoso calix</div>
+<div class="poetry2">Se eu a fosse depôr</div>
+<div class="poetry">A vaga essencia de meu peito, em breve<br />
+Escutáras no calice de neve</div>
+<div class="poetry2">Uma canção de amôr.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Canção divina relembrando as ancias,</div>
+<div class="poetry2">E o languido tremôr</div>
+<div class="poetry">Daquelle beijo, em noite mysteriosa,<br />
+Que me deram teus labios côr de rosa,</div>
+<div class="poetry2">Meu doce e casto amôr!</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p26" id="p26">[26]</a></span>
+<h3>III</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry1">Á luz viva do claro sol radioso</div>
+<div class="poetry">O lóto inclina a fronte esmaecida,<br />
+E espera a noite pensativo e ancioso.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Rompe a lua, e derrama a luz querida</div>
+<div class="poetry2">Na corolla mimosa</div>
+<div class="poetry">Da pobre flôr que se abre enlanguecida.</div>
+<div class="poetry2">Pobre flôr amorosa!</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[27]</span>
+<div class="poetry1">Olhando o céu e a lua até parece</div>
+<div class="poetry2">Que, em desmaios de amôr,</div>
+<div class="poetry">Treme, palpita, córa e desfallece<br />
+<br />
+A scismadora e enamorada flôr!</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p28" id="p28">[28]</a></span>
+<h3>IV</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry0">Sobre os olhos formosos<br />
+Da minha doce amada</div>
+<div class="poetry1">Rimei canções que os astros decoraram;<br />
+E embalsamei-lhe a bôcca perfumada</div>
+<div class="poetry0">Em tercêtos graciosos.</div>
+<div class="poetry1">Innumeras estancias decantaram</div>
+<div class="poetry0">Seu rôsto peregrino</div>
+<div class="poetry1">Que os jaspeados lirios escurece.</div>
+<div class="poetry0">Que sonêto divino</div>
+<div class="poetry1">Eu rendilhára com subtis lavôres<br />
+Sobre o seu coração... se ella o tivesse!</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p29" id="p29">[29]</a></span>
+<h3>V</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry1">Pozeram-te no rôsto o aéreo véu nupcial.</div>
+<div class="poetry">Bem sei que te perdi, mas não te quero mal.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Brilham do teu collar as pedras luminosas,</div>
+<div class="poetry">Mas no teu coração que noites luctuosas!</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Em sonhos eu desci, ó misera mulher,</div>
+<div class="poetry">Ás sombras da tua alma, e vi-te o padecer...</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Bem sei que te perdi, ó minha doce amada,</div>
+<div class="poetry">Mas não te quero mal, és muito desgraçada</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p30" id="p30">[30]</a></span>
+<h3><a href="#e1">VI</a></h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry1">Sei-o; a tua vida é sem ventura,</div>
+<div class="poetry">É-nos commum esta funérea sorte.<br />
+Cáe sobre nós a mesma noite escura,<br />
+E isto não finda sem que chegue a morte.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Se vejo nesse olhar um rir travêsso,</div>
+<div class="poetry">E em teu labio a insolencia costumada,<br />
+E o orgulho inflar teu coração... padeço,<br />
+E murmuro: «és como eu, tam desgraçada!»</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[31]</span>
+<div class="poetry1">Bem sei que ris, mas o teu labio treme:</div>
+<div class="poetry">Nos teus olhos azues o pranto brilha:<br />
+Tens orgulho, e essa voz suspira e geme...<br />
+Como nós somos desgraçados, filha!</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p32" id="p32">[32]</a></span>
+<h3>VII</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry0">Se as flôres do balsedo</div>
+<div class="poetry1">Podessem ver meu peito alanceado,<br />
+Como allivio ao meu aspero degredo,<br />
+Mandar-me-hiam, das moitas do balsedo,<br />
+De seus prantos o balsamo sagrado.</div>
+<br />
+<div class="poetry0">Se os rouxinoes da floresta</div>
+<div class="poetry1">Soubessem quanta dôr me rasga o seio,<br />
+Para espancar a minha noite mésta,<br />
+Mandar-me-hiam, das sombras da floresta,<br />
+O seu mais terno e encantadôr gorgeio.</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[33]</span>
+<div class="poetry0">Se as estrellas do espaço</div>
+<div class="poetry1">Soubessem tudo quanto soffro em vida,<br />
+Para embalar d'esta alma o vil cançaço,<br />
+Mandar-me-hiam, dos concavos do espaço,<br />
+Uma doce palavra condoída.</div>
+<br />
+<div class="poetry0">E essa que sabe tudo,</div>
+<div class="poetry1">O inferno e o horror da minha mocidade,<br />
+É a dona das tranças de veludo,<br />
+E das unhas rosadas... sabe tudo<br />
+E apunhála-me a vida sem piedade!</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p34" id="p34">[34]</a></span>
+<h3>VIII</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry1">Não me sabes dizer, ó minha amada,</div>
+<div class="poetry0">O motivo, a razão</div>
+<div class="poetry">Porque pendem a face desmaiada</div>
+<div class="poetry0">As rosas para o chão?</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Não me sabes dizer porque, no meio</div>
+<div class="poetry0">Do vasto prado em flôr,</div>
+<div class="poetry">Das violetas cáe no roxo seio</div>
+<div class="poetry0">Um véu de lucto e dôr?</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[35]</span>
+<div class="poetry1">Diz-me porque ouço a voz das cotovias</div>
+<div class="poetry0">Hoje lugubre assim?</div>
+<div class="poetry">E porque exhalam mortes e agonias</div>
+<div class="poetry0">As urnas do jasmim?</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Por que motivo o sol tam claro e puro</div>
+<div class="poetry0">De crepes se vestiu?</div>
+<div class="poetry">Porque um sinistro pezadelo escuro</div>
+<div class="poetry0">Sobre a terra cahiu?</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Bem sei eu porque vejo tudo triste</div>
+<div class="poetry0">Sem luz e sem calôr...</div>
+<div class="poetry">É que tu, pomba branca, me fugiste</div>
+<div class="poetry0">Meu amôr, meu amôr!</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p36" id="p36">[36]</a></span>
+<h3>IX</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry1">Disseram-te de mim feios horrôres,</div>
+<div class="poetry">De imaginarias culpas me crivaram,<br />
+E sobre as minhas lastimaveis dôres</div>
+<div class="poetry2">Um negro véu lançaram!</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Distenderam os labios sacudindo</div>
+<div class="poetry">Com grave e serio gesto a fronte, e ao cabo...<br />
+(E acreditaste-os tu, meu anjo lindo!)</div>
+<div class="poetry2">Chamaram-me o Diabo!</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[37]</span>
+<div class="poetry1">O que ha de mais escuro e de mais feio</div>
+<div class="poetry">Na minha vida, ignoram-no os sandeus,<br />
+Tam occulto este amôr vive em meu seio,</div>
+<div class="poetry2">Ó luz dos olhos meus!</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p38" id="p38">[38]</a></span>
+<h3>X</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry">Naquella manhã ditosa</div>
+<div class="poetry0">O sol mandava-nos beijos;<br />
+Do rouxinol os solfejos<br />
+Suspiravam na amplidão.</div>
+<br />
+<div class="poetry">Se me lembro, ai! se me lembro</div>
+<div class="poetry0">D'esse amplexo demorado,<br />
+Com que tu, meu lirio amado,<br />
+Uniste-me ao coração!</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[39]</span>
+<div class="poetry">Grasnava o côrvo agoirento,</div>
+<div class="poetry0">As sêccas folhas cahiam,<br />
+E uns tristes raios desciam<br />
+Da plumbea curva dos céus.</div>
+<br />
+<div class="poetry">Se me lembro, ai! se me lembro</div>
+<div class="poetry0">Da fria e grave mesura<br />
+Que, naquella tarde escura,<br />
+Fizeste ao dizer-me&mdash;adeus!</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p40" id="p40">[40]</a></span>
+<h3>XI</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry">Fôste fiel, no caminho</div>
+<div class="poetry0">Doloroso que eu seguia,<br />
+Déste-me alentos, carinho,<br />
+Meu consôlo fôste, e guia.</div>
+<br />
+<div class="poetry">Déste-me tudo, ó consorte,</div>
+<div class="poetry0">Roupa branca e até dinheiro!<br />
+E ao partir para o extrangeiro<br />
+Compraste-me o passaporte!</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[41]</span>
+<div class="poetry">Deus t'o pague, meu amôr!</div>
+<div class="poetry0">E um viver te dê tranquillo!<br />
+Mas que te não faça aquillo<br />
+Que tu me fizeste, flôr!</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p42" id="p42">[42]</a></span>
+<h3>XII</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry1">Emquanto eu andava viajando, a minha</div>
+<div class="poetry">Noiva gentil, o meu thesouro amado,<br />
+Julgando que eu tardava e que não vinha,<br />
+Fez á pressa o vestido de noivado,<br />
+E um dia, ao pé do altar, entrega anciosa<br />
+A um fôfo peralvilho a mão de esposa.</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[43]</span>
+<div class="poetry1">Nada no mundo a minha amada eguala;</div>
+<div class="poetry">Nem eu sei a que a possa comparar!<br />
+Que doce é o aroma que o seu labio exhala!<br />
+Que gesto lindo! e que formoso olhar!<br />
+Suspende a queixa, coração trahido,<br />
+Deixaste o céu, do céu fôste banido!</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p44" id="p44">[44]</a></span>
+<h3>XIII</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry1">Quando morreres, filha, ao teu jazigo</div>
+<div class="poetry">Descerei taciturno e allucinado,<br />
+E abraçando esse corpo delicado,<br />
+No frio marmor dormirei comtigo.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">E tu muda, e tu fria, e tu gelada!</div>
+<div class="poetry">E eu nos meus braços a apertar-te ainda!<br />
+E nas sombras daquella noite infinda<br />
+Clamo, estremeço e morro, alma adorada!</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[45]</span>
+<div class="poetry1">Os mortos, alta noute, pouco e pouco</div>
+<div class="poetry">Erguer-se-hão, ao luar, rindo e dançando;<br />
+E eu ficarei na sombra, ó sonho louco!<br />
+No teu seio de jaspe repoisando.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">E quando a hora chegue em que as trombêtas</div>
+<div class="poetry">Do Juizo Final se ouvirem todas,<br />
+Não surgirás, inveja das violetas,<br />
+Do escuro leito das eternas bôdas!</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p46" id="p46">[46]</a></span>
+<h3>XIV</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry0">Do Norte sobre um monte,</div>
+<div class="poetry2">Alto frio e gelado,<br />
+Um pinheiro isolado</div>
+<div class="poetry1">Ergue entre o gêlo a merencoria fronte.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Todo tremulo, o misero deseja</div>
+<div class="poetry">Ser a esbelta palmeira viridente<br />
+Que em terra adusta odeia a luz ardente<br />
+Que sobre ella o implacavel sol dardeja.</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p47" id="p47">[47]</a></span>
+<h3>XV</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry1">Das minhas penas fiz canções aladas</div>
+<div class="poetry">De alegre geito e jovial feição.<br />
+Vi-as partir em doidas revoadas,<br />
+E vi-as procurar teu coração.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Partem alegres, voltam lacrymosas,</div>
+<div class="poetry">Perdido o fresco riso ingenuo e lêdo,<br />
+Mas do que viram guardam, silenciosas,<br />
+O mais profundo e lugubre segredo.</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p48" id="p48">[48]</a></span>
+<h3>XVI</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry1">Eu não posso esquecer, perdão, minha senhora,</div>
+<div class="poetry">&mdash;Estes laços de amôr custam a desatar&mdash;<br />
+Eu não posso esquecer, ó minha doce aurora,<br />
+Que subjuguei teu corpo e essa alma singular...</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Teu corpo, ai! o teu corpo esbelto, moço e branco,</div>
+<div class="poetry">Já foi meu, já foi meu... mas neste instante, flôr,<br />
+Da tua alma prescindo, e escuta, serei franco,<br />
+Basta-me a que possuo, ah! basta, meu amôr!</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[49]</span>
+<div class="poetry1">Se um dia succeder, que esse teu seio trema</div>
+<div class="poetry">De novo juncto ao meu, hei-de insuflar-te, doudo,<br />
+Metade da minha alma, e então, gloria suprema!<br />
+De ambos nós, meu amôr, faremos um só todo...</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p50" id="p50">[50]</a></span>
+<h3><a href="#e2">XVII</a></h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry1">É domingo: o burguez deixa os asphaltos,</div>
+<div class="poetry0">Dando o braço á burgueza;</div>
+<div class="poetry">Procura o campo, e, ao vêl-o, exclama aos saltos:</div>
+<div class="poetry0">«Ó filha, que lindeza!»</div>
+<br />
+<div class="poetry1">E pasma do verdôr febril, romantico,</div>
+<div class="poetry0">Da múrmura floresta;</div>
+<div class="poetry">E a sua longa orelha absorve o cantico</div>
+<div class="poetry0">Da passarada em festa.</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[51]</span>
+<div class="poetry1">Eu que não saio, escondo a gelosia</div>
+<div class="poetry0">Com negros cortinados,</div>
+<div class="poetry">E recebo a visita, em pleno dia,</div>
+<div class="poetry0">Dos espectros amados.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">E aquelle Amôr que eu vi morrer outrora.</div>
+<div class="poetry0">No meu quarto apparece!</div>
+<div class="poetry">Senta-se ao pé de mim, beija-me e chora,</div>
+<div class="poetry0">E treme e desfallece!</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p52" id="p52">[52]</a></span>
+<h3>XVIII</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry">Rompia a manhã, rompia</div>
+<div class="poetry0">Alegre como um trinado,<br />
+E eu ia triste e calado,<br />
+No meio d'essa alegria,<br />
+Por entre as flôres do prado...<br />
+Rompia a manhã, rompia...</div>
+<br />
+<div class="poetry">Vendo-me, as flôres do prado</div>
+<div class="poetry0">Mais as rosas do silvedo<br />
+Cochicharam em segredo...<br />
+E erguendo os olhos, a medo,</div>
+<span class="pagenum">[53]</span>
+<div class="poetry0">Num tom de voz repassado<br />
+Da mais branda languidez:<br />
+«Como elle vae irritado,<br />
+«Os olhos fitos no chão!<br />
+«Perdôa por esta vez,<br />
+«Não ralhes com ella, não?»</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p54" id="p54">[54]</a></span>
+<h3>XIX</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry1">Na tua face ardente e avelludada</div>
+<div class="poetry">Encandeia-se a luz do quente Estio,<br />
+Mas no teu coração, ó minha amada,<br />
+Habita o Inverno enregelado e frio.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Mas quem assim te vê bella e formosa,</div>
+<div class="poetry">Verá mais tarde o Inverno tôrvo e feio<br />
+Nessa tua gentil face mimosa,<br />
+E o rubro Estio no teu branco seio!</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p55" id="p55">[55]</a></span>
+<h3>XX</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry1">No momento do <em>adeus</em> succede que os amantes</div>
+<div class="poetry">Se abraçam, a chorar, com vozes soluçantes.<br />
+Força, é força partir; a mão prende-se á mão,<br />
+E uma infinda tristesa inunda o coração.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Para nós, meu amôr, nessa hora de agonia</div>
+<div class="poetry">Não houve o padecer que as almas excrucia:<br />
+Foi grave o nosso <em>adeus</em> e frio, e só agora<br />
+É que a Dôr nos subjuga, e a Angustia nos devora.</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p56" id="p56">[56]</a></span>
+<h3>XXI</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry">Sonhei: de novo suspirava o vento</div>
+<div class="poetry0">Das tilias sob a cupula odorante;<br />
+E como outrora ouvia o juramento</div>
+<div class="poetry2">Do teu amôr constante.</div>
+<br />
+<div class="poetry">Que protestos de amôr nesse momento!</div>
+<div class="poetry0">Mas na febre dos beijos que me deste,<br />
+Como para gravar teu juramento</div>
+<div class="poetry2">Em meus dedos mordeste!</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[57]</span>
+<div class="poetry">Dona do riso alegre, ó meu tormento!</div>
+<div class="poetry0">Dona de olhos azues, ó minha amada!<br />
+Já me bastava o doce juramento,</div>
+<div class="poetry2">Foi de mais a dentada!</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p58" id="p58">[58]</a></span>
+<h3>XXII</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry1">Chorei: sonhava e era comtigo, estavas</div>
+<div class="poetry">Morta num cemiterio, fria, fria...<br />
+E, ao despertar, senti que o pranto, em lavas,<br />
+De meus cançados olhos escorria.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Chorei: sonhava e era comtigo, rosa;</div>
+<div class="poetry">Havias-me, sem dó, abandonado:<br />
+E, ao despertar da noite tormentosa,<br />
+Tinha o rôsto de lagrimas banhado.</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[59]</span>
+<div class="poetry1">Chorei: sonhava, e era comtigo, ó linda!</div>
+<div class="poetry">Dizias-me, a sorrir, «como eu te adoro!»<br />
+Desperto, e logo numa angustia infinda,<br />
+Eis-me a chorar de novo e ainda choro!</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p60" id="p60">[60]</a></span>
+<h3>XXIII</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry0">Batido do torvelinho<br />
+O bosque palpita ao açoite<br />
+Do vento outomnal; é noite.</div>
+<div class="poetry1">Monto a cavallo e metto-me a caminho.</div>
+<br />
+<div class="poetry0">E este inquieto pensamento,<br />
+E esta phantasia errante<br />
+Levaram-me nesse instante</div>
+<div class="poetry1">Ao teu virgineo e candido aposento.</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[61]</span>
+<div class="poetry0">Os cães ladram; nas sonoras<br />
+Escadas assoma gente,<br />
+E eu no marmore luzente</div>
+<div class="poetry1">Faço tinir as rútilas esporas.</div>
+<br />
+<div class="poetry0">No teu quarto da baunilha<br />
+Vôam cálidos arômas;<br />
+Tu dormes, soltas as cômas,</div>
+<div class="poetry1">E eu nos teus braços cáio, minha filha!</div>
+<br />
+<div class="poetry0">Soluça o vento magoado:<br />
+Diz um carvalho altaneiro:<br />
+«Cavalleiro, cavalleiro,</div>
+<div class="poetry1">«Suspende o teu sonhar allucinado!»</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p62" id="p62">[62]</a></span>
+<h3>XXIV</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry1">Eu enterro as canções de amôr e o fel amargo</div>
+<div class="poetry2">Do meu triste sonhar:</div>
+<div class="poetry">Quero um caixão profundo, immenso, vasto e largo;</div>
+<div class="poetry2">Depressa, ide-o buscar!</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Um caixão formidando, um féretro-portento,</div>
+<div class="poetry2">Que sobreexceda e vença</div>
+<div class="poetry">O pêzo sobrehumano e o enorme comprimento</div>
+<div class="poetry2">Da ponte de Mayença.</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[63]</span>
+<div class="poetry1">Trazei-m'o sem demora; eu hei-de enchêl-o em breve;</div>
+<div class="poetry2">Vereis a promptidão.</div>
+<div class="poetry">De Heidelberg o tonel será pequeno e leve</div>
+<div class="poetry2">Ao pé d'esse caixão.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Doze gigantes quero, o aspecto feio e rudo,</div>
+<div class="poetry2">E de um vigôr sem conta,</div>
+<div class="poetry">Que me façam lembrar Christovam, o membrudo,</div>
+<div class="poetry2">Que em Colonia se aponta.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Gigantes, balouçae o féretro luctuoso!</div>
+<div class="poetry2">Vamos! agora, ao mar!</div>
+<div class="poetry">Cova maior existe? Abysmo assim grandioso</div>
+<div class="poetry2">Difficil é de achar.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Sabeis porque eu desejo um féretro assim largo,</div>
+<div class="poetry2">De vastas dimensões?</div>
+<div class="poetry">É que enterro, infeliz, o amôr, o fel amargo</div>
+<div class="poetry2">Das minhas illusões.</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p65" id="p65">[65]</a></span>
+<h3>O MINUÊTE</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<h5>Ao dr. Thomaz de Carvalho</h5>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry1">Espaçoso é o salão: jarras a cada canto;</div>
+<div class="poetry">Admira-se o lavôr do tecto de páu sancto.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Cadeiras de espaldar com fulvas pregarias:</div>
+<div class="poetry">Um enorme sophá: largas tapeçarias.</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[66]</span>
+<div class="poetry1">O purpureo tapete aos olhos nos revela</div>
+<div class="poetry">Entre as garras de um tigre anciosa uma gazella.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Retratos em redor: olhemos o primeiro:</div>
+<div class="poetry">No Tóro as mãos de Affonso o armaram cavalleiro.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Era Arcebispo aquelle: esta foi açafata...</div>
+<div class="poetry">Que frescura sensual nos labios de escarlata!</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Olhos revendo o azul que sobre a Italia assoma:</div>
+<div class="poetry">Em finos caracóes, a loura e ondada côma:</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Collo robusto e nú: cabeça triumphante:</div>
+<div class="poetry">Consta que certo rei... passemos adeante!</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Este, que vês, morreu num africano areal</div>
+<div class="poetry">Por vingança cruel do aspero Pombal.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">D'esse olhar na expressão infinda e inenarravel</div>
+<div class="poetry">Desabrocha uma dôr profunda e inconsolavel.</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[67]</span>
+<div class="poetry1">Defronte, uma donzella, o rosto meigo e afflicto,</div>
+<div class="poetry">Num extasis adora o pallido proscripto.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">O teu sonho nupcial, franzina morgadinha,</div>
+<div class="poetry">Tam cedo se desfez, ó misera e mesquinha!</div>
+<br />
+<div class="poetry1">No burel escondeste o viço e a formusura,</div>
+<div class="poetry">E desmaiaste, flôr, no chão de uma clausura!...</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Repara nos desdens do fôfo conselheiro,</div>
+<div class="poetry">Que sorridente aspira a flôr de um jasmineiro!</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Em canones doutor: no Paço foi bemquisto:</div>
+<div class="poetry">Orna-lhe o peito a cruz de um habito de Christo.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Esse outro combatendo ás portas de Bayona,</div>
+<div class="poetry">Como um bravo, alcançou a rútila dragôna.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Vibra flammas do olhar; cabeça erecta e audaz;</div>
+<div class="poetry">Illumina-lhe o rôsto a gloria de um gilvaz.</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[68]</span>
+<div class="poetry1">Assistímos, ao vêl-o, ás pugnas carniceiras,</div>
+<div class="poetry">E ouvimos o clangôr das musicas guerreiras...</div>
+<br />
+<div class="poetry1">No antiquissimo espelho, á sombra das cortinas,</div>
+<div class="poetry">Reflecte-se o primôr de argenteas serpentinas.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Sob o espelho se aninha um cravo marchetado,</div>
+<div class="poetry">Mimo outrora da casa, e prenda de um noivado.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Ao lado um cofre encerra, em amoravel ninho,</div>
+<div class="poetry">Antiga partitura em velho pergaminho.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Uma noite extendi a musica na estante,</div>
+<div class="poetry">E o cravo suspirou... naquelle mesmo instante</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Da eburnea pallidez doentia do teclado</div>
+<div class="poetry">Manso e manso evolou-se o arôma do passado.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">E vi descer do quadro a languida açafata</div>
+<div class="poetry">Que, ao discreto pallôr das lampadas de prata,</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[69]</span>
+<div class="poetry1">A fimbria alevantando azul do seu vestido</div>
+<div class="poetry">O rôsto acerejado, o gesto commovido,</div>
+<br />
+<div class="poetry1">A sorrir, deslisou graciosa no tapête,</div>
+<div class="poetry">Dançando airosamente o airoso minuête...</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p70" id="p70">[70]</a></span>
+<h3>O COVEIRO</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<h5>A Alberto Braga</h5>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry1">Elle entrou cabisbaixo e silencioso</div>
+<div class="poetry">Na immunda tasca, e foi sentar-se a um canto;<br />
+Deram-lhe vinho, recusou, o espanto<br />
+Cresceu no olhar do taberneiro oleoso.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Elle era o mais antigo e o mais ruidoso</div>
+<div class="poetry">Dos freguezes da casa: ao obsceno canto<br />
+Ninguem prestava mais lascivo encanto<br />
+Ao som magoado de um violão choroso.</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[71]</span>
+<div class="poetry1">Mas o velho sentára-se distante</div>
+<div class="poetry">Da alegre turba, a vista lacrymante<br />
+Mergulhada nas chammas do brazido...</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Disse um da roda: «espanta-me o coveiro!»</div>
+<div class="poetry">&mdash;Morreu-lhe ha pouco a filha...&mdash;distrahido<br />
+Volveu da bisca um contumaz parceiro.</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p72" id="p72">[72]</a></span>
+<h3>ADEUS!</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry1">Uma vez, numa camara elegante,</div>
+<div class="poetry">De um contador no marmore de rosa,<br />
+Entre os mil nadas feminis que exhalam<br />
+Uns aromas subtis que nos embalam,<br />
+Vi uma concha pallida e graciosa.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Sentira eu nella um som confuso e triste,</div>
+<div class="poetry">Como o dos sinos em remota aldeia;<br />
+Pobre concha! morria de saudade<br />
+Daquella vaga e triste immensidade<br />
+Do mar que chora na deserta areia.</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[73]</span>
+<div class="poetry1">Olha, querida, como nessa concha,</div>
+<div class="poetry">Anda chorando em mim continuamente<br />
+Essa timida voz que tu soltaste,<br />
+Essa palavra <span class="smallcaps">ADEUS</span> que murmuraste<br />
+Aos meus ouvidos languida e tremente!</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<h3>CAMONEANA</h3>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p76" id="p76">[76]</a></span>
+<h3>I</h3>
+<br />
+<h3>NA EGREJA DAS CHAGAS</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<h5>Ao dr. A. A. de Carvalho Monteiro</h5>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry1">Proxima vinha a nobre Catharina</div>
+<div class="poetry">Da porta principal da egreja, quando<br />
+Seu olhar encontrou suave e brando<br />
+O olhar de um moço de presença fina.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">E, ao fulgôr d'esse olhar ardente, inclina</div>
+<div class="poetry">A dama o rôsto, timida, córando...<br />
+Arfa-lhe o niveo seio, palpitando,<br />
+Em doida e extranha commoção divina.</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[77]</span>
+<div class="poetry1">Camões, que outro não era o moço, ardido,</div>
+<div class="poetry">Num gesto de galan desvanecido,<br />
+«Quem vos pudéra merecer!» murmura.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">E a dama, ao ouvil-o, languida sorria,</div>
+<div class="poetry">Pois que em todos os tempos a ouzadia<br />
+Ao amôr nunca trouxe desventura.</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p78" id="p78">[78]</a></span>
+<h3>II</h3>
+<br />
+<h3>A LEITURA DOS LUSIADAS</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<h5>A Vicente Pindella</h5>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry1">Do moço rei defronte, esbelto e cavalleiro</div>
+<div class="poetry">Camões recita; a côrte, silenciosa<br />
+Ante a rubra explosão do cantico guerreiro,<br />
+Admira essa Epopeia enorme e prodigiosa.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">«... Ruge a electrica voz do Adamastôr furiosa;</div>
+<div class="poetry">«Nas amuradas canta o alegre marinheiro;<br />
+«Do Oceano á flôr scintilla a esteira luminosa<br />
+«Dos pesados galeões do Gama aventureiro.</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[79]</span>
+<div class="poetry1">«Terra! grita o gageiro; e á praia melindana</div>
+<div class="poetry">«Desce douda e febril a gente lusitana<br />
+«Desfraldam-se os pendões ao claro céu do Oriente...»</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Da gloria ante o esplendôr o olhar d'El-Rey fulgura;</div>
+<div class="poetry">O Camara no emtanto, alma sombria e escura,<br />
+No rei os olhos crava, e ri felinamente.</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p80" id="p80">[80]</a></span>
+<h3>III</h3>
+<br />
+<h3>ANNOS DEPOIS</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<h5>A Bernardo Pindella</h5>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry1">Juncto de um catre vil, grosseiro e feio,</div>
+<div class="poetry">Por uma noite de luar saudoso,<br />
+Camões, pendida a fronte sobre o seio,<br />
+Scisma embebido num pesar luctuoso...</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Eis que na rua um cantico amôroso</div>
+<div class="poetry">Subitaneo se ouviu da noite em meio:<br />
+Já se abrem as adufas com receio...<br />
+Noite de amôres! que trovar mimoso!</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[81]</span>
+<div class="poetry1">Camões acorda, e á gelosia assôma,</div>
+<div class="poetry">E aquelle canto, como um antigo arôma,<br />
+Resuscita-lhe os risos do passado.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Viu-se moço e feliz, e ah! nesse instante,</div>
+<div class="poetry">No azul viu perpassar, claro e distante,<br />
+De Natercia gentil, o vulto amado...</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p83" id="p83">[83]</a></span>
+<h3>ESPHYNGE</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<h5>Traducção de uns versos de Alexandre Dumas<br />
+escriptos num leque<br />
+em que estava pintada uma Esphynge</h5>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry1">Que me queres, Esphynge? O que procuras? diz-m'o:</div>
+<div class="poetry">Se do poeta o segredo intentas penetrar,<br />
+Desce dos annos meus ao tenebroso abysmo,<br />
+Verás o Amôr aos Vinte e aos Sessenta o Pesar.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Sim, Pesar, não de haver lançado aos quatro ventos</div>
+<div class="poetry">Com prodiga loucura o verbo triumphante,<br />
+A ambição, o dinheiro, os risos e os tormentos,<br />
+E as auroras de abril que passam num instante!</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[84]</span>
+<div class="poetry1">Mas Pesar de sentir dentro em meu peito agora,</div>
+<div class="poetry">Como accêso vulcão em gêlos sepultado,<br />
+Do juvenil desejo a flamma que devora,<br />
+E de não poder mais, amando, ser amado!</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p85" id="p85">[85]</a></span>
+<h3>A CEIA DE TIBERIO</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<h5>Ao dr. J. Frederico Laranjo</h5>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry1">Opulento é o festim: em todo o vasto imperio</div>
+<div class="poetry">Outro não houve egual. Caprêa a dissoluta,<br />
+O retiro de amôr do perfido Tiberio,</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Illuminada ri. Ao longe Roma escuta</div>
+<div class="poetry">O confuso rumôr da tenebrosa orgia:<br />
+Assim geme, assim ronca o mar em funda gruta.</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[86]</span>
+<div class="poetry1">Fascina, attrae, seduz, e os olhos extasia</div>
+<div class="poetry">A imperial vivenda: a sala é deslumbrante:<br />
+Ouro e gêmmas sem fim confundem-se á porfia.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Das lampadas rebrilha o lume coruscante;</div>
+<div class="poetry">Nos triclinios esplende a purpura escarlata,<br />
+A fina tartaruga e o sandalo odorante.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Aos angulos da sala, em primorosa prata,</div>
+<div class="poetry">Erotico esculptor grupos fundiu lascivos,<br />
+Em cujos membros nús Volupia se retrata.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Resaltam da parede os satyros esquivos</div>
+<div class="poetry">Sob o pampano alegre: as nymphas, em corêas,<br />
+Dançam na riba, em flôr, de arroios fugitivos.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Em marmórea piscina enroscam-se as murêas,</div>
+<div class="poetry">Dos patricios de Roma o pabulo dilecto,<br />
+Vezes sem conto, escravo, ali rompeste as veias!</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Pendem verdes festões do primoroso tecto,</div>
+<div class="poetry">Pyrrheico ali pintára um matagal folhudo,<br />
+E um lago crystallino, encantador, discreto.</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[87]</span>
+<div class="poetry1">Diana ao sol enxuga as tranças de veludo,</div>
+<div class="poetry">Acteon espreita ancioso, e, ó rapida alegria!<br />
+Aos poucos se transforma em cervo ramalhudo.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Em Miléto foi tincta a azul tapeçaria,</div>
+<div class="poetry">Que nas mesas se extende e nos mosaicos dorme;<br />
+Dos velarios se escôa o arôma que inebria.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">A festa é no pendor: num áureo prato informe</div>
+<div class="poetry">Eis que entra um javali, formosas gaditanas<br />
+Dançam em derredor. Ulula a grita enorme.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Jorra o vinho de Kós purpureas espadanas;</div>
+<div class="poetry">Dos convivas na fronte enlaça-se a verbena,<br />
+Preludiam no emtanto as frautas sicilianas.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Adoudada suspira uma canção obscena:</div>
+<div class="poetry">Fervem beijos no ar, os seios pulam, crescem<br />
+E desnudam-se á luz, Tiberio assim o ordena.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">As matronas, ao vêr o duro gesto, obedecem,</div>
+<div class="poetry">E lá passam gentis, deslisam mansamente<br />
+Dos marmores á flôr; são nuas, endoudecem!</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[88]</span>
+<div class="poetry1">Um retiario nervudo, e um gladiador valente</div>
+<div class="poetry">Combatem, são leões; o pallido vencido<br />
+Mistura o sangue rubro ao vinho rescendente.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Ora Tiberio ri... Mas subito um gemido</div>
+<div class="poetry">Longo e triste chorou nos paços de Caprêa...<br />
+Indagam: talvez fosse o gladiador ferido...</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Nesse instante Jesus morria na Judeia!</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<h3>TRIO DE POETAS</h3>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p90" id="p90">[90]</a></span>
+<h3>I</h3>
+<br />
+<h3>JOÃO DE LEMOS</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<h5>Ao Visconde de Pindella</h5>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry1">Na cidade gentil do austero estudo</div>
+<div class="poetry">Sobranceira ao Mondego socegado,<br />
+Em cuja riba o sinceiral folhudo<br />
+De rouxinoes suspira gorgeiado,</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Fôste erguido no concavo do escudo</div>
+<div class="poetry">Pelos moços de outrora, e celebrado<br />
+Trovador, cavalleiro, e namorado...<br />
+Tempo de glorias! Como passa tudo!</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[91]</span>
+<div class="poetry1">No emtanto ás vezes, na provincia, quando</div>
+<div class="poetry">A um dôce, honesto e feminino bando<br />
+Digo a <span class="smallcaps">lua de londres</span>, de repente</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Da infancia volvo á candida simpleza,</div>
+<div class="poetry">E ondulam na minh'alma vagamente<br />
+Tremulas notas de fugaz tristeza.</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p92" id="p92">[92]</a></span>
+<h3>II</h3>
+<br />
+<h3>JOÃO DE DEUS</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<h5>A Anthero do Quental</h5>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry1">Sempre que o leio, sinto-me captivo</div>
+<div class="poetry">De um não sei quê, de infinda suavidade,<br />
+E entram commigo uns longes de saudade,<br />
+Que me deixam sizudo e pensativo.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Sonho: quizéra, em triste soledade,</div>
+<div class="poetry">Viver das gentes apartado e esquivo,<br />
+E erguer-me a esse planeta primitivo<br />
+Onde resplenda a eterna mocidade.</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[93]</span>
+<div class="poetry1">Já o seu nome é tão suave e brando,</div>
+<div class="poetry">Tão eufonico, meigo e delicado,<br />
+Que fica nos ouvidos suspirando...</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Diz a lenda que vive descuidado,</div>
+<div class="poetry"><span class="smallcaps">Ramos</span> tecendo, e
+<span class="smallcaps">flores</span> emmoitando,<br />
+Da Chymera nos seios reclinado.</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p94" id="p94">[94]</a></span>
+<h3>III</h3>
+<br />
+<h3>JOÃO PENHA</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<h5>A Augusto Sarmento</h5>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry1">Nervoso mestre, domadôr valente</div>
+<div class="poetry">Da Rima e do Sonêto portuguez,<br />
+Não te eguala a pericia de um chinez<br />
+Na pintura de um vaso transparente.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Ha no teu verso a musica dolente</div>
+<div class="poetry">Da guitarra andaluza, e muita vez<br />
+Rompe em meio da extranha languidez<br />
+O silvo estriduloso da serpente.</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[95]</span>
+<div class="poetry1">No <span class="smallcaps">vinho e fel</span> traçaste o escuro drama</div>
+<div class="poetry">Em que soluça e ri, na extensa gamma,<br />
+Teu desgrenhado amôr, doido e fatal...</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Mas se do peito ancioso o dardo arrancas,</div>
+<div class="poetry">Teu canto exhala as alegrias francas<br />
+De uma rubra Kermesse colossal.</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p97" id="p97">[97]</a></span>
+<h3>CHYMERAS</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<h5>A meu tio João de Almeida e Albuquerque</h5>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry1">O mar já me tentou: aspirações fogosas</div>
+<div class="poetry">Fizeram-me idear phantasticas viagens;<br />
+Eu sonhava trazer de incognitas paragens<br />
+Noticias immortaes ás gentes curiosas.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Mais tarde desejei riquezas fabulosas,</div>
+<div class="poetry">Um palacio escondido em múrmuras folhagens,<br />
+Onde eu fosse occultar as candidas imagens<br />
+Das virgens que evoquei por noites silenciosas.</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[98]</span>
+<div class="poetry1">Mas tudo isso passou: agora só me resta</div>
+<div class="poetry">Das chymeras que tive, uma visão modesta,<br />
+Um sonho encantador, de paz e de ventura.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">É simples; uma alcôva, um berço, um innocente,</div>
+<div class="poetry">E uma esposa adorada, envolta, a negligente!<br />
+De um longo penteadôr na immaculada alvura...</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p99" id="p99">[99]</a></span>
+<h3>ODOR DI FEMINA</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<h5>A Alberto Pimentel</h5>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry1">Era austero e sizudo; não havia</div>
+<div class="poetry">Frade mais exemplar nesse convento;<br />
+No seu cavado rôsto macilento<br />
+Um poêma de lagrimas se lia.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Uma vez que na extensa livraria</div>
+<div class="poetry">Folheava o triste um livro pardacento,<br />
+Viram-no desmaiar, cahir do assento,<br />
+Convulso, e tôrvo sobre a lágea fria.</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[100]</span>
+<div class="poetry1">De que morrêra o venerando frade?</div>
+<div class="poetry">Em vão busco as origens da verdade,<br />
+Ninguem m'a disse, explique-a quem pudér.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Consta que um bibliophilo comprára</div>
+<div class="poetry">O livro estranho e que, ao abril-o, achára<br />
+Uns dourados cabellos de mulher...</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p101" id="p101">[101]</a></span>
+<h3>EM CAMINHO DA GUILHOTINA</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<h5>Á Senhora Condessa de Sabugoza</h5>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry1">A <em>viuva Capet</em> vae ser guilhotinada.</div>
+<br />
+<div class="poetry">Ora naquelle dia o povo de Pariz<br />
+Formidavel, brutal, colerico, feliz,<br />
+Erguera-se ao primeiro alvôr da madrugada.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">No caminho traçado ao funebre cortejo</div>
+<div class="poetry2">O povo redemoinha;</div>
+<div class="poetry">Que todos sentem n'alma o tragico desejo<br />
+De ver como Sansão degolla uma rainha.</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[102]</span>
+<div class="poetry1">Da carreta em redor ondeiam os soldados;</div>
+<div class="poetry2">De cima dos telhados</div>
+<div class="poetry">Da rua, dos portaes, dos muros, dos balcões<br />
+Chovem sobre a rainha as vis imprecações.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Ella comtudo altiva erecta e desdenhosa</div>
+<div class="poetry2">Olha tranquillamente</div>
+<div class="poetry">Para o revolto mar da plebe tumultuosa.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">E emquanto aquelle povo inquieto e repulsivo</div>
+<div class="poetry">Anceia por ouvir o grito convulsivo</div>
+<div class="poetry2">E o derradeiro arranco</div>
+<div class="poetry">D'essa mulher, e ri abominavelmente,<br />
+Um homem só, o algoz, vae triste e reverente.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Póde nascer ao pé da forca um lirio branco.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">A carreta parou. Desce a rainha. Nisto</div>
+<div class="poetry2">Viram-se uns braços nús</div>
+<div class="poetry">Erguerem para o ar, á flôr da multidão,<br />
+Uma loura creança, alegre como a luz,</div>
+<div class="poetry2">Suave como o Christo,</div>
+<div class="poetry">A quem talvez faltando em casa a enxerga e o pão,<br />
+A mãe quizera dar aquella distracção.</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[103]</span>
+<div class="poetry1">No primeiro degráu da escura guilhotina</div>
+<div class="poetry2">A rainha de França</div>
+<div class="poetry">Ergueu o olhar e viu essa gentil creança<br />
+Levar a mão á flôr da bôcca pequenina,<br />
+E atirar-lhe, a sorrir, um beijo doce e honesto...</div>
+<br />
+<div class="poetry1">E ella que fôra audaz, heroica e resoluta,</div>
+<div class="poetry">E ouvira, com desdem, da plebe a injuria bruta,<br />
+Ante a esmola infantil, graciosa, d'esse gesto,<br />
+Chorou.</div>
+<div class="poetry0">«Chorou, emfim! A infame succumbiu!»</div>
+<div class="poetry">De entre o povo uma voz selvatica rugiu.</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p104" id="p104">[104]</a></span>
+<h3>A VIUVA</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<h5>Á Senhora D. Margarida Street</h5>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry1">Fóra de portas vive. É silenciosa</div>
+<div class="poetry">A modesta vivenda em que ella habita,<br />
+Ali correu-lhe a vida bonançosa,<br />
+Ali golpeou-lhe os seios a desdíta.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Raro de quando em quando uma visita</div>
+<div class="poetry">Novas lhe traz da vida tumultuosa,<br />
+E ella sorrindo a furto, descuidosa,<br />
+No azul os olhos em silencio fita.</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[105]</span>
+<div class="poetry1">Sósinha e triste a pallida viuva,</div>
+<div class="poetry">Por essas noites de invernia e chuva,<br />
+A um honesto e feminil labor se entrega.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">E, alta noite, levanta, em dôr sepulta,</div>
+<div class="poetry">O olhar, que fixa, e demorado prega<br />
+No eterno Ausente que num quadro avulta.</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p106" id="p106">[106]</a></span>
+<h3>FLÔR DO PANTANO</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<h5>A Bulhão Pato</h5>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry">É pequenina e séria,</div>
+<div class="poetry0">E tem o gesto grave<br />
+Da filha de um burgrave,<br />
+A candida Valeria.</div>
+<br />
+<div class="poetry">Não ha flôr mais suave,</div>
+<div class="poetry0">De essencia mais ethérea,<br />
+E abriu-lhe a vida a chave<br />
+Do Vicio e da Miseria!</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[107]</span>
+<div class="poetry">Na sua loura côma</div>
+<div class="poetry0">Nunca passou o arôma<br />
+Dos beijos maternaes.</div>
+<br />
+<div class="poetry">Ó credula Ignorancia,</div>
+<div class="poetry0">Esconde áquella infancia<br />
+O nome vil dos paes!</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p108" id="p108">[108]</a></span>
+<h3>A RESPOSTA DO INQUISIDÔR</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<h5>A meu tio Luiz de Almeida e Albuquerque</h5>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<h5>I</h5>
+<br />
+<div class="poetry1">A sala em que medita El-Rey é silenciosa,</div>
+<div class="poetry">Apainelada e fria, o largo reposteiro<br />
+Ondula brandamente á aragem preguiçosa.</div>
+<br />
+<h5>II</h5>
+<br />
+<div class="poetry1">Á cathedra real um Christo sobranceiro</div>
+<div class="poetry">Mésto, livido, nú, ferido e ensanguentado<br />
+Exhala sobre o seio o alento derradeiro.</div>
+<br /><span class="pagenum">[109]</span>
+<h5>III</h5>
+<br />
+<div class="poetry1">El-Rey medita e scisma: o seu olhar turbado,</div>
+<div class="poetry">O seu obliquo olhar, o seu olhar de féra,<br />
+Vibra irrequieta luz, parece allucinado.</div>
+<br />
+<h5>IV</h5>
+<br />
+<div class="poetry1">Nisto á porta assomou a calva fronte austera</div>
+<div class="poetry">De um velho, e logo atraz um pagem que murmura:<br />
+«Eis o monge, Senhor, que Vossa Alteza espera!»</div>
+<br />
+<h5>V</h5>
+<br />
+<div class="poetry1">Curvára, ao entrar, o monge a tremula estatura:</div>
+<div class="poetry">Mãos dispostas em cruz no largo peito ancioso,<br />
+E humilhada a cerviz na ascetica postura.</div>
+<br />
+<h5>VI</h5>
+<br />
+<div class="poetry1">E comtudo esse frade humilde e respeitoso,</div>
+<div class="poetry">De olhos fitos no chão, tão fragil como um vime,<br />
+Na presença de um rei, de um Cesar poderoso,</div>
+<br />
+<h5>VII</h5>
+<br />
+<div class="poetry1">É fanatico e audaz; com mão de bronze opprime</div>
+<div class="poetry">O Solio, a Egreja, o Lar, e os corações dos crentes;<br />
+Flagella a sombra e o amôr, condemna a luz, e o crime!</div>
+<br /><span class="pagenum">[110]</span>
+<h5>VIII</h5>
+<br />
+<div class="poetry1">Quando elle vae passando, as timoratas gentes</div>
+<div class="poetry">Benzem-se com pavôr e param de improviso<br />
+As canções juvenis nas aleas rescendentes.</div>
+<br />
+<h5>IX</h5>
+<br />
+<div class="poetry1">Nunca nos labios seus florira o alegre riso,</div>
+<div class="poetry">Tem cem annos, jamais beijára uma creança,<br />
+E crê subir, talvez, morrendo, ao Paraizo!</div>
+<br />
+<h5>X</h5>
+<br />
+<div class="poetry1">Na Hespanha, no Perú, em Napoles, na França</div>
+<div class="poetry">Paira como o sinistro espirito do Mal,<br />
+O negro inquisidôr, feroz como a Vingança.</div>
+<br />
+<h5>XI</h5>
+<br />
+<div class="poetry1">Sisto quinto, o cruel, fizera-o cardeal,</div>
+<div class="poetry">E a Hespanha pôde ver com assombroso espanto<br />
+Juncto do rei-panthera o inquisidôr-chacal.</div>
+<br />
+<h5>XII</h5>
+<br />
+<div class="poetry1">E Philippe dizia ao monge no entretanto:</div>
+<div class="poetry">«Sentinella da Lei, piedoso inquisidôr,<br />
+«Tu que fallas com Deus e és padre, e és bom, e és sancto</div>
+<br /><span class="pagenum">[111]</span>
+<h5>XIII</h5>
+<br />
+<div class="poetry1">«Arranca-me este pezo, afasta-me este horrôr!</div>
+<div class="poetry">«Ah! diz'-me, cardeal, se é um vil, se é um precito<br />
+«O rei que é justo e mata o filho que é traidôr...»</div>
+<br />
+<h5>XIV</h5>
+<br />
+<div class="poetry1">E mais não disse o rei, tôrvo, sombrio e afflicto.</div>
+<div class="poetry">No emtanto o inquisidôr erguendo imperturbavel<br />
+O seu hediondo olhar das lageas de granito,</div>
+<br />
+<h5>XV</h5>
+<br />
+<div class="poetry1">Assim tornou com voz vibrante e formidavel:</div>
+<div class="poetry">&mdash;Ó principe, e apontava o livido Jesus,<br />
+&mdash;Para acalmar dos céus a colera implacavel</div>
+<br />
+<h5>XVI</h5>
+<br />
+<div class="poetry1">&mdash;O Eterno fez morrer seu filho numa cruz!&mdash;</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p112" id="p112">[112]</a></span>
+<h3>FERVET AMOR</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<h5>Ao dr. Antonio Candido</h5>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry1">Dá para a cêrca a estreita e humilde cella</div>
+<div class="poetry">D'essa que os seus abandonou, trocando<br />
+O calôr da familia ameno e brando<br />
+Pelo claustro que o sangue esfria e gela.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Nos florões manuelinos da janella</div>
+<div class="poetry">Papeiam aves o seu ninho armando,<br />
+Veêm-se ao longe os trigos ondulando...<br />
+Maio sorri na pradaria bella.</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[113]</span>
+<div class="poetry1">Zumbe o insecto na flôr do rosmaninho:</div>
+<div class="poetry">Nas giéstas pousa a abelha ébria de gôso:<br />
+Zunem bezouros e palpita o ninho.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">E a freira scisma e córa, ao vêr, ancioso,</div>
+<div class="poetry">Do seu cátre virgineo sobre o linho<br />
+Um par de borboletas amoroso.</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p114" id="p114">[114]</a></span>
+<h3>NA ALDEIA</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<h5>A Christovam Ayres</h5>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry1">Duas horas da tarde. Um sol ardente</div>
+<div class="poetry">Nos côlmos dardejando, e nos eirados.<br />
+Sobreleva aos sussurros abafados<br />
+O grito das bigornas estridente.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">A taberna é vazia; mansamente</div>
+<div class="poetry">Treme o loureiro nos humbraes pintados;<br />
+Zumbem á porta insectos variegados<br />
+Envolvidos do sol na luz tremente.</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[115]</span>
+<div class="poetry1">Fia á soleira uma velhinha: o filho</div>
+<div class="poetry">No céu mal acordou da aurora o brilho,<br />
+Sahiu para os cançaços da lavoura.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">A nóra lava na ribeira, e os netos</div>
+<div class="poetry">Ao longe correm semi-nús, inquietos,<br />
+No mar ondeante da seára loura.</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p116" id="p116">[116]</a></span>
+<h3>ESTUDANTINA</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry">Acorda, minha Thereza,</div>
+<div class="poetry0">Descerra a janella tua!<br />
+Espalha-se a luz da lua<br />
+Pela poetica deveza...<br />
+Entre os sinceiros da margem<br />
+Murmura o claro Mondego,<br />
+A noite corre em socêgo...<br />
+Acorda, minha Thereza!</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[117]</span>
+<div class="poetry">Não dorme quem tem amôres,</div>
+<div class="poetry0">E o teu postigo é cerrado!<br />
+Deixa o leito perfumado,<br />
+E o travesseiro de flôres,<br />
+Se queres que eu acredite,<br />
+Ó minha pallida amiga,<br />
+Nas palavras da cantiga:<br />
+«Não dorme quem tem amôres!»</div>
+<br />
+<div class="poetry">Por isso eu vélo cantando,</div>
+<div class="poetry0">E esta guitarra suspira,<br />
+E o meu coração delira<br />
+Mal vem a lua apontando...<br />
+É que, á noite, lirio branco,<br />
+Os astros guardam segredo<br />
+Dos beijos dados a medo...<br />
+Por isso eu vélo cantando...</div>
+<br />
+<div class="poetry">Quero vêr-te, como outrora</div>
+<div class="poetry0">Nesse postigo inclinada,<br />
+Conversando enamorada<br />
+Até ao raiar da aurora...<br />
+Um lenço posto no liso<br />
+Dos teus hombros jaspeados,<br />
+Os cabellos destrançados...<br />
+Quero vêr-te como outrora.</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[118]</span>
+<div class="poetry">Não te assustes, Julieta,</div>
+<div class="poetry0">Que a manhã te encontre ainda<br />
+Bebendo a canção infinda<br />
+Que soluça o teu poeta.<br />
+Cantará de entre os loureiros<br />
+Uma alegre cotovia,<br />
+Mal venha rompendo o dia...<br />
+Não te assustes, Julieta!</div>
+<br />
+<div class="poetry">Mas dorme a branca Thereza,</div>
+<div class="poetry0">Cerrada a janella sua;<br />
+Espalha-se a luz da lua<br />
+Pela poetica deveza...<br />
+Entre os sinceiros da margem,<br />
+Murmura e corre o Mondego,<br />
+Que tristeza e que socêgo!<br />
+Ai! dorme, dorme, Thereza!</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p119" id="p119">[119]</a></span>
+<h3>AS ONDINAS</h3>
+<br />
+<h5>H. HEINE</h5>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<h5>Ao Visconde de Castilho II</h5>
+<br />
+<div class="poetry1">Na praia tranquilla murmuram sonoras</div>
+<div class="poetry0">As ondas do mar.</div>
+<div class="poetry">E, ao dôce das aguas murmúrio palreiro,<br />
+Na areia dormita gentil cavalleiro</div>
+<div class="poetry0">Á luz do luar.</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[120]</span>
+<div class="poetry1">As bellas ondinas emergem das grutas</div>
+<div class="poetry0">De vivo coral,</div>
+<div class="poetry">Accórrem ligeiras, e apontam, sorrindo,<br />
+O moço que julgam devéras dormindo</div>
+<div class="poetry0">No argenteo areal.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Vem esta, e perpassa do gorro nas plumas</div>
+<div class="poetry0">As mãos de setim.</div>
+<div class="poetry">E aquella, com gesto divino, gracioso,<br />
+Nos ares levanta do joven formoso</div>
+<div class="poetry0">O aureo telim.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Ess'outra, que lavas, que fogo não vibram</div>
+<div class="poetry0">Seus olhos de anil!</div>
+<div class="poetry">Debruça-se e arranca-lhe a rútila espada,<br />
+Nos copos brilhantes se apoia azougada,</div>
+<div class="poetry0">Travessa e gentil.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">A quarta, saltando, retouça, lasciva,</div>
+<div class="poetry0">Do moço em redor;</div>
+<div class="poetry">Suspira mansinho, de manso murmúra:<br />
+«Podésse eu em vida gosar a ventura</div>
+<div class="poetry0">Do teu fino amôr!»</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[121]</span>
+<div class="poetry1">A quinta rebeija-lhe as mãos, enlevada</div>
+<div class="poetry0">Num sonho feliz,</div>
+<div class="poetry">E a sexta, com tremula e dôce esquivança,<br />
+Perfuma-lhe a bôcca, formosa creança!</div>
+<div class="poetry0">Com beijos subtis...</div>
+<br />
+<div class="poetry1">E o moço, fingindo que dorme tranquillo,</div>
+<div class="poetry0">Não quer acordar.</div>
+<div class="poetry">E deixa que o abracem as bellas Ondinas,<br />
+E languido gosa caricias divinas</div>
+<div class="poetry0">Á luz do luar...</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p122" id="p122">[122]</a></span>
+<h3>NO JOGO DAS CANNAS</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<h5>A Camillo Castello Branco</h5>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry1">Em garbosos corceis da Arabia cavalgando</div>
+<div class="poetry">Entram na larga arêna os próceres luzidos;<br />
+Corusca a pedraria, e esplendem, fluctuando,<br />
+Dos cocáres a pluma e a sêda dos vestidos.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">A quadrilha gentil dos Tavoras ardidos,</div>
+<div class="poetry">Com os lacaios da Tôrre um prélio simulando,<br />
+Terça galhardamente; o apparatoso bando<br />
+Deixa os olhos da turba em extase embebidos.</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[123]</span>
+<div class="poetry1">Nas janellas do paço é toda a fidalguia:</div>
+<div class="poetry">Que jocundo prazer, que risos, que alegria!<br />
+Espectaculo augusto, e nobre, e singular!</div>
+<br />
+<div class="poetry1">O sexto Affonso applaude: emtanto, maliciosa,</div>
+<div class="poetry">Maria de Nemours, sorrindo, a incestuosa!<br />
+No cunhado, subtil, poisa o lascivo olhar...</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p124" id="p124">[124]</a></span>
+<h3>NUNCA EU TE LÊSSE, BALLADA!</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry">Suspende a dura sentença</div>
+<div class="poetry0">Que de teus labios ouvi.<br />
+E ergue do chão os quebrados<br />
+Teus negros olhos magoados,<br />
+Quando me acerco de ti.</div>
+<br />
+<div class="poetry">Ergueste-os, encantadôra!</div>
+<div class="poetry0">Mas antes do teu perdão,<br />
+Attende-me, e ouve, senhora,<br />
+Com todo o teu coração.</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[125]</span>
+<div class="poetry">Escuta:</div>
+<div class="poetry2">«A um rei namorado</div>
+<div class="poetry0">«Sincera e fiel amante,<br />
+«Ao morrer, tinha deixado,<br />
+«De antigo affecto em penhor,<br />
+«Cinzelada taça de ouro<br />
+«Do mais subido valor.</div>
+<br />
+<div class="poetry">«O rei preferia a tudo</div>
+<div class="poetry0">«Aquella doce lembrança<br />
+«Que lhe trazia os arômas<br />
+«De umas fluctuantes cômas,<br />
+«E de uns labios de veludo,<br />
+«Que elle beijára em creança.</div>
+<br />
+<div class="poetry">«Toda a vez que elle bebia</div>
+<div class="poetry0">«Por esse vaso sagrado,<br />
+«Uma extatica alegria<br />
+«Como flôr ideal sorria<br />
+«No seu turvo olhar cançado.</div>
+<br />
+<div class="poetry">«Um dia sentiu-se o pobre</div>
+<div class="poetry0">«Mais triste, velho e abatido,<br />
+«Abraçou-se commovido<br />
+«Á taça, o tremulo amante:</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[126]</span>
+<div class="poetry">«E as lagrimas, uma a uma,</div>
+<div class="poetry0">«eslisaram nesse instante<br />
+«Nos rudes flócos de espuma<br />
+«Da longa barba fluctuante.</div>
+<br />
+<div class="poetry">quella hora de agonia,</div>
+<div class="poetry0">«Chamou seus filhos e herdeiro,<br />
+«Deu-lhes tudo o que possuia,<br />
+«Ouro, palacios, riquezas,<br />
+«O seu castello roqueiro,<br />
+«E as suas largas devezas.</div>
+<br />
+<div class="poetry">«Dividiu tudo, contente;</div>
+<div class="poetry0">«A taça guardou sómente.</div>
+<br />
+<div class="poetry">«Sentindo fugir-lhe a vida,</div>
+<div class="poetry0">«Manda o triste convidar<br />
+«Seus pares, filhos e herdeiro<br />
+«Para um festim derradeiro<br />
+«No castello sobranceiro<br />
+«Ás verdes aguas do mar...</div>
+<br />
+<div class="poetry">«Em meio da festa, o velho</div>
+<div class="poetry0">«Ergueu a taça e, sorrindo,</div>
+<span class="pagenum">[127]</span>
+<div class="poetry0">«Embebido o olhar no infindo,<br />
+«Um frouxo canto soltou...</div>
+<br />
+<div class="poetry">«E mal o canto findára,</div>
+<div class="poetry0">«No leito da onda amara<br />
+«A taça de ouro lançou...»</div>
+<br />
+<div class="poetry">Eram profundos ciumes</div>
+<div class="poetry0">Os d'esse rei namorado,<br />
+Que não fosse alguem beber<br />
+Por esse vaso sagrado,<br />
+E viesse a conhecer<br />
+Os cariciosos perfumes<br />
+Que o tinham embriagado...</div>
+<br />
+<div class="poetry">Hontem, á tarde, beijando-a</div>
+<div class="poetry0">De teu labio a viva rosa,<br />
+Lembrou-me a historia singela<br />
+D'essa ballada amorosa;<br />
+E dentro em mim de repente<br />
+Tam extranha dôr senti,<br />
+Que num impeto demente<br />
+De teu labio humido e ardente<br />
+Com tôrvo aspecto fugi!</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[128]</span>
+<div class="poetry">Lembrou-me, cabeça louca!</div>
+<div class="poetry0">Que se eu acaso morresse,<br />
+Talvez um outro sorvesse<br />
+Os beijos da tua bôcca...</div>
+<br />
+<div class="poetry">E no azul indefinido,</div>
+<div class="poetry0">Ó minha piedosa anémona!<br />
+Cuidei ouvir o gemido<br />
+Da moribunda Desdemona...</div>
+<br />
+<div class="poetry">Ai, desavisado amôr!</div>
+<div class="poetry0">Perdôa, sombra adorada!<br />
+Nunca eu te avistasse, flôr!<br />
+Nunca eu te lêsse, ballada!</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p129" id="p129">[129]</a></span>
+<h3>A NEGRA</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<h5>Ao dr. A. A. da Fonseca Pinto</h5>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry1">Teus olhos, ó robusta creatura,</div>
+<div class="poetry0">Ó filha tropical!</div>
+<div class="poetry">Relembram os pavôres de uma escura</div>
+<div class="poetry0">Floresta virginal.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">És negra sim, mas que formosos dentes,</div>
+<div class="poetry0">Que perolas sem par</div>
+<div class="poetry">Eu vejo e admiro em rubidos crescentes</div>
+<div class="poetry0">Se te escuto fallar!</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[130]</span>
+<div class="poetry1">Teu corpo é forte, elastico, nervoso.</div>
+<div class="poetry0">Que doce a ondulação</div>
+<div class="poetry">Do teu andar, que lembra o andar gracioso</div>
+<div class="poetry0">Das onças do sertão!</div>
+<br />
+<div class="poetry1">As languidas sinhás, gentis, mimosas,</div>
+<div class="poetry0">Desprezam tua côr,</div>
+<div class="poetry">Mas invejam-te as formas gloriosas</div>
+<div class="poetry0">E o olhar provocadôr.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Mas andas triste, inquieta e distrahida;</div>
+<div class="poetry0">Foges dos cafesaes,</div>
+<div class="poetry">E no escuro das mattas, escondida,</div>
+<div class="poetry0">Soltas magoados ais...</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Nas esteiras, á noite, o corpo estiras</div>
+<div class="poetry0">E, com ancias sem fim,</div>
+<div class="poetry">Levas aos seios nús, beijas e aspiras</div>
+<div class="poetry0">Um candido jasmim...</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Amas a lua que embranquece os mattos,</div>
+<div class="poetry0">Ó negra jurity!</div>
+<div class="poetry">A flôr da laranjeira, e os niveos cáctos</div>
+<div class="poetry0">E tens horrôr de ti!...</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[131]</span>
+<div class="poetry1">Amas tudo o que lembre o <em>branco</em>, o rosto</div>
+<div class="poetry0">Que viste por teu mal,</div>
+<div class="poetry">Um dia que sahias, ao sol pôsto,</div>
+<div class="poetry0">De um verde taquaral...</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p132" id="p132">[132]</a></span>
+<h3>MATER DOLOROSA</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<h5>A Rangel de Lima</h5>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry1">Quando se fez ao largo a nave escura</div>
+<div class="poetry">Na praia essa mulher ficou chorando,<br />
+No doloroso aspecto figurando<br />
+A lacrymosa estatua da amargura.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Dos céus a curva era tranquilla e pura:</div>
+<div class="poetry">Das gementes alcyones o bando<br />
+Via-se ao longe, em circulos, voando<br />
+Dos mares sobre a cérula planura.</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[133]</span>
+<div class="poetry1">Nas ondas se atufára o sol radioso,</div>
+<div class="poetry">E a lua succedêra, astro mavioso,<br />
+De alvôr banhando os alcantis das fragas...</div>
+<br />
+<div class="poetry1">E aquella pobre mãe, não dando conta</div>
+<div class="poetry">Que o sol morrêra, e que o luar desponta,<br />
+A vista embebe na amplidão das vagas...</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p134" id="p134">[134]</a></span>
+<h3>AS PRIMEIRAS LAGRIMAS DE EL-REY</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<h5>A M. Pinheiro Chagas</h5>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<h5>I</h5>
+<br />
+<div class="poetry1">O principe morrêra, e logo os cortezãos,</div>
+<div class="poetry">Em prantos derredor do mortuario leito,<br />
+Erguem a voz em grita aos ceus levando as mãos.</div>
+<br />
+<h5>II</h5>
+<br />
+<div class="poetry1">El-Rey, João segundo, a fronte sobre o peito,</div>
+<div class="poetry">Contempla dos brandões á luz ensanguentada<br />
+O filho, e a dôr lhe avinca o grave e duro aspeito.</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[135]</span>
+<h5>III</h5>
+<br />
+<div class="poetry1">E eis que, a um gesto do rei, a turba consternada</div>
+<div class="poetry">A pouco e pouco sáe, reina o silencio, apenas<br />
+Cortado pelo uivar longinquo da nortada.</div>
+<br />
+<h5>IV</h5>
+<br />
+<div class="poetry1">Sobre o filho curvado, immerso em cruas penas,</div>
+<div class="poetry">Aquelle rei sinistro, energico e tigrino,<br />
+Tinha na frouxa voz modulações serenas.</div>
+<br />
+<h5>V</h5>
+<br />
+<div class="poetry1">E o filho inerte e mudo! então num desatino</div>
+<div class="poetry">Deixou-se El-Rey caír, ao acaso, num escabêllo<br />
+E quedou-se a pensar no seu atroz destino.</div>
+<br />
+<h5>VI</h5>
+<br />
+<div class="poetry1">Um enorme, um confuso e bronzeo pesadêlo</div>
+<div class="poetry">Caíu-lhe sobre o enfêrmo espirito enluctado,<br />
+E o suor inundou-lhe as barbas e o cabello.</div>
+<br />
+<h5>VII</h5>
+<br />
+<div class="poetry1">Talvez que o triste visse, em sonho allucinado,</div>
+<div class="poetry">Do duque de Vizeu o espectro vingativo<br />
+Apontando-lhe, a rir, o Infante inanimado.</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[136]</span>
+<h5>VIII</h5>
+<br />
+<div class="poetry1">E escutasse a feroz imprecação que altivo</div>
+<div class="poetry">No cadafalso, outróra, o duque de Bragança<br />
+Ás faces lhe cuspiu com gesto convulsivo.</div>
+<br />
+<h5>IX</h5>
+<br />
+<div class="poetry1">Subito ergue-se o rei, e para o leito avança,</div>
+<div class="poetry">E uma lagrima então, embalde reprimida,<br />
+Das barbas lhe cahiu no rosto da creança...</div>
+<br />
+<h5>X</h5>
+<br />
+<div class="poetry1">A vez primeira foi que El-Rey chorou em vida.</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p137" id="p137">[137]</a></span>
+<h3>O CURA SANCTA CRUZ</h3>
+<br />
+<h5>CONTO DE A. DAUDET</h5>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<h5>Ao dr. Sousa Martins</h5>
+<br />
+<div class="poetry1">O implacavel carlista, o Cura Sancta Cruz,</div>
+<div class="poetry">Que em nome do seu rei, e em nome de Jesus,<br />
+Da Navarra febril leva do sul ao norte<br />
+O odio, a perseguição, o incendio, o estrago, a morte.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Nessa clara manhã risonha do Natal,</div>
+<div class="poetry">Tendo sobre o uniforme a veste clerical,<br />
+Na montanha, ao ar livre, á luz do sol, diz missa<br />
+Á guerrilha que o escuta extatica e submissa.</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[138]</span>
+<div class="poetry1">Como um rebanho vil, a um lado, os prisioneiros</div>
+<div class="poetry">Ouvem-no, a tiritar, cheios de um medo atroz:<br />
+Olham-se mutuamente os tôrvos companheiros,<br />
+E murmuram: «meu Deus, o que será de nós?»</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Porque emfim toda a vez que o sanguinario Cura</div>
+<div class="poetry">Se volta, e o <em>oremus</em> diz, segundo o ritual,<br />
+Da sacra vestimenta avultam na brancura<br />
+De pistolas um jogo e a fórma de um punhal.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Quando afinal chegou o instante, a occasião</div>
+<div class="poetry">Em que a missa termina, o Cura, erguendo um braço,<br />
+Grave traçou no ar e na mudez do espaço<br />
+O clemente signal da paz e do perdão.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">A missa terminára.</div>
+<br />
+<div class="poetry2">O Cura nesse dia</div>
+<div class="poetry1">Como sentisse n'alma uns raios de alegria,</div>
+<div class="poetry">De bondade e de amor, foi-se direito ao bando<br />
+Dos captivos, e assim fallou circumvagando<br />
+A vista em derredor: «<em>Hermanos, viva Dios!</em></div>
+<br />
+<span class="pagenum">[139]</span>
+<div class="poetry1">«Corre ahi que sou máu, fanatico e feroz...</div>
+<div class="poetry">«Pois em breve ides ver como se engana, quem<br />
+«Diz que eu sou o anti-Christo e que abomino o bem.<br />
+«Como é dia de festa e é dia de Natal,<br />
+«Dou-vos a liberdade, e não vos quero mal!</div>
+<br />
+<div class="poetry1">«Mas haveis de primeiro, e isto, prompto e sem custo</div>
+<div class="poetry">De joelhos beijar o pavilhão augusto<br />
+De El-Rey nosso senhor...»</div>
+<div class="poetry3">E mandou desfraldar</div>
+<div class="poetry">O carlista pendão, branco como o luar...</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Todos logo á porfia atiram-se por terra</div>
+<div class="poetry">E um grito: Viva El-Rey! echoou de serra em serra.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">No emtanto um prisioneiro, um moço imberbe ainda,</div>
+<div class="poetry">Firme ficou de pé, e olhava com infinda<br />
+Expressão de desdem a extranha vilania...<br />
+Braços postos em cruz, e intrepido sorria.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">«E tu?» surprezo disse e transtornado o Cura.</div>
+<div class="poetry">&mdash;Padre, volveu-lhe o esbelto joven, com brandura,<br />
+&mdash;Mata-me! aqui me tens! rio-me d'esse panno!<br />
+&mdash;Ao teu rei não me curvo... Eu sou republicano...&mdash;</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[140]</span>
+<div class="poetry1">O Cura um acêno fez; formou-se um pelotão:</div>
+<div class="poetry0">«Vamos! inda uma vez, viva D. Carlos!»</div>
+<br />
+<div class="poetry4">&mdash;Não!&mdash;</div>
+<br />
+<div class="poetry1">E havia nessa voz tamanha heroicidade</div>
+<div class="poetry">E uma energia tal, que uns longes de piedade<br />
+Scintillaram no olhar do tôrvo guerrilheiro.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">«Muito bem, morrerás: mas dize-me primeiro,</div>
+<div class="poetry">«O que desejas tu? Queres beber, fumar?...</div>
+<br />
+<div class="poetry1">&mdash;Padre, se vou morrer, quero-me confessar...</div>
+<div class="poetry">«Ouvir-te-hei!» disse o Cura, e, ao acaso, num granito<br />
+Assentou-se.</div>
+<br />
+<div class="poetry0">O captivo, olhos no chão, contrito</div>
+<div class="poetry">Os joelhos dobrou... Nesse fugaz instante<br />
+Elle viu, elle viu, num sonho lacrymante,<br />
+A sua infancia, o lar, o tecto de seus paes,<br />
+Os choupos do seu rio, os placidos casáes:<br />
+Viu a noiva gentil, a egreja, os arvoredos<br />
+E os parentes e irmãos, socios de seus brinquedos.</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[141]</span>
+<div class="poetry1">Ah! quem póde esquecer o seu paiz natal!<br />
+Ah! quem póde esquecer a benção maternal!</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Em distancia a guerrilha os dous observa... Então</div>
+<div class="poetry">Emquanto o padre escuta attento o prisioneiro,<br />
+Subito uma descarga estoira na amplidão.<br />
+Tremem a serra e o val, treme o desfiladeiro.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">«Ás armas! o inimigo!» a sentinella brada.</div>
+<div class="poetry">De golpe ergue-se o Cura, e á jóldra amotinada<br />
+Vôa, dá ordens, clama, emquanto as balas chovem.</div>
+<div class="poetry1">Nisto viu que inda estava ajoelhado o joven!<br />
+Pára.</div>
+<div class="poetry0">«Que fazes tu?» indaga em tom severo</div>
+<div class="poetry">&mdash;Padre, diz a creança, a absolvição espero&mdash;</div>
+<br />
+<div class="poetry1">E em meio da febril convulsão da batalha,</div>
+<div class="poetry">Emquanto rompe e rasga os ares a metralha,<br />
+Viu-se o Cura depois de abençoar, ligeiro,<br />
+A fronte juvenil do heroico prisioneiro,<br />
+Pegar de uma clavina, e dando um passo ao lado,<br />
+Varar tranquillamente o craneo do soldado.</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p142" id="p142">[142]</a></span>
+<h3>A VENDA DOS BOIS</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<h5>Ao dr. J. de Vasconcellos Gusmão</h5>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<h5>I</h5>
+<br />
+<div class="poetry1">O velho entrára triste: ao pé, juncto do lar,</div>
+<div class="poetry">Estava a companheira, absôrta, a meditar.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">&mdash;Mulher, a fé perdi, fallei a toda a gente,</div>
+<div class="poetry">E ninguem me valeu!&mdash;E ella com voz tremente:</div>
+<div class="poetry0">«Dize-me, e o brazileiro?»<br />
+&mdash;Esse foi o primeiro.</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[143]</span>
+<div class="poetry1">&mdash;Batí, fui ter com elle á casa do jantar.</div>
+<div class="poetry">Expliquei-lhe ao que vinha... entrou a gracejar:<br />
+«Com que então você quer <em>livrar</em> o seu rapaz?...</div>
+<div class="poetry0">«Visinho, tão mal faz!</div>
+<div class="poetry">«Deixe-me ir cada qual á sorte e ao seu destino!<br />
+«Seu filho é um mocetão valente e muito digno<br />
+«De servir o paiz...»</div>
+<br />
+<div class="poetry2">&mdash;E descascava um fructo...</div>
+<div class="poetry">&mdash;Desatei a chorar... «&mdash;Homem não seja bruto!<br />
+A farda não é morte...»</div>
+<div class="poetry3">&mdash;E disse mais e mais</div>
+<div class="poetry">&mdash;Cousas de quem não sabe a dôr de uns tristes paes!</div>
+<br />
+<div class="poetry1">E emquanto o velho punha a vista lacrymosa</div>
+<div class="poetry">Nos brazidos, a voz da mãe afflicta e anciosa<br />
+Perguntou: «e o prior?»</div>
+<div class="poetry2">&mdash;Negou, negou tambem!&mdash;</div>
+<div class="poetry0">A angustiada mãe</div>
+<div class="poetry">Retorcia o avental com mão febril, ardente.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">No silencio da noite então distinctamente,</div>
+<div class="poetry0">Um profundo mugido,<br />
+Triste como um gemido,</div>
+<div class="poetry">Longo e longo chorou no lugubre aposento...</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[144]</span>
+<div class="poetry0">Entreolharam-se os dois...</div>
+<div class="poetry1">Nisto acóde á mulher um estranho pensamento...</div>
+<div class="poetry0">«Temos ainda os bois!</div>
+<div class="poetry">Vendamol-os!» E ria...</div>
+<div class="poetry2">O entristecido olhar</div>
+<div class="poetry">Do velho lavrador de lagrymas nublou-se.</div>
+<div class="poetry0">E entrou a suspirar:<br />
+&mdash;Vender os infelizes!</div>
+<div class="poetry">&mdash;Uns pobres animaes, a quem só mingoa a fala<br />
+&mdash;Para serem Christãos! Parece que me estala<br />
+&mdash;No peito o coração... Vender os infelizes!...<br />
+&mdash;Pois seja assim, mulher! Farei o que tu dizes...</div>
+<br />
+<h5>II</h5>
+<br />
+<div class="poetry2">Vinha rompendo a aurora</div>
+<div class="poetry">Risonha, virginal, feliz como um noivado,<br />
+Das aves á compita o tremulo trinado<br />
+Entre as balsas gorgeava. Era em descanço a nóra.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">No emtanto o lavrador, tremente e vacillante</div>
+<div class="poetry">Como um ladrão nocturno, ou como um namorado,<br />
+Abriu, de par em par, as portas do curral.</div>
+<div class="poetry2">Subito nesse instante</div>
+<div class="poetry">Volveram para a entrada os bois o olhar leal,</div>
+<div class="poetry2">Bondoso, humano e franco.</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[145]</span>
+<div class="poetry2">Que festiva alegria</div>
+<div class="poetry">O frequente menear das caudas traduzia<br />
+Resvalando em seu forte e musculoso flanco!</div>
+<br />
+<div class="poetry2">O velho antigamente</div>
+<div class="poetry">Tinha sempre, ao chegar, uma palavra amiga,</div>
+<div class="poetry2">Um dicto, uma cantiga,</div>
+<div class="poetry">A que sempre um mugido alegre respondia.<br />
+Mas naquella manhã, silenciosamente,</div>
+<div class="poetry2">Fatal como o dever</div>
+<div class="poetry">O velho foi buscar, a um canto, uma correia,</div>
+<div class="poetry2">E lançou-a a tremer</div>
+<div class="poetry">Dos anafados bois ás pontas recurvadas.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">E sahiram os tres.</div>
+<div class="poetry3">Nos concavos da aldeia</div>
+<div class="poetry">Choviam as canções das aves namoradas.</div>
+<br />
+<h5>III</h5>
+<br />
+<div class="poetry1">No cáes ha o moirejar das fabricas ruidoso;</div>
+<div class="poetry2">Feroz e discordante</div>
+<div class="poetry">Juncta-se á voz humana o arfar estrepitante<br />
+Dos valentes pulmões das machinas inglezas.</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[146]</span>
+<div class="poetry2">Em novellos, ancioso,</div>
+<div class="poetry">Golpham as chaminés o denso e o escuro fumo</div>
+<div class="poetry2">Que ascende e toma o rumo</div>
+<div class="poetry">Do claro e vasto azul, vazio de tristezas.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Como um cetáceo ingente, encarvoado e feio</div>
+<div class="poetry2">Um enorme Vapôr<br />
+De outros avulta em meio.</div>
+<div class="poetry">Em seu largo convez a marinhagem canta<br />
+E na faina febril as ancoras levanta.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Naquella espessa náu, um velho, um lavradôr</div>
+<div class="poetry">Entre a faina do cáes, fita o dolente olhar...<br />
+É que ali dentro vão os bois, o seu amôr...</div>
+<div class="poetry2">E áquella magoa intensa<br />
+E inenarravel dôr</div>
+<div class="poetry">Responde a descuidosa e gelida indifferença<br />
+Dos Homens, e dos Céus, e do profundo Mar...</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p147" id="p147">[147]</a></span>
+<h3>AO RABEQUISTA<br />
+EUGENIO DEGREMONT</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<h5>Recitada na noite de 25 de fevereiro de 1876<br />
+no theatro de S. João do Porto<br /></h5>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<div class="poetry1">Vêde-o! É tão creança! ó mães, olhae-o!</div>
+<div class="poetry">Como é vivo o fulgor e ardente o raio</div>
+<div class="poetry2">Que vibra nesse olhar!</div>
+<div class="poetry">Faz gosto vel-o assim tão pequenino<br />
+Enlevado nos sons do violino</div>
+<div class="poetry2">A sonhar, a sonhar...</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[148]</span>
+<div class="poetry1">E ao passo que a sua alma vae sonhando,</div>
+<div class="poetry">Vão-se ante nossos olhos desdobrando</div>
+<div class="poetry2">Quadros a mil e mil.</div>
+<div class="poetry">A rabeca suspira? Assim amenas<br />
+São na longinqua roça as cantilenas</div>
+<div class="poetry2">Das moças do Brazil.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Vibra rispidos sons? E logo ouvimos</div>
+<div class="poetry">Curvar o vento da floresta os cimos</div>
+<div class="poetry2">Com ruidoso fragôr...</div>
+<div class="poetry">E uivam pintadas onças e as araras<br />
+Roçam, fugindo, as tremulas taquaras,</div>
+<div class="poetry2">E crocita o condôr.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Enterrados nas humidas pastagens</div>
+<div class="poetry">Mugem raivosos bufalos selvagens,</div>
+<div class="poetry2">E por entre os sarçaes</div>
+<div class="poetry">Pula a panthera; os jacarés astutos<br />
+Choram, fingindo lacrymosos lutos</div>
+<div class="poetry2">Nos fulvos areaes.</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[149]</span>
+<div class="poetry1">Soluçou a rabeca? Ouvi, formosas,</div>
+<div class="poetry">São os negros soltando as lastimosas</div>
+<div class="poetry2">Canções do seu paiz;</div>
+<div class="poetry">Sem familia, sem patria, sem amôres,<br />
+Ninguem mitiga o fel daquellas dôres,</div>
+<div class="poetry2">Triste raça infeliz!</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Agora, como em namorado anceio,</div>
+<div class="poetry">Sae da rabeca um languido gorgeio</div>
+<div class="poetry2">Que enleva o coração.</div>
+<div class="poetry">E a saudade repinta-nos ao vivo<br />
+Dos sabiás o cantico lascivo</div>
+<div class="poetry2">Nas sombras do sertão.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Tudo isso e mais eu vejo, admiro e escuto,</div>
+<div class="poetry">Com meu olhar de prantos não enxuto,</div>
+<div class="poetry2">Ó creança gentil,</div>
+<div class="poetry">Que em vez de perseguir as borboletas<br />
+Vens batalhar no meio dos atletas</div>
+<div class="poetry2">E honrar o teu Brazil!</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[150]</span>
+<div class="poetry1">Não presumas, porém, prodigio das creanças!</div>
+<div class="poetry">Que basta o fogo, o estro, a viva inspiração;<br />
+É mister trabalhar, sem isso nada alcanças;<br />
+A gloria chamarás, ser-te-ha o appello em vão.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Pois que! tu cuidarás, creança, porventura</div>
+<div class="poetry">Que sem luctar, soffrer, sem horridos tormentos<br />
+O artista poderia erguer aos quatro ventos<br />
+A Epopêa, o Drama, a Estatua, a Partitura?</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Vamos, trabalha pois ó meu precoce artista,</div>
+<div class="poetry">Dos precipicios ri, vinga-me o barrocal!<br />
+Para o profundo azul estende a larga vista.<br />
+Eis-te nos alcantis! Eleva-te ao ideal!</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p151" id="p151">[151]</a></span>
+<h3>AS VELHAS NEGRAS</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<h5>A M.<sup>me</sup> Aline de Gusmão</h5>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<div class="poetry">As velhas negras, coitadas,</div>
+<div class="poetry0">Ao longe estam assentadas<br />
+Do batuque folgasão.<br />
+Pulam creoulas faceiras<br />
+Em derredor das fogueiras<br />
+E das pipas de alcatrão.</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[152]</span>
+<div class="poetry">Na floresta rumorosa</div>
+<div class="poetry0">Esparge a lua formosa<br />
+A clara luz tropical.<br />
+Tremeluzem pyrilampos<br />
+No verde-escuro dos campos<br />
+E nos concavos do val.</div>
+<br />
+<div class="poetry">Que noite de paz! que noite!</div>
+<div class="poetry0">Não se ouve o estalar do açoite,<br />
+Nem as pragas do feitor!<br />
+E as pobres negras, coitadas,<br />
+Pendem as frontes cançadas<br />
+Num lethargico torpôr!</div>
+<br />
+<div class="poetry">E scismam: outrora, e d'antes</div>
+<div class="poetry0">Havia tambem descantes,<br />
+E o tempo era tam feliz!<br />
+Ai! que profunda saudade<br />
+Da vida, da mocidade<br />
+Nas mattas do seu paiz!</div>
+<br />
+<div class="poetry">E ante o seu olhar vazio</div>
+<div class="poetry0">De esperanças, frio, frio<br />
+Como um véu de viuvez,</div>
+<span class="pagenum">[153]</span>
+<div class="poetry0">Resurge e chora o passado<br />
+&mdash;Pobre ninho abandonado<br />
+Que a neve alagou, desfez...&mdash;</div>
+<br />
+<div class="poetry">E pensam nos seus amôres</div>
+<div class="poetry0">Ephemeros como as flôres<br />
+Que o sol queima no sertão...<br />
+Os filhos, quando crescidos,<br />
+Foram levados, vendidos,<br />
+E ninguem sabe onde estão.</div>
+<br />
+<div class="poetry">Conheceram muito dono:</div>
+<div class="poetry0">Embalaram tanto somno<br />
+De tanta sinhá gentil!<br />
+Foram mucambas amadas,<br />
+E agora inuteis, curvadas,<br />
+Numa velhice imbecil!</div>
+<br />
+<div class="poetry">No emtanto o luar de prata</div>
+<div class="poetry0">Envolve a collina e a matta<br />
+E os cafesáes em redor!<br />
+E os negros, mostrando os dentes,<br />
+Saltam lepidos, contentes,<br />
+No batuque estrugidor.</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[154]</span>
+<div class="poetry">No espaçoso e amplo terreiro</div>
+<div class="poetry0">A filha do Fazendeiro,<br />
+A sinhá sentimental,<br />
+Ouve um primo recem-vindo,<br />
+Que lhe narra o poema infindo<br />
+Das noites de Portugal.</div>
+<br />
+<div class="poetry">E ella avista, entre sorrisos,</div>
+<div class="poetry0">De uns longinquos paraisos<br />
+A tentadôra visão...<br />
+No emtanto as velhas, coitadas,<br />
+Scismam ao longe assentadas<br />
+Do batuque folgasão...</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p155" id="p155">[155]</a></span>
+<h3>O RELOGIO</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<h5>No album de Eduardo Burnay</h5>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<div class="poetry1">Eburneo é o mostradôr: as horas são de prata,</div>
+<div class="poetry">Lê-se a firma Breguet por baixo do gracioso<br />
+Rendilhado ponteiro; a tampa é enorme e chata:<br />
+Nella o esmalte produz um quadro delicioso.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Rapara: eis um salão: casquilho malicioso</div>
+<div class="poetry">Das festas cortesãs o mimo a flôr, a nata,<br />
+Juncto a um cravo sonoro a alegre voz desata.<br />
+Uma fidalga o escuta ebria de amôr e gôso.</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[156]</span>
+<div class="poetry1">Rasga-se ampla a janella: ao longe o olhar descobre</div>
+<div class="poetry">O correcto jardim e o parque extenso e nobre.<br />
+As nuvens no alto céu fluctuam como espumas,</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Da paizagem no fundo, em lago transparente,</div>
+<div class="poetry">Onde se espelha o azul e o laranjal frondente,<br />
+Um cysne á luz do sol estende as niveas plumas.</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p157" id="p157">[157]</a></span>
+<h3>A MORTE DE D. QUICHOTE</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<h5>Ao Conde de Sabugosa</h5>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<div class="poetry1">Rôto o escudo, sem lança, a cóta escalavrada,</div>
+<div class="poetry">Sósinho, abandonado e á tôa como um cego,<br />
+Do crepusculo á luz dolente e immaculada<br />
+Entra na sua aldeia o altivo heroe Manchego.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">O tenue fumo sáe do côlmo das herdades,</div>
+<div class="poetry">Riem ao pé da fonte as frescas raparigas,<br />
+E á clara vibração sonora das trindades<br />
+Junctam-se brandamente as vozes e as cantigas.</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[158]</span>
+<div class="poetry1">E o audaz Campeador, o Justiceiro, o Forte,</div>
+<div class="poetry">Que andára pelo mundo a combater os máus,<br />
+Defendendo a Mulher, desafiando a Morte,<br />
+Do paterno casal sentou-se nos degráus.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Nos joelhos fincando o cotovêlo agudo</div>
+<div class="poetry">E no punho cerrado a fronte reclinando,<br />
+Quedou-se largo espaço, illacrymavel, mudo,<br />
+Para o inutil passado os olhos alongando...</div>
+<br />
+<div class="poetry1">E ali, na dôce paz da sua alegre aldeia,</div>
+<div class="poetry">Sentiu que o avassallava uma tristeza infinda,<br />
+Quando esta voz se ouviu: «morreu-te a Dulcinêa,<br />
+Missionario do Bem, tua missão é finda!»</div>
+<br />
+<div class="poetry1">E elle a ouvir e a scismar! A trefega sobrinha</div>
+<div class="poetry">Beija-o, falla-lhe, ri, abraça-o, mas o Heróe<br />
+Dest'arte lhe volveu «A morte se avisinha,<br />
+Levae-me para o leito!» E ouvil-o pena e dóe.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Do leito á cabeceira o Bacharel e o Cura</div>
+<div class="poetry">Tentam resuscitar-lhe os sonhos e as chymeras;<br />
+Pintam-lhe o negro Mal triumphante, ó amargura!<br />
+O fraco aos pés do forte, o bom lançado ás féras...</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[159]</span>
+<div class="poetry1">Contam-lhe o frio horror dos carceres sem luz.</div>
+<div class="poetry">Que nas tôrres feudaes pompeava o velho Crime.<br />
+Que os crescentes do Islam tinham vencido a Cruz,<br />
+Que a Injustiça era a Lei... Então feroz, sublime.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Inquieto, semi-nú, sinistro, o cavalleiro</div>
+<div class="poetry">Bradou como um trovão: «Enverguem-me a loriga!<br />
+«Sellem-me o Rocinante, ó Sancho, ó escudeiro,<br />
+«Traze-me a lança, présto! e a minha espada amiga!»</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Tinha em brazas o olhar, e truculento o aspeito,</div>
+<div class="poetry">E vibrava em redôr a imaginaria lança...<br />
+Logo depois cahiu do respaldar do leito,<br />
+Morto: tendo no labio um riso de creança!</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<h2>INDICE</h2>
+<br />
+<br />
+<br />
+<table style="width: 80%; text-align: left; margin-left: auto; margin-right: auto;" border="0" cellpadding="4" cellspacing="4">
+ <tbody>
+ <tr>
+ <td style="width: 80%;">A minha mulher</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p1">1</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>Confidenza</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p3">3</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>O velhinho</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p8">8</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>Animal bravio</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p10">10</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>Ad agros</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p12">12</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>A nuvem</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p14">14</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>O juramento do arabe</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p16">16</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>Num leque</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p19">19</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>Olhos de Judia</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p20">20</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>Numeros do Intermezzo:</td>
+ <td></td>
+ </tr>
+ </tbody>
+</table>
+<span class="pagenum">[162]</span>
+<table style="width: 80%; text-align: left; margin-left: auto; margin-right: auto;" border="0" cellpadding="4" cellspacing="4">
+ <tbody>
+ <tr>
+ <td style="width: 3%;"></td>
+ <td>I</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p24">24</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td></td>
+ <td>II</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p25">25</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td></td>
+ <td>III</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p26">26</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td></td>
+ <td>IV</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p28">28</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td></td>
+ <td>V</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p29">29</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td></td>
+ <td>VI</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p30">30</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td></td>
+ <td>VII</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p32">32</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td></td>
+ <td>VIII</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p34">34</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td></td>
+ <td>IX</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p36">36</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td></td>
+ <td>X</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p38">38</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td></td>
+ <td>XI</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p40">40</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td></td>
+ <td>XII</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p42">42</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td></td>
+ <td>XIII</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p44">44</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td></td>
+ <td>XIV</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p46">46</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td></td>
+ <td>XV</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p47">47</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td></td>
+ <td>XVI</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p48">48</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td></td>
+ <td>XVII</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p50">50</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td></td>
+ <td>XVIII</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p52">52</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td></td>
+ <td>XIX</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p54">54</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td></td>
+ <td>XX</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p55">55</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td></td>
+ <td>XXI</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p56">56</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td></td>
+ <td>XXII</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p58">58</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td></td>
+ <td>XXIII</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p60">60</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td></td>
+ <td>XXIV</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p62">62</a></td>
+ </tr>
+ </tbody>
+</table>
+<table style="width: 80%; text-align: left; margin-left: auto; margin-right: auto;" border="0" cellpadding="4" cellspacing="4">
+ <tbody>
+ <tr>
+ <td style="width: 80%;">O minuête</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p65">65</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>O coveiro</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p70">70</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>Adeus!</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p72">72</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>Camoneana:</td>
+ </tr>
+ </tbody>
+</table>
+<span class="pagenum">[163]</span>
+<table style="width: 80%; text-align: left; margin-left: auto; margin-right: auto;" border="0" cellpadding="4" cellspacing="4">
+ <tbody>
+ <tr>
+ <td style="width: 3%;"></td>
+ <td>A egreja das Chagas</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p76">76</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td></td>
+ <td>A leitura dos Lusiadas</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p78">78</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td></td>
+ <td>Annos depois</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p80">80</a></td>
+ </tr>
+ </tbody>
+</table>
+<table style="width: 80%; text-align: left; margin-left: auto; margin-right: auto;" border="0" cellpadding="4" cellspacing="4">
+ <tbody>
+ <tr>
+ <td style="width: 80%;">Esphynge</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p83">83</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>A ceia de Tiberio</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p85">85</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>Trio de poetas:</td>
+ </tr>
+ </tbody>
+</table>
+<table style="width: 80%; text-align: left; margin-left: auto; margin-right: auto;" border="0" cellpadding="4" cellspacing="4">
+ <tbody>
+ <tr>
+ <td style="width: 3%;"></td>
+ <td>João de Lemos</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p90">90</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td></td>
+ <td>João de Deus</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p92">92</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td></td>
+ <td>João Penha</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p94">94</a></td>
+ </tr>
+ </tbody>
+</table>
+<table style="width: 80%; text-align: left; margin-left: auto; margin-right: auto;" border="0" cellpadding="4" cellspacing="4">
+ <tbody>
+ <tr>
+ <td style="width: 80%;">Chymeras</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p97">97</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>Odor di femina</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p99">99</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>Em caminho da guilhotina</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p101">101</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>A viuva</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p104">104</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>Flôr do pantano</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p106">106</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>A resposta do inquisidôr</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p108">108</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>Fervet amor</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p112">112</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>Na aldeia</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p114">114</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>Estudantina</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p116">116</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>As Ondinas</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p119">119</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>No jogo das cannas</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p122">122</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>Nunca eu te lêsse, ballada</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p124">124</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>A negra</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p129">129</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>Mater dolorosa</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p132">132</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>As primeiras lagrimas de El-Rey</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p134">134</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>O Cura Sancta Cruz</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p137">137</a></td>
+ </tr>
+ </tbody>
+</table>
+<span class="pagenum">[164]</span>
+<table style="width: 80%; text-align: left; margin-left: auto; margin-right: auto;" border="0" cellpadding="4" cellspacing="4">
+ <tbody>
+ <tr>
+ <td style="width: 80%;">A venda dos bois</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p142">142</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>Ao rabequista Eugenio Degremont</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p147">147</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>As velhas negras</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p151">151</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>O relogio</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p155">155</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>A morte de D. Quichote</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p157">157</a></td>
+ </tr>
+ </tbody>
+</table>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<h4>TERMINOU-SE A IMPRESSÃO<br />
+<br />
+<br />
+NOS PRELOS DA</h4>
+<br />
+<h3>IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA</h3>
+<br />
+<h4>a 6 de março de 1882</h4>
+<br />
+<img src="images/fig02.png" width="100" height="131" alt="" class="center" />
+<br />
+<br />
+<h4><em>18, Rua Oriental do Passeio</em><br />
+LISBOA</h4>
+<br />
+<br />
+<div class="fbox">
+<h2>Lista de erros corrigidos</h2>
+
+<div style="text-align: center;">Aqui encontram-se
+listados todos os erros encontrados e corrigidos:</div>
+<br />
+<br />
+<table style="width: 80%; text-align: left; margin-left: auto; margin-right: auto;" border="0" cellpadding="4" cellspacing="4">
+
+ <tbody>
+
+ <tr align="right">
+
+ <td style="width: 61px;"></td>
+
+ <td style="font-weight: bold; text-align: center; width: 121px;">Original</td>
+
+ <td style="text-align: center; width: 5px;"></td>
+
+ <td style="font-weight: bold; text-align: center; width: 135px;">Correcção</td>
+
+ </tr>
+
+ <tr>
+
+ <td style="text-align: right;"><a name="e1" id="e1"></a><a href="#p30">#pág.
+30</a></td>
+ <td style="text-align: center;">V</td>
+ <td style="text-align: center;">...</td>
+ <td style="text-align: center;">VI</td>
+
+ </tr>
+ <tr>
+
+ <td style="text-align: right;"><a name="e2" id="e2"></a><a href="#p50">#pág.
+50</a></td>
+ <td style="text-align: center;">XVI</td>
+ <td style="text-align: center;">...</td>
+ <td style="text-align: center;">XVII</td>
+
+ </tr>
+ </tbody>
+</table>
+<br />
+<div style="text-align: center;">Identificámos a duplicação de títulos em numeração romana.<br />
+Rectificámos mantendo a ordenação crescente, nomeadamente nos casos referidos acima.<br />
+</div>
+<br /></div>
+</div>
+
+<div>*** END OF THE PROJECT GUTENBERG EBOOK 44211 ***</div>
+</body>
+</html>
diff --git a/44211-h/images/fig01.png b/44211-h/images/fig01.png
new file mode 100644
index 0000000..298bd5c
--- /dev/null
+++ b/44211-h/images/fig01.png
Binary files differ
diff --git a/44211-h/images/fig02.png b/44211-h/images/fig02.png
new file mode 100644
index 0000000..855b1e8
--- /dev/null
+++ b/44211-h/images/fig02.png
Binary files differ
diff --git a/LICENSE.txt b/LICENSE.txt
new file mode 100644
index 0000000..6312041
--- /dev/null
+++ b/LICENSE.txt
@@ -0,0 +1,11 @@
+This eBook, including all associated images, markup, improvements,
+metadata, and any other content or labor, has been confirmed to be
+in the PUBLIC DOMAIN IN THE UNITED STATES.
+
+Procedures for determining public domain status are described in
+the "Copyright How-To" at https://www.gutenberg.org.
+
+No investigation has been made concerning possible copyrights in
+jurisdictions other than the United States. Anyone seeking to utilize
+this eBook outside of the United States should confirm copyright
+status under the laws that apply to them.
diff --git a/README.md b/README.md
new file mode 100644
index 0000000..465ccdd
--- /dev/null
+++ b/README.md
@@ -0,0 +1,2 @@
+Project Gutenberg (https://www.gutenberg.org) public repository for
+eBook #44211 (https://www.gutenberg.org/ebooks/44211)
diff --git a/old/44211-8.txt b/old/44211-8.txt
new file mode 100644
index 0000000..486fdd3
--- /dev/null
+++ b/old/44211-8.txt
@@ -0,0 +1,2983 @@
+The Project Gutenberg EBook of Nocturnos, by Gonalves Crespo
+
+This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with
+almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or
+re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included
+with this eBook or online at www.gutenberg.org/license
+
+
+Title: Nocturnos
+
+Author: Gonalves Crespo
+
+Release Date: November 17, 2013 [EBook #44211]
+
+Language: Portuguese
+
+Character set encoding: ISO-8859-1
+
+*** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK NOCTURNOS ***
+
+
+
+
+Produced by Rita Farinha and the Online Distributed
+Proofreading Team at http://www.pgdp.net (This file was
+produced from images generously made available by National
+Library of Portugal (Biblioteca Nacional de Portugal).)
+
+
+
+
+
+ *Nota de editor:* Devido existncia de erros tipogrficos neste
+ texto, foram tomadas vrias decises quanto verso final. Em caso
+ de dvida, a grafia foi mantida de acordo com o original. No final
+ deste livro encontrar a lista de erros corrigidos.
+
+ Rita Farinha (Novembro 2013)
+
+
+
+
+NOCTURNOS
+
+
+
+
+D'esta edio tiraram-se mais _trinta exemplares_ que no entraram no
+mercado; sendo:
+
+12 exemplares em papel Japo n.^{os} 1 a 12
+
+12 exemplares em papel Whatman n.^{os} 13 a 24
+
+6 exemplares em papel China n.^{os} 25 a 30
+
+
+
+
+GONALVES CRESPO
+
+
+NOCTURNOS
+
+
+
+LISBOA
+_18, Rua Oriental do Passeio_
+1882
+
+
+
+
+_Direitos reservados_
+
+
+
+
+LISBOA--Imprensa Nacional
+
+
+
+
+A MINHA MULHER
+
+MARIA AMALIA VAZ DE CARVALHO
+
+
+ _A ti, boa e rara e fiel amiga,
+A mais sancta e a melhor das companheiras,
+A ti, flr mimosa e alma antiga,
+--Doce Premio que ris ao meu canao--
+A ti, meu Conselho, estas ligeiras
+Folhas que ponho a medo em teu regao._
+
+
+
+
+CONFIDENZA
+
+
+Perguntaste-me um dia a vida que eu levava.
+ Mimosa e eburnea flr,
+ Em antes de te vr; respondo-te: sonhava...
+ Ouviste, meu amr?
+
+No era bem sonhar: s vezes largo espao
+ Ficava-me a sorrir
+ Para os quadros que eu via em luminoso trao
+ Nas tlas do porvir.
+
+Presta-me o ouvido attento, escuta-me, querida,
+ Os que me lembram mais:
+ Assim, fita nos meus, pomba estremecida,
+ Os olhos teus leaes!
+
+Olha este quadro e v: o campo alegre e franco,
+ Uma aurora de abril:
+ Da larga estrada beira um campanario branco,
+ O cu profundo anil.
+
+De uma casa janella uma creana loura,
+ Loura como um trigal:
+ Fiando luz do sol que leve a sobredoura
+ De aureola ideal.
+
+Toda risos e festa a doce creatura
+ Olhava para mim,
+ E eu repetia a ss: alcano-te, ventura!
+ Serei feliz emfim!
+
+De um outro quadro ento recordo-me saudoso,
+ E alongo os olhos meus
+ Para o quadro gentil, o sonho mais gracioso,
+ Que me cahiu dos cus!
+
+Fica ao longe da vil poeira das cidades
+ E do seu vo rumr,
+ O palacio esquecido; s horas das trindades,
+ Entremos nelle, flr!
+
+Deixemos os jardins, as aleas, o arvoredo,
+ E o oloroso pomar;
+ Subamos essa escada, agora, a furto e a medo,
+ Comecemos a olhar.
+
+ vetusto o salo; em flaccida poltrona
+ Repoisa e scisma alguem:
+ Alguem que nos recorda a imagem da Madona,
+ Grave e sizuda me.
+
+D'esse alguem no regao um anjo se reclina
+ Confiado e feliz,
+ Se-lhe um arma subtil da bcca pequenina.
+ Falla, no sei que diz.
+
+ casta essa creana e pura entre as mais puras,
+ Que em sonhos vi jmais;
+ Tem o vago esplendr das biblicas figuras
+ Dos antigos missaes.
+
+ moa e menina: olhar nenhum ainda
+ De leve a maculou.
+ Dorme no seio della o amr, a crena infinda
+ Que Deus lhe confiou.
+
+Quando ella abre, sorrindo, as palpebras franjadas,
+ Ficamos a pensar
+ Nos mysterios do cu, nas cousas ignoradas
+ Que descobre esse olhar.
+
+Deixa que eu me ajoelhe extasiado e mudo,
+ Cego de tanta luz,
+ E que tremulo beije o tpido veludo
+ De seus psinhos ns!
+
+E no cra, bem vs, a candida creana!
+ Antes meiga sorri,
+ E entre risos me diz, compondo a escura trana:
+ Pensava agora em ti!
+
+Porque tardaste tanto, poeta? eu te esperava
+ Na minha solido!
+ Vem os segredos vr que para ti guardava
+ Dentro do corao!
+
+Concerte vossa orchestra, harmonicas espheras,
+ No clico esplendor!
+ Maria, essa creana, flr das primaveras,
+ Eras tu, meu amr!
+
+
+
+
+O VELHINHO
+
+A J. Cesar Machado
+
+
+Aquelle que ali vae triste e canado
+ E mais tremente que os juncaes do brejo.
+ Foi outrora o mais bello e o mais amado
+ Entre os moos do antigo logarejo.
+
+Nas fitas d'esse labio desmaiado
+ Quantas mulheres tremulas de pejo
+ No sorveram os nctares do beijo
+ Dos trigaes sobre o leito perfumado!
+
+Hoje velhinho, e falla dos francezes
+ Aos rapazes da eschola, e s raparigas
+ Que no canam de ouvil-o... As mais das vezes
+
+Sobre a ponte, ssinho, ouve as cantigas
+ Das que lavam no rio, e o olhar extende
+ Ao sol que ao longe na agonia esplende...
+
+
+
+
+ANIMAL BRAVIO
+
+A M^{elle} Eugenia Vizeu
+
+
+Preferiras um ramo caprichoso
+ De escolha rara e de um concerto fino,
+ Onde visses o ccto purpurino
+ E os nevados jasmins do Tormentoso.
+
+Em vez do ramo exotico e oloroso,
+ Casto recreio d'esse olhar divino,
+ Acceita, Eugenia, este animal felino,
+ Que o meu brao subjuga vigoroso.
+
+Tive artes de o amansar: eil-o sereno!
+ Acode minha voz, e ao meu aceno
+ Como um jaguar voz de um saltimbanco...
+
+Vamos, sonto! a prumo! ajoelhe, prsto!
+ E doce Eugenia, do sorriso honesto,
+ A fimbria oscule do vestido branco!
+
+
+
+
+AD AGROS
+
+
+No tardes, flr; a aldeia nos espera,
+ Chovem armas dos folhudos ramos:
+ Suspensa do meu brao, eia! partamos!
+ Olha-nos Deus da crystallina esphera.
+
+Nas manhs da passada primavera
+ Com que delcia ethrea nos ammos!
+ Iremos vr os nomes que tramos
+ No rude tronco em que se enlaa a hera.
+
+No tardes, meu amr, sei de um caminho,
+ Que sobe a encosta, e vae direito ao moinho,
+ Em cujas vlas bate o vento em cheio...
+
+Seguir-nos-ho as aves namoradas,
+ Que ao som das tuas infantis risadas
+ Modularo seu tremulo gorgeio...
+
+
+
+
+A NUVEM
+
+De Th. Gauthier
+
+
+As roupas deslaando, entra no banho
+ A languida sultana enamorada:
+ Livre do pente, os hombros ns lhe beija
+ A longa e fina trana desatada.
+
+Atraz dos vidros o sulto a espreita;
+ E comsigo murmura: como bella!
+ Ninguem a v, ninguem! o negro eunucho
+ Do harem na trre solitario vela!
+
+--Eu a vejo, uma nuvem lhe responde
+ Do sereno e alto azul illuminado:
+ --Vejo-lhe os seios ns, vejo-lhe o dorso,
+ --E o seu corpo de perolas colmado--
+
+Fez-se pallido Ahmehd bem como a lua,
+ E erguendo o seu kandjar de folha rara,
+ Desce, e apunhala a nua favorita...
+ Quanto nuvem... no azul se dissipra...
+
+
+
+
+O JURAMENTO DO ARABE
+
+A Teixeira de Queiroz
+
+
+Bas, mulher de Ali, pastra de camlas,
+ Viu de noute, ao fulgor das rtilas estrellas,
+ Wail, chefe minaz de barbara pujana,
+ Matar-lhe um animal. Bas jurou vingana;
+ Corre, clere va, entra na tenda e conta
+ A um hospede de Ali a grave e inulta affronta.
+
+Bas, disse tranquillo o hospede gentil,
+ Vingar-te-hei com meu brao, eu matarei Wail.
+
+Disse e cumpriu.
+
+ Foi esta a causa verdadeira
+ Da guerra pertinaz, horrivel, carniceira
+ Que as tribus dividiu. Na lucta fratricida
+ Omar, filho de Amr, perdra o alento e a vida.
+
+Amr que lanas mil aos rudes prlios leva,
+ E que em sangue inimigo, irado, os odios cva,
+ Incansavel procura, e sempre embalde, o vil
+ Matador de seu filho, o trdo Muhalhil.
+
+Uma noite, na tenda, a um moo prisioneiro,
+ Recem-colhido em campo, o indomito guerreiro
+ Fallou severo assim:
+ Escravo, attende, e escuta:
+ Aponta-me a regio, o monte, o plaino, a gruta,
+ Em que vive o traidr Muhalhil, dize a verdade;
+ D-me que o alcance vivo, e tua a liberdade!
+
+E o moo perguntou:
+ por Allah que o juras?
+ --Juro, o chefe tornou--
+ Sou o homem que procuras!
+ Muhalhil o meu nome, eu fui que espedacei
+ A lana de teu filho, e aos ps o subjuguei!
+
+E intrpido fitava o attonito inimigo.
+
+Amr volveu:--s livre, Allah seja comtigo!
+
+
+
+
+NUM LEQUE
+
+
+Amar e ser amado, que ventura!
+ No amar, sendo amado, um triste horrr:
+ Mas na vida ha uma noite mais escura,
+ amar alguem que no nos tenha amr!
+
+
+
+
+OLHOS DE JUDIA
+
+
+No transparente olhar das virgens da Allemanha
+ Nada um fluido subtil tam pleno de scismar,
+ Que a gente cuida ouvir uma sonata extranha
+ Num castello do Rheno em noites de luar.
+
+Flr do Guadalquivir, gloria da ardente Hespanha,
+ Se dardejas, sorrindo, um teu lascivo olhar,
+ O crespo, o encapellado e procelloso mar
+ Dos desejos febris o corao nos banha.
+
+Nos teus olhos porm venusta semi-deia,
+ Como nas mutaes de um rapido scenario,
+ Desdobram-se ante mim paizagens da Judeia...
+
+Vejo o louro Jesus vagueando solitario,
+ Vejo-o no Horto a chorar, ouo-lhe a voz na Ceia
+ E escuto-lhe o gemido extremo no Calvario.
+
+
+
+
+H. HEINE
+
+NUMEROS DO INTERMEZZO
+
+A M^{elle} Louse de Almeida e Albuquerque
+
+
+
+
+I
+
+
+Rosas e lirios, pombas, sol radiante,
+ Tudo isso outrora, no fugaz passado,
+ Eu adorei constante.
+
+E d'esse amr, que tive immaculado
+ Por lirios e aves e subtis perfumes,
+ Nem j me lembro, seductra amante,
+ Fonte pura de amr, que em ti resumes
+ A rosa, o lirio, a pomba e o sol radiante!
+
+
+
+
+II
+
+
+De um lirio branco no mimoso calix
+ Se eu a fosse depr
+ A vaga essencia de meu peito, em breve
+ Escutras no calice de neve
+ Uma cano de amr.
+
+Cano divina relembrando as ancias,
+ E o languido tremr
+ Daquelle beijo, em noite mysteriosa,
+ Que me deram teus labios cr de rosa,
+ Meu doce e casto amr!
+
+
+
+
+III
+
+
+ luz viva do claro sol radioso
+ O lto inclina a fronte esmaecida,
+ E espera a noite pensativo e ancioso.
+
+Rompe a lua, e derrama a luz querida
+ Na corolla mimosa
+ Da pobre flr que se abre enlanguecida.
+ Pobre flr amorosa!
+
+Olhando o cu e a lua at parece
+ Que, em desmaios de amr,
+ Treme, palpita, cra e desfallece
+
+ A scismadora e enamorada flr!
+
+
+
+
+IV
+
+
+ Sobre os olhos formosos
+ Da minha doce amada
+Rimei canes que os astros decoraram;
+E embalsamei-lhe a bcca perfumada
+ Em terctos graciosos.
+Innumeras estancias decantaram
+ Seu rsto peregrino
+Que os jaspeados lirios escurece.
+ Que sonto divino
+Eu rendilhra com subtis lavres
+Sobre o seu corao... se ella o tivesse!
+
+
+
+
+V
+
+
+Pozeram-te no rsto o areo vu nupcial.
+ Bem sei que te perdi, mas no te quero mal.
+
+Brilham do teu collar as pedras luminosas,
+ Mas no teu corao que noites luctuosas!
+
+Em sonhos eu desci, misera mulher,
+ s sombras da tua alma, e vi-te o padecer...
+
+Bem sei que te perdi, minha doce amada,
+ Mas no te quero mal, s muito desgraada
+
+
+
+
+VI
+
+
+Sei-o; a tua vida sem ventura,
+ -nos commum esta funrea sorte.
+ Ce sobre ns a mesma noite escura,
+ E isto no finda sem que chegue a morte.
+
+Se vejo nesse olhar um rir travsso,
+ E em teu labio a insolencia costumada,
+ E o orgulho inflar teu corao... padeo,
+ E murmuro: s como eu, tam desgraada!
+
+Bem sei que ris, mas o teu labio treme:
+ Nos teus olhos azues o pranto brilha:
+ Tens orgulho, e essa voz suspira e geme...
+ Como ns somos desgraados, filha!
+
+
+
+
+VII
+
+
+ Se as flres do balsedo
+Podessem ver meu peito alanceado,
+Como allivio ao meu aspero degredo,
+Mandar-me-hiam, das moitas do balsedo,
+De seus prantos o balsamo sagrado.
+
+ Se os rouxinoes da floresta
+Soubessem quanta dr me rasga o seio,
+Para espancar a minha noite msta,
+Mandar-me-hiam, das sombras da floresta,
+O seu mais terno e encantadr gorgeio.
+
+ Se as estrellas do espao
+Soubessem tudo quanto soffro em vida,
+Para embalar d'esta alma o vil canao,
+Mandar-me-hiam, dos concavos do espao,
+Uma doce palavra condoda.
+
+ E essa que sabe tudo,
+O inferno e o horror da minha mocidade,
+ a dona das tranas de veludo,
+E das unhas rosadas... sabe tudo
+E apunhla-me a vida sem piedade!
+
+
+
+
+VIII
+
+
+No me sabes dizer, minha amada,
+ O motivo, a razo
+ Porque pendem a face desmaiada
+ As rosas para o cho?
+
+No me sabes dizer porque, no meio
+ Do vasto prado em flr,
+ Das violetas ce no roxo seio
+ Um vu de lucto e dr?
+
+Diz-me porque ouo a voz das cotovias
+ Hoje lugubre assim?
+ E porque exhalam mortes e agonias
+ As urnas do jasmim?
+
+Por que motivo o sol tam claro e puro
+ De crepes se vestiu?
+ Porque um sinistro pezadelo escuro
+ Sobre a terra cahiu?
+
+Bem sei eu porque vejo tudo triste
+ Sem luz e sem calr...
+ que tu, pomba branca, me fugiste
+ Meu amr, meu amr!
+
+
+
+
+IX
+
+
+Disseram-te de mim feios horrres,
+ De imaginarias culpas me crivaram,
+ E sobre as minhas lastimaveis dres
+ Um negro vu lanaram!
+
+Distenderam os labios sacudindo
+ Com grave e serio gesto a fronte, e ao cabo...
+ (E acreditaste-os tu, meu anjo lindo!)
+ Chamaram-me o Diabo!
+
+O que ha de mais escuro e de mais feio
+ Na minha vida, ignoram-no os sandeus,
+ Tam occulto este amr vive em meu seio,
+ luz dos olhos meus!
+
+
+
+
+X
+
+
+Naquella manh ditosa
+ O sol mandava-nos beijos;
+ Do rouxinol os solfejos
+ Suspiravam na amplido.
+
+Se me lembro, ai! se me lembro
+ D'esse amplexo demorado,
+ Com que tu, meu lirio amado,
+ Uniste-me ao corao!
+
+Grasnava o crvo agoirento,
+ As sccas folhas cahiam,
+ E uns tristes raios desciam
+ Da plumbea curva dos cus.
+
+Se me lembro, ai! se me lembro
+ Da fria e grave mesura
+ Que, naquella tarde escura,
+ Fizeste ao dizer-me--adeus!
+
+
+
+
+XI
+
+
+Fste fiel, no caminho
+ Doloroso que eu seguia,
+ Dste-me alentos, carinho,
+ Meu conslo fste, e guia.
+
+Dste-me tudo, consorte,
+ Roupa branca e at dinheiro!
+ E ao partir para o extrangeiro
+ Compraste-me o passaporte!
+
+Deus t'o pague, meu amr!
+ E um viver te d tranquillo!
+ Mas que te no faa aquillo
+ Que tu me fizeste, flr!
+
+
+
+
+XII
+
+
+Emquanto eu andava viajando, a minha
+ Noiva gentil, o meu thesouro amado,
+ Julgando que eu tardava e que no vinha,
+ Fez pressa o vestido de noivado,
+ E um dia, ao p do altar, entrega anciosa
+ A um ffo peralvilho a mo de esposa.
+
+Nada no mundo a minha amada eguala;
+ Nem eu sei a que a possa comparar!
+ Que doce o aroma que o seu labio exhala!
+ Que gesto lindo! e que formoso olhar!
+ Suspende a queixa, corao trahido,
+ Deixaste o cu, do cu fste banido!
+
+
+
+
+XIII
+
+
+Quando morreres, filha, ao teu jazigo
+ Descerei taciturno e allucinado,
+ E abraando esse corpo delicado,
+ No frio marmor dormirei comtigo.
+
+E tu muda, e tu fria, e tu gelada!
+ E eu nos meus braos a apertar-te ainda!
+ E nas sombras daquella noite infinda
+ Clamo, estremeo e morro, alma adorada!
+
+Os mortos, alta noute, pouco e pouco
+ Erguer-se-ho, ao luar, rindo e danando;
+ E eu ficarei na sombra, sonho louco!
+ No teu seio de jaspe repoisando.
+
+E quando a hora chegue em que as trombtas
+ Do Juizo Final se ouvirem todas,
+ No surgirs, inveja das violetas,
+ Do escuro leito das eternas bdas!
+
+
+
+
+XIV
+
+
+ Do Norte sobre um monte,
+ Alto frio e gelado,
+ Um pinheiro isolado
+Ergue entre o glo a merencoria fronte.
+
+Todo tremulo, o misero deseja
+ Ser a esbelta palmeira viridente
+ Que em terra adusta odeia a luz ardente
+ Que sobre ella o implacavel sol dardeja.
+
+
+
+
+XV
+
+
+Das minhas penas fiz canes aladas
+ De alegre geito e jovial feio.
+ Vi-as partir em doidas revoadas,
+ E vi-as procurar teu corao.
+
+Partem alegres, voltam lacrymosas,
+ Perdido o fresco riso ingenuo e ldo,
+ Mas do que viram guardam, silenciosas,
+ O mais profundo e lugubre segredo.
+
+
+
+
+XVI
+
+
+Eu no posso esquecer, perdo, minha senhora,
+ --Estes laos de amr custam a desatar--
+ Eu no posso esquecer, minha doce aurora,
+ Que subjuguei teu corpo e essa alma singular...
+
+Teu corpo, ai! o teu corpo esbelto, moo e branco,
+ J foi meu, j foi meu... mas neste instante, flr,
+ Da tua alma prescindo, e escuta, serei franco,
+ Basta-me a que possuo, ah! basta, meu amr!
+
+Se um dia succeder, que esse teu seio trema
+ De novo juncto ao meu, hei-de insuflar-te, doudo,
+ Metade da minha alma, e ento, gloria suprema!
+ De ambos ns, meu amr, faremos um s todo...
+
+
+
+
+XVII
+
+
+ domingo: o burguez deixa os asphaltos,
+ Dando o brao burgueza;
+ Procura o campo, e, ao vl-o, exclama aos saltos:
+ filha, que lindeza!
+
+E pasma do verdr febril, romantico,
+ Da mrmura floresta;
+ E a sua longa orelha absorve o cantico
+ Da passarada em festa.
+
+Eu que no saio, escondo a gelosia
+ Com negros cortinados,
+ E recebo a visita, em pleno dia,
+ Dos espectros amados.
+
+E aquelle Amr que eu vi morrer outrora.
+ No meu quarto apparece!
+ Senta-se ao p de mim, beija-me e chora,
+ E treme e desfallece!
+
+
+
+
+XVIII
+
+
+Rompia a manh, rompia
+ Alegre como um trinado,
+ E eu ia triste e calado,
+ No meio d'essa alegria,
+ Por entre as flres do prado...
+ Rompia a manh, rompia...
+
+Vendo-me, as flres do prado
+ Mais as rosas do silvedo
+ Cochicharam em segredo...
+ E erguendo os olhos, a medo,
+ Num tom de voz repassado
+ Da mais branda languidez:
+ Como elle vae irritado,
+ Os olhos fitos no cho!
+ Perda por esta vez,
+ No ralhes com ella, no?
+
+
+
+
+XIX
+
+
+Na tua face ardente e avelludada
+ Encandeia-se a luz do quente Estio,
+ Mas no teu corao, minha amada,
+ Habita o Inverno enregelado e frio.
+
+Mas quem assim te v bella e formosa,
+ Ver mais tarde o Inverno trvo e feio
+ Nessa tua gentil face mimosa,
+ E o rubro Estio no teu branco seio!
+
+
+
+
+XX
+
+
+No momento do _adeus_ succede que os amantes
+ Se abraam, a chorar, com vozes soluantes.
+ Fora, fora partir; a mo prende-se mo,
+ E uma infinda tristesa inunda o corao.
+
+Para ns, meu amr, nessa hora de agonia
+ No houve o padecer que as almas excrucia:
+ Foi grave o nosso _adeus_ e frio, e s agora
+ que a Dr nos subjuga, e a Angustia nos devora.
+
+
+
+
+XXI
+
+
+Sonhei: de novo suspirava o vento
+ Das tilias sob a cupula odorante;
+ E como outrora ouvia o juramento
+ Do teu amr constante.
+
+Que protestos de amr nesse momento!
+ Mas na febre dos beijos que me deste,
+ Como para gravar teu juramento
+ Em meus dedos mordeste!
+
+Dona do riso alegre, meu tormento!
+ Dona de olhos azues, minha amada!
+ J me bastava o doce juramento,
+ Foi de mais a dentada!
+
+
+
+
+XXII
+
+
+Chorei: sonhava e era comtigo, estavas
+ Morta num cemiterio, fria, fria...
+ E, ao despertar, senti que o pranto, em lavas,
+ De meus canados olhos escorria.
+
+Chorei: sonhava e era comtigo, rosa;
+ Havias-me, sem d, abandonado:
+ E, ao despertar da noite tormentosa,
+ Tinha o rsto de lagrimas banhado.
+
+Chorei: sonhava, e era comtigo, linda!
+ Dizias-me, a sorrir, como eu te adoro!
+ Desperto, e logo numa angustia infinda,
+ Eis-me a chorar de novo e ainda choro!
+
+
+
+
+XXIII
+
+
+ Batido do torvelinho
+ O bosque palpita ao aoite
+ Do vento outomnal; noite.
+Monto a cavallo e metto-me a caminho.
+
+ E este inquieto pensamento,
+ E esta phantasia errante
+ Levaram-me nesse instante
+Ao teu virgineo e candido aposento.
+
+ Os ces ladram; nas sonoras
+ Escadas assoma gente,
+ E eu no marmore luzente
+Fao tinir as rtilas esporas.
+
+ No teu quarto da baunilha
+ Vam clidos armas;
+ Tu dormes, soltas as cmas,
+E eu nos teus braos cio, minha filha!
+
+ Solua o vento magoado:
+ Diz um carvalho altaneiro:
+ Cavalleiro, cavalleiro,
+Suspende o teu sonhar allucinado!
+
+
+
+
+XXIV
+
+
+Eu enterro as canes de amr e o fel amargo
+ Do meu triste sonhar:
+ Quero um caixo profundo, immenso, vasto e largo;
+ Depressa, ide-o buscar!
+
+Um caixo formidando, um fretro-portento,
+ Que sobreexceda e vena
+ O pzo sobrehumano e o enorme comprimento
+ Da ponte de Mayena.
+
+Trazei-m'o sem demora; eu hei-de enchl-o em breve;
+ Vereis a promptido.
+ De Heidelberg o tonel ser pequeno e leve
+ Ao p d'esse caixo.
+
+Doze gigantes quero, o aspecto feio e rudo,
+ E de um vigr sem conta,
+ Que me faam lembrar Christovam, o membrudo,
+ Que em Colonia se aponta.
+
+Gigantes, balouae o fretro luctuoso!
+ Vamos! agora, ao mar!
+ Cova maior existe? Abysmo assim grandioso
+ Difficil de achar.
+
+Sabeis porque eu desejo um fretro assim largo,
+ De vastas dimenses?
+ que enterro, infeliz, o amr, o fel amargo
+ Das minhas illuses.
+
+
+
+
+O MINUTE
+
+Ao dr. Thomaz de Carvalho
+
+
+Espaoso o salo: jarras a cada canto;
+ Admira-se o lavr do tecto de pu sancto.
+
+Cadeiras de espaldar com fulvas pregarias:
+ Um enorme soph: largas tapearias.
+
+O purpureo tapete aos olhos nos revela
+ Entre as garras de um tigre anciosa uma gazella.
+
+Retratos em redor: olhemos o primeiro:
+ No Tro as mos de Affonso o armaram cavalleiro.
+
+Era Arcebispo aquelle: esta foi aafata...
+ Que frescura sensual nos labios de escarlata!
+
+Olhos revendo o azul que sobre a Italia assoma:
+ Em finos caraces, a loura e ondada cma:
+
+Collo robusto e n: cabea triumphante:
+ Consta que certo rei... passemos adeante!
+
+Este, que vs, morreu num africano areal
+ Por vingana cruel do aspero Pombal.
+
+D'esse olhar na expresso infinda e inenarravel
+ Desabrocha uma dr profunda e inconsolavel.
+
+Defronte, uma donzella, o rosto meigo e afflicto,
+ Num extasis adora o pallido proscripto.
+
+O teu sonho nupcial, franzina morgadinha,
+ Tam cedo se desfez, misera e mesquinha!
+
+No burel escondeste o vio e a formusura,
+ E desmaiaste, flr, no cho de uma clausura!...
+
+Repara nos desdens do ffo conselheiro,
+ Que sorridente aspira a flr de um jasmineiro!
+
+Em canones doutor: no Pao foi bemquisto:
+ Orna-lhe o peito a cruz de um habito de Christo.
+
+Esse outro combatendo s portas de Bayona,
+ Como um bravo, alcanou a rtila dragna.
+
+Vibra flammas do olhar; cabea erecta e audaz;
+ Illumina-lhe o rsto a gloria de um gilvaz.
+
+Assistmos, ao vl-o, s pugnas carniceiras,
+ E ouvimos o clangr das musicas guerreiras...
+
+No antiquissimo espelho, sombra das cortinas,
+ Reflecte-se o primr de argenteas serpentinas.
+
+Sob o espelho se aninha um cravo marchetado,
+ Mimo outrora da casa, e prenda de um noivado.
+
+Ao lado um cofre encerra, em amoravel ninho,
+ Antiga partitura em velho pergaminho.
+
+Uma noite extendi a musica na estante,
+ E o cravo suspirou... naquelle mesmo instante
+
+Da eburnea pallidez doentia do teclado
+ Manso e manso evolou-se o arma do passado.
+
+E vi descer do quadro a languida aafata
+ Que, ao discreto pallr das lampadas de prata,
+
+A fimbria alevantando azul do seu vestido
+ O rsto acerejado, o gesto commovido,
+
+A sorrir, deslisou graciosa no tapte,
+ Danando airosamente o airoso minute...
+
+
+
+
+O COVEIRO
+
+A Alberto Braga
+
+
+Elle entrou cabisbaixo e silencioso
+ Na immunda tasca, e foi sentar-se a um canto;
+ Deram-lhe vinho, recusou, o espanto
+ Cresceu no olhar do taberneiro oleoso.
+
+Elle era o mais antigo e o mais ruidoso
+ Dos freguezes da casa: ao obsceno canto
+ Ninguem prestava mais lascivo encanto
+ Ao som magoado de um violo choroso.
+
+Mas o velho sentra-se distante
+ Da alegre turba, a vista lacrymante
+ Mergulhada nas chammas do brazido...
+
+Disse um da roda: espanta-me o coveiro!
+ --Morreu-lhe ha pouco a filha...--distrahido
+ Volveu da bisca um contumaz parceiro.
+
+
+
+
+ADEUS!
+
+
+Uma vez, numa camara elegante,
+ De um contador no marmore de rosa,
+ Entre os mil nadas feminis que exhalam
+ Uns aromas subtis que nos embalam,
+ Vi uma concha pallida e graciosa.
+
+Sentira eu nella um som confuso e triste,
+ Como o dos sinos em remota aldeia;
+ Pobre concha! morria de saudade
+ Daquella vaga e triste immensidade
+ Do mar que chora na deserta areia.
+
+Olha, querida, como nessa concha,
+ Anda chorando em mim continuamente
+ Essa timida voz que tu soltaste,
+ Essa palavra ADEUS que murmuraste
+ Aos meus ouvidos languida e tremente!
+
+
+
+
+CAMONEANA
+
+
+
+
+I
+
+NA EGREJA DAS CHAGAS
+
+
+Ao dr. A. A. de Carvalho Monteiro
+
+
+Proxima vinha a nobre Catharina
+ Da porta principal da egreja, quando
+ Seu olhar encontrou suave e brando
+ O olhar de um moo de presena fina.
+
+E, ao fulgr d'esse olhar ardente, inclina
+ A dama o rsto, timida, crando...
+ Arfa-lhe o niveo seio, palpitando,
+ Em doida e extranha commoo divina.
+
+Cames, que outro no era o moo, ardido,
+ Num gesto de galan desvanecido,
+ Quem vos pudra merecer! murmura.
+
+E a dama, ao ouvil-o, languida sorria,
+ Pois que em todos os tempos a ouzadia
+ Ao amr nunca trouxe desventura.
+
+
+
+
+II
+
+A LEITURA DOS LUSIADAS
+
+
+A Vicente Pindella
+
+
+Do moo rei defronte, esbelto e cavalleiro
+ Cames recita; a crte, silenciosa
+ Ante a rubra exploso do cantico guerreiro,
+ Admira essa Epopeia enorme e prodigiosa.
+
+... Ruge a electrica voz do Adamastr furiosa;
+ Nas amuradas canta o alegre marinheiro;
+ Do Oceano flr scintilla a esteira luminosa
+ Dos pesados galees do Gama aventureiro.
+
+Terra! grita o gageiro; e praia melindana
+ Desce douda e febril a gente lusitana
+ Desfraldam-se os pendes ao claro cu do Oriente...
+
+Da gloria ante o esplendr o olhar d'El-Rey fulgura;
+ O Camara no emtanto, alma sombria e escura,
+ No rei os olhos crava, e ri felinamente.
+
+
+
+
+III
+
+ANNOS DEPOIS
+
+
+A Bernardo Pindella
+
+
+Juncto de um catre vil, grosseiro e feio,
+ Por uma noite de luar saudoso,
+ Cames, pendida a fronte sobre o seio,
+ Scisma embebido num pesar luctuoso...
+
+Eis que na rua um cantico amroso
+ Subitaneo se ouviu da noite em meio:
+ J se abrem as adufas com receio...
+ Noite de amres! que trovar mimoso!
+
+Cames acorda, e gelosia assma,
+ E aquelle canto, como um antigo arma,
+ Resuscita-lhe os risos do passado.
+
+Viu-se moo e feliz, e ah! nesse instante,
+ No azul viu perpassar, claro e distante,
+ De Natercia gentil, o vulto amado...
+
+
+
+
+ESPHYNGE
+
+Traduco de uns versos de Alexandre Dumas
+escriptos num leque
+em que estava pintada uma Esphynge
+
+
+Que me queres, Esphynge? O que procuras? diz-m'o:
+ Se do poeta o segredo intentas penetrar,
+ Desce dos annos meus ao tenebroso abysmo,
+ Vers o Amr aos Vinte e aos Sessenta o Pesar.
+
+Sim, Pesar, no de haver lanado aos quatro ventos
+ Com prodiga loucura o verbo triumphante,
+ A ambio, o dinheiro, os risos e os tormentos,
+ E as auroras de abril que passam num instante!
+
+Mas Pesar de sentir dentro em meu peito agora,
+ Como accso vulco em glos sepultado,
+ Do juvenil desejo a flamma que devora,
+ E de no poder mais, amando, ser amado!
+
+
+
+
+A CEIA DE TIBERIO
+
+Ao dr. J. Frederico Laranjo
+
+
+Opulento o festim: em todo o vasto imperio
+ Outro no houve egual. Capra a dissoluta,
+ O retiro de amr do perfido Tiberio,
+
+Illuminada ri. Ao longe Roma escuta
+ O confuso rumr da tenebrosa orgia:
+ Assim geme, assim ronca o mar em funda gruta.
+
+Fascina, attrae, seduz, e os olhos extasia
+ A imperial vivenda: a sala deslumbrante:
+ Ouro e gmmas sem fim confundem-se porfia.
+
+Das lampadas rebrilha o lume coruscante;
+ Nos triclinios esplende a purpura escarlata,
+ A fina tartaruga e o sandalo odorante.
+
+Aos angulos da sala, em primorosa prata,
+ Erotico esculptor grupos fundiu lascivos,
+ Em cujos membros ns Volupia se retrata.
+
+Resaltam da parede os satyros esquivos
+ Sob o pampano alegre: as nymphas, em coras,
+ Danam na riba, em flr, de arroios fugitivos.
+
+Em marmrea piscina enroscam-se as muras,
+ Dos patricios de Roma o pabulo dilecto,
+ Vezes sem conto, escravo, ali rompeste as veias!
+
+Pendem verdes festes do primoroso tecto,
+ Pyrrheico ali pintra um matagal folhudo,
+ E um lago crystallino, encantador, discreto.
+
+Diana ao sol enxuga as tranas de veludo,
+ Acteon espreita ancioso, e, rapida alegria!
+ Aos poucos se transforma em cervo ramalhudo.
+
+Em Milto foi tincta a azul tapearia,
+ Que nas mesas se extende e nos mosaicos dorme;
+ Dos velarios se esca o arma que inebria.
+
+A festa no pendor: num ureo prato informe
+ Eis que entra um javali, formosas gaditanas
+ Danam em derredor. Ulula a grita enorme.
+
+Jorra o vinho de Ks purpureas espadanas;
+ Dos convivas na fronte enlaa-se a verbena,
+ Preludiam no emtanto as frautas sicilianas.
+
+Adoudada suspira uma cano obscena:
+ Fervem beijos no ar, os seios pulam, crescem
+ E desnudam-se luz, Tiberio assim o ordena.
+
+As matronas, ao vr o duro gesto, obedecem,
+ E l passam gentis, deslisam mansamente
+ Dos marmores flr; so nuas, endoudecem!
+
+Um retiario nervudo, e um gladiador valente
+ Combatem, so lees; o pallido vencido
+ Mistura o sangue rubro ao vinho rescendente.
+
+Ora Tiberio ri... Mas subito um gemido
+ Longo e triste chorou nos paos de Capra...
+ Indagam: talvez fosse o gladiador ferido...
+
+Nesse instante Jesus morria na Judeia!
+
+
+
+
+TRIO DE POETAS
+
+
+
+
+I
+
+JOO DE LEMOS
+
+
+Ao Visconde de Pindella
+
+
+Na cidade gentil do austero estudo
+ Sobranceira ao Mondego socegado,
+ Em cuja riba o sinceiral folhudo
+ De rouxinoes suspira gorgeiado,
+
+Fste erguido no concavo do escudo
+ Pelos moos de outrora, e celebrado
+ Trovador, cavalleiro, e namorado...
+ Tempo de glorias! Como passa tudo!
+
+No emtanto s vezes, na provincia, quando
+ A um dce, honesto e feminino bando
+ Digo a LUA DE LONDRES, de repente
+
+Da infancia volvo candida simpleza,
+ E ondulam na minh'alma vagamente
+ Tremulas notas de fugaz tristeza.
+
+
+
+
+II
+
+JOO DE DEUS
+
+A Anthero do Quental
+
+
+Sempre que o leio, sinto-me captivo
+ De um no sei qu, de infinda suavidade,
+ E entram commigo uns longes de saudade,
+ Que me deixam sizudo e pensativo.
+
+Sonho: quizra, em triste soledade,
+ Viver das gentes apartado e esquivo,
+ E erguer-me a esse planeta primitivo
+ Onde resplenda a eterna mocidade.
+
+J o seu nome to suave e brando,
+ To eufonico, meigo e delicado,
+ Que fica nos ouvidos suspirando...
+
+Diz a lenda que vive descuidado,
+ RAMOS tecendo, e FLORES emmoitando,
+ Da Chymera nos seios reclinado.
+
+
+
+
+III
+
+JOO PENHA
+
+
+A Augusto Sarmento
+
+
+Nervoso mestre, domadr valente
+ Da Rima e do Sonto portuguez,
+ No te eguala a pericia de um chinez
+ Na pintura de um vaso transparente.
+
+Ha no teu verso a musica dolente
+ Da guitarra andaluza, e muita vez
+ Rompe em meio da extranha languidez
+ O silvo estriduloso da serpente.
+
+No VINHO E FEL traaste o escuro drama
+ Em que solua e ri, na extensa gamma,
+ Teu desgrenhado amr, doido e fatal...
+
+Mas se do peito ancioso o dardo arrancas,
+ Teu canto exhala as alegrias francas
+ De uma rubra Kermesse colossal.
+
+
+
+
+CHYMERAS
+
+A meu tio Joo de Almeida e Albuquerque
+
+
+O mar j me tentou: aspiraes fogosas
+ Fizeram-me idear phantasticas viagens;
+ Eu sonhava trazer de incognitas paragens
+ Noticias immortaes s gentes curiosas.
+
+Mais tarde desejei riquezas fabulosas,
+ Um palacio escondido em mrmuras folhagens,
+ Onde eu fosse occultar as candidas imagens
+ Das virgens que evoquei por noites silenciosas.
+
+Mas tudo isso passou: agora s me resta
+ Das chymeras que tive, uma viso modesta,
+ Um sonho encantador, de paz e de ventura.
+
+ simples; uma alcva, um bero, um innocente,
+ E uma esposa adorada, envolta, a negligente!
+ De um longo penteadr na immaculada alvura...
+
+
+
+
+ODOR DI FEMINA
+
+A Alberto Pimentel
+
+
+Era austero e sizudo; no havia
+ Frade mais exemplar nesse convento;
+ No seu cavado rsto macilento
+ Um poma de lagrimas se lia.
+
+Uma vez que na extensa livraria
+ Folheava o triste um livro pardacento,
+ Viram-no desmaiar, cahir do assento,
+ Convulso, e trvo sobre a lgea fria.
+
+De que morrra o venerando frade?
+ Em vo busco as origens da verdade,
+ Ninguem m'a disse, explique-a quem pudr.
+
+Consta que um bibliophilo comprra
+ O livro estranho e que, ao abril-o, achra
+ Uns dourados cabellos de mulher...
+
+
+
+
+EM CAMINHO DA GUILHOTINA
+
+ Senhora Condessa de Sabugoza
+
+
+A _viuva Capet_ vae ser guilhotinada.
+
+ Ora naquelle dia o povo de Pariz
+ Formidavel, brutal, colerico, feliz,
+ Erguera-se ao primeiro alvr da madrugada.
+
+No caminho traado ao funebre cortejo
+ O povo redemoinha;
+ Que todos sentem n'alma o tragico desejo
+ De ver como Sanso degolla uma rainha.
+
+Da carreta em redor ondeiam os soldados;
+ De cima dos telhados
+ Da rua, dos portaes, dos muros, dos balces
+ Chovem sobre a rainha as vis imprecaes.
+
+Ella comtudo altiva erecta e desdenhosa
+ Olha tranquillamente
+ Para o revolto mar da plebe tumultuosa.
+
+E emquanto aquelle povo inquieto e repulsivo
+ Anceia por ouvir o grito convulsivo
+ E o derradeiro arranco
+ D'essa mulher, e ri abominavelmente,
+ Um homem s, o algoz, vae triste e reverente.
+
+Pde nascer ao p da forca um lirio branco.
+
+A carreta parou. Desce a rainha. Nisto
+ Viram-se uns braos ns
+ Erguerem para o ar, flr da multido,
+ Uma loura creana, alegre como a luz,
+ Suave como o Christo,
+ A quem talvez faltando em casa a enxerga e o po,
+ A me quizera dar aquella distraco.
+
+No primeiro degru da escura guilhotina
+ A rainha de Frana
+ Ergueu o olhar e viu essa gentil creana
+ Levar a mo flr da bcca pequenina,
+ E atirar-lhe, a sorrir, um beijo doce e honesto...
+
+E ella que fra audaz, heroica e resoluta,
+ E ouvira, com desdem, da plebe a injuria bruta,
+ Ante a esmola infantil, graciosa, d'esse gesto,
+ Chorou.
+ Chorou, emfim! A infame succumbiu!
+ De entre o povo uma voz selvatica rugiu.
+
+
+
+
+A VIUVA
+
+ Senhora D. Margarida Street
+
+
+Fra de portas vive. silenciosa
+ A modesta vivenda em que ella habita,
+ Ali correu-lhe a vida bonanosa,
+ Ali golpeou-lhe os seios a desdta.
+
+Raro de quando em quando uma visita
+ Novas lhe traz da vida tumultuosa,
+ E ella sorrindo a furto, descuidosa,
+ No azul os olhos em silencio fita.
+
+Ssinha e triste a pallida viuva,
+ Por essas noites de invernia e chuva,
+ A um honesto e feminil labor se entrega.
+
+E, alta noite, levanta, em dr sepulta,
+ O olhar, que fixa, e demorado prega
+ No eterno Ausente que num quadro avulta.
+
+
+
+
+FLR DO PANTANO
+
+A Bulho Pato
+
+
+ pequenina e sria,
+ E tem o gesto grave
+ Da filha de um burgrave,
+ A candida Valeria.
+
+No ha flr mais suave,
+ De essencia mais ethrea,
+ E abriu-lhe a vida a chave
+ Do Vicio e da Miseria!
+
+Na sua loura cma
+ Nunca passou o arma
+ Dos beijos maternaes.
+
+ credula Ignorancia,
+ Esconde quella infancia
+ O nome vil dos paes!
+
+
+
+
+A RESPOSTA DO INQUISIDR
+
+A meu tio Luiz de Almeida e Albuquerque
+
+
+I
+
+A sala em que medita El-Rey silenciosa,
+ Apainelada e fria, o largo reposteiro
+ Ondula brandamente aragem preguiosa.
+
+II
+
+ cathedra real um Christo sobranceiro
+ Msto, livido, n, ferido e ensanguentado
+ Exhala sobre o seio o alento derradeiro.
+
+III
+
+El-Rey medita e scisma: o seu olhar turbado,
+ O seu obliquo olhar, o seu olhar de fra,
+ Vibra irrequieta luz, parece allucinado.
+
+IV
+
+Nisto porta assomou a calva fronte austera
+ De um velho, e logo atraz um pagem que murmura:
+ Eis o monge, Senhor, que Vossa Alteza espera!
+
+V
+
+Curvra, ao entrar, o monge a tremula estatura:
+ Mos dispostas em cruz no largo peito ancioso,
+ E humilhada a cerviz na ascetica postura.
+
+VI
+
+E comtudo esse frade humilde e respeitoso,
+ De olhos fitos no cho, to fragil como um vime,
+ Na presena de um rei, de um Cesar poderoso,
+
+VII
+
+ fanatico e audaz; com mo de bronze opprime
+ O Solio, a Egreja, o Lar, e os coraes dos crentes;
+ Flagella a sombra e o amr, condemna a luz, e o crime!
+
+VIII
+
+Quando elle vae passando, as timoratas gentes
+ Benzem-se com pavr e param de improviso
+ As canes juvenis nas aleas rescendentes.
+
+IX
+
+Nunca nos labios seus florira o alegre riso,
+ Tem cem annos, jamais beijra uma creana,
+ E cr subir, talvez, morrendo, ao Paraizo!
+
+X
+
+Na Hespanha, no Per, em Napoles, na Frana
+ Paira como o sinistro espirito do Mal,
+ O negro inquisidr, feroz como a Vingana.
+
+XI
+
+Sisto quinto, o cruel, fizera-o cardeal,
+ E a Hespanha pde ver com assombroso espanto
+ Juncto do rei-panthera o inquisidr-chacal.
+
+XII
+
+E Philippe dizia ao monge no entretanto:
+ Sentinella da Lei, piedoso inquisidr,
+ Tu que fallas com Deus e s padre, e s bom, e s sancto
+
+XIII
+
+Arranca-me este pezo, afasta-me este horrr!
+ Ah! diz'-me, cardeal, se um vil, se um precito
+ O rei que justo e mata o filho que traidr...
+
+XIV
+
+E mais no disse o rei, trvo, sombrio e afflicto.
+ No emtanto o inquisidr erguendo imperturbavel
+ O seu hediondo olhar das lageas de granito,
+
+XV
+
+Assim tornou com voz vibrante e formidavel:
+ -- principe, e apontava o livido Jesus,
+ --Para acalmar dos cus a colera implacavel
+
+XVI
+
+--O Eterno fez morrer seu filho numa cruz!--
+
+
+
+
+FERVET AMOR
+
+Ao dr. Antonio Candido
+
+
+D para a crca a estreita e humilde cella
+ D'essa que os seus abandonou, trocando
+ O calr da familia ameno e brando
+ Pelo claustro que o sangue esfria e gela.
+
+Nos flores manuelinos da janella
+ Papeiam aves o seu ninho armando,
+ Vem-se ao longe os trigos ondulando...
+ Maio sorri na pradaria bella.
+
+Zumbe o insecto na flr do rosmaninho:
+ Nas gistas pousa a abelha bria de gso:
+ Zunem bezouros e palpita o ninho.
+
+E a freira scisma e cra, ao vr, ancioso,
+ Do seu ctre virgineo sobre o linho
+ Um par de borboletas amoroso.
+
+
+
+
+NA ALDEIA
+
+A Christovam Ayres
+
+
+Duas horas da tarde. Um sol ardente
+ Nos clmos dardejando, e nos eirados.
+ Sobreleva aos sussurros abafados
+ O grito das bigornas estridente.
+
+A taberna vazia; mansamente
+ Treme o loureiro nos humbraes pintados;
+ Zumbem porta insectos variegados
+ Envolvidos do sol na luz tremente.
+
+Fia soleira uma velhinha: o filho
+ No cu mal acordou da aurora o brilho,
+ Sahiu para os canaos da lavoura.
+
+A nra lava na ribeira, e os netos
+ Ao longe correm semi-ns, inquietos,
+ No mar ondeante da sera loura.
+
+
+
+
+ESTUDANTINA
+
+
+Acorda, minha Thereza,
+ Descerra a janella tua!
+ Espalha-se a luz da lua
+ Pela poetica deveza...
+ Entre os sinceiros da margem
+ Murmura o claro Mondego,
+ A noite corre em socgo...
+ Acorda, minha Thereza!
+
+No dorme quem tem amres,
+ E o teu postigo cerrado!
+ Deixa o leito perfumado,
+ E o travesseiro de flres,
+ Se queres que eu acredite,
+ minha pallida amiga,
+ Nas palavras da cantiga:
+ No dorme quem tem amres!
+
+Por isso eu vlo cantando,
+ E esta guitarra suspira,
+ E o meu corao delira
+ Mal vem a lua apontando...
+ que, noite, lirio branco,
+ Os astros guardam segredo
+ Dos beijos dados a medo...
+ Por isso eu vlo cantando...
+
+Quero vr-te, como outrora
+ Nesse postigo inclinada,
+ Conversando enamorada
+ At ao raiar da aurora...
+ Um leno posto no liso
+ Dos teus hombros jaspeados,
+ Os cabellos destranados...
+ Quero vr-te como outrora.
+
+No te assustes, Julieta,
+ Que a manh te encontre ainda
+ Bebendo a cano infinda
+ Que solua o teu poeta.
+ Cantar de entre os loureiros
+ Uma alegre cotovia,
+ Mal venha rompendo o dia...
+ No te assustes, Julieta!
+
+Mas dorme a branca Thereza,
+ Cerrada a janella sua;
+ Espalha-se a luz da lua
+ Pela poetica deveza...
+ Entre os sinceiros da margem,
+ Murmura e corre o Mondego,
+ Que tristeza e que socgo!
+ Ai! dorme, dorme, Thereza!
+
+
+
+
+AS ONDINAS
+
+H. HEINE
+
+Ao Visconde de Castilho II
+
+
+Na praia tranquilla murmuram sonoras
+ As ondas do mar.
+ E, ao dce das aguas murmrio palreiro,
+ Na areia dormita gentil cavalleiro
+ luz do luar.
+
+As bellas ondinas emergem das grutas
+ De vivo coral,
+ Accrrem ligeiras, e apontam, sorrindo,
+ O moo que julgam devras dormindo
+ No argenteo areal.
+
+Vem esta, e perpassa do gorro nas plumas
+ As mos de setim.
+ E aquella, com gesto divino, gracioso,
+ Nos ares levanta do joven formoso
+ O aureo telim.
+
+Ess'outra, que lavas, que fogo no vibram
+ Seus olhos de anil!
+ Debrua-se e arranca-lhe a rtila espada,
+ Nos copos brilhantes se apoia azougada,
+ Travessa e gentil.
+
+A quarta, saltando, retoua, lasciva,
+ Do moo em redor;
+ Suspira mansinho, de manso murmra:
+ Podsse eu em vida gosar a ventura
+ Do teu fino amr!
+
+A quinta rebeija-lhe as mos, enlevada
+ Num sonho feliz,
+ E a sexta, com tremula e dce esquivana,
+ Perfuma-lhe a bcca, formosa creana!
+ Com beijos subtis...
+
+E o moo, fingindo que dorme tranquillo,
+ No quer acordar.
+ E deixa que o abracem as bellas Ondinas,
+ E languido gosa caricias divinas
+ luz do luar...
+
+
+
+
+NO JOGO DAS CANNAS
+
+A Camillo Castello Branco
+
+
+Em garbosos corceis da Arabia cavalgando
+ Entram na larga arna os prceres luzidos;
+ Corusca a pedraria, e esplendem, fluctuando,
+ Dos cocres a pluma e a sda dos vestidos.
+
+A quadrilha gentil dos Tavoras ardidos,
+ Com os lacaios da Trre um prlio simulando,
+ Tera galhardamente; o apparatoso bando
+ Deixa os olhos da turba em extase embebidos.
+
+Nas janellas do pao toda a fidalguia:
+ Que jocundo prazer, que risos, que alegria!
+ Espectaculo augusto, e nobre, e singular!
+
+O sexto Affonso applaude: emtanto, maliciosa,
+ Maria de Nemours, sorrindo, a incestuosa!
+ No cunhado, subtil, poisa o lascivo olhar...
+
+
+
+
+NUNCA EU TE LSSE, BALLADA!
+
+
+Suspende a dura sentena
+ Que de teus labios ouvi.
+ E ergue do cho os quebrados
+ Teus negros olhos magoados,
+ Quando me acerco de ti.
+
+Ergueste-os, encantadra!
+ Mas antes do teu perdo,
+ Attende-me, e ouve, senhora,
+ Com todo o teu corao.
+
+Escuta:
+ A um rei namorado
+ Sincera e fiel amante,
+ Ao morrer, tinha deixado,
+ De antigo affecto em penhor,
+ Cinzelada taa de ouro
+ Do mais subido valor.
+
+O rei preferia a tudo
+ Aquella doce lembrana
+ Que lhe trazia os armas
+ De umas fluctuantes cmas,
+ E de uns labios de veludo,
+ Que elle beijra em creana.
+
+Toda a vez que elle bebia
+ Por esse vaso sagrado,
+ Uma extatica alegria
+ Como flr ideal sorria
+ No seu turvo olhar canado.
+
+Um dia sentiu-se o pobre
+ Mais triste, velho e abatido,
+ Abraou-se commovido
+ taa, o tremulo amante:
+
+E as lagrimas, uma a uma,
+ Deslisaram nesse instante
+ Nos rudes flcos de espuma
+ Da longa barba fluctuante.
+
+Naquella hora de agonia,
+ Chamou seus filhos e herdeiro,
+ Deu-lhes tudo o que possuia,
+ Ouro, palacios, riquezas,
+ O seu castello roqueiro,
+ E as suas largas devezas.
+
+Dividiu tudo, contente;
+ A taa guardou smente.
+
+Sentindo fugir-lhe a vida,
+ Manda o triste convidar
+ Seus pares, filhos e herdeiro
+ Para um festim derradeiro
+ No castello sobranceiro
+ s verdes aguas do mar...
+
+Em meio da festa, o velho
+ Ergueu a taa e, sorrindo,
+ Embebido o olhar no infindo,
+ Um frouxo canto soltou...
+
+E mal o canto findra,
+ No leito da onda amara
+ A taa de ouro lanou...
+
+Eram profundos ciumes
+ Os d'esse rei namorado,
+ Que no fosse alguem beber
+ Por esse vaso sagrado,
+ E viesse a conhecer
+ Os cariciosos perfumes
+ Que o tinham embriagado...
+
+Hontem, tarde, beijando-a
+ De teu labio a viva rosa,
+ Lembrou-me a historia singela
+ D'essa ballada amorosa;
+ E dentro em mim de repente
+ Tam extranha dr senti,
+ Que num impeto demente
+ De teu labio humido e ardente
+ Com trvo aspecto fugi!
+
+Lembrou-me, cabea louca!
+ Que se eu acaso morresse,
+ Talvez um outro sorvesse
+ Os beijos da tua bcca...
+
+E no azul indefinido,
+ minha piedosa anmona!
+ Cuidei ouvir o gemido
+ Da moribunda Desdemona...
+
+Ai, desavisado amr!
+ Perda, sombra adorada!
+ Nunca eu te avistasse, flr!
+ Nunca eu te lsse, ballada!
+
+
+
+
+A NEGRA
+
+Ao dr. A. A. da Fonseca Pinto
+
+
+Teus olhos, robusta creatura,
+ filha tropical!
+ Relembram os pavres de uma escura
+ Floresta virginal.
+
+s negra sim, mas que formosos dentes,
+ Que perolas sem par
+ Eu vejo e admiro em rubidos crescentes
+ Se te escuto fallar!
+
+Teu corpo forte, elastico, nervoso.
+ Que doce a ondulao
+ Do teu andar, que lembra o andar gracioso
+ Das onas do serto!
+
+As languidas sinhs, gentis, mimosas,
+ Desprezam tua cr,
+ Mas invejam-te as formas gloriosas
+ E o olhar provocadr.
+
+Mas andas triste, inquieta e distrahida;
+ Foges dos cafesaes,
+ E no escuro das mattas, escondida,
+ Soltas magoados ais...
+
+Nas esteiras, noite, o corpo estiras
+ E, com ancias sem fim,
+ Levas aos seios ns, beijas e aspiras
+ Um candido jasmim...
+
+Amas a lua que embranquece os mattos,
+ negra jurity!
+ A flr da laranjeira, e os niveos cctos
+ E tens horrr de ti!...
+
+Amas tudo o que lembre o _branco_, o rosto
+ Que viste por teu mal,
+Um dia que sahias, ao sol psto,
+ De um verde taquaral...
+
+
+
+
+MATER DOLOROSA
+
+A Rangel de Lima
+
+
+Quando se fez ao largo a nave escura
+ Na praia essa mulher ficou chorando,
+ No doloroso aspecto figurando
+ A lacrymosa estatua da amargura.
+
+Dos cus a curva era tranquilla e pura:
+ Das gementes alcyones o bando
+ Via-se ao longe, em circulos, voando
+ Dos mares sobre a crula planura.
+
+Nas ondas se atufra o sol radioso,
+ E a lua succedra, astro mavioso,
+ De alvr banhando os alcantis das fragas...
+
+E aquella pobre me, no dando conta
+ Que o sol morrra, e que o luar desponta,
+ A vista embebe na amplido das vagas...
+
+
+
+
+AS PRIMEIRAS LAGRIMAS DE EL-REY
+
+A M. Pinheiro Chagas
+
+
+I
+
+O principe morrra, e logo os cortezos,
+ Em prantos derredor do mortuario leito,
+ Erguem a voz em grita aos ceus levando as mos.
+
+II
+
+El-Rey, Joo segundo, a fronte sobre o peito,
+ Contempla dos brandes luz ensanguentada
+ O filho, e a dr lhe avinca o grave e duro aspeito.
+
+III
+
+E eis que, a um gesto do rei, a turba consternada
+ A pouco e pouco se, reina o silencio, apenas
+ Cortado pelo uivar longinquo da nortada.
+
+IV
+
+Sobre o filho curvado, immerso em cruas penas,
+ Aquelle rei sinistro, energico e tigrino,
+ Tinha na frouxa voz modulaes serenas.
+
+V
+
+E o filho inerte e mudo! ento num desatino
+ Deixou-se El-Rey car, ao acaso, num escabllo
+ E quedou-se a pensar no seu atroz destino.
+
+VI
+
+Um enorme, um confuso e bronzeo pesadlo
+ Cau-lhe sobre o enfrmo espirito enluctado,
+ E o suor inundou-lhe as barbas e o cabello.
+
+VII
+
+Talvez que o triste visse, em sonho allucinado,
+ Do duque de Vizeu o espectro vingativo
+ Apontando-lhe, a rir, o Infante inanimado.
+
+VIII
+
+E escutasse a feroz imprecao que altivo
+ No cadafalso, outrra, o duque de Bragana
+ s faces lhe cuspiu com gesto convulsivo.
+
+IX
+
+Subito ergue-se o rei, e para o leito avana,
+ E uma lagrima ento, embalde reprimida,
+ Das barbas lhe cahiu no rosto da creana...
+
+X
+
+A vez primeira foi que El-Rey chorou em vida.
+
+
+
+
+O CURA SANCTA CRUZ
+
+CONTO DE A. DAUDET
+
+Ao dr. Sousa Martins
+
+
+O implacavel carlista, o Cura Sancta Cruz,
+ Que em nome do seu rei, e em nome de Jesus,
+ Da Navarra febril leva do sul ao norte
+ O odio, a perseguio, o incendio, o estrago, a morte.
+
+Nessa clara manh risonha do Natal,
+ Tendo sobre o uniforme a veste clerical,
+ Na montanha, ao ar livre, luz do sol, diz missa
+ guerrilha que o escuta extatica e submissa.
+
+Como um rebanho vil, a um lado, os prisioneiros
+ Ouvem-no, a tiritar, cheios de um medo atroz:
+ Olham-se mutuamente os trvos companheiros,
+ E murmuram: meu Deus, o que ser de ns?
+
+Porque emfim toda a vez que o sanguinario Cura
+ Se volta, e o _oremus_ diz, segundo o ritual,
+ Da sacra vestimenta avultam na brancura
+ De pistolas um jogo e a frma de um punhal.
+
+Quando afinal chegou o instante, a occasio
+ Em que a missa termina, o Cura, erguendo um brao,
+ Grave traou no ar e na mudez do espao
+ O clemente signal da paz e do perdo.
+
+A missa terminra.
+
+ O Cura nesse dia
+Como sentisse n'alma uns raios de alegria,
+ De bondade e de amor, foi-se direito ao bando
+ Dos captivos, e assim fallou circumvagando
+ A vista em derredor: _Hermanos, viva Dios!_
+
+Corre ahi que sou mu, fanatico e feroz...
+ Pois em breve ides ver como se engana, quem
+ Diz que eu sou o anti-Christo e que abomino o bem.
+ Como dia de festa e dia de Natal,
+ Dou-vos a liberdade, e no vos quero mal!
+
+Mas haveis de primeiro, e isto, prompto e sem custo
+ De joelhos beijar o pavilho augusto
+ De El-Rey nosso senhor...
+ E mandou desfraldar
+ O carlista pendo, branco como o luar...
+
+Todos logo porfia atiram-se por terra
+ E um grito: Viva El-Rey! echoou de serra em serra.
+
+No emtanto um prisioneiro, um moo imberbe ainda,
+ Firme ficou de p, e olhava com infinda
+ Expresso de desdem a extranha vilania...
+ Braos postos em cruz, e intrepido sorria.
+
+E tu? surprezo disse e transtornado o Cura.
+ --Padre, volveu-lhe o esbelto joven, com brandura,
+ --Mata-me! aqui me tens! rio-me d'esse panno!
+ --Ao teu rei no me curvo... Eu sou republicano...--
+
+O Cura um acno fez; formou-se um peloto:
+ Vamos! inda uma vez, viva D. Carlos!
+
+ --No!--
+
+E havia nessa voz tamanha heroicidade
+ E uma energia tal, que uns longes de piedade
+ Scintillaram no olhar do trvo guerrilheiro.
+
+Muito bem, morrers: mas dize-me primeiro,
+ O que desejas tu? Queres beber, fumar?...
+
+--Padre, se vou morrer, quero-me confessar...
+ Ouvir-te-hei! disse o Cura, e, ao acaso, num granito
+ Assentou-se.
+
+ O captivo, olhos no cho, contrito
+ Os joelhos dobrou... Nesse fugaz instante
+ Elle viu, elle viu, num sonho lacrymante,
+ A sua infancia, o lar, o tecto de seus paes,
+ Os choupos do seu rio, os placidos cases:
+ Viu a noiva gentil, a egreja, os arvoredos
+ E os parentes e irmos, socios de seus brinquedos.
+
+Ah! quem pde esquecer o seu paiz natal!
+Ah! quem pde esquecer a beno maternal!
+
+Em distancia a guerrilha os dous observa... Ento
+ Emquanto o padre escuta attento o prisioneiro,
+ Subito uma descarga estoira na amplido.
+ Tremem a serra e o val, treme o desfiladeiro.
+
+s armas! o inimigo! a sentinella brada.
+ De golpe ergue-se o Cura, e jldra amotinada
+ Va, d ordens, clama, emquanto as balas chovem.
+Nisto viu que inda estava ajoelhado o joven!
+Pra.
+ Que fazes tu? indaga em tom severo
+ --Padre, diz a creana, a absolvio espero--
+
+E em meio da febril convulso da batalha,
+ Emquanto rompe e rasga os ares a metralha,
+ Viu-se o Cura depois de abenoar, ligeiro,
+ A fronte juvenil do heroico prisioneiro,
+ Pegar de uma clavina, e dando um passo ao lado,
+ Varar tranquillamente o craneo do soldado.
+
+
+
+
+A VENDA DOS BOIS
+
+Ao dr. J. de Vasconcellos Gusmo
+
+
+I
+
+O velho entrra triste: ao p, juncto do lar,
+ Estava a companheira, absrta, a meditar.
+
+--Mulher, a f perdi, fallei a toda a gente,
+ E ninguem me valeu!--E ella com voz tremente:
+ Dize-me, e o brazileiro?
+ --Esse foi o primeiro.
+
+--Bat, fui ter com elle casa do jantar.
+ Expliquei-lhe ao que vinha... entrou a gracejar:
+ Com que ento voc quer _livrar_ o seu rapaz?...
+ Visinho, to mal faz!
+ Deixe-me ir cada qual sorte e ao seu destino!
+ Seu filho um moceto valente e muito digno
+ De servir o paiz...
+
+ --E descascava um fructo...
+ --Desatei a chorar... --Homem no seja bruto!
+ A farda no morte...
+ --E disse mais e mais
+ --Cousas de quem no sabe a dr de uns tristes paes!
+
+E emquanto o velho punha a vista lacrymosa
+ Nos brazidos, a voz da me afflicta e anciosa
+ Perguntou: e o prior?
+ --Negou, negou tambem!--
+ A angustiada me
+ Retorcia o avental com mo febril, ardente.
+
+No silencio da noite ento distinctamente,
+ Um profundo mugido,
+ Triste como um gemido,
+ Longo e longo chorou no lugubre aposento...
+
+ Entreolharam-se os dois...
+Nisto acde mulher um estranho pensamento...
+ Temos ainda os bois!
+ Vendamol-os! E ria...
+ O entristecido olhar
+ Do velho lavrador de lagrymas nublou-se.
+ E entrou a suspirar:
+ --Vender os infelizes!
+ --Uns pobres animaes, a quem s mingoa a fala
+ --Para serem Christos! Parece que me estala
+ --No peito o corao... Vender os infelizes!...
+ --Pois seja assim, mulher! Farei o que tu dizes...
+
+
+II
+
+ Vinha rompendo a aurora
+ Risonha, virginal, feliz como um noivado,
+ Das aves compita o tremulo trinado
+ Entre as balsas gorgeava. Era em descano a nra.
+
+No emtanto o lavrador, tremente e vacillante
+ Como um ladro nocturno, ou como um namorado,
+ Abriu, de par em par, as portas do curral.
+ Subito nesse instante
+ Volveram para a entrada os bois o olhar leal,
+ Bondoso, humano e franco.
+
+ Que festiva alegria
+ O frequente menear das caudas traduzia
+ Resvalando em seu forte e musculoso flanco!
+
+ O velho antigamente
+ Tinha sempre, ao chegar, uma palavra amiga,
+ Um dicto, uma cantiga,
+ A que sempre um mugido alegre respondia.
+ Mas naquella manh, silenciosamente,
+ Fatal como o dever
+ O velho foi buscar, a um canto, uma correia,
+ E lanou-a a tremer
+ Dos anafados bois s pontas recurvadas.
+
+E sahiram os tres.
+ Nos concavos da aldeia
+ Choviam as canes das aves namoradas.
+
+
+III
+
+No ces ha o moirejar das fabricas ruidoso;
+ Feroz e discordante
+ Juncta-se voz humana o arfar estrepitante
+ Dos valentes pulmes das machinas inglezas.
+
+ Em novellos, ancioso,
+ Golpham as chamins o denso e o escuro fumo
+ Que ascende e toma o rumo
+ Do claro e vasto azul, vazio de tristezas.
+
+Como um cetceo ingente, encarvoado e feio
+ Um enorme Vapr
+ De outros avulta em meio.
+ Em seu largo convez a marinhagem canta
+ E na faina febril as ancoras levanta.
+
+Naquella espessa nu, um velho, um lavradr
+ Entre a faina do ces, fita o dolente olhar...
+ que ali dentro vo os bois, o seu amr...
+ E quella magoa intensa
+ E inenarravel dr
+ Responde a descuidosa e gelida indifferena
+ Dos Homens, e dos Cus, e do profundo Mar...
+
+
+
+
+AO RABEQUISTA
+EUGENIO DEGREMONT
+
+Recitada na noite de 25 de fevereiro de 1876
+no theatro de S. Joo do Porto
+
+
+Vde-o! to creana! mes, olhae-o!
+ Como vivo o fulgor e ardente o raio
+ Que vibra nesse olhar!
+ Faz gosto vel-o assim to pequenino
+ Enlevado nos sons do violino
+ A sonhar, a sonhar...
+
+E ao passo que a sua alma vae sonhando,
+ Vo-se ante nossos olhos desdobrando
+ Quadros a mil e mil.
+ A rabeca suspira? Assim amenas
+ So na longinqua roa as cantilenas
+ Das moas do Brazil.
+
+Vibra rispidos sons? E logo ouvimos
+ Curvar o vento da floresta os cimos
+ Com ruidoso fragr...
+ E uivam pintadas onas e as araras
+ Roam, fugindo, as tremulas taquaras,
+ E crocita o condr.
+
+Enterrados nas humidas pastagens
+ Mugem raivosos bufalos selvagens,
+ E por entre os saraes
+ Pula a panthera; os jacars astutos
+ Choram, fingindo lacrymosos lutos
+ Nos fulvos areaes.
+
+Soluou a rabeca? Ouvi, formosas,
+ So os negros soltando as lastimosas
+ Canes do seu paiz;
+ Sem familia, sem patria, sem amres,
+ Ninguem mitiga o fel daquellas dres,
+ Triste raa infeliz!
+
+Agora, como em namorado anceio,
+ Sae da rabeca um languido gorgeio
+ Que enleva o corao.
+ E a saudade repinta-nos ao vivo
+ Dos sabis o cantico lascivo
+ Nas sombras do serto.
+
+Tudo isso e mais eu vejo, admiro e escuto,
+ Com meu olhar de prantos no enxuto,
+ creana gentil,
+ Que em vez de perseguir as borboletas
+ Vens batalhar no meio dos atletas
+ E honrar o teu Brazil!
+
+No presumas, porm, prodigio das creanas!
+ Que basta o fogo, o estro, a viva inspirao;
+ mister trabalhar, sem isso nada alcanas;
+ A gloria chamars, ser-te-ha o appello em vo.
+
+Pois que! tu cuidars, creana, porventura
+ Que sem luctar, soffrer, sem horridos tormentos
+ O artista poderia erguer aos quatro ventos
+ A Epopa, o Drama, a Estatua, a Partitura?
+
+Vamos, trabalha pois meu precoce artista,
+ Dos precipicios ri, vinga-me o barrocal!
+ Para o profundo azul estende a larga vista.
+ Eis-te nos alcantis! Eleva-te ao ideal!
+
+
+
+
+AS VELHAS NEGRAS
+
+A M.^{me} Aline de Gusmo
+
+
+As velhas negras, coitadas,
+ Ao longe estam assentadas
+ Do batuque folgaso.
+ Pulam creoulas faceiras
+ Em derredor das fogueiras
+ E das pipas de alcatro.
+
+Na floresta rumorosa
+ Esparge a lua formosa
+ A clara luz tropical.
+ Tremeluzem pyrilampos
+ No verde-escuro dos campos
+ E nos concavos do val.
+
+Que noite de paz! que noite!
+ No se ouve o estalar do aoite,
+ Nem as pragas do feitor!
+ E as pobres negras, coitadas,
+ Pendem as frontes canadas
+ Num lethargico torpr!
+
+E scismam: outrora, e d'antes
+ Havia tambem descantes,
+ E o tempo era tam feliz!
+ Ai! que profunda saudade
+ Da vida, da mocidade
+ Nas mattas do seu paiz!
+
+E ante o seu olhar vazio
+ De esperanas, frio, frio
+ Como um vu de viuvez,
+ Resurge e chora o passado
+ --Pobre ninho abandonado
+ Que a neve alagou, desfez...--
+
+E pensam nos seus amres
+ Ephemeros como as flres
+ Que o sol queima no serto...
+ Os filhos, quando crescidos,
+ Foram levados, vendidos,
+ E ninguem sabe onde esto.
+
+Conheceram muito dono:
+ Embalaram tanto somno
+ De tanta sinh gentil!
+ Foram mucambas amadas,
+ E agora inuteis, curvadas,
+ Numa velhice imbecil!
+
+No emtanto o luar de prata
+ Envolve a collina e a matta
+ E os cafeses em redor!
+ E os negros, mostrando os dentes,
+ Saltam lepidos, contentes,
+ No batuque estrugidor.
+
+No espaoso e amplo terreiro
+ A filha do Fazendeiro,
+ A sinh sentimental,
+ Ouve um primo recem-vindo,
+ Que lhe narra o poema infindo
+ Das noites de Portugal.
+
+E ella avista, entre sorrisos,
+ De uns longinquos paraisos
+ A tentadra viso...
+ No emtanto as velhas, coitadas,
+ Scismam ao longe assentadas
+ Do batuque folgaso...
+
+
+
+
+O RELOGIO
+
+No album de Eduardo Burnay
+
+
+Eburneo o mostradr: as horas so de prata,
+ L-se a firma Breguet por baixo do gracioso
+ Rendilhado ponteiro; a tampa enorme e chata:
+ Nella o esmalte produz um quadro delicioso.
+
+Rapara: eis um salo: casquilho malicioso
+ Das festas cortess o mimo a flr, a nata,
+ Juncto a um cravo sonoro a alegre voz desata.
+ Uma fidalga o escuta ebria de amr e gso.
+
+Rasga-se ampla a janella: ao longe o olhar descobre
+ O correcto jardim e o parque extenso e nobre.
+ As nuvens no alto cu fluctuam como espumas,
+
+Da paizagem no fundo, em lago transparente,
+ Onde se espelha o azul e o laranjal frondente,
+ Um cysne luz do sol estende as niveas plumas.
+
+
+
+
+A MORTE DE D. QUICHOTE
+
+Ao Conde de Sabugosa
+
+
+Rto o escudo, sem lana, a cta escalavrada,
+ Ssinho, abandonado e ta como um cego,
+ Do crepusculo luz dolente e immaculada
+ Entra na sua aldeia o altivo heroe Manchego.
+
+O tenue fumo se do clmo das herdades,
+ Riem ao p da fonte as frescas raparigas,
+ E clara vibrao sonora das trindades
+ Junctam-se brandamente as vozes e as cantigas.
+
+E o audaz Campeador, o Justiceiro, o Forte,
+ Que andra pelo mundo a combater os mus,
+ Defendendo a Mulher, desafiando a Morte,
+ Do paterno casal sentou-se nos degrus.
+
+Nos joelhos fincando o cotovlo agudo
+ E no punho cerrado a fronte reclinando,
+ Quedou-se largo espao, illacrymavel, mudo,
+ Para o inutil passado os olhos alongando...
+
+E ali, na dce paz da sua alegre aldeia,
+ Sentiu que o avassallava uma tristeza infinda,
+ Quando esta voz se ouviu: morreu-te a Dulcina,
+ Missionario do Bem, tua misso finda!
+
+E elle a ouvir e a scismar! A trefega sobrinha
+ Beija-o, falla-lhe, ri, abraa-o, mas o Here
+ Dest'arte lhe volveu A morte se avisinha,
+ Levae-me para o leito! E ouvil-o pena e de.
+
+Do leito cabeceira o Bacharel e o Cura
+ Tentam resuscitar-lhe os sonhos e as chymeras;
+ Pintam-lhe o negro Mal triumphante, amargura!
+ O fraco aos ps do forte, o bom lanado s fras...
+
+Contam-lhe o frio horror dos carceres sem luz.
+ Que nas trres feudaes pompeava o velho Crime.
+ Que os crescentes do Islam tinham vencido a Cruz,
+ Que a Injustia era a Lei... Ento feroz, sublime.
+
+Inquieto, semi-n, sinistro, o cavalleiro
+ Bradou como um trovo: Enverguem-me a loriga!
+ Sellem-me o Rocinante, Sancho, escudeiro,
+ Traze-me a lana, prsto! e a minha espada amiga!
+
+Tinha em brazas o olhar, e truculento o aspeito,
+ E vibrava em redr a imaginaria lana...
+ Logo depois cahiu do respaldar do leito,
+ Morto: tendo no labio um riso de creana!
+
+
+
+
+INDICE
+
+
+A minha mulher 1
+Confidenza 3
+O velhinho 8
+Animal bravio 10
+Ad agros 12
+A nuvem 14
+O juramento do arabe 16
+Num leque 19
+Olhos de Judia 20
+Numeros do Intermezzo:
+ I 24
+ II 25
+ III 26
+ IV 28
+ V 29
+ VI 30
+ VII 32
+ VIII 34
+ IX 36
+ X 38
+ XI 40
+ XII 42
+ XIII 44
+ XIV 46
+ XV 47
+ XVI 48
+ XVII 50
+ XVIII 52
+ XIX 54
+ XX 55
+ XXI 56
+ XXII 58
+ XXIII 60
+ XXIV 62
+O minute 65
+O coveiro 70
+Adeus! 72
+Camoneana:
+ A egreja das Chagas 76
+ A leitura dos Lusiadas 78
+ Annos depois 80
+Esphynge 83
+A ceia de Tiberio 85
+Trio de poetas:
+ Joo de Lemos 90
+ Joo de Deus 92
+ Joo Penha 94
+Chymeras 97
+Odor di femina 99
+Em caminho da guilhotina 101
+A viuva 104
+Flr do pantano 106
+A resposta do inquisidr 108
+Fervet amor 112
+Na aldeia 114
+Estudantina 116
+As Ondinas 119
+No jogo das cannas 122
+Nunca eu te lsse, ballada 124
+A negra 129
+Mater dolorosa 132
+As primeiras lagrimas de El-Rey 134
+O Cura Sancta Cruz 137
+A venda dos bois 142
+Ao rabequista Eugenio Degremont 147
+As velhas negras 151
+O relogio 155
+A morte de D. Quichote 157
+
+
+
+
+TERMINOU-SE A IMPRESSO
+
+NOS PRELOS DA
+
+IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA
+
+a 6 de maro de 1882
+
+[Figura]
+
+
+_18, Rua Oriental do Passeio_
+LISBOA
+
+
+
+
+Lista de erros corrigidos
+
+
+Aqui encontram-se listados todos os erros encontrados e corrigidos:
+
+
+ +----------+-----------------------+---------------------------+
+ | | Original | Correco |
+ +----------+-----------------------+---------------------------+
+ |#pg. 30 | V | VI |
+ |#pg. 50 | XVI | XVII |
+ +----------+-----------------------+---------------------------+
+
+Identificmos a duplicao de ttulos em numerao romana.
+Rectificmos mantendo a ordenao crescente, nomeadamente nos casos
+referidos acima.
+
+
+
+
+
+End of the Project Gutenberg EBook of Nocturnos, by Gonalves Crespo
+
+*** END OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK NOCTURNOS ***
+
+***** This file should be named 44211-8.txt or 44211-8.zip *****
+This and all associated files of various formats will be found in:
+ http://www.gutenberg.org/4/4/2/1/44211/
+
+Produced by Rita Farinha and the Online Distributed
+Proofreading Team at http://www.pgdp.net (This file was
+produced from images generously made available by National
+Library of Portugal (Biblioteca Nacional de Portugal).)
+
+
+Updated editions will replace the previous one--the old editions
+will be renamed.
+
+Creating the works from public domain print editions means that no
+one owns a United States copyright in these works, so the Foundation
+(and you!) can copy and distribute it in the United States without
+permission and without paying copyright royalties. Special rules,
+set forth in the General Terms of Use part of this license, apply to
+copying and distributing Project Gutenberg-tm electronic works to
+protect the PROJECT GUTENBERG-tm concept and trademark. Project
+Gutenberg is a registered trademark, and may not be used if you
+charge for the eBooks, unless you receive specific permission. If you
+do not charge anything for copies of this eBook, complying with the
+rules is very easy. You may use this eBook for nearly any purpose
+such as creation of derivative works, reports, performances and
+research. They may be modified and printed and given away--you may do
+practically ANYTHING with public domain eBooks. Redistribution is
+subject to the trademark license, especially commercial
+redistribution.
+
+
+
+*** START: FULL LICENSE ***
+
+THE FULL PROJECT GUTENBERG LICENSE
+PLEASE READ THIS BEFORE YOU DISTRIBUTE OR USE THIS WORK
+
+To protect the Project Gutenberg-tm mission of promoting the free
+distribution of electronic works, by using or distributing this work
+(or any other work associated in any way with the phrase "Project
+Gutenberg"), you agree to comply with all the terms of the Full Project
+Gutenberg-tm License (available with this file or online at
+http://gutenberg.org/license).
+
+
+Section 1. General Terms of Use and Redistributing Project Gutenberg-tm
+electronic works
+
+1.A. By reading or using any part of this Project Gutenberg-tm
+electronic work, you indicate that you have read, understand, agree to
+and accept all the terms of this license and intellectual property
+(trademark/copyright) agreement. If you do not agree to abide by all
+the terms of this agreement, you must cease using and return or destroy
+all copies of Project Gutenberg-tm electronic works in your possession.
+If you paid a fee for obtaining a copy of or access to a Project
+Gutenberg-tm electronic work and you do not agree to be bound by the
+terms of this agreement, you may obtain a refund from the person or
+entity to whom you paid the fee as set forth in paragraph 1.E.8.
+
+1.B. "Project Gutenberg" is a registered trademark. It may only be
+used on or associated in any way with an electronic work by people who
+agree to be bound by the terms of this agreement. There are a few
+things that you can do with most Project Gutenberg-tm electronic works
+even without complying with the full terms of this agreement. See
+paragraph 1.C below. There are a lot of things you can do with Project
+Gutenberg-tm electronic works if you follow the terms of this agreement
+and help preserve free future access to Project Gutenberg-tm electronic
+works. See paragraph 1.E below.
+
+1.C. The Project Gutenberg Literary Archive Foundation ("the Foundation"
+or PGLAF), owns a compilation copyright in the collection of Project
+Gutenberg-tm electronic works. Nearly all the individual works in the
+collection are in the public domain in the United States. If an
+individual work is in the public domain in the United States and you are
+located in the United States, we do not claim a right to prevent you from
+copying, distributing, performing, displaying or creating derivative
+works based on the work as long as all references to Project Gutenberg
+are removed. Of course, we hope that you will support the Project
+Gutenberg-tm mission of promoting free access to electronic works by
+freely sharing Project Gutenberg-tm works in compliance with the terms of
+this agreement for keeping the Project Gutenberg-tm name associated with
+the work. You can easily comply with the terms of this agreement by
+keeping this work in the same format with its attached full Project
+Gutenberg-tm License when you share it without charge with others.
+
+1.D. The copyright laws of the place where you are located also govern
+what you can do with this work. Copyright laws in most countries are in
+a constant state of change. If you are outside the United States, check
+the laws of your country in addition to the terms of this agreement
+before downloading, copying, displaying, performing, distributing or
+creating derivative works based on this work or any other Project
+Gutenberg-tm work. The Foundation makes no representations concerning
+the copyright status of any work in any country outside the United
+States.
+
+1.E. Unless you have removed all references to Project Gutenberg:
+
+1.E.1. The following sentence, with active links to, or other immediate
+access to, the full Project Gutenberg-tm License must appear prominently
+whenever any copy of a Project Gutenberg-tm work (any work on which the
+phrase "Project Gutenberg" appears, or with which the phrase "Project
+Gutenberg" is associated) is accessed, displayed, performed, viewed,
+copied or distributed:
+
+This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with
+almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or
+re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included
+with this eBook or online at www.gutenberg.org/license
+
+1.E.2. If an individual Project Gutenberg-tm electronic work is derived
+from the public domain (does not contain a notice indicating that it is
+posted with permission of the copyright holder), the work can be copied
+and distributed to anyone in the United States without paying any fees
+or charges. If you are redistributing or providing access to a work
+with the phrase "Project Gutenberg" associated with or appearing on the
+work, you must comply either with the requirements of paragraphs 1.E.1
+through 1.E.7 or obtain permission for the use of the work and the
+Project Gutenberg-tm trademark as set forth in paragraphs 1.E.8 or
+1.E.9.
+
+1.E.3. If an individual Project Gutenberg-tm electronic work is posted
+with the permission of the copyright holder, your use and distribution
+must comply with both paragraphs 1.E.1 through 1.E.7 and any additional
+terms imposed by the copyright holder. Additional terms will be linked
+to the Project Gutenberg-tm License for all works posted with the
+permission of the copyright holder found at the beginning of this work.
+
+1.E.4. Do not unlink or detach or remove the full Project Gutenberg-tm
+License terms from this work, or any files containing a part of this
+work or any other work associated with Project Gutenberg-tm.
+
+1.E.5. Do not copy, display, perform, distribute or redistribute this
+electronic work, or any part of this electronic work, without
+prominently displaying the sentence set forth in paragraph 1.E.1 with
+active links or immediate access to the full terms of the Project
+Gutenberg-tm License.
+
+1.E.6. You may convert to and distribute this work in any binary,
+compressed, marked up, nonproprietary or proprietary form, including any
+word processing or hypertext form. However, if you provide access to or
+distribute copies of a Project Gutenberg-tm work in a format other than
+"Plain Vanilla ASCII" or other format used in the official version
+posted on the official Project Gutenberg-tm web site (www.gutenberg.org),
+you must, at no additional cost, fee or expense to the user, provide a
+copy, a means of exporting a copy, or a means of obtaining a copy upon
+request, of the work in its original "Plain Vanilla ASCII" or other
+form. Any alternate format must include the full Project Gutenberg-tm
+License as specified in paragraph 1.E.1.
+
+1.E.7. Do not charge a fee for access to, viewing, displaying,
+performing, copying or distributing any Project Gutenberg-tm works
+unless you comply with paragraph 1.E.8 or 1.E.9.
+
+1.E.8. You may charge a reasonable fee for copies of or providing
+access to or distributing Project Gutenberg-tm electronic works provided
+that
+
+- You pay a royalty fee of 20% of the gross profits you derive from
+ the use of Project Gutenberg-tm works calculated using the method
+ you already use to calculate your applicable taxes. The fee is
+ owed to the owner of the Project Gutenberg-tm trademark, but he
+ has agreed to donate royalties under this paragraph to the
+ Project Gutenberg Literary Archive Foundation. Royalty payments
+ must be paid within 60 days following each date on which you
+ prepare (or are legally required to prepare) your periodic tax
+ returns. Royalty payments should be clearly marked as such and
+ sent to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation at the
+ address specified in Section 4, "Information about donations to
+ the Project Gutenberg Literary Archive Foundation."
+
+- You provide a full refund of any money paid by a user who notifies
+ you in writing (or by e-mail) within 30 days of receipt that s/he
+ does not agree to the terms of the full Project Gutenberg-tm
+ License. You must require such a user to return or
+ destroy all copies of the works possessed in a physical medium
+ and discontinue all use of and all access to other copies of
+ Project Gutenberg-tm works.
+
+- You provide, in accordance with paragraph 1.F.3, a full refund of any
+ money paid for a work or a replacement copy, if a defect in the
+ electronic work is discovered and reported to you within 90 days
+ of receipt of the work.
+
+- You comply with all other terms of this agreement for free
+ distribution of Project Gutenberg-tm works.
+
+1.E.9. If you wish to charge a fee or distribute a Project Gutenberg-tm
+electronic work or group of works on different terms than are set
+forth in this agreement, you must obtain permission in writing from
+both the Project Gutenberg Literary Archive Foundation and Michael
+Hart, the owner of the Project Gutenberg-tm trademark. Contact the
+Foundation as set forth in Section 3 below.
+
+1.F.
+
+1.F.1. Project Gutenberg volunteers and employees expend considerable
+effort to identify, do copyright research on, transcribe and proofread
+public domain works in creating the Project Gutenberg-tm
+collection. Despite these efforts, Project Gutenberg-tm electronic
+works, and the medium on which they may be stored, may contain
+"Defects," such as, but not limited to, incomplete, inaccurate or
+corrupt data, transcription errors, a copyright or other intellectual
+property infringement, a defective or damaged disk or other medium, a
+computer virus, or computer codes that damage or cannot be read by
+your equipment.
+
+1.F.2. LIMITED WARRANTY, DISCLAIMER OF DAMAGES - Except for the "Right
+of Replacement or Refund" described in paragraph 1.F.3, the Project
+Gutenberg Literary Archive Foundation, the owner of the Project
+Gutenberg-tm trademark, and any other party distributing a Project
+Gutenberg-tm electronic work under this agreement, disclaim all
+liability to you for damages, costs and expenses, including legal
+fees. YOU AGREE THAT YOU HAVE NO REMEDIES FOR NEGLIGENCE, STRICT
+LIABILITY, BREACH OF WARRANTY OR BREACH OF CONTRACT EXCEPT THOSE
+PROVIDED IN PARAGRAPH 1.F.3. YOU AGREE THAT THE FOUNDATION, THE
+TRADEMARK OWNER, AND ANY DISTRIBUTOR UNDER THIS AGREEMENT WILL NOT BE
+LIABLE TO YOU FOR ACTUAL, DIRECT, INDIRECT, CONSEQUENTIAL, PUNITIVE OR
+INCIDENTAL DAMAGES EVEN IF YOU GIVE NOTICE OF THE POSSIBILITY OF SUCH
+DAMAGE.
+
+1.F.3. LIMITED RIGHT OF REPLACEMENT OR REFUND - If you discover a
+defect in this electronic work within 90 days of receiving it, you can
+receive a refund of the money (if any) you paid for it by sending a
+written explanation to the person you received the work from. If you
+received the work on a physical medium, you must return the medium with
+your written explanation. The person or entity that provided you with
+the defective work may elect to provide a replacement copy in lieu of a
+refund. If you received the work electronically, the person or entity
+providing it to you may choose to give you a second opportunity to
+receive the work electronically in lieu of a refund. If the second copy
+is also defective, you may demand a refund in writing without further
+opportunities to fix the problem.
+
+1.F.4. Except for the limited right of replacement or refund set forth
+in paragraph 1.F.3, this work is provided to you 'AS-IS' WITH NO OTHER
+WARRANTIES OF ANY KIND, EXPRESS OR IMPLIED, INCLUDING BUT NOT LIMITED TO
+WARRANTIES OF MERCHANTABILITY OR FITNESS FOR ANY PURPOSE.
+
+1.F.5. Some states do not allow disclaimers of certain implied
+warranties or the exclusion or limitation of certain types of damages.
+If any disclaimer or limitation set forth in this agreement violates the
+law of the state applicable to this agreement, the agreement shall be
+interpreted to make the maximum disclaimer or limitation permitted by
+the applicable state law. The invalidity or unenforceability of any
+provision of this agreement shall not void the remaining provisions.
+
+1.F.6. INDEMNITY - You agree to indemnify and hold the Foundation, the
+trademark owner, any agent or employee of the Foundation, anyone
+providing copies of Project Gutenberg-tm electronic works in accordance
+with this agreement, and any volunteers associated with the production,
+promotion and distribution of Project Gutenberg-tm electronic works,
+harmless from all liability, costs and expenses, including legal fees,
+that arise directly or indirectly from any of the following which you do
+or cause to occur: (a) distribution of this or any Project Gutenberg-tm
+work, (b) alteration, modification, or additions or deletions to any
+Project Gutenberg-tm work, and (c) any Defect you cause.
+
+
+Section 2. Information about the Mission of Project Gutenberg-tm
+
+Project Gutenberg-tm is synonymous with the free distribution of
+electronic works in formats readable by the widest variety of computers
+including obsolete, old, middle-aged and new computers. It exists
+because of the efforts of hundreds of volunteers and donations from
+people in all walks of life.
+
+Volunteers and financial support to provide volunteers with the
+assistance they need, are critical to reaching Project Gutenberg-tm's
+goals and ensuring that the Project Gutenberg-tm collection will
+remain freely available for generations to come. In 2001, the Project
+Gutenberg Literary Archive Foundation was created to provide a secure
+and permanent future for Project Gutenberg-tm and future generations.
+To learn more about the Project Gutenberg Literary Archive Foundation
+and how your efforts and donations can help, see Sections 3 and 4
+and the Foundation web page at http://www.pglaf.org.
+
+
+Section 3. Information about the Project Gutenberg Literary Archive
+Foundation
+
+The Project Gutenberg Literary Archive Foundation is a non profit
+501(c)(3) educational corporation organized under the laws of the
+state of Mississippi and granted tax exempt status by the Internal
+Revenue Service. The Foundation's EIN or federal tax identification
+number is 64-6221541. Its 501(c)(3) letter is posted at
+http://pglaf.org/fundraising. Contributions to the Project Gutenberg
+Literary Archive Foundation are tax deductible to the full extent
+permitted by U.S. federal laws and your state's laws.
+
+The Foundation's principal office is located at 4557 Melan Dr. S.
+Fairbanks, AK, 99712., but its volunteers and employees are scattered
+throughout numerous locations. Its business office is located at
+809 North 1500 West, Salt Lake City, UT 84116, (801) 596-1887, email
+business@pglaf.org. Email contact links and up to date contact
+information can be found at the Foundation's web site and official
+page at http://pglaf.org
+
+For additional contact information:
+ Dr. Gregory B. Newby
+ Chief Executive and Director
+ gbnewby@pglaf.org
+
+
+Section 4. Information about Donations to the Project Gutenberg
+Literary Archive Foundation
+
+Project Gutenberg-tm depends upon and cannot survive without wide
+spread public support and donations to carry out its mission of
+increasing the number of public domain and licensed works that can be
+freely distributed in machine readable form accessible by the widest
+array of equipment including outdated equipment. Many small donations
+($1 to $5,000) are particularly important to maintaining tax exempt
+status with the IRS.
+
+The Foundation is committed to complying with the laws regulating
+charities and charitable donations in all 50 states of the United
+States. Compliance requirements are not uniform and it takes a
+considerable effort, much paperwork and many fees to meet and keep up
+with these requirements. We do not solicit donations in locations
+where we have not received written confirmation of compliance. To
+SEND DONATIONS or determine the status of compliance for any
+particular state visit http://pglaf.org
+
+While we cannot and do not solicit contributions from states where we
+have not met the solicitation requirements, we know of no prohibition
+against accepting unsolicited donations from donors in such states who
+approach us with offers to donate.
+
+International donations are gratefully accepted, but we cannot make
+any statements concerning tax treatment of donations received from
+outside the United States. U.S. laws alone swamp our small staff.
+
+Please check the Project Gutenberg Web pages for current donation
+methods and addresses. Donations are accepted in a number of other
+ways including checks, online payments and credit card donations.
+To donate, please visit: http://pglaf.org/donate
+
+
+Section 5. General Information About Project Gutenberg-tm electronic
+works.
+
+Professor Michael S. Hart is the originator of the Project Gutenberg-tm
+concept of a library of electronic works that could be freely shared
+with anyone. For thirty years, he produced and distributed Project
+Gutenberg-tm eBooks with only a loose network of volunteer support.
+
+
+Project Gutenberg-tm eBooks are often created from several printed
+editions, all of which are confirmed as Public Domain in the U.S.
+unless a copyright notice is included. Thus, we do not necessarily
+keep eBooks in compliance with any particular paper edition.
+
+
+Most people start at our Web site which has the main PG search facility:
+
+ http://www.gutenberg.org
+
+This Web site includes information about Project Gutenberg-tm,
+including how to make donations to the Project Gutenberg Literary
+Archive Foundation, how to help produce our new eBooks, and how to
+subscribe to our email newsletter to hear about new eBooks.
diff --git a/old/44211-8.zip b/old/44211-8.zip
new file mode 100644
index 0000000..0c61be0
--- /dev/null
+++ b/old/44211-8.zip
Binary files differ
diff --git a/old/44211-h.zip b/old/44211-h.zip
new file mode 100644
index 0000000..aa9f4f2
--- /dev/null
+++ b/old/44211-h.zip
Binary files differ
diff --git a/old/44211-h/44211-h.htm b/old/44211-h/44211-h.htm
new file mode 100644
index 0000000..b82f6c7
--- /dev/null
+++ b/old/44211-h/44211-h.htm
@@ -0,0 +1,3707 @@
+<!DOCTYPE html PUBLIC "-//W3C//DTD XHTML 1.0 Strict//EN" "http://www.w3.org/TR/xhtml1/DTD/xhtml1-strict.dtd">
+<html xmlns="http://www.w3.org/1999/xhtml">
+<head>
+ <title>Nocturnos</title>
+
+
+ <meta name="AUTHOR" content="Gonalves Crespo" />
+
+ <meta http-equiv="content-type" content="text/html; charset=ISO-8859-1" />
+
+ <style type="text/css">
+body {width: 80%; margin-left:10%; text-align: justify;}
+h1, h2, h3, h4, h5 { text-align: center;}
+h1 {margin: 2em; text-align: center;}
+h2, h4 {margin-top: 2em;}
+.bbox {border: solid black 1px; margin-left: 10%; margin-right: 10%;}
+.fbox {border: solid black 1px; background-color: #FFFFCC; font-size: 75%; margin-left: 10%; margin-right: 10%;}
+.center {
+display: block;
+margin-left: auto;
+margin-right: auto;}
+.smallcaps {font-variant: small-caps;}
+.break {
+width: 32%;
+margin-left:34%;}
+.sbreak {
+width: 20%;
+margin-left:40%;}
+.breaks {
+width: 10%;
+margin-left:45%;}
+.poetry {
+margin-left:35%;}
+.poetry0 {
+margin-left:40%;}
+.poetry1 {
+margin-left:30%;}
+.poetry2 {
+margin-left:45%;}
+.poetry3 {
+margin-left:50%;}
+.poetry4 {
+margin-left:65%;}
+.pagenum { position: absolute;
+right: 5%;
+font-size: 75%;
+text-align: right;
+text-indent: 0em;
+font-style: normal;
+font-weight: normal;
+color: silver;
+background-color: inherit;
+font-variant: normal;}
+ </style>
+</head>
+
+
+<body>
+
+
+<pre>
+
+The Project Gutenberg EBook of Nocturnos, by Gonalves Crespo
+
+This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with
+almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or
+re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included
+with this eBook or online at www.gutenberg.org/license
+
+
+Title: Nocturnos
+
+Author: Gonalves Crespo
+
+Release Date: November 17, 2013 [EBook #44211]
+
+Language: Portuguese
+
+Character set encoding: ISO-8859-1
+
+*** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK NOCTURNOS ***
+
+
+
+
+Produced by Rita Farinha and the Online Distributed
+Proofreading Team at http://www.pgdp.net (This file was
+produced from images generously made available by National
+Library of Portugal (Biblioteca Nacional de Portugal).)
+
+
+
+
+
+
+</pre>
+
+
+<div>
+<div class="fbox"> <b>Nota de editor:</b>
+Devido
+existncia de erros tipogrficos neste texto,
+foram tomadas vrias decises quanto
+verso final. Em caso de dvida, a grafia foi
+mantida de acordo com o original. No final deste livro
+encontrar a lista de erros corrigidos.<br />
+<br /><div style="text-align: right; font-style: italic;">Rita
+Farinha (Novembro 2013)</div></div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<h2>NOCTURNOS</h2>
+<br />
+<br />
+<br />
+D'esta edio tiraram-se mais
+<em>trinta exemplares</em>
+que no entraram no mercado; sendo:
+<br />
+<br />
+<table style="margin-left: 10%; width: 80%;" border="0" cellpadding="2"
+cellspacing="2"><tr><td>12 exemplares em papel Japo</td><td>n.<sup>os</sup> 1 a
+12</td></tr>
+<tr><td>12 exemplares em papel Whatman</td><td>n.<sup>os</sup> 13 a
+24</td></tr>
+<tr><td>12 exemplares em papel China</td><td>n.<sup>os</sup> 25 a
+30</td></tr></table>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<div class="bbox">
+<br />
+<h3>GONALVES CRESPO</h3><br />
+<br />
+<div class="sbreak"><hr /></div>
+
+<h1>NOCTURNOS</h1><br />
+<div class="sbreak"><hr /></div>
+<br />
+<img src="images/fig01.png" width="100" height="131" alt="" class="center" />
+<br />
+<h4>LISBOA<br />
+<br />
+<em>18, Rua Oriental do Passeio</em><br />
+<br />
+1882</h4>
+</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<div style="text-align: center;"><em>Direitos reservados</em></div>
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<div class="break"><hr /></div>
+<div style="text-align: center;">LISBOA&mdash;<span class="smallcaps">Imprensa Nacional</span></div><br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<a name="p1" id="p1"></a><h3>A MINHA MULHER<br />
+<br />
+MARIA AMALIA VAZ DE CARVALHO</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry0"><em>A ti, boa e rara e fiel amiga,</em></div>
+<div class="poetry"><em>A mais sancta e a melhor das companheiras,<br />
+A ti, flr mimosa e alma antiga,<br />
+&mdash;Doce Premio que ris ao meu canao&mdash;<br />
+A ti, meu Conselho, estas ligeiras<br />
+Folhas que ponho a medo em teu regao.</em></div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<a name="p3" id="p3"></a><h3>CONFIDENZA</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry1">Perguntaste-me um dia a vida que eu levava.</div>
+<div class="poetry2">Mimosa e eburnea flr,</div>
+<div class="poetry">Em antes de te vr; respondo-te: sonhava...</div>
+<div class="poetry2">Ouviste, meu amr?</div>
+<br />
+<div class="poetry1">No era bem sonhar: s vezes largo espao</div>
+<div class="poetry2">Ficava-me a sorrir</div>
+<div class="poetry">Para os quadros que eu via em luminoso trao</div>
+<div class="poetry2">Nas tlas do porvir.</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[4]</span>
+<div class="poetry1">Presta-me o ouvido attento, escuta-me, querida,</div>
+<div class="poetry2">Os que me lembram mais:</div>
+<div class="poetry">Assim, fita nos meus, pomba estremecida,</div>
+<div class="poetry2">Os olhos teus leaes!</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Olha este quadro e v: o campo alegre e franco,</div>
+<div class="poetry2">Uma aurora de abril:</div>
+<div class="poetry">Da larga estrada beira um campanario branco,</div>
+<div class="poetry2">O cu profundo anil.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">De uma casa janella uma creana loura,</div>
+<div class="poetry2">Loura como um trigal:</div>
+<div class="poetry">Fiando luz do sol que leve a sobredoura</div>
+<div class="poetry2">De aureola ideal.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Toda risos e festa a doce creatura</div>
+<div class="poetry2">Olhava para mim,</div>
+<div class="poetry">E eu repetia a ss: alcano-te, ventura!</div>
+<div class="poetry2">Serei feliz emfim!</div>
+<br />
+<div class="poetry1">De um outro quadro ento recordo-me saudoso,</div>
+<div class="poetry2">E alongo os olhos meus</div>
+<div class="poetry">Para o quadro gentil, o sonho mais gracioso,</div>
+<div class="poetry2">Que me cahiu dos cus!</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[5]</span>
+<div class="poetry1">Fica ao longe da vil poeira das cidades</div>
+<div class="poetry2">E do seu vo rumr,</div>
+<div class="poetry">O palacio esquecido; s horas das trindades,</div>
+<div class="poetry2">Entremos nelle, flr!</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Deixemos os jardins, as aleas, o arvoredo,</div>
+<div class="poetry2">E o oloroso pomar;</div>
+<div class="poetry">Subamos essa escada, agora, a furto e a medo,</div>
+<div class="poetry2">Comecemos a olhar.</div>
+<br />
+<div class="poetry1"> vetusto o salo; em flaccida poltrona</div>
+<div class="poetry2">Repoisa e scisma alguem:</div>
+<div class="poetry">Alguem que nos recorda a imagem da Madona,</div>
+<div class="poetry2">Grave e sizuda me.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">D'esse alguem no regao um anjo se reclina</div>
+<div class="poetry2">Confiado e feliz,</div>
+<div class="poetry">Se-lhe um arma subtil da bcca pequenina.</div>
+<div class="poetry2">Falla, no sei que diz.</div>
+<br />
+<div class="poetry1"> casta essa creana e pura entre as mais puras,</div>
+<div class="poetry2">Que em sonhos vi jmais;</div>
+<div class="poetry">Tem o vago esplendr das biblicas figuras</div>
+<div class="poetry2">Dos antigos missaes.</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[6]</span>
+<div class="poetry1"> moa e menina: olhar nenhum ainda</div>
+<div class="poetry2">De leve a maculou.</div>
+<div class="poetry">Dorme no seio della o amr, a crena infinda</div>
+<div class="poetry2">Que Deus lhe confiou.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Quando ella abre, sorrindo, as palpebras franjadas,</div>
+<div class="poetry2">Ficamos a pensar</div>
+<div class="poetry">Nos mysterios do cu, nas cousas ignoradas</div>
+<div class="poetry2">Que descobre esse olhar.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Deixa que eu me ajoelhe extasiado e mudo,</div>
+<div class="poetry2">Cego de tanta luz,</div>
+<div class="poetry">E que tremulo beije o tpido veludo</div>
+<div class="poetry2">De seus psinhos ns!</div>
+<br />
+<div class="poetry1">E no cra, bem vs, a candida creana!</div>
+<div class="poetry2">Antes meiga sorri,</div>
+<div class="poetry">E entre risos me diz, compondo a escura trana:</div>
+<div class="poetry2">Pensava agora em ti!</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Porque tardaste tanto, poeta? eu te esperava</div>
+<div class="poetry2">Na minha solido!</div>
+<div class="poetry">Vem os segredos vr que para ti guardava</div>
+<div class="poetry2">Dentro do corao!</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[7]</span>
+<div class="poetry1">Concerte vossa orchestra, harmonicas espheras,</div>
+<div class="poetry2">No clico esplendor!</div>
+<div class="poetry">Maria, essa creana, flr das primaveras,</div>
+<div class="poetry2">Eras tu, meu amr!</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p8" id="p8">[8]</a></span>
+<h3>O VELHINHO</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<h5>A J. Cesar Machado</h5>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry1">Aquelle que ali vae triste e canado</div>
+<div class="poetry">E mais tremente que os juncaes do brejo.<br />
+Foi outrora o mais bello e o mais amado<br />
+Entre os moos do antigo logarejo.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Nas fitas d'esse labio desmaiado</div>
+<div class="poetry">Quantas mulheres tremulas de pejo<br />
+No sorveram os nctares do beijo<br />
+Dos trigaes sobre o leito perfumado!</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[9]</span>
+<div class="poetry1">Hoje velhinho, e falla dos francezes</div>
+<div class="poetry">Aos rapazes da eschola, e s raparigas<br />
+Que no canam de ouvil-o... As mais das vezes</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Sobre a ponte, ssinho, ouve as cantigas</div>
+<div class="poetry">Das que lavam no rio, e o olhar extende<br />
+Ao sol que ao longe na agonia esplende...</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p10" id="p10">[10]</a></span>
+<h3>ANIMAL BRAVIO</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<h5>A M<sup>elle</sup> Eugenia Vizeu</h5>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry1">Preferiras um ramo caprichoso</div>
+<div class="poetry">De escolha rara e de um concerto fino,<br />
+Onde visses o ccto purpurino<br />
+E os nevados jasmins do Tormentoso.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Em vez do ramo exotico e oloroso,</div>
+<div class="poetry">Casto recreio d'esse olhar divino,<br />
+Acceita, Eugenia, este animal felino,<br />
+Que o meu brao subjuga vigoroso.</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[11]</span>
+<div class="poetry1">Tive artes de o amansar: eil-o sereno!</div>
+<div class="poetry">Acode minha voz, e ao meu aceno<br />
+Como um jaguar voz de um saltimbanco...</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Vamos, sonto! a prumo! ajoelhe, prsto!</div>
+<div class="poetry">E doce Eugenia, do sorriso honesto,<br />
+A fimbria oscule do vestido branco!</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p12" id="p12">[12]</a></span>
+<h3>AD AGROS</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry1">No tardes, flr; a aldeia nos espera,</div>
+<div class="poetry">Chovem armas dos folhudos ramos:<br />
+Suspensa do meu brao, eia! partamos!<br />
+Olha-nos Deus da crystallina esphera.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Nas manhs da passada primavera</div>
+<div class="poetry">Com que delcia ethrea nos ammos!<br />
+Iremos vr os nomes que tramos<br />
+No rude tronco em que se enlaa a hera.</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[13]</span>
+<div class="poetry1">No tardes, meu amr, sei de um caminho,</div>
+<div class="poetry">Que sobe a encosta, e vae direito ao moinho,<br />
+Em cujas vlas bate o vento em cheio...</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Seguir-nos-ho as aves namoradas,</div>
+<div class="poetry">Que ao som das tuas infantis risadas<br />
+Modularo seu tremulo gorgeio...</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p14" id="p14">[14]</a></span>
+<h3>A NUVEM</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<h5>De Th. Gauthier</h5>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry1">As roupas deslaando, entra no banho</div>
+<div class="poetry">A languida sultana enamorada:<br />
+Livre do pente, os hombros ns lhe beija<br />
+A longa e fina trana desatada.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Atraz dos vidros o sulto a espreita;</div>
+<div class="poetry">E comsigo murmura: como bella!<br />
+Ninguem a v, ninguem! o negro eunucho<br />
+Do harem na trre solitario vela!</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[15]</span>
+<div class="poetry1">&mdash;Eu a vejo, uma nuvem lhe responde</div>
+<div class="poetry">Do sereno e alto azul illuminado:<br />
+&mdash;Vejo-lhe os seios ns, vejo-lhe o dorso,<br />
+&mdash;E o seu corpo de perolas colmado&mdash;</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Fez-se pallido Ahmehd bem como a lua,</div>
+<div class="poetry">E erguendo o seu kandjar de folha rara,<br />
+Desce, e apunhala a nua favorita...<br />
+Quanto nuvem... no azul se dissipra...</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p16" id="p16">[16]</a></span>
+<h3>O JURAMENTO DO ARABE</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<h5>A Teixeira de Queiroz</h5>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry1">Bas, mulher de Ali, pastra de camlas,</div>
+<div class="poetry">Viu de noute, ao fulgor das rtilas estrellas,<br />
+Wail, chefe minaz de barbara pujana,<br />
+Matar-lhe um animal. Bas jurou vingana;<br />
+Corre, clere va, entra na tenda e conta<br />
+A um hospede de Ali a grave e inulta affronta.</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[17]</span>
+<div class="poetry1">Bas, disse tranquillo o hospede gentil,</div>
+<div class="poetry">Vingar-te-hei com meu brao, eu matarei Wail.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Disse e cumpriu.</div>
+<br />
+<div class="poetry2">Foi esta a causa verdadeira</div>
+<div class="poetry">Da guerra pertinaz, horrivel, carniceira<br />
+Que as tribus dividiu. Na lucta fratricida<br />
+Omar, filho de Amr, perdra o alento e a vida.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Amr que lanas mil aos rudes prlios leva,</div>
+<div class="poetry">E que em sangue inimigo, irado, os odios cva,<br />
+Incansavel procura, e sempre embalde, o vil<br />
+Matador de seu filho, o trdo Muhalhil.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Uma noite, na tenda, a um moo prisioneiro,</div>
+<div class="poetry">Recem-colhido em campo, o indomito guerreiro<br />
+Fallou severo assim:</div>
+<div class="poetry3">Escravo, attende, e escuta:</div>
+<div class="poetry">Aponta-me a regio, o monte, o plaino, a gruta,<br />
+Em que vive o traidr Muhalhil, dize a verdade;<br />
+D-me que o alcance vivo, e tua a liberdade!</div>
+<br />
+<div class="poetry1">E o moo perguntou:</div>
+<div class="poetry3"> por Allah que o juras?</div>
+<span class="pagenum">[18]</span>
+<div class="poetry">&mdash;Juro, o chefe tornou&mdash;</div>
+<div class="poetry3">Sou o homem que procuras!</div>
+<div class="poetry">Muhalhil o meu nome, eu fui que espedacei<br />
+A lana de teu filho, e aos ps o subjuguei!</div>
+<br />
+<div class="poetry1">E intrpido fitava o attonito inimigo.<br />
+<br />
+Amr volveu:&mdash;s livre, Allah seja comtigo!</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p19" id="p19">[19]</a></span>
+<h3>NUM LEQUE</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry1">Amar e ser amado, que ventura!</div>
+<div class="poetry">No amar, sendo amado, um triste horrr:<br />
+Mas na vida ha uma noite mais escura,<br />
+ amar alguem que no nos tenha amr!</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p20" id="p20">[20]</a></span>
+<h3>OLHOS DE JUDIA</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry1">No transparente olhar das virgens da Allemanha</div>
+<div class="poetry">Nada um fluido subtil tam pleno de scismar,<br />
+Que a gente cuida ouvir uma sonata extranha<br />
+Num castello do Rheno em noites de luar.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Flr do Guadalquivir, gloria da ardente Hespanha,</div>
+<div class="poetry">Se dardejas, sorrindo, um teu lascivo olhar,<br />
+O crespo, o encapellado e procelloso mar<br />
+Dos desejos febris o corao nos banha.</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[21]</span>
+<div class="poetry1">Nos teus olhos porm venusta semi-deia,</div>
+<div class="poetry">Como nas mutaes de um rapido scenario,<br />
+Desdobram-se ante mim paizagens da Judeia...</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Vejo o louro Jesus vagueando solitario,</div>
+<div class="poetry">Vejo-o no Horto a chorar, ouo-lhe a voz na Ceia<br />
+E escuto-lhe o gemido extremo no Calvario.</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<h3>H. HEINE
+<br />
+<br />
+NUMEROS DO INTERMEZZO</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<h5>A M<sup>elle</sup> Louse de Almeida e Albuquerque</h5>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p24" id="p24">[24]</a></span>
+<h3>I</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry1">Rosas e lirios, pombas, sol radiante,</div>
+<div class="poetry">Tudo isso outrora, no fugaz passado,</div>
+<div class="poetry0">Eu adorei constante.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">E d'esse amr, que tive immaculado</div>
+<div class="poetry">Por lirios e aves e subtis perfumes,<br />
+Nem j me lembro, seductra amante,<br />
+Fonte pura de amr, que em ti resumes<br />
+A rosa, o lirio, a pomba e o sol radiante!</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p25" id="p25">[25]</a></span>
+<h3>II</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry1">De um lirio branco no mimoso calix</div>
+<div class="poetry2">Se eu a fosse depr</div>
+<div class="poetry">A vaga essencia de meu peito, em breve<br />
+Escutras no calice de neve</div>
+<div class="poetry2">Uma cano de amr.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Cano divina relembrando as ancias,</div>
+<div class="poetry2">E o languido tremr</div>
+<div class="poetry">Daquelle beijo, em noite mysteriosa,<br />
+Que me deram teus labios cr de rosa,</div>
+<div class="poetry2">Meu doce e casto amr!</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p26" id="p26">[26]</a></span>
+<h3>III</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry1"> luz viva do claro sol radioso</div>
+<div class="poetry">O lto inclina a fronte esmaecida,<br />
+E espera a noite pensativo e ancioso.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Rompe a lua, e derrama a luz querida</div>
+<div class="poetry2">Na corolla mimosa</div>
+<div class="poetry">Da pobre flr que se abre enlanguecida.</div>
+<div class="poetry2">Pobre flr amorosa!</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[27]</span>
+<div class="poetry1">Olhando o cu e a lua at parece</div>
+<div class="poetry2">Que, em desmaios de amr,</div>
+<div class="poetry">Treme, palpita, cra e desfallece<br />
+<br />
+A scismadora e enamorada flr!</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p28" id="p28">[28]</a></span>
+<h3>IV</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry0">Sobre os olhos formosos<br />
+Da minha doce amada</div>
+<div class="poetry1">Rimei canes que os astros decoraram;<br />
+E embalsamei-lhe a bcca perfumada</div>
+<div class="poetry0">Em terctos graciosos.</div>
+<div class="poetry1">Innumeras estancias decantaram</div>
+<div class="poetry0">Seu rsto peregrino</div>
+<div class="poetry1">Que os jaspeados lirios escurece.</div>
+<div class="poetry0">Que sonto divino</div>
+<div class="poetry1">Eu rendilhra com subtis lavres<br />
+Sobre o seu corao... se ella o tivesse!</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p29" id="p29">[29]</a></span>
+<h3>V</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry1">Pozeram-te no rsto o areo vu nupcial.</div>
+<div class="poetry">Bem sei que te perdi, mas no te quero mal.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Brilham do teu collar as pedras luminosas,</div>
+<div class="poetry">Mas no teu corao que noites luctuosas!</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Em sonhos eu desci, misera mulher,</div>
+<div class="poetry">s sombras da tua alma, e vi-te o padecer...</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Bem sei que te perdi, minha doce amada,</div>
+<div class="poetry">Mas no te quero mal, s muito desgraada</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p30" id="p30">[30]</a></span>
+<h3><a href="#e1">VI</a></h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry1">Sei-o; a tua vida sem ventura,</div>
+<div class="poetry">-nos commum esta funrea sorte.<br />
+Ce sobre ns a mesma noite escura,<br />
+E isto no finda sem que chegue a morte.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Se vejo nesse olhar um rir travsso,</div>
+<div class="poetry">E em teu labio a insolencia costumada,<br />
+E o orgulho inflar teu corao... padeo,<br />
+E murmuro: s como eu, tam desgraada!</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[31]</span>
+<div class="poetry1">Bem sei que ris, mas o teu labio treme:</div>
+<div class="poetry">Nos teus olhos azues o pranto brilha:<br />
+Tens orgulho, e essa voz suspira e geme...<br />
+Como ns somos desgraados, filha!</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p32" id="p32">[32]</a></span>
+<h3>VII</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry0">Se as flres do balsedo</div>
+<div class="poetry1">Podessem ver meu peito alanceado,<br />
+Como allivio ao meu aspero degredo,<br />
+Mandar-me-hiam, das moitas do balsedo,<br />
+De seus prantos o balsamo sagrado.</div>
+<br />
+<div class="poetry0">Se os rouxinoes da floresta</div>
+<div class="poetry1">Soubessem quanta dr me rasga o seio,<br />
+Para espancar a minha noite msta,<br />
+Mandar-me-hiam, das sombras da floresta,<br />
+O seu mais terno e encantadr gorgeio.</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[33]</span>
+<div class="poetry0">Se as estrellas do espao</div>
+<div class="poetry1">Soubessem tudo quanto soffro em vida,<br />
+Para embalar d'esta alma o vil canao,<br />
+Mandar-me-hiam, dos concavos do espao,<br />
+Uma doce palavra condoda.</div>
+<br />
+<div class="poetry0">E essa que sabe tudo,</div>
+<div class="poetry1">O inferno e o horror da minha mocidade,<br />
+ a dona das tranas de veludo,<br />
+E das unhas rosadas... sabe tudo<br />
+E apunhla-me a vida sem piedade!</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p34" id="p34">[34]</a></span>
+<h3>VIII</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry1">No me sabes dizer, minha amada,</div>
+<div class="poetry0">O motivo, a razo</div>
+<div class="poetry">Porque pendem a face desmaiada</div>
+<div class="poetry0">As rosas para o cho?</div>
+<br />
+<div class="poetry1">No me sabes dizer porque, no meio</div>
+<div class="poetry0">Do vasto prado em flr,</div>
+<div class="poetry">Das violetas ce no roxo seio</div>
+<div class="poetry0">Um vu de lucto e dr?</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[35]</span>
+<div class="poetry1">Diz-me porque ouo a voz das cotovias</div>
+<div class="poetry0">Hoje lugubre assim?</div>
+<div class="poetry">E porque exhalam mortes e agonias</div>
+<div class="poetry0">As urnas do jasmim?</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Por que motivo o sol tam claro e puro</div>
+<div class="poetry0">De crepes se vestiu?</div>
+<div class="poetry">Porque um sinistro pezadelo escuro</div>
+<div class="poetry0">Sobre a terra cahiu?</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Bem sei eu porque vejo tudo triste</div>
+<div class="poetry0">Sem luz e sem calr...</div>
+<div class="poetry"> que tu, pomba branca, me fugiste</div>
+<div class="poetry0">Meu amr, meu amr!</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p36" id="p36">[36]</a></span>
+<h3>IX</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry1">Disseram-te de mim feios horrres,</div>
+<div class="poetry">De imaginarias culpas me crivaram,<br />
+E sobre as minhas lastimaveis dres</div>
+<div class="poetry2">Um negro vu lanaram!</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Distenderam os labios sacudindo</div>
+<div class="poetry">Com grave e serio gesto a fronte, e ao cabo...<br />
+(E acreditaste-os tu, meu anjo lindo!)</div>
+<div class="poetry2">Chamaram-me o Diabo!</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[37]</span>
+<div class="poetry1">O que ha de mais escuro e de mais feio</div>
+<div class="poetry">Na minha vida, ignoram-no os sandeus,<br />
+Tam occulto este amr vive em meu seio,</div>
+<div class="poetry2"> luz dos olhos meus!</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p38" id="p38">[38]</a></span>
+<h3>X</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry">Naquella manh ditosa</div>
+<div class="poetry0">O sol mandava-nos beijos;<br />
+Do rouxinol os solfejos<br />
+Suspiravam na amplido.</div>
+<br />
+<div class="poetry">Se me lembro, ai! se me lembro</div>
+<div class="poetry0">D'esse amplexo demorado,<br />
+Com que tu, meu lirio amado,<br />
+Uniste-me ao corao!</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[39]</span>
+<div class="poetry">Grasnava o crvo agoirento,</div>
+<div class="poetry0">As sccas folhas cahiam,<br />
+E uns tristes raios desciam<br />
+Da plumbea curva dos cus.</div>
+<br />
+<div class="poetry">Se me lembro, ai! se me lembro</div>
+<div class="poetry0">Da fria e grave mesura<br />
+Que, naquella tarde escura,<br />
+Fizeste ao dizer-me&mdash;adeus!</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p40" id="p40">[40]</a></span>
+<h3>XI</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry">Fste fiel, no caminho</div>
+<div class="poetry0">Doloroso que eu seguia,<br />
+Dste-me alentos, carinho,<br />
+Meu conslo fste, e guia.</div>
+<br />
+<div class="poetry">Dste-me tudo, consorte,</div>
+<div class="poetry0">Roupa branca e at dinheiro!<br />
+E ao partir para o extrangeiro<br />
+Compraste-me o passaporte!</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[41]</span>
+<div class="poetry">Deus t'o pague, meu amr!</div>
+<div class="poetry0">E um viver te d tranquillo!<br />
+Mas que te no faa aquillo<br />
+Que tu me fizeste, flr!</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p42" id="p42">[42]</a></span>
+<h3>XII</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry1">Emquanto eu andava viajando, a minha</div>
+<div class="poetry">Noiva gentil, o meu thesouro amado,<br />
+Julgando que eu tardava e que no vinha,<br />
+Fez pressa o vestido de noivado,<br />
+E um dia, ao p do altar, entrega anciosa<br />
+A um ffo peralvilho a mo de esposa.</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[43]</span>
+<div class="poetry1">Nada no mundo a minha amada eguala;</div>
+<div class="poetry">Nem eu sei a que a possa comparar!<br />
+Que doce o aroma que o seu labio exhala!<br />
+Que gesto lindo! e que formoso olhar!<br />
+Suspende a queixa, corao trahido,<br />
+Deixaste o cu, do cu fste banido!</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p44" id="p44">[44]</a></span>
+<h3>XIII</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry1">Quando morreres, filha, ao teu jazigo</div>
+<div class="poetry">Descerei taciturno e allucinado,<br />
+E abraando esse corpo delicado,<br />
+No frio marmor dormirei comtigo.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">E tu muda, e tu fria, e tu gelada!</div>
+<div class="poetry">E eu nos meus braos a apertar-te ainda!<br />
+E nas sombras daquella noite infinda<br />
+Clamo, estremeo e morro, alma adorada!</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[45]</span>
+<div class="poetry1">Os mortos, alta noute, pouco e pouco</div>
+<div class="poetry">Erguer-se-ho, ao luar, rindo e danando;<br />
+E eu ficarei na sombra, sonho louco!<br />
+No teu seio de jaspe repoisando.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">E quando a hora chegue em que as trombtas</div>
+<div class="poetry">Do Juizo Final se ouvirem todas,<br />
+No surgirs, inveja das violetas,<br />
+Do escuro leito das eternas bdas!</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p46" id="p46">[46]</a></span>
+<h3>XIV</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry0">Do Norte sobre um monte,</div>
+<div class="poetry2">Alto frio e gelado,<br />
+Um pinheiro isolado</div>
+<div class="poetry1">Ergue entre o glo a merencoria fronte.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Todo tremulo, o misero deseja</div>
+<div class="poetry">Ser a esbelta palmeira viridente<br />
+Que em terra adusta odeia a luz ardente<br />
+Que sobre ella o implacavel sol dardeja.</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p47" id="p47">[47]</a></span>
+<h3>XV</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry1">Das minhas penas fiz canes aladas</div>
+<div class="poetry">De alegre geito e jovial feio.<br />
+Vi-as partir em doidas revoadas,<br />
+E vi-as procurar teu corao.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Partem alegres, voltam lacrymosas,</div>
+<div class="poetry">Perdido o fresco riso ingenuo e ldo,<br />
+Mas do que viram guardam, silenciosas,<br />
+O mais profundo e lugubre segredo.</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p48" id="p48">[48]</a></span>
+<h3>XVI</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry1">Eu no posso esquecer, perdo, minha senhora,</div>
+<div class="poetry">&mdash;Estes laos de amr custam a desatar&mdash;<br />
+Eu no posso esquecer, minha doce aurora,<br />
+Que subjuguei teu corpo e essa alma singular...</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Teu corpo, ai! o teu corpo esbelto, moo e branco,</div>
+<div class="poetry">J foi meu, j foi meu... mas neste instante, flr,<br />
+Da tua alma prescindo, e escuta, serei franco,<br />
+Basta-me a que possuo, ah! basta, meu amr!</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[49]</span>
+<div class="poetry1">Se um dia succeder, que esse teu seio trema</div>
+<div class="poetry">De novo juncto ao meu, hei-de insuflar-te, doudo,<br />
+Metade da minha alma, e ento, gloria suprema!<br />
+De ambos ns, meu amr, faremos um s todo...</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p50" id="p50">[50]</a></span>
+<h3><a href="#e2">XVII</a></h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry1"> domingo: o burguez deixa os asphaltos,</div>
+<div class="poetry0">Dando o brao burgueza;</div>
+<div class="poetry">Procura o campo, e, ao vl-o, exclama aos saltos:</div>
+<div class="poetry0"> filha, que lindeza!</div>
+<br />
+<div class="poetry1">E pasma do verdr febril, romantico,</div>
+<div class="poetry0">Da mrmura floresta;</div>
+<div class="poetry">E a sua longa orelha absorve o cantico</div>
+<div class="poetry0">Da passarada em festa.</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[51]</span>
+<div class="poetry1">Eu que no saio, escondo a gelosia</div>
+<div class="poetry0">Com negros cortinados,</div>
+<div class="poetry">E recebo a visita, em pleno dia,</div>
+<div class="poetry0">Dos espectros amados.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">E aquelle Amr que eu vi morrer outrora.</div>
+<div class="poetry0">No meu quarto apparece!</div>
+<div class="poetry">Senta-se ao p de mim, beija-me e chora,</div>
+<div class="poetry0">E treme e desfallece!</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p52" id="p52">[52]</a></span>
+<h3>XVIII</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry">Rompia a manh, rompia</div>
+<div class="poetry0">Alegre como um trinado,<br />
+E eu ia triste e calado,<br />
+No meio d'essa alegria,<br />
+Por entre as flres do prado...<br />
+Rompia a manh, rompia...</div>
+<br />
+<div class="poetry">Vendo-me, as flres do prado</div>
+<div class="poetry0">Mais as rosas do silvedo<br />
+Cochicharam em segredo...<br />
+E erguendo os olhos, a medo,</div>
+<span class="pagenum">[53]</span>
+<div class="poetry0">Num tom de voz repassado<br />
+Da mais branda languidez:<br />
+Como elle vae irritado,<br />
+Os olhos fitos no cho!<br />
+Perda por esta vez,<br />
+No ralhes com ella, no?</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p54" id="p54">[54]</a></span>
+<h3>XIX</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry1">Na tua face ardente e avelludada</div>
+<div class="poetry">Encandeia-se a luz do quente Estio,<br />
+Mas no teu corao, minha amada,<br />
+Habita o Inverno enregelado e frio.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Mas quem assim te v bella e formosa,</div>
+<div class="poetry">Ver mais tarde o Inverno trvo e feio<br />
+Nessa tua gentil face mimosa,<br />
+E o rubro Estio no teu branco seio!</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p55" id="p55">[55]</a></span>
+<h3>XX</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry1">No momento do <em>adeus</em> succede que os amantes</div>
+<div class="poetry">Se abraam, a chorar, com vozes soluantes.<br />
+Fora, fora partir; a mo prende-se mo,<br />
+E uma infinda tristesa inunda o corao.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Para ns, meu amr, nessa hora de agonia</div>
+<div class="poetry">No houve o padecer que as almas excrucia:<br />
+Foi grave o nosso <em>adeus</em> e frio, e s agora<br />
+ que a Dr nos subjuga, e a Angustia nos devora.</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p56" id="p56">[56]</a></span>
+<h3>XXI</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry">Sonhei: de novo suspirava o vento</div>
+<div class="poetry0">Das tilias sob a cupula odorante;<br />
+E como outrora ouvia o juramento</div>
+<div class="poetry2">Do teu amr constante.</div>
+<br />
+<div class="poetry">Que protestos de amr nesse momento!</div>
+<div class="poetry0">Mas na febre dos beijos que me deste,<br />
+Como para gravar teu juramento</div>
+<div class="poetry2">Em meus dedos mordeste!</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[57]</span>
+<div class="poetry">Dona do riso alegre, meu tormento!</div>
+<div class="poetry0">Dona de olhos azues, minha amada!<br />
+J me bastava o doce juramento,</div>
+<div class="poetry2">Foi de mais a dentada!</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p58" id="p58">[58]</a></span>
+<h3>XXII</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry1">Chorei: sonhava e era comtigo, estavas</div>
+<div class="poetry">Morta num cemiterio, fria, fria...<br />
+E, ao despertar, senti que o pranto, em lavas,<br />
+De meus canados olhos escorria.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Chorei: sonhava e era comtigo, rosa;</div>
+<div class="poetry">Havias-me, sem d, abandonado:<br />
+E, ao despertar da noite tormentosa,<br />
+Tinha o rsto de lagrimas banhado.</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[59]</span>
+<div class="poetry1">Chorei: sonhava, e era comtigo, linda!</div>
+<div class="poetry">Dizias-me, a sorrir, como eu te adoro!<br />
+Desperto, e logo numa angustia infinda,<br />
+Eis-me a chorar de novo e ainda choro!</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p60" id="p60">[60]</a></span>
+<h3>XXIII</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry0">Batido do torvelinho<br />
+O bosque palpita ao aoite<br />
+Do vento outomnal; noite.</div>
+<div class="poetry1">Monto a cavallo e metto-me a caminho.</div>
+<br />
+<div class="poetry0">E este inquieto pensamento,<br />
+E esta phantasia errante<br />
+Levaram-me nesse instante</div>
+<div class="poetry1">Ao teu virgineo e candido aposento.</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[61]</span>
+<div class="poetry0">Os ces ladram; nas sonoras<br />
+Escadas assoma gente,<br />
+E eu no marmore luzente</div>
+<div class="poetry1">Fao tinir as rtilas esporas.</div>
+<br />
+<div class="poetry0">No teu quarto da baunilha<br />
+Vam clidos armas;<br />
+Tu dormes, soltas as cmas,</div>
+<div class="poetry1">E eu nos teus braos cio, minha filha!</div>
+<br />
+<div class="poetry0">Solua o vento magoado:<br />
+Diz um carvalho altaneiro:<br />
+Cavalleiro, cavalleiro,</div>
+<div class="poetry1">Suspende o teu sonhar allucinado!</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p62" id="p62">[62]</a></span>
+<h3>XXIV</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry1">Eu enterro as canes de amr e o fel amargo</div>
+<div class="poetry2">Do meu triste sonhar:</div>
+<div class="poetry">Quero um caixo profundo, immenso, vasto e largo;</div>
+<div class="poetry2">Depressa, ide-o buscar!</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Um caixo formidando, um fretro-portento,</div>
+<div class="poetry2">Que sobreexceda e vena</div>
+<div class="poetry">O pzo sobrehumano e o enorme comprimento</div>
+<div class="poetry2">Da ponte de Mayena.</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[63]</span>
+<div class="poetry1">Trazei-m'o sem demora; eu hei-de enchl-o em breve;</div>
+<div class="poetry2">Vereis a promptido.</div>
+<div class="poetry">De Heidelberg o tonel ser pequeno e leve</div>
+<div class="poetry2">Ao p d'esse caixo.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Doze gigantes quero, o aspecto feio e rudo,</div>
+<div class="poetry2">E de um vigr sem conta,</div>
+<div class="poetry">Que me faam lembrar Christovam, o membrudo,</div>
+<div class="poetry2">Que em Colonia se aponta.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Gigantes, balouae o fretro luctuoso!</div>
+<div class="poetry2">Vamos! agora, ao mar!</div>
+<div class="poetry">Cova maior existe? Abysmo assim grandioso</div>
+<div class="poetry2">Difficil de achar.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Sabeis porque eu desejo um fretro assim largo,</div>
+<div class="poetry2">De vastas dimenses?</div>
+<div class="poetry"> que enterro, infeliz, o amr, o fel amargo</div>
+<div class="poetry2">Das minhas illuses.</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p65" id="p65">[65]</a></span>
+<h3>O MINUTE</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<h5>Ao dr. Thomaz de Carvalho</h5>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry1">Espaoso o salo: jarras a cada canto;</div>
+<div class="poetry">Admira-se o lavr do tecto de pu sancto.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Cadeiras de espaldar com fulvas pregarias:</div>
+<div class="poetry">Um enorme soph: largas tapearias.</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[66]</span>
+<div class="poetry1">O purpureo tapete aos olhos nos revela</div>
+<div class="poetry">Entre as garras de um tigre anciosa uma gazella.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Retratos em redor: olhemos o primeiro:</div>
+<div class="poetry">No Tro as mos de Affonso o armaram cavalleiro.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Era Arcebispo aquelle: esta foi aafata...</div>
+<div class="poetry">Que frescura sensual nos labios de escarlata!</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Olhos revendo o azul que sobre a Italia assoma:</div>
+<div class="poetry">Em finos caraces, a loura e ondada cma:</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Collo robusto e n: cabea triumphante:</div>
+<div class="poetry">Consta que certo rei... passemos adeante!</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Este, que vs, morreu num africano areal</div>
+<div class="poetry">Por vingana cruel do aspero Pombal.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">D'esse olhar na expresso infinda e inenarravel</div>
+<div class="poetry">Desabrocha uma dr profunda e inconsolavel.</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[67]</span>
+<div class="poetry1">Defronte, uma donzella, o rosto meigo e afflicto,</div>
+<div class="poetry">Num extasis adora o pallido proscripto.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">O teu sonho nupcial, franzina morgadinha,</div>
+<div class="poetry">Tam cedo se desfez, misera e mesquinha!</div>
+<br />
+<div class="poetry1">No burel escondeste o vio e a formusura,</div>
+<div class="poetry">E desmaiaste, flr, no cho de uma clausura!...</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Repara nos desdens do ffo conselheiro,</div>
+<div class="poetry">Que sorridente aspira a flr de um jasmineiro!</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Em canones doutor: no Pao foi bemquisto:</div>
+<div class="poetry">Orna-lhe o peito a cruz de um habito de Christo.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Esse outro combatendo s portas de Bayona,</div>
+<div class="poetry">Como um bravo, alcanou a rtila dragna.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Vibra flammas do olhar; cabea erecta e audaz;</div>
+<div class="poetry">Illumina-lhe o rsto a gloria de um gilvaz.</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[68]</span>
+<div class="poetry1">Assistmos, ao vl-o, s pugnas carniceiras,</div>
+<div class="poetry">E ouvimos o clangr das musicas guerreiras...</div>
+<br />
+<div class="poetry1">No antiquissimo espelho, sombra das cortinas,</div>
+<div class="poetry">Reflecte-se o primr de argenteas serpentinas.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Sob o espelho se aninha um cravo marchetado,</div>
+<div class="poetry">Mimo outrora da casa, e prenda de um noivado.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Ao lado um cofre encerra, em amoravel ninho,</div>
+<div class="poetry">Antiga partitura em velho pergaminho.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Uma noite extendi a musica na estante,</div>
+<div class="poetry">E o cravo suspirou... naquelle mesmo instante</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Da eburnea pallidez doentia do teclado</div>
+<div class="poetry">Manso e manso evolou-se o arma do passado.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">E vi descer do quadro a languida aafata</div>
+<div class="poetry">Que, ao discreto pallr das lampadas de prata,</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[69]</span>
+<div class="poetry1">A fimbria alevantando azul do seu vestido</div>
+<div class="poetry">O rsto acerejado, o gesto commovido,</div>
+<br />
+<div class="poetry1">A sorrir, deslisou graciosa no tapte,</div>
+<div class="poetry">Danando airosamente o airoso minute...</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p70" id="p70">[70]</a></span>
+<h3>O COVEIRO</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<h5>A Alberto Braga</h5>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry1">Elle entrou cabisbaixo e silencioso</div>
+<div class="poetry">Na immunda tasca, e foi sentar-se a um canto;<br />
+Deram-lhe vinho, recusou, o espanto<br />
+Cresceu no olhar do taberneiro oleoso.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Elle era o mais antigo e o mais ruidoso</div>
+<div class="poetry">Dos freguezes da casa: ao obsceno canto<br />
+Ninguem prestava mais lascivo encanto<br />
+Ao som magoado de um violo choroso.</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[71]</span>
+<div class="poetry1">Mas o velho sentra-se distante</div>
+<div class="poetry">Da alegre turba, a vista lacrymante<br />
+Mergulhada nas chammas do brazido...</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Disse um da roda: espanta-me o coveiro!</div>
+<div class="poetry">&mdash;Morreu-lhe ha pouco a filha...&mdash;distrahido<br />
+Volveu da bisca um contumaz parceiro.</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p72" id="p72">[72]</a></span>
+<h3>ADEUS!</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry1">Uma vez, numa camara elegante,</div>
+<div class="poetry">De um contador no marmore de rosa,<br />
+Entre os mil nadas feminis que exhalam<br />
+Uns aromas subtis que nos embalam,<br />
+Vi uma concha pallida e graciosa.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Sentira eu nella um som confuso e triste,</div>
+<div class="poetry">Como o dos sinos em remota aldeia;<br />
+Pobre concha! morria de saudade<br />
+Daquella vaga e triste immensidade<br />
+Do mar que chora na deserta areia.</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[73]</span>
+<div class="poetry1">Olha, querida, como nessa concha,</div>
+<div class="poetry">Anda chorando em mim continuamente<br />
+Essa timida voz que tu soltaste,<br />
+Essa palavra <span class="smallcaps">ADEUS</span> que murmuraste<br />
+Aos meus ouvidos languida e tremente!</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<h3>CAMONEANA</h3>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p76" id="p76">[76]</a></span>
+<h3>I</h3>
+<br />
+<h3>NA EGREJA DAS CHAGAS</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<h5>Ao dr. A. A. de Carvalho Monteiro</h5>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry1">Proxima vinha a nobre Catharina</div>
+<div class="poetry">Da porta principal da egreja, quando<br />
+Seu olhar encontrou suave e brando<br />
+O olhar de um moo de presena fina.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">E, ao fulgr d'esse olhar ardente, inclina</div>
+<div class="poetry">A dama o rsto, timida, crando...<br />
+Arfa-lhe o niveo seio, palpitando,<br />
+Em doida e extranha commoo divina.</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[77]</span>
+<div class="poetry1">Cames, que outro no era o moo, ardido,</div>
+<div class="poetry">Num gesto de galan desvanecido,<br />
+Quem vos pudra merecer! murmura.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">E a dama, ao ouvil-o, languida sorria,</div>
+<div class="poetry">Pois que em todos os tempos a ouzadia<br />
+Ao amr nunca trouxe desventura.</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p78" id="p78">[78]</a></span>
+<h3>II</h3>
+<br />
+<h3>A LEITURA DOS LUSIADAS</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<h5>A Vicente Pindella</h5>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry1">Do moo rei defronte, esbelto e cavalleiro</div>
+<div class="poetry">Cames recita; a crte, silenciosa<br />
+Ante a rubra exploso do cantico guerreiro,<br />
+Admira essa Epopeia enorme e prodigiosa.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">... Ruge a electrica voz do Adamastr furiosa;</div>
+<div class="poetry">Nas amuradas canta o alegre marinheiro;<br />
+Do Oceano flr scintilla a esteira luminosa<br />
+Dos pesados galees do Gama aventureiro.</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[79]</span>
+<div class="poetry1">Terra! grita o gageiro; e praia melindana</div>
+<div class="poetry">Desce douda e febril a gente lusitana<br />
+Desfraldam-se os pendes ao claro cu do Oriente...</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Da gloria ante o esplendr o olhar d'El-Rey fulgura;</div>
+<div class="poetry">O Camara no emtanto, alma sombria e escura,<br />
+No rei os olhos crava, e ri felinamente.</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p80" id="p80">[80]</a></span>
+<h3>III</h3>
+<br />
+<h3>ANNOS DEPOIS</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<h5>A Bernardo Pindella</h5>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry1">Juncto de um catre vil, grosseiro e feio,</div>
+<div class="poetry">Por uma noite de luar saudoso,<br />
+Cames, pendida a fronte sobre o seio,<br />
+Scisma embebido num pesar luctuoso...</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Eis que na rua um cantico amroso</div>
+<div class="poetry">Subitaneo se ouviu da noite em meio:<br />
+J se abrem as adufas com receio...<br />
+Noite de amres! que trovar mimoso!</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[81]</span>
+<div class="poetry1">Cames acorda, e gelosia assma,</div>
+<div class="poetry">E aquelle canto, como um antigo arma,<br />
+Resuscita-lhe os risos do passado.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Viu-se moo e feliz, e ah! nesse instante,</div>
+<div class="poetry">No azul viu perpassar, claro e distante,<br />
+De Natercia gentil, o vulto amado...</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p83" id="p83">[83]</a></span>
+<h3>ESPHYNGE</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<h5>Traduco de uns versos de Alexandre Dumas<br />
+escriptos num leque<br />
+em que estava pintada uma Esphynge</h5>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry1">Que me queres, Esphynge? O que procuras? diz-m'o:</div>
+<div class="poetry">Se do poeta o segredo intentas penetrar,<br />
+Desce dos annos meus ao tenebroso abysmo,<br />
+Vers o Amr aos Vinte e aos Sessenta o Pesar.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Sim, Pesar, no de haver lanado aos quatro ventos</div>
+<div class="poetry">Com prodiga loucura o verbo triumphante,<br />
+A ambio, o dinheiro, os risos e os tormentos,<br />
+E as auroras de abril que passam num instante!</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[84]</span>
+<div class="poetry1">Mas Pesar de sentir dentro em meu peito agora,</div>
+<div class="poetry">Como accso vulco em glos sepultado,<br />
+Do juvenil desejo a flamma que devora,<br />
+E de no poder mais, amando, ser amado!</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p85" id="p85">[85]</a></span>
+<h3>A CEIA DE TIBERIO</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<h5>Ao dr. J. Frederico Laranjo</h5>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry1">Opulento o festim: em todo o vasto imperio</div>
+<div class="poetry">Outro no houve egual. Capra a dissoluta,<br />
+O retiro de amr do perfido Tiberio,</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Illuminada ri. Ao longe Roma escuta</div>
+<div class="poetry">O confuso rumr da tenebrosa orgia:<br />
+Assim geme, assim ronca o mar em funda gruta.</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[86]</span>
+<div class="poetry1">Fascina, attrae, seduz, e os olhos extasia</div>
+<div class="poetry">A imperial vivenda: a sala deslumbrante:<br />
+Ouro e gmmas sem fim confundem-se porfia.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Das lampadas rebrilha o lume coruscante;</div>
+<div class="poetry">Nos triclinios esplende a purpura escarlata,<br />
+A fina tartaruga e o sandalo odorante.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Aos angulos da sala, em primorosa prata,</div>
+<div class="poetry">Erotico esculptor grupos fundiu lascivos,<br />
+Em cujos membros ns Volupia se retrata.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Resaltam da parede os satyros esquivos</div>
+<div class="poetry">Sob o pampano alegre: as nymphas, em coras,<br />
+Danam na riba, em flr, de arroios fugitivos.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Em marmrea piscina enroscam-se as muras,</div>
+<div class="poetry">Dos patricios de Roma o pabulo dilecto,<br />
+Vezes sem conto, escravo, ali rompeste as veias!</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Pendem verdes festes do primoroso tecto,</div>
+<div class="poetry">Pyrrheico ali pintra um matagal folhudo,<br />
+E um lago crystallino, encantador, discreto.</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[87]</span>
+<div class="poetry1">Diana ao sol enxuga as tranas de veludo,</div>
+<div class="poetry">Acteon espreita ancioso, e, rapida alegria!<br />
+Aos poucos se transforma em cervo ramalhudo.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Em Milto foi tincta a azul tapearia,</div>
+<div class="poetry">Que nas mesas se extende e nos mosaicos dorme;<br />
+Dos velarios se esca o arma que inebria.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">A festa no pendor: num ureo prato informe</div>
+<div class="poetry">Eis que entra um javali, formosas gaditanas<br />
+Danam em derredor. Ulula a grita enorme.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Jorra o vinho de Ks purpureas espadanas;</div>
+<div class="poetry">Dos convivas na fronte enlaa-se a verbena,<br />
+Preludiam no emtanto as frautas sicilianas.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Adoudada suspira uma cano obscena:</div>
+<div class="poetry">Fervem beijos no ar, os seios pulam, crescem<br />
+E desnudam-se luz, Tiberio assim o ordena.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">As matronas, ao vr o duro gesto, obedecem,</div>
+<div class="poetry">E l passam gentis, deslisam mansamente<br />
+Dos marmores flr; so nuas, endoudecem!</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[88]</span>
+<div class="poetry1">Um retiario nervudo, e um gladiador valente</div>
+<div class="poetry">Combatem, so lees; o pallido vencido<br />
+Mistura o sangue rubro ao vinho rescendente.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Ora Tiberio ri... Mas subito um gemido</div>
+<div class="poetry">Longo e triste chorou nos paos de Capra...<br />
+Indagam: talvez fosse o gladiador ferido...</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Nesse instante Jesus morria na Judeia!</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<h3>TRIO DE POETAS</h3>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p90" id="p90">[90]</a></span>
+<h3>I</h3>
+<br />
+<h3>JOO DE LEMOS</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<h5>Ao Visconde de Pindella</h5>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry1">Na cidade gentil do austero estudo</div>
+<div class="poetry">Sobranceira ao Mondego socegado,<br />
+Em cuja riba o sinceiral folhudo<br />
+De rouxinoes suspira gorgeiado,</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Fste erguido no concavo do escudo</div>
+<div class="poetry">Pelos moos de outrora, e celebrado<br />
+Trovador, cavalleiro, e namorado...<br />
+Tempo de glorias! Como passa tudo!</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[91]</span>
+<div class="poetry1">No emtanto s vezes, na provincia, quando</div>
+<div class="poetry">A um dce, honesto e feminino bando<br />
+Digo a <span class="smallcaps">lua de londres</span>, de repente</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Da infancia volvo candida simpleza,</div>
+<div class="poetry">E ondulam na minh'alma vagamente<br />
+Tremulas notas de fugaz tristeza.</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p92" id="p92">[92]</a></span>
+<h3>II</h3>
+<br />
+<h3>JOO DE DEUS</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<h5>A Anthero do Quental</h5>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry1">Sempre que o leio, sinto-me captivo</div>
+<div class="poetry">De um no sei qu, de infinda suavidade,<br />
+E entram commigo uns longes de saudade,<br />
+Que me deixam sizudo e pensativo.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Sonho: quizra, em triste soledade,</div>
+<div class="poetry">Viver das gentes apartado e esquivo,<br />
+E erguer-me a esse planeta primitivo<br />
+Onde resplenda a eterna mocidade.</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[93]</span>
+<div class="poetry1">J o seu nome to suave e brando,</div>
+<div class="poetry">To eufonico, meigo e delicado,<br />
+Que fica nos ouvidos suspirando...</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Diz a lenda que vive descuidado,</div>
+<div class="poetry"><span class="smallcaps">Ramos</span> tecendo, e
+<span class="smallcaps">flores</span> emmoitando,<br />
+Da Chymera nos seios reclinado.</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p94" id="p94">[94]</a></span>
+<h3>III</h3>
+<br />
+<h3>JOO PENHA</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<h5>A Augusto Sarmento</h5>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry1">Nervoso mestre, domadr valente</div>
+<div class="poetry">Da Rima e do Sonto portuguez,<br />
+No te eguala a pericia de um chinez<br />
+Na pintura de um vaso transparente.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Ha no teu verso a musica dolente</div>
+<div class="poetry">Da guitarra andaluza, e muita vez<br />
+Rompe em meio da extranha languidez<br />
+O silvo estriduloso da serpente.</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[95]</span>
+<div class="poetry1">No <span class="smallcaps">vinho e fel</span> traaste o escuro drama</div>
+<div class="poetry">Em que solua e ri, na extensa gamma,<br />
+Teu desgrenhado amr, doido e fatal...</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Mas se do peito ancioso o dardo arrancas,</div>
+<div class="poetry">Teu canto exhala as alegrias francas<br />
+De uma rubra Kermesse colossal.</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p97" id="p97">[97]</a></span>
+<h3>CHYMERAS</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<h5>A meu tio Joo de Almeida e Albuquerque</h5>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry1">O mar j me tentou: aspiraes fogosas</div>
+<div class="poetry">Fizeram-me idear phantasticas viagens;<br />
+Eu sonhava trazer de incognitas paragens<br />
+Noticias immortaes s gentes curiosas.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Mais tarde desejei riquezas fabulosas,</div>
+<div class="poetry">Um palacio escondido em mrmuras folhagens,<br />
+Onde eu fosse occultar as candidas imagens<br />
+Das virgens que evoquei por noites silenciosas.</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[98]</span>
+<div class="poetry1">Mas tudo isso passou: agora s me resta</div>
+<div class="poetry">Das chymeras que tive, uma viso modesta,<br />
+Um sonho encantador, de paz e de ventura.</div>
+<br />
+<div class="poetry1"> simples; uma alcva, um bero, um innocente,</div>
+<div class="poetry">E uma esposa adorada, envolta, a negligente!<br />
+De um longo penteadr na immaculada alvura...</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p99" id="p99">[99]</a></span>
+<h3>ODOR DI FEMINA</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<h5>A Alberto Pimentel</h5>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry1">Era austero e sizudo; no havia</div>
+<div class="poetry">Frade mais exemplar nesse convento;<br />
+No seu cavado rsto macilento<br />
+Um poma de lagrimas se lia.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Uma vez que na extensa livraria</div>
+<div class="poetry">Folheava o triste um livro pardacento,<br />
+Viram-no desmaiar, cahir do assento,<br />
+Convulso, e trvo sobre a lgea fria.</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[100]</span>
+<div class="poetry1">De que morrra o venerando frade?</div>
+<div class="poetry">Em vo busco as origens da verdade,<br />
+Ninguem m'a disse, explique-a quem pudr.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Consta que um bibliophilo comprra</div>
+<div class="poetry">O livro estranho e que, ao abril-o, achra<br />
+Uns dourados cabellos de mulher...</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p101" id="p101">[101]</a></span>
+<h3>EM CAMINHO DA GUILHOTINA</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<h5> Senhora Condessa de Sabugoza</h5>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry1">A <em>viuva Capet</em> vae ser guilhotinada.</div>
+<br />
+<div class="poetry">Ora naquelle dia o povo de Pariz<br />
+Formidavel, brutal, colerico, feliz,<br />
+Erguera-se ao primeiro alvr da madrugada.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">No caminho traado ao funebre cortejo</div>
+<div class="poetry2">O povo redemoinha;</div>
+<div class="poetry">Que todos sentem n'alma o tragico desejo<br />
+De ver como Sanso degolla uma rainha.</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[102]</span>
+<div class="poetry1">Da carreta em redor ondeiam os soldados;</div>
+<div class="poetry2">De cima dos telhados</div>
+<div class="poetry">Da rua, dos portaes, dos muros, dos balces<br />
+Chovem sobre a rainha as vis imprecaes.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Ella comtudo altiva erecta e desdenhosa</div>
+<div class="poetry2">Olha tranquillamente</div>
+<div class="poetry">Para o revolto mar da plebe tumultuosa.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">E emquanto aquelle povo inquieto e repulsivo</div>
+<div class="poetry">Anceia por ouvir o grito convulsivo</div>
+<div class="poetry2">E o derradeiro arranco</div>
+<div class="poetry">D'essa mulher, e ri abominavelmente,<br />
+Um homem s, o algoz, vae triste e reverente.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Pde nascer ao p da forca um lirio branco.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">A carreta parou. Desce a rainha. Nisto</div>
+<div class="poetry2">Viram-se uns braos ns</div>
+<div class="poetry">Erguerem para o ar, flr da multido,<br />
+Uma loura creana, alegre como a luz,</div>
+<div class="poetry2">Suave como o Christo,</div>
+<div class="poetry">A quem talvez faltando em casa a enxerga e o po,<br />
+A me quizera dar aquella distraco.</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[103]</span>
+<div class="poetry1">No primeiro degru da escura guilhotina</div>
+<div class="poetry2">A rainha de Frana</div>
+<div class="poetry">Ergueu o olhar e viu essa gentil creana<br />
+Levar a mo flr da bcca pequenina,<br />
+E atirar-lhe, a sorrir, um beijo doce e honesto...</div>
+<br />
+<div class="poetry1">E ella que fra audaz, heroica e resoluta,</div>
+<div class="poetry">E ouvira, com desdem, da plebe a injuria bruta,<br />
+Ante a esmola infantil, graciosa, d'esse gesto,<br />
+Chorou.</div>
+<div class="poetry0">Chorou, emfim! A infame succumbiu!</div>
+<div class="poetry">De entre o povo uma voz selvatica rugiu.</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p104" id="p104">[104]</a></span>
+<h3>A VIUVA</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<h5> Senhora D. Margarida Street</h5>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry1">Fra de portas vive. silenciosa</div>
+<div class="poetry">A modesta vivenda em que ella habita,<br />
+Ali correu-lhe a vida bonanosa,<br />
+Ali golpeou-lhe os seios a desdta.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Raro de quando em quando uma visita</div>
+<div class="poetry">Novas lhe traz da vida tumultuosa,<br />
+E ella sorrindo a furto, descuidosa,<br />
+No azul os olhos em silencio fita.</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[105]</span>
+<div class="poetry1">Ssinha e triste a pallida viuva,</div>
+<div class="poetry">Por essas noites de invernia e chuva,<br />
+A um honesto e feminil labor se entrega.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">E, alta noite, levanta, em dr sepulta,</div>
+<div class="poetry">O olhar, que fixa, e demorado prega<br />
+No eterno Ausente que num quadro avulta.</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p106" id="p106">[106]</a></span>
+<h3>FLR DO PANTANO</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<h5>A Bulho Pato</h5>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry"> pequenina e sria,</div>
+<div class="poetry0">E tem o gesto grave<br />
+Da filha de um burgrave,<br />
+A candida Valeria.</div>
+<br />
+<div class="poetry">No ha flr mais suave,</div>
+<div class="poetry0">De essencia mais ethrea,<br />
+E abriu-lhe a vida a chave<br />
+Do Vicio e da Miseria!</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[107]</span>
+<div class="poetry">Na sua loura cma</div>
+<div class="poetry0">Nunca passou o arma<br />
+Dos beijos maternaes.</div>
+<br />
+<div class="poetry"> credula Ignorancia,</div>
+<div class="poetry0">Esconde quella infancia<br />
+O nome vil dos paes!</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p108" id="p108">[108]</a></span>
+<h3>A RESPOSTA DO INQUISIDR</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<h5>A meu tio Luiz de Almeida e Albuquerque</h5>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<h5>I</h5>
+<br />
+<div class="poetry1">A sala em que medita El-Rey silenciosa,</div>
+<div class="poetry">Apainelada e fria, o largo reposteiro<br />
+Ondula brandamente aragem preguiosa.</div>
+<br />
+<h5>II</h5>
+<br />
+<div class="poetry1"> cathedra real um Christo sobranceiro</div>
+<div class="poetry">Msto, livido, n, ferido e ensanguentado<br />
+Exhala sobre o seio o alento derradeiro.</div>
+<br /><span class="pagenum">[109]</span>
+<h5>III</h5>
+<br />
+<div class="poetry1">El-Rey medita e scisma: o seu olhar turbado,</div>
+<div class="poetry">O seu obliquo olhar, o seu olhar de fra,<br />
+Vibra irrequieta luz, parece allucinado.</div>
+<br />
+<h5>IV</h5>
+<br />
+<div class="poetry1">Nisto porta assomou a calva fronte austera</div>
+<div class="poetry">De um velho, e logo atraz um pagem que murmura:<br />
+Eis o monge, Senhor, que Vossa Alteza espera!</div>
+<br />
+<h5>V</h5>
+<br />
+<div class="poetry1">Curvra, ao entrar, o monge a tremula estatura:</div>
+<div class="poetry">Mos dispostas em cruz no largo peito ancioso,<br />
+E humilhada a cerviz na ascetica postura.</div>
+<br />
+<h5>VI</h5>
+<br />
+<div class="poetry1">E comtudo esse frade humilde e respeitoso,</div>
+<div class="poetry">De olhos fitos no cho, to fragil como um vime,<br />
+Na presena de um rei, de um Cesar poderoso,</div>
+<br />
+<h5>VII</h5>
+<br />
+<div class="poetry1"> fanatico e audaz; com mo de bronze opprime</div>
+<div class="poetry">O Solio, a Egreja, o Lar, e os coraes dos crentes;<br />
+Flagella a sombra e o amr, condemna a luz, e o crime!</div>
+<br /><span class="pagenum">[110]</span>
+<h5>VIII</h5>
+<br />
+<div class="poetry1">Quando elle vae passando, as timoratas gentes</div>
+<div class="poetry">Benzem-se com pavr e param de improviso<br />
+As canes juvenis nas aleas rescendentes.</div>
+<br />
+<h5>IX</h5>
+<br />
+<div class="poetry1">Nunca nos labios seus florira o alegre riso,</div>
+<div class="poetry">Tem cem annos, jamais beijra uma creana,<br />
+E cr subir, talvez, morrendo, ao Paraizo!</div>
+<br />
+<h5>X</h5>
+<br />
+<div class="poetry1">Na Hespanha, no Per, em Napoles, na Frana</div>
+<div class="poetry">Paira como o sinistro espirito do Mal,<br />
+O negro inquisidr, feroz como a Vingana.</div>
+<br />
+<h5>XI</h5>
+<br />
+<div class="poetry1">Sisto quinto, o cruel, fizera-o cardeal,</div>
+<div class="poetry">E a Hespanha pde ver com assombroso espanto<br />
+Juncto do rei-panthera o inquisidr-chacal.</div>
+<br />
+<h5>XII</h5>
+<br />
+<div class="poetry1">E Philippe dizia ao monge no entretanto:</div>
+<div class="poetry">Sentinella da Lei, piedoso inquisidr,<br />
+Tu que fallas com Deus e s padre, e s bom, e s sancto</div>
+<br /><span class="pagenum">[111]</span>
+<h5>XIII</h5>
+<br />
+<div class="poetry1">Arranca-me este pezo, afasta-me este horrr!</div>
+<div class="poetry">Ah! diz'-me, cardeal, se um vil, se um precito<br />
+O rei que justo e mata o filho que traidr...</div>
+<br />
+<h5>XIV</h5>
+<br />
+<div class="poetry1">E mais no disse o rei, trvo, sombrio e afflicto.</div>
+<div class="poetry">No emtanto o inquisidr erguendo imperturbavel<br />
+O seu hediondo olhar das lageas de granito,</div>
+<br />
+<h5>XV</h5>
+<br />
+<div class="poetry1">Assim tornou com voz vibrante e formidavel:</div>
+<div class="poetry">&mdash; principe, e apontava o livido Jesus,<br />
+&mdash;Para acalmar dos cus a colera implacavel</div>
+<br />
+<h5>XVI</h5>
+<br />
+<div class="poetry1">&mdash;O Eterno fez morrer seu filho numa cruz!&mdash;</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p112" id="p112">[112]</a></span>
+<h3>FERVET AMOR</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<h5>Ao dr. Antonio Candido</h5>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry1">D para a crca a estreita e humilde cella</div>
+<div class="poetry">D'essa que os seus abandonou, trocando<br />
+O calr da familia ameno e brando<br />
+Pelo claustro que o sangue esfria e gela.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Nos flores manuelinos da janella</div>
+<div class="poetry">Papeiam aves o seu ninho armando,<br />
+Vem-se ao longe os trigos ondulando...<br />
+Maio sorri na pradaria bella.</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[113]</span>
+<div class="poetry1">Zumbe o insecto na flr do rosmaninho:</div>
+<div class="poetry">Nas gistas pousa a abelha bria de gso:<br />
+Zunem bezouros e palpita o ninho.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">E a freira scisma e cra, ao vr, ancioso,</div>
+<div class="poetry">Do seu ctre virgineo sobre o linho<br />
+Um par de borboletas amoroso.</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p114" id="p114">[114]</a></span>
+<h3>NA ALDEIA</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<h5>A Christovam Ayres</h5>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry1">Duas horas da tarde. Um sol ardente</div>
+<div class="poetry">Nos clmos dardejando, e nos eirados.<br />
+Sobreleva aos sussurros abafados<br />
+O grito das bigornas estridente.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">A taberna vazia; mansamente</div>
+<div class="poetry">Treme o loureiro nos humbraes pintados;<br />
+Zumbem porta insectos variegados<br />
+Envolvidos do sol na luz tremente.</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[115]</span>
+<div class="poetry1">Fia soleira uma velhinha: o filho</div>
+<div class="poetry">No cu mal acordou da aurora o brilho,<br />
+Sahiu para os canaos da lavoura.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">A nra lava na ribeira, e os netos</div>
+<div class="poetry">Ao longe correm semi-ns, inquietos,<br />
+No mar ondeante da sera loura.</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p116" id="p116">[116]</a></span>
+<h3>ESTUDANTINA</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry">Acorda, minha Thereza,</div>
+<div class="poetry0">Descerra a janella tua!<br />
+Espalha-se a luz da lua<br />
+Pela poetica deveza...<br />
+Entre os sinceiros da margem<br />
+Murmura o claro Mondego,<br />
+A noite corre em socgo...<br />
+Acorda, minha Thereza!</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[117]</span>
+<div class="poetry">No dorme quem tem amres,</div>
+<div class="poetry0">E o teu postigo cerrado!<br />
+Deixa o leito perfumado,<br />
+E o travesseiro de flres,<br />
+Se queres que eu acredite,<br />
+ minha pallida amiga,<br />
+Nas palavras da cantiga:<br />
+No dorme quem tem amres!</div>
+<br />
+<div class="poetry">Por isso eu vlo cantando,</div>
+<div class="poetry0">E esta guitarra suspira,<br />
+E o meu corao delira<br />
+Mal vem a lua apontando...<br />
+ que, noite, lirio branco,<br />
+Os astros guardam segredo<br />
+Dos beijos dados a medo...<br />
+Por isso eu vlo cantando...</div>
+<br />
+<div class="poetry">Quero vr-te, como outrora</div>
+<div class="poetry0">Nesse postigo inclinada,<br />
+Conversando enamorada<br />
+At ao raiar da aurora...<br />
+Um leno posto no liso<br />
+Dos teus hombros jaspeados,<br />
+Os cabellos destranados...<br />
+Quero vr-te como outrora.</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[118]</span>
+<div class="poetry">No te assustes, Julieta,</div>
+<div class="poetry0">Que a manh te encontre ainda<br />
+Bebendo a cano infinda<br />
+Que solua o teu poeta.<br />
+Cantar de entre os loureiros<br />
+Uma alegre cotovia,<br />
+Mal venha rompendo o dia...<br />
+No te assustes, Julieta!</div>
+<br />
+<div class="poetry">Mas dorme a branca Thereza,</div>
+<div class="poetry0">Cerrada a janella sua;<br />
+Espalha-se a luz da lua<br />
+Pela poetica deveza...<br />
+Entre os sinceiros da margem,<br />
+Murmura e corre o Mondego,<br />
+Que tristeza e que socgo!<br />
+Ai! dorme, dorme, Thereza!</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p119" id="p119">[119]</a></span>
+<h3>AS ONDINAS</h3>
+<br />
+<h5>H. HEINE</h5>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<h5>Ao Visconde de Castilho II</h5>
+<br />
+<div class="poetry1">Na praia tranquilla murmuram sonoras</div>
+<div class="poetry0">As ondas do mar.</div>
+<div class="poetry">E, ao dce das aguas murmrio palreiro,<br />
+Na areia dormita gentil cavalleiro</div>
+<div class="poetry0"> luz do luar.</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[120]</span>
+<div class="poetry1">As bellas ondinas emergem das grutas</div>
+<div class="poetry0">De vivo coral,</div>
+<div class="poetry">Accrrem ligeiras, e apontam, sorrindo,<br />
+O moo que julgam devras dormindo</div>
+<div class="poetry0">No argenteo areal.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Vem esta, e perpassa do gorro nas plumas</div>
+<div class="poetry0">As mos de setim.</div>
+<div class="poetry">E aquella, com gesto divino, gracioso,<br />
+Nos ares levanta do joven formoso</div>
+<div class="poetry0">O aureo telim.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Ess'outra, que lavas, que fogo no vibram</div>
+<div class="poetry0">Seus olhos de anil!</div>
+<div class="poetry">Debrua-se e arranca-lhe a rtila espada,<br />
+Nos copos brilhantes se apoia azougada,</div>
+<div class="poetry0">Travessa e gentil.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">A quarta, saltando, retoua, lasciva,</div>
+<div class="poetry0">Do moo em redor;</div>
+<div class="poetry">Suspira mansinho, de manso murmra:<br />
+Podsse eu em vida gosar a ventura</div>
+<div class="poetry0">Do teu fino amr!</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[121]</span>
+<div class="poetry1">A quinta rebeija-lhe as mos, enlevada</div>
+<div class="poetry0">Num sonho feliz,</div>
+<div class="poetry">E a sexta, com tremula e dce esquivana,<br />
+Perfuma-lhe a bcca, formosa creana!</div>
+<div class="poetry0">Com beijos subtis...</div>
+<br />
+<div class="poetry1">E o moo, fingindo que dorme tranquillo,</div>
+<div class="poetry0">No quer acordar.</div>
+<div class="poetry">E deixa que o abracem as bellas Ondinas,<br />
+E languido gosa caricias divinas</div>
+<div class="poetry0"> luz do luar...</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p122" id="p122">[122]</a></span>
+<h3>NO JOGO DAS CANNAS</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<h5>A Camillo Castello Branco</h5>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry1">Em garbosos corceis da Arabia cavalgando</div>
+<div class="poetry">Entram na larga arna os prceres luzidos;<br />
+Corusca a pedraria, e esplendem, fluctuando,<br />
+Dos cocres a pluma e a sda dos vestidos.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">A quadrilha gentil dos Tavoras ardidos,</div>
+<div class="poetry">Com os lacaios da Trre um prlio simulando,<br />
+Tera galhardamente; o apparatoso bando<br />
+Deixa os olhos da turba em extase embebidos.</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[123]</span>
+<div class="poetry1">Nas janellas do pao toda a fidalguia:</div>
+<div class="poetry">Que jocundo prazer, que risos, que alegria!<br />
+Espectaculo augusto, e nobre, e singular!</div>
+<br />
+<div class="poetry1">O sexto Affonso applaude: emtanto, maliciosa,</div>
+<div class="poetry">Maria de Nemours, sorrindo, a incestuosa!<br />
+No cunhado, subtil, poisa o lascivo olhar...</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p124" id="p124">[124]</a></span>
+<h3>NUNCA EU TE LSSE, BALLADA!</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry">Suspende a dura sentena</div>
+<div class="poetry0">Que de teus labios ouvi.<br />
+E ergue do cho os quebrados<br />
+Teus negros olhos magoados,<br />
+Quando me acerco de ti.</div>
+<br />
+<div class="poetry">Ergueste-os, encantadra!</div>
+<div class="poetry0">Mas antes do teu perdo,<br />
+Attende-me, e ouve, senhora,<br />
+Com todo o teu corao.</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[125]</span>
+<div class="poetry">Escuta:</div>
+<div class="poetry2">A um rei namorado</div>
+<div class="poetry0">Sincera e fiel amante,<br />
+Ao morrer, tinha deixado,<br />
+De antigo affecto em penhor,<br />
+Cinzelada taa de ouro<br />
+Do mais subido valor.</div>
+<br />
+<div class="poetry">O rei preferia a tudo</div>
+<div class="poetry0">Aquella doce lembrana<br />
+Que lhe trazia os armas<br />
+De umas fluctuantes cmas,<br />
+E de uns labios de veludo,<br />
+Que elle beijra em creana.</div>
+<br />
+<div class="poetry">Toda a vez que elle bebia</div>
+<div class="poetry0">Por esse vaso sagrado,<br />
+Uma extatica alegria<br />
+Como flr ideal sorria<br />
+No seu turvo olhar canado.</div>
+<br />
+<div class="poetry">Um dia sentiu-se o pobre</div>
+<div class="poetry0">Mais triste, velho e abatido,<br />
+Abraou-se commovido<br />
+ taa, o tremulo amante:</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[126]</span>
+<div class="poetry">E as lagrimas, uma a uma,</div>
+<div class="poetry0">eslisaram nesse instante<br />
+Nos rudes flcos de espuma<br />
+Da longa barba fluctuante.</div>
+<br />
+<div class="poetry">quella hora de agonia,</div>
+<div class="poetry0">Chamou seus filhos e herdeiro,<br />
+Deu-lhes tudo o que possuia,<br />
+Ouro, palacios, riquezas,<br />
+O seu castello roqueiro,<br />
+E as suas largas devezas.</div>
+<br />
+<div class="poetry">Dividiu tudo, contente;</div>
+<div class="poetry0">A taa guardou smente.</div>
+<br />
+<div class="poetry">Sentindo fugir-lhe a vida,</div>
+<div class="poetry0">Manda o triste convidar<br />
+Seus pares, filhos e herdeiro<br />
+Para um festim derradeiro<br />
+No castello sobranceiro<br />
+s verdes aguas do mar...</div>
+<br />
+<div class="poetry">Em meio da festa, o velho</div>
+<div class="poetry0">Ergueu a taa e, sorrindo,</div>
+<span class="pagenum">[127]</span>
+<div class="poetry0">Embebido o olhar no infindo,<br />
+Um frouxo canto soltou...</div>
+<br />
+<div class="poetry">E mal o canto findra,</div>
+<div class="poetry0">No leito da onda amara<br />
+A taa de ouro lanou...</div>
+<br />
+<div class="poetry">Eram profundos ciumes</div>
+<div class="poetry0">Os d'esse rei namorado,<br />
+Que no fosse alguem beber<br />
+Por esse vaso sagrado,<br />
+E viesse a conhecer<br />
+Os cariciosos perfumes<br />
+Que o tinham embriagado...</div>
+<br />
+<div class="poetry">Hontem, tarde, beijando-a</div>
+<div class="poetry0">De teu labio a viva rosa,<br />
+Lembrou-me a historia singela<br />
+D'essa ballada amorosa;<br />
+E dentro em mim de repente<br />
+Tam extranha dr senti,<br />
+Que num impeto demente<br />
+De teu labio humido e ardente<br />
+Com trvo aspecto fugi!</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[128]</span>
+<div class="poetry">Lembrou-me, cabea louca!</div>
+<div class="poetry0">Que se eu acaso morresse,<br />
+Talvez um outro sorvesse<br />
+Os beijos da tua bcca...</div>
+<br />
+<div class="poetry">E no azul indefinido,</div>
+<div class="poetry0"> minha piedosa anmona!<br />
+Cuidei ouvir o gemido<br />
+Da moribunda Desdemona...</div>
+<br />
+<div class="poetry">Ai, desavisado amr!</div>
+<div class="poetry0">Perda, sombra adorada!<br />
+Nunca eu te avistasse, flr!<br />
+Nunca eu te lsse, ballada!</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p129" id="p129">[129]</a></span>
+<h3>A NEGRA</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<h5>Ao dr. A. A. da Fonseca Pinto</h5>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry1">Teus olhos, robusta creatura,</div>
+<div class="poetry0"> filha tropical!</div>
+<div class="poetry">Relembram os pavres de uma escura</div>
+<div class="poetry0">Floresta virginal.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">s negra sim, mas que formosos dentes,</div>
+<div class="poetry0">Que perolas sem par</div>
+<div class="poetry">Eu vejo e admiro em rubidos crescentes</div>
+<div class="poetry0">Se te escuto fallar!</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[130]</span>
+<div class="poetry1">Teu corpo forte, elastico, nervoso.</div>
+<div class="poetry0">Que doce a ondulao</div>
+<div class="poetry">Do teu andar, que lembra o andar gracioso</div>
+<div class="poetry0">Das onas do serto!</div>
+<br />
+<div class="poetry1">As languidas sinhs, gentis, mimosas,</div>
+<div class="poetry0">Desprezam tua cr,</div>
+<div class="poetry">Mas invejam-te as formas gloriosas</div>
+<div class="poetry0">E o olhar provocadr.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Mas andas triste, inquieta e distrahida;</div>
+<div class="poetry0">Foges dos cafesaes,</div>
+<div class="poetry">E no escuro das mattas, escondida,</div>
+<div class="poetry0">Soltas magoados ais...</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Nas esteiras, noite, o corpo estiras</div>
+<div class="poetry0">E, com ancias sem fim,</div>
+<div class="poetry">Levas aos seios ns, beijas e aspiras</div>
+<div class="poetry0">Um candido jasmim...</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Amas a lua que embranquece os mattos,</div>
+<div class="poetry0"> negra jurity!</div>
+<div class="poetry">A flr da laranjeira, e os niveos cctos</div>
+<div class="poetry0">E tens horrr de ti!...</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[131]</span>
+<div class="poetry1">Amas tudo o que lembre o <em>branco</em>, o rosto</div>
+<div class="poetry0">Que viste por teu mal,</div>
+<div class="poetry">Um dia que sahias, ao sol psto,</div>
+<div class="poetry0">De um verde taquaral...</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p132" id="p132">[132]</a></span>
+<h3>MATER DOLOROSA</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<h5>A Rangel de Lima</h5>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<br />
+<div class="poetry1">Quando se fez ao largo a nave escura</div>
+<div class="poetry">Na praia essa mulher ficou chorando,<br />
+No doloroso aspecto figurando<br />
+A lacrymosa estatua da amargura.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Dos cus a curva era tranquilla e pura:</div>
+<div class="poetry">Das gementes alcyones o bando<br />
+Via-se ao longe, em circulos, voando<br />
+Dos mares sobre a crula planura.</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[133]</span>
+<div class="poetry1">Nas ondas se atufra o sol radioso,</div>
+<div class="poetry">E a lua succedra, astro mavioso,<br />
+De alvr banhando os alcantis das fragas...</div>
+<br />
+<div class="poetry1">E aquella pobre me, no dando conta</div>
+<div class="poetry">Que o sol morrra, e que o luar desponta,<br />
+A vista embebe na amplido das vagas...</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p134" id="p134">[134]</a></span>
+<h3>AS PRIMEIRAS LAGRIMAS DE EL-REY</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<h5>A M. Pinheiro Chagas</h5>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<h5>I</h5>
+<br />
+<div class="poetry1">O principe morrra, e logo os cortezos,</div>
+<div class="poetry">Em prantos derredor do mortuario leito,<br />
+Erguem a voz em grita aos ceus levando as mos.</div>
+<br />
+<h5>II</h5>
+<br />
+<div class="poetry1">El-Rey, Joo segundo, a fronte sobre o peito,</div>
+<div class="poetry">Contempla dos brandes luz ensanguentada<br />
+O filho, e a dr lhe avinca o grave e duro aspeito.</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[135]</span>
+<h5>III</h5>
+<br />
+<div class="poetry1">E eis que, a um gesto do rei, a turba consternada</div>
+<div class="poetry">A pouco e pouco se, reina o silencio, apenas<br />
+Cortado pelo uivar longinquo da nortada.</div>
+<br />
+<h5>IV</h5>
+<br />
+<div class="poetry1">Sobre o filho curvado, immerso em cruas penas,</div>
+<div class="poetry">Aquelle rei sinistro, energico e tigrino,<br />
+Tinha na frouxa voz modulaes serenas.</div>
+<br />
+<h5>V</h5>
+<br />
+<div class="poetry1">E o filho inerte e mudo! ento num desatino</div>
+<div class="poetry">Deixou-se El-Rey car, ao acaso, num escabllo<br />
+E quedou-se a pensar no seu atroz destino.</div>
+<br />
+<h5>VI</h5>
+<br />
+<div class="poetry1">Um enorme, um confuso e bronzeo pesadlo</div>
+<div class="poetry">Cau-lhe sobre o enfrmo espirito enluctado,<br />
+E o suor inundou-lhe as barbas e o cabello.</div>
+<br />
+<h5>VII</h5>
+<br />
+<div class="poetry1">Talvez que o triste visse, em sonho allucinado,</div>
+<div class="poetry">Do duque de Vizeu o espectro vingativo<br />
+Apontando-lhe, a rir, o Infante inanimado.</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[136]</span>
+<h5>VIII</h5>
+<br />
+<div class="poetry1">E escutasse a feroz imprecao que altivo</div>
+<div class="poetry">No cadafalso, outrra, o duque de Bragana<br />
+s faces lhe cuspiu com gesto convulsivo.</div>
+<br />
+<h5>IX</h5>
+<br />
+<div class="poetry1">Subito ergue-se o rei, e para o leito avana,</div>
+<div class="poetry">E uma lagrima ento, embalde reprimida,<br />
+Das barbas lhe cahiu no rosto da creana...</div>
+<br />
+<h5>X</h5>
+<br />
+<div class="poetry1">A vez primeira foi que El-Rey chorou em vida.</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p137" id="p137">[137]</a></span>
+<h3>O CURA SANCTA CRUZ</h3>
+<br />
+<h5>CONTO DE A. DAUDET</h5>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<h5>Ao dr. Sousa Martins</h5>
+<br />
+<div class="poetry1">O implacavel carlista, o Cura Sancta Cruz,</div>
+<div class="poetry">Que em nome do seu rei, e em nome de Jesus,<br />
+Da Navarra febril leva do sul ao norte<br />
+O odio, a perseguio, o incendio, o estrago, a morte.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Nessa clara manh risonha do Natal,</div>
+<div class="poetry">Tendo sobre o uniforme a veste clerical,<br />
+Na montanha, ao ar livre, luz do sol, diz missa<br />
+ guerrilha que o escuta extatica e submissa.</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[138]</span>
+<div class="poetry1">Como um rebanho vil, a um lado, os prisioneiros</div>
+<div class="poetry">Ouvem-no, a tiritar, cheios de um medo atroz:<br />
+Olham-se mutuamente os trvos companheiros,<br />
+E murmuram: meu Deus, o que ser de ns?</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Porque emfim toda a vez que o sanguinario Cura</div>
+<div class="poetry">Se volta, e o <em>oremus</em> diz, segundo o ritual,<br />
+Da sacra vestimenta avultam na brancura<br />
+De pistolas um jogo e a frma de um punhal.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Quando afinal chegou o instante, a occasio</div>
+<div class="poetry">Em que a missa termina, o Cura, erguendo um brao,<br />
+Grave traou no ar e na mudez do espao<br />
+O clemente signal da paz e do perdo.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">A missa terminra.</div>
+<br />
+<div class="poetry2">O Cura nesse dia</div>
+<div class="poetry1">Como sentisse n'alma uns raios de alegria,</div>
+<div class="poetry">De bondade e de amor, foi-se direito ao bando<br />
+Dos captivos, e assim fallou circumvagando<br />
+A vista em derredor: <em>Hermanos, viva Dios!</em></div>
+<br />
+<span class="pagenum">[139]</span>
+<div class="poetry1">Corre ahi que sou mu, fanatico e feroz...</div>
+<div class="poetry">Pois em breve ides ver como se engana, quem<br />
+Diz que eu sou o anti-Christo e que abomino o bem.<br />
+Como dia de festa e dia de Natal,<br />
+Dou-vos a liberdade, e no vos quero mal!</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Mas haveis de primeiro, e isto, prompto e sem custo</div>
+<div class="poetry">De joelhos beijar o pavilho augusto<br />
+De El-Rey nosso senhor...</div>
+<div class="poetry3">E mandou desfraldar</div>
+<div class="poetry">O carlista pendo, branco como o luar...</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Todos logo porfia atiram-se por terra</div>
+<div class="poetry">E um grito: Viva El-Rey! echoou de serra em serra.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">No emtanto um prisioneiro, um moo imberbe ainda,</div>
+<div class="poetry">Firme ficou de p, e olhava com infinda<br />
+Expresso de desdem a extranha vilania...<br />
+Braos postos em cruz, e intrepido sorria.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">E tu? surprezo disse e transtornado o Cura.</div>
+<div class="poetry">&mdash;Padre, volveu-lhe o esbelto joven, com brandura,<br />
+&mdash;Mata-me! aqui me tens! rio-me d'esse panno!<br />
+&mdash;Ao teu rei no me curvo... Eu sou republicano...&mdash;</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[140]</span>
+<div class="poetry1">O Cura um acno fez; formou-se um peloto:</div>
+<div class="poetry0">Vamos! inda uma vez, viva D. Carlos!</div>
+<br />
+<div class="poetry4">&mdash;No!&mdash;</div>
+<br />
+<div class="poetry1">E havia nessa voz tamanha heroicidade</div>
+<div class="poetry">E uma energia tal, que uns longes de piedade<br />
+Scintillaram no olhar do trvo guerrilheiro.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Muito bem, morrers: mas dize-me primeiro,</div>
+<div class="poetry">O que desejas tu? Queres beber, fumar?...</div>
+<br />
+<div class="poetry1">&mdash;Padre, se vou morrer, quero-me confessar...</div>
+<div class="poetry">Ouvir-te-hei! disse o Cura, e, ao acaso, num granito<br />
+Assentou-se.</div>
+<br />
+<div class="poetry0">O captivo, olhos no cho, contrito</div>
+<div class="poetry">Os joelhos dobrou... Nesse fugaz instante<br />
+Elle viu, elle viu, num sonho lacrymante,<br />
+A sua infancia, o lar, o tecto de seus paes,<br />
+Os choupos do seu rio, os placidos cases:<br />
+Viu a noiva gentil, a egreja, os arvoredos<br />
+E os parentes e irmos, socios de seus brinquedos.</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[141]</span>
+<div class="poetry1">Ah! quem pde esquecer o seu paiz natal!<br />
+Ah! quem pde esquecer a beno maternal!</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Em distancia a guerrilha os dous observa... Ento</div>
+<div class="poetry">Emquanto o padre escuta attento o prisioneiro,<br />
+Subito uma descarga estoira na amplido.<br />
+Tremem a serra e o val, treme o desfiladeiro.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">s armas! o inimigo! a sentinella brada.</div>
+<div class="poetry">De golpe ergue-se o Cura, e jldra amotinada<br />
+Va, d ordens, clama, emquanto as balas chovem.</div>
+<div class="poetry1">Nisto viu que inda estava ajoelhado o joven!<br />
+Pra.</div>
+<div class="poetry0">Que fazes tu? indaga em tom severo</div>
+<div class="poetry">&mdash;Padre, diz a creana, a absolvio espero&mdash;</div>
+<br />
+<div class="poetry1">E em meio da febril convulso da batalha,</div>
+<div class="poetry">Emquanto rompe e rasga os ares a metralha,<br />
+Viu-se o Cura depois de abenoar, ligeiro,<br />
+A fronte juvenil do heroico prisioneiro,<br />
+Pegar de uma clavina, e dando um passo ao lado,<br />
+Varar tranquillamente o craneo do soldado.</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p142" id="p142">[142]</a></span>
+<h3>A VENDA DOS BOIS</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<h5>Ao dr. J. de Vasconcellos Gusmo</h5>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<h5>I</h5>
+<br />
+<div class="poetry1">O velho entrra triste: ao p, juncto do lar,</div>
+<div class="poetry">Estava a companheira, absrta, a meditar.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">&mdash;Mulher, a f perdi, fallei a toda a gente,</div>
+<div class="poetry">E ninguem me valeu!&mdash;E ella com voz tremente:</div>
+<div class="poetry0">Dize-me, e o brazileiro?<br />
+&mdash;Esse foi o primeiro.</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[143]</span>
+<div class="poetry1">&mdash;Bat, fui ter com elle casa do jantar.</div>
+<div class="poetry">Expliquei-lhe ao que vinha... entrou a gracejar:<br />
+Com que ento voc quer <em>livrar</em> o seu rapaz?...</div>
+<div class="poetry0">Visinho, to mal faz!</div>
+<div class="poetry">Deixe-me ir cada qual sorte e ao seu destino!<br />
+Seu filho um moceto valente e muito digno<br />
+De servir o paiz...</div>
+<br />
+<div class="poetry2">&mdash;E descascava um fructo...</div>
+<div class="poetry">&mdash;Desatei a chorar... &mdash;Homem no seja bruto!<br />
+A farda no morte...</div>
+<div class="poetry3">&mdash;E disse mais e mais</div>
+<div class="poetry">&mdash;Cousas de quem no sabe a dr de uns tristes paes!</div>
+<br />
+<div class="poetry1">E emquanto o velho punha a vista lacrymosa</div>
+<div class="poetry">Nos brazidos, a voz da me afflicta e anciosa<br />
+Perguntou: e o prior?</div>
+<div class="poetry2">&mdash;Negou, negou tambem!&mdash;</div>
+<div class="poetry0">A angustiada me</div>
+<div class="poetry">Retorcia o avental com mo febril, ardente.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">No silencio da noite ento distinctamente,</div>
+<div class="poetry0">Um profundo mugido,<br />
+Triste como um gemido,</div>
+<div class="poetry">Longo e longo chorou no lugubre aposento...</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[144]</span>
+<div class="poetry0">Entreolharam-se os dois...</div>
+<div class="poetry1">Nisto acde mulher um estranho pensamento...</div>
+<div class="poetry0">Temos ainda os bois!</div>
+<div class="poetry">Vendamol-os! E ria...</div>
+<div class="poetry2">O entristecido olhar</div>
+<div class="poetry">Do velho lavrador de lagrymas nublou-se.</div>
+<div class="poetry0">E entrou a suspirar:<br />
+&mdash;Vender os infelizes!</div>
+<div class="poetry">&mdash;Uns pobres animaes, a quem s mingoa a fala<br />
+&mdash;Para serem Christos! Parece que me estala<br />
+&mdash;No peito o corao... Vender os infelizes!...<br />
+&mdash;Pois seja assim, mulher! Farei o que tu dizes...</div>
+<br />
+<h5>II</h5>
+<br />
+<div class="poetry2">Vinha rompendo a aurora</div>
+<div class="poetry">Risonha, virginal, feliz como um noivado,<br />
+Das aves compita o tremulo trinado<br />
+Entre as balsas gorgeava. Era em descano a nra.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">No emtanto o lavrador, tremente e vacillante</div>
+<div class="poetry">Como um ladro nocturno, ou como um namorado,<br />
+Abriu, de par em par, as portas do curral.</div>
+<div class="poetry2">Subito nesse instante</div>
+<div class="poetry">Volveram para a entrada os bois o olhar leal,</div>
+<div class="poetry2">Bondoso, humano e franco.</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[145]</span>
+<div class="poetry2">Que festiva alegria</div>
+<div class="poetry">O frequente menear das caudas traduzia<br />
+Resvalando em seu forte e musculoso flanco!</div>
+<br />
+<div class="poetry2">O velho antigamente</div>
+<div class="poetry">Tinha sempre, ao chegar, uma palavra amiga,</div>
+<div class="poetry2">Um dicto, uma cantiga,</div>
+<div class="poetry">A que sempre um mugido alegre respondia.<br />
+Mas naquella manh, silenciosamente,</div>
+<div class="poetry2">Fatal como o dever</div>
+<div class="poetry">O velho foi buscar, a um canto, uma correia,</div>
+<div class="poetry2">E lanou-a a tremer</div>
+<div class="poetry">Dos anafados bois s pontas recurvadas.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">E sahiram os tres.</div>
+<div class="poetry3">Nos concavos da aldeia</div>
+<div class="poetry">Choviam as canes das aves namoradas.</div>
+<br />
+<h5>III</h5>
+<br />
+<div class="poetry1">No ces ha o moirejar das fabricas ruidoso;</div>
+<div class="poetry2">Feroz e discordante</div>
+<div class="poetry">Juncta-se voz humana o arfar estrepitante<br />
+Dos valentes pulmes das machinas inglezas.</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[146]</span>
+<div class="poetry2">Em novellos, ancioso,</div>
+<div class="poetry">Golpham as chamins o denso e o escuro fumo</div>
+<div class="poetry2">Que ascende e toma o rumo</div>
+<div class="poetry">Do claro e vasto azul, vazio de tristezas.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Como um cetceo ingente, encarvoado e feio</div>
+<div class="poetry2">Um enorme Vapr<br />
+De outros avulta em meio.</div>
+<div class="poetry">Em seu largo convez a marinhagem canta<br />
+E na faina febril as ancoras levanta.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Naquella espessa nu, um velho, um lavradr</div>
+<div class="poetry">Entre a faina do ces, fita o dolente olhar...<br />
+ que ali dentro vo os bois, o seu amr...</div>
+<div class="poetry2">E quella magoa intensa<br />
+E inenarravel dr</div>
+<div class="poetry">Responde a descuidosa e gelida indifferena<br />
+Dos Homens, e dos Cus, e do profundo Mar...</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p147" id="p147">[147]</a></span>
+<h3>AO RABEQUISTA<br />
+EUGENIO DEGREMONT</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<h5>Recitada na noite de 25 de fevereiro de 1876<br />
+no theatro de S. Joo do Porto<br /></h5>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<div class="poetry1">Vde-o! to creana! mes, olhae-o!</div>
+<div class="poetry">Como vivo o fulgor e ardente o raio</div>
+<div class="poetry2">Que vibra nesse olhar!</div>
+<div class="poetry">Faz gosto vel-o assim to pequenino<br />
+Enlevado nos sons do violino</div>
+<div class="poetry2">A sonhar, a sonhar...</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[148]</span>
+<div class="poetry1">E ao passo que a sua alma vae sonhando,</div>
+<div class="poetry">Vo-se ante nossos olhos desdobrando</div>
+<div class="poetry2">Quadros a mil e mil.</div>
+<div class="poetry">A rabeca suspira? Assim amenas<br />
+So na longinqua roa as cantilenas</div>
+<div class="poetry2">Das moas do Brazil.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Vibra rispidos sons? E logo ouvimos</div>
+<div class="poetry">Curvar o vento da floresta os cimos</div>
+<div class="poetry2">Com ruidoso fragr...</div>
+<div class="poetry">E uivam pintadas onas e as araras<br />
+Roam, fugindo, as tremulas taquaras,</div>
+<div class="poetry2">E crocita o condr.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Enterrados nas humidas pastagens</div>
+<div class="poetry">Mugem raivosos bufalos selvagens,</div>
+<div class="poetry2">E por entre os saraes</div>
+<div class="poetry">Pula a panthera; os jacars astutos<br />
+Choram, fingindo lacrymosos lutos</div>
+<div class="poetry2">Nos fulvos areaes.</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[149]</span>
+<div class="poetry1">Soluou a rabeca? Ouvi, formosas,</div>
+<div class="poetry">So os negros soltando as lastimosas</div>
+<div class="poetry2">Canes do seu paiz;</div>
+<div class="poetry">Sem familia, sem patria, sem amres,<br />
+Ninguem mitiga o fel daquellas dres,</div>
+<div class="poetry2">Triste raa infeliz!</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Agora, como em namorado anceio,</div>
+<div class="poetry">Sae da rabeca um languido gorgeio</div>
+<div class="poetry2">Que enleva o corao.</div>
+<div class="poetry">E a saudade repinta-nos ao vivo<br />
+Dos sabis o cantico lascivo</div>
+<div class="poetry2">Nas sombras do serto.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Tudo isso e mais eu vejo, admiro e escuto,</div>
+<div class="poetry">Com meu olhar de prantos no enxuto,</div>
+<div class="poetry2"> creana gentil,</div>
+<div class="poetry">Que em vez de perseguir as borboletas<br />
+Vens batalhar no meio dos atletas</div>
+<div class="poetry2">E honrar o teu Brazil!</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[150]</span>
+<div class="poetry1">No presumas, porm, prodigio das creanas!</div>
+<div class="poetry">Que basta o fogo, o estro, a viva inspirao;<br />
+ mister trabalhar, sem isso nada alcanas;<br />
+A gloria chamars, ser-te-ha o appello em vo.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Pois que! tu cuidars, creana, porventura</div>
+<div class="poetry">Que sem luctar, soffrer, sem horridos tormentos<br />
+O artista poderia erguer aos quatro ventos<br />
+A Epopa, o Drama, a Estatua, a Partitura?</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Vamos, trabalha pois meu precoce artista,</div>
+<div class="poetry">Dos precipicios ri, vinga-me o barrocal!<br />
+Para o profundo azul estende a larga vista.<br />
+Eis-te nos alcantis! Eleva-te ao ideal!</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p151" id="p151">[151]</a></span>
+<h3>AS VELHAS NEGRAS</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<h5>A M.<sup>me</sup> Aline de Gusmo</h5>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<div class="poetry">As velhas negras, coitadas,</div>
+<div class="poetry0">Ao longe estam assentadas<br />
+Do batuque folgaso.<br />
+Pulam creoulas faceiras<br />
+Em derredor das fogueiras<br />
+E das pipas de alcatro.</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[152]</span>
+<div class="poetry">Na floresta rumorosa</div>
+<div class="poetry0">Esparge a lua formosa<br />
+A clara luz tropical.<br />
+Tremeluzem pyrilampos<br />
+No verde-escuro dos campos<br />
+E nos concavos do val.</div>
+<br />
+<div class="poetry">Que noite de paz! que noite!</div>
+<div class="poetry0">No se ouve o estalar do aoite,<br />
+Nem as pragas do feitor!<br />
+E as pobres negras, coitadas,<br />
+Pendem as frontes canadas<br />
+Num lethargico torpr!</div>
+<br />
+<div class="poetry">E scismam: outrora, e d'antes</div>
+<div class="poetry0">Havia tambem descantes,<br />
+E o tempo era tam feliz!<br />
+Ai! que profunda saudade<br />
+Da vida, da mocidade<br />
+Nas mattas do seu paiz!</div>
+<br />
+<div class="poetry">E ante o seu olhar vazio</div>
+<div class="poetry0">De esperanas, frio, frio<br />
+Como um vu de viuvez,</div>
+<span class="pagenum">[153]</span>
+<div class="poetry0">Resurge e chora o passado<br />
+&mdash;Pobre ninho abandonado<br />
+Que a neve alagou, desfez...&mdash;</div>
+<br />
+<div class="poetry">E pensam nos seus amres</div>
+<div class="poetry0">Ephemeros como as flres<br />
+Que o sol queima no serto...<br />
+Os filhos, quando crescidos,<br />
+Foram levados, vendidos,<br />
+E ninguem sabe onde esto.</div>
+<br />
+<div class="poetry">Conheceram muito dono:</div>
+<div class="poetry0">Embalaram tanto somno<br />
+De tanta sinh gentil!<br />
+Foram mucambas amadas,<br />
+E agora inuteis, curvadas,<br />
+Numa velhice imbecil!</div>
+<br />
+<div class="poetry">No emtanto o luar de prata</div>
+<div class="poetry0">Envolve a collina e a matta<br />
+E os cafeses em redor!<br />
+E os negros, mostrando os dentes,<br />
+Saltam lepidos, contentes,<br />
+No batuque estrugidor.</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[154]</span>
+<div class="poetry">No espaoso e amplo terreiro</div>
+<div class="poetry0">A filha do Fazendeiro,<br />
+A sinh sentimental,<br />
+Ouve um primo recem-vindo,<br />
+Que lhe narra o poema infindo<br />
+Das noites de Portugal.</div>
+<br />
+<div class="poetry">E ella avista, entre sorrisos,</div>
+<div class="poetry0">De uns longinquos paraisos<br />
+A tentadra viso...<br />
+No emtanto as velhas, coitadas,<br />
+Scismam ao longe assentadas<br />
+Do batuque folgaso...</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p155" id="p155">[155]</a></span>
+<h3>O RELOGIO</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<h5>No album de Eduardo Burnay</h5>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<div class="poetry1">Eburneo o mostradr: as horas so de prata,</div>
+<div class="poetry">L-se a firma Breguet por baixo do gracioso<br />
+Rendilhado ponteiro; a tampa enorme e chata:<br />
+Nella o esmalte produz um quadro delicioso.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Rapara: eis um salo: casquilho malicioso</div>
+<div class="poetry">Das festas cortess o mimo a flr, a nata,<br />
+Juncto a um cravo sonoro a alegre voz desata.<br />
+Uma fidalga o escuta ebria de amr e gso.</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[156]</span>
+<div class="poetry1">Rasga-se ampla a janella: ao longe o olhar descobre</div>
+<div class="poetry">O correcto jardim e o parque extenso e nobre.<br />
+As nuvens no alto cu fluctuam como espumas,</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Da paizagem no fundo, em lago transparente,</div>
+<div class="poetry">Onde se espelha o azul e o laranjal frondente,<br />
+Um cysne luz do sol estende as niveas plumas.</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<span class="pagenum"><a name="p157" id="p157">[157]</a></span>
+<h3>A MORTE DE D. QUICHOTE</h3>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<h5>Ao Conde de Sabugosa</h5>
+<br />
+<div class="breaks"><hr /></div>
+<br />
+<div class="poetry1">Rto o escudo, sem lana, a cta escalavrada,</div>
+<div class="poetry">Ssinho, abandonado e ta como um cego,<br />
+Do crepusculo luz dolente e immaculada<br />
+Entra na sua aldeia o altivo heroe Manchego.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">O tenue fumo se do clmo das herdades,</div>
+<div class="poetry">Riem ao p da fonte as frescas raparigas,<br />
+E clara vibrao sonora das trindades<br />
+Junctam-se brandamente as vozes e as cantigas.</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[158]</span>
+<div class="poetry1">E o audaz Campeador, o Justiceiro, o Forte,</div>
+<div class="poetry">Que andra pelo mundo a combater os mus,<br />
+Defendendo a Mulher, desafiando a Morte,<br />
+Do paterno casal sentou-se nos degrus.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Nos joelhos fincando o cotovlo agudo</div>
+<div class="poetry">E no punho cerrado a fronte reclinando,<br />
+Quedou-se largo espao, illacrymavel, mudo,<br />
+Para o inutil passado os olhos alongando...</div>
+<br />
+<div class="poetry1">E ali, na dce paz da sua alegre aldeia,</div>
+<div class="poetry">Sentiu que o avassallava uma tristeza infinda,<br />
+Quando esta voz se ouviu: morreu-te a Dulcina,<br />
+Missionario do Bem, tua misso finda!</div>
+<br />
+<div class="poetry1">E elle a ouvir e a scismar! A trefega sobrinha</div>
+<div class="poetry">Beija-o, falla-lhe, ri, abraa-o, mas o Here<br />
+Dest'arte lhe volveu A morte se avisinha,<br />
+Levae-me para o leito! E ouvil-o pena e de.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Do leito cabeceira o Bacharel e o Cura</div>
+<div class="poetry">Tentam resuscitar-lhe os sonhos e as chymeras;<br />
+Pintam-lhe o negro Mal triumphante, amargura!<br />
+O fraco aos ps do forte, o bom lanado s fras...</div>
+<br />
+<span class="pagenum">[159]</span>
+<div class="poetry1">Contam-lhe o frio horror dos carceres sem luz.</div>
+<div class="poetry">Que nas trres feudaes pompeava o velho Crime.<br />
+Que os crescentes do Islam tinham vencido a Cruz,<br />
+Que a Injustia era a Lei... Ento feroz, sublime.</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Inquieto, semi-n, sinistro, o cavalleiro</div>
+<div class="poetry">Bradou como um trovo: Enverguem-me a loriga!<br />
+Sellem-me o Rocinante, Sancho, escudeiro,<br />
+Traze-me a lana, prsto! e a minha espada amiga!</div>
+<br />
+<div class="poetry1">Tinha em brazas o olhar, e truculento o aspeito,</div>
+<div class="poetry">E vibrava em redr a imaginaria lana...<br />
+Logo depois cahiu do respaldar do leito,<br />
+Morto: tendo no labio um riso de creana!</div>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<h2>INDICE</h2>
+<br />
+<br />
+<br />
+<table style="width: 80%; text-align: left; margin-left: auto; margin-right: auto;" border="0" cellpadding="4" cellspacing="4">
+ <tbody>
+ <tr>
+ <td style="width: 80%;">A minha mulher</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p1">1</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>Confidenza</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p3">3</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>O velhinho</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p8">8</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>Animal bravio</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p10">10</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>Ad agros</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p12">12</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>A nuvem</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p14">14</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>O juramento do arabe</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p16">16</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>Num leque</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p19">19</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>Olhos de Judia</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p20">20</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>Numeros do Intermezzo:</td>
+ <td></td>
+ </tr>
+ </tbody>
+</table>
+<span class="pagenum">[162]</span>
+<table style="width: 80%; text-align: left; margin-left: auto; margin-right: auto;" border="0" cellpadding="4" cellspacing="4">
+ <tbody>
+ <tr>
+ <td style="width: 3%;"></td>
+ <td>I</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p24">24</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td></td>
+ <td>II</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p25">25</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td></td>
+ <td>III</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p26">26</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td></td>
+ <td>IV</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p28">28</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td></td>
+ <td>V</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p29">29</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td></td>
+ <td>VI</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p30">30</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td></td>
+ <td>VII</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p32">32</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td></td>
+ <td>VIII</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p34">34</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td></td>
+ <td>IX</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p36">36</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td></td>
+ <td>X</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p38">38</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td></td>
+ <td>XI</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p40">40</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td></td>
+ <td>XII</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p42">42</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td></td>
+ <td>XIII</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p44">44</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td></td>
+ <td>XIV</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p46">46</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td></td>
+ <td>XV</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p47">47</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td></td>
+ <td>XVI</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p48">48</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td></td>
+ <td>XVII</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p50">50</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td></td>
+ <td>XVIII</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p52">52</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td></td>
+ <td>XIX</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p54">54</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td></td>
+ <td>XX</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p55">55</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td></td>
+ <td>XXI</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p56">56</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td></td>
+ <td>XXII</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p58">58</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td></td>
+ <td>XXIII</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p60">60</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td></td>
+ <td>XXIV</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p62">62</a></td>
+ </tr>
+ </tbody>
+</table>
+<table style="width: 80%; text-align: left; margin-left: auto; margin-right: auto;" border="0" cellpadding="4" cellspacing="4">
+ <tbody>
+ <tr>
+ <td style="width: 80%;">O minute</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p65">65</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>O coveiro</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p70">70</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>Adeus!</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p72">72</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>Camoneana:</td>
+ </tr>
+ </tbody>
+</table>
+<span class="pagenum">[163]</span>
+<table style="width: 80%; text-align: left; margin-left: auto; margin-right: auto;" border="0" cellpadding="4" cellspacing="4">
+ <tbody>
+ <tr>
+ <td style="width: 3%;"></td>
+ <td>A egreja das Chagas</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p76">76</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td></td>
+ <td>A leitura dos Lusiadas</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p78">78</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td></td>
+ <td>Annos depois</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p80">80</a></td>
+ </tr>
+ </tbody>
+</table>
+<table style="width: 80%; text-align: left; margin-left: auto; margin-right: auto;" border="0" cellpadding="4" cellspacing="4">
+ <tbody>
+ <tr>
+ <td style="width: 80%;">Esphynge</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p83">83</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>A ceia de Tiberio</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p85">85</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>Trio de poetas:</td>
+ </tr>
+ </tbody>
+</table>
+<table style="width: 80%; text-align: left; margin-left: auto; margin-right: auto;" border="0" cellpadding="4" cellspacing="4">
+ <tbody>
+ <tr>
+ <td style="width: 3%;"></td>
+ <td>Joo de Lemos</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p90">90</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td></td>
+ <td>Joo de Deus</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p92">92</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td></td>
+ <td>Joo Penha</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p94">94</a></td>
+ </tr>
+ </tbody>
+</table>
+<table style="width: 80%; text-align: left; margin-left: auto; margin-right: auto;" border="0" cellpadding="4" cellspacing="4">
+ <tbody>
+ <tr>
+ <td style="width: 80%;">Chymeras</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p97">97</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>Odor di femina</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p99">99</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>Em caminho da guilhotina</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p101">101</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>A viuva</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p104">104</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>Flr do pantano</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p106">106</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>A resposta do inquisidr</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p108">108</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>Fervet amor</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p112">112</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>Na aldeia</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p114">114</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>Estudantina</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p116">116</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>As Ondinas</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p119">119</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>No jogo das cannas</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p122">122</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>Nunca eu te lsse, ballada</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p124">124</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>A negra</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p129">129</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>Mater dolorosa</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p132">132</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>As primeiras lagrimas de El-Rey</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p134">134</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>O Cura Sancta Cruz</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p137">137</a></td>
+ </tr>
+ </tbody>
+</table>
+<span class="pagenum">[164]</span>
+<table style="width: 80%; text-align: left; margin-left: auto; margin-right: auto;" border="0" cellpadding="4" cellspacing="4">
+ <tbody>
+ <tr>
+ <td style="width: 80%;">A venda dos bois</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p142">142</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>Ao rabequista Eugenio Degremont</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p147">147</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>As velhas negras</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p151">151</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>O relogio</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p155">155</a></td>
+ </tr>
+ <tr>
+ <td>A morte de D. Quichote</td>
+ <td style="text-align: right"><a href="#p157">157</a></td>
+ </tr>
+ </tbody>
+</table>
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<br />
+<h4>TERMINOU-SE A IMPRESSO<br />
+<br />
+<br />
+NOS PRELOS DA</h4>
+<br />
+<h3>IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA</h3>
+<br />
+<h4>a 6 de maro de 1882</h4>
+<br />
+<img src="images/fig02.png" width="100" height="131" alt="" class="center" />
+<br />
+<br />
+<h4><em>18, Rua Oriental do Passeio</em><br />
+LISBOA</h4>
+<br />
+<br />
+<div class="fbox">
+<h2>Lista de erros corrigidos</h2>
+
+<div style="text-align: center;">Aqui encontram-se
+listados todos os erros encontrados e corrigidos:</div>
+<br />
+<br />
+<table style="width: 80%; text-align: left; margin-left: auto; margin-right: auto;" border="0" cellpadding="4" cellspacing="4">
+
+ <tbody>
+
+ <tr align="right">
+
+ <td style="width: 61px;"></td>
+
+ <td style="font-weight: bold; text-align: center; width: 121px;">Original</td>
+
+ <td style="text-align: center; width: 5px;"></td>
+
+ <td style="font-weight: bold; text-align: center; width: 135px;">Correco</td>
+
+ </tr>
+
+ <tr>
+
+ <td style="text-align: right;"><a name="e1" id="e1"></a><a href="#p30">#pg.
+30</a></td>
+ <td style="text-align: center;">V</td>
+ <td style="text-align: center;">...</td>
+ <td style="text-align: center;">VI</td>
+
+ </tr>
+ <tr>
+
+ <td style="text-align: right;"><a name="e2" id="e2"></a><a href="#p50">#pg.
+50</a></td>
+ <td style="text-align: center;">XVI</td>
+ <td style="text-align: center;">...</td>
+ <td style="text-align: center;">XVII</td>
+
+ </tr>
+ </tbody>
+</table>
+<br />
+<div style="text-align: center;">Identificmos a duplicao de ttulos em numerao romana.<br />
+Rectificmos mantendo a ordenao crescente, nomeadamente nos casos referidos acima.<br />
+</div>
+<br /></div>
+</div>
+
+
+
+
+
+
+
+<pre>
+
+
+
+
+
+End of the Project Gutenberg EBook of Nocturnos, by Gonalves Crespo
+
+*** END OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK NOCTURNOS ***
+
+***** This file should be named 44211-h.htm or 44211-h.zip *****
+This and all associated files of various formats will be found in:
+ http://www.gutenberg.org/4/4/2/1/44211/
+
+Produced by Rita Farinha and the Online Distributed
+Proofreading Team at http://www.pgdp.net (This file was
+produced from images generously made available by National
+Library of Portugal (Biblioteca Nacional de Portugal).)
+
+
+Updated editions will replace the previous one--the old editions
+will be renamed.
+
+Creating the works from public domain print editions means that no
+one owns a United States copyright in these works, so the Foundation
+(and you!) can copy and distribute it in the United States without
+permission and without paying copyright royalties. Special rules,
+set forth in the General Terms of Use part of this license, apply to
+copying and distributing Project Gutenberg-tm electronic works to
+protect the PROJECT GUTENBERG-tm concept and trademark. Project
+Gutenberg is a registered trademark, and may not be used if you
+charge for the eBooks, unless you receive specific permission. If you
+do not charge anything for copies of this eBook, complying with the
+rules is very easy. You may use this eBook for nearly any purpose
+such as creation of derivative works, reports, performances and
+research. They may be modified and printed and given away--you may do
+practically ANYTHING with public domain eBooks. Redistribution is
+subject to the trademark license, especially commercial
+redistribution.
+
+
+
+*** START: FULL LICENSE ***
+
+THE FULL PROJECT GUTENBERG LICENSE
+PLEASE READ THIS BEFORE YOU DISTRIBUTE OR USE THIS WORK
+
+To protect the Project Gutenberg-tm mission of promoting the free
+distribution of electronic works, by using or distributing this work
+(or any other work associated in any way with the phrase "Project
+Gutenberg"), you agree to comply with all the terms of the Full Project
+Gutenberg-tm License (available with this file or online at
+http://gutenberg.org/license).
+
+
+Section 1. General Terms of Use and Redistributing Project Gutenberg-tm
+electronic works
+
+1.A. By reading or using any part of this Project Gutenberg-tm
+electronic work, you indicate that you have read, understand, agree to
+and accept all the terms of this license and intellectual property
+(trademark/copyright) agreement. If you do not agree to abide by all
+the terms of this agreement, you must cease using and return or destroy
+all copies of Project Gutenberg-tm electronic works in your possession.
+If you paid a fee for obtaining a copy of or access to a Project
+Gutenberg-tm electronic work and you do not agree to be bound by the
+terms of this agreement, you may obtain a refund from the person or
+entity to whom you paid the fee as set forth in paragraph 1.E.8.
+
+1.B. "Project Gutenberg" is a registered trademark. It may only be
+used on or associated in any way with an electronic work by people who
+agree to be bound by the terms of this agreement. There are a few
+things that you can do with most Project Gutenberg-tm electronic works
+even without complying with the full terms of this agreement. See
+paragraph 1.C below. There are a lot of things you can do with Project
+Gutenberg-tm electronic works if you follow the terms of this agreement
+and help preserve free future access to Project Gutenberg-tm electronic
+works. See paragraph 1.E below.
+
+1.C. The Project Gutenberg Literary Archive Foundation ("the Foundation"
+or PGLAF), owns a compilation copyright in the collection of Project
+Gutenberg-tm electronic works. Nearly all the individual works in the
+collection are in the public domain in the United States. If an
+individual work is in the public domain in the United States and you are
+located in the United States, we do not claim a right to prevent you from
+copying, distributing, performing, displaying or creating derivative
+works based on the work as long as all references to Project Gutenberg
+are removed. Of course, we hope that you will support the Project
+Gutenberg-tm mission of promoting free access to electronic works by
+freely sharing Project Gutenberg-tm works in compliance with the terms of
+this agreement for keeping the Project Gutenberg-tm name associated with
+the work. You can easily comply with the terms of this agreement by
+keeping this work in the same format with its attached full Project
+Gutenberg-tm License when you share it without charge with others.
+
+1.D. The copyright laws of the place where you are located also govern
+what you can do with this work. Copyright laws in most countries are in
+a constant state of change. If you are outside the United States, check
+the laws of your country in addition to the terms of this agreement
+before downloading, copying, displaying, performing, distributing or
+creating derivative works based on this work or any other Project
+Gutenberg-tm work. The Foundation makes no representations concerning
+the copyright status of any work in any country outside the United
+States.
+
+1.E. Unless you have removed all references to Project Gutenberg:
+
+1.E.1. The following sentence, with active links to, or other immediate
+access to, the full Project Gutenberg-tm License must appear prominently
+whenever any copy of a Project Gutenberg-tm work (any work on which the
+phrase "Project Gutenberg" appears, or with which the phrase "Project
+Gutenberg" is associated) is accessed, displayed, performed, viewed,
+copied or distributed:
+
+This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with
+almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or
+re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included
+with this eBook or online at www.gutenberg.org/license
+
+1.E.2. If an individual Project Gutenberg-tm electronic work is derived
+from the public domain (does not contain a notice indicating that it is
+posted with permission of the copyright holder), the work can be copied
+and distributed to anyone in the United States without paying any fees
+or charges. If you are redistributing or providing access to a work
+with the phrase "Project Gutenberg" associated with or appearing on the
+work, you must comply either with the requirements of paragraphs 1.E.1
+through 1.E.7 or obtain permission for the use of the work and the
+Project Gutenberg-tm trademark as set forth in paragraphs 1.E.8 or
+1.E.9.
+
+1.E.3. If an individual Project Gutenberg-tm electronic work is posted
+with the permission of the copyright holder, your use and distribution
+must comply with both paragraphs 1.E.1 through 1.E.7 and any additional
+terms imposed by the copyright holder. Additional terms will be linked
+to the Project Gutenberg-tm License for all works posted with the
+permission of the copyright holder found at the beginning of this work.
+
+1.E.4. Do not unlink or detach or remove the full Project Gutenberg-tm
+License terms from this work, or any files containing a part of this
+work or any other work associated with Project Gutenberg-tm.
+
+1.E.5. Do not copy, display, perform, distribute or redistribute this
+electronic work, or any part of this electronic work, without
+prominently displaying the sentence set forth in paragraph 1.E.1 with
+active links or immediate access to the full terms of the Project
+Gutenberg-tm License.
+
+1.E.6. You may convert to and distribute this work in any binary,
+compressed, marked up, nonproprietary or proprietary form, including any
+word processing or hypertext form. However, if you provide access to or
+distribute copies of a Project Gutenberg-tm work in a format other than
+"Plain Vanilla ASCII" or other format used in the official version
+posted on the official Project Gutenberg-tm web site (www.gutenberg.org),
+you must, at no additional cost, fee or expense to the user, provide a
+copy, a means of exporting a copy, or a means of obtaining a copy upon
+request, of the work in its original "Plain Vanilla ASCII" or other
+form. Any alternate format must include the full Project Gutenberg-tm
+License as specified in paragraph 1.E.1.
+
+1.E.7. Do not charge a fee for access to, viewing, displaying,
+performing, copying or distributing any Project Gutenberg-tm works
+unless you comply with paragraph 1.E.8 or 1.E.9.
+
+1.E.8. You may charge a reasonable fee for copies of or providing
+access to or distributing Project Gutenberg-tm electronic works provided
+that
+
+- You pay a royalty fee of 20% of the gross profits you derive from
+ the use of Project Gutenberg-tm works calculated using the method
+ you already use to calculate your applicable taxes. The fee is
+ owed to the owner of the Project Gutenberg-tm trademark, but he
+ has agreed to donate royalties under this paragraph to the
+ Project Gutenberg Literary Archive Foundation. Royalty payments
+ must be paid within 60 days following each date on which you
+ prepare (or are legally required to prepare) your periodic tax
+ returns. Royalty payments should be clearly marked as such and
+ sent to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation at the
+ address specified in Section 4, "Information about donations to
+ the Project Gutenberg Literary Archive Foundation."
+
+- You provide a full refund of any money paid by a user who notifies
+ you in writing (or by e-mail) within 30 days of receipt that s/he
+ does not agree to the terms of the full Project Gutenberg-tm
+ License. You must require such a user to return or
+ destroy all copies of the works possessed in a physical medium
+ and discontinue all use of and all access to other copies of
+ Project Gutenberg-tm works.
+
+- You provide, in accordance with paragraph 1.F.3, a full refund of any
+ money paid for a work or a replacement copy, if a defect in the
+ electronic work is discovered and reported to you within 90 days
+ of receipt of the work.
+
+- You comply with all other terms of this agreement for free
+ distribution of Project Gutenberg-tm works.
+
+1.E.9. If you wish to charge a fee or distribute a Project Gutenberg-tm
+electronic work or group of works on different terms than are set
+forth in this agreement, you must obtain permission in writing from
+both the Project Gutenberg Literary Archive Foundation and Michael
+Hart, the owner of the Project Gutenberg-tm trademark. Contact the
+Foundation as set forth in Section 3 below.
+
+1.F.
+
+1.F.1. Project Gutenberg volunteers and employees expend considerable
+effort to identify, do copyright research on, transcribe and proofread
+public domain works in creating the Project Gutenberg-tm
+collection. Despite these efforts, Project Gutenberg-tm electronic
+works, and the medium on which they may be stored, may contain
+"Defects," such as, but not limited to, incomplete, inaccurate or
+corrupt data, transcription errors, a copyright or other intellectual
+property infringement, a defective or damaged disk or other medium, a
+computer virus, or computer codes that damage or cannot be read by
+your equipment.
+
+1.F.2. LIMITED WARRANTY, DISCLAIMER OF DAMAGES - Except for the "Right
+of Replacement or Refund" described in paragraph 1.F.3, the Project
+Gutenberg Literary Archive Foundation, the owner of the Project
+Gutenberg-tm trademark, and any other party distributing a Project
+Gutenberg-tm electronic work under this agreement, disclaim all
+liability to you for damages, costs and expenses, including legal
+fees. YOU AGREE THAT YOU HAVE NO REMEDIES FOR NEGLIGENCE, STRICT
+LIABILITY, BREACH OF WARRANTY OR BREACH OF CONTRACT EXCEPT THOSE
+PROVIDED IN PARAGRAPH 1.F.3. YOU AGREE THAT THE FOUNDATION, THE
+TRADEMARK OWNER, AND ANY DISTRIBUTOR UNDER THIS AGREEMENT WILL NOT BE
+LIABLE TO YOU FOR ACTUAL, DIRECT, INDIRECT, CONSEQUENTIAL, PUNITIVE OR
+INCIDENTAL DAMAGES EVEN IF YOU GIVE NOTICE OF THE POSSIBILITY OF SUCH
+DAMAGE.
+
+1.F.3. LIMITED RIGHT OF REPLACEMENT OR REFUND - If you discover a
+defect in this electronic work within 90 days of receiving it, you can
+receive a refund of the money (if any) you paid for it by sending a
+written explanation to the person you received the work from. If you
+received the work on a physical medium, you must return the medium with
+your written explanation. The person or entity that provided you with
+the defective work may elect to provide a replacement copy in lieu of a
+refund. If you received the work electronically, the person or entity
+providing it to you may choose to give you a second opportunity to
+receive the work electronically in lieu of a refund. If the second copy
+is also defective, you may demand a refund in writing without further
+opportunities to fix the problem.
+
+1.F.4. Except for the limited right of replacement or refund set forth
+in paragraph 1.F.3, this work is provided to you 'AS-IS' WITH NO OTHER
+WARRANTIES OF ANY KIND, EXPRESS OR IMPLIED, INCLUDING BUT NOT LIMITED TO
+WARRANTIES OF MERCHANTABILITY OR FITNESS FOR ANY PURPOSE.
+
+1.F.5. Some states do not allow disclaimers of certain implied
+warranties or the exclusion or limitation of certain types of damages.
+If any disclaimer or limitation set forth in this agreement violates the
+law of the state applicable to this agreement, the agreement shall be
+interpreted to make the maximum disclaimer or limitation permitted by
+the applicable state law. The invalidity or unenforceability of any
+provision of this agreement shall not void the remaining provisions.
+
+1.F.6. INDEMNITY - You agree to indemnify and hold the Foundation, the
+trademark owner, any agent or employee of the Foundation, anyone
+providing copies of Project Gutenberg-tm electronic works in accordance
+with this agreement, and any volunteers associated with the production,
+promotion and distribution of Project Gutenberg-tm electronic works,
+harmless from all liability, costs and expenses, including legal fees,
+that arise directly or indirectly from any of the following which you do
+or cause to occur: (a) distribution of this or any Project Gutenberg-tm
+work, (b) alteration, modification, or additions or deletions to any
+Project Gutenberg-tm work, and (c) any Defect you cause.
+
+
+Section 2. Information about the Mission of Project Gutenberg-tm
+
+Project Gutenberg-tm is synonymous with the free distribution of
+electronic works in formats readable by the widest variety of computers
+including obsolete, old, middle-aged and new computers. It exists
+because of the efforts of hundreds of volunteers and donations from
+people in all walks of life.
+
+Volunteers and financial support to provide volunteers with the
+assistance they need, are critical to reaching Project Gutenberg-tm's
+goals and ensuring that the Project Gutenberg-tm collection will
+remain freely available for generations to come. In 2001, the Project
+Gutenberg Literary Archive Foundation was created to provide a secure
+and permanent future for Project Gutenberg-tm and future generations.
+To learn more about the Project Gutenberg Literary Archive Foundation
+and how your efforts and donations can help, see Sections 3 and 4
+and the Foundation web page at http://www.pglaf.org.
+
+
+Section 3. Information about the Project Gutenberg Literary Archive
+Foundation
+
+The Project Gutenberg Literary Archive Foundation is a non profit
+501(c)(3) educational corporation organized under the laws of the
+state of Mississippi and granted tax exempt status by the Internal
+Revenue Service. The Foundation's EIN or federal tax identification
+number is 64-6221541. Its 501(c)(3) letter is posted at
+http://pglaf.org/fundraising. Contributions to the Project Gutenberg
+Literary Archive Foundation are tax deductible to the full extent
+permitted by U.S. federal laws and your state's laws.
+
+The Foundation's principal office is located at 4557 Melan Dr. S.
+Fairbanks, AK, 99712., but its volunteers and employees are scattered
+throughout numerous locations. Its business office is located at
+809 North 1500 West, Salt Lake City, UT 84116, (801) 596-1887, email
+business@pglaf.org. Email contact links and up to date contact
+information can be found at the Foundation's web site and official
+page at http://pglaf.org
+
+For additional contact information:
+ Dr. Gregory B. Newby
+ Chief Executive and Director
+ gbnewby@pglaf.org
+
+
+Section 4. Information about Donations to the Project Gutenberg
+Literary Archive Foundation
+
+Project Gutenberg-tm depends upon and cannot survive without wide
+spread public support and donations to carry out its mission of
+increasing the number of public domain and licensed works that can be
+freely distributed in machine readable form accessible by the widest
+array of equipment including outdated equipment. Many small donations
+($1 to $5,000) are particularly important to maintaining tax exempt
+status with the IRS.
+
+The Foundation is committed to complying with the laws regulating
+charities and charitable donations in all 50 states of the United
+States. Compliance requirements are not uniform and it takes a
+considerable effort, much paperwork and many fees to meet and keep up
+with these requirements. We do not solicit donations in locations
+where we have not received written confirmation of compliance. To
+SEND DONATIONS or determine the status of compliance for any
+particular state visit http://pglaf.org
+
+While we cannot and do not solicit contributions from states where we
+have not met the solicitation requirements, we know of no prohibition
+against accepting unsolicited donations from donors in such states who
+approach us with offers to donate.
+
+International donations are gratefully accepted, but we cannot make
+any statements concerning tax treatment of donations received from
+outside the United States. U.S. laws alone swamp our small staff.
+
+Please check the Project Gutenberg Web pages for current donation
+methods and addresses. Donations are accepted in a number of other
+ways including checks, online payments and credit card donations.
+To donate, please visit: http://pglaf.org/donate
+
+
+Section 5. General Information About Project Gutenberg-tm electronic
+works.
+
+Professor Michael S. Hart is the originator of the Project Gutenberg-tm
+concept of a library of electronic works that could be freely shared
+with anyone. For thirty years, he produced and distributed Project
+Gutenberg-tm eBooks with only a loose network of volunteer support.
+
+
+Project Gutenberg-tm eBooks are often created from several printed
+editions, all of which are confirmed as Public Domain in the U.S.
+unless a copyright notice is included. Thus, we do not necessarily
+keep eBooks in compliance with any particular paper edition.
+
+
+Most people start at our Web site which has the main PG search facility:
+
+ http://www.gutenberg.org
+
+This Web site includes information about Project Gutenberg-tm,
+including how to make donations to the Project Gutenberg Literary
+Archive Foundation, how to help produce our new eBooks, and how to
+subscribe to our email newsletter to hear about new eBooks.
+
+
+</pre>
+
+</body>
+</html>
diff --git a/old/44211-h/images/fig01.png b/old/44211-h/images/fig01.png
new file mode 100644
index 0000000..298bd5c
--- /dev/null
+++ b/old/44211-h/images/fig01.png
Binary files differ
diff --git a/old/44211-h/images/fig02.png b/old/44211-h/images/fig02.png
new file mode 100644
index 0000000..855b1e8
--- /dev/null
+++ b/old/44211-h/images/fig02.png
Binary files differ