diff options
| -rw-r--r-- | .gitattributes | 3 | ||||
| -rw-r--r-- | 44211-0.txt | 2591 | ||||
| -rw-r--r-- | 44211-h/44211-h.htm | 3289 | ||||
| -rw-r--r-- | 44211-h/images/fig01.png | bin | 0 -> 14387 bytes | |||
| -rw-r--r-- | 44211-h/images/fig02.png | bin | 0 -> 6469 bytes | |||
| -rw-r--r-- | LICENSE.txt | 11 | ||||
| -rw-r--r-- | README.md | 2 | ||||
| -rw-r--r-- | old/44211-8.txt | 2983 | ||||
| -rw-r--r-- | old/44211-8.zip | bin | 0 -> 35424 bytes | |||
| -rw-r--r-- | old/44211-h.zip | bin | 0 -> 61260 bytes | |||
| -rw-r--r-- | old/44211-h/44211-h.htm | 3707 | ||||
| -rw-r--r-- | old/44211-h/images/fig01.png | bin | 0 -> 14387 bytes | |||
| -rw-r--r-- | old/44211-h/images/fig02.png | bin | 0 -> 6469 bytes |
13 files changed, 12586 insertions, 0 deletions
diff --git a/.gitattributes b/.gitattributes new file mode 100644 index 0000000..6833f05 --- /dev/null +++ b/.gitattributes @@ -0,0 +1,3 @@ +* text=auto +*.txt text +*.md text diff --git a/44211-0.txt b/44211-0.txt new file mode 100644 index 0000000..6fd12c3 --- /dev/null +++ b/44211-0.txt @@ -0,0 +1,2591 @@ +*** START OF THE PROJECT GUTENBERG EBOOK 44211 *** + + *Nota de editor:* Devido à existência de erros tipográficos neste + texto, foram tomadas várias decisões quanto à versão final. Em caso + de dúvida, a grafia foi mantida de acordo com o original. No final + deste livro encontrará a lista de erros corrigidos. + + Rita Farinha (Novembro 2013) + + + + +NOCTURNOS + + + + +D'esta edição tiraram-se mais _trinta exemplares_ que não entraram no +mercado; sendo: + +12 exemplares em papel Japão n.^{os} 1 a 12 + +12 exemplares em papel Whatman n.^{os} 13 a 24 + +6 exemplares em papel China n.^{os} 25 a 30 + + + + +GONÇALVES CRESPO + + +NOCTURNOS + + + +LISBOA +_18, Rua Oriental do Passeio_ +1882 + + + + +_Direitos reservados_ + + + + +LISBOA--Imprensa Nacional + + + + +A MINHA MULHER + +MARIA AMALIA VAZ DE CARVALHO + + + _A ti, ó boa e rara e fiel amiga, +A mais sancta e a melhor das companheiras, +A ti, ó flôr mimosa e alma antiga, +--Doce Premio que ris ao meu cançaço-- +A ti, ó meu Conselho, estas ligeiras +Folhas que ponho a medo em teu regaço._ + + + + +CONFIDENZA + + +Perguntaste-me um dia a vida que eu levava. + Mimosa e eburnea flôr, + Em antes de te vêr; respondo-te: sonhava... + Ouviste, meu amôr? + +Não era bem sonhar: ás vezes largo espaço + Ficava-me a sorrir + Para os quadros que eu via em luminoso traço + Nas télas do porvir. + +Presta-me o ouvido attento, escuta-me, querida, + Os que me lembram mais: + Assim, fita nos meus, ó pomba estremecida, + Os olhos teus leaes! + +Olha este quadro e vê: o campo alegre e franco, + Uma aurora de abril: + Da larga estrada á beira um campanario branco, + O céu profundo anil. + +De uma casa á janella uma creança loura, + Loura como um trigal: + Fiando á luz do sol que leve a sobredoura + De aureola ideal. + +Toda risos e festa a doce creatura + Olhava para mim, + E eu repetia a sós: «alcanço-te, ventura! + Serei feliz emfim!» + +De um outro quadro então recordo-me saudoso, + E alongo os olhos meus + Para o quadro gentil, o sonho mais gracioso, + Que me cahiu dos céus! + +Fica ao longe da vil poeira das cidades + E do seu vão rumôr, + O palacio esquecido; ás horas das trindades, + Entremos nelle, flôr! + +Deixemos os jardins, as aleas, o arvoredo, + E o oloroso pomar; + Subamos essa escada, agora, a furto e a medo, + Comecemos a olhar. + +É vetusto o salão; em flaccida poltrona + Repoisa e scisma alguem: + Alguem que nos recorda a imagem da Madona, + Grave e sizuda mãe. + +D'esse alguem no regaço um anjo se reclina + Confiado e feliz, + Sáe-lhe um arôma subtil da bôcca pequenina. + Falla, não sei que diz. + +É casta essa creança e pura entre as mais puras, + Que em sonhos vi jámais; + Tem o vago esplendôr das biblicas figuras + Dos antigos missaes. + +É moça e é menina: olhar nenhum ainda + De leve a maculou. + Dorme no seio della o amôr, a crença infinda + Que Deus lhe confiou. + +Quando ella abre, sorrindo, as palpebras franjadas, + Ficamos a pensar + Nos mysterios do céu, nas cousas ignoradas + Que descobre esse olhar. + +Deixa que eu me ajoelhe extasiado e mudo, + Cego de tanta luz, + E que tremulo beije o tépido veludo + De seus pésinhos nús! + +E não córa, bem vês, a candida creança! + Antes meiga sorri, + E entre risos me diz, compondo a escura trança: + «Pensava agora em ti! + +«Porque tardaste tanto, ó poeta? eu te esperava + «Na minha solidão! + «Vem os segredos vêr que para ti guardava + «Dentro do coração!» + +Concertáe vossa orchestra, harmonicas espheras, + No célico esplendor! + Maria, essa creança, ó flôr das primaveras, + Eras tu, meu amôr! + + + + +O VELHINHO + +A J. Cesar Machado + + +Aquelle que ali vae triste e cançado + E mais tremente que os juncaes do brejo. + Foi outrora o mais bello e o mais amado + Entre os moços do antigo logarejo. + +Nas fitas d'esse labio desmaiado + Quantas mulheres tremulas de pejo + Não sorveram os néctares do beijo + Dos trigaes sobre o leito perfumado! + +Hoje é velhinho, e falla dos francezes + Aos rapazes da eschola, e ás raparigas + Que não cançam de ouvil-o... As mais das vezes + +Sobre a ponte, sósinho, ouve as cantigas + Das que lavam no rio, e o olhar extende + Ao sol que ao longe na agonia esplende... + + + + +ANIMAL BRAVIO + +A M^{elle} Eugenia Vizeu + + +Preferiras um ramo caprichoso + De escolha rara e de um concerto fino, + Onde visses o cácto purpurino + E os nevados jasmins do Tormentoso. + +Em vez do ramo exotico e oloroso, + Casto recreio d'esse olhar divino, + Acceita, Eugenia, este animal felino, + Que o meu braço subjuga vigoroso. + +Tive artes de o amansar: eil-o sereno! + Acode á minha voz, e ao meu aceno + Como um jaguar á voz de um saltimbanco... + +Vamos, sonêto! a prumo! ajoelhe, présto! + E á doce Eugenia, do sorriso honesto, + A fimbria oscule do vestido branco! + + + + +AD AGROS + + +Não tardes, flôr; a aldeia nos espera, + Chovem arômas dos folhudos ramos: + Suspensa do meu braço, eia! partamos! + Olha-nos Deus da crystallina esphera. + +Nas manhãs da passada primavera + Com que delícia ethérea nos amámos! + Iremos vêr os nomes que traçámos + No rude tronco em que se enlaça a hera. + +Não tardes, meu amôr, sei de um caminho, + Que sobe a encosta, e vae direito ao moinho, + Em cujas vélas bate o vento em cheio... + +Seguir-nos-hão as aves namoradas, + Que ao som das tuas infantis risadas + Modularão seu tremulo gorgeio... + + + + +A NUVEM + +De Th. Gauthier + + +As roupas deslaçando, entra no banho + A languida sultana enamorada: + Livre do pente, os hombros nús lhe beija + A longa e fina trança desatada. + +Atraz dos vidros o sultão a espreita; + E comsigo murmura: «como é bella! + «Ninguem a vê, ninguem! o negro eunucho + «Do harem na tôrre solitario vela!» + +--Eu a vejo, uma nuvem lhe responde + Do sereno e alto azul illuminado: + --Vejo-lhe os seios nús, vejo-lhe o dorso, + --E o seu corpo de perolas colmado-- + +Fez-se pallido Ahmehd bem como a lua, + E erguendo o seu kandjar de folha rara, + Desce, e apunhala a nua favorita... + Quanto á nuvem... no azul se dissipára... + + + + +O JURAMENTO DO ARABE + +A Teixeira de Queiroz + + +Baçús, mulher de Ali, pastôra de camêlas, + Viu de noute, ao fulgor das rútilas estrellas, + Wail, chefe minaz de barbara pujança, + Matar-lhe um animal. Baçús jurou vingança; + Corre, célere vôa, entra na tenda e conta + A um hospede de Ali a grave e inulta affronta. + +«Baçús, disse tranquillo o hospede gentil, + Vingar-te-hei com meu braço, eu matarei Wail.» + +Disse e cumpriu. + + Foi esta a causa verdadeira + Da guerra pertinaz, horrivel, carniceira + Que as tribus dividiu. Na lucta fratricida + Omar, filho de Amrú, perdêra o alento e a vida. + +Amrú que lanças mil aos rudes prélios leva, + E que em sangue inimigo, irado, os odios céva, + Incansavel procura, e é sempre embalde, o vil + Matador de seu filho, o trêdo Muhalhil. + +Uma noite, na tenda, a um moço prisioneiro, + Recem-colhido em campo, o indomito guerreiro + Fallou severo assim: + «Escravo, attende, e escuta: + «Aponta-me a região, o monte, o plaino, a gruta, + «Em que vive o traidôr Muhalhil, dize a verdade; + «Dá-me que o alcance vivo, e é tua a liberdade!» + +E o moço perguntou: + «É por Allah que o juras?» + --Juro, o chefe tornou-- + «Sou o homem que procuras! + «Muhalhil é o meu nome, eu fui que espedacei + «A lança de teu filho, e aos pés o subjuguei!» + +E intrépido fitava o attonito inimigo. + +Amrú volveu:--És livre, Allah seja comtigo! + + + + +NUM LEQUE + + +Amar e ser amado, que ventura! + Não amar, sendo amado, é um triste horrôr: + Mas na vida ha uma noite mais escura, + É amar alguem que não nos tenha amôr! + + + + +OLHOS DE JUDIA + + +No transparente olhar das virgens da Allemanha + Nada um fluido subtil tam pleno de scismar, + Que a gente cuida ouvir uma sonata extranha + Num castello do Rheno em noites de luar. + +Flôr do Guadalquivir, gloria da ardente Hespanha, + Se dardejas, sorrindo, um teu lascivo olhar, + O crespo, o encapellado e procelloso mar + Dos desejos febris o coração nos banha. + +Nos teus olhos porém venusta semi-deia, + Como nas mutações de um rapido scenario, + Desdobram-se ante mim paizagens da Judeia... + +Vejo o louro Jesus vagueando solitario, + Vejo-o no Horto a chorar, ouço-lhe a voz na Ceia + E escuto-lhe o gemido extremo no Calvario. + + + + +H. HEINE + +NUMEROS DO INTERMEZZO + +A M^{elle} Louìse de Almeida e Albuquerque + + + + +I + + +Rosas e lirios, pombas, sol radiante, + Tudo isso outrora, no fugaz passado, + Eu adorei constante. + +E d'esse amôr, que tive immaculado + Por lirios e aves e subtis perfumes, + Nem já me lembro, seductôra amante, + Fonte pura de amôr, que em ti resumes + A rosa, o lirio, a pomba e o sol radiante! + + + + +II + + +De um lirio branco no mimoso calix + Se eu a fosse depôr + A vaga essencia de meu peito, em breve + Escutáras no calice de neve + Uma canção de amôr. + +Canção divina relembrando as ancias, + E o languido tremôr + Daquelle beijo, em noite mysteriosa, + Que me deram teus labios côr de rosa, + Meu doce e casto amôr! + + + + +III + + +Á luz viva do claro sol radioso + O lóto inclina a fronte esmaecida, + E espera a noite pensativo e ancioso. + +Rompe a lua, e derrama a luz querida + Na corolla mimosa + Da pobre flôr que se abre enlanguecida. + Pobre flôr amorosa! + +Olhando o céu e a lua até parece + Que, em desmaios de amôr, + Treme, palpita, córa e desfallece + + A scismadora e enamorada flôr! + + + + +IV + + + Sobre os olhos formosos + Da minha doce amada +Rimei canções que os astros decoraram; +E embalsamei-lhe a bôcca perfumada + Em tercêtos graciosos. +Innumeras estancias decantaram + Seu rôsto peregrino +Que os jaspeados lirios escurece. + Que sonêto divino +Eu rendilhára com subtis lavôres +Sobre o seu coração... se ella o tivesse! + + + + +V + + +Pozeram-te no rôsto o aéreo véu nupcial. + Bem sei que te perdi, mas não te quero mal. + +Brilham do teu collar as pedras luminosas, + Mas no teu coração que noites luctuosas! + +Em sonhos eu desci, ó misera mulher, + Ás sombras da tua alma, e vi-te o padecer... + +Bem sei que te perdi, ó minha doce amada, + Mas não te quero mal, és muito desgraçada + + + + +VI + + +Sei-o; a tua vida é sem ventura, + É-nos commum esta funérea sorte. + Cáe sobre nós a mesma noite escura, + E isto não finda sem que chegue a morte. + +Se vejo nesse olhar um rir travêsso, + E em teu labio a insolencia costumada, + E o orgulho inflar teu coração... padeço, + E murmuro: «és como eu, tam desgraçada!» + +Bem sei que ris, mas o teu labio treme: + Nos teus olhos azues o pranto brilha: + Tens orgulho, e essa voz suspira e geme... + Como nós somos desgraçados, filha! + + + + +VII + + + Se as flôres do balsedo +Podessem ver meu peito alanceado, +Como allivio ao meu aspero degredo, +Mandar-me-hiam, das moitas do balsedo, +De seus prantos o balsamo sagrado. + + Se os rouxinoes da floresta +Soubessem quanta dôr me rasga o seio, +Para espancar a minha noite mésta, +Mandar-me-hiam, das sombras da floresta, +O seu mais terno e encantadôr gorgeio. + + Se as estrellas do espaço +Soubessem tudo quanto soffro em vida, +Para embalar d'esta alma o vil cançaço, +Mandar-me-hiam, dos concavos do espaço, +Uma doce palavra condoída. + + E essa que sabe tudo, +O inferno e o horror da minha mocidade, +É a dona das tranças de veludo, +E das unhas rosadas... sabe tudo +E apunhála-me a vida sem piedade! + + + + +VIII + + +Não me sabes dizer, ó minha amada, + O motivo, a razão + Porque pendem a face desmaiada + As rosas para o chão? + +Não me sabes dizer porque, no meio + Do vasto prado em flôr, + Das violetas cáe no roxo seio + Um véu de lucto e dôr? + +Diz-me porque ouço a voz das cotovias + Hoje lugubre assim? + E porque exhalam mortes e agonias + As urnas do jasmim? + +Por que motivo o sol tam claro e puro + De crepes se vestiu? + Porque um sinistro pezadelo escuro + Sobre a terra cahiu? + +Bem sei eu porque vejo tudo triste + Sem luz e sem calôr... + É que tu, pomba branca, me fugiste + Meu amôr, meu amôr! + + + + +IX + + +Disseram-te de mim feios horrôres, + De imaginarias culpas me crivaram, + E sobre as minhas lastimaveis dôres + Um negro véu lançaram! + +Distenderam os labios sacudindo + Com grave e serio gesto a fronte, e ao cabo... + (E acreditaste-os tu, meu anjo lindo!) + Chamaram-me o Diabo! + +O que ha de mais escuro e de mais feio + Na minha vida, ignoram-no os sandeus, + Tam occulto este amôr vive em meu seio, + Ó luz dos olhos meus! + + + + +X + + +Naquella manhã ditosa + O sol mandava-nos beijos; + Do rouxinol os solfejos + Suspiravam na amplidão. + +Se me lembro, ai! se me lembro + D'esse amplexo demorado, + Com que tu, meu lirio amado, + Uniste-me ao coração! + +Grasnava o côrvo agoirento, + As sêccas folhas cahiam, + E uns tristes raios desciam + Da plumbea curva dos céus. + +Se me lembro, ai! se me lembro + Da fria e grave mesura + Que, naquella tarde escura, + Fizeste ao dizer-me--adeus! + + + + +XI + + +Fôste fiel, no caminho + Doloroso que eu seguia, + Déste-me alentos, carinho, + Meu consôlo fôste, e guia. + +Déste-me tudo, ó consorte, + Roupa branca e até dinheiro! + E ao partir para o extrangeiro + Compraste-me o passaporte! + +Deus t'o pague, meu amôr! + E um viver te dê tranquillo! + Mas que te não faça aquillo + Que tu me fizeste, flôr! + + + + +XII + + +Emquanto eu andava viajando, a minha + Noiva gentil, o meu thesouro amado, + Julgando que eu tardava e que não vinha, + Fez á pressa o vestido de noivado, + E um dia, ao pé do altar, entrega anciosa + A um fôfo peralvilho a mão de esposa. + +Nada no mundo a minha amada eguala; + Nem eu sei a que a possa comparar! + Que doce é o aroma que o seu labio exhala! + Que gesto lindo! e que formoso olhar! + Suspende a queixa, coração trahido, + Deixaste o céu, do céu fôste banido! + + + + +XIII + + +Quando morreres, filha, ao teu jazigo + Descerei taciturno e allucinado, + E abraçando esse corpo delicado, + No frio marmor dormirei comtigo. + +E tu muda, e tu fria, e tu gelada! + E eu nos meus braços a apertar-te ainda! + E nas sombras daquella noite infinda + Clamo, estremeço e morro, alma adorada! + +Os mortos, alta noute, pouco e pouco + Erguer-se-hão, ao luar, rindo e dançando; + E eu ficarei na sombra, ó sonho louco! + No teu seio de jaspe repoisando. + +E quando a hora chegue em que as trombêtas + Do Juizo Final se ouvirem todas, + Não surgirás, inveja das violetas, + Do escuro leito das eternas bôdas! + + + + +XIV + + + Do Norte sobre um monte, + Alto frio e gelado, + Um pinheiro isolado +Ergue entre o gêlo a merencoria fronte. + +Todo tremulo, o misero deseja + Ser a esbelta palmeira viridente + Que em terra adusta odeia a luz ardente + Que sobre ella o implacavel sol dardeja. + + + + +XV + + +Das minhas penas fiz canções aladas + De alegre geito e jovial feição. + Vi-as partir em doidas revoadas, + E vi-as procurar teu coração. + +Partem alegres, voltam lacrymosas, + Perdido o fresco riso ingenuo e lêdo, + Mas do que viram guardam, silenciosas, + O mais profundo e lugubre segredo. + + + + +XVI + + +Eu não posso esquecer, perdão, minha senhora, + --Estes laços de amôr custam a desatar-- + Eu não posso esquecer, ó minha doce aurora, + Que subjuguei teu corpo e essa alma singular... + +Teu corpo, ai! o teu corpo esbelto, moço e branco, + Já foi meu, já foi meu... mas neste instante, flôr, + Da tua alma prescindo, e escuta, serei franco, + Basta-me a que possuo, ah! basta, meu amôr! + +Se um dia succeder, que esse teu seio trema + De novo juncto ao meu, hei-de insuflar-te, doudo, + Metade da minha alma, e então, gloria suprema! + De ambos nós, meu amôr, faremos um só todo... + + + + +XVII + + +É domingo: o burguez deixa os asphaltos, + Dando o braço á burgueza; + Procura o campo, e, ao vêl-o, exclama aos saltos: + «Ó filha, que lindeza!» + +E pasma do verdôr febril, romantico, + Da múrmura floresta; + E a sua longa orelha absorve o cantico + Da passarada em festa. + +Eu que não saio, escondo a gelosia + Com negros cortinados, + E recebo a visita, em pleno dia, + Dos espectros amados. + +E aquelle Amôr que eu vi morrer outrora. + No meu quarto apparece! + Senta-se ao pé de mim, beija-me e chora, + E treme e desfallece! + + + + +XVIII + + +Rompia a manhã, rompia + Alegre como um trinado, + E eu ia triste e calado, + No meio d'essa alegria, + Por entre as flôres do prado... + Rompia a manhã, rompia... + +Vendo-me, as flôres do prado + Mais as rosas do silvedo + Cochicharam em segredo... + E erguendo os olhos, a medo, + Num tom de voz repassado + Da mais branda languidez: + «Como elle vae irritado, + «Os olhos fitos no chão! + «Perdôa por esta vez, + «Não ralhes com ella, não?» + + + + +XIX + + +Na tua face ardente e avelludada + Encandeia-se a luz do quente Estio, + Mas no teu coração, ó minha amada, + Habita o Inverno enregelado e frio. + +Mas quem assim te vê bella e formosa, + Verá mais tarde o Inverno tôrvo e feio + Nessa tua gentil face mimosa, + E o rubro Estio no teu branco seio! + + + + +XX + + +No momento do _adeus_ succede que os amantes + Se abraçam, a chorar, com vozes soluçantes. + Força, é força partir; a mão prende-se á mão, + E uma infinda tristesa inunda o coração. + +Para nós, meu amôr, nessa hora de agonia + Não houve o padecer que as almas excrucia: + Foi grave o nosso _adeus_ e frio, e só agora + É que a Dôr nos subjuga, e a Angustia nos devora. + + + + +XXI + + +Sonhei: de novo suspirava o vento + Das tilias sob a cupula odorante; + E como outrora ouvia o juramento + Do teu amôr constante. + +Que protestos de amôr nesse momento! + Mas na febre dos beijos que me deste, + Como para gravar teu juramento + Em meus dedos mordeste! + +Dona do riso alegre, ó meu tormento! + Dona de olhos azues, ó minha amada! + Já me bastava o doce juramento, + Foi de mais a dentada! + + + + +XXII + + +Chorei: sonhava e era comtigo, estavas + Morta num cemiterio, fria, fria... + E, ao despertar, senti que o pranto, em lavas, + De meus cançados olhos escorria. + +Chorei: sonhava e era comtigo, rosa; + Havias-me, sem dó, abandonado: + E, ao despertar da noite tormentosa, + Tinha o rôsto de lagrimas banhado. + +Chorei: sonhava, e era comtigo, ó linda! + Dizias-me, a sorrir, «como eu te adoro!» + Desperto, e logo numa angustia infinda, + Eis-me a chorar de novo e ainda choro! + + + + +XXIII + + + Batido do torvelinho + O bosque palpita ao açoite + Do vento outomnal; é noite. +Monto a cavallo e metto-me a caminho. + + E este inquieto pensamento, + E esta phantasia errante + Levaram-me nesse instante +Ao teu virgineo e candido aposento. + + Os cães ladram; nas sonoras + Escadas assoma gente, + E eu no marmore luzente +Faço tinir as rútilas esporas. + + No teu quarto da baunilha + Vôam cálidos arômas; + Tu dormes, soltas as cômas, +E eu nos teus braços cáio, minha filha! + + Soluça o vento magoado: + Diz um carvalho altaneiro: + «Cavalleiro, cavalleiro, +«Suspende o teu sonhar allucinado!» + + + + +XXIV + + +Eu enterro as canções de amôr e o fel amargo + Do meu triste sonhar: + Quero um caixão profundo, immenso, vasto e largo; + Depressa, ide-o buscar! + +Um caixão formidando, um féretro-portento, + Que sobreexceda e vença + O pêzo sobrehumano e o enorme comprimento + Da ponte de Mayença. + +Trazei-m'o sem demora; eu hei-de enchêl-o em breve; + Vereis a promptidão. + De Heidelberg o tonel será pequeno e leve + Ao pé d'esse caixão. + +Doze gigantes quero, o aspecto feio e rudo, + E de um vigôr sem conta, + Que me façam lembrar Christovam, o membrudo, + Que em Colonia se aponta. + +Gigantes, balouçae o féretro luctuoso! + Vamos! agora, ao mar! + Cova maior existe? Abysmo assim grandioso + Difficil é de achar. + +Sabeis porque eu desejo um féretro assim largo, + De vastas dimensões? + É que enterro, infeliz, o amôr, o fel amargo + Das minhas illusões. + + + + +O MINUÊTE + +Ao dr. Thomaz de Carvalho + + +Espaçoso é o salão: jarras a cada canto; + Admira-se o lavôr do tecto de páu sancto. + +Cadeiras de espaldar com fulvas pregarias: + Um enorme sophá: largas tapeçarias. + +O purpureo tapete aos olhos nos revela + Entre as garras de um tigre anciosa uma gazella. + +Retratos em redor: olhemos o primeiro: + No Tóro as mãos de Affonso o armaram cavalleiro. + +Era Arcebispo aquelle: esta foi açafata... + Que frescura sensual nos labios de escarlata! + +Olhos revendo o azul que sobre a Italia assoma: + Em finos caracóes, a loura e ondada côma: + +Collo robusto e nú: cabeça triumphante: + Consta que certo rei... passemos adeante! + +Este, que vês, morreu num africano areal + Por vingança cruel do aspero Pombal. + +D'esse olhar na expressão infinda e inenarravel + Desabrocha uma dôr profunda e inconsolavel. + +Defronte, uma donzella, o rosto meigo e afflicto, + Num extasis adora o pallido proscripto. + +O teu sonho nupcial, franzina morgadinha, + Tam cedo se desfez, ó misera e mesquinha! + +No burel escondeste o viço e a formusura, + E desmaiaste, flôr, no chão de uma clausura!... + +Repara nos desdens do fôfo conselheiro, + Que sorridente aspira a flôr de um jasmineiro! + +Em canones doutor: no Paço foi bemquisto: + Orna-lhe o peito a cruz de um habito de Christo. + +Esse outro combatendo ás portas de Bayona, + Como um bravo, alcançou a rútila dragôna. + +Vibra flammas do olhar; cabeça erecta e audaz; + Illumina-lhe o rôsto a gloria de um gilvaz. + +Assistímos, ao vêl-o, ás pugnas carniceiras, + E ouvimos o clangôr das musicas guerreiras... + +No antiquissimo espelho, á sombra das cortinas, + Reflecte-se o primôr de argenteas serpentinas. + +Sob o espelho se aninha um cravo marchetado, + Mimo outrora da casa, e prenda de um noivado. + +Ao lado um cofre encerra, em amoravel ninho, + Antiga partitura em velho pergaminho. + +Uma noite extendi a musica na estante, + E o cravo suspirou... naquelle mesmo instante + +Da eburnea pallidez doentia do teclado + Manso e manso evolou-se o arôma do passado. + +E vi descer do quadro a languida açafata + Que, ao discreto pallôr das lampadas de prata, + +A fimbria alevantando azul do seu vestido + O rôsto acerejado, o gesto commovido, + +A sorrir, deslisou graciosa no tapête, + Dançando airosamente o airoso minuête... + + + + +O COVEIRO + +A Alberto Braga + + +Elle entrou cabisbaixo e silencioso + Na immunda tasca, e foi sentar-se a um canto; + Deram-lhe vinho, recusou, o espanto + Cresceu no olhar do taberneiro oleoso. + +Elle era o mais antigo e o mais ruidoso + Dos freguezes da casa: ao obsceno canto + Ninguem prestava mais lascivo encanto + Ao som magoado de um violão choroso. + +Mas o velho sentára-se distante + Da alegre turba, a vista lacrymante + Mergulhada nas chammas do brazido... + +Disse um da roda: «espanta-me o coveiro!» + --Morreu-lhe ha pouco a filha...--distrahido + Volveu da bisca um contumaz parceiro. + + + + +ADEUS! + + +Uma vez, numa camara elegante, + De um contador no marmore de rosa, + Entre os mil nadas feminis que exhalam + Uns aromas subtis que nos embalam, + Vi uma concha pallida e graciosa. + +Sentira eu nella um som confuso e triste, + Como o dos sinos em remota aldeia; + Pobre concha! morria de saudade + Daquella vaga e triste immensidade + Do mar que chora na deserta areia. + +Olha, querida, como nessa concha, + Anda chorando em mim continuamente + Essa timida voz que tu soltaste, + Essa palavra ADEUS que murmuraste + Aos meus ouvidos languida e tremente! + + + + +CAMONEANA + + + + +I + +NA EGREJA DAS CHAGAS + + +Ao dr. A. A. de Carvalho Monteiro + + +Proxima vinha a nobre Catharina + Da porta principal da egreja, quando + Seu olhar encontrou suave e brando + O olhar de um moço de presença fina. + +E, ao fulgôr d'esse olhar ardente, inclina + A dama o rôsto, timida, córando... + Arfa-lhe o niveo seio, palpitando, + Em doida e extranha commoção divina. + +Camões, que outro não era o moço, ardido, + Num gesto de galan desvanecido, + «Quem vos pudéra merecer!» murmura. + +E a dama, ao ouvil-o, languida sorria, + Pois que em todos os tempos a ouzadia + Ao amôr nunca trouxe desventura. + + + + +II + +A LEITURA DOS LUSIADAS + + +A Vicente Pindella + + +Do moço rei defronte, esbelto e cavalleiro + Camões recita; a côrte, silenciosa + Ante a rubra explosão do cantico guerreiro, + Admira essa Epopeia enorme e prodigiosa. + +«... Ruge a electrica voz do Adamastôr furiosa; + «Nas amuradas canta o alegre marinheiro; + «Do Oceano á flôr scintilla a esteira luminosa + «Dos pesados galeões do Gama aventureiro. + +«Terra! grita o gageiro; e á praia melindana + «Desce douda e febril a gente lusitana + «Desfraldam-se os pendões ao claro céu do Oriente...» + +Da gloria ante o esplendôr o olhar d'El-Rey fulgura; + O Camara no emtanto, alma sombria e escura, + No rei os olhos crava, e ri felinamente. + + + + +III + +ANNOS DEPOIS + + +A Bernardo Pindella + + +Juncto de um catre vil, grosseiro e feio, + Por uma noite de luar saudoso, + Camões, pendida a fronte sobre o seio, + Scisma embebido num pesar luctuoso... + +Eis que na rua um cantico amôroso + Subitaneo se ouviu da noite em meio: + Já se abrem as adufas com receio... + Noite de amôres! que trovar mimoso! + +Camões acorda, e á gelosia assôma, + E aquelle canto, como um antigo arôma, + Resuscita-lhe os risos do passado. + +Viu-se moço e feliz, e ah! nesse instante, + No azul viu perpassar, claro e distante, + De Natercia gentil, o vulto amado... + + + + +ESPHYNGE + +Traducção de uns versos de Alexandre Dumas +escriptos num leque +em que estava pintada uma Esphynge + + +Que me queres, Esphynge? O que procuras? diz-m'o: + Se do poeta o segredo intentas penetrar, + Desce dos annos meus ao tenebroso abysmo, + Verás o Amôr aos Vinte e aos Sessenta o Pesar. + +Sim, Pesar, não de haver lançado aos quatro ventos + Com prodiga loucura o verbo triumphante, + A ambição, o dinheiro, os risos e os tormentos, + E as auroras de abril que passam num instante! + +Mas Pesar de sentir dentro em meu peito agora, + Como accêso vulcão em gêlos sepultado, + Do juvenil desejo a flamma que devora, + E de não poder mais, amando, ser amado! + + + + +A CEIA DE TIBERIO + +Ao dr. J. Frederico Laranjo + + +Opulento é o festim: em todo o vasto imperio + Outro não houve egual. Caprêa a dissoluta, + O retiro de amôr do perfido Tiberio, + +Illuminada ri. Ao longe Roma escuta + O confuso rumôr da tenebrosa orgia: + Assim geme, assim ronca o mar em funda gruta. + +Fascina, attrae, seduz, e os olhos extasia + A imperial vivenda: a sala é deslumbrante: + Ouro e gêmmas sem fim confundem-se á porfia. + +Das lampadas rebrilha o lume coruscante; + Nos triclinios esplende a purpura escarlata, + A fina tartaruga e o sandalo odorante. + +Aos angulos da sala, em primorosa prata, + Erotico esculptor grupos fundiu lascivos, + Em cujos membros nús Volupia se retrata. + +Resaltam da parede os satyros esquivos + Sob o pampano alegre: as nymphas, em corêas, + Dançam na riba, em flôr, de arroios fugitivos. + +Em marmórea piscina enroscam-se as murêas, + Dos patricios de Roma o pabulo dilecto, + Vezes sem conto, escravo, ali rompeste as veias! + +Pendem verdes festões do primoroso tecto, + Pyrrheico ali pintára um matagal folhudo, + E um lago crystallino, encantador, discreto. + +Diana ao sol enxuga as tranças de veludo, + Acteon espreita ancioso, e, ó rapida alegria! + Aos poucos se transforma em cervo ramalhudo. + +Em Miléto foi tincta a azul tapeçaria, + Que nas mesas se extende e nos mosaicos dorme; + Dos velarios se escôa o arôma que inebria. + +A festa é no pendor: num áureo prato informe + Eis que entra um javali, formosas gaditanas + Dançam em derredor. Ulula a grita enorme. + +Jorra o vinho de Kós purpureas espadanas; + Dos convivas na fronte enlaça-se a verbena, + Preludiam no emtanto as frautas sicilianas. + +Adoudada suspira uma canção obscena: + Fervem beijos no ar, os seios pulam, crescem + E desnudam-se á luz, Tiberio assim o ordena. + +As matronas, ao vêr o duro gesto, obedecem, + E lá passam gentis, deslisam mansamente + Dos marmores á flôr; são nuas, endoudecem! + +Um retiario nervudo, e um gladiador valente + Combatem, são leões; o pallido vencido + Mistura o sangue rubro ao vinho rescendente. + +Ora Tiberio ri... Mas subito um gemido + Longo e triste chorou nos paços de Caprêa... + Indagam: talvez fosse o gladiador ferido... + +Nesse instante Jesus morria na Judeia! + + + + +TRIO DE POETAS + + + + +I + +JOÃO DE LEMOS + + +Ao Visconde de Pindella + + +Na cidade gentil do austero estudo + Sobranceira ao Mondego socegado, + Em cuja riba o sinceiral folhudo + De rouxinoes suspira gorgeiado, + +Fôste erguido no concavo do escudo + Pelos moços de outrora, e celebrado + Trovador, cavalleiro, e namorado... + Tempo de glorias! Como passa tudo! + +No emtanto ás vezes, na provincia, quando + A um dôce, honesto e feminino bando + Digo a LUA DE LONDRES, de repente + +Da infancia volvo á candida simpleza, + E ondulam na minh'alma vagamente + Tremulas notas de fugaz tristeza. + + + + +II + +JOÃO DE DEUS + +A Anthero do Quental + + +Sempre que o leio, sinto-me captivo + De um não sei quê, de infinda suavidade, + E entram commigo uns longes de saudade, + Que me deixam sizudo e pensativo. + +Sonho: quizéra, em triste soledade, + Viver das gentes apartado e esquivo, + E erguer-me a esse planeta primitivo + Onde resplenda a eterna mocidade. + +Já o seu nome é tão suave e brando, + Tão eufonico, meigo e delicado, + Que fica nos ouvidos suspirando... + +Diz a lenda que vive descuidado, + RAMOS tecendo, e FLORES emmoitando, + Da Chymera nos seios reclinado. + + + + +III + +JOÃO PENHA + + +A Augusto Sarmento + + +Nervoso mestre, domadôr valente + Da Rima e do Sonêto portuguez, + Não te eguala a pericia de um chinez + Na pintura de um vaso transparente. + +Ha no teu verso a musica dolente + Da guitarra andaluza, e muita vez + Rompe em meio da extranha languidez + O silvo estriduloso da serpente. + +No VINHO E FEL traçaste o escuro drama + Em que soluça e ri, na extensa gamma, + Teu desgrenhado amôr, doido e fatal... + +Mas se do peito ancioso o dardo arrancas, + Teu canto exhala as alegrias francas + De uma rubra Kermesse colossal. + + + + +CHYMERAS + +A meu tio João de Almeida e Albuquerque + + +O mar já me tentou: aspirações fogosas + Fizeram-me idear phantasticas viagens; + Eu sonhava trazer de incognitas paragens + Noticias immortaes ás gentes curiosas. + +Mais tarde desejei riquezas fabulosas, + Um palacio escondido em múrmuras folhagens, + Onde eu fosse occultar as candidas imagens + Das virgens que evoquei por noites silenciosas. + +Mas tudo isso passou: agora só me resta + Das chymeras que tive, uma visão modesta, + Um sonho encantador, de paz e de ventura. + +É simples; uma alcôva, um berço, um innocente, + E uma esposa adorada, envolta, a negligente! + De um longo penteadôr na immaculada alvura... + + + + +ODOR DI FEMINA + +A Alberto Pimentel + + +Era austero e sizudo; não havia + Frade mais exemplar nesse convento; + No seu cavado rôsto macilento + Um poêma de lagrimas se lia. + +Uma vez que na extensa livraria + Folheava o triste um livro pardacento, + Viram-no desmaiar, cahir do assento, + Convulso, e tôrvo sobre a lágea fria. + +De que morrêra o venerando frade? + Em vão busco as origens da verdade, + Ninguem m'a disse, explique-a quem pudér. + +Consta que um bibliophilo comprára + O livro estranho e que, ao abril-o, achára + Uns dourados cabellos de mulher... + + + + +EM CAMINHO DA GUILHOTINA + +Á Senhora Condessa de Sabugoza + + +A _viuva Capet_ vae ser guilhotinada. + + Ora naquelle dia o povo de Pariz + Formidavel, brutal, colerico, feliz, + Erguera-se ao primeiro alvôr da madrugada. + +No caminho traçado ao funebre cortejo + O povo redemoinha; + Que todos sentem n'alma o tragico desejo + De ver como Sansão degolla uma rainha. + +Da carreta em redor ondeiam os soldados; + De cima dos telhados + Da rua, dos portaes, dos muros, dos balcões + Chovem sobre a rainha as vis imprecações. + +Ella comtudo altiva erecta e desdenhosa + Olha tranquillamente + Para o revolto mar da plebe tumultuosa. + +E emquanto aquelle povo inquieto e repulsivo + Anceia por ouvir o grito convulsivo + E o derradeiro arranco + D'essa mulher, e ri abominavelmente, + Um homem só, o algoz, vae triste e reverente. + +Póde nascer ao pé da forca um lirio branco. + +A carreta parou. Desce a rainha. Nisto + Viram-se uns braços nús + Erguerem para o ar, á flôr da multidão, + Uma loura creança, alegre como a luz, + Suave como o Christo, + A quem talvez faltando em casa a enxerga e o pão, + A mãe quizera dar aquella distracção. + +No primeiro degráu da escura guilhotina + A rainha de França + Ergueu o olhar e viu essa gentil creança + Levar a mão á flôr da bôcca pequenina, + E atirar-lhe, a sorrir, um beijo doce e honesto... + +E ella que fôra audaz, heroica e resoluta, + E ouvira, com desdem, da plebe a injuria bruta, + Ante a esmola infantil, graciosa, d'esse gesto, + Chorou. + «Chorou, emfim! A infame succumbiu!» + De entre o povo uma voz selvatica rugiu. + + + + +A VIUVA + +Á Senhora D. Margarida Street + + +Fóra de portas vive. É silenciosa + A modesta vivenda em que ella habita, + Ali correu-lhe a vida bonançosa, + Ali golpeou-lhe os seios a desdíta. + +Raro de quando em quando uma visita + Novas lhe traz da vida tumultuosa, + E ella sorrindo a furto, descuidosa, + No azul os olhos em silencio fita. + +Sósinha e triste a pallida viuva, + Por essas noites de invernia e chuva, + A um honesto e feminil labor se entrega. + +E, alta noite, levanta, em dôr sepulta, + O olhar, que fixa, e demorado prega + No eterno Ausente que num quadro avulta. + + + + +FLÔR DO PANTANO + +A Bulhão Pato + + +É pequenina e séria, + E tem o gesto grave + Da filha de um burgrave, + A candida Valeria. + +Não ha flôr mais suave, + De essencia mais ethérea, + E abriu-lhe a vida a chave + Do Vicio e da Miseria! + +Na sua loura côma + Nunca passou o arôma + Dos beijos maternaes. + +Ó credula Ignorancia, + Esconde áquella infancia + O nome vil dos paes! + + + + +A RESPOSTA DO INQUISIDÔR + +A meu tio Luiz de Almeida e Albuquerque + + +I + +A sala em que medita El-Rey é silenciosa, + Apainelada e fria, o largo reposteiro + Ondula brandamente á aragem preguiçosa. + +II + +Á cathedra real um Christo sobranceiro + Mésto, livido, nú, ferido e ensanguentado + Exhala sobre o seio o alento derradeiro. + +III + +El-Rey medita e scisma: o seu olhar turbado, + O seu obliquo olhar, o seu olhar de féra, + Vibra irrequieta luz, parece allucinado. + +IV + +Nisto á porta assomou a calva fronte austera + De um velho, e logo atraz um pagem que murmura: + «Eis o monge, Senhor, que Vossa Alteza espera!» + +V + +Curvára, ao entrar, o monge a tremula estatura: + Mãos dispostas em cruz no largo peito ancioso, + E humilhada a cerviz na ascetica postura. + +VI + +E comtudo esse frade humilde e respeitoso, + De olhos fitos no chão, tão fragil como um vime, + Na presença de um rei, de um Cesar poderoso, + +VII + +É fanatico e audaz; com mão de bronze opprime + O Solio, a Egreja, o Lar, e os corações dos crentes; + Flagella a sombra e o amôr, condemna a luz, e o crime! + +VIII + +Quando elle vae passando, as timoratas gentes + Benzem-se com pavôr e param de improviso + As canções juvenis nas aleas rescendentes. + +IX + +Nunca nos labios seus florira o alegre riso, + Tem cem annos, jamais beijára uma creança, + E crê subir, talvez, morrendo, ao Paraizo! + +X + +Na Hespanha, no Perú, em Napoles, na França + Paira como o sinistro espirito do Mal, + O negro inquisidôr, feroz como a Vingança. + +XI + +Sisto quinto, o cruel, fizera-o cardeal, + E a Hespanha pôde ver com assombroso espanto + Juncto do rei-panthera o inquisidôr-chacal. + +XII + +E Philippe dizia ao monge no entretanto: + «Sentinella da Lei, piedoso inquisidôr, + «Tu que fallas com Deus e és padre, e és bom, e és sancto + +XIII + +«Arranca-me este pezo, afasta-me este horrôr! + «Ah! diz'-me, cardeal, se é um vil, se é um precito + «O rei que é justo e mata o filho que é traidôr...» + +XIV + +E mais não disse o rei, tôrvo, sombrio e afflicto. + No emtanto o inquisidôr erguendo imperturbavel + O seu hediondo olhar das lageas de granito, + +XV + +Assim tornou com voz vibrante e formidavel: + --Ó principe, e apontava o livido Jesus, + --Para acalmar dos céus a colera implacavel + +XVI + +--O Eterno fez morrer seu filho numa cruz!-- + + + + +FERVET AMOR + +Ao dr. Antonio Candido + + +Dá para a cêrca a estreita e humilde cella + D'essa que os seus abandonou, trocando + O calôr da familia ameno e brando + Pelo claustro que o sangue esfria e gela. + +Nos florões manuelinos da janella + Papeiam aves o seu ninho armando, + Veêm-se ao longe os trigos ondulando... + Maio sorri na pradaria bella. + +Zumbe o insecto na flôr do rosmaninho: + Nas giéstas pousa a abelha ébria de gôso: + Zunem bezouros e palpita o ninho. + +E a freira scisma e córa, ao vêr, ancioso, + Do seu cátre virgineo sobre o linho + Um par de borboletas amoroso. + + + + +NA ALDEIA + +A Christovam Ayres + + +Duas horas da tarde. Um sol ardente + Nos côlmos dardejando, e nos eirados. + Sobreleva aos sussurros abafados + O grito das bigornas estridente. + +A taberna é vazia; mansamente + Treme o loureiro nos humbraes pintados; + Zumbem á porta insectos variegados + Envolvidos do sol na luz tremente. + +Fia á soleira uma velhinha: o filho + No céu mal acordou da aurora o brilho, + Sahiu para os cançaços da lavoura. + +A nóra lava na ribeira, e os netos + Ao longe correm semi-nús, inquietos, + No mar ondeante da seára loura. + + + + +ESTUDANTINA + + +Acorda, minha Thereza, + Descerra a janella tua! + Espalha-se a luz da lua + Pela poetica deveza... + Entre os sinceiros da margem + Murmura o claro Mondego, + A noite corre em socêgo... + Acorda, minha Thereza! + +Não dorme quem tem amôres, + E o teu postigo é cerrado! + Deixa o leito perfumado, + E o travesseiro de flôres, + Se queres que eu acredite, + Ó minha pallida amiga, + Nas palavras da cantiga: + «Não dorme quem tem amôres!» + +Por isso eu vélo cantando, + E esta guitarra suspira, + E o meu coração delira + Mal vem a lua apontando... + É que, á noite, lirio branco, + Os astros guardam segredo + Dos beijos dados a medo... + Por isso eu vélo cantando... + +Quero vêr-te, como outrora + Nesse postigo inclinada, + Conversando enamorada + Até ao raiar da aurora... + Um lenço posto no liso + Dos teus hombros jaspeados, + Os cabellos destrançados... + Quero vêr-te como outrora. + +Não te assustes, Julieta, + Que a manhã te encontre ainda + Bebendo a canção infinda + Que soluça o teu poeta. + Cantará de entre os loureiros + Uma alegre cotovia, + Mal venha rompendo o dia... + Não te assustes, Julieta! + +Mas dorme a branca Thereza, + Cerrada a janella sua; + Espalha-se a luz da lua + Pela poetica deveza... + Entre os sinceiros da margem, + Murmura e corre o Mondego, + Que tristeza e que socêgo! + Ai! dorme, dorme, Thereza! + + + + +AS ONDINAS + +H. HEINE + +Ao Visconde de Castilho II + + +Na praia tranquilla murmuram sonoras + As ondas do mar. + E, ao dôce das aguas murmúrio palreiro, + Na areia dormita gentil cavalleiro + Á luz do luar. + +As bellas ondinas emergem das grutas + De vivo coral, + Accórrem ligeiras, e apontam, sorrindo, + O moço que julgam devéras dormindo + No argenteo areal. + +Vem esta, e perpassa do gorro nas plumas + As mãos de setim. + E aquella, com gesto divino, gracioso, + Nos ares levanta do joven formoso + O aureo telim. + +Ess'outra, que lavas, que fogo não vibram + Seus olhos de anil! + Debruça-se e arranca-lhe a rútila espada, + Nos copos brilhantes se apoia azougada, + Travessa e gentil. + +A quarta, saltando, retouça, lasciva, + Do moço em redor; + Suspira mansinho, de manso murmúra: + «Podésse eu em vida gosar a ventura + Do teu fino amôr!» + +A quinta rebeija-lhe as mãos, enlevada + Num sonho feliz, + E a sexta, com tremula e dôce esquivança, + Perfuma-lhe a bôcca, formosa creança! + Com beijos subtis... + +E o moço, fingindo que dorme tranquillo, + Não quer acordar. + E deixa que o abracem as bellas Ondinas, + E languido gosa caricias divinas + Á luz do luar... + + + + +NO JOGO DAS CANNAS + +A Camillo Castello Branco + + +Em garbosos corceis da Arabia cavalgando + Entram na larga arêna os próceres luzidos; + Corusca a pedraria, e esplendem, fluctuando, + Dos cocáres a pluma e a sêda dos vestidos. + +A quadrilha gentil dos Tavoras ardidos, + Com os lacaios da Tôrre um prélio simulando, + Terça galhardamente; o apparatoso bando + Deixa os olhos da turba em extase embebidos. + +Nas janellas do paço é toda a fidalguia: + Que jocundo prazer, que risos, que alegria! + Espectaculo augusto, e nobre, e singular! + +O sexto Affonso applaude: emtanto, maliciosa, + Maria de Nemours, sorrindo, a incestuosa! + No cunhado, subtil, poisa o lascivo olhar... + + + + +NUNCA EU TE LÊSSE, BALLADA! + + +Suspende a dura sentença + Que de teus labios ouvi. + E ergue do chão os quebrados + Teus negros olhos magoados, + Quando me acerco de ti. + +Ergueste-os, encantadôra! + Mas antes do teu perdão, + Attende-me, e ouve, senhora, + Com todo o teu coração. + +Escuta: + «A um rei namorado + «Sincera e fiel amante, + «Ao morrer, tinha deixado, + «De antigo affecto em penhor, + «Cinzelada taça de ouro + «Do mais subido valor. + +«O rei preferia a tudo + «Aquella doce lembrança + «Que lhe trazia os arômas + «De umas fluctuantes cômas, + «E de uns labios de veludo, + «Que elle beijára em creança. + +«Toda a vez que elle bebia + «Por esse vaso sagrado, + «Uma extatica alegria + «Como flôr ideal sorria + «No seu turvo olhar cançado. + +«Um dia sentiu-se o pobre + «Mais triste, velho e abatido, + «Abraçou-se commovido + «Á taça, o tremulo amante: + +«E as lagrimas, uma a uma, + «Deslisaram nesse instante + «Nos rudes flócos de espuma + «Da longa barba fluctuante. + +«Naquella hora de agonia, + «Chamou seus filhos e herdeiro, + «Deu-lhes tudo o que possuia, + «Ouro, palacios, riquezas, + «O seu castello roqueiro, + «E as suas largas devezas. + +«Dividiu tudo, contente; + «A taça guardou sómente. + +«Sentindo fugir-lhe a vida, + «Manda o triste convidar + «Seus pares, filhos e herdeiro + «Para um festim derradeiro + «No castello sobranceiro + «Ás verdes aguas do mar... + +«Em meio da festa, o velho + «Ergueu a taça e, sorrindo, + «Embebido o olhar no infindo, + «Um frouxo canto soltou... + +«E mal o canto findára, + «No leito da onda amara + «A taça de ouro lançou...» + +Eram profundos ciumes + Os d'esse rei namorado, + Que não fosse alguem beber + Por esse vaso sagrado, + E viesse a conhecer + Os cariciosos perfumes + Que o tinham embriagado... + +Hontem, á tarde, beijando-a + De teu labio a viva rosa, + Lembrou-me a historia singela + D'essa ballada amorosa; + E dentro em mim de repente + Tam extranha dôr senti, + Que num impeto demente + De teu labio humido e ardente + Com tôrvo aspecto fugi! + +Lembrou-me, cabeça louca! + Que se eu acaso morresse, + Talvez um outro sorvesse + Os beijos da tua bôcca... + +E no azul indefinido, + Ó minha piedosa anémona! + Cuidei ouvir o gemido + Da moribunda Desdemona... + +Ai, desavisado amôr! + Perdôa, sombra adorada! + Nunca eu te avistasse, flôr! + Nunca eu te lêsse, ballada! + + + + +A NEGRA + +Ao dr. A. A. da Fonseca Pinto + + +Teus olhos, ó robusta creatura, + Ó filha tropical! + Relembram os pavôres de uma escura + Floresta virginal. + +És negra sim, mas que formosos dentes, + Que perolas sem par + Eu vejo e admiro em rubidos crescentes + Se te escuto fallar! + +Teu corpo é forte, elastico, nervoso. + Que doce a ondulação + Do teu andar, que lembra o andar gracioso + Das onças do sertão! + +As languidas sinhás, gentis, mimosas, + Desprezam tua côr, + Mas invejam-te as formas gloriosas + E o olhar provocadôr. + +Mas andas triste, inquieta e distrahida; + Foges dos cafesaes, + E no escuro das mattas, escondida, + Soltas magoados ais... + +Nas esteiras, á noite, o corpo estiras + E, com ancias sem fim, + Levas aos seios nús, beijas e aspiras + Um candido jasmim... + +Amas a lua que embranquece os mattos, + Ó negra jurity! + A flôr da laranjeira, e os niveos cáctos + E tens horrôr de ti!... + +Amas tudo o que lembre o _branco_, o rosto + Que viste por teu mal, +Um dia que sahias, ao sol pôsto, + De um verde taquaral... + + + + +MATER DOLOROSA + +A Rangel de Lima + + +Quando se fez ao largo a nave escura + Na praia essa mulher ficou chorando, + No doloroso aspecto figurando + A lacrymosa estatua da amargura. + +Dos céus a curva era tranquilla e pura: + Das gementes alcyones o bando + Via-se ao longe, em circulos, voando + Dos mares sobre a cérula planura. + +Nas ondas se atufára o sol radioso, + E a lua succedêra, astro mavioso, + De alvôr banhando os alcantis das fragas... + +E aquella pobre mãe, não dando conta + Que o sol morrêra, e que o luar desponta, + A vista embebe na amplidão das vagas... + + + + +AS PRIMEIRAS LAGRIMAS DE EL-REY + +A M. Pinheiro Chagas + + +I + +O principe morrêra, e logo os cortezãos, + Em prantos derredor do mortuario leito, + Erguem a voz em grita aos ceus levando as mãos. + +II + +El-Rey, João segundo, a fronte sobre o peito, + Contempla dos brandões á luz ensanguentada + O filho, e a dôr lhe avinca o grave e duro aspeito. + +III + +E eis que, a um gesto do rei, a turba consternada + A pouco e pouco sáe, reina o silencio, apenas + Cortado pelo uivar longinquo da nortada. + +IV + +Sobre o filho curvado, immerso em cruas penas, + Aquelle rei sinistro, energico e tigrino, + Tinha na frouxa voz modulações serenas. + +V + +E o filho inerte e mudo! então num desatino + Deixou-se El-Rey caír, ao acaso, num escabêllo + E quedou-se a pensar no seu atroz destino. + +VI + +Um enorme, um confuso e bronzeo pesadêlo + Caíu-lhe sobre o enfêrmo espirito enluctado, + E o suor inundou-lhe as barbas e o cabello. + +VII + +Talvez que o triste visse, em sonho allucinado, + Do duque de Vizeu o espectro vingativo + Apontando-lhe, a rir, o Infante inanimado. + +VIII + +E escutasse a feroz imprecação que altivo + No cadafalso, outróra, o duque de Bragança + Ás faces lhe cuspiu com gesto convulsivo. + +IX + +Subito ergue-se o rei, e para o leito avança, + E uma lagrima então, embalde reprimida, + Das barbas lhe cahiu no rosto da creança... + +X + +A vez primeira foi que El-Rey chorou em vida. + + + + +O CURA SANCTA CRUZ + +CONTO DE A. DAUDET + +Ao dr. Sousa Martins + + +O implacavel carlista, o Cura Sancta Cruz, + Que em nome do seu rei, e em nome de Jesus, + Da Navarra febril leva do sul ao norte + O odio, a perseguição, o incendio, o estrago, a morte. + +Nessa clara manhã risonha do Natal, + Tendo sobre o uniforme a veste clerical, + Na montanha, ao ar livre, á luz do sol, diz missa + Á guerrilha que o escuta extatica e submissa. + +Como um rebanho vil, a um lado, os prisioneiros + Ouvem-no, a tiritar, cheios de um medo atroz: + Olham-se mutuamente os tôrvos companheiros, + E murmuram: «meu Deus, o que será de nós?» + +Porque emfim toda a vez que o sanguinario Cura + Se volta, e o _oremus_ diz, segundo o ritual, + Da sacra vestimenta avultam na brancura + De pistolas um jogo e a fórma de um punhal. + +Quando afinal chegou o instante, a occasião + Em que a missa termina, o Cura, erguendo um braço, + Grave traçou no ar e na mudez do espaço + O clemente signal da paz e do perdão. + +A missa terminára. + + O Cura nesse dia +Como sentisse n'alma uns raios de alegria, + De bondade e de amor, foi-se direito ao bando + Dos captivos, e assim fallou circumvagando + A vista em derredor: «_Hermanos, viva Dios!_ + +«Corre ahi que sou máu, fanatico e feroz... + «Pois em breve ides ver como se engana, quem + «Diz que eu sou o anti-Christo e que abomino o bem. + «Como é dia de festa e é dia de Natal, + «Dou-vos a liberdade, e não vos quero mal! + +«Mas haveis de primeiro, e isto, prompto e sem custo + «De joelhos beijar o pavilhão augusto + «De El-Rey nosso senhor...» + E mandou desfraldar + O carlista pendão, branco como o luar... + +Todos logo á porfia atiram-se por terra + E um grito: Viva El-Rey! echoou de serra em serra. + +No emtanto um prisioneiro, um moço imberbe ainda, + Firme ficou de pé, e olhava com infinda + Expressão de desdem a extranha vilania... + Braços postos em cruz, e intrepido sorria. + +«E tu?» surprezo disse e transtornado o Cura. + --Padre, volveu-lhe o esbelto joven, com brandura, + --Mata-me! aqui me tens! rio-me d'esse panno! + --Ao teu rei não me curvo... Eu sou republicano...-- + +O Cura um acêno fez; formou-se um pelotão: + «Vamos! inda uma vez, viva D. Carlos!» + + --Não!-- + +E havia nessa voz tamanha heroicidade + E uma energia tal, que uns longes de piedade + Scintillaram no olhar do tôrvo guerrilheiro. + +«Muito bem, morrerás: mas dize-me primeiro, + «O que desejas tu? Queres beber, fumar?... + +--Padre, se vou morrer, quero-me confessar... + «Ouvir-te-hei!» disse o Cura, e, ao acaso, num granito + Assentou-se. + + O captivo, olhos no chão, contrito + Os joelhos dobrou... Nesse fugaz instante + Elle viu, elle viu, num sonho lacrymante, + A sua infancia, o lar, o tecto de seus paes, + Os choupos do seu rio, os placidos casáes: + Viu a noiva gentil, a egreja, os arvoredos + E os parentes e irmãos, socios de seus brinquedos. + +Ah! quem póde esquecer o seu paiz natal! +Ah! quem póde esquecer a benção maternal! + +Em distancia a guerrilha os dous observa... Então + Emquanto o padre escuta attento o prisioneiro, + Subito uma descarga estoira na amplidão. + Tremem a serra e o val, treme o desfiladeiro. + +«Ás armas! o inimigo!» a sentinella brada. + De golpe ergue-se o Cura, e á jóldra amotinada + Vôa, dá ordens, clama, emquanto as balas chovem. +Nisto viu que inda estava ajoelhado o joven! +Pára. + «Que fazes tu?» indaga em tom severo + --Padre, diz a creança, a absolvição espero-- + +E em meio da febril convulsão da batalha, + Emquanto rompe e rasga os ares a metralha, + Viu-se o Cura depois de abençoar, ligeiro, + A fronte juvenil do heroico prisioneiro, + Pegar de uma clavina, e dando um passo ao lado, + Varar tranquillamente o craneo do soldado. + + + + +A VENDA DOS BOIS + +Ao dr. J. de Vasconcellos Gusmão + + +I + +O velho entrára triste: ao pé, juncto do lar, + Estava a companheira, absôrta, a meditar. + +--Mulher, a fé perdi, fallei a toda a gente, + E ninguem me valeu!--E ella com voz tremente: + «Dize-me, e o brazileiro?» + --Esse foi o primeiro. + +--Batí, fui ter com elle á casa do jantar. + Expliquei-lhe ao que vinha... entrou a gracejar: + «Com que então você quer _livrar_ o seu rapaz?... + «Visinho, tão mal faz! + «Deixe-me ir cada qual á sorte e ao seu destino! + «Seu filho é um mocetão valente e muito digno + «De servir o paiz...» + + --E descascava um fructo... + --Desatei a chorar... «--Homem não seja bruto! + A farda não é morte...» + --E disse mais e mais + --Cousas de quem não sabe a dôr de uns tristes paes! + +E emquanto o velho punha a vista lacrymosa + Nos brazidos, a voz da mãe afflicta e anciosa + Perguntou: «e o prior?» + --Negou, negou tambem!-- + A angustiada mãe + Retorcia o avental com mão febril, ardente. + +No silencio da noite então distinctamente, + Um profundo mugido, + Triste como um gemido, + Longo e longo chorou no lugubre aposento... + + Entreolharam-se os dois... +Nisto acóde á mulher um estranho pensamento... + «Temos ainda os bois! + Vendamol-os!» E ria... + O entristecido olhar + Do velho lavrador de lagrymas nublou-se. + E entrou a suspirar: + --Vender os infelizes! + --Uns pobres animaes, a quem só mingoa a fala + --Para serem Christãos! Parece que me estala + --No peito o coração... Vender os infelizes!... + --Pois seja assim, mulher! Farei o que tu dizes... + + +II + + Vinha rompendo a aurora + Risonha, virginal, feliz como um noivado, + Das aves á compita o tremulo trinado + Entre as balsas gorgeava. Era em descanço a nóra. + +No emtanto o lavrador, tremente e vacillante + Como um ladrão nocturno, ou como um namorado, + Abriu, de par em par, as portas do curral. + Subito nesse instante + Volveram para a entrada os bois o olhar leal, + Bondoso, humano e franco. + + Que festiva alegria + O frequente menear das caudas traduzia + Resvalando em seu forte e musculoso flanco! + + O velho antigamente + Tinha sempre, ao chegar, uma palavra amiga, + Um dicto, uma cantiga, + A que sempre um mugido alegre respondia. + Mas naquella manhã, silenciosamente, + Fatal como o dever + O velho foi buscar, a um canto, uma correia, + E lançou-a a tremer + Dos anafados bois ás pontas recurvadas. + +E sahiram os tres. + Nos concavos da aldeia + Choviam as canções das aves namoradas. + + +III + +No cáes ha o moirejar das fabricas ruidoso; + Feroz e discordante + Juncta-se á voz humana o arfar estrepitante + Dos valentes pulmões das machinas inglezas. + + Em novellos, ancioso, + Golpham as chaminés o denso e o escuro fumo + Que ascende e toma o rumo + Do claro e vasto azul, vazio de tristezas. + +Como um cetáceo ingente, encarvoado e feio + Um enorme Vapôr + De outros avulta em meio. + Em seu largo convez a marinhagem canta + E na faina febril as ancoras levanta. + +Naquella espessa náu, um velho, um lavradôr + Entre a faina do cáes, fita o dolente olhar... + É que ali dentro vão os bois, o seu amôr... + E áquella magoa intensa + E inenarravel dôr + Responde a descuidosa e gelida indifferença + Dos Homens, e dos Céus, e do profundo Mar... + + + + +AO RABEQUISTA +EUGENIO DEGREMONT + +Recitada na noite de 25 de fevereiro de 1876 +no theatro de S. João do Porto + + +Vêde-o! É tão creança! ó mães, olhae-o! + Como é vivo o fulgor e ardente o raio + Que vibra nesse olhar! + Faz gosto vel-o assim tão pequenino + Enlevado nos sons do violino + A sonhar, a sonhar... + +E ao passo que a sua alma vae sonhando, + Vão-se ante nossos olhos desdobrando + Quadros a mil e mil. + A rabeca suspira? Assim amenas + São na longinqua roça as cantilenas + Das moças do Brazil. + +Vibra rispidos sons? E logo ouvimos + Curvar o vento da floresta os cimos + Com ruidoso fragôr... + E uivam pintadas onças e as araras + Roçam, fugindo, as tremulas taquaras, + E crocita o condôr. + +Enterrados nas humidas pastagens + Mugem raivosos bufalos selvagens, + E por entre os sarçaes + Pula a panthera; os jacarés astutos + Choram, fingindo lacrymosos lutos + Nos fulvos areaes. + +Soluçou a rabeca? Ouvi, formosas, + São os negros soltando as lastimosas + Canções do seu paiz; + Sem familia, sem patria, sem amôres, + Ninguem mitiga o fel daquellas dôres, + Triste raça infeliz! + +Agora, como em namorado anceio, + Sae da rabeca um languido gorgeio + Que enleva o coração. + E a saudade repinta-nos ao vivo + Dos sabiás o cantico lascivo + Nas sombras do sertão. + +Tudo isso e mais eu vejo, admiro e escuto, + Com meu olhar de prantos não enxuto, + Ó creança gentil, + Que em vez de perseguir as borboletas + Vens batalhar no meio dos atletas + E honrar o teu Brazil! + +Não presumas, porém, prodigio das creanças! + Que basta o fogo, o estro, a viva inspiração; + É mister trabalhar, sem isso nada alcanças; + A gloria chamarás, ser-te-ha o appello em vão. + +Pois que! tu cuidarás, creança, porventura + Que sem luctar, soffrer, sem horridos tormentos + O artista poderia erguer aos quatro ventos + A Epopêa, o Drama, a Estatua, a Partitura? + +Vamos, trabalha pois ó meu precoce artista, + Dos precipicios ri, vinga-me o barrocal! + Para o profundo azul estende a larga vista. + Eis-te nos alcantis! Eleva-te ao ideal! + + + + +AS VELHAS NEGRAS + +A M.^{me} Aline de Gusmão + + +As velhas negras, coitadas, + Ao longe estam assentadas + Do batuque folgasão. + Pulam creoulas faceiras + Em derredor das fogueiras + E das pipas de alcatrão. + +Na floresta rumorosa + Esparge a lua formosa + A clara luz tropical. + Tremeluzem pyrilampos + No verde-escuro dos campos + E nos concavos do val. + +Que noite de paz! que noite! + Não se ouve o estalar do açoite, + Nem as pragas do feitor! + E as pobres negras, coitadas, + Pendem as frontes cançadas + Num lethargico torpôr! + +E scismam: outrora, e d'antes + Havia tambem descantes, + E o tempo era tam feliz! + Ai! que profunda saudade + Da vida, da mocidade + Nas mattas do seu paiz! + +E ante o seu olhar vazio + De esperanças, frio, frio + Como um véu de viuvez, + Resurge e chora o passado + --Pobre ninho abandonado + Que a neve alagou, desfez...-- + +E pensam nos seus amôres + Ephemeros como as flôres + Que o sol queima no sertão... + Os filhos, quando crescidos, + Foram levados, vendidos, + E ninguem sabe onde estão. + +Conheceram muito dono: + Embalaram tanto somno + De tanta sinhá gentil! + Foram mucambas amadas, + E agora inuteis, curvadas, + Numa velhice imbecil! + +No emtanto o luar de prata + Envolve a collina e a matta + E os cafesáes em redor! + E os negros, mostrando os dentes, + Saltam lepidos, contentes, + No batuque estrugidor. + +No espaçoso e amplo terreiro + A filha do Fazendeiro, + A sinhá sentimental, + Ouve um primo recem-vindo, + Que lhe narra o poema infindo + Das noites de Portugal. + +E ella avista, entre sorrisos, + De uns longinquos paraisos + A tentadôra visão... + No emtanto as velhas, coitadas, + Scismam ao longe assentadas + Do batuque folgasão... + + + + +O RELOGIO + +No album de Eduardo Burnay + + +Eburneo é o mostradôr: as horas são de prata, + Lê-se a firma Breguet por baixo do gracioso + Rendilhado ponteiro; a tampa é enorme e chata: + Nella o esmalte produz um quadro delicioso. + +Rapara: eis um salão: casquilho malicioso + Das festas cortesãs o mimo a flôr, a nata, + Juncto a um cravo sonoro a alegre voz desata. + Uma fidalga o escuta ebria de amôr e gôso. + +Rasga-se ampla a janella: ao longe o olhar descobre + O correcto jardim e o parque extenso e nobre. + As nuvens no alto céu fluctuam como espumas, + +Da paizagem no fundo, em lago transparente, + Onde se espelha o azul e o laranjal frondente, + Um cysne á luz do sol estende as niveas plumas. + + + + +A MORTE DE D. QUICHOTE + +Ao Conde de Sabugosa + + +Rôto o escudo, sem lança, a cóta escalavrada, + Sósinho, abandonado e á tôa como um cego, + Do crepusculo á luz dolente e immaculada + Entra na sua aldeia o altivo heroe Manchego. + +O tenue fumo sáe do côlmo das herdades, + Riem ao pé da fonte as frescas raparigas, + E á clara vibração sonora das trindades + Junctam-se brandamente as vozes e as cantigas. + +E o audaz Campeador, o Justiceiro, o Forte, + Que andára pelo mundo a combater os máus, + Defendendo a Mulher, desafiando a Morte, + Do paterno casal sentou-se nos degráus. + +Nos joelhos fincando o cotovêlo agudo + E no punho cerrado a fronte reclinando, + Quedou-se largo espaço, illacrymavel, mudo, + Para o inutil passado os olhos alongando... + +E ali, na dôce paz da sua alegre aldeia, + Sentiu que o avassallava uma tristeza infinda, + Quando esta voz se ouviu: «morreu-te a Dulcinêa, + Missionario do Bem, tua missão é finda!» + +E elle a ouvir e a scismar! A trefega sobrinha + Beija-o, falla-lhe, ri, abraça-o, mas o Heróe + Dest'arte lhe volveu «A morte se avisinha, + Levae-me para o leito!» E ouvil-o pena e dóe. + +Do leito á cabeceira o Bacharel e o Cura + Tentam resuscitar-lhe os sonhos e as chymeras; + Pintam-lhe o negro Mal triumphante, ó amargura! + O fraco aos pés do forte, o bom lançado ás féras... + +Contam-lhe o frio horror dos carceres sem luz. + Que nas tôrres feudaes pompeava o velho Crime. + Que os crescentes do Islam tinham vencido a Cruz, + Que a Injustiça era a Lei... Então feroz, sublime. + +Inquieto, semi-nú, sinistro, o cavalleiro + Bradou como um trovão: «Enverguem-me a loriga! + «Sellem-me o Rocinante, ó Sancho, ó escudeiro, + «Traze-me a lança, présto! e a minha espada amiga!» + +Tinha em brazas o olhar, e truculento o aspeito, + E vibrava em redôr a imaginaria lança... + Logo depois cahiu do respaldar do leito, + Morto: tendo no labio um riso de creança! + + + + +INDICE + + +A minha mulher 1 +Confidenza 3 +O velhinho 8 +Animal bravio 10 +Ad agros 12 +A nuvem 14 +O juramento do arabe 16 +Num leque 19 +Olhos de Judia 20 +Numeros do Intermezzo: + I 24 + II 25 + III 26 + IV 28 + V 29 + VI 30 + VII 32 + VIII 34 + IX 36 + X 38 + XI 40 + XII 42 + XIII 44 + XIV 46 + XV 47 + XVI 48 + XVII 50 + XVIII 52 + XIX 54 + XX 55 + XXI 56 + XXII 58 + XXIII 60 + XXIV 62 +O minuête 65 +O coveiro 70 +Adeus! 72 +Camoneana: + A egreja das Chagas 76 + A leitura dos Lusiadas 78 + Annos depois 80 +Esphynge 83 +A ceia de Tiberio 85 +Trio de poetas: + João de Lemos 90 + João de Deus 92 + João Penha 94 +Chymeras 97 +Odor di femina 99 +Em caminho da guilhotina 101 +A viuva 104 +Flôr do pantano 106 +A resposta do inquisidôr 108 +Fervet amor 112 +Na aldeia 114 +Estudantina 116 +As Ondinas 119 +No jogo das cannas 122 +Nunca eu te lêsse, ballada 124 +A negra 129 +Mater dolorosa 132 +As primeiras lagrimas de El-Rey 134 +O Cura Sancta Cruz 137 +A venda dos bois 142 +Ao rabequista Eugenio Degremont 147 +As velhas negras 151 +O relogio 155 +A morte de D. Quichote 157 + + + + +TERMINOU-SE A IMPRESSÃO + +NOS PRELOS DA + +IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA + +a 6 de março de 1882 + +[Figura] + + +_18, Rua Oriental do Passeio_ +LISBOA + + + + +Lista de erros corrigidos + + +Aqui encontram-se listados todos os erros encontrados e corrigidos: + + + +----------+-----------------------+---------------------------+ + | | Original | Correcção | + +----------+-----------------------+---------------------------+ + |#pág. 30 | V | VI | + |#pág. 50 | XVI | XVII | + +----------+-----------------------+---------------------------+ + +Identificámos a duplicação de títulos em numeração romana. +Rectificámos mantendo a ordenação crescente, nomeadamente nos casos +referidos acima. + + + + + +End of the Project Gutenberg EBook of Nocturnos, by Gonçalves Crespo + +*** END OF THE PROJECT GUTENBERG EBOOK 44211 *** diff --git a/44211-h/44211-h.htm b/44211-h/44211-h.htm new file mode 100644 index 0000000..238a5c2 --- /dev/null +++ b/44211-h/44211-h.htm @@ -0,0 +1,3289 @@ +<!DOCTYPE html PUBLIC "-//W3C//DTD XHTML 1.0 Strict//EN" "http://www.w3.org/TR/xhtml1/DTD/xhtml1-strict.dtd"> +<html xmlns="http://www.w3.org/1999/xhtml"> +<head> + <title>Nocturnos</title> + + + <meta name="AUTHOR" content="Gonçalves Crespo" /> + + <meta http-equiv="content-type" content="text/html; charset=UTF-8" /> + + <style type="text/css"> +body {width: 80%; margin-left:10%; text-align: justify;} +h1, h2, h3, h4, h5 { text-align: center;} +h1 {margin: 2em; text-align: center;} +h2, h4 {margin-top: 2em;} +.bbox {border: solid black 1px; margin-left: 10%; margin-right: 10%;} +.fbox {border: solid black 1px; background-color: #FFFFCC; font-size: 75%; margin-left: 10%; margin-right: 10%;} +.center { +display: block; +margin-left: auto; +margin-right: auto;} +.smallcaps {font-variant: small-caps;} +.break { +width: 32%; +margin-left:34%;} +.sbreak { +width: 20%; +margin-left:40%;} +.breaks { +width: 10%; +margin-left:45%;} +.poetry { +margin-left:35%;} +.poetry0 { +margin-left:40%;} +.poetry1 { +margin-left:30%;} +.poetry2 { +margin-left:45%;} +.poetry3 { +margin-left:50%;} +.poetry4 { +margin-left:65%;} +.pagenum { position: absolute; +right: 5%; +font-size: 75%; +text-align: right; +text-indent: 0em; +font-style: normal; +font-weight: normal; +color: silver; +background-color: inherit; +font-variant: normal;} + </style> +</head> + + +<body> +<div>*** START OF THE PROJECT GUTENBERG EBOOK 44211 ***</div> + +<div> +<div class="fbox"> <b>Nota de editor:</b> +Devido à +existência de erros tipográficos neste texto, +foram tomadas várias decisões quanto à +versão final. Em caso de dúvida, a grafia foi +mantida de acordo com o original. No final deste livro +encontrará a lista de erros corrigidos.<br /> +<br /><div style="text-align: right; font-style: italic;">Rita +Farinha (Novembro 2013)</div></div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<h2>NOCTURNOS</h2> +<br /> +<br /> +<br /> +D'esta edição tiraram-se mais +<em>trinta exemplares</em> +que não entraram no mercado; sendo: +<br /> +<br /> +<table style="margin-left: 10%; width: 80%;" border="0" cellpadding="2" +cellspacing="2"><tr><td>12 exemplares em papel Japão</td><td>n.<sup>os</sup> 1 a +12</td></tr> +<tr><td>12 exemplares em papel Whatman</td><td>n.<sup>os</sup> 13 a +24</td></tr> +<tr><td>12 exemplares em papel China</td><td>n.<sup>os</sup> 25 a +30</td></tr></table> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<div class="bbox"> +<br /> +<h3>GONÇALVES CRESPO</h3><br /> +<br /> +<div class="sbreak"><hr /></div> + +<h1>NOCTURNOS</h1><br /> +<div class="sbreak"><hr /></div> +<br /> +<img src="images/fig01.png" width="100" height="131" alt="" class="center" /> +<br /> +<h4>LISBOA<br /> +<br /> +<em>18, Rua Oriental do Passeio</em><br /> +<br /> +1882</h4> +</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<div style="text-align: center;"><em>Direitos reservados</em></div> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<div class="break"><hr /></div> +<div style="text-align: center;">LISBOA—<span class="smallcaps">Imprensa Nacional</span></div><br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<a name="p1" id="p1"></a><h3>A MINHA MULHER<br /> +<br /> +MARIA AMALIA VAZ DE CARVALHO</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry0"><em>A ti, ó boa e rara e fiel amiga,</em></div> +<div class="poetry"><em>A mais sancta e a melhor das companheiras,<br /> +A ti, ó flôr mimosa e alma antiga,<br /> +—Doce Premio que ris ao meu cançaço—<br /> +A ti, ó meu Conselho, estas ligeiras<br /> +Folhas que ponho a medo em teu regaço.</em></div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<a name="p3" id="p3"></a><h3>CONFIDENZA</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry1">Perguntaste-me um dia a vida que eu levava.</div> +<div class="poetry2">Mimosa e eburnea flôr,</div> +<div class="poetry">Em antes de te vêr; respondo-te: sonhava...</div> +<div class="poetry2">Ouviste, meu amôr?</div> +<br /> +<div class="poetry1">Não era bem sonhar: ás vezes largo espaço</div> +<div class="poetry2">Ficava-me a sorrir</div> +<div class="poetry">Para os quadros que eu via em luminoso traço</div> +<div class="poetry2">Nas télas do porvir.</div> +<br /> +<span class="pagenum">[4]</span> +<div class="poetry1">Presta-me o ouvido attento, escuta-me, querida,</div> +<div class="poetry2">Os que me lembram mais:</div> +<div class="poetry">Assim, fita nos meus, ó pomba estremecida,</div> +<div class="poetry2">Os olhos teus leaes!</div> +<br /> +<div class="poetry1">Olha este quadro e vê: o campo alegre e franco,</div> +<div class="poetry2">Uma aurora de abril:</div> +<div class="poetry">Da larga estrada á beira um campanario branco,</div> +<div class="poetry2">O céu profundo anil.</div> +<br /> +<div class="poetry1">De uma casa á janella uma creança loura,</div> +<div class="poetry2">Loura como um trigal:</div> +<div class="poetry">Fiando á luz do sol que leve a sobredoura</div> +<div class="poetry2">De aureola ideal.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Toda risos e festa a doce creatura</div> +<div class="poetry2">Olhava para mim,</div> +<div class="poetry">E eu repetia a sós: «alcanço-te, ventura!</div> +<div class="poetry2">Serei feliz emfim!»</div> +<br /> +<div class="poetry1">De um outro quadro então recordo-me saudoso,</div> +<div class="poetry2">E alongo os olhos meus</div> +<div class="poetry">Para o quadro gentil, o sonho mais gracioso,</div> +<div class="poetry2">Que me cahiu dos céus!</div> +<br /> +<span class="pagenum">[5]</span> +<div class="poetry1">Fica ao longe da vil poeira das cidades</div> +<div class="poetry2">E do seu vão rumôr,</div> +<div class="poetry">O palacio esquecido; ás horas das trindades,</div> +<div class="poetry2">Entremos nelle, flôr!</div> +<br /> +<div class="poetry1">Deixemos os jardins, as aleas, o arvoredo,</div> +<div class="poetry2">E o oloroso pomar;</div> +<div class="poetry">Subamos essa escada, agora, a furto e a medo,</div> +<div class="poetry2">Comecemos a olhar.</div> +<br /> +<div class="poetry1">É vetusto o salão; em flaccida poltrona</div> +<div class="poetry2">Repoisa e scisma alguem:</div> +<div class="poetry">Alguem que nos recorda a imagem da Madona,</div> +<div class="poetry2">Grave e sizuda mãe.</div> +<br /> +<div class="poetry1">D'esse alguem no regaço um anjo se reclina</div> +<div class="poetry2">Confiado e feliz,</div> +<div class="poetry">Sáe-lhe um arôma subtil da bôcca pequenina.</div> +<div class="poetry2">Falla, não sei que diz.</div> +<br /> +<div class="poetry1">É casta essa creança e pura entre as mais puras,</div> +<div class="poetry2">Que em sonhos vi jámais;</div> +<div class="poetry">Tem o vago esplendôr das biblicas figuras</div> +<div class="poetry2">Dos antigos missaes.</div> +<br /> +<span class="pagenum">[6]</span> +<div class="poetry1">É moça e é menina: olhar nenhum ainda</div> +<div class="poetry2">De leve a maculou.</div> +<div class="poetry">Dorme no seio della o amôr, a crença infinda</div> +<div class="poetry2">Que Deus lhe confiou.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Quando ella abre, sorrindo, as palpebras franjadas,</div> +<div class="poetry2">Ficamos a pensar</div> +<div class="poetry">Nos mysterios do céu, nas cousas ignoradas</div> +<div class="poetry2">Que descobre esse olhar.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Deixa que eu me ajoelhe extasiado e mudo,</div> +<div class="poetry2">Cego de tanta luz,</div> +<div class="poetry">E que tremulo beije o tépido veludo</div> +<div class="poetry2">De seus pésinhos nús!</div> +<br /> +<div class="poetry1">E não córa, bem vês, a candida creança!</div> +<div class="poetry2">Antes meiga sorri,</div> +<div class="poetry">E entre risos me diz, compondo a escura trança:</div> +<div class="poetry2">«Pensava agora em ti!</div> +<br /> +<div class="poetry1">«Porque tardaste tanto, ó poeta? eu te esperava</div> +<div class="poetry2">«Na minha solidão!</div> +<div class="poetry">«Vem os segredos vêr que para ti guardava</div> +<div class="poetry2">«Dentro do coração!»</div> +<br /> +<span class="pagenum">[7]</span> +<div class="poetry1">Concertáe vossa orchestra, harmonicas espheras,</div> +<div class="poetry2">No célico esplendor!</div> +<div class="poetry">Maria, essa creança, ó flôr das primaveras,</div> +<div class="poetry2">Eras tu, meu amôr!</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p8" id="p8">[8]</a></span> +<h3>O VELHINHO</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<h5>A J. Cesar Machado</h5> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry1">Aquelle que ali vae triste e cançado</div> +<div class="poetry">E mais tremente que os juncaes do brejo.<br /> +Foi outrora o mais bello e o mais amado<br /> +Entre os moços do antigo logarejo.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Nas fitas d'esse labio desmaiado</div> +<div class="poetry">Quantas mulheres tremulas de pejo<br /> +Não sorveram os néctares do beijo<br /> +Dos trigaes sobre o leito perfumado!</div> +<br /> +<span class="pagenum">[9]</span> +<div class="poetry1">Hoje é velhinho, e falla dos francezes</div> +<div class="poetry">Aos rapazes da eschola, e ás raparigas<br /> +Que não cançam de ouvil-o... As mais das vezes</div> +<br /> +<div class="poetry1">Sobre a ponte, sósinho, ouve as cantigas</div> +<div class="poetry">Das que lavam no rio, e o olhar extende<br /> +Ao sol que ao longe na agonia esplende...</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p10" id="p10">[10]</a></span> +<h3>ANIMAL BRAVIO</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<h5>A M<sup>elle</sup> Eugenia Vizeu</h5> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry1">Preferiras um ramo caprichoso</div> +<div class="poetry">De escolha rara e de um concerto fino,<br /> +Onde visses o cácto purpurino<br /> +E os nevados jasmins do Tormentoso.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Em vez do ramo exotico e oloroso,</div> +<div class="poetry">Casto recreio d'esse olhar divino,<br /> +Acceita, Eugenia, este animal felino,<br /> +Que o meu braço subjuga vigoroso.</div> +<br /> +<span class="pagenum">[11]</span> +<div class="poetry1">Tive artes de o amansar: eil-o sereno!</div> +<div class="poetry">Acode á minha voz, e ao meu aceno<br /> +Como um jaguar á voz de um saltimbanco...</div> +<br /> +<div class="poetry1">Vamos, sonêto! a prumo! ajoelhe, présto!</div> +<div class="poetry">E á doce Eugenia, do sorriso honesto,<br /> +A fimbria oscule do vestido branco!</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p12" id="p12">[12]</a></span> +<h3>AD AGROS</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry1">Não tardes, flôr; a aldeia nos espera,</div> +<div class="poetry">Chovem arômas dos folhudos ramos:<br /> +Suspensa do meu braço, eia! partamos!<br /> +Olha-nos Deus da crystallina esphera.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Nas manhãs da passada primavera</div> +<div class="poetry">Com que delícia ethérea nos amámos!<br /> +Iremos vêr os nomes que traçámos<br /> +No rude tronco em que se enlaça a hera.</div> +<br /> +<span class="pagenum">[13]</span> +<div class="poetry1">Não tardes, meu amôr, sei de um caminho,</div> +<div class="poetry">Que sobe a encosta, e vae direito ao moinho,<br /> +Em cujas vélas bate o vento em cheio...</div> +<br /> +<div class="poetry1">Seguir-nos-hão as aves namoradas,</div> +<div class="poetry">Que ao som das tuas infantis risadas<br /> +Modularão seu tremulo gorgeio...</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p14" id="p14">[14]</a></span> +<h3>A NUVEM</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<h5>De Th. Gauthier</h5> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry1">As roupas deslaçando, entra no banho</div> +<div class="poetry">A languida sultana enamorada:<br /> +Livre do pente, os hombros nús lhe beija<br /> +A longa e fina trança desatada.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Atraz dos vidros o sultão a espreita;</div> +<div class="poetry">E comsigo murmura: «como é bella!<br /> +«Ninguem a vê, ninguem! o negro eunucho<br /> +«Do harem na tôrre solitario vela!»</div> +<br /> +<span class="pagenum">[15]</span> +<div class="poetry1">—Eu a vejo, uma nuvem lhe responde</div> +<div class="poetry">Do sereno e alto azul illuminado:<br /> +—Vejo-lhe os seios nús, vejo-lhe o dorso,<br /> +—E o seu corpo de perolas colmado—</div> +<br /> +<div class="poetry1">Fez-se pallido Ahmehd bem como a lua,</div> +<div class="poetry">E erguendo o seu kandjar de folha rara,<br /> +Desce, e apunhala a nua favorita...<br /> +Quanto á nuvem... no azul se dissipára...</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p16" id="p16">[16]</a></span> +<h3>O JURAMENTO DO ARABE</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<h5>A Teixeira de Queiroz</h5> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry1">Baçús, mulher de Ali, pastôra de camêlas,</div> +<div class="poetry">Viu de noute, ao fulgor das rútilas estrellas,<br /> +Wail, chefe minaz de barbara pujança,<br /> +Matar-lhe um animal. Baçús jurou vingança;<br /> +Corre, célere vôa, entra na tenda e conta<br /> +A um hospede de Ali a grave e inulta affronta.</div> +<br /> +<span class="pagenum">[17]</span> +<div class="poetry1">«Baçús, disse tranquillo o hospede gentil,</div> +<div class="poetry">Vingar-te-hei com meu braço, eu matarei Wail.»</div> +<br /> +<div class="poetry1">Disse e cumpriu.</div> +<br /> +<div class="poetry2">Foi esta a causa verdadeira</div> +<div class="poetry">Da guerra pertinaz, horrivel, carniceira<br /> +Que as tribus dividiu. Na lucta fratricida<br /> +Omar, filho de Amrú, perdêra o alento e a vida.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Amrú que lanças mil aos rudes prélios leva,</div> +<div class="poetry">E que em sangue inimigo, irado, os odios céva,<br /> +Incansavel procura, e é sempre embalde, o vil<br /> +Matador de seu filho, o trêdo Muhalhil.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Uma noite, na tenda, a um moço prisioneiro,</div> +<div class="poetry">Recem-colhido em campo, o indomito guerreiro<br /> +Fallou severo assim:</div> +<div class="poetry3">«Escravo, attende, e escuta:</div> +<div class="poetry">«Aponta-me a região, o monte, o plaino, a gruta,<br /> +«Em que vive o traidôr Muhalhil, dize a verdade;<br /> +«Dá-me que o alcance vivo, e é tua a liberdade!»</div> +<br /> +<div class="poetry1">E o moço perguntou:</div> +<div class="poetry3">«É por Allah que o juras?»</div> +<span class="pagenum">[18]</span> +<div class="poetry">—Juro, o chefe tornou—</div> +<div class="poetry3">«Sou o homem que procuras!</div> +<div class="poetry">«Muhalhil é o meu nome, eu fui que espedacei<br /> +«A lança de teu filho, e aos pés o subjuguei!»</div> +<br /> +<div class="poetry1">E intrépido fitava o attonito inimigo.<br /> +<br /> +Amrú volveu:—És livre, Allah seja comtigo!</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p19" id="p19">[19]</a></span> +<h3>NUM LEQUE</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry1">Amar e ser amado, que ventura!</div> +<div class="poetry">Não amar, sendo amado, é um triste horrôr:<br /> +Mas na vida ha uma noite mais escura,<br /> +É amar alguem que não nos tenha amôr!</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p20" id="p20">[20]</a></span> +<h3>OLHOS DE JUDIA</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry1">No transparente olhar das virgens da Allemanha</div> +<div class="poetry">Nada um fluido subtil tam pleno de scismar,<br /> +Que a gente cuida ouvir uma sonata extranha<br /> +Num castello do Rheno em noites de luar.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Flôr do Guadalquivir, gloria da ardente Hespanha,</div> +<div class="poetry">Se dardejas, sorrindo, um teu lascivo olhar,<br /> +O crespo, o encapellado e procelloso mar<br /> +Dos desejos febris o coração nos banha.</div> +<br /> +<span class="pagenum">[21]</span> +<div class="poetry1">Nos teus olhos porém venusta semi-deia,</div> +<div class="poetry">Como nas mutações de um rapido scenario,<br /> +Desdobram-se ante mim paizagens da Judeia...</div> +<br /> +<div class="poetry1">Vejo o louro Jesus vagueando solitario,</div> +<div class="poetry">Vejo-o no Horto a chorar, ouço-lhe a voz na Ceia<br /> +E escuto-lhe o gemido extremo no Calvario.</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<h3>H. HEINE +<br /> +<br /> +NUMEROS DO INTERMEZZO</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<h5>A M<sup>elle</sup> Louìse de Almeida e Albuquerque</h5> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p24" id="p24">[24]</a></span> +<h3>I</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry1">Rosas e lirios, pombas, sol radiante,</div> +<div class="poetry">Tudo isso outrora, no fugaz passado,</div> +<div class="poetry0">Eu adorei constante.</div> +<br /> +<div class="poetry1">E d'esse amôr, que tive immaculado</div> +<div class="poetry">Por lirios e aves e subtis perfumes,<br /> +Nem já me lembro, seductôra amante,<br /> +Fonte pura de amôr, que em ti resumes<br /> +A rosa, o lirio, a pomba e o sol radiante!</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p25" id="p25">[25]</a></span> +<h3>II</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry1">De um lirio branco no mimoso calix</div> +<div class="poetry2">Se eu a fosse depôr</div> +<div class="poetry">A vaga essencia de meu peito, em breve<br /> +Escutáras no calice de neve</div> +<div class="poetry2">Uma canção de amôr.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Canção divina relembrando as ancias,</div> +<div class="poetry2">E o languido tremôr</div> +<div class="poetry">Daquelle beijo, em noite mysteriosa,<br /> +Que me deram teus labios côr de rosa,</div> +<div class="poetry2">Meu doce e casto amôr!</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p26" id="p26">[26]</a></span> +<h3>III</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry1">Á luz viva do claro sol radioso</div> +<div class="poetry">O lóto inclina a fronte esmaecida,<br /> +E espera a noite pensativo e ancioso.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Rompe a lua, e derrama a luz querida</div> +<div class="poetry2">Na corolla mimosa</div> +<div class="poetry">Da pobre flôr que se abre enlanguecida.</div> +<div class="poetry2">Pobre flôr amorosa!</div> +<br /> +<span class="pagenum">[27]</span> +<div class="poetry1">Olhando o céu e a lua até parece</div> +<div class="poetry2">Que, em desmaios de amôr,</div> +<div class="poetry">Treme, palpita, córa e desfallece<br /> +<br /> +A scismadora e enamorada flôr!</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p28" id="p28">[28]</a></span> +<h3>IV</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry0">Sobre os olhos formosos<br /> +Da minha doce amada</div> +<div class="poetry1">Rimei canções que os astros decoraram;<br /> +E embalsamei-lhe a bôcca perfumada</div> +<div class="poetry0">Em tercêtos graciosos.</div> +<div class="poetry1">Innumeras estancias decantaram</div> +<div class="poetry0">Seu rôsto peregrino</div> +<div class="poetry1">Que os jaspeados lirios escurece.</div> +<div class="poetry0">Que sonêto divino</div> +<div class="poetry1">Eu rendilhára com subtis lavôres<br /> +Sobre o seu coração... se ella o tivesse!</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p29" id="p29">[29]</a></span> +<h3>V</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry1">Pozeram-te no rôsto o aéreo véu nupcial.</div> +<div class="poetry">Bem sei que te perdi, mas não te quero mal.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Brilham do teu collar as pedras luminosas,</div> +<div class="poetry">Mas no teu coração que noites luctuosas!</div> +<br /> +<div class="poetry1">Em sonhos eu desci, ó misera mulher,</div> +<div class="poetry">Ás sombras da tua alma, e vi-te o padecer...</div> +<br /> +<div class="poetry1">Bem sei que te perdi, ó minha doce amada,</div> +<div class="poetry">Mas não te quero mal, és muito desgraçada</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p30" id="p30">[30]</a></span> +<h3><a href="#e1">VI</a></h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry1">Sei-o; a tua vida é sem ventura,</div> +<div class="poetry">É-nos commum esta funérea sorte.<br /> +Cáe sobre nós a mesma noite escura,<br /> +E isto não finda sem que chegue a morte.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Se vejo nesse olhar um rir travêsso,</div> +<div class="poetry">E em teu labio a insolencia costumada,<br /> +E o orgulho inflar teu coração... padeço,<br /> +E murmuro: «és como eu, tam desgraçada!»</div> +<br /> +<span class="pagenum">[31]</span> +<div class="poetry1">Bem sei que ris, mas o teu labio treme:</div> +<div class="poetry">Nos teus olhos azues o pranto brilha:<br /> +Tens orgulho, e essa voz suspira e geme...<br /> +Como nós somos desgraçados, filha!</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p32" id="p32">[32]</a></span> +<h3>VII</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry0">Se as flôres do balsedo</div> +<div class="poetry1">Podessem ver meu peito alanceado,<br /> +Como allivio ao meu aspero degredo,<br /> +Mandar-me-hiam, das moitas do balsedo,<br /> +De seus prantos o balsamo sagrado.</div> +<br /> +<div class="poetry0">Se os rouxinoes da floresta</div> +<div class="poetry1">Soubessem quanta dôr me rasga o seio,<br /> +Para espancar a minha noite mésta,<br /> +Mandar-me-hiam, das sombras da floresta,<br /> +O seu mais terno e encantadôr gorgeio.</div> +<br /> +<span class="pagenum">[33]</span> +<div class="poetry0">Se as estrellas do espaço</div> +<div class="poetry1">Soubessem tudo quanto soffro em vida,<br /> +Para embalar d'esta alma o vil cançaço,<br /> +Mandar-me-hiam, dos concavos do espaço,<br /> +Uma doce palavra condoída.</div> +<br /> +<div class="poetry0">E essa que sabe tudo,</div> +<div class="poetry1">O inferno e o horror da minha mocidade,<br /> +É a dona das tranças de veludo,<br /> +E das unhas rosadas... sabe tudo<br /> +E apunhála-me a vida sem piedade!</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p34" id="p34">[34]</a></span> +<h3>VIII</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry1">Não me sabes dizer, ó minha amada,</div> +<div class="poetry0">O motivo, a razão</div> +<div class="poetry">Porque pendem a face desmaiada</div> +<div class="poetry0">As rosas para o chão?</div> +<br /> +<div class="poetry1">Não me sabes dizer porque, no meio</div> +<div class="poetry0">Do vasto prado em flôr,</div> +<div class="poetry">Das violetas cáe no roxo seio</div> +<div class="poetry0">Um véu de lucto e dôr?</div> +<br /> +<span class="pagenum">[35]</span> +<div class="poetry1">Diz-me porque ouço a voz das cotovias</div> +<div class="poetry0">Hoje lugubre assim?</div> +<div class="poetry">E porque exhalam mortes e agonias</div> +<div class="poetry0">As urnas do jasmim?</div> +<br /> +<div class="poetry1">Por que motivo o sol tam claro e puro</div> +<div class="poetry0">De crepes se vestiu?</div> +<div class="poetry">Porque um sinistro pezadelo escuro</div> +<div class="poetry0">Sobre a terra cahiu?</div> +<br /> +<div class="poetry1">Bem sei eu porque vejo tudo triste</div> +<div class="poetry0">Sem luz e sem calôr...</div> +<div class="poetry">É que tu, pomba branca, me fugiste</div> +<div class="poetry0">Meu amôr, meu amôr!</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p36" id="p36">[36]</a></span> +<h3>IX</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry1">Disseram-te de mim feios horrôres,</div> +<div class="poetry">De imaginarias culpas me crivaram,<br /> +E sobre as minhas lastimaveis dôres</div> +<div class="poetry2">Um negro véu lançaram!</div> +<br /> +<div class="poetry1">Distenderam os labios sacudindo</div> +<div class="poetry">Com grave e serio gesto a fronte, e ao cabo...<br /> +(E acreditaste-os tu, meu anjo lindo!)</div> +<div class="poetry2">Chamaram-me o Diabo!</div> +<br /> +<span class="pagenum">[37]</span> +<div class="poetry1">O que ha de mais escuro e de mais feio</div> +<div class="poetry">Na minha vida, ignoram-no os sandeus,<br /> +Tam occulto este amôr vive em meu seio,</div> +<div class="poetry2">Ó luz dos olhos meus!</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p38" id="p38">[38]</a></span> +<h3>X</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry">Naquella manhã ditosa</div> +<div class="poetry0">O sol mandava-nos beijos;<br /> +Do rouxinol os solfejos<br /> +Suspiravam na amplidão.</div> +<br /> +<div class="poetry">Se me lembro, ai! se me lembro</div> +<div class="poetry0">D'esse amplexo demorado,<br /> +Com que tu, meu lirio amado,<br /> +Uniste-me ao coração!</div> +<br /> +<span class="pagenum">[39]</span> +<div class="poetry">Grasnava o côrvo agoirento,</div> +<div class="poetry0">As sêccas folhas cahiam,<br /> +E uns tristes raios desciam<br /> +Da plumbea curva dos céus.</div> +<br /> +<div class="poetry">Se me lembro, ai! se me lembro</div> +<div class="poetry0">Da fria e grave mesura<br /> +Que, naquella tarde escura,<br /> +Fizeste ao dizer-me—adeus!</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p40" id="p40">[40]</a></span> +<h3>XI</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry">Fôste fiel, no caminho</div> +<div class="poetry0">Doloroso que eu seguia,<br /> +Déste-me alentos, carinho,<br /> +Meu consôlo fôste, e guia.</div> +<br /> +<div class="poetry">Déste-me tudo, ó consorte,</div> +<div class="poetry0">Roupa branca e até dinheiro!<br /> +E ao partir para o extrangeiro<br /> +Compraste-me o passaporte!</div> +<br /> +<span class="pagenum">[41]</span> +<div class="poetry">Deus t'o pague, meu amôr!</div> +<div class="poetry0">E um viver te dê tranquillo!<br /> +Mas que te não faça aquillo<br /> +Que tu me fizeste, flôr!</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p42" id="p42">[42]</a></span> +<h3>XII</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry1">Emquanto eu andava viajando, a minha</div> +<div class="poetry">Noiva gentil, o meu thesouro amado,<br /> +Julgando que eu tardava e que não vinha,<br /> +Fez á pressa o vestido de noivado,<br /> +E um dia, ao pé do altar, entrega anciosa<br /> +A um fôfo peralvilho a mão de esposa.</div> +<br /> +<span class="pagenum">[43]</span> +<div class="poetry1">Nada no mundo a minha amada eguala;</div> +<div class="poetry">Nem eu sei a que a possa comparar!<br /> +Que doce é o aroma que o seu labio exhala!<br /> +Que gesto lindo! e que formoso olhar!<br /> +Suspende a queixa, coração trahido,<br /> +Deixaste o céu, do céu fôste banido!</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p44" id="p44">[44]</a></span> +<h3>XIII</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry1">Quando morreres, filha, ao teu jazigo</div> +<div class="poetry">Descerei taciturno e allucinado,<br /> +E abraçando esse corpo delicado,<br /> +No frio marmor dormirei comtigo.</div> +<br /> +<div class="poetry1">E tu muda, e tu fria, e tu gelada!</div> +<div class="poetry">E eu nos meus braços a apertar-te ainda!<br /> +E nas sombras daquella noite infinda<br /> +Clamo, estremeço e morro, alma adorada!</div> +<br /> +<span class="pagenum">[45]</span> +<div class="poetry1">Os mortos, alta noute, pouco e pouco</div> +<div class="poetry">Erguer-se-hão, ao luar, rindo e dançando;<br /> +E eu ficarei na sombra, ó sonho louco!<br /> +No teu seio de jaspe repoisando.</div> +<br /> +<div class="poetry1">E quando a hora chegue em que as trombêtas</div> +<div class="poetry">Do Juizo Final se ouvirem todas,<br /> +Não surgirás, inveja das violetas,<br /> +Do escuro leito das eternas bôdas!</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p46" id="p46">[46]</a></span> +<h3>XIV</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry0">Do Norte sobre um monte,</div> +<div class="poetry2">Alto frio e gelado,<br /> +Um pinheiro isolado</div> +<div class="poetry1">Ergue entre o gêlo a merencoria fronte.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Todo tremulo, o misero deseja</div> +<div class="poetry">Ser a esbelta palmeira viridente<br /> +Que em terra adusta odeia a luz ardente<br /> +Que sobre ella o implacavel sol dardeja.</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p47" id="p47">[47]</a></span> +<h3>XV</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry1">Das minhas penas fiz canções aladas</div> +<div class="poetry">De alegre geito e jovial feição.<br /> +Vi-as partir em doidas revoadas,<br /> +E vi-as procurar teu coração.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Partem alegres, voltam lacrymosas,</div> +<div class="poetry">Perdido o fresco riso ingenuo e lêdo,<br /> +Mas do que viram guardam, silenciosas,<br /> +O mais profundo e lugubre segredo.</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p48" id="p48">[48]</a></span> +<h3>XVI</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry1">Eu não posso esquecer, perdão, minha senhora,</div> +<div class="poetry">—Estes laços de amôr custam a desatar—<br /> +Eu não posso esquecer, ó minha doce aurora,<br /> +Que subjuguei teu corpo e essa alma singular...</div> +<br /> +<div class="poetry1">Teu corpo, ai! o teu corpo esbelto, moço e branco,</div> +<div class="poetry">Já foi meu, já foi meu... mas neste instante, flôr,<br /> +Da tua alma prescindo, e escuta, serei franco,<br /> +Basta-me a que possuo, ah! basta, meu amôr!</div> +<br /> +<span class="pagenum">[49]</span> +<div class="poetry1">Se um dia succeder, que esse teu seio trema</div> +<div class="poetry">De novo juncto ao meu, hei-de insuflar-te, doudo,<br /> +Metade da minha alma, e então, gloria suprema!<br /> +De ambos nós, meu amôr, faremos um só todo...</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p50" id="p50">[50]</a></span> +<h3><a href="#e2">XVII</a></h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry1">É domingo: o burguez deixa os asphaltos,</div> +<div class="poetry0">Dando o braço á burgueza;</div> +<div class="poetry">Procura o campo, e, ao vêl-o, exclama aos saltos:</div> +<div class="poetry0">«Ó filha, que lindeza!»</div> +<br /> +<div class="poetry1">E pasma do verdôr febril, romantico,</div> +<div class="poetry0">Da múrmura floresta;</div> +<div class="poetry">E a sua longa orelha absorve o cantico</div> +<div class="poetry0">Da passarada em festa.</div> +<br /> +<span class="pagenum">[51]</span> +<div class="poetry1">Eu que não saio, escondo a gelosia</div> +<div class="poetry0">Com negros cortinados,</div> +<div class="poetry">E recebo a visita, em pleno dia,</div> +<div class="poetry0">Dos espectros amados.</div> +<br /> +<div class="poetry1">E aquelle Amôr que eu vi morrer outrora.</div> +<div class="poetry0">No meu quarto apparece!</div> +<div class="poetry">Senta-se ao pé de mim, beija-me e chora,</div> +<div class="poetry0">E treme e desfallece!</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p52" id="p52">[52]</a></span> +<h3>XVIII</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry">Rompia a manhã, rompia</div> +<div class="poetry0">Alegre como um trinado,<br /> +E eu ia triste e calado,<br /> +No meio d'essa alegria,<br /> +Por entre as flôres do prado...<br /> +Rompia a manhã, rompia...</div> +<br /> +<div class="poetry">Vendo-me, as flôres do prado</div> +<div class="poetry0">Mais as rosas do silvedo<br /> +Cochicharam em segredo...<br /> +E erguendo os olhos, a medo,</div> +<span class="pagenum">[53]</span> +<div class="poetry0">Num tom de voz repassado<br /> +Da mais branda languidez:<br /> +«Como elle vae irritado,<br /> +«Os olhos fitos no chão!<br /> +«Perdôa por esta vez,<br /> +«Não ralhes com ella, não?»</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p54" id="p54">[54]</a></span> +<h3>XIX</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry1">Na tua face ardente e avelludada</div> +<div class="poetry">Encandeia-se a luz do quente Estio,<br /> +Mas no teu coração, ó minha amada,<br /> +Habita o Inverno enregelado e frio.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Mas quem assim te vê bella e formosa,</div> +<div class="poetry">Verá mais tarde o Inverno tôrvo e feio<br /> +Nessa tua gentil face mimosa,<br /> +E o rubro Estio no teu branco seio!</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p55" id="p55">[55]</a></span> +<h3>XX</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry1">No momento do <em>adeus</em> succede que os amantes</div> +<div class="poetry">Se abraçam, a chorar, com vozes soluçantes.<br /> +Força, é força partir; a mão prende-se á mão,<br /> +E uma infinda tristesa inunda o coração.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Para nós, meu amôr, nessa hora de agonia</div> +<div class="poetry">Não houve o padecer que as almas excrucia:<br /> +Foi grave o nosso <em>adeus</em> e frio, e só agora<br /> +É que a Dôr nos subjuga, e a Angustia nos devora.</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p56" id="p56">[56]</a></span> +<h3>XXI</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry">Sonhei: de novo suspirava o vento</div> +<div class="poetry0">Das tilias sob a cupula odorante;<br /> +E como outrora ouvia o juramento</div> +<div class="poetry2">Do teu amôr constante.</div> +<br /> +<div class="poetry">Que protestos de amôr nesse momento!</div> +<div class="poetry0">Mas na febre dos beijos que me deste,<br /> +Como para gravar teu juramento</div> +<div class="poetry2">Em meus dedos mordeste!</div> +<br /> +<span class="pagenum">[57]</span> +<div class="poetry">Dona do riso alegre, ó meu tormento!</div> +<div class="poetry0">Dona de olhos azues, ó minha amada!<br /> +Já me bastava o doce juramento,</div> +<div class="poetry2">Foi de mais a dentada!</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p58" id="p58">[58]</a></span> +<h3>XXII</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry1">Chorei: sonhava e era comtigo, estavas</div> +<div class="poetry">Morta num cemiterio, fria, fria...<br /> +E, ao despertar, senti que o pranto, em lavas,<br /> +De meus cançados olhos escorria.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Chorei: sonhava e era comtigo, rosa;</div> +<div class="poetry">Havias-me, sem dó, abandonado:<br /> +E, ao despertar da noite tormentosa,<br /> +Tinha o rôsto de lagrimas banhado.</div> +<br /> +<span class="pagenum">[59]</span> +<div class="poetry1">Chorei: sonhava, e era comtigo, ó linda!</div> +<div class="poetry">Dizias-me, a sorrir, «como eu te adoro!»<br /> +Desperto, e logo numa angustia infinda,<br /> +Eis-me a chorar de novo e ainda choro!</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p60" id="p60">[60]</a></span> +<h3>XXIII</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry0">Batido do torvelinho<br /> +O bosque palpita ao açoite<br /> +Do vento outomnal; é noite.</div> +<div class="poetry1">Monto a cavallo e metto-me a caminho.</div> +<br /> +<div class="poetry0">E este inquieto pensamento,<br /> +E esta phantasia errante<br /> +Levaram-me nesse instante</div> +<div class="poetry1">Ao teu virgineo e candido aposento.</div> +<br /> +<span class="pagenum">[61]</span> +<div class="poetry0">Os cães ladram; nas sonoras<br /> +Escadas assoma gente,<br /> +E eu no marmore luzente</div> +<div class="poetry1">Faço tinir as rútilas esporas.</div> +<br /> +<div class="poetry0">No teu quarto da baunilha<br /> +Vôam cálidos arômas;<br /> +Tu dormes, soltas as cômas,</div> +<div class="poetry1">E eu nos teus braços cáio, minha filha!</div> +<br /> +<div class="poetry0">Soluça o vento magoado:<br /> +Diz um carvalho altaneiro:<br /> +«Cavalleiro, cavalleiro,</div> +<div class="poetry1">«Suspende o teu sonhar allucinado!»</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p62" id="p62">[62]</a></span> +<h3>XXIV</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry1">Eu enterro as canções de amôr e o fel amargo</div> +<div class="poetry2">Do meu triste sonhar:</div> +<div class="poetry">Quero um caixão profundo, immenso, vasto e largo;</div> +<div class="poetry2">Depressa, ide-o buscar!</div> +<br /> +<div class="poetry1">Um caixão formidando, um féretro-portento,</div> +<div class="poetry2">Que sobreexceda e vença</div> +<div class="poetry">O pêzo sobrehumano e o enorme comprimento</div> +<div class="poetry2">Da ponte de Mayença.</div> +<br /> +<span class="pagenum">[63]</span> +<div class="poetry1">Trazei-m'o sem demora; eu hei-de enchêl-o em breve;</div> +<div class="poetry2">Vereis a promptidão.</div> +<div class="poetry">De Heidelberg o tonel será pequeno e leve</div> +<div class="poetry2">Ao pé d'esse caixão.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Doze gigantes quero, o aspecto feio e rudo,</div> +<div class="poetry2">E de um vigôr sem conta,</div> +<div class="poetry">Que me façam lembrar Christovam, o membrudo,</div> +<div class="poetry2">Que em Colonia se aponta.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Gigantes, balouçae o féretro luctuoso!</div> +<div class="poetry2">Vamos! agora, ao mar!</div> +<div class="poetry">Cova maior existe? Abysmo assim grandioso</div> +<div class="poetry2">Difficil é de achar.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Sabeis porque eu desejo um féretro assim largo,</div> +<div class="poetry2">De vastas dimensões?</div> +<div class="poetry">É que enterro, infeliz, o amôr, o fel amargo</div> +<div class="poetry2">Das minhas illusões.</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p65" id="p65">[65]</a></span> +<h3>O MINUÊTE</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<h5>Ao dr. Thomaz de Carvalho</h5> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry1">Espaçoso é o salão: jarras a cada canto;</div> +<div class="poetry">Admira-se o lavôr do tecto de páu sancto.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Cadeiras de espaldar com fulvas pregarias:</div> +<div class="poetry">Um enorme sophá: largas tapeçarias.</div> +<br /> +<span class="pagenum">[66]</span> +<div class="poetry1">O purpureo tapete aos olhos nos revela</div> +<div class="poetry">Entre as garras de um tigre anciosa uma gazella.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Retratos em redor: olhemos o primeiro:</div> +<div class="poetry">No Tóro as mãos de Affonso o armaram cavalleiro.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Era Arcebispo aquelle: esta foi açafata...</div> +<div class="poetry">Que frescura sensual nos labios de escarlata!</div> +<br /> +<div class="poetry1">Olhos revendo o azul que sobre a Italia assoma:</div> +<div class="poetry">Em finos caracóes, a loura e ondada côma:</div> +<br /> +<div class="poetry1">Collo robusto e nú: cabeça triumphante:</div> +<div class="poetry">Consta que certo rei... passemos adeante!</div> +<br /> +<div class="poetry1">Este, que vês, morreu num africano areal</div> +<div class="poetry">Por vingança cruel do aspero Pombal.</div> +<br /> +<div class="poetry1">D'esse olhar na expressão infinda e inenarravel</div> +<div class="poetry">Desabrocha uma dôr profunda e inconsolavel.</div> +<br /> +<span class="pagenum">[67]</span> +<div class="poetry1">Defronte, uma donzella, o rosto meigo e afflicto,</div> +<div class="poetry">Num extasis adora o pallido proscripto.</div> +<br /> +<div class="poetry1">O teu sonho nupcial, franzina morgadinha,</div> +<div class="poetry">Tam cedo se desfez, ó misera e mesquinha!</div> +<br /> +<div class="poetry1">No burel escondeste o viço e a formusura,</div> +<div class="poetry">E desmaiaste, flôr, no chão de uma clausura!...</div> +<br /> +<div class="poetry1">Repara nos desdens do fôfo conselheiro,</div> +<div class="poetry">Que sorridente aspira a flôr de um jasmineiro!</div> +<br /> +<div class="poetry1">Em canones doutor: no Paço foi bemquisto:</div> +<div class="poetry">Orna-lhe o peito a cruz de um habito de Christo.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Esse outro combatendo ás portas de Bayona,</div> +<div class="poetry">Como um bravo, alcançou a rútila dragôna.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Vibra flammas do olhar; cabeça erecta e audaz;</div> +<div class="poetry">Illumina-lhe o rôsto a gloria de um gilvaz.</div> +<br /> +<span class="pagenum">[68]</span> +<div class="poetry1">Assistímos, ao vêl-o, ás pugnas carniceiras,</div> +<div class="poetry">E ouvimos o clangôr das musicas guerreiras...</div> +<br /> +<div class="poetry1">No antiquissimo espelho, á sombra das cortinas,</div> +<div class="poetry">Reflecte-se o primôr de argenteas serpentinas.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Sob o espelho se aninha um cravo marchetado,</div> +<div class="poetry">Mimo outrora da casa, e prenda de um noivado.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Ao lado um cofre encerra, em amoravel ninho,</div> +<div class="poetry">Antiga partitura em velho pergaminho.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Uma noite extendi a musica na estante,</div> +<div class="poetry">E o cravo suspirou... naquelle mesmo instante</div> +<br /> +<div class="poetry1">Da eburnea pallidez doentia do teclado</div> +<div class="poetry">Manso e manso evolou-se o arôma do passado.</div> +<br /> +<div class="poetry1">E vi descer do quadro a languida açafata</div> +<div class="poetry">Que, ao discreto pallôr das lampadas de prata,</div> +<br /> +<span class="pagenum">[69]</span> +<div class="poetry1">A fimbria alevantando azul do seu vestido</div> +<div class="poetry">O rôsto acerejado, o gesto commovido,</div> +<br /> +<div class="poetry1">A sorrir, deslisou graciosa no tapête,</div> +<div class="poetry">Dançando airosamente o airoso minuête...</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p70" id="p70">[70]</a></span> +<h3>O COVEIRO</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<h5>A Alberto Braga</h5> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry1">Elle entrou cabisbaixo e silencioso</div> +<div class="poetry">Na immunda tasca, e foi sentar-se a um canto;<br /> +Deram-lhe vinho, recusou, o espanto<br /> +Cresceu no olhar do taberneiro oleoso.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Elle era o mais antigo e o mais ruidoso</div> +<div class="poetry">Dos freguezes da casa: ao obsceno canto<br /> +Ninguem prestava mais lascivo encanto<br /> +Ao som magoado de um violão choroso.</div> +<br /> +<span class="pagenum">[71]</span> +<div class="poetry1">Mas o velho sentára-se distante</div> +<div class="poetry">Da alegre turba, a vista lacrymante<br /> +Mergulhada nas chammas do brazido...</div> +<br /> +<div class="poetry1">Disse um da roda: «espanta-me o coveiro!»</div> +<div class="poetry">—Morreu-lhe ha pouco a filha...—distrahido<br /> +Volveu da bisca um contumaz parceiro.</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p72" id="p72">[72]</a></span> +<h3>ADEUS!</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry1">Uma vez, numa camara elegante,</div> +<div class="poetry">De um contador no marmore de rosa,<br /> +Entre os mil nadas feminis que exhalam<br /> +Uns aromas subtis que nos embalam,<br /> +Vi uma concha pallida e graciosa.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Sentira eu nella um som confuso e triste,</div> +<div class="poetry">Como o dos sinos em remota aldeia;<br /> +Pobre concha! morria de saudade<br /> +Daquella vaga e triste immensidade<br /> +Do mar que chora na deserta areia.</div> +<br /> +<span class="pagenum">[73]</span> +<div class="poetry1">Olha, querida, como nessa concha,</div> +<div class="poetry">Anda chorando em mim continuamente<br /> +Essa timida voz que tu soltaste,<br /> +Essa palavra <span class="smallcaps">ADEUS</span> que murmuraste<br /> +Aos meus ouvidos languida e tremente!</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<h3>CAMONEANA</h3> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p76" id="p76">[76]</a></span> +<h3>I</h3> +<br /> +<h3>NA EGREJA DAS CHAGAS</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<h5>Ao dr. A. A. de Carvalho Monteiro</h5> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry1">Proxima vinha a nobre Catharina</div> +<div class="poetry">Da porta principal da egreja, quando<br /> +Seu olhar encontrou suave e brando<br /> +O olhar de um moço de presença fina.</div> +<br /> +<div class="poetry1">E, ao fulgôr d'esse olhar ardente, inclina</div> +<div class="poetry">A dama o rôsto, timida, córando...<br /> +Arfa-lhe o niveo seio, palpitando,<br /> +Em doida e extranha commoção divina.</div> +<br /> +<span class="pagenum">[77]</span> +<div class="poetry1">Camões, que outro não era o moço, ardido,</div> +<div class="poetry">Num gesto de galan desvanecido,<br /> +«Quem vos pudéra merecer!» murmura.</div> +<br /> +<div class="poetry1">E a dama, ao ouvil-o, languida sorria,</div> +<div class="poetry">Pois que em todos os tempos a ouzadia<br /> +Ao amôr nunca trouxe desventura.</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p78" id="p78">[78]</a></span> +<h3>II</h3> +<br /> +<h3>A LEITURA DOS LUSIADAS</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<h5>A Vicente Pindella</h5> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry1">Do moço rei defronte, esbelto e cavalleiro</div> +<div class="poetry">Camões recita; a côrte, silenciosa<br /> +Ante a rubra explosão do cantico guerreiro,<br /> +Admira essa Epopeia enorme e prodigiosa.</div> +<br /> +<div class="poetry1">«... Ruge a electrica voz do Adamastôr furiosa;</div> +<div class="poetry">«Nas amuradas canta o alegre marinheiro;<br /> +«Do Oceano á flôr scintilla a esteira luminosa<br /> +«Dos pesados galeões do Gama aventureiro.</div> +<br /> +<span class="pagenum">[79]</span> +<div class="poetry1">«Terra! grita o gageiro; e á praia melindana</div> +<div class="poetry">«Desce douda e febril a gente lusitana<br /> +«Desfraldam-se os pendões ao claro céu do Oriente...»</div> +<br /> +<div class="poetry1">Da gloria ante o esplendôr o olhar d'El-Rey fulgura;</div> +<div class="poetry">O Camara no emtanto, alma sombria e escura,<br /> +No rei os olhos crava, e ri felinamente.</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p80" id="p80">[80]</a></span> +<h3>III</h3> +<br /> +<h3>ANNOS DEPOIS</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<h5>A Bernardo Pindella</h5> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry1">Juncto de um catre vil, grosseiro e feio,</div> +<div class="poetry">Por uma noite de luar saudoso,<br /> +Camões, pendida a fronte sobre o seio,<br /> +Scisma embebido num pesar luctuoso...</div> +<br /> +<div class="poetry1">Eis que na rua um cantico amôroso</div> +<div class="poetry">Subitaneo se ouviu da noite em meio:<br /> +Já se abrem as adufas com receio...<br /> +Noite de amôres! que trovar mimoso!</div> +<br /> +<span class="pagenum">[81]</span> +<div class="poetry1">Camões acorda, e á gelosia assôma,</div> +<div class="poetry">E aquelle canto, como um antigo arôma,<br /> +Resuscita-lhe os risos do passado.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Viu-se moço e feliz, e ah! nesse instante,</div> +<div class="poetry">No azul viu perpassar, claro e distante,<br /> +De Natercia gentil, o vulto amado...</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p83" id="p83">[83]</a></span> +<h3>ESPHYNGE</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<h5>Traducção de uns versos de Alexandre Dumas<br /> +escriptos num leque<br /> +em que estava pintada uma Esphynge</h5> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry1">Que me queres, Esphynge? O que procuras? diz-m'o:</div> +<div class="poetry">Se do poeta o segredo intentas penetrar,<br /> +Desce dos annos meus ao tenebroso abysmo,<br /> +Verás o Amôr aos Vinte e aos Sessenta o Pesar.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Sim, Pesar, não de haver lançado aos quatro ventos</div> +<div class="poetry">Com prodiga loucura o verbo triumphante,<br /> +A ambição, o dinheiro, os risos e os tormentos,<br /> +E as auroras de abril que passam num instante!</div> +<br /> +<span class="pagenum">[84]</span> +<div class="poetry1">Mas Pesar de sentir dentro em meu peito agora,</div> +<div class="poetry">Como accêso vulcão em gêlos sepultado,<br /> +Do juvenil desejo a flamma que devora,<br /> +E de não poder mais, amando, ser amado!</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p85" id="p85">[85]</a></span> +<h3>A CEIA DE TIBERIO</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<h5>Ao dr. J. Frederico Laranjo</h5> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry1">Opulento é o festim: em todo o vasto imperio</div> +<div class="poetry">Outro não houve egual. Caprêa a dissoluta,<br /> +O retiro de amôr do perfido Tiberio,</div> +<br /> +<div class="poetry1">Illuminada ri. Ao longe Roma escuta</div> +<div class="poetry">O confuso rumôr da tenebrosa orgia:<br /> +Assim geme, assim ronca o mar em funda gruta.</div> +<br /> +<span class="pagenum">[86]</span> +<div class="poetry1">Fascina, attrae, seduz, e os olhos extasia</div> +<div class="poetry">A imperial vivenda: a sala é deslumbrante:<br /> +Ouro e gêmmas sem fim confundem-se á porfia.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Das lampadas rebrilha o lume coruscante;</div> +<div class="poetry">Nos triclinios esplende a purpura escarlata,<br /> +A fina tartaruga e o sandalo odorante.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Aos angulos da sala, em primorosa prata,</div> +<div class="poetry">Erotico esculptor grupos fundiu lascivos,<br /> +Em cujos membros nús Volupia se retrata.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Resaltam da parede os satyros esquivos</div> +<div class="poetry">Sob o pampano alegre: as nymphas, em corêas,<br /> +Dançam na riba, em flôr, de arroios fugitivos.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Em marmórea piscina enroscam-se as murêas,</div> +<div class="poetry">Dos patricios de Roma o pabulo dilecto,<br /> +Vezes sem conto, escravo, ali rompeste as veias!</div> +<br /> +<div class="poetry1">Pendem verdes festões do primoroso tecto,</div> +<div class="poetry">Pyrrheico ali pintára um matagal folhudo,<br /> +E um lago crystallino, encantador, discreto.</div> +<br /> +<span class="pagenum">[87]</span> +<div class="poetry1">Diana ao sol enxuga as tranças de veludo,</div> +<div class="poetry">Acteon espreita ancioso, e, ó rapida alegria!<br /> +Aos poucos se transforma em cervo ramalhudo.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Em Miléto foi tincta a azul tapeçaria,</div> +<div class="poetry">Que nas mesas se extende e nos mosaicos dorme;<br /> +Dos velarios se escôa o arôma que inebria.</div> +<br /> +<div class="poetry1">A festa é no pendor: num áureo prato informe</div> +<div class="poetry">Eis que entra um javali, formosas gaditanas<br /> +Dançam em derredor. Ulula a grita enorme.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Jorra o vinho de Kós purpureas espadanas;</div> +<div class="poetry">Dos convivas na fronte enlaça-se a verbena,<br /> +Preludiam no emtanto as frautas sicilianas.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Adoudada suspira uma canção obscena:</div> +<div class="poetry">Fervem beijos no ar, os seios pulam, crescem<br /> +E desnudam-se á luz, Tiberio assim o ordena.</div> +<br /> +<div class="poetry1">As matronas, ao vêr o duro gesto, obedecem,</div> +<div class="poetry">E lá passam gentis, deslisam mansamente<br /> +Dos marmores á flôr; são nuas, endoudecem!</div> +<br /> +<span class="pagenum">[88]</span> +<div class="poetry1">Um retiario nervudo, e um gladiador valente</div> +<div class="poetry">Combatem, são leões; o pallido vencido<br /> +Mistura o sangue rubro ao vinho rescendente.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Ora Tiberio ri... Mas subito um gemido</div> +<div class="poetry">Longo e triste chorou nos paços de Caprêa...<br /> +Indagam: talvez fosse o gladiador ferido...</div> +<br /> +<div class="poetry1">Nesse instante Jesus morria na Judeia!</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<h3>TRIO DE POETAS</h3> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p90" id="p90">[90]</a></span> +<h3>I</h3> +<br /> +<h3>JOÃO DE LEMOS</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<h5>Ao Visconde de Pindella</h5> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry1">Na cidade gentil do austero estudo</div> +<div class="poetry">Sobranceira ao Mondego socegado,<br /> +Em cuja riba o sinceiral folhudo<br /> +De rouxinoes suspira gorgeiado,</div> +<br /> +<div class="poetry1">Fôste erguido no concavo do escudo</div> +<div class="poetry">Pelos moços de outrora, e celebrado<br /> +Trovador, cavalleiro, e namorado...<br /> +Tempo de glorias! Como passa tudo!</div> +<br /> +<span class="pagenum">[91]</span> +<div class="poetry1">No emtanto ás vezes, na provincia, quando</div> +<div class="poetry">A um dôce, honesto e feminino bando<br /> +Digo a <span class="smallcaps">lua de londres</span>, de repente</div> +<br /> +<div class="poetry1">Da infancia volvo á candida simpleza,</div> +<div class="poetry">E ondulam na minh'alma vagamente<br /> +Tremulas notas de fugaz tristeza.</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p92" id="p92">[92]</a></span> +<h3>II</h3> +<br /> +<h3>JOÃO DE DEUS</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<h5>A Anthero do Quental</h5> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry1">Sempre que o leio, sinto-me captivo</div> +<div class="poetry">De um não sei quê, de infinda suavidade,<br /> +E entram commigo uns longes de saudade,<br /> +Que me deixam sizudo e pensativo.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Sonho: quizéra, em triste soledade,</div> +<div class="poetry">Viver das gentes apartado e esquivo,<br /> +E erguer-me a esse planeta primitivo<br /> +Onde resplenda a eterna mocidade.</div> +<br /> +<span class="pagenum">[93]</span> +<div class="poetry1">Já o seu nome é tão suave e brando,</div> +<div class="poetry">Tão eufonico, meigo e delicado,<br /> +Que fica nos ouvidos suspirando...</div> +<br /> +<div class="poetry1">Diz a lenda que vive descuidado,</div> +<div class="poetry"><span class="smallcaps">Ramos</span> tecendo, e +<span class="smallcaps">flores</span> emmoitando,<br /> +Da Chymera nos seios reclinado.</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p94" id="p94">[94]</a></span> +<h3>III</h3> +<br /> +<h3>JOÃO PENHA</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<h5>A Augusto Sarmento</h5> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry1">Nervoso mestre, domadôr valente</div> +<div class="poetry">Da Rima e do Sonêto portuguez,<br /> +Não te eguala a pericia de um chinez<br /> +Na pintura de um vaso transparente.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Ha no teu verso a musica dolente</div> +<div class="poetry">Da guitarra andaluza, e muita vez<br /> +Rompe em meio da extranha languidez<br /> +O silvo estriduloso da serpente.</div> +<br /> +<span class="pagenum">[95]</span> +<div class="poetry1">No <span class="smallcaps">vinho e fel</span> traçaste o escuro drama</div> +<div class="poetry">Em que soluça e ri, na extensa gamma,<br /> +Teu desgrenhado amôr, doido e fatal...</div> +<br /> +<div class="poetry1">Mas se do peito ancioso o dardo arrancas,</div> +<div class="poetry">Teu canto exhala as alegrias francas<br /> +De uma rubra Kermesse colossal.</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p97" id="p97">[97]</a></span> +<h3>CHYMERAS</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<h5>A meu tio João de Almeida e Albuquerque</h5> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry1">O mar já me tentou: aspirações fogosas</div> +<div class="poetry">Fizeram-me idear phantasticas viagens;<br /> +Eu sonhava trazer de incognitas paragens<br /> +Noticias immortaes ás gentes curiosas.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Mais tarde desejei riquezas fabulosas,</div> +<div class="poetry">Um palacio escondido em múrmuras folhagens,<br /> +Onde eu fosse occultar as candidas imagens<br /> +Das virgens que evoquei por noites silenciosas.</div> +<br /> +<span class="pagenum">[98]</span> +<div class="poetry1">Mas tudo isso passou: agora só me resta</div> +<div class="poetry">Das chymeras que tive, uma visão modesta,<br /> +Um sonho encantador, de paz e de ventura.</div> +<br /> +<div class="poetry1">É simples; uma alcôva, um berço, um innocente,</div> +<div class="poetry">E uma esposa adorada, envolta, a negligente!<br /> +De um longo penteadôr na immaculada alvura...</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p99" id="p99">[99]</a></span> +<h3>ODOR DI FEMINA</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<h5>A Alberto Pimentel</h5> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry1">Era austero e sizudo; não havia</div> +<div class="poetry">Frade mais exemplar nesse convento;<br /> +No seu cavado rôsto macilento<br /> +Um poêma de lagrimas se lia.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Uma vez que na extensa livraria</div> +<div class="poetry">Folheava o triste um livro pardacento,<br /> +Viram-no desmaiar, cahir do assento,<br /> +Convulso, e tôrvo sobre a lágea fria.</div> +<br /> +<span class="pagenum">[100]</span> +<div class="poetry1">De que morrêra o venerando frade?</div> +<div class="poetry">Em vão busco as origens da verdade,<br /> +Ninguem m'a disse, explique-a quem pudér.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Consta que um bibliophilo comprára</div> +<div class="poetry">O livro estranho e que, ao abril-o, achára<br /> +Uns dourados cabellos de mulher...</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p101" id="p101">[101]</a></span> +<h3>EM CAMINHO DA GUILHOTINA</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<h5>Á Senhora Condessa de Sabugoza</h5> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry1">A <em>viuva Capet</em> vae ser guilhotinada.</div> +<br /> +<div class="poetry">Ora naquelle dia o povo de Pariz<br /> +Formidavel, brutal, colerico, feliz,<br /> +Erguera-se ao primeiro alvôr da madrugada.</div> +<br /> +<div class="poetry1">No caminho traçado ao funebre cortejo</div> +<div class="poetry2">O povo redemoinha;</div> +<div class="poetry">Que todos sentem n'alma o tragico desejo<br /> +De ver como Sansão degolla uma rainha.</div> +<br /> +<span class="pagenum">[102]</span> +<div class="poetry1">Da carreta em redor ondeiam os soldados;</div> +<div class="poetry2">De cima dos telhados</div> +<div class="poetry">Da rua, dos portaes, dos muros, dos balcões<br /> +Chovem sobre a rainha as vis imprecações.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Ella comtudo altiva erecta e desdenhosa</div> +<div class="poetry2">Olha tranquillamente</div> +<div class="poetry">Para o revolto mar da plebe tumultuosa.</div> +<br /> +<div class="poetry1">E emquanto aquelle povo inquieto e repulsivo</div> +<div class="poetry">Anceia por ouvir o grito convulsivo</div> +<div class="poetry2">E o derradeiro arranco</div> +<div class="poetry">D'essa mulher, e ri abominavelmente,<br /> +Um homem só, o algoz, vae triste e reverente.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Póde nascer ao pé da forca um lirio branco.</div> +<br /> +<div class="poetry1">A carreta parou. Desce a rainha. Nisto</div> +<div class="poetry2">Viram-se uns braços nús</div> +<div class="poetry">Erguerem para o ar, á flôr da multidão,<br /> +Uma loura creança, alegre como a luz,</div> +<div class="poetry2">Suave como o Christo,</div> +<div class="poetry">A quem talvez faltando em casa a enxerga e o pão,<br /> +A mãe quizera dar aquella distracção.</div> +<br /> +<span class="pagenum">[103]</span> +<div class="poetry1">No primeiro degráu da escura guilhotina</div> +<div class="poetry2">A rainha de França</div> +<div class="poetry">Ergueu o olhar e viu essa gentil creança<br /> +Levar a mão á flôr da bôcca pequenina,<br /> +E atirar-lhe, a sorrir, um beijo doce e honesto...</div> +<br /> +<div class="poetry1">E ella que fôra audaz, heroica e resoluta,</div> +<div class="poetry">E ouvira, com desdem, da plebe a injuria bruta,<br /> +Ante a esmola infantil, graciosa, d'esse gesto,<br /> +Chorou.</div> +<div class="poetry0">«Chorou, emfim! A infame succumbiu!»</div> +<div class="poetry">De entre o povo uma voz selvatica rugiu.</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p104" id="p104">[104]</a></span> +<h3>A VIUVA</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<h5>Á Senhora D. Margarida Street</h5> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry1">Fóra de portas vive. É silenciosa</div> +<div class="poetry">A modesta vivenda em que ella habita,<br /> +Ali correu-lhe a vida bonançosa,<br /> +Ali golpeou-lhe os seios a desdíta.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Raro de quando em quando uma visita</div> +<div class="poetry">Novas lhe traz da vida tumultuosa,<br /> +E ella sorrindo a furto, descuidosa,<br /> +No azul os olhos em silencio fita.</div> +<br /> +<span class="pagenum">[105]</span> +<div class="poetry1">Sósinha e triste a pallida viuva,</div> +<div class="poetry">Por essas noites de invernia e chuva,<br /> +A um honesto e feminil labor se entrega.</div> +<br /> +<div class="poetry1">E, alta noite, levanta, em dôr sepulta,</div> +<div class="poetry">O olhar, que fixa, e demorado prega<br /> +No eterno Ausente que num quadro avulta.</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p106" id="p106">[106]</a></span> +<h3>FLÔR DO PANTANO</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<h5>A Bulhão Pato</h5> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry">É pequenina e séria,</div> +<div class="poetry0">E tem o gesto grave<br /> +Da filha de um burgrave,<br /> +A candida Valeria.</div> +<br /> +<div class="poetry">Não ha flôr mais suave,</div> +<div class="poetry0">De essencia mais ethérea,<br /> +E abriu-lhe a vida a chave<br /> +Do Vicio e da Miseria!</div> +<br /> +<span class="pagenum">[107]</span> +<div class="poetry">Na sua loura côma</div> +<div class="poetry0">Nunca passou o arôma<br /> +Dos beijos maternaes.</div> +<br /> +<div class="poetry">Ó credula Ignorancia,</div> +<div class="poetry0">Esconde áquella infancia<br /> +O nome vil dos paes!</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p108" id="p108">[108]</a></span> +<h3>A RESPOSTA DO INQUISIDÔR</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<h5>A meu tio Luiz de Almeida e Albuquerque</h5> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<h5>I</h5> +<br /> +<div class="poetry1">A sala em que medita El-Rey é silenciosa,</div> +<div class="poetry">Apainelada e fria, o largo reposteiro<br /> +Ondula brandamente á aragem preguiçosa.</div> +<br /> +<h5>II</h5> +<br /> +<div class="poetry1">Á cathedra real um Christo sobranceiro</div> +<div class="poetry">Mésto, livido, nú, ferido e ensanguentado<br /> +Exhala sobre o seio o alento derradeiro.</div> +<br /><span class="pagenum">[109]</span> +<h5>III</h5> +<br /> +<div class="poetry1">El-Rey medita e scisma: o seu olhar turbado,</div> +<div class="poetry">O seu obliquo olhar, o seu olhar de féra,<br /> +Vibra irrequieta luz, parece allucinado.</div> +<br /> +<h5>IV</h5> +<br /> +<div class="poetry1">Nisto á porta assomou a calva fronte austera</div> +<div class="poetry">De um velho, e logo atraz um pagem que murmura:<br /> +«Eis o monge, Senhor, que Vossa Alteza espera!»</div> +<br /> +<h5>V</h5> +<br /> +<div class="poetry1">Curvára, ao entrar, o monge a tremula estatura:</div> +<div class="poetry">Mãos dispostas em cruz no largo peito ancioso,<br /> +E humilhada a cerviz na ascetica postura.</div> +<br /> +<h5>VI</h5> +<br /> +<div class="poetry1">E comtudo esse frade humilde e respeitoso,</div> +<div class="poetry">De olhos fitos no chão, tão fragil como um vime,<br /> +Na presença de um rei, de um Cesar poderoso,</div> +<br /> +<h5>VII</h5> +<br /> +<div class="poetry1">É fanatico e audaz; com mão de bronze opprime</div> +<div class="poetry">O Solio, a Egreja, o Lar, e os corações dos crentes;<br /> +Flagella a sombra e o amôr, condemna a luz, e o crime!</div> +<br /><span class="pagenum">[110]</span> +<h5>VIII</h5> +<br /> +<div class="poetry1">Quando elle vae passando, as timoratas gentes</div> +<div class="poetry">Benzem-se com pavôr e param de improviso<br /> +As canções juvenis nas aleas rescendentes.</div> +<br /> +<h5>IX</h5> +<br /> +<div class="poetry1">Nunca nos labios seus florira o alegre riso,</div> +<div class="poetry">Tem cem annos, jamais beijára uma creança,<br /> +E crê subir, talvez, morrendo, ao Paraizo!</div> +<br /> +<h5>X</h5> +<br /> +<div class="poetry1">Na Hespanha, no Perú, em Napoles, na França</div> +<div class="poetry">Paira como o sinistro espirito do Mal,<br /> +O negro inquisidôr, feroz como a Vingança.</div> +<br /> +<h5>XI</h5> +<br /> +<div class="poetry1">Sisto quinto, o cruel, fizera-o cardeal,</div> +<div class="poetry">E a Hespanha pôde ver com assombroso espanto<br /> +Juncto do rei-panthera o inquisidôr-chacal.</div> +<br /> +<h5>XII</h5> +<br /> +<div class="poetry1">E Philippe dizia ao monge no entretanto:</div> +<div class="poetry">«Sentinella da Lei, piedoso inquisidôr,<br /> +«Tu que fallas com Deus e és padre, e és bom, e és sancto</div> +<br /><span class="pagenum">[111]</span> +<h5>XIII</h5> +<br /> +<div class="poetry1">«Arranca-me este pezo, afasta-me este horrôr!</div> +<div class="poetry">«Ah! diz'-me, cardeal, se é um vil, se é um precito<br /> +«O rei que é justo e mata o filho que é traidôr...»</div> +<br /> +<h5>XIV</h5> +<br /> +<div class="poetry1">E mais não disse o rei, tôrvo, sombrio e afflicto.</div> +<div class="poetry">No emtanto o inquisidôr erguendo imperturbavel<br /> +O seu hediondo olhar das lageas de granito,</div> +<br /> +<h5>XV</h5> +<br /> +<div class="poetry1">Assim tornou com voz vibrante e formidavel:</div> +<div class="poetry">—Ó principe, e apontava o livido Jesus,<br /> +—Para acalmar dos céus a colera implacavel</div> +<br /> +<h5>XVI</h5> +<br /> +<div class="poetry1">—O Eterno fez morrer seu filho numa cruz!—</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p112" id="p112">[112]</a></span> +<h3>FERVET AMOR</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<h5>Ao dr. Antonio Candido</h5> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry1">Dá para a cêrca a estreita e humilde cella</div> +<div class="poetry">D'essa que os seus abandonou, trocando<br /> +O calôr da familia ameno e brando<br /> +Pelo claustro que o sangue esfria e gela.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Nos florões manuelinos da janella</div> +<div class="poetry">Papeiam aves o seu ninho armando,<br /> +Veêm-se ao longe os trigos ondulando...<br /> +Maio sorri na pradaria bella.</div> +<br /> +<span class="pagenum">[113]</span> +<div class="poetry1">Zumbe o insecto na flôr do rosmaninho:</div> +<div class="poetry">Nas giéstas pousa a abelha ébria de gôso:<br /> +Zunem bezouros e palpita o ninho.</div> +<br /> +<div class="poetry1">E a freira scisma e córa, ao vêr, ancioso,</div> +<div class="poetry">Do seu cátre virgineo sobre o linho<br /> +Um par de borboletas amoroso.</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p114" id="p114">[114]</a></span> +<h3>NA ALDEIA</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<h5>A Christovam Ayres</h5> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry1">Duas horas da tarde. Um sol ardente</div> +<div class="poetry">Nos côlmos dardejando, e nos eirados.<br /> +Sobreleva aos sussurros abafados<br /> +O grito das bigornas estridente.</div> +<br /> +<div class="poetry1">A taberna é vazia; mansamente</div> +<div class="poetry">Treme o loureiro nos humbraes pintados;<br /> +Zumbem á porta insectos variegados<br /> +Envolvidos do sol na luz tremente.</div> +<br /> +<span class="pagenum">[115]</span> +<div class="poetry1">Fia á soleira uma velhinha: o filho</div> +<div class="poetry">No céu mal acordou da aurora o brilho,<br /> +Sahiu para os cançaços da lavoura.</div> +<br /> +<div class="poetry1">A nóra lava na ribeira, e os netos</div> +<div class="poetry">Ao longe correm semi-nús, inquietos,<br /> +No mar ondeante da seára loura.</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p116" id="p116">[116]</a></span> +<h3>ESTUDANTINA</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry">Acorda, minha Thereza,</div> +<div class="poetry0">Descerra a janella tua!<br /> +Espalha-se a luz da lua<br /> +Pela poetica deveza...<br /> +Entre os sinceiros da margem<br /> +Murmura o claro Mondego,<br /> +A noite corre em socêgo...<br /> +Acorda, minha Thereza!</div> +<br /> +<span class="pagenum">[117]</span> +<div class="poetry">Não dorme quem tem amôres,</div> +<div class="poetry0">E o teu postigo é cerrado!<br /> +Deixa o leito perfumado,<br /> +E o travesseiro de flôres,<br /> +Se queres que eu acredite,<br /> +Ó minha pallida amiga,<br /> +Nas palavras da cantiga:<br /> +«Não dorme quem tem amôres!»</div> +<br /> +<div class="poetry">Por isso eu vélo cantando,</div> +<div class="poetry0">E esta guitarra suspira,<br /> +E o meu coração delira<br /> +Mal vem a lua apontando...<br /> +É que, á noite, lirio branco,<br /> +Os astros guardam segredo<br /> +Dos beijos dados a medo...<br /> +Por isso eu vélo cantando...</div> +<br /> +<div class="poetry">Quero vêr-te, como outrora</div> +<div class="poetry0">Nesse postigo inclinada,<br /> +Conversando enamorada<br /> +Até ao raiar da aurora...<br /> +Um lenço posto no liso<br /> +Dos teus hombros jaspeados,<br /> +Os cabellos destrançados...<br /> +Quero vêr-te como outrora.</div> +<br /> +<span class="pagenum">[118]</span> +<div class="poetry">Não te assustes, Julieta,</div> +<div class="poetry0">Que a manhã te encontre ainda<br /> +Bebendo a canção infinda<br /> +Que soluça o teu poeta.<br /> +Cantará de entre os loureiros<br /> +Uma alegre cotovia,<br /> +Mal venha rompendo o dia...<br /> +Não te assustes, Julieta!</div> +<br /> +<div class="poetry">Mas dorme a branca Thereza,</div> +<div class="poetry0">Cerrada a janella sua;<br /> +Espalha-se a luz da lua<br /> +Pela poetica deveza...<br /> +Entre os sinceiros da margem,<br /> +Murmura e corre o Mondego,<br /> +Que tristeza e que socêgo!<br /> +Ai! dorme, dorme, Thereza!</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p119" id="p119">[119]</a></span> +<h3>AS ONDINAS</h3> +<br /> +<h5>H. HEINE</h5> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<h5>Ao Visconde de Castilho II</h5> +<br /> +<div class="poetry1">Na praia tranquilla murmuram sonoras</div> +<div class="poetry0">As ondas do mar.</div> +<div class="poetry">E, ao dôce das aguas murmúrio palreiro,<br /> +Na areia dormita gentil cavalleiro</div> +<div class="poetry0">Á luz do luar.</div> +<br /> +<span class="pagenum">[120]</span> +<div class="poetry1">As bellas ondinas emergem das grutas</div> +<div class="poetry0">De vivo coral,</div> +<div class="poetry">Accórrem ligeiras, e apontam, sorrindo,<br /> +O moço que julgam devéras dormindo</div> +<div class="poetry0">No argenteo areal.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Vem esta, e perpassa do gorro nas plumas</div> +<div class="poetry0">As mãos de setim.</div> +<div class="poetry">E aquella, com gesto divino, gracioso,<br /> +Nos ares levanta do joven formoso</div> +<div class="poetry0">O aureo telim.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Ess'outra, que lavas, que fogo não vibram</div> +<div class="poetry0">Seus olhos de anil!</div> +<div class="poetry">Debruça-se e arranca-lhe a rútila espada,<br /> +Nos copos brilhantes se apoia azougada,</div> +<div class="poetry0">Travessa e gentil.</div> +<br /> +<div class="poetry1">A quarta, saltando, retouça, lasciva,</div> +<div class="poetry0">Do moço em redor;</div> +<div class="poetry">Suspira mansinho, de manso murmúra:<br /> +«Podésse eu em vida gosar a ventura</div> +<div class="poetry0">Do teu fino amôr!»</div> +<br /> +<span class="pagenum">[121]</span> +<div class="poetry1">A quinta rebeija-lhe as mãos, enlevada</div> +<div class="poetry0">Num sonho feliz,</div> +<div class="poetry">E a sexta, com tremula e dôce esquivança,<br /> +Perfuma-lhe a bôcca, formosa creança!</div> +<div class="poetry0">Com beijos subtis...</div> +<br /> +<div class="poetry1">E o moço, fingindo que dorme tranquillo,</div> +<div class="poetry0">Não quer acordar.</div> +<div class="poetry">E deixa que o abracem as bellas Ondinas,<br /> +E languido gosa caricias divinas</div> +<div class="poetry0">Á luz do luar...</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p122" id="p122">[122]</a></span> +<h3>NO JOGO DAS CANNAS</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<h5>A Camillo Castello Branco</h5> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry1">Em garbosos corceis da Arabia cavalgando</div> +<div class="poetry">Entram na larga arêna os próceres luzidos;<br /> +Corusca a pedraria, e esplendem, fluctuando,<br /> +Dos cocáres a pluma e a sêda dos vestidos.</div> +<br /> +<div class="poetry1">A quadrilha gentil dos Tavoras ardidos,</div> +<div class="poetry">Com os lacaios da Tôrre um prélio simulando,<br /> +Terça galhardamente; o apparatoso bando<br /> +Deixa os olhos da turba em extase embebidos.</div> +<br /> +<span class="pagenum">[123]</span> +<div class="poetry1">Nas janellas do paço é toda a fidalguia:</div> +<div class="poetry">Que jocundo prazer, que risos, que alegria!<br /> +Espectaculo augusto, e nobre, e singular!</div> +<br /> +<div class="poetry1">O sexto Affonso applaude: emtanto, maliciosa,</div> +<div class="poetry">Maria de Nemours, sorrindo, a incestuosa!<br /> +No cunhado, subtil, poisa o lascivo olhar...</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p124" id="p124">[124]</a></span> +<h3>NUNCA EU TE LÊSSE, BALLADA!</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry">Suspende a dura sentença</div> +<div class="poetry0">Que de teus labios ouvi.<br /> +E ergue do chão os quebrados<br /> +Teus negros olhos magoados,<br /> +Quando me acerco de ti.</div> +<br /> +<div class="poetry">Ergueste-os, encantadôra!</div> +<div class="poetry0">Mas antes do teu perdão,<br /> +Attende-me, e ouve, senhora,<br /> +Com todo o teu coração.</div> +<br /> +<span class="pagenum">[125]</span> +<div class="poetry">Escuta:</div> +<div class="poetry2">«A um rei namorado</div> +<div class="poetry0">«Sincera e fiel amante,<br /> +«Ao morrer, tinha deixado,<br /> +«De antigo affecto em penhor,<br /> +«Cinzelada taça de ouro<br /> +«Do mais subido valor.</div> +<br /> +<div class="poetry">«O rei preferia a tudo</div> +<div class="poetry0">«Aquella doce lembrança<br /> +«Que lhe trazia os arômas<br /> +«De umas fluctuantes cômas,<br /> +«E de uns labios de veludo,<br /> +«Que elle beijára em creança.</div> +<br /> +<div class="poetry">«Toda a vez que elle bebia</div> +<div class="poetry0">«Por esse vaso sagrado,<br /> +«Uma extatica alegria<br /> +«Como flôr ideal sorria<br /> +«No seu turvo olhar cançado.</div> +<br /> +<div class="poetry">«Um dia sentiu-se o pobre</div> +<div class="poetry0">«Mais triste, velho e abatido,<br /> +«Abraçou-se commovido<br /> +«Á taça, o tremulo amante:</div> +<br /> +<span class="pagenum">[126]</span> +<div class="poetry">«E as lagrimas, uma a uma,</div> +<div class="poetry0">«eslisaram nesse instante<br /> +«Nos rudes flócos de espuma<br /> +«Da longa barba fluctuante.</div> +<br /> +<div class="poetry">quella hora de agonia,</div> +<div class="poetry0">«Chamou seus filhos e herdeiro,<br /> +«Deu-lhes tudo o que possuia,<br /> +«Ouro, palacios, riquezas,<br /> +«O seu castello roqueiro,<br /> +«E as suas largas devezas.</div> +<br /> +<div class="poetry">«Dividiu tudo, contente;</div> +<div class="poetry0">«A taça guardou sómente.</div> +<br /> +<div class="poetry">«Sentindo fugir-lhe a vida,</div> +<div class="poetry0">«Manda o triste convidar<br /> +«Seus pares, filhos e herdeiro<br /> +«Para um festim derradeiro<br /> +«No castello sobranceiro<br /> +«Ás verdes aguas do mar...</div> +<br /> +<div class="poetry">«Em meio da festa, o velho</div> +<div class="poetry0">«Ergueu a taça e, sorrindo,</div> +<span class="pagenum">[127]</span> +<div class="poetry0">«Embebido o olhar no infindo,<br /> +«Um frouxo canto soltou...</div> +<br /> +<div class="poetry">«E mal o canto findára,</div> +<div class="poetry0">«No leito da onda amara<br /> +«A taça de ouro lançou...»</div> +<br /> +<div class="poetry">Eram profundos ciumes</div> +<div class="poetry0">Os d'esse rei namorado,<br /> +Que não fosse alguem beber<br /> +Por esse vaso sagrado,<br /> +E viesse a conhecer<br /> +Os cariciosos perfumes<br /> +Que o tinham embriagado...</div> +<br /> +<div class="poetry">Hontem, á tarde, beijando-a</div> +<div class="poetry0">De teu labio a viva rosa,<br /> +Lembrou-me a historia singela<br /> +D'essa ballada amorosa;<br /> +E dentro em mim de repente<br /> +Tam extranha dôr senti,<br /> +Que num impeto demente<br /> +De teu labio humido e ardente<br /> +Com tôrvo aspecto fugi!</div> +<br /> +<span class="pagenum">[128]</span> +<div class="poetry">Lembrou-me, cabeça louca!</div> +<div class="poetry0">Que se eu acaso morresse,<br /> +Talvez um outro sorvesse<br /> +Os beijos da tua bôcca...</div> +<br /> +<div class="poetry">E no azul indefinido,</div> +<div class="poetry0">Ó minha piedosa anémona!<br /> +Cuidei ouvir o gemido<br /> +Da moribunda Desdemona...</div> +<br /> +<div class="poetry">Ai, desavisado amôr!</div> +<div class="poetry0">Perdôa, sombra adorada!<br /> +Nunca eu te avistasse, flôr!<br /> +Nunca eu te lêsse, ballada!</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p129" id="p129">[129]</a></span> +<h3>A NEGRA</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<h5>Ao dr. A. A. da Fonseca Pinto</h5> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry1">Teus olhos, ó robusta creatura,</div> +<div class="poetry0">Ó filha tropical!</div> +<div class="poetry">Relembram os pavôres de uma escura</div> +<div class="poetry0">Floresta virginal.</div> +<br /> +<div class="poetry1">És negra sim, mas que formosos dentes,</div> +<div class="poetry0">Que perolas sem par</div> +<div class="poetry">Eu vejo e admiro em rubidos crescentes</div> +<div class="poetry0">Se te escuto fallar!</div> +<br /> +<span class="pagenum">[130]</span> +<div class="poetry1">Teu corpo é forte, elastico, nervoso.</div> +<div class="poetry0">Que doce a ondulação</div> +<div class="poetry">Do teu andar, que lembra o andar gracioso</div> +<div class="poetry0">Das onças do sertão!</div> +<br /> +<div class="poetry1">As languidas sinhás, gentis, mimosas,</div> +<div class="poetry0">Desprezam tua côr,</div> +<div class="poetry">Mas invejam-te as formas gloriosas</div> +<div class="poetry0">E o olhar provocadôr.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Mas andas triste, inquieta e distrahida;</div> +<div class="poetry0">Foges dos cafesaes,</div> +<div class="poetry">E no escuro das mattas, escondida,</div> +<div class="poetry0">Soltas magoados ais...</div> +<br /> +<div class="poetry1">Nas esteiras, á noite, o corpo estiras</div> +<div class="poetry0">E, com ancias sem fim,</div> +<div class="poetry">Levas aos seios nús, beijas e aspiras</div> +<div class="poetry0">Um candido jasmim...</div> +<br /> +<div class="poetry1">Amas a lua que embranquece os mattos,</div> +<div class="poetry0">Ó negra jurity!</div> +<div class="poetry">A flôr da laranjeira, e os niveos cáctos</div> +<div class="poetry0">E tens horrôr de ti!...</div> +<br /> +<span class="pagenum">[131]</span> +<div class="poetry1">Amas tudo o que lembre o <em>branco</em>, o rosto</div> +<div class="poetry0">Que viste por teu mal,</div> +<div class="poetry">Um dia que sahias, ao sol pôsto,</div> +<div class="poetry0">De um verde taquaral...</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p132" id="p132">[132]</a></span> +<h3>MATER DOLOROSA</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<h5>A Rangel de Lima</h5> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry1">Quando se fez ao largo a nave escura</div> +<div class="poetry">Na praia essa mulher ficou chorando,<br /> +No doloroso aspecto figurando<br /> +A lacrymosa estatua da amargura.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Dos céus a curva era tranquilla e pura:</div> +<div class="poetry">Das gementes alcyones o bando<br /> +Via-se ao longe, em circulos, voando<br /> +Dos mares sobre a cérula planura.</div> +<br /> +<span class="pagenum">[133]</span> +<div class="poetry1">Nas ondas se atufára o sol radioso,</div> +<div class="poetry">E a lua succedêra, astro mavioso,<br /> +De alvôr banhando os alcantis das fragas...</div> +<br /> +<div class="poetry1">E aquella pobre mãe, não dando conta</div> +<div class="poetry">Que o sol morrêra, e que o luar desponta,<br /> +A vista embebe na amplidão das vagas...</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p134" id="p134">[134]</a></span> +<h3>AS PRIMEIRAS LAGRIMAS DE EL-REY</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<h5>A M. Pinheiro Chagas</h5> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<h5>I</h5> +<br /> +<div class="poetry1">O principe morrêra, e logo os cortezãos,</div> +<div class="poetry">Em prantos derredor do mortuario leito,<br /> +Erguem a voz em grita aos ceus levando as mãos.</div> +<br /> +<h5>II</h5> +<br /> +<div class="poetry1">El-Rey, João segundo, a fronte sobre o peito,</div> +<div class="poetry">Contempla dos brandões á luz ensanguentada<br /> +O filho, e a dôr lhe avinca o grave e duro aspeito.</div> +<br /> +<span class="pagenum">[135]</span> +<h5>III</h5> +<br /> +<div class="poetry1">E eis que, a um gesto do rei, a turba consternada</div> +<div class="poetry">A pouco e pouco sáe, reina o silencio, apenas<br /> +Cortado pelo uivar longinquo da nortada.</div> +<br /> +<h5>IV</h5> +<br /> +<div class="poetry1">Sobre o filho curvado, immerso em cruas penas,</div> +<div class="poetry">Aquelle rei sinistro, energico e tigrino,<br /> +Tinha na frouxa voz modulações serenas.</div> +<br /> +<h5>V</h5> +<br /> +<div class="poetry1">E o filho inerte e mudo! então num desatino</div> +<div class="poetry">Deixou-se El-Rey caír, ao acaso, num escabêllo<br /> +E quedou-se a pensar no seu atroz destino.</div> +<br /> +<h5>VI</h5> +<br /> +<div class="poetry1">Um enorme, um confuso e bronzeo pesadêlo</div> +<div class="poetry">Caíu-lhe sobre o enfêrmo espirito enluctado,<br /> +E o suor inundou-lhe as barbas e o cabello.</div> +<br /> +<h5>VII</h5> +<br /> +<div class="poetry1">Talvez que o triste visse, em sonho allucinado,</div> +<div class="poetry">Do duque de Vizeu o espectro vingativo<br /> +Apontando-lhe, a rir, o Infante inanimado.</div> +<br /> +<span class="pagenum">[136]</span> +<h5>VIII</h5> +<br /> +<div class="poetry1">E escutasse a feroz imprecação que altivo</div> +<div class="poetry">No cadafalso, outróra, o duque de Bragança<br /> +Ás faces lhe cuspiu com gesto convulsivo.</div> +<br /> +<h5>IX</h5> +<br /> +<div class="poetry1">Subito ergue-se o rei, e para o leito avança,</div> +<div class="poetry">E uma lagrima então, embalde reprimida,<br /> +Das barbas lhe cahiu no rosto da creança...</div> +<br /> +<h5>X</h5> +<br /> +<div class="poetry1">A vez primeira foi que El-Rey chorou em vida.</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p137" id="p137">[137]</a></span> +<h3>O CURA SANCTA CRUZ</h3> +<br /> +<h5>CONTO DE A. DAUDET</h5> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<h5>Ao dr. Sousa Martins</h5> +<br /> +<div class="poetry1">O implacavel carlista, o Cura Sancta Cruz,</div> +<div class="poetry">Que em nome do seu rei, e em nome de Jesus,<br /> +Da Navarra febril leva do sul ao norte<br /> +O odio, a perseguição, o incendio, o estrago, a morte.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Nessa clara manhã risonha do Natal,</div> +<div class="poetry">Tendo sobre o uniforme a veste clerical,<br /> +Na montanha, ao ar livre, á luz do sol, diz missa<br /> +Á guerrilha que o escuta extatica e submissa.</div> +<br /> +<span class="pagenum">[138]</span> +<div class="poetry1">Como um rebanho vil, a um lado, os prisioneiros</div> +<div class="poetry">Ouvem-no, a tiritar, cheios de um medo atroz:<br /> +Olham-se mutuamente os tôrvos companheiros,<br /> +E murmuram: «meu Deus, o que será de nós?»</div> +<br /> +<div class="poetry1">Porque emfim toda a vez que o sanguinario Cura</div> +<div class="poetry">Se volta, e o <em>oremus</em> diz, segundo o ritual,<br /> +Da sacra vestimenta avultam na brancura<br /> +De pistolas um jogo e a fórma de um punhal.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Quando afinal chegou o instante, a occasião</div> +<div class="poetry">Em que a missa termina, o Cura, erguendo um braço,<br /> +Grave traçou no ar e na mudez do espaço<br /> +O clemente signal da paz e do perdão.</div> +<br /> +<div class="poetry1">A missa terminára.</div> +<br /> +<div class="poetry2">O Cura nesse dia</div> +<div class="poetry1">Como sentisse n'alma uns raios de alegria,</div> +<div class="poetry">De bondade e de amor, foi-se direito ao bando<br /> +Dos captivos, e assim fallou circumvagando<br /> +A vista em derredor: «<em>Hermanos, viva Dios!</em></div> +<br /> +<span class="pagenum">[139]</span> +<div class="poetry1">«Corre ahi que sou máu, fanatico e feroz...</div> +<div class="poetry">«Pois em breve ides ver como se engana, quem<br /> +«Diz que eu sou o anti-Christo e que abomino o bem.<br /> +«Como é dia de festa e é dia de Natal,<br /> +«Dou-vos a liberdade, e não vos quero mal!</div> +<br /> +<div class="poetry1">«Mas haveis de primeiro, e isto, prompto e sem custo</div> +<div class="poetry">De joelhos beijar o pavilhão augusto<br /> +De El-Rey nosso senhor...»</div> +<div class="poetry3">E mandou desfraldar</div> +<div class="poetry">O carlista pendão, branco como o luar...</div> +<br /> +<div class="poetry1">Todos logo á porfia atiram-se por terra</div> +<div class="poetry">E um grito: Viva El-Rey! echoou de serra em serra.</div> +<br /> +<div class="poetry1">No emtanto um prisioneiro, um moço imberbe ainda,</div> +<div class="poetry">Firme ficou de pé, e olhava com infinda<br /> +Expressão de desdem a extranha vilania...<br /> +Braços postos em cruz, e intrepido sorria.</div> +<br /> +<div class="poetry1">«E tu?» surprezo disse e transtornado o Cura.</div> +<div class="poetry">—Padre, volveu-lhe o esbelto joven, com brandura,<br /> +—Mata-me! aqui me tens! rio-me d'esse panno!<br /> +—Ao teu rei não me curvo... Eu sou republicano...—</div> +<br /> +<span class="pagenum">[140]</span> +<div class="poetry1">O Cura um acêno fez; formou-se um pelotão:</div> +<div class="poetry0">«Vamos! inda uma vez, viva D. Carlos!»</div> +<br /> +<div class="poetry4">—Não!—</div> +<br /> +<div class="poetry1">E havia nessa voz tamanha heroicidade</div> +<div class="poetry">E uma energia tal, que uns longes de piedade<br /> +Scintillaram no olhar do tôrvo guerrilheiro.</div> +<br /> +<div class="poetry1">«Muito bem, morrerás: mas dize-me primeiro,</div> +<div class="poetry">«O que desejas tu? Queres beber, fumar?...</div> +<br /> +<div class="poetry1">—Padre, se vou morrer, quero-me confessar...</div> +<div class="poetry">«Ouvir-te-hei!» disse o Cura, e, ao acaso, num granito<br /> +Assentou-se.</div> +<br /> +<div class="poetry0">O captivo, olhos no chão, contrito</div> +<div class="poetry">Os joelhos dobrou... Nesse fugaz instante<br /> +Elle viu, elle viu, num sonho lacrymante,<br /> +A sua infancia, o lar, o tecto de seus paes,<br /> +Os choupos do seu rio, os placidos casáes:<br /> +Viu a noiva gentil, a egreja, os arvoredos<br /> +E os parentes e irmãos, socios de seus brinquedos.</div> +<br /> +<span class="pagenum">[141]</span> +<div class="poetry1">Ah! quem póde esquecer o seu paiz natal!<br /> +Ah! quem póde esquecer a benção maternal!</div> +<br /> +<div class="poetry1">Em distancia a guerrilha os dous observa... Então</div> +<div class="poetry">Emquanto o padre escuta attento o prisioneiro,<br /> +Subito uma descarga estoira na amplidão.<br /> +Tremem a serra e o val, treme o desfiladeiro.</div> +<br /> +<div class="poetry1">«Ás armas! o inimigo!» a sentinella brada.</div> +<div class="poetry">De golpe ergue-se o Cura, e á jóldra amotinada<br /> +Vôa, dá ordens, clama, emquanto as balas chovem.</div> +<div class="poetry1">Nisto viu que inda estava ajoelhado o joven!<br /> +Pára.</div> +<div class="poetry0">«Que fazes tu?» indaga em tom severo</div> +<div class="poetry">—Padre, diz a creança, a absolvição espero—</div> +<br /> +<div class="poetry1">E em meio da febril convulsão da batalha,</div> +<div class="poetry">Emquanto rompe e rasga os ares a metralha,<br /> +Viu-se o Cura depois de abençoar, ligeiro,<br /> +A fronte juvenil do heroico prisioneiro,<br /> +Pegar de uma clavina, e dando um passo ao lado,<br /> +Varar tranquillamente o craneo do soldado.</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p142" id="p142">[142]</a></span> +<h3>A VENDA DOS BOIS</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<h5>Ao dr. J. de Vasconcellos Gusmão</h5> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<h5>I</h5> +<br /> +<div class="poetry1">O velho entrára triste: ao pé, juncto do lar,</div> +<div class="poetry">Estava a companheira, absôrta, a meditar.</div> +<br /> +<div class="poetry1">—Mulher, a fé perdi, fallei a toda a gente,</div> +<div class="poetry">E ninguem me valeu!—E ella com voz tremente:</div> +<div class="poetry0">«Dize-me, e o brazileiro?»<br /> +—Esse foi o primeiro.</div> +<br /> +<span class="pagenum">[143]</span> +<div class="poetry1">—Batí, fui ter com elle á casa do jantar.</div> +<div class="poetry">Expliquei-lhe ao que vinha... entrou a gracejar:<br /> +«Com que então você quer <em>livrar</em> o seu rapaz?...</div> +<div class="poetry0">«Visinho, tão mal faz!</div> +<div class="poetry">«Deixe-me ir cada qual á sorte e ao seu destino!<br /> +«Seu filho é um mocetão valente e muito digno<br /> +«De servir o paiz...»</div> +<br /> +<div class="poetry2">—E descascava um fructo...</div> +<div class="poetry">—Desatei a chorar... «—Homem não seja bruto!<br /> +A farda não é morte...»</div> +<div class="poetry3">—E disse mais e mais</div> +<div class="poetry">—Cousas de quem não sabe a dôr de uns tristes paes!</div> +<br /> +<div class="poetry1">E emquanto o velho punha a vista lacrymosa</div> +<div class="poetry">Nos brazidos, a voz da mãe afflicta e anciosa<br /> +Perguntou: «e o prior?»</div> +<div class="poetry2">—Negou, negou tambem!—</div> +<div class="poetry0">A angustiada mãe</div> +<div class="poetry">Retorcia o avental com mão febril, ardente.</div> +<br /> +<div class="poetry1">No silencio da noite então distinctamente,</div> +<div class="poetry0">Um profundo mugido,<br /> +Triste como um gemido,</div> +<div class="poetry">Longo e longo chorou no lugubre aposento...</div> +<br /> +<span class="pagenum">[144]</span> +<div class="poetry0">Entreolharam-se os dois...</div> +<div class="poetry1">Nisto acóde á mulher um estranho pensamento...</div> +<div class="poetry0">«Temos ainda os bois!</div> +<div class="poetry">Vendamol-os!» E ria...</div> +<div class="poetry2">O entristecido olhar</div> +<div class="poetry">Do velho lavrador de lagrymas nublou-se.</div> +<div class="poetry0">E entrou a suspirar:<br /> +—Vender os infelizes!</div> +<div class="poetry">—Uns pobres animaes, a quem só mingoa a fala<br /> +—Para serem Christãos! Parece que me estala<br /> +—No peito o coração... Vender os infelizes!...<br /> +—Pois seja assim, mulher! Farei o que tu dizes...</div> +<br /> +<h5>II</h5> +<br /> +<div class="poetry2">Vinha rompendo a aurora</div> +<div class="poetry">Risonha, virginal, feliz como um noivado,<br /> +Das aves á compita o tremulo trinado<br /> +Entre as balsas gorgeava. Era em descanço a nóra.</div> +<br /> +<div class="poetry1">No emtanto o lavrador, tremente e vacillante</div> +<div class="poetry">Como um ladrão nocturno, ou como um namorado,<br /> +Abriu, de par em par, as portas do curral.</div> +<div class="poetry2">Subito nesse instante</div> +<div class="poetry">Volveram para a entrada os bois o olhar leal,</div> +<div class="poetry2">Bondoso, humano e franco.</div> +<br /> +<span class="pagenum">[145]</span> +<div class="poetry2">Que festiva alegria</div> +<div class="poetry">O frequente menear das caudas traduzia<br /> +Resvalando em seu forte e musculoso flanco!</div> +<br /> +<div class="poetry2">O velho antigamente</div> +<div class="poetry">Tinha sempre, ao chegar, uma palavra amiga,</div> +<div class="poetry2">Um dicto, uma cantiga,</div> +<div class="poetry">A que sempre um mugido alegre respondia.<br /> +Mas naquella manhã, silenciosamente,</div> +<div class="poetry2">Fatal como o dever</div> +<div class="poetry">O velho foi buscar, a um canto, uma correia,</div> +<div class="poetry2">E lançou-a a tremer</div> +<div class="poetry">Dos anafados bois ás pontas recurvadas.</div> +<br /> +<div class="poetry1">E sahiram os tres.</div> +<div class="poetry3">Nos concavos da aldeia</div> +<div class="poetry">Choviam as canções das aves namoradas.</div> +<br /> +<h5>III</h5> +<br /> +<div class="poetry1">No cáes ha o moirejar das fabricas ruidoso;</div> +<div class="poetry2">Feroz e discordante</div> +<div class="poetry">Juncta-se á voz humana o arfar estrepitante<br /> +Dos valentes pulmões das machinas inglezas.</div> +<br /> +<span class="pagenum">[146]</span> +<div class="poetry2">Em novellos, ancioso,</div> +<div class="poetry">Golpham as chaminés o denso e o escuro fumo</div> +<div class="poetry2">Que ascende e toma o rumo</div> +<div class="poetry">Do claro e vasto azul, vazio de tristezas.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Como um cetáceo ingente, encarvoado e feio</div> +<div class="poetry2">Um enorme Vapôr<br /> +De outros avulta em meio.</div> +<div class="poetry">Em seu largo convez a marinhagem canta<br /> +E na faina febril as ancoras levanta.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Naquella espessa náu, um velho, um lavradôr</div> +<div class="poetry">Entre a faina do cáes, fita o dolente olhar...<br /> +É que ali dentro vão os bois, o seu amôr...</div> +<div class="poetry2">E áquella magoa intensa<br /> +E inenarravel dôr</div> +<div class="poetry">Responde a descuidosa e gelida indifferença<br /> +Dos Homens, e dos Céus, e do profundo Mar...</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p147" id="p147">[147]</a></span> +<h3>AO RABEQUISTA<br /> +EUGENIO DEGREMONT</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<h5>Recitada na noite de 25 de fevereiro de 1876<br /> +no theatro de S. João do Porto<br /></h5> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<div class="poetry1">Vêde-o! É tão creança! ó mães, olhae-o!</div> +<div class="poetry">Como é vivo o fulgor e ardente o raio</div> +<div class="poetry2">Que vibra nesse olhar!</div> +<div class="poetry">Faz gosto vel-o assim tão pequenino<br /> +Enlevado nos sons do violino</div> +<div class="poetry2">A sonhar, a sonhar...</div> +<br /> +<span class="pagenum">[148]</span> +<div class="poetry1">E ao passo que a sua alma vae sonhando,</div> +<div class="poetry">Vão-se ante nossos olhos desdobrando</div> +<div class="poetry2">Quadros a mil e mil.</div> +<div class="poetry">A rabeca suspira? Assim amenas<br /> +São na longinqua roça as cantilenas</div> +<div class="poetry2">Das moças do Brazil.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Vibra rispidos sons? E logo ouvimos</div> +<div class="poetry">Curvar o vento da floresta os cimos</div> +<div class="poetry2">Com ruidoso fragôr...</div> +<div class="poetry">E uivam pintadas onças e as araras<br /> +Roçam, fugindo, as tremulas taquaras,</div> +<div class="poetry2">E crocita o condôr.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Enterrados nas humidas pastagens</div> +<div class="poetry">Mugem raivosos bufalos selvagens,</div> +<div class="poetry2">E por entre os sarçaes</div> +<div class="poetry">Pula a panthera; os jacarés astutos<br /> +Choram, fingindo lacrymosos lutos</div> +<div class="poetry2">Nos fulvos areaes.</div> +<br /> +<span class="pagenum">[149]</span> +<div class="poetry1">Soluçou a rabeca? Ouvi, formosas,</div> +<div class="poetry">São os negros soltando as lastimosas</div> +<div class="poetry2">Canções do seu paiz;</div> +<div class="poetry">Sem familia, sem patria, sem amôres,<br /> +Ninguem mitiga o fel daquellas dôres,</div> +<div class="poetry2">Triste raça infeliz!</div> +<br /> +<div class="poetry1">Agora, como em namorado anceio,</div> +<div class="poetry">Sae da rabeca um languido gorgeio</div> +<div class="poetry2">Que enleva o coração.</div> +<div class="poetry">E a saudade repinta-nos ao vivo<br /> +Dos sabiás o cantico lascivo</div> +<div class="poetry2">Nas sombras do sertão.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Tudo isso e mais eu vejo, admiro e escuto,</div> +<div class="poetry">Com meu olhar de prantos não enxuto,</div> +<div class="poetry2">Ó creança gentil,</div> +<div class="poetry">Que em vez de perseguir as borboletas<br /> +Vens batalhar no meio dos atletas</div> +<div class="poetry2">E honrar o teu Brazil!</div> +<br /> +<span class="pagenum">[150]</span> +<div class="poetry1">Não presumas, porém, prodigio das creanças!</div> +<div class="poetry">Que basta o fogo, o estro, a viva inspiração;<br /> +É mister trabalhar, sem isso nada alcanças;<br /> +A gloria chamarás, ser-te-ha o appello em vão.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Pois que! tu cuidarás, creança, porventura</div> +<div class="poetry">Que sem luctar, soffrer, sem horridos tormentos<br /> +O artista poderia erguer aos quatro ventos<br /> +A Epopêa, o Drama, a Estatua, a Partitura?</div> +<br /> +<div class="poetry1">Vamos, trabalha pois ó meu precoce artista,</div> +<div class="poetry">Dos precipicios ri, vinga-me o barrocal!<br /> +Para o profundo azul estende a larga vista.<br /> +Eis-te nos alcantis! Eleva-te ao ideal!</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p151" id="p151">[151]</a></span> +<h3>AS VELHAS NEGRAS</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<h5>A M.<sup>me</sup> Aline de Gusmão</h5> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<div class="poetry">As velhas negras, coitadas,</div> +<div class="poetry0">Ao longe estam assentadas<br /> +Do batuque folgasão.<br /> +Pulam creoulas faceiras<br /> +Em derredor das fogueiras<br /> +E das pipas de alcatrão.</div> +<br /> +<span class="pagenum">[152]</span> +<div class="poetry">Na floresta rumorosa</div> +<div class="poetry0">Esparge a lua formosa<br /> +A clara luz tropical.<br /> +Tremeluzem pyrilampos<br /> +No verde-escuro dos campos<br /> +E nos concavos do val.</div> +<br /> +<div class="poetry">Que noite de paz! que noite!</div> +<div class="poetry0">Não se ouve o estalar do açoite,<br /> +Nem as pragas do feitor!<br /> +E as pobres negras, coitadas,<br /> +Pendem as frontes cançadas<br /> +Num lethargico torpôr!</div> +<br /> +<div class="poetry">E scismam: outrora, e d'antes</div> +<div class="poetry0">Havia tambem descantes,<br /> +E o tempo era tam feliz!<br /> +Ai! que profunda saudade<br /> +Da vida, da mocidade<br /> +Nas mattas do seu paiz!</div> +<br /> +<div class="poetry">E ante o seu olhar vazio</div> +<div class="poetry0">De esperanças, frio, frio<br /> +Como um véu de viuvez,</div> +<span class="pagenum">[153]</span> +<div class="poetry0">Resurge e chora o passado<br /> +—Pobre ninho abandonado<br /> +Que a neve alagou, desfez...—</div> +<br /> +<div class="poetry">E pensam nos seus amôres</div> +<div class="poetry0">Ephemeros como as flôres<br /> +Que o sol queima no sertão...<br /> +Os filhos, quando crescidos,<br /> +Foram levados, vendidos,<br /> +E ninguem sabe onde estão.</div> +<br /> +<div class="poetry">Conheceram muito dono:</div> +<div class="poetry0">Embalaram tanto somno<br /> +De tanta sinhá gentil!<br /> +Foram mucambas amadas,<br /> +E agora inuteis, curvadas,<br /> +Numa velhice imbecil!</div> +<br /> +<div class="poetry">No emtanto o luar de prata</div> +<div class="poetry0">Envolve a collina e a matta<br /> +E os cafesáes em redor!<br /> +E os negros, mostrando os dentes,<br /> +Saltam lepidos, contentes,<br /> +No batuque estrugidor.</div> +<br /> +<span class="pagenum">[154]</span> +<div class="poetry">No espaçoso e amplo terreiro</div> +<div class="poetry0">A filha do Fazendeiro,<br /> +A sinhá sentimental,<br /> +Ouve um primo recem-vindo,<br /> +Que lhe narra o poema infindo<br /> +Das noites de Portugal.</div> +<br /> +<div class="poetry">E ella avista, entre sorrisos,</div> +<div class="poetry0">De uns longinquos paraisos<br /> +A tentadôra visão...<br /> +No emtanto as velhas, coitadas,<br /> +Scismam ao longe assentadas<br /> +Do batuque folgasão...</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p155" id="p155">[155]</a></span> +<h3>O RELOGIO</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<h5>No album de Eduardo Burnay</h5> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<div class="poetry1">Eburneo é o mostradôr: as horas são de prata,</div> +<div class="poetry">Lê-se a firma Breguet por baixo do gracioso<br /> +Rendilhado ponteiro; a tampa é enorme e chata:<br /> +Nella o esmalte produz um quadro delicioso.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Rapara: eis um salão: casquilho malicioso</div> +<div class="poetry">Das festas cortesãs o mimo a flôr, a nata,<br /> +Juncto a um cravo sonoro a alegre voz desata.<br /> +Uma fidalga o escuta ebria de amôr e gôso.</div> +<br /> +<span class="pagenum">[156]</span> +<div class="poetry1">Rasga-se ampla a janella: ao longe o olhar descobre</div> +<div class="poetry">O correcto jardim e o parque extenso e nobre.<br /> +As nuvens no alto céu fluctuam como espumas,</div> +<br /> +<div class="poetry1">Da paizagem no fundo, em lago transparente,</div> +<div class="poetry">Onde se espelha o azul e o laranjal frondente,<br /> +Um cysne á luz do sol estende as niveas plumas.</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p157" id="p157">[157]</a></span> +<h3>A MORTE DE D. QUICHOTE</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<h5>Ao Conde de Sabugosa</h5> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<div class="poetry1">Rôto o escudo, sem lança, a cóta escalavrada,</div> +<div class="poetry">Sósinho, abandonado e á tôa como um cego,<br /> +Do crepusculo á luz dolente e immaculada<br /> +Entra na sua aldeia o altivo heroe Manchego.</div> +<br /> +<div class="poetry1">O tenue fumo sáe do côlmo das herdades,</div> +<div class="poetry">Riem ao pé da fonte as frescas raparigas,<br /> +E á clara vibração sonora das trindades<br /> +Junctam-se brandamente as vozes e as cantigas.</div> +<br /> +<span class="pagenum">[158]</span> +<div class="poetry1">E o audaz Campeador, o Justiceiro, o Forte,</div> +<div class="poetry">Que andára pelo mundo a combater os máus,<br /> +Defendendo a Mulher, desafiando a Morte,<br /> +Do paterno casal sentou-se nos degráus.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Nos joelhos fincando o cotovêlo agudo</div> +<div class="poetry">E no punho cerrado a fronte reclinando,<br /> +Quedou-se largo espaço, illacrymavel, mudo,<br /> +Para o inutil passado os olhos alongando...</div> +<br /> +<div class="poetry1">E ali, na dôce paz da sua alegre aldeia,</div> +<div class="poetry">Sentiu que o avassallava uma tristeza infinda,<br /> +Quando esta voz se ouviu: «morreu-te a Dulcinêa,<br /> +Missionario do Bem, tua missão é finda!»</div> +<br /> +<div class="poetry1">E elle a ouvir e a scismar! A trefega sobrinha</div> +<div class="poetry">Beija-o, falla-lhe, ri, abraça-o, mas o Heróe<br /> +Dest'arte lhe volveu «A morte se avisinha,<br /> +Levae-me para o leito!» E ouvil-o pena e dóe.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Do leito á cabeceira o Bacharel e o Cura</div> +<div class="poetry">Tentam resuscitar-lhe os sonhos e as chymeras;<br /> +Pintam-lhe o negro Mal triumphante, ó amargura!<br /> +O fraco aos pés do forte, o bom lançado ás féras...</div> +<br /> +<span class="pagenum">[159]</span> +<div class="poetry1">Contam-lhe o frio horror dos carceres sem luz.</div> +<div class="poetry">Que nas tôrres feudaes pompeava o velho Crime.<br /> +Que os crescentes do Islam tinham vencido a Cruz,<br /> +Que a Injustiça era a Lei... Então feroz, sublime.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Inquieto, semi-nú, sinistro, o cavalleiro</div> +<div class="poetry">Bradou como um trovão: «Enverguem-me a loriga!<br /> +«Sellem-me o Rocinante, ó Sancho, ó escudeiro,<br /> +«Traze-me a lança, présto! e a minha espada amiga!»</div> +<br /> +<div class="poetry1">Tinha em brazas o olhar, e truculento o aspeito,</div> +<div class="poetry">E vibrava em redôr a imaginaria lança...<br /> +Logo depois cahiu do respaldar do leito,<br /> +Morto: tendo no labio um riso de creança!</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<h2>INDICE</h2> +<br /> +<br /> +<br /> +<table style="width: 80%; text-align: left; margin-left: auto; margin-right: auto;" border="0" cellpadding="4" cellspacing="4"> + <tbody> + <tr> + <td style="width: 80%;">A minha mulher</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p1">1</a></td> + </tr> + <tr> + <td>Confidenza</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p3">3</a></td> + </tr> + <tr> + <td>O velhinho</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p8">8</a></td> + </tr> + <tr> + <td>Animal bravio</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p10">10</a></td> + </tr> + <tr> + <td>Ad agros</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p12">12</a></td> + </tr> + <tr> + <td>A nuvem</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p14">14</a></td> + </tr> + <tr> + <td>O juramento do arabe</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p16">16</a></td> + </tr> + <tr> + <td>Num leque</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p19">19</a></td> + </tr> + <tr> + <td>Olhos de Judia</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p20">20</a></td> + </tr> + <tr> + <td>Numeros do Intermezzo:</td> + <td></td> + </tr> + </tbody> +</table> +<span class="pagenum">[162]</span> +<table style="width: 80%; text-align: left; margin-left: auto; margin-right: auto;" border="0" cellpadding="4" cellspacing="4"> + <tbody> + <tr> + <td style="width: 3%;"></td> + <td>I</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p24">24</a></td> + </tr> + <tr> + <td></td> + <td>II</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p25">25</a></td> + </tr> + <tr> + <td></td> + <td>III</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p26">26</a></td> + </tr> + <tr> + <td></td> + <td>IV</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p28">28</a></td> + </tr> + <tr> + <td></td> + <td>V</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p29">29</a></td> + </tr> + <tr> + <td></td> + <td>VI</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p30">30</a></td> + </tr> + <tr> + <td></td> + <td>VII</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p32">32</a></td> + </tr> + <tr> + <td></td> + <td>VIII</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p34">34</a></td> + </tr> + <tr> + <td></td> + <td>IX</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p36">36</a></td> + </tr> + <tr> + <td></td> + <td>X</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p38">38</a></td> + </tr> + <tr> + <td></td> + <td>XI</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p40">40</a></td> + </tr> + <tr> + <td></td> + <td>XII</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p42">42</a></td> + </tr> + <tr> + <td></td> + <td>XIII</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p44">44</a></td> + </tr> + <tr> + <td></td> + <td>XIV</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p46">46</a></td> + </tr> + <tr> + <td></td> + <td>XV</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p47">47</a></td> + </tr> + <tr> + <td></td> + <td>XVI</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p48">48</a></td> + </tr> + <tr> + <td></td> + <td>XVII</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p50">50</a></td> + </tr> + <tr> + <td></td> + <td>XVIII</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p52">52</a></td> + </tr> + <tr> + <td></td> + <td>XIX</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p54">54</a></td> + </tr> + <tr> + <td></td> + <td>XX</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p55">55</a></td> + </tr> + <tr> + <td></td> + <td>XXI</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p56">56</a></td> + </tr> + <tr> + <td></td> + <td>XXII</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p58">58</a></td> + </tr> + <tr> + <td></td> + <td>XXIII</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p60">60</a></td> + </tr> + <tr> + <td></td> + <td>XXIV</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p62">62</a></td> + </tr> + </tbody> +</table> +<table style="width: 80%; text-align: left; margin-left: auto; margin-right: auto;" border="0" cellpadding="4" cellspacing="4"> + <tbody> + <tr> + <td style="width: 80%;">O minuête</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p65">65</a></td> + </tr> + <tr> + <td>O coveiro</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p70">70</a></td> + </tr> + <tr> + <td>Adeus!</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p72">72</a></td> + </tr> + <tr> + <td>Camoneana:</td> + </tr> + </tbody> +</table> +<span class="pagenum">[163]</span> +<table style="width: 80%; text-align: left; margin-left: auto; margin-right: auto;" border="0" cellpadding="4" cellspacing="4"> + <tbody> + <tr> + <td style="width: 3%;"></td> + <td>A egreja das Chagas</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p76">76</a></td> + </tr> + <tr> + <td></td> + <td>A leitura dos Lusiadas</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p78">78</a></td> + </tr> + <tr> + <td></td> + <td>Annos depois</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p80">80</a></td> + </tr> + </tbody> +</table> +<table style="width: 80%; text-align: left; margin-left: auto; margin-right: auto;" border="0" cellpadding="4" cellspacing="4"> + <tbody> + <tr> + <td style="width: 80%;">Esphynge</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p83">83</a></td> + </tr> + <tr> + <td>A ceia de Tiberio</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p85">85</a></td> + </tr> + <tr> + <td>Trio de poetas:</td> + </tr> + </tbody> +</table> +<table style="width: 80%; text-align: left; margin-left: auto; margin-right: auto;" border="0" cellpadding="4" cellspacing="4"> + <tbody> + <tr> + <td style="width: 3%;"></td> + <td>João de Lemos</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p90">90</a></td> + </tr> + <tr> + <td></td> + <td>João de Deus</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p92">92</a></td> + </tr> + <tr> + <td></td> + <td>João Penha</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p94">94</a></td> + </tr> + </tbody> +</table> +<table style="width: 80%; text-align: left; margin-left: auto; margin-right: auto;" border="0" cellpadding="4" cellspacing="4"> + <tbody> + <tr> + <td style="width: 80%;">Chymeras</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p97">97</a></td> + </tr> + <tr> + <td>Odor di femina</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p99">99</a></td> + </tr> + <tr> + <td>Em caminho da guilhotina</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p101">101</a></td> + </tr> + <tr> + <td>A viuva</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p104">104</a></td> + </tr> + <tr> + <td>Flôr do pantano</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p106">106</a></td> + </tr> + <tr> + <td>A resposta do inquisidôr</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p108">108</a></td> + </tr> + <tr> + <td>Fervet amor</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p112">112</a></td> + </tr> + <tr> + <td>Na aldeia</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p114">114</a></td> + </tr> + <tr> + <td>Estudantina</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p116">116</a></td> + </tr> + <tr> + <td>As Ondinas</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p119">119</a></td> + </tr> + <tr> + <td>No jogo das cannas</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p122">122</a></td> + </tr> + <tr> + <td>Nunca eu te lêsse, ballada</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p124">124</a></td> + </tr> + <tr> + <td>A negra</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p129">129</a></td> + </tr> + <tr> + <td>Mater dolorosa</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p132">132</a></td> + </tr> + <tr> + <td>As primeiras lagrimas de El-Rey</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p134">134</a></td> + </tr> + <tr> + <td>O Cura Sancta Cruz</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p137">137</a></td> + </tr> + </tbody> +</table> +<span class="pagenum">[164]</span> +<table style="width: 80%; text-align: left; margin-left: auto; margin-right: auto;" border="0" cellpadding="4" cellspacing="4"> + <tbody> + <tr> + <td style="width: 80%;">A venda dos bois</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p142">142</a></td> + </tr> + <tr> + <td>Ao rabequista Eugenio Degremont</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p147">147</a></td> + </tr> + <tr> + <td>As velhas negras</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p151">151</a></td> + </tr> + <tr> + <td>O relogio</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p155">155</a></td> + </tr> + <tr> + <td>A morte de D. Quichote</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p157">157</a></td> + </tr> + </tbody> +</table> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<h4>TERMINOU-SE A IMPRESSÃO<br /> +<br /> +<br /> +NOS PRELOS DA</h4> +<br /> +<h3>IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA</h3> +<br /> +<h4>a 6 de março de 1882</h4> +<br /> +<img src="images/fig02.png" width="100" height="131" alt="" class="center" /> +<br /> +<br /> +<h4><em>18, Rua Oriental do Passeio</em><br /> +LISBOA</h4> +<br /> +<br /> +<div class="fbox"> +<h2>Lista de erros corrigidos</h2> + +<div style="text-align: center;">Aqui encontram-se +listados todos os erros encontrados e corrigidos:</div> +<br /> +<br /> +<table style="width: 80%; text-align: left; margin-left: auto; margin-right: auto;" border="0" cellpadding="4" cellspacing="4"> + + <tbody> + + <tr align="right"> + + <td style="width: 61px;"></td> + + <td style="font-weight: bold; text-align: center; width: 121px;">Original</td> + + <td style="text-align: center; width: 5px;"></td> + + <td style="font-weight: bold; text-align: center; width: 135px;">Correcção</td> + + </tr> + + <tr> + + <td style="text-align: right;"><a name="e1" id="e1"></a><a href="#p30">#pág. +30</a></td> + <td style="text-align: center;">V</td> + <td style="text-align: center;">...</td> + <td style="text-align: center;">VI</td> + + </tr> + <tr> + + <td style="text-align: right;"><a name="e2" id="e2"></a><a href="#p50">#pág. +50</a></td> + <td style="text-align: center;">XVI</td> + <td style="text-align: center;">...</td> + <td style="text-align: center;">XVII</td> + + </tr> + </tbody> +</table> +<br /> +<div style="text-align: center;">Identificámos a duplicação de títulos em numeração romana.<br /> +Rectificámos mantendo a ordenação crescente, nomeadamente nos casos referidos acima.<br /> +</div> +<br /></div> +</div> + +<div>*** END OF THE PROJECT GUTENBERG EBOOK 44211 ***</div> +</body> +</html> diff --git a/44211-h/images/fig01.png b/44211-h/images/fig01.png Binary files differnew file mode 100644 index 0000000..298bd5c --- /dev/null +++ b/44211-h/images/fig01.png diff --git a/44211-h/images/fig02.png b/44211-h/images/fig02.png Binary files differnew file mode 100644 index 0000000..855b1e8 --- /dev/null +++ b/44211-h/images/fig02.png diff --git a/LICENSE.txt b/LICENSE.txt new file mode 100644 index 0000000..6312041 --- /dev/null +++ b/LICENSE.txt @@ -0,0 +1,11 @@ +This eBook, including all associated images, markup, improvements, +metadata, and any other content or labor, has been confirmed to be +in the PUBLIC DOMAIN IN THE UNITED STATES. + +Procedures for determining public domain status are described in +the "Copyright How-To" at https://www.gutenberg.org. + +No investigation has been made concerning possible copyrights in +jurisdictions other than the United States. Anyone seeking to utilize +this eBook outside of the United States should confirm copyright +status under the laws that apply to them. diff --git a/README.md b/README.md new file mode 100644 index 0000000..465ccdd --- /dev/null +++ b/README.md @@ -0,0 +1,2 @@ +Project Gutenberg (https://www.gutenberg.org) public repository for +eBook #44211 (https://www.gutenberg.org/ebooks/44211) diff --git a/old/44211-8.txt b/old/44211-8.txt new file mode 100644 index 0000000..486fdd3 --- /dev/null +++ b/old/44211-8.txt @@ -0,0 +1,2983 @@ +The Project Gutenberg EBook of Nocturnos, by Gonalves Crespo + +This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with +almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or +re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included +with this eBook or online at www.gutenberg.org/license + + +Title: Nocturnos + +Author: Gonalves Crespo + +Release Date: November 17, 2013 [EBook #44211] + +Language: Portuguese + +Character set encoding: ISO-8859-1 + +*** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK NOCTURNOS *** + + + + +Produced by Rita Farinha and the Online Distributed +Proofreading Team at http://www.pgdp.net (This file was +produced from images generously made available by National +Library of Portugal (Biblioteca Nacional de Portugal).) + + + + + + *Nota de editor:* Devido existncia de erros tipogrficos neste + texto, foram tomadas vrias decises quanto verso final. Em caso + de dvida, a grafia foi mantida de acordo com o original. No final + deste livro encontrar a lista de erros corrigidos. + + Rita Farinha (Novembro 2013) + + + + +NOCTURNOS + + + + +D'esta edio tiraram-se mais _trinta exemplares_ que no entraram no +mercado; sendo: + +12 exemplares em papel Japo n.^{os} 1 a 12 + +12 exemplares em papel Whatman n.^{os} 13 a 24 + +6 exemplares em papel China n.^{os} 25 a 30 + + + + +GONALVES CRESPO + + +NOCTURNOS + + + +LISBOA +_18, Rua Oriental do Passeio_ +1882 + + + + +_Direitos reservados_ + + + + +LISBOA--Imprensa Nacional + + + + +A MINHA MULHER + +MARIA AMALIA VAZ DE CARVALHO + + + _A ti, boa e rara e fiel amiga, +A mais sancta e a melhor das companheiras, +A ti, flr mimosa e alma antiga, +--Doce Premio que ris ao meu canao-- +A ti, meu Conselho, estas ligeiras +Folhas que ponho a medo em teu regao._ + + + + +CONFIDENZA + + +Perguntaste-me um dia a vida que eu levava. + Mimosa e eburnea flr, + Em antes de te vr; respondo-te: sonhava... + Ouviste, meu amr? + +No era bem sonhar: s vezes largo espao + Ficava-me a sorrir + Para os quadros que eu via em luminoso trao + Nas tlas do porvir. + +Presta-me o ouvido attento, escuta-me, querida, + Os que me lembram mais: + Assim, fita nos meus, pomba estremecida, + Os olhos teus leaes! + +Olha este quadro e v: o campo alegre e franco, + Uma aurora de abril: + Da larga estrada beira um campanario branco, + O cu profundo anil. + +De uma casa janella uma creana loura, + Loura como um trigal: + Fiando luz do sol que leve a sobredoura + De aureola ideal. + +Toda risos e festa a doce creatura + Olhava para mim, + E eu repetia a ss: alcano-te, ventura! + Serei feliz emfim! + +De um outro quadro ento recordo-me saudoso, + E alongo os olhos meus + Para o quadro gentil, o sonho mais gracioso, + Que me cahiu dos cus! + +Fica ao longe da vil poeira das cidades + E do seu vo rumr, + O palacio esquecido; s horas das trindades, + Entremos nelle, flr! + +Deixemos os jardins, as aleas, o arvoredo, + E o oloroso pomar; + Subamos essa escada, agora, a furto e a medo, + Comecemos a olhar. + + vetusto o salo; em flaccida poltrona + Repoisa e scisma alguem: + Alguem que nos recorda a imagem da Madona, + Grave e sizuda me. + +D'esse alguem no regao um anjo se reclina + Confiado e feliz, + Se-lhe um arma subtil da bcca pequenina. + Falla, no sei que diz. + + casta essa creana e pura entre as mais puras, + Que em sonhos vi jmais; + Tem o vago esplendr das biblicas figuras + Dos antigos missaes. + + moa e menina: olhar nenhum ainda + De leve a maculou. + Dorme no seio della o amr, a crena infinda + Que Deus lhe confiou. + +Quando ella abre, sorrindo, as palpebras franjadas, + Ficamos a pensar + Nos mysterios do cu, nas cousas ignoradas + Que descobre esse olhar. + +Deixa que eu me ajoelhe extasiado e mudo, + Cego de tanta luz, + E que tremulo beije o tpido veludo + De seus psinhos ns! + +E no cra, bem vs, a candida creana! + Antes meiga sorri, + E entre risos me diz, compondo a escura trana: + Pensava agora em ti! + +Porque tardaste tanto, poeta? eu te esperava + Na minha solido! + Vem os segredos vr que para ti guardava + Dentro do corao! + +Concerte vossa orchestra, harmonicas espheras, + No clico esplendor! + Maria, essa creana, flr das primaveras, + Eras tu, meu amr! + + + + +O VELHINHO + +A J. Cesar Machado + + +Aquelle que ali vae triste e canado + E mais tremente que os juncaes do brejo. + Foi outrora o mais bello e o mais amado + Entre os moos do antigo logarejo. + +Nas fitas d'esse labio desmaiado + Quantas mulheres tremulas de pejo + No sorveram os nctares do beijo + Dos trigaes sobre o leito perfumado! + +Hoje velhinho, e falla dos francezes + Aos rapazes da eschola, e s raparigas + Que no canam de ouvil-o... As mais das vezes + +Sobre a ponte, ssinho, ouve as cantigas + Das que lavam no rio, e o olhar extende + Ao sol que ao longe na agonia esplende... + + + + +ANIMAL BRAVIO + +A M^{elle} Eugenia Vizeu + + +Preferiras um ramo caprichoso + De escolha rara e de um concerto fino, + Onde visses o ccto purpurino + E os nevados jasmins do Tormentoso. + +Em vez do ramo exotico e oloroso, + Casto recreio d'esse olhar divino, + Acceita, Eugenia, este animal felino, + Que o meu brao subjuga vigoroso. + +Tive artes de o amansar: eil-o sereno! + Acode minha voz, e ao meu aceno + Como um jaguar voz de um saltimbanco... + +Vamos, sonto! a prumo! ajoelhe, prsto! + E doce Eugenia, do sorriso honesto, + A fimbria oscule do vestido branco! + + + + +AD AGROS + + +No tardes, flr; a aldeia nos espera, + Chovem armas dos folhudos ramos: + Suspensa do meu brao, eia! partamos! + Olha-nos Deus da crystallina esphera. + +Nas manhs da passada primavera + Com que delcia ethrea nos ammos! + Iremos vr os nomes que tramos + No rude tronco em que se enlaa a hera. + +No tardes, meu amr, sei de um caminho, + Que sobe a encosta, e vae direito ao moinho, + Em cujas vlas bate o vento em cheio... + +Seguir-nos-ho as aves namoradas, + Que ao som das tuas infantis risadas + Modularo seu tremulo gorgeio... + + + + +A NUVEM + +De Th. Gauthier + + +As roupas deslaando, entra no banho + A languida sultana enamorada: + Livre do pente, os hombros ns lhe beija + A longa e fina trana desatada. + +Atraz dos vidros o sulto a espreita; + E comsigo murmura: como bella! + Ninguem a v, ninguem! o negro eunucho + Do harem na trre solitario vela! + +--Eu a vejo, uma nuvem lhe responde + Do sereno e alto azul illuminado: + --Vejo-lhe os seios ns, vejo-lhe o dorso, + --E o seu corpo de perolas colmado-- + +Fez-se pallido Ahmehd bem como a lua, + E erguendo o seu kandjar de folha rara, + Desce, e apunhala a nua favorita... + Quanto nuvem... no azul se dissipra... + + + + +O JURAMENTO DO ARABE + +A Teixeira de Queiroz + + +Bas, mulher de Ali, pastra de camlas, + Viu de noute, ao fulgor das rtilas estrellas, + Wail, chefe minaz de barbara pujana, + Matar-lhe um animal. Bas jurou vingana; + Corre, clere va, entra na tenda e conta + A um hospede de Ali a grave e inulta affronta. + +Bas, disse tranquillo o hospede gentil, + Vingar-te-hei com meu brao, eu matarei Wail. + +Disse e cumpriu. + + Foi esta a causa verdadeira + Da guerra pertinaz, horrivel, carniceira + Que as tribus dividiu. Na lucta fratricida + Omar, filho de Amr, perdra o alento e a vida. + +Amr que lanas mil aos rudes prlios leva, + E que em sangue inimigo, irado, os odios cva, + Incansavel procura, e sempre embalde, o vil + Matador de seu filho, o trdo Muhalhil. + +Uma noite, na tenda, a um moo prisioneiro, + Recem-colhido em campo, o indomito guerreiro + Fallou severo assim: + Escravo, attende, e escuta: + Aponta-me a regio, o monte, o plaino, a gruta, + Em que vive o traidr Muhalhil, dize a verdade; + D-me que o alcance vivo, e tua a liberdade! + +E o moo perguntou: + por Allah que o juras? + --Juro, o chefe tornou-- + Sou o homem que procuras! + Muhalhil o meu nome, eu fui que espedacei + A lana de teu filho, e aos ps o subjuguei! + +E intrpido fitava o attonito inimigo. + +Amr volveu:--s livre, Allah seja comtigo! + + + + +NUM LEQUE + + +Amar e ser amado, que ventura! + No amar, sendo amado, um triste horrr: + Mas na vida ha uma noite mais escura, + amar alguem que no nos tenha amr! + + + + +OLHOS DE JUDIA + + +No transparente olhar das virgens da Allemanha + Nada um fluido subtil tam pleno de scismar, + Que a gente cuida ouvir uma sonata extranha + Num castello do Rheno em noites de luar. + +Flr do Guadalquivir, gloria da ardente Hespanha, + Se dardejas, sorrindo, um teu lascivo olhar, + O crespo, o encapellado e procelloso mar + Dos desejos febris o corao nos banha. + +Nos teus olhos porm venusta semi-deia, + Como nas mutaes de um rapido scenario, + Desdobram-se ante mim paizagens da Judeia... + +Vejo o louro Jesus vagueando solitario, + Vejo-o no Horto a chorar, ouo-lhe a voz na Ceia + E escuto-lhe o gemido extremo no Calvario. + + + + +H. HEINE + +NUMEROS DO INTERMEZZO + +A M^{elle} Louse de Almeida e Albuquerque + + + + +I + + +Rosas e lirios, pombas, sol radiante, + Tudo isso outrora, no fugaz passado, + Eu adorei constante. + +E d'esse amr, que tive immaculado + Por lirios e aves e subtis perfumes, + Nem j me lembro, seductra amante, + Fonte pura de amr, que em ti resumes + A rosa, o lirio, a pomba e o sol radiante! + + + + +II + + +De um lirio branco no mimoso calix + Se eu a fosse depr + A vaga essencia de meu peito, em breve + Escutras no calice de neve + Uma cano de amr. + +Cano divina relembrando as ancias, + E o languido tremr + Daquelle beijo, em noite mysteriosa, + Que me deram teus labios cr de rosa, + Meu doce e casto amr! + + + + +III + + + luz viva do claro sol radioso + O lto inclina a fronte esmaecida, + E espera a noite pensativo e ancioso. + +Rompe a lua, e derrama a luz querida + Na corolla mimosa + Da pobre flr que se abre enlanguecida. + Pobre flr amorosa! + +Olhando o cu e a lua at parece + Que, em desmaios de amr, + Treme, palpita, cra e desfallece + + A scismadora e enamorada flr! + + + + +IV + + + Sobre os olhos formosos + Da minha doce amada +Rimei canes que os astros decoraram; +E embalsamei-lhe a bcca perfumada + Em terctos graciosos. +Innumeras estancias decantaram + Seu rsto peregrino +Que os jaspeados lirios escurece. + Que sonto divino +Eu rendilhra com subtis lavres +Sobre o seu corao... se ella o tivesse! + + + + +V + + +Pozeram-te no rsto o areo vu nupcial. + Bem sei que te perdi, mas no te quero mal. + +Brilham do teu collar as pedras luminosas, + Mas no teu corao que noites luctuosas! + +Em sonhos eu desci, misera mulher, + s sombras da tua alma, e vi-te o padecer... + +Bem sei que te perdi, minha doce amada, + Mas no te quero mal, s muito desgraada + + + + +VI + + +Sei-o; a tua vida sem ventura, + -nos commum esta funrea sorte. + Ce sobre ns a mesma noite escura, + E isto no finda sem que chegue a morte. + +Se vejo nesse olhar um rir travsso, + E em teu labio a insolencia costumada, + E o orgulho inflar teu corao... padeo, + E murmuro: s como eu, tam desgraada! + +Bem sei que ris, mas o teu labio treme: + Nos teus olhos azues o pranto brilha: + Tens orgulho, e essa voz suspira e geme... + Como ns somos desgraados, filha! + + + + +VII + + + Se as flres do balsedo +Podessem ver meu peito alanceado, +Como allivio ao meu aspero degredo, +Mandar-me-hiam, das moitas do balsedo, +De seus prantos o balsamo sagrado. + + Se os rouxinoes da floresta +Soubessem quanta dr me rasga o seio, +Para espancar a minha noite msta, +Mandar-me-hiam, das sombras da floresta, +O seu mais terno e encantadr gorgeio. + + Se as estrellas do espao +Soubessem tudo quanto soffro em vida, +Para embalar d'esta alma o vil canao, +Mandar-me-hiam, dos concavos do espao, +Uma doce palavra condoda. + + E essa que sabe tudo, +O inferno e o horror da minha mocidade, + a dona das tranas de veludo, +E das unhas rosadas... sabe tudo +E apunhla-me a vida sem piedade! + + + + +VIII + + +No me sabes dizer, minha amada, + O motivo, a razo + Porque pendem a face desmaiada + As rosas para o cho? + +No me sabes dizer porque, no meio + Do vasto prado em flr, + Das violetas ce no roxo seio + Um vu de lucto e dr? + +Diz-me porque ouo a voz das cotovias + Hoje lugubre assim? + E porque exhalam mortes e agonias + As urnas do jasmim? + +Por que motivo o sol tam claro e puro + De crepes se vestiu? + Porque um sinistro pezadelo escuro + Sobre a terra cahiu? + +Bem sei eu porque vejo tudo triste + Sem luz e sem calr... + que tu, pomba branca, me fugiste + Meu amr, meu amr! + + + + +IX + + +Disseram-te de mim feios horrres, + De imaginarias culpas me crivaram, + E sobre as minhas lastimaveis dres + Um negro vu lanaram! + +Distenderam os labios sacudindo + Com grave e serio gesto a fronte, e ao cabo... + (E acreditaste-os tu, meu anjo lindo!) + Chamaram-me o Diabo! + +O que ha de mais escuro e de mais feio + Na minha vida, ignoram-no os sandeus, + Tam occulto este amr vive em meu seio, + luz dos olhos meus! + + + + +X + + +Naquella manh ditosa + O sol mandava-nos beijos; + Do rouxinol os solfejos + Suspiravam na amplido. + +Se me lembro, ai! se me lembro + D'esse amplexo demorado, + Com que tu, meu lirio amado, + Uniste-me ao corao! + +Grasnava o crvo agoirento, + As sccas folhas cahiam, + E uns tristes raios desciam + Da plumbea curva dos cus. + +Se me lembro, ai! se me lembro + Da fria e grave mesura + Que, naquella tarde escura, + Fizeste ao dizer-me--adeus! + + + + +XI + + +Fste fiel, no caminho + Doloroso que eu seguia, + Dste-me alentos, carinho, + Meu conslo fste, e guia. + +Dste-me tudo, consorte, + Roupa branca e at dinheiro! + E ao partir para o extrangeiro + Compraste-me o passaporte! + +Deus t'o pague, meu amr! + E um viver te d tranquillo! + Mas que te no faa aquillo + Que tu me fizeste, flr! + + + + +XII + + +Emquanto eu andava viajando, a minha + Noiva gentil, o meu thesouro amado, + Julgando que eu tardava e que no vinha, + Fez pressa o vestido de noivado, + E um dia, ao p do altar, entrega anciosa + A um ffo peralvilho a mo de esposa. + +Nada no mundo a minha amada eguala; + Nem eu sei a que a possa comparar! + Que doce o aroma que o seu labio exhala! + Que gesto lindo! e que formoso olhar! + Suspende a queixa, corao trahido, + Deixaste o cu, do cu fste banido! + + + + +XIII + + +Quando morreres, filha, ao teu jazigo + Descerei taciturno e allucinado, + E abraando esse corpo delicado, + No frio marmor dormirei comtigo. + +E tu muda, e tu fria, e tu gelada! + E eu nos meus braos a apertar-te ainda! + E nas sombras daquella noite infinda + Clamo, estremeo e morro, alma adorada! + +Os mortos, alta noute, pouco e pouco + Erguer-se-ho, ao luar, rindo e danando; + E eu ficarei na sombra, sonho louco! + No teu seio de jaspe repoisando. + +E quando a hora chegue em que as trombtas + Do Juizo Final se ouvirem todas, + No surgirs, inveja das violetas, + Do escuro leito das eternas bdas! + + + + +XIV + + + Do Norte sobre um monte, + Alto frio e gelado, + Um pinheiro isolado +Ergue entre o glo a merencoria fronte. + +Todo tremulo, o misero deseja + Ser a esbelta palmeira viridente + Que em terra adusta odeia a luz ardente + Que sobre ella o implacavel sol dardeja. + + + + +XV + + +Das minhas penas fiz canes aladas + De alegre geito e jovial feio. + Vi-as partir em doidas revoadas, + E vi-as procurar teu corao. + +Partem alegres, voltam lacrymosas, + Perdido o fresco riso ingenuo e ldo, + Mas do que viram guardam, silenciosas, + O mais profundo e lugubre segredo. + + + + +XVI + + +Eu no posso esquecer, perdo, minha senhora, + --Estes laos de amr custam a desatar-- + Eu no posso esquecer, minha doce aurora, + Que subjuguei teu corpo e essa alma singular... + +Teu corpo, ai! o teu corpo esbelto, moo e branco, + J foi meu, j foi meu... mas neste instante, flr, + Da tua alma prescindo, e escuta, serei franco, + Basta-me a que possuo, ah! basta, meu amr! + +Se um dia succeder, que esse teu seio trema + De novo juncto ao meu, hei-de insuflar-te, doudo, + Metade da minha alma, e ento, gloria suprema! + De ambos ns, meu amr, faremos um s todo... + + + + +XVII + + + domingo: o burguez deixa os asphaltos, + Dando o brao burgueza; + Procura o campo, e, ao vl-o, exclama aos saltos: + filha, que lindeza! + +E pasma do verdr febril, romantico, + Da mrmura floresta; + E a sua longa orelha absorve o cantico + Da passarada em festa. + +Eu que no saio, escondo a gelosia + Com negros cortinados, + E recebo a visita, em pleno dia, + Dos espectros amados. + +E aquelle Amr que eu vi morrer outrora. + No meu quarto apparece! + Senta-se ao p de mim, beija-me e chora, + E treme e desfallece! + + + + +XVIII + + +Rompia a manh, rompia + Alegre como um trinado, + E eu ia triste e calado, + No meio d'essa alegria, + Por entre as flres do prado... + Rompia a manh, rompia... + +Vendo-me, as flres do prado + Mais as rosas do silvedo + Cochicharam em segredo... + E erguendo os olhos, a medo, + Num tom de voz repassado + Da mais branda languidez: + Como elle vae irritado, + Os olhos fitos no cho! + Perda por esta vez, + No ralhes com ella, no? + + + + +XIX + + +Na tua face ardente e avelludada + Encandeia-se a luz do quente Estio, + Mas no teu corao, minha amada, + Habita o Inverno enregelado e frio. + +Mas quem assim te v bella e formosa, + Ver mais tarde o Inverno trvo e feio + Nessa tua gentil face mimosa, + E o rubro Estio no teu branco seio! + + + + +XX + + +No momento do _adeus_ succede que os amantes + Se abraam, a chorar, com vozes soluantes. + Fora, fora partir; a mo prende-se mo, + E uma infinda tristesa inunda o corao. + +Para ns, meu amr, nessa hora de agonia + No houve o padecer que as almas excrucia: + Foi grave o nosso _adeus_ e frio, e s agora + que a Dr nos subjuga, e a Angustia nos devora. + + + + +XXI + + +Sonhei: de novo suspirava o vento + Das tilias sob a cupula odorante; + E como outrora ouvia o juramento + Do teu amr constante. + +Que protestos de amr nesse momento! + Mas na febre dos beijos que me deste, + Como para gravar teu juramento + Em meus dedos mordeste! + +Dona do riso alegre, meu tormento! + Dona de olhos azues, minha amada! + J me bastava o doce juramento, + Foi de mais a dentada! + + + + +XXII + + +Chorei: sonhava e era comtigo, estavas + Morta num cemiterio, fria, fria... + E, ao despertar, senti que o pranto, em lavas, + De meus canados olhos escorria. + +Chorei: sonhava e era comtigo, rosa; + Havias-me, sem d, abandonado: + E, ao despertar da noite tormentosa, + Tinha o rsto de lagrimas banhado. + +Chorei: sonhava, e era comtigo, linda! + Dizias-me, a sorrir, como eu te adoro! + Desperto, e logo numa angustia infinda, + Eis-me a chorar de novo e ainda choro! + + + + +XXIII + + + Batido do torvelinho + O bosque palpita ao aoite + Do vento outomnal; noite. +Monto a cavallo e metto-me a caminho. + + E este inquieto pensamento, + E esta phantasia errante + Levaram-me nesse instante +Ao teu virgineo e candido aposento. + + Os ces ladram; nas sonoras + Escadas assoma gente, + E eu no marmore luzente +Fao tinir as rtilas esporas. + + No teu quarto da baunilha + Vam clidos armas; + Tu dormes, soltas as cmas, +E eu nos teus braos cio, minha filha! + + Solua o vento magoado: + Diz um carvalho altaneiro: + Cavalleiro, cavalleiro, +Suspende o teu sonhar allucinado! + + + + +XXIV + + +Eu enterro as canes de amr e o fel amargo + Do meu triste sonhar: + Quero um caixo profundo, immenso, vasto e largo; + Depressa, ide-o buscar! + +Um caixo formidando, um fretro-portento, + Que sobreexceda e vena + O pzo sobrehumano e o enorme comprimento + Da ponte de Mayena. + +Trazei-m'o sem demora; eu hei-de enchl-o em breve; + Vereis a promptido. + De Heidelberg o tonel ser pequeno e leve + Ao p d'esse caixo. + +Doze gigantes quero, o aspecto feio e rudo, + E de um vigr sem conta, + Que me faam lembrar Christovam, o membrudo, + Que em Colonia se aponta. + +Gigantes, balouae o fretro luctuoso! + Vamos! agora, ao mar! + Cova maior existe? Abysmo assim grandioso + Difficil de achar. + +Sabeis porque eu desejo um fretro assim largo, + De vastas dimenses? + que enterro, infeliz, o amr, o fel amargo + Das minhas illuses. + + + + +O MINUTE + +Ao dr. Thomaz de Carvalho + + +Espaoso o salo: jarras a cada canto; + Admira-se o lavr do tecto de pu sancto. + +Cadeiras de espaldar com fulvas pregarias: + Um enorme soph: largas tapearias. + +O purpureo tapete aos olhos nos revela + Entre as garras de um tigre anciosa uma gazella. + +Retratos em redor: olhemos o primeiro: + No Tro as mos de Affonso o armaram cavalleiro. + +Era Arcebispo aquelle: esta foi aafata... + Que frescura sensual nos labios de escarlata! + +Olhos revendo o azul que sobre a Italia assoma: + Em finos caraces, a loura e ondada cma: + +Collo robusto e n: cabea triumphante: + Consta que certo rei... passemos adeante! + +Este, que vs, morreu num africano areal + Por vingana cruel do aspero Pombal. + +D'esse olhar na expresso infinda e inenarravel + Desabrocha uma dr profunda e inconsolavel. + +Defronte, uma donzella, o rosto meigo e afflicto, + Num extasis adora o pallido proscripto. + +O teu sonho nupcial, franzina morgadinha, + Tam cedo se desfez, misera e mesquinha! + +No burel escondeste o vio e a formusura, + E desmaiaste, flr, no cho de uma clausura!... + +Repara nos desdens do ffo conselheiro, + Que sorridente aspira a flr de um jasmineiro! + +Em canones doutor: no Pao foi bemquisto: + Orna-lhe o peito a cruz de um habito de Christo. + +Esse outro combatendo s portas de Bayona, + Como um bravo, alcanou a rtila dragna. + +Vibra flammas do olhar; cabea erecta e audaz; + Illumina-lhe o rsto a gloria de um gilvaz. + +Assistmos, ao vl-o, s pugnas carniceiras, + E ouvimos o clangr das musicas guerreiras... + +No antiquissimo espelho, sombra das cortinas, + Reflecte-se o primr de argenteas serpentinas. + +Sob o espelho se aninha um cravo marchetado, + Mimo outrora da casa, e prenda de um noivado. + +Ao lado um cofre encerra, em amoravel ninho, + Antiga partitura em velho pergaminho. + +Uma noite extendi a musica na estante, + E o cravo suspirou... naquelle mesmo instante + +Da eburnea pallidez doentia do teclado + Manso e manso evolou-se o arma do passado. + +E vi descer do quadro a languida aafata + Que, ao discreto pallr das lampadas de prata, + +A fimbria alevantando azul do seu vestido + O rsto acerejado, o gesto commovido, + +A sorrir, deslisou graciosa no tapte, + Danando airosamente o airoso minute... + + + + +O COVEIRO + +A Alberto Braga + + +Elle entrou cabisbaixo e silencioso + Na immunda tasca, e foi sentar-se a um canto; + Deram-lhe vinho, recusou, o espanto + Cresceu no olhar do taberneiro oleoso. + +Elle era o mais antigo e o mais ruidoso + Dos freguezes da casa: ao obsceno canto + Ninguem prestava mais lascivo encanto + Ao som magoado de um violo choroso. + +Mas o velho sentra-se distante + Da alegre turba, a vista lacrymante + Mergulhada nas chammas do brazido... + +Disse um da roda: espanta-me o coveiro! + --Morreu-lhe ha pouco a filha...--distrahido + Volveu da bisca um contumaz parceiro. + + + + +ADEUS! + + +Uma vez, numa camara elegante, + De um contador no marmore de rosa, + Entre os mil nadas feminis que exhalam + Uns aromas subtis que nos embalam, + Vi uma concha pallida e graciosa. + +Sentira eu nella um som confuso e triste, + Como o dos sinos em remota aldeia; + Pobre concha! morria de saudade + Daquella vaga e triste immensidade + Do mar que chora na deserta areia. + +Olha, querida, como nessa concha, + Anda chorando em mim continuamente + Essa timida voz que tu soltaste, + Essa palavra ADEUS que murmuraste + Aos meus ouvidos languida e tremente! + + + + +CAMONEANA + + + + +I + +NA EGREJA DAS CHAGAS + + +Ao dr. A. A. de Carvalho Monteiro + + +Proxima vinha a nobre Catharina + Da porta principal da egreja, quando + Seu olhar encontrou suave e brando + O olhar de um moo de presena fina. + +E, ao fulgr d'esse olhar ardente, inclina + A dama o rsto, timida, crando... + Arfa-lhe o niveo seio, palpitando, + Em doida e extranha commoo divina. + +Cames, que outro no era o moo, ardido, + Num gesto de galan desvanecido, + Quem vos pudra merecer! murmura. + +E a dama, ao ouvil-o, languida sorria, + Pois que em todos os tempos a ouzadia + Ao amr nunca trouxe desventura. + + + + +II + +A LEITURA DOS LUSIADAS + + +A Vicente Pindella + + +Do moo rei defronte, esbelto e cavalleiro + Cames recita; a crte, silenciosa + Ante a rubra exploso do cantico guerreiro, + Admira essa Epopeia enorme e prodigiosa. + +... Ruge a electrica voz do Adamastr furiosa; + Nas amuradas canta o alegre marinheiro; + Do Oceano flr scintilla a esteira luminosa + Dos pesados galees do Gama aventureiro. + +Terra! grita o gageiro; e praia melindana + Desce douda e febril a gente lusitana + Desfraldam-se os pendes ao claro cu do Oriente... + +Da gloria ante o esplendr o olhar d'El-Rey fulgura; + O Camara no emtanto, alma sombria e escura, + No rei os olhos crava, e ri felinamente. + + + + +III + +ANNOS DEPOIS + + +A Bernardo Pindella + + +Juncto de um catre vil, grosseiro e feio, + Por uma noite de luar saudoso, + Cames, pendida a fronte sobre o seio, + Scisma embebido num pesar luctuoso... + +Eis que na rua um cantico amroso + Subitaneo se ouviu da noite em meio: + J se abrem as adufas com receio... + Noite de amres! que trovar mimoso! + +Cames acorda, e gelosia assma, + E aquelle canto, como um antigo arma, + Resuscita-lhe os risos do passado. + +Viu-se moo e feliz, e ah! nesse instante, + No azul viu perpassar, claro e distante, + De Natercia gentil, o vulto amado... + + + + +ESPHYNGE + +Traduco de uns versos de Alexandre Dumas +escriptos num leque +em que estava pintada uma Esphynge + + +Que me queres, Esphynge? O que procuras? diz-m'o: + Se do poeta o segredo intentas penetrar, + Desce dos annos meus ao tenebroso abysmo, + Vers o Amr aos Vinte e aos Sessenta o Pesar. + +Sim, Pesar, no de haver lanado aos quatro ventos + Com prodiga loucura o verbo triumphante, + A ambio, o dinheiro, os risos e os tormentos, + E as auroras de abril que passam num instante! + +Mas Pesar de sentir dentro em meu peito agora, + Como accso vulco em glos sepultado, + Do juvenil desejo a flamma que devora, + E de no poder mais, amando, ser amado! + + + + +A CEIA DE TIBERIO + +Ao dr. J. Frederico Laranjo + + +Opulento o festim: em todo o vasto imperio + Outro no houve egual. Capra a dissoluta, + O retiro de amr do perfido Tiberio, + +Illuminada ri. Ao longe Roma escuta + O confuso rumr da tenebrosa orgia: + Assim geme, assim ronca o mar em funda gruta. + +Fascina, attrae, seduz, e os olhos extasia + A imperial vivenda: a sala deslumbrante: + Ouro e gmmas sem fim confundem-se porfia. + +Das lampadas rebrilha o lume coruscante; + Nos triclinios esplende a purpura escarlata, + A fina tartaruga e o sandalo odorante. + +Aos angulos da sala, em primorosa prata, + Erotico esculptor grupos fundiu lascivos, + Em cujos membros ns Volupia se retrata. + +Resaltam da parede os satyros esquivos + Sob o pampano alegre: as nymphas, em coras, + Danam na riba, em flr, de arroios fugitivos. + +Em marmrea piscina enroscam-se as muras, + Dos patricios de Roma o pabulo dilecto, + Vezes sem conto, escravo, ali rompeste as veias! + +Pendem verdes festes do primoroso tecto, + Pyrrheico ali pintra um matagal folhudo, + E um lago crystallino, encantador, discreto. + +Diana ao sol enxuga as tranas de veludo, + Acteon espreita ancioso, e, rapida alegria! + Aos poucos se transforma em cervo ramalhudo. + +Em Milto foi tincta a azul tapearia, + Que nas mesas se extende e nos mosaicos dorme; + Dos velarios se esca o arma que inebria. + +A festa no pendor: num ureo prato informe + Eis que entra um javali, formosas gaditanas + Danam em derredor. Ulula a grita enorme. + +Jorra o vinho de Ks purpureas espadanas; + Dos convivas na fronte enlaa-se a verbena, + Preludiam no emtanto as frautas sicilianas. + +Adoudada suspira uma cano obscena: + Fervem beijos no ar, os seios pulam, crescem + E desnudam-se luz, Tiberio assim o ordena. + +As matronas, ao vr o duro gesto, obedecem, + E l passam gentis, deslisam mansamente + Dos marmores flr; so nuas, endoudecem! + +Um retiario nervudo, e um gladiador valente + Combatem, so lees; o pallido vencido + Mistura o sangue rubro ao vinho rescendente. + +Ora Tiberio ri... Mas subito um gemido + Longo e triste chorou nos paos de Capra... + Indagam: talvez fosse o gladiador ferido... + +Nesse instante Jesus morria na Judeia! + + + + +TRIO DE POETAS + + + + +I + +JOO DE LEMOS + + +Ao Visconde de Pindella + + +Na cidade gentil do austero estudo + Sobranceira ao Mondego socegado, + Em cuja riba o sinceiral folhudo + De rouxinoes suspira gorgeiado, + +Fste erguido no concavo do escudo + Pelos moos de outrora, e celebrado + Trovador, cavalleiro, e namorado... + Tempo de glorias! Como passa tudo! + +No emtanto s vezes, na provincia, quando + A um dce, honesto e feminino bando + Digo a LUA DE LONDRES, de repente + +Da infancia volvo candida simpleza, + E ondulam na minh'alma vagamente + Tremulas notas de fugaz tristeza. + + + + +II + +JOO DE DEUS + +A Anthero do Quental + + +Sempre que o leio, sinto-me captivo + De um no sei qu, de infinda suavidade, + E entram commigo uns longes de saudade, + Que me deixam sizudo e pensativo. + +Sonho: quizra, em triste soledade, + Viver das gentes apartado e esquivo, + E erguer-me a esse planeta primitivo + Onde resplenda a eterna mocidade. + +J o seu nome to suave e brando, + To eufonico, meigo e delicado, + Que fica nos ouvidos suspirando... + +Diz a lenda que vive descuidado, + RAMOS tecendo, e FLORES emmoitando, + Da Chymera nos seios reclinado. + + + + +III + +JOO PENHA + + +A Augusto Sarmento + + +Nervoso mestre, domadr valente + Da Rima e do Sonto portuguez, + No te eguala a pericia de um chinez + Na pintura de um vaso transparente. + +Ha no teu verso a musica dolente + Da guitarra andaluza, e muita vez + Rompe em meio da extranha languidez + O silvo estriduloso da serpente. + +No VINHO E FEL traaste o escuro drama + Em que solua e ri, na extensa gamma, + Teu desgrenhado amr, doido e fatal... + +Mas se do peito ancioso o dardo arrancas, + Teu canto exhala as alegrias francas + De uma rubra Kermesse colossal. + + + + +CHYMERAS + +A meu tio Joo de Almeida e Albuquerque + + +O mar j me tentou: aspiraes fogosas + Fizeram-me idear phantasticas viagens; + Eu sonhava trazer de incognitas paragens + Noticias immortaes s gentes curiosas. + +Mais tarde desejei riquezas fabulosas, + Um palacio escondido em mrmuras folhagens, + Onde eu fosse occultar as candidas imagens + Das virgens que evoquei por noites silenciosas. + +Mas tudo isso passou: agora s me resta + Das chymeras que tive, uma viso modesta, + Um sonho encantador, de paz e de ventura. + + simples; uma alcva, um bero, um innocente, + E uma esposa adorada, envolta, a negligente! + De um longo penteadr na immaculada alvura... + + + + +ODOR DI FEMINA + +A Alberto Pimentel + + +Era austero e sizudo; no havia + Frade mais exemplar nesse convento; + No seu cavado rsto macilento + Um poma de lagrimas se lia. + +Uma vez que na extensa livraria + Folheava o triste um livro pardacento, + Viram-no desmaiar, cahir do assento, + Convulso, e trvo sobre a lgea fria. + +De que morrra o venerando frade? + Em vo busco as origens da verdade, + Ninguem m'a disse, explique-a quem pudr. + +Consta que um bibliophilo comprra + O livro estranho e que, ao abril-o, achra + Uns dourados cabellos de mulher... + + + + +EM CAMINHO DA GUILHOTINA + + Senhora Condessa de Sabugoza + + +A _viuva Capet_ vae ser guilhotinada. + + Ora naquelle dia o povo de Pariz + Formidavel, brutal, colerico, feliz, + Erguera-se ao primeiro alvr da madrugada. + +No caminho traado ao funebre cortejo + O povo redemoinha; + Que todos sentem n'alma o tragico desejo + De ver como Sanso degolla uma rainha. + +Da carreta em redor ondeiam os soldados; + De cima dos telhados + Da rua, dos portaes, dos muros, dos balces + Chovem sobre a rainha as vis imprecaes. + +Ella comtudo altiva erecta e desdenhosa + Olha tranquillamente + Para o revolto mar da plebe tumultuosa. + +E emquanto aquelle povo inquieto e repulsivo + Anceia por ouvir o grito convulsivo + E o derradeiro arranco + D'essa mulher, e ri abominavelmente, + Um homem s, o algoz, vae triste e reverente. + +Pde nascer ao p da forca um lirio branco. + +A carreta parou. Desce a rainha. Nisto + Viram-se uns braos ns + Erguerem para o ar, flr da multido, + Uma loura creana, alegre como a luz, + Suave como o Christo, + A quem talvez faltando em casa a enxerga e o po, + A me quizera dar aquella distraco. + +No primeiro degru da escura guilhotina + A rainha de Frana + Ergueu o olhar e viu essa gentil creana + Levar a mo flr da bcca pequenina, + E atirar-lhe, a sorrir, um beijo doce e honesto... + +E ella que fra audaz, heroica e resoluta, + E ouvira, com desdem, da plebe a injuria bruta, + Ante a esmola infantil, graciosa, d'esse gesto, + Chorou. + Chorou, emfim! A infame succumbiu! + De entre o povo uma voz selvatica rugiu. + + + + +A VIUVA + + Senhora D. Margarida Street + + +Fra de portas vive. silenciosa + A modesta vivenda em que ella habita, + Ali correu-lhe a vida bonanosa, + Ali golpeou-lhe os seios a desdta. + +Raro de quando em quando uma visita + Novas lhe traz da vida tumultuosa, + E ella sorrindo a furto, descuidosa, + No azul os olhos em silencio fita. + +Ssinha e triste a pallida viuva, + Por essas noites de invernia e chuva, + A um honesto e feminil labor se entrega. + +E, alta noite, levanta, em dr sepulta, + O olhar, que fixa, e demorado prega + No eterno Ausente que num quadro avulta. + + + + +FLR DO PANTANO + +A Bulho Pato + + + pequenina e sria, + E tem o gesto grave + Da filha de um burgrave, + A candida Valeria. + +No ha flr mais suave, + De essencia mais ethrea, + E abriu-lhe a vida a chave + Do Vicio e da Miseria! + +Na sua loura cma + Nunca passou o arma + Dos beijos maternaes. + + credula Ignorancia, + Esconde quella infancia + O nome vil dos paes! + + + + +A RESPOSTA DO INQUISIDR + +A meu tio Luiz de Almeida e Albuquerque + + +I + +A sala em que medita El-Rey silenciosa, + Apainelada e fria, o largo reposteiro + Ondula brandamente aragem preguiosa. + +II + + cathedra real um Christo sobranceiro + Msto, livido, n, ferido e ensanguentado + Exhala sobre o seio o alento derradeiro. + +III + +El-Rey medita e scisma: o seu olhar turbado, + O seu obliquo olhar, o seu olhar de fra, + Vibra irrequieta luz, parece allucinado. + +IV + +Nisto porta assomou a calva fronte austera + De um velho, e logo atraz um pagem que murmura: + Eis o monge, Senhor, que Vossa Alteza espera! + +V + +Curvra, ao entrar, o monge a tremula estatura: + Mos dispostas em cruz no largo peito ancioso, + E humilhada a cerviz na ascetica postura. + +VI + +E comtudo esse frade humilde e respeitoso, + De olhos fitos no cho, to fragil como um vime, + Na presena de um rei, de um Cesar poderoso, + +VII + + fanatico e audaz; com mo de bronze opprime + O Solio, a Egreja, o Lar, e os coraes dos crentes; + Flagella a sombra e o amr, condemna a luz, e o crime! + +VIII + +Quando elle vae passando, as timoratas gentes + Benzem-se com pavr e param de improviso + As canes juvenis nas aleas rescendentes. + +IX + +Nunca nos labios seus florira o alegre riso, + Tem cem annos, jamais beijra uma creana, + E cr subir, talvez, morrendo, ao Paraizo! + +X + +Na Hespanha, no Per, em Napoles, na Frana + Paira como o sinistro espirito do Mal, + O negro inquisidr, feroz como a Vingana. + +XI + +Sisto quinto, o cruel, fizera-o cardeal, + E a Hespanha pde ver com assombroso espanto + Juncto do rei-panthera o inquisidr-chacal. + +XII + +E Philippe dizia ao monge no entretanto: + Sentinella da Lei, piedoso inquisidr, + Tu que fallas com Deus e s padre, e s bom, e s sancto + +XIII + +Arranca-me este pezo, afasta-me este horrr! + Ah! diz'-me, cardeal, se um vil, se um precito + O rei que justo e mata o filho que traidr... + +XIV + +E mais no disse o rei, trvo, sombrio e afflicto. + No emtanto o inquisidr erguendo imperturbavel + O seu hediondo olhar das lageas de granito, + +XV + +Assim tornou com voz vibrante e formidavel: + -- principe, e apontava o livido Jesus, + --Para acalmar dos cus a colera implacavel + +XVI + +--O Eterno fez morrer seu filho numa cruz!-- + + + + +FERVET AMOR + +Ao dr. Antonio Candido + + +D para a crca a estreita e humilde cella + D'essa que os seus abandonou, trocando + O calr da familia ameno e brando + Pelo claustro que o sangue esfria e gela. + +Nos flores manuelinos da janella + Papeiam aves o seu ninho armando, + Vem-se ao longe os trigos ondulando... + Maio sorri na pradaria bella. + +Zumbe o insecto na flr do rosmaninho: + Nas gistas pousa a abelha bria de gso: + Zunem bezouros e palpita o ninho. + +E a freira scisma e cra, ao vr, ancioso, + Do seu ctre virgineo sobre o linho + Um par de borboletas amoroso. + + + + +NA ALDEIA + +A Christovam Ayres + + +Duas horas da tarde. Um sol ardente + Nos clmos dardejando, e nos eirados. + Sobreleva aos sussurros abafados + O grito das bigornas estridente. + +A taberna vazia; mansamente + Treme o loureiro nos humbraes pintados; + Zumbem porta insectos variegados + Envolvidos do sol na luz tremente. + +Fia soleira uma velhinha: o filho + No cu mal acordou da aurora o brilho, + Sahiu para os canaos da lavoura. + +A nra lava na ribeira, e os netos + Ao longe correm semi-ns, inquietos, + No mar ondeante da sera loura. + + + + +ESTUDANTINA + + +Acorda, minha Thereza, + Descerra a janella tua! + Espalha-se a luz da lua + Pela poetica deveza... + Entre os sinceiros da margem + Murmura o claro Mondego, + A noite corre em socgo... + Acorda, minha Thereza! + +No dorme quem tem amres, + E o teu postigo cerrado! + Deixa o leito perfumado, + E o travesseiro de flres, + Se queres que eu acredite, + minha pallida amiga, + Nas palavras da cantiga: + No dorme quem tem amres! + +Por isso eu vlo cantando, + E esta guitarra suspira, + E o meu corao delira + Mal vem a lua apontando... + que, noite, lirio branco, + Os astros guardam segredo + Dos beijos dados a medo... + Por isso eu vlo cantando... + +Quero vr-te, como outrora + Nesse postigo inclinada, + Conversando enamorada + At ao raiar da aurora... + Um leno posto no liso + Dos teus hombros jaspeados, + Os cabellos destranados... + Quero vr-te como outrora. + +No te assustes, Julieta, + Que a manh te encontre ainda + Bebendo a cano infinda + Que solua o teu poeta. + Cantar de entre os loureiros + Uma alegre cotovia, + Mal venha rompendo o dia... + No te assustes, Julieta! + +Mas dorme a branca Thereza, + Cerrada a janella sua; + Espalha-se a luz da lua + Pela poetica deveza... + Entre os sinceiros da margem, + Murmura e corre o Mondego, + Que tristeza e que socgo! + Ai! dorme, dorme, Thereza! + + + + +AS ONDINAS + +H. HEINE + +Ao Visconde de Castilho II + + +Na praia tranquilla murmuram sonoras + As ondas do mar. + E, ao dce das aguas murmrio palreiro, + Na areia dormita gentil cavalleiro + luz do luar. + +As bellas ondinas emergem das grutas + De vivo coral, + Accrrem ligeiras, e apontam, sorrindo, + O moo que julgam devras dormindo + No argenteo areal. + +Vem esta, e perpassa do gorro nas plumas + As mos de setim. + E aquella, com gesto divino, gracioso, + Nos ares levanta do joven formoso + O aureo telim. + +Ess'outra, que lavas, que fogo no vibram + Seus olhos de anil! + Debrua-se e arranca-lhe a rtila espada, + Nos copos brilhantes se apoia azougada, + Travessa e gentil. + +A quarta, saltando, retoua, lasciva, + Do moo em redor; + Suspira mansinho, de manso murmra: + Podsse eu em vida gosar a ventura + Do teu fino amr! + +A quinta rebeija-lhe as mos, enlevada + Num sonho feliz, + E a sexta, com tremula e dce esquivana, + Perfuma-lhe a bcca, formosa creana! + Com beijos subtis... + +E o moo, fingindo que dorme tranquillo, + No quer acordar. + E deixa que o abracem as bellas Ondinas, + E languido gosa caricias divinas + luz do luar... + + + + +NO JOGO DAS CANNAS + +A Camillo Castello Branco + + +Em garbosos corceis da Arabia cavalgando + Entram na larga arna os prceres luzidos; + Corusca a pedraria, e esplendem, fluctuando, + Dos cocres a pluma e a sda dos vestidos. + +A quadrilha gentil dos Tavoras ardidos, + Com os lacaios da Trre um prlio simulando, + Tera galhardamente; o apparatoso bando + Deixa os olhos da turba em extase embebidos. + +Nas janellas do pao toda a fidalguia: + Que jocundo prazer, que risos, que alegria! + Espectaculo augusto, e nobre, e singular! + +O sexto Affonso applaude: emtanto, maliciosa, + Maria de Nemours, sorrindo, a incestuosa! + No cunhado, subtil, poisa o lascivo olhar... + + + + +NUNCA EU TE LSSE, BALLADA! + + +Suspende a dura sentena + Que de teus labios ouvi. + E ergue do cho os quebrados + Teus negros olhos magoados, + Quando me acerco de ti. + +Ergueste-os, encantadra! + Mas antes do teu perdo, + Attende-me, e ouve, senhora, + Com todo o teu corao. + +Escuta: + A um rei namorado + Sincera e fiel amante, + Ao morrer, tinha deixado, + De antigo affecto em penhor, + Cinzelada taa de ouro + Do mais subido valor. + +O rei preferia a tudo + Aquella doce lembrana + Que lhe trazia os armas + De umas fluctuantes cmas, + E de uns labios de veludo, + Que elle beijra em creana. + +Toda a vez que elle bebia + Por esse vaso sagrado, + Uma extatica alegria + Como flr ideal sorria + No seu turvo olhar canado. + +Um dia sentiu-se o pobre + Mais triste, velho e abatido, + Abraou-se commovido + taa, o tremulo amante: + +E as lagrimas, uma a uma, + Deslisaram nesse instante + Nos rudes flcos de espuma + Da longa barba fluctuante. + +Naquella hora de agonia, + Chamou seus filhos e herdeiro, + Deu-lhes tudo o que possuia, + Ouro, palacios, riquezas, + O seu castello roqueiro, + E as suas largas devezas. + +Dividiu tudo, contente; + A taa guardou smente. + +Sentindo fugir-lhe a vida, + Manda o triste convidar + Seus pares, filhos e herdeiro + Para um festim derradeiro + No castello sobranceiro + s verdes aguas do mar... + +Em meio da festa, o velho + Ergueu a taa e, sorrindo, + Embebido o olhar no infindo, + Um frouxo canto soltou... + +E mal o canto findra, + No leito da onda amara + A taa de ouro lanou... + +Eram profundos ciumes + Os d'esse rei namorado, + Que no fosse alguem beber + Por esse vaso sagrado, + E viesse a conhecer + Os cariciosos perfumes + Que o tinham embriagado... + +Hontem, tarde, beijando-a + De teu labio a viva rosa, + Lembrou-me a historia singela + D'essa ballada amorosa; + E dentro em mim de repente + Tam extranha dr senti, + Que num impeto demente + De teu labio humido e ardente + Com trvo aspecto fugi! + +Lembrou-me, cabea louca! + Que se eu acaso morresse, + Talvez um outro sorvesse + Os beijos da tua bcca... + +E no azul indefinido, + minha piedosa anmona! + Cuidei ouvir o gemido + Da moribunda Desdemona... + +Ai, desavisado amr! + Perda, sombra adorada! + Nunca eu te avistasse, flr! + Nunca eu te lsse, ballada! + + + + +A NEGRA + +Ao dr. A. A. da Fonseca Pinto + + +Teus olhos, robusta creatura, + filha tropical! + Relembram os pavres de uma escura + Floresta virginal. + +s negra sim, mas que formosos dentes, + Que perolas sem par + Eu vejo e admiro em rubidos crescentes + Se te escuto fallar! + +Teu corpo forte, elastico, nervoso. + Que doce a ondulao + Do teu andar, que lembra o andar gracioso + Das onas do serto! + +As languidas sinhs, gentis, mimosas, + Desprezam tua cr, + Mas invejam-te as formas gloriosas + E o olhar provocadr. + +Mas andas triste, inquieta e distrahida; + Foges dos cafesaes, + E no escuro das mattas, escondida, + Soltas magoados ais... + +Nas esteiras, noite, o corpo estiras + E, com ancias sem fim, + Levas aos seios ns, beijas e aspiras + Um candido jasmim... + +Amas a lua que embranquece os mattos, + negra jurity! + A flr da laranjeira, e os niveos cctos + E tens horrr de ti!... + +Amas tudo o que lembre o _branco_, o rosto + Que viste por teu mal, +Um dia que sahias, ao sol psto, + De um verde taquaral... + + + + +MATER DOLOROSA + +A Rangel de Lima + + +Quando se fez ao largo a nave escura + Na praia essa mulher ficou chorando, + No doloroso aspecto figurando + A lacrymosa estatua da amargura. + +Dos cus a curva era tranquilla e pura: + Das gementes alcyones o bando + Via-se ao longe, em circulos, voando + Dos mares sobre a crula planura. + +Nas ondas se atufra o sol radioso, + E a lua succedra, astro mavioso, + De alvr banhando os alcantis das fragas... + +E aquella pobre me, no dando conta + Que o sol morrra, e que o luar desponta, + A vista embebe na amplido das vagas... + + + + +AS PRIMEIRAS LAGRIMAS DE EL-REY + +A M. Pinheiro Chagas + + +I + +O principe morrra, e logo os cortezos, + Em prantos derredor do mortuario leito, + Erguem a voz em grita aos ceus levando as mos. + +II + +El-Rey, Joo segundo, a fronte sobre o peito, + Contempla dos brandes luz ensanguentada + O filho, e a dr lhe avinca o grave e duro aspeito. + +III + +E eis que, a um gesto do rei, a turba consternada + A pouco e pouco se, reina o silencio, apenas + Cortado pelo uivar longinquo da nortada. + +IV + +Sobre o filho curvado, immerso em cruas penas, + Aquelle rei sinistro, energico e tigrino, + Tinha na frouxa voz modulaes serenas. + +V + +E o filho inerte e mudo! ento num desatino + Deixou-se El-Rey car, ao acaso, num escabllo + E quedou-se a pensar no seu atroz destino. + +VI + +Um enorme, um confuso e bronzeo pesadlo + Cau-lhe sobre o enfrmo espirito enluctado, + E o suor inundou-lhe as barbas e o cabello. + +VII + +Talvez que o triste visse, em sonho allucinado, + Do duque de Vizeu o espectro vingativo + Apontando-lhe, a rir, o Infante inanimado. + +VIII + +E escutasse a feroz imprecao que altivo + No cadafalso, outrra, o duque de Bragana + s faces lhe cuspiu com gesto convulsivo. + +IX + +Subito ergue-se o rei, e para o leito avana, + E uma lagrima ento, embalde reprimida, + Das barbas lhe cahiu no rosto da creana... + +X + +A vez primeira foi que El-Rey chorou em vida. + + + + +O CURA SANCTA CRUZ + +CONTO DE A. DAUDET + +Ao dr. Sousa Martins + + +O implacavel carlista, o Cura Sancta Cruz, + Que em nome do seu rei, e em nome de Jesus, + Da Navarra febril leva do sul ao norte + O odio, a perseguio, o incendio, o estrago, a morte. + +Nessa clara manh risonha do Natal, + Tendo sobre o uniforme a veste clerical, + Na montanha, ao ar livre, luz do sol, diz missa + guerrilha que o escuta extatica e submissa. + +Como um rebanho vil, a um lado, os prisioneiros + Ouvem-no, a tiritar, cheios de um medo atroz: + Olham-se mutuamente os trvos companheiros, + E murmuram: meu Deus, o que ser de ns? + +Porque emfim toda a vez que o sanguinario Cura + Se volta, e o _oremus_ diz, segundo o ritual, + Da sacra vestimenta avultam na brancura + De pistolas um jogo e a frma de um punhal. + +Quando afinal chegou o instante, a occasio + Em que a missa termina, o Cura, erguendo um brao, + Grave traou no ar e na mudez do espao + O clemente signal da paz e do perdo. + +A missa terminra. + + O Cura nesse dia +Como sentisse n'alma uns raios de alegria, + De bondade e de amor, foi-se direito ao bando + Dos captivos, e assim fallou circumvagando + A vista em derredor: _Hermanos, viva Dios!_ + +Corre ahi que sou mu, fanatico e feroz... + Pois em breve ides ver como se engana, quem + Diz que eu sou o anti-Christo e que abomino o bem. + Como dia de festa e dia de Natal, + Dou-vos a liberdade, e no vos quero mal! + +Mas haveis de primeiro, e isto, prompto e sem custo + De joelhos beijar o pavilho augusto + De El-Rey nosso senhor... + E mandou desfraldar + O carlista pendo, branco como o luar... + +Todos logo porfia atiram-se por terra + E um grito: Viva El-Rey! echoou de serra em serra. + +No emtanto um prisioneiro, um moo imberbe ainda, + Firme ficou de p, e olhava com infinda + Expresso de desdem a extranha vilania... + Braos postos em cruz, e intrepido sorria. + +E tu? surprezo disse e transtornado o Cura. + --Padre, volveu-lhe o esbelto joven, com brandura, + --Mata-me! aqui me tens! rio-me d'esse panno! + --Ao teu rei no me curvo... Eu sou republicano...-- + +O Cura um acno fez; formou-se um peloto: + Vamos! inda uma vez, viva D. Carlos! + + --No!-- + +E havia nessa voz tamanha heroicidade + E uma energia tal, que uns longes de piedade + Scintillaram no olhar do trvo guerrilheiro. + +Muito bem, morrers: mas dize-me primeiro, + O que desejas tu? Queres beber, fumar?... + +--Padre, se vou morrer, quero-me confessar... + Ouvir-te-hei! disse o Cura, e, ao acaso, num granito + Assentou-se. + + O captivo, olhos no cho, contrito + Os joelhos dobrou... Nesse fugaz instante + Elle viu, elle viu, num sonho lacrymante, + A sua infancia, o lar, o tecto de seus paes, + Os choupos do seu rio, os placidos cases: + Viu a noiva gentil, a egreja, os arvoredos + E os parentes e irmos, socios de seus brinquedos. + +Ah! quem pde esquecer o seu paiz natal! +Ah! quem pde esquecer a beno maternal! + +Em distancia a guerrilha os dous observa... Ento + Emquanto o padre escuta attento o prisioneiro, + Subito uma descarga estoira na amplido. + Tremem a serra e o val, treme o desfiladeiro. + +s armas! o inimigo! a sentinella brada. + De golpe ergue-se o Cura, e jldra amotinada + Va, d ordens, clama, emquanto as balas chovem. +Nisto viu que inda estava ajoelhado o joven! +Pra. + Que fazes tu? indaga em tom severo + --Padre, diz a creana, a absolvio espero-- + +E em meio da febril convulso da batalha, + Emquanto rompe e rasga os ares a metralha, + Viu-se o Cura depois de abenoar, ligeiro, + A fronte juvenil do heroico prisioneiro, + Pegar de uma clavina, e dando um passo ao lado, + Varar tranquillamente o craneo do soldado. + + + + +A VENDA DOS BOIS + +Ao dr. J. de Vasconcellos Gusmo + + +I + +O velho entrra triste: ao p, juncto do lar, + Estava a companheira, absrta, a meditar. + +--Mulher, a f perdi, fallei a toda a gente, + E ninguem me valeu!--E ella com voz tremente: + Dize-me, e o brazileiro? + --Esse foi o primeiro. + +--Bat, fui ter com elle casa do jantar. + Expliquei-lhe ao que vinha... entrou a gracejar: + Com que ento voc quer _livrar_ o seu rapaz?... + Visinho, to mal faz! + Deixe-me ir cada qual sorte e ao seu destino! + Seu filho um moceto valente e muito digno + De servir o paiz... + + --E descascava um fructo... + --Desatei a chorar... --Homem no seja bruto! + A farda no morte... + --E disse mais e mais + --Cousas de quem no sabe a dr de uns tristes paes! + +E emquanto o velho punha a vista lacrymosa + Nos brazidos, a voz da me afflicta e anciosa + Perguntou: e o prior? + --Negou, negou tambem!-- + A angustiada me + Retorcia o avental com mo febril, ardente. + +No silencio da noite ento distinctamente, + Um profundo mugido, + Triste como um gemido, + Longo e longo chorou no lugubre aposento... + + Entreolharam-se os dois... +Nisto acde mulher um estranho pensamento... + Temos ainda os bois! + Vendamol-os! E ria... + O entristecido olhar + Do velho lavrador de lagrymas nublou-se. + E entrou a suspirar: + --Vender os infelizes! + --Uns pobres animaes, a quem s mingoa a fala + --Para serem Christos! Parece que me estala + --No peito o corao... Vender os infelizes!... + --Pois seja assim, mulher! Farei o que tu dizes... + + +II + + Vinha rompendo a aurora + Risonha, virginal, feliz como um noivado, + Das aves compita o tremulo trinado + Entre as balsas gorgeava. Era em descano a nra. + +No emtanto o lavrador, tremente e vacillante + Como um ladro nocturno, ou como um namorado, + Abriu, de par em par, as portas do curral. + Subito nesse instante + Volveram para a entrada os bois o olhar leal, + Bondoso, humano e franco. + + Que festiva alegria + O frequente menear das caudas traduzia + Resvalando em seu forte e musculoso flanco! + + O velho antigamente + Tinha sempre, ao chegar, uma palavra amiga, + Um dicto, uma cantiga, + A que sempre um mugido alegre respondia. + Mas naquella manh, silenciosamente, + Fatal como o dever + O velho foi buscar, a um canto, uma correia, + E lanou-a a tremer + Dos anafados bois s pontas recurvadas. + +E sahiram os tres. + Nos concavos da aldeia + Choviam as canes das aves namoradas. + + +III + +No ces ha o moirejar das fabricas ruidoso; + Feroz e discordante + Juncta-se voz humana o arfar estrepitante + Dos valentes pulmes das machinas inglezas. + + Em novellos, ancioso, + Golpham as chamins o denso e o escuro fumo + Que ascende e toma o rumo + Do claro e vasto azul, vazio de tristezas. + +Como um cetceo ingente, encarvoado e feio + Um enorme Vapr + De outros avulta em meio. + Em seu largo convez a marinhagem canta + E na faina febril as ancoras levanta. + +Naquella espessa nu, um velho, um lavradr + Entre a faina do ces, fita o dolente olhar... + que ali dentro vo os bois, o seu amr... + E quella magoa intensa + E inenarravel dr + Responde a descuidosa e gelida indifferena + Dos Homens, e dos Cus, e do profundo Mar... + + + + +AO RABEQUISTA +EUGENIO DEGREMONT + +Recitada na noite de 25 de fevereiro de 1876 +no theatro de S. Joo do Porto + + +Vde-o! to creana! mes, olhae-o! + Como vivo o fulgor e ardente o raio + Que vibra nesse olhar! + Faz gosto vel-o assim to pequenino + Enlevado nos sons do violino + A sonhar, a sonhar... + +E ao passo que a sua alma vae sonhando, + Vo-se ante nossos olhos desdobrando + Quadros a mil e mil. + A rabeca suspira? Assim amenas + So na longinqua roa as cantilenas + Das moas do Brazil. + +Vibra rispidos sons? E logo ouvimos + Curvar o vento da floresta os cimos + Com ruidoso fragr... + E uivam pintadas onas e as araras + Roam, fugindo, as tremulas taquaras, + E crocita o condr. + +Enterrados nas humidas pastagens + Mugem raivosos bufalos selvagens, + E por entre os saraes + Pula a panthera; os jacars astutos + Choram, fingindo lacrymosos lutos + Nos fulvos areaes. + +Soluou a rabeca? Ouvi, formosas, + So os negros soltando as lastimosas + Canes do seu paiz; + Sem familia, sem patria, sem amres, + Ninguem mitiga o fel daquellas dres, + Triste raa infeliz! + +Agora, como em namorado anceio, + Sae da rabeca um languido gorgeio + Que enleva o corao. + E a saudade repinta-nos ao vivo + Dos sabis o cantico lascivo + Nas sombras do serto. + +Tudo isso e mais eu vejo, admiro e escuto, + Com meu olhar de prantos no enxuto, + creana gentil, + Que em vez de perseguir as borboletas + Vens batalhar no meio dos atletas + E honrar o teu Brazil! + +No presumas, porm, prodigio das creanas! + Que basta o fogo, o estro, a viva inspirao; + mister trabalhar, sem isso nada alcanas; + A gloria chamars, ser-te-ha o appello em vo. + +Pois que! tu cuidars, creana, porventura + Que sem luctar, soffrer, sem horridos tormentos + O artista poderia erguer aos quatro ventos + A Epopa, o Drama, a Estatua, a Partitura? + +Vamos, trabalha pois meu precoce artista, + Dos precipicios ri, vinga-me o barrocal! + Para o profundo azul estende a larga vista. + Eis-te nos alcantis! Eleva-te ao ideal! + + + + +AS VELHAS NEGRAS + +A M.^{me} Aline de Gusmo + + +As velhas negras, coitadas, + Ao longe estam assentadas + Do batuque folgaso. + Pulam creoulas faceiras + Em derredor das fogueiras + E das pipas de alcatro. + +Na floresta rumorosa + Esparge a lua formosa + A clara luz tropical. + Tremeluzem pyrilampos + No verde-escuro dos campos + E nos concavos do val. + +Que noite de paz! que noite! + No se ouve o estalar do aoite, + Nem as pragas do feitor! + E as pobres negras, coitadas, + Pendem as frontes canadas + Num lethargico torpr! + +E scismam: outrora, e d'antes + Havia tambem descantes, + E o tempo era tam feliz! + Ai! que profunda saudade + Da vida, da mocidade + Nas mattas do seu paiz! + +E ante o seu olhar vazio + De esperanas, frio, frio + Como um vu de viuvez, + Resurge e chora o passado + --Pobre ninho abandonado + Que a neve alagou, desfez...-- + +E pensam nos seus amres + Ephemeros como as flres + Que o sol queima no serto... + Os filhos, quando crescidos, + Foram levados, vendidos, + E ninguem sabe onde esto. + +Conheceram muito dono: + Embalaram tanto somno + De tanta sinh gentil! + Foram mucambas amadas, + E agora inuteis, curvadas, + Numa velhice imbecil! + +No emtanto o luar de prata + Envolve a collina e a matta + E os cafeses em redor! + E os negros, mostrando os dentes, + Saltam lepidos, contentes, + No batuque estrugidor. + +No espaoso e amplo terreiro + A filha do Fazendeiro, + A sinh sentimental, + Ouve um primo recem-vindo, + Que lhe narra o poema infindo + Das noites de Portugal. + +E ella avista, entre sorrisos, + De uns longinquos paraisos + A tentadra viso... + No emtanto as velhas, coitadas, + Scismam ao longe assentadas + Do batuque folgaso... + + + + +O RELOGIO + +No album de Eduardo Burnay + + +Eburneo o mostradr: as horas so de prata, + L-se a firma Breguet por baixo do gracioso + Rendilhado ponteiro; a tampa enorme e chata: + Nella o esmalte produz um quadro delicioso. + +Rapara: eis um salo: casquilho malicioso + Das festas cortess o mimo a flr, a nata, + Juncto a um cravo sonoro a alegre voz desata. + Uma fidalga o escuta ebria de amr e gso. + +Rasga-se ampla a janella: ao longe o olhar descobre + O correcto jardim e o parque extenso e nobre. + As nuvens no alto cu fluctuam como espumas, + +Da paizagem no fundo, em lago transparente, + Onde se espelha o azul e o laranjal frondente, + Um cysne luz do sol estende as niveas plumas. + + + + +A MORTE DE D. QUICHOTE + +Ao Conde de Sabugosa + + +Rto o escudo, sem lana, a cta escalavrada, + Ssinho, abandonado e ta como um cego, + Do crepusculo luz dolente e immaculada + Entra na sua aldeia o altivo heroe Manchego. + +O tenue fumo se do clmo das herdades, + Riem ao p da fonte as frescas raparigas, + E clara vibrao sonora das trindades + Junctam-se brandamente as vozes e as cantigas. + +E o audaz Campeador, o Justiceiro, o Forte, + Que andra pelo mundo a combater os mus, + Defendendo a Mulher, desafiando a Morte, + Do paterno casal sentou-se nos degrus. + +Nos joelhos fincando o cotovlo agudo + E no punho cerrado a fronte reclinando, + Quedou-se largo espao, illacrymavel, mudo, + Para o inutil passado os olhos alongando... + +E ali, na dce paz da sua alegre aldeia, + Sentiu que o avassallava uma tristeza infinda, + Quando esta voz se ouviu: morreu-te a Dulcina, + Missionario do Bem, tua misso finda! + +E elle a ouvir e a scismar! A trefega sobrinha + Beija-o, falla-lhe, ri, abraa-o, mas o Here + Dest'arte lhe volveu A morte se avisinha, + Levae-me para o leito! E ouvil-o pena e de. + +Do leito cabeceira o Bacharel e o Cura + Tentam resuscitar-lhe os sonhos e as chymeras; + Pintam-lhe o negro Mal triumphante, amargura! + O fraco aos ps do forte, o bom lanado s fras... + +Contam-lhe o frio horror dos carceres sem luz. + Que nas trres feudaes pompeava o velho Crime. + Que os crescentes do Islam tinham vencido a Cruz, + Que a Injustia era a Lei... Ento feroz, sublime. + +Inquieto, semi-n, sinistro, o cavalleiro + Bradou como um trovo: Enverguem-me a loriga! + Sellem-me o Rocinante, Sancho, escudeiro, + Traze-me a lana, prsto! e a minha espada amiga! + +Tinha em brazas o olhar, e truculento o aspeito, + E vibrava em redr a imaginaria lana... + Logo depois cahiu do respaldar do leito, + Morto: tendo no labio um riso de creana! + + + + +INDICE + + +A minha mulher 1 +Confidenza 3 +O velhinho 8 +Animal bravio 10 +Ad agros 12 +A nuvem 14 +O juramento do arabe 16 +Num leque 19 +Olhos de Judia 20 +Numeros do Intermezzo: + I 24 + II 25 + III 26 + IV 28 + V 29 + VI 30 + VII 32 + VIII 34 + IX 36 + X 38 + XI 40 + XII 42 + XIII 44 + XIV 46 + XV 47 + XVI 48 + XVII 50 + XVIII 52 + XIX 54 + XX 55 + XXI 56 + XXII 58 + XXIII 60 + XXIV 62 +O minute 65 +O coveiro 70 +Adeus! 72 +Camoneana: + A egreja das Chagas 76 + A leitura dos Lusiadas 78 + Annos depois 80 +Esphynge 83 +A ceia de Tiberio 85 +Trio de poetas: + Joo de Lemos 90 + Joo de Deus 92 + Joo Penha 94 +Chymeras 97 +Odor di femina 99 +Em caminho da guilhotina 101 +A viuva 104 +Flr do pantano 106 +A resposta do inquisidr 108 +Fervet amor 112 +Na aldeia 114 +Estudantina 116 +As Ondinas 119 +No jogo das cannas 122 +Nunca eu te lsse, ballada 124 +A negra 129 +Mater dolorosa 132 +As primeiras lagrimas de El-Rey 134 +O Cura Sancta Cruz 137 +A venda dos bois 142 +Ao rabequista Eugenio Degremont 147 +As velhas negras 151 +O relogio 155 +A morte de D. Quichote 157 + + + + +TERMINOU-SE A IMPRESSO + +NOS PRELOS DA + +IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA + +a 6 de maro de 1882 + +[Figura] + + +_18, Rua Oriental do Passeio_ +LISBOA + + + + +Lista de erros corrigidos + + +Aqui encontram-se listados todos os erros encontrados e corrigidos: + + + +----------+-----------------------+---------------------------+ + | | Original | Correco | + +----------+-----------------------+---------------------------+ + |#pg. 30 | V | VI | + |#pg. 50 | XVI | XVII | + +----------+-----------------------+---------------------------+ + +Identificmos a duplicao de ttulos em numerao romana. +Rectificmos mantendo a ordenao crescente, nomeadamente nos casos +referidos acima. + + + + + +End of the Project Gutenberg EBook of Nocturnos, by Gonalves Crespo + +*** END OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK NOCTURNOS *** + +***** This file should be named 44211-8.txt or 44211-8.zip ***** +This and all associated files of various formats will be found in: + http://www.gutenberg.org/4/4/2/1/44211/ + +Produced by Rita Farinha and the Online Distributed +Proofreading Team at http://www.pgdp.net (This file was +produced from images generously made available by National +Library of Portugal (Biblioteca Nacional de Portugal).) + + +Updated editions will replace the previous one--the old editions +will be renamed. + +Creating the works from public domain print editions means that no +one owns a United States copyright in these works, so the Foundation +(and you!) can copy and distribute it in the United States without +permission and without paying copyright royalties. Special rules, +set forth in the General Terms of Use part of this license, apply to +copying and distributing Project Gutenberg-tm electronic works to +protect the PROJECT GUTENBERG-tm concept and trademark. Project +Gutenberg is a registered trademark, and may not be used if you +charge for the eBooks, unless you receive specific permission. If you +do not charge anything for copies of this eBook, complying with the +rules is very easy. You may use this eBook for nearly any purpose +such as creation of derivative works, reports, performances and +research. They may be modified and printed and given away--you may do +practically ANYTHING with public domain eBooks. Redistribution is +subject to the trademark license, especially commercial +redistribution. + + + +*** START: FULL LICENSE *** + +THE FULL PROJECT GUTENBERG LICENSE +PLEASE READ THIS BEFORE YOU DISTRIBUTE OR USE THIS WORK + +To protect the Project Gutenberg-tm mission of promoting the free +distribution of electronic works, by using or distributing this work +(or any other work associated in any way with the phrase "Project +Gutenberg"), you agree to comply with all the terms of the Full Project +Gutenberg-tm License (available with this file or online at +http://gutenberg.org/license). + + +Section 1. General Terms of Use and Redistributing Project Gutenberg-tm +electronic works + +1.A. By reading or using any part of this Project Gutenberg-tm +electronic work, you indicate that you have read, understand, agree to +and accept all the terms of this license and intellectual property +(trademark/copyright) agreement. If you do not agree to abide by all +the terms of this agreement, you must cease using and return or destroy +all copies of Project Gutenberg-tm electronic works in your possession. +If you paid a fee for obtaining a copy of or access to a Project +Gutenberg-tm electronic work and you do not agree to be bound by the +terms of this agreement, you may obtain a refund from the person or +entity to whom you paid the fee as set forth in paragraph 1.E.8. + +1.B. "Project Gutenberg" is a registered trademark. It may only be +used on or associated in any way with an electronic work by people who +agree to be bound by the terms of this agreement. There are a few +things that you can do with most Project Gutenberg-tm electronic works +even without complying with the full terms of this agreement. See +paragraph 1.C below. There are a lot of things you can do with Project +Gutenberg-tm electronic works if you follow the terms of this agreement +and help preserve free future access to Project Gutenberg-tm electronic +works. See paragraph 1.E below. + +1.C. The Project Gutenberg Literary Archive Foundation ("the Foundation" +or PGLAF), owns a compilation copyright in the collection of Project +Gutenberg-tm electronic works. Nearly all the individual works in the +collection are in the public domain in the United States. If an +individual work is in the public domain in the United States and you are +located in the United States, we do not claim a right to prevent you from +copying, distributing, performing, displaying or creating derivative +works based on the work as long as all references to Project Gutenberg +are removed. Of course, we hope that you will support the Project +Gutenberg-tm mission of promoting free access to electronic works by +freely sharing Project Gutenberg-tm works in compliance with the terms of +this agreement for keeping the Project Gutenberg-tm name associated with +the work. You can easily comply with the terms of this agreement by +keeping this work in the same format with its attached full Project +Gutenberg-tm License when you share it without charge with others. + +1.D. The copyright laws of the place where you are located also govern +what you can do with this work. Copyright laws in most countries are in +a constant state of change. If you are outside the United States, check +the laws of your country in addition to the terms of this agreement +before downloading, copying, displaying, performing, distributing or +creating derivative works based on this work or any other Project +Gutenberg-tm work. The Foundation makes no representations concerning +the copyright status of any work in any country outside the United +States. + +1.E. Unless you have removed all references to Project Gutenberg: + +1.E.1. The following sentence, with active links to, or other immediate +access to, the full Project Gutenberg-tm License must appear prominently +whenever any copy of a Project Gutenberg-tm work (any work on which the +phrase "Project Gutenberg" appears, or with which the phrase "Project +Gutenberg" is associated) is accessed, displayed, performed, viewed, +copied or distributed: + +This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with +almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or +re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included +with this eBook or online at www.gutenberg.org/license + +1.E.2. If an individual Project Gutenberg-tm electronic work is derived +from the public domain (does not contain a notice indicating that it is +posted with permission of the copyright holder), the work can be copied +and distributed to anyone in the United States without paying any fees +or charges. If you are redistributing or providing access to a work +with the phrase "Project Gutenberg" associated with or appearing on the +work, you must comply either with the requirements of paragraphs 1.E.1 +through 1.E.7 or obtain permission for the use of the work and the +Project Gutenberg-tm trademark as set forth in paragraphs 1.E.8 or +1.E.9. + +1.E.3. If an individual Project Gutenberg-tm electronic work is posted +with the permission of the copyright holder, your use and distribution +must comply with both paragraphs 1.E.1 through 1.E.7 and any additional +terms imposed by the copyright holder. Additional terms will be linked +to the Project Gutenberg-tm License for all works posted with the +permission of the copyright holder found at the beginning of this work. + +1.E.4. Do not unlink or detach or remove the full Project Gutenberg-tm +License terms from this work, or any files containing a part of this +work or any other work associated with Project Gutenberg-tm. + +1.E.5. Do not copy, display, perform, distribute or redistribute this +electronic work, or any part of this electronic work, without +prominently displaying the sentence set forth in paragraph 1.E.1 with +active links or immediate access to the full terms of the Project +Gutenberg-tm License. + +1.E.6. You may convert to and distribute this work in any binary, +compressed, marked up, nonproprietary or proprietary form, including any +word processing or hypertext form. However, if you provide access to or +distribute copies of a Project Gutenberg-tm work in a format other than +"Plain Vanilla ASCII" or other format used in the official version +posted on the official Project Gutenberg-tm web site (www.gutenberg.org), +you must, at no additional cost, fee or expense to the user, provide a +copy, a means of exporting a copy, or a means of obtaining a copy upon +request, of the work in its original "Plain Vanilla ASCII" or other +form. Any alternate format must include the full Project Gutenberg-tm +License as specified in paragraph 1.E.1. + +1.E.7. Do not charge a fee for access to, viewing, displaying, +performing, copying or distributing any Project Gutenberg-tm works +unless you comply with paragraph 1.E.8 or 1.E.9. + +1.E.8. You may charge a reasonable fee for copies of or providing +access to or distributing Project Gutenberg-tm electronic works provided +that + +- You pay a royalty fee of 20% of the gross profits you derive from + the use of Project Gutenberg-tm works calculated using the method + you already use to calculate your applicable taxes. The fee is + owed to the owner of the Project Gutenberg-tm trademark, but he + has agreed to donate royalties under this paragraph to the + Project Gutenberg Literary Archive Foundation. Royalty payments + must be paid within 60 days following each date on which you + prepare (or are legally required to prepare) your periodic tax + returns. Royalty payments should be clearly marked as such and + sent to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation at the + address specified in Section 4, "Information about donations to + the Project Gutenberg Literary Archive Foundation." + +- You provide a full refund of any money paid by a user who notifies + you in writing (or by e-mail) within 30 days of receipt that s/he + does not agree to the terms of the full Project Gutenberg-tm + License. You must require such a user to return or + destroy all copies of the works possessed in a physical medium + and discontinue all use of and all access to other copies of + Project Gutenberg-tm works. + +- You provide, in accordance with paragraph 1.F.3, a full refund of any + money paid for a work or a replacement copy, if a defect in the + electronic work is discovered and reported to you within 90 days + of receipt of the work. + +- You comply with all other terms of this agreement for free + distribution of Project Gutenberg-tm works. + +1.E.9. If you wish to charge a fee or distribute a Project Gutenberg-tm +electronic work or group of works on different terms than are set +forth in this agreement, you must obtain permission in writing from +both the Project Gutenberg Literary Archive Foundation and Michael +Hart, the owner of the Project Gutenberg-tm trademark. Contact the +Foundation as set forth in Section 3 below. + +1.F. + +1.F.1. Project Gutenberg volunteers and employees expend considerable +effort to identify, do copyright research on, transcribe and proofread +public domain works in creating the Project Gutenberg-tm +collection. Despite these efforts, Project Gutenberg-tm electronic +works, and the medium on which they may be stored, may contain +"Defects," such as, but not limited to, incomplete, inaccurate or +corrupt data, transcription errors, a copyright or other intellectual +property infringement, a defective or damaged disk or other medium, a +computer virus, or computer codes that damage or cannot be read by +your equipment. + +1.F.2. LIMITED WARRANTY, DISCLAIMER OF DAMAGES - Except for the "Right +of Replacement or Refund" described in paragraph 1.F.3, the Project +Gutenberg Literary Archive Foundation, the owner of the Project +Gutenberg-tm trademark, and any other party distributing a Project +Gutenberg-tm electronic work under this agreement, disclaim all +liability to you for damages, costs and expenses, including legal +fees. YOU AGREE THAT YOU HAVE NO REMEDIES FOR NEGLIGENCE, STRICT +LIABILITY, BREACH OF WARRANTY OR BREACH OF CONTRACT EXCEPT THOSE +PROVIDED IN PARAGRAPH 1.F.3. YOU AGREE THAT THE FOUNDATION, THE +TRADEMARK OWNER, AND ANY DISTRIBUTOR UNDER THIS AGREEMENT WILL NOT BE +LIABLE TO YOU FOR ACTUAL, DIRECT, INDIRECT, CONSEQUENTIAL, PUNITIVE OR +INCIDENTAL DAMAGES EVEN IF YOU GIVE NOTICE OF THE POSSIBILITY OF SUCH +DAMAGE. + +1.F.3. LIMITED RIGHT OF REPLACEMENT OR REFUND - If you discover a +defect in this electronic work within 90 days of receiving it, you can +receive a refund of the money (if any) you paid for it by sending a +written explanation to the person you received the work from. If you +received the work on a physical medium, you must return the medium with +your written explanation. The person or entity that provided you with +the defective work may elect to provide a replacement copy in lieu of a +refund. If you received the work electronically, the person or entity +providing it to you may choose to give you a second opportunity to +receive the work electronically in lieu of a refund. If the second copy +is also defective, you may demand a refund in writing without further +opportunities to fix the problem. + +1.F.4. Except for the limited right of replacement or refund set forth +in paragraph 1.F.3, this work is provided to you 'AS-IS' WITH NO OTHER +WARRANTIES OF ANY KIND, EXPRESS OR IMPLIED, INCLUDING BUT NOT LIMITED TO +WARRANTIES OF MERCHANTABILITY OR FITNESS FOR ANY PURPOSE. + +1.F.5. Some states do not allow disclaimers of certain implied +warranties or the exclusion or limitation of certain types of damages. +If any disclaimer or limitation set forth in this agreement violates the +law of the state applicable to this agreement, the agreement shall be +interpreted to make the maximum disclaimer or limitation permitted by +the applicable state law. The invalidity or unenforceability of any +provision of this agreement shall not void the remaining provisions. + +1.F.6. INDEMNITY - You agree to indemnify and hold the Foundation, the +trademark owner, any agent or employee of the Foundation, anyone +providing copies of Project Gutenberg-tm electronic works in accordance +with this agreement, and any volunteers associated with the production, +promotion and distribution of Project Gutenberg-tm electronic works, +harmless from all liability, costs and expenses, including legal fees, +that arise directly or indirectly from any of the following which you do +or cause to occur: (a) distribution of this or any Project Gutenberg-tm +work, (b) alteration, modification, or additions or deletions to any +Project Gutenberg-tm work, and (c) any Defect you cause. + + +Section 2. Information about the Mission of Project Gutenberg-tm + +Project Gutenberg-tm is synonymous with the free distribution of +electronic works in formats readable by the widest variety of computers +including obsolete, old, middle-aged and new computers. It exists +because of the efforts of hundreds of volunteers and donations from +people in all walks of life. + +Volunteers and financial support to provide volunteers with the +assistance they need, are critical to reaching Project Gutenberg-tm's +goals and ensuring that the Project Gutenberg-tm collection will +remain freely available for generations to come. In 2001, the Project +Gutenberg Literary Archive Foundation was created to provide a secure +and permanent future for Project Gutenberg-tm and future generations. +To learn more about the Project Gutenberg Literary Archive Foundation +and how your efforts and donations can help, see Sections 3 and 4 +and the Foundation web page at http://www.pglaf.org. + + +Section 3. Information about the Project Gutenberg Literary Archive +Foundation + +The Project Gutenberg Literary Archive Foundation is a non profit +501(c)(3) educational corporation organized under the laws of the +state of Mississippi and granted tax exempt status by the Internal +Revenue Service. The Foundation's EIN or federal tax identification +number is 64-6221541. Its 501(c)(3) letter is posted at +http://pglaf.org/fundraising. Contributions to the Project Gutenberg +Literary Archive Foundation are tax deductible to the full extent +permitted by U.S. federal laws and your state's laws. + +The Foundation's principal office is located at 4557 Melan Dr. S. +Fairbanks, AK, 99712., but its volunteers and employees are scattered +throughout numerous locations. Its business office is located at +809 North 1500 West, Salt Lake City, UT 84116, (801) 596-1887, email +business@pglaf.org. Email contact links and up to date contact +information can be found at the Foundation's web site and official +page at http://pglaf.org + +For additional contact information: + Dr. Gregory B. Newby + Chief Executive and Director + gbnewby@pglaf.org + + +Section 4. Information about Donations to the Project Gutenberg +Literary Archive Foundation + +Project Gutenberg-tm depends upon and cannot survive without wide +spread public support and donations to carry out its mission of +increasing the number of public domain and licensed works that can be +freely distributed in machine readable form accessible by the widest +array of equipment including outdated equipment. Many small donations +($1 to $5,000) are particularly important to maintaining tax exempt +status with the IRS. + +The Foundation is committed to complying with the laws regulating +charities and charitable donations in all 50 states of the United +States. Compliance requirements are not uniform and it takes a +considerable effort, much paperwork and many fees to meet and keep up +with these requirements. We do not solicit donations in locations +where we have not received written confirmation of compliance. To +SEND DONATIONS or determine the status of compliance for any +particular state visit http://pglaf.org + +While we cannot and do not solicit contributions from states where we +have not met the solicitation requirements, we know of no prohibition +against accepting unsolicited donations from donors in such states who +approach us with offers to donate. + +International donations are gratefully accepted, but we cannot make +any statements concerning tax treatment of donations received from +outside the United States. U.S. laws alone swamp our small staff. + +Please check the Project Gutenberg Web pages for current donation +methods and addresses. Donations are accepted in a number of other +ways including checks, online payments and credit card donations. +To donate, please visit: http://pglaf.org/donate + + +Section 5. General Information About Project Gutenberg-tm electronic +works. + +Professor Michael S. Hart is the originator of the Project Gutenberg-tm +concept of a library of electronic works that could be freely shared +with anyone. For thirty years, he produced and distributed Project +Gutenberg-tm eBooks with only a loose network of volunteer support. + + +Project Gutenberg-tm eBooks are often created from several printed +editions, all of which are confirmed as Public Domain in the U.S. +unless a copyright notice is included. Thus, we do not necessarily +keep eBooks in compliance with any particular paper edition. + + +Most people start at our Web site which has the main PG search facility: + + http://www.gutenberg.org + +This Web site includes information about Project Gutenberg-tm, +including how to make donations to the Project Gutenberg Literary +Archive Foundation, how to help produce our new eBooks, and how to +subscribe to our email newsletter to hear about new eBooks. diff --git a/old/44211-8.zip b/old/44211-8.zip Binary files differnew file mode 100644 index 0000000..0c61be0 --- /dev/null +++ b/old/44211-8.zip diff --git a/old/44211-h.zip b/old/44211-h.zip Binary files differnew file mode 100644 index 0000000..aa9f4f2 --- /dev/null +++ b/old/44211-h.zip diff --git a/old/44211-h/44211-h.htm b/old/44211-h/44211-h.htm new file mode 100644 index 0000000..b82f6c7 --- /dev/null +++ b/old/44211-h/44211-h.htm @@ -0,0 +1,3707 @@ +<!DOCTYPE html PUBLIC "-//W3C//DTD XHTML 1.0 Strict//EN" "http://www.w3.org/TR/xhtml1/DTD/xhtml1-strict.dtd"> +<html xmlns="http://www.w3.org/1999/xhtml"> +<head> + <title>Nocturnos</title> + + + <meta name="AUTHOR" content="Gonalves Crespo" /> + + <meta http-equiv="content-type" content="text/html; charset=ISO-8859-1" /> + + <style type="text/css"> +body {width: 80%; margin-left:10%; text-align: justify;} +h1, h2, h3, h4, h5 { text-align: center;} +h1 {margin: 2em; text-align: center;} +h2, h4 {margin-top: 2em;} +.bbox {border: solid black 1px; margin-left: 10%; margin-right: 10%;} +.fbox {border: solid black 1px; background-color: #FFFFCC; font-size: 75%; margin-left: 10%; margin-right: 10%;} +.center { +display: block; +margin-left: auto; +margin-right: auto;} +.smallcaps {font-variant: small-caps;} +.break { +width: 32%; +margin-left:34%;} +.sbreak { +width: 20%; +margin-left:40%;} +.breaks { +width: 10%; +margin-left:45%;} +.poetry { +margin-left:35%;} +.poetry0 { +margin-left:40%;} +.poetry1 { +margin-left:30%;} +.poetry2 { +margin-left:45%;} +.poetry3 { +margin-left:50%;} +.poetry4 { +margin-left:65%;} +.pagenum { position: absolute; +right: 5%; +font-size: 75%; +text-align: right; +text-indent: 0em; +font-style: normal; +font-weight: normal; +color: silver; +background-color: inherit; +font-variant: normal;} + </style> +</head> + + +<body> + + +<pre> + +The Project Gutenberg EBook of Nocturnos, by Gonalves Crespo + +This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with +almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or +re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included +with this eBook or online at www.gutenberg.org/license + + +Title: Nocturnos + +Author: Gonalves Crespo + +Release Date: November 17, 2013 [EBook #44211] + +Language: Portuguese + +Character set encoding: ISO-8859-1 + +*** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK NOCTURNOS *** + + + + +Produced by Rita Farinha and the Online Distributed +Proofreading Team at http://www.pgdp.net (This file was +produced from images generously made available by National +Library of Portugal (Biblioteca Nacional de Portugal).) + + + + + + +</pre> + + +<div> +<div class="fbox"> <b>Nota de editor:</b> +Devido +existncia de erros tipogrficos neste texto, +foram tomadas vrias decises quanto +verso final. Em caso de dvida, a grafia foi +mantida de acordo com o original. No final deste livro +encontrar a lista de erros corrigidos.<br /> +<br /><div style="text-align: right; font-style: italic;">Rita +Farinha (Novembro 2013)</div></div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<h2>NOCTURNOS</h2> +<br /> +<br /> +<br /> +D'esta edio tiraram-se mais +<em>trinta exemplares</em> +que no entraram no mercado; sendo: +<br /> +<br /> +<table style="margin-left: 10%; width: 80%;" border="0" cellpadding="2" +cellspacing="2"><tr><td>12 exemplares em papel Japo</td><td>n.<sup>os</sup> 1 a +12</td></tr> +<tr><td>12 exemplares em papel Whatman</td><td>n.<sup>os</sup> 13 a +24</td></tr> +<tr><td>12 exemplares em papel China</td><td>n.<sup>os</sup> 25 a +30</td></tr></table> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<div class="bbox"> +<br /> +<h3>GONALVES CRESPO</h3><br /> +<br /> +<div class="sbreak"><hr /></div> + +<h1>NOCTURNOS</h1><br /> +<div class="sbreak"><hr /></div> +<br /> +<img src="images/fig01.png" width="100" height="131" alt="" class="center" /> +<br /> +<h4>LISBOA<br /> +<br /> +<em>18, Rua Oriental do Passeio</em><br /> +<br /> +1882</h4> +</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<div style="text-align: center;"><em>Direitos reservados</em></div> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<div class="break"><hr /></div> +<div style="text-align: center;">LISBOA—<span class="smallcaps">Imprensa Nacional</span></div><br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<a name="p1" id="p1"></a><h3>A MINHA MULHER<br /> +<br /> +MARIA AMALIA VAZ DE CARVALHO</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry0"><em>A ti, boa e rara e fiel amiga,</em></div> +<div class="poetry"><em>A mais sancta e a melhor das companheiras,<br /> +A ti, flr mimosa e alma antiga,<br /> +—Doce Premio que ris ao meu canao—<br /> +A ti, meu Conselho, estas ligeiras<br /> +Folhas que ponho a medo em teu regao.</em></div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<a name="p3" id="p3"></a><h3>CONFIDENZA</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry1">Perguntaste-me um dia a vida que eu levava.</div> +<div class="poetry2">Mimosa e eburnea flr,</div> +<div class="poetry">Em antes de te vr; respondo-te: sonhava...</div> +<div class="poetry2">Ouviste, meu amr?</div> +<br /> +<div class="poetry1">No era bem sonhar: s vezes largo espao</div> +<div class="poetry2">Ficava-me a sorrir</div> +<div class="poetry">Para os quadros que eu via em luminoso trao</div> +<div class="poetry2">Nas tlas do porvir.</div> +<br /> +<span class="pagenum">[4]</span> +<div class="poetry1">Presta-me o ouvido attento, escuta-me, querida,</div> +<div class="poetry2">Os que me lembram mais:</div> +<div class="poetry">Assim, fita nos meus, pomba estremecida,</div> +<div class="poetry2">Os olhos teus leaes!</div> +<br /> +<div class="poetry1">Olha este quadro e v: o campo alegre e franco,</div> +<div class="poetry2">Uma aurora de abril:</div> +<div class="poetry">Da larga estrada beira um campanario branco,</div> +<div class="poetry2">O cu profundo anil.</div> +<br /> +<div class="poetry1">De uma casa janella uma creana loura,</div> +<div class="poetry2">Loura como um trigal:</div> +<div class="poetry">Fiando luz do sol que leve a sobredoura</div> +<div class="poetry2">De aureola ideal.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Toda risos e festa a doce creatura</div> +<div class="poetry2">Olhava para mim,</div> +<div class="poetry">E eu repetia a ss: alcano-te, ventura!</div> +<div class="poetry2">Serei feliz emfim!</div> +<br /> +<div class="poetry1">De um outro quadro ento recordo-me saudoso,</div> +<div class="poetry2">E alongo os olhos meus</div> +<div class="poetry">Para o quadro gentil, o sonho mais gracioso,</div> +<div class="poetry2">Que me cahiu dos cus!</div> +<br /> +<span class="pagenum">[5]</span> +<div class="poetry1">Fica ao longe da vil poeira das cidades</div> +<div class="poetry2">E do seu vo rumr,</div> +<div class="poetry">O palacio esquecido; s horas das trindades,</div> +<div class="poetry2">Entremos nelle, flr!</div> +<br /> +<div class="poetry1">Deixemos os jardins, as aleas, o arvoredo,</div> +<div class="poetry2">E o oloroso pomar;</div> +<div class="poetry">Subamos essa escada, agora, a furto e a medo,</div> +<div class="poetry2">Comecemos a olhar.</div> +<br /> +<div class="poetry1"> vetusto o salo; em flaccida poltrona</div> +<div class="poetry2">Repoisa e scisma alguem:</div> +<div class="poetry">Alguem que nos recorda a imagem da Madona,</div> +<div class="poetry2">Grave e sizuda me.</div> +<br /> +<div class="poetry1">D'esse alguem no regao um anjo se reclina</div> +<div class="poetry2">Confiado e feliz,</div> +<div class="poetry">Se-lhe um arma subtil da bcca pequenina.</div> +<div class="poetry2">Falla, no sei que diz.</div> +<br /> +<div class="poetry1"> casta essa creana e pura entre as mais puras,</div> +<div class="poetry2">Que em sonhos vi jmais;</div> +<div class="poetry">Tem o vago esplendr das biblicas figuras</div> +<div class="poetry2">Dos antigos missaes.</div> +<br /> +<span class="pagenum">[6]</span> +<div class="poetry1"> moa e menina: olhar nenhum ainda</div> +<div class="poetry2">De leve a maculou.</div> +<div class="poetry">Dorme no seio della o amr, a crena infinda</div> +<div class="poetry2">Que Deus lhe confiou.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Quando ella abre, sorrindo, as palpebras franjadas,</div> +<div class="poetry2">Ficamos a pensar</div> +<div class="poetry">Nos mysterios do cu, nas cousas ignoradas</div> +<div class="poetry2">Que descobre esse olhar.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Deixa que eu me ajoelhe extasiado e mudo,</div> +<div class="poetry2">Cego de tanta luz,</div> +<div class="poetry">E que tremulo beije o tpido veludo</div> +<div class="poetry2">De seus psinhos ns!</div> +<br /> +<div class="poetry1">E no cra, bem vs, a candida creana!</div> +<div class="poetry2">Antes meiga sorri,</div> +<div class="poetry">E entre risos me diz, compondo a escura trana:</div> +<div class="poetry2">Pensava agora em ti!</div> +<br /> +<div class="poetry1">Porque tardaste tanto, poeta? eu te esperava</div> +<div class="poetry2">Na minha solido!</div> +<div class="poetry">Vem os segredos vr que para ti guardava</div> +<div class="poetry2">Dentro do corao!</div> +<br /> +<span class="pagenum">[7]</span> +<div class="poetry1">Concerte vossa orchestra, harmonicas espheras,</div> +<div class="poetry2">No clico esplendor!</div> +<div class="poetry">Maria, essa creana, flr das primaveras,</div> +<div class="poetry2">Eras tu, meu amr!</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p8" id="p8">[8]</a></span> +<h3>O VELHINHO</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<h5>A J. Cesar Machado</h5> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry1">Aquelle que ali vae triste e canado</div> +<div class="poetry">E mais tremente que os juncaes do brejo.<br /> +Foi outrora o mais bello e o mais amado<br /> +Entre os moos do antigo logarejo.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Nas fitas d'esse labio desmaiado</div> +<div class="poetry">Quantas mulheres tremulas de pejo<br /> +No sorveram os nctares do beijo<br /> +Dos trigaes sobre o leito perfumado!</div> +<br /> +<span class="pagenum">[9]</span> +<div class="poetry1">Hoje velhinho, e falla dos francezes</div> +<div class="poetry">Aos rapazes da eschola, e s raparigas<br /> +Que no canam de ouvil-o... As mais das vezes</div> +<br /> +<div class="poetry1">Sobre a ponte, ssinho, ouve as cantigas</div> +<div class="poetry">Das que lavam no rio, e o olhar extende<br /> +Ao sol que ao longe na agonia esplende...</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p10" id="p10">[10]</a></span> +<h3>ANIMAL BRAVIO</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<h5>A M<sup>elle</sup> Eugenia Vizeu</h5> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry1">Preferiras um ramo caprichoso</div> +<div class="poetry">De escolha rara e de um concerto fino,<br /> +Onde visses o ccto purpurino<br /> +E os nevados jasmins do Tormentoso.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Em vez do ramo exotico e oloroso,</div> +<div class="poetry">Casto recreio d'esse olhar divino,<br /> +Acceita, Eugenia, este animal felino,<br /> +Que o meu brao subjuga vigoroso.</div> +<br /> +<span class="pagenum">[11]</span> +<div class="poetry1">Tive artes de o amansar: eil-o sereno!</div> +<div class="poetry">Acode minha voz, e ao meu aceno<br /> +Como um jaguar voz de um saltimbanco...</div> +<br /> +<div class="poetry1">Vamos, sonto! a prumo! ajoelhe, prsto!</div> +<div class="poetry">E doce Eugenia, do sorriso honesto,<br /> +A fimbria oscule do vestido branco!</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p12" id="p12">[12]</a></span> +<h3>AD AGROS</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry1">No tardes, flr; a aldeia nos espera,</div> +<div class="poetry">Chovem armas dos folhudos ramos:<br /> +Suspensa do meu brao, eia! partamos!<br /> +Olha-nos Deus da crystallina esphera.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Nas manhs da passada primavera</div> +<div class="poetry">Com que delcia ethrea nos ammos!<br /> +Iremos vr os nomes que tramos<br /> +No rude tronco em que se enlaa a hera.</div> +<br /> +<span class="pagenum">[13]</span> +<div class="poetry1">No tardes, meu amr, sei de um caminho,</div> +<div class="poetry">Que sobe a encosta, e vae direito ao moinho,<br /> +Em cujas vlas bate o vento em cheio...</div> +<br /> +<div class="poetry1">Seguir-nos-ho as aves namoradas,</div> +<div class="poetry">Que ao som das tuas infantis risadas<br /> +Modularo seu tremulo gorgeio...</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p14" id="p14">[14]</a></span> +<h3>A NUVEM</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<h5>De Th. Gauthier</h5> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry1">As roupas deslaando, entra no banho</div> +<div class="poetry">A languida sultana enamorada:<br /> +Livre do pente, os hombros ns lhe beija<br /> +A longa e fina trana desatada.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Atraz dos vidros o sulto a espreita;</div> +<div class="poetry">E comsigo murmura: como bella!<br /> +Ninguem a v, ninguem! o negro eunucho<br /> +Do harem na trre solitario vela!</div> +<br /> +<span class="pagenum">[15]</span> +<div class="poetry1">—Eu a vejo, uma nuvem lhe responde</div> +<div class="poetry">Do sereno e alto azul illuminado:<br /> +—Vejo-lhe os seios ns, vejo-lhe o dorso,<br /> +—E o seu corpo de perolas colmado—</div> +<br /> +<div class="poetry1">Fez-se pallido Ahmehd bem como a lua,</div> +<div class="poetry">E erguendo o seu kandjar de folha rara,<br /> +Desce, e apunhala a nua favorita...<br /> +Quanto nuvem... no azul se dissipra...</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p16" id="p16">[16]</a></span> +<h3>O JURAMENTO DO ARABE</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<h5>A Teixeira de Queiroz</h5> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry1">Bas, mulher de Ali, pastra de camlas,</div> +<div class="poetry">Viu de noute, ao fulgor das rtilas estrellas,<br /> +Wail, chefe minaz de barbara pujana,<br /> +Matar-lhe um animal. Bas jurou vingana;<br /> +Corre, clere va, entra na tenda e conta<br /> +A um hospede de Ali a grave e inulta affronta.</div> +<br /> +<span class="pagenum">[17]</span> +<div class="poetry1">Bas, disse tranquillo o hospede gentil,</div> +<div class="poetry">Vingar-te-hei com meu brao, eu matarei Wail.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Disse e cumpriu.</div> +<br /> +<div class="poetry2">Foi esta a causa verdadeira</div> +<div class="poetry">Da guerra pertinaz, horrivel, carniceira<br /> +Que as tribus dividiu. Na lucta fratricida<br /> +Omar, filho de Amr, perdra o alento e a vida.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Amr que lanas mil aos rudes prlios leva,</div> +<div class="poetry">E que em sangue inimigo, irado, os odios cva,<br /> +Incansavel procura, e sempre embalde, o vil<br /> +Matador de seu filho, o trdo Muhalhil.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Uma noite, na tenda, a um moo prisioneiro,</div> +<div class="poetry">Recem-colhido em campo, o indomito guerreiro<br /> +Fallou severo assim:</div> +<div class="poetry3">Escravo, attende, e escuta:</div> +<div class="poetry">Aponta-me a regio, o monte, o plaino, a gruta,<br /> +Em que vive o traidr Muhalhil, dize a verdade;<br /> +D-me que o alcance vivo, e tua a liberdade!</div> +<br /> +<div class="poetry1">E o moo perguntou:</div> +<div class="poetry3"> por Allah que o juras?</div> +<span class="pagenum">[18]</span> +<div class="poetry">—Juro, o chefe tornou—</div> +<div class="poetry3">Sou o homem que procuras!</div> +<div class="poetry">Muhalhil o meu nome, eu fui que espedacei<br /> +A lana de teu filho, e aos ps o subjuguei!</div> +<br /> +<div class="poetry1">E intrpido fitava o attonito inimigo.<br /> +<br /> +Amr volveu:—s livre, Allah seja comtigo!</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p19" id="p19">[19]</a></span> +<h3>NUM LEQUE</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry1">Amar e ser amado, que ventura!</div> +<div class="poetry">No amar, sendo amado, um triste horrr:<br /> +Mas na vida ha uma noite mais escura,<br /> + amar alguem que no nos tenha amr!</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p20" id="p20">[20]</a></span> +<h3>OLHOS DE JUDIA</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry1">No transparente olhar das virgens da Allemanha</div> +<div class="poetry">Nada um fluido subtil tam pleno de scismar,<br /> +Que a gente cuida ouvir uma sonata extranha<br /> +Num castello do Rheno em noites de luar.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Flr do Guadalquivir, gloria da ardente Hespanha,</div> +<div class="poetry">Se dardejas, sorrindo, um teu lascivo olhar,<br /> +O crespo, o encapellado e procelloso mar<br /> +Dos desejos febris o corao nos banha.</div> +<br /> +<span class="pagenum">[21]</span> +<div class="poetry1">Nos teus olhos porm venusta semi-deia,</div> +<div class="poetry">Como nas mutaes de um rapido scenario,<br /> +Desdobram-se ante mim paizagens da Judeia...</div> +<br /> +<div class="poetry1">Vejo o louro Jesus vagueando solitario,</div> +<div class="poetry">Vejo-o no Horto a chorar, ouo-lhe a voz na Ceia<br /> +E escuto-lhe o gemido extremo no Calvario.</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<h3>H. HEINE +<br /> +<br /> +NUMEROS DO INTERMEZZO</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<h5>A M<sup>elle</sup> Louse de Almeida e Albuquerque</h5> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p24" id="p24">[24]</a></span> +<h3>I</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry1">Rosas e lirios, pombas, sol radiante,</div> +<div class="poetry">Tudo isso outrora, no fugaz passado,</div> +<div class="poetry0">Eu adorei constante.</div> +<br /> +<div class="poetry1">E d'esse amr, que tive immaculado</div> +<div class="poetry">Por lirios e aves e subtis perfumes,<br /> +Nem j me lembro, seductra amante,<br /> +Fonte pura de amr, que em ti resumes<br /> +A rosa, o lirio, a pomba e o sol radiante!</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p25" id="p25">[25]</a></span> +<h3>II</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry1">De um lirio branco no mimoso calix</div> +<div class="poetry2">Se eu a fosse depr</div> +<div class="poetry">A vaga essencia de meu peito, em breve<br /> +Escutras no calice de neve</div> +<div class="poetry2">Uma cano de amr.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Cano divina relembrando as ancias,</div> +<div class="poetry2">E o languido tremr</div> +<div class="poetry">Daquelle beijo, em noite mysteriosa,<br /> +Que me deram teus labios cr de rosa,</div> +<div class="poetry2">Meu doce e casto amr!</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p26" id="p26">[26]</a></span> +<h3>III</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry1"> luz viva do claro sol radioso</div> +<div class="poetry">O lto inclina a fronte esmaecida,<br /> +E espera a noite pensativo e ancioso.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Rompe a lua, e derrama a luz querida</div> +<div class="poetry2">Na corolla mimosa</div> +<div class="poetry">Da pobre flr que se abre enlanguecida.</div> +<div class="poetry2">Pobre flr amorosa!</div> +<br /> +<span class="pagenum">[27]</span> +<div class="poetry1">Olhando o cu e a lua at parece</div> +<div class="poetry2">Que, em desmaios de amr,</div> +<div class="poetry">Treme, palpita, cra e desfallece<br /> +<br /> +A scismadora e enamorada flr!</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p28" id="p28">[28]</a></span> +<h3>IV</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry0">Sobre os olhos formosos<br /> +Da minha doce amada</div> +<div class="poetry1">Rimei canes que os astros decoraram;<br /> +E embalsamei-lhe a bcca perfumada</div> +<div class="poetry0">Em terctos graciosos.</div> +<div class="poetry1">Innumeras estancias decantaram</div> +<div class="poetry0">Seu rsto peregrino</div> +<div class="poetry1">Que os jaspeados lirios escurece.</div> +<div class="poetry0">Que sonto divino</div> +<div class="poetry1">Eu rendilhra com subtis lavres<br /> +Sobre o seu corao... se ella o tivesse!</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p29" id="p29">[29]</a></span> +<h3>V</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry1">Pozeram-te no rsto o areo vu nupcial.</div> +<div class="poetry">Bem sei que te perdi, mas no te quero mal.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Brilham do teu collar as pedras luminosas,</div> +<div class="poetry">Mas no teu corao que noites luctuosas!</div> +<br /> +<div class="poetry1">Em sonhos eu desci, misera mulher,</div> +<div class="poetry">s sombras da tua alma, e vi-te o padecer...</div> +<br /> +<div class="poetry1">Bem sei que te perdi, minha doce amada,</div> +<div class="poetry">Mas no te quero mal, s muito desgraada</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p30" id="p30">[30]</a></span> +<h3><a href="#e1">VI</a></h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry1">Sei-o; a tua vida sem ventura,</div> +<div class="poetry">-nos commum esta funrea sorte.<br /> +Ce sobre ns a mesma noite escura,<br /> +E isto no finda sem que chegue a morte.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Se vejo nesse olhar um rir travsso,</div> +<div class="poetry">E em teu labio a insolencia costumada,<br /> +E o orgulho inflar teu corao... padeo,<br /> +E murmuro: s como eu, tam desgraada!</div> +<br /> +<span class="pagenum">[31]</span> +<div class="poetry1">Bem sei que ris, mas o teu labio treme:</div> +<div class="poetry">Nos teus olhos azues o pranto brilha:<br /> +Tens orgulho, e essa voz suspira e geme...<br /> +Como ns somos desgraados, filha!</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p32" id="p32">[32]</a></span> +<h3>VII</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry0">Se as flres do balsedo</div> +<div class="poetry1">Podessem ver meu peito alanceado,<br /> +Como allivio ao meu aspero degredo,<br /> +Mandar-me-hiam, das moitas do balsedo,<br /> +De seus prantos o balsamo sagrado.</div> +<br /> +<div class="poetry0">Se os rouxinoes da floresta</div> +<div class="poetry1">Soubessem quanta dr me rasga o seio,<br /> +Para espancar a minha noite msta,<br /> +Mandar-me-hiam, das sombras da floresta,<br /> +O seu mais terno e encantadr gorgeio.</div> +<br /> +<span class="pagenum">[33]</span> +<div class="poetry0">Se as estrellas do espao</div> +<div class="poetry1">Soubessem tudo quanto soffro em vida,<br /> +Para embalar d'esta alma o vil canao,<br /> +Mandar-me-hiam, dos concavos do espao,<br /> +Uma doce palavra condoda.</div> +<br /> +<div class="poetry0">E essa que sabe tudo,</div> +<div class="poetry1">O inferno e o horror da minha mocidade,<br /> + a dona das tranas de veludo,<br /> +E das unhas rosadas... sabe tudo<br /> +E apunhla-me a vida sem piedade!</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p34" id="p34">[34]</a></span> +<h3>VIII</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry1">No me sabes dizer, minha amada,</div> +<div class="poetry0">O motivo, a razo</div> +<div class="poetry">Porque pendem a face desmaiada</div> +<div class="poetry0">As rosas para o cho?</div> +<br /> +<div class="poetry1">No me sabes dizer porque, no meio</div> +<div class="poetry0">Do vasto prado em flr,</div> +<div class="poetry">Das violetas ce no roxo seio</div> +<div class="poetry0">Um vu de lucto e dr?</div> +<br /> +<span class="pagenum">[35]</span> +<div class="poetry1">Diz-me porque ouo a voz das cotovias</div> +<div class="poetry0">Hoje lugubre assim?</div> +<div class="poetry">E porque exhalam mortes e agonias</div> +<div class="poetry0">As urnas do jasmim?</div> +<br /> +<div class="poetry1">Por que motivo o sol tam claro e puro</div> +<div class="poetry0">De crepes se vestiu?</div> +<div class="poetry">Porque um sinistro pezadelo escuro</div> +<div class="poetry0">Sobre a terra cahiu?</div> +<br /> +<div class="poetry1">Bem sei eu porque vejo tudo triste</div> +<div class="poetry0">Sem luz e sem calr...</div> +<div class="poetry"> que tu, pomba branca, me fugiste</div> +<div class="poetry0">Meu amr, meu amr!</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p36" id="p36">[36]</a></span> +<h3>IX</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry1">Disseram-te de mim feios horrres,</div> +<div class="poetry">De imaginarias culpas me crivaram,<br /> +E sobre as minhas lastimaveis dres</div> +<div class="poetry2">Um negro vu lanaram!</div> +<br /> +<div class="poetry1">Distenderam os labios sacudindo</div> +<div class="poetry">Com grave e serio gesto a fronte, e ao cabo...<br /> +(E acreditaste-os tu, meu anjo lindo!)</div> +<div class="poetry2">Chamaram-me o Diabo!</div> +<br /> +<span class="pagenum">[37]</span> +<div class="poetry1">O que ha de mais escuro e de mais feio</div> +<div class="poetry">Na minha vida, ignoram-no os sandeus,<br /> +Tam occulto este amr vive em meu seio,</div> +<div class="poetry2"> luz dos olhos meus!</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p38" id="p38">[38]</a></span> +<h3>X</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry">Naquella manh ditosa</div> +<div class="poetry0">O sol mandava-nos beijos;<br /> +Do rouxinol os solfejos<br /> +Suspiravam na amplido.</div> +<br /> +<div class="poetry">Se me lembro, ai! se me lembro</div> +<div class="poetry0">D'esse amplexo demorado,<br /> +Com que tu, meu lirio amado,<br /> +Uniste-me ao corao!</div> +<br /> +<span class="pagenum">[39]</span> +<div class="poetry">Grasnava o crvo agoirento,</div> +<div class="poetry0">As sccas folhas cahiam,<br /> +E uns tristes raios desciam<br /> +Da plumbea curva dos cus.</div> +<br /> +<div class="poetry">Se me lembro, ai! se me lembro</div> +<div class="poetry0">Da fria e grave mesura<br /> +Que, naquella tarde escura,<br /> +Fizeste ao dizer-me—adeus!</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p40" id="p40">[40]</a></span> +<h3>XI</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry">Fste fiel, no caminho</div> +<div class="poetry0">Doloroso que eu seguia,<br /> +Dste-me alentos, carinho,<br /> +Meu conslo fste, e guia.</div> +<br /> +<div class="poetry">Dste-me tudo, consorte,</div> +<div class="poetry0">Roupa branca e at dinheiro!<br /> +E ao partir para o extrangeiro<br /> +Compraste-me o passaporte!</div> +<br /> +<span class="pagenum">[41]</span> +<div class="poetry">Deus t'o pague, meu amr!</div> +<div class="poetry0">E um viver te d tranquillo!<br /> +Mas que te no faa aquillo<br /> +Que tu me fizeste, flr!</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p42" id="p42">[42]</a></span> +<h3>XII</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry1">Emquanto eu andava viajando, a minha</div> +<div class="poetry">Noiva gentil, o meu thesouro amado,<br /> +Julgando que eu tardava e que no vinha,<br /> +Fez pressa o vestido de noivado,<br /> +E um dia, ao p do altar, entrega anciosa<br /> +A um ffo peralvilho a mo de esposa.</div> +<br /> +<span class="pagenum">[43]</span> +<div class="poetry1">Nada no mundo a minha amada eguala;</div> +<div class="poetry">Nem eu sei a que a possa comparar!<br /> +Que doce o aroma que o seu labio exhala!<br /> +Que gesto lindo! e que formoso olhar!<br /> +Suspende a queixa, corao trahido,<br /> +Deixaste o cu, do cu fste banido!</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p44" id="p44">[44]</a></span> +<h3>XIII</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry1">Quando morreres, filha, ao teu jazigo</div> +<div class="poetry">Descerei taciturno e allucinado,<br /> +E abraando esse corpo delicado,<br /> +No frio marmor dormirei comtigo.</div> +<br /> +<div class="poetry1">E tu muda, e tu fria, e tu gelada!</div> +<div class="poetry">E eu nos meus braos a apertar-te ainda!<br /> +E nas sombras daquella noite infinda<br /> +Clamo, estremeo e morro, alma adorada!</div> +<br /> +<span class="pagenum">[45]</span> +<div class="poetry1">Os mortos, alta noute, pouco e pouco</div> +<div class="poetry">Erguer-se-ho, ao luar, rindo e danando;<br /> +E eu ficarei na sombra, sonho louco!<br /> +No teu seio de jaspe repoisando.</div> +<br /> +<div class="poetry1">E quando a hora chegue em que as trombtas</div> +<div class="poetry">Do Juizo Final se ouvirem todas,<br /> +No surgirs, inveja das violetas,<br /> +Do escuro leito das eternas bdas!</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p46" id="p46">[46]</a></span> +<h3>XIV</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry0">Do Norte sobre um monte,</div> +<div class="poetry2">Alto frio e gelado,<br /> +Um pinheiro isolado</div> +<div class="poetry1">Ergue entre o glo a merencoria fronte.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Todo tremulo, o misero deseja</div> +<div class="poetry">Ser a esbelta palmeira viridente<br /> +Que em terra adusta odeia a luz ardente<br /> +Que sobre ella o implacavel sol dardeja.</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p47" id="p47">[47]</a></span> +<h3>XV</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry1">Das minhas penas fiz canes aladas</div> +<div class="poetry">De alegre geito e jovial feio.<br /> +Vi-as partir em doidas revoadas,<br /> +E vi-as procurar teu corao.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Partem alegres, voltam lacrymosas,</div> +<div class="poetry">Perdido o fresco riso ingenuo e ldo,<br /> +Mas do que viram guardam, silenciosas,<br /> +O mais profundo e lugubre segredo.</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p48" id="p48">[48]</a></span> +<h3>XVI</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry1">Eu no posso esquecer, perdo, minha senhora,</div> +<div class="poetry">—Estes laos de amr custam a desatar—<br /> +Eu no posso esquecer, minha doce aurora,<br /> +Que subjuguei teu corpo e essa alma singular...</div> +<br /> +<div class="poetry1">Teu corpo, ai! o teu corpo esbelto, moo e branco,</div> +<div class="poetry">J foi meu, j foi meu... mas neste instante, flr,<br /> +Da tua alma prescindo, e escuta, serei franco,<br /> +Basta-me a que possuo, ah! basta, meu amr!</div> +<br /> +<span class="pagenum">[49]</span> +<div class="poetry1">Se um dia succeder, que esse teu seio trema</div> +<div class="poetry">De novo juncto ao meu, hei-de insuflar-te, doudo,<br /> +Metade da minha alma, e ento, gloria suprema!<br /> +De ambos ns, meu amr, faremos um s todo...</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p50" id="p50">[50]</a></span> +<h3><a href="#e2">XVII</a></h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry1"> domingo: o burguez deixa os asphaltos,</div> +<div class="poetry0">Dando o brao burgueza;</div> +<div class="poetry">Procura o campo, e, ao vl-o, exclama aos saltos:</div> +<div class="poetry0"> filha, que lindeza!</div> +<br /> +<div class="poetry1">E pasma do verdr febril, romantico,</div> +<div class="poetry0">Da mrmura floresta;</div> +<div class="poetry">E a sua longa orelha absorve o cantico</div> +<div class="poetry0">Da passarada em festa.</div> +<br /> +<span class="pagenum">[51]</span> +<div class="poetry1">Eu que no saio, escondo a gelosia</div> +<div class="poetry0">Com negros cortinados,</div> +<div class="poetry">E recebo a visita, em pleno dia,</div> +<div class="poetry0">Dos espectros amados.</div> +<br /> +<div class="poetry1">E aquelle Amr que eu vi morrer outrora.</div> +<div class="poetry0">No meu quarto apparece!</div> +<div class="poetry">Senta-se ao p de mim, beija-me e chora,</div> +<div class="poetry0">E treme e desfallece!</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p52" id="p52">[52]</a></span> +<h3>XVIII</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry">Rompia a manh, rompia</div> +<div class="poetry0">Alegre como um trinado,<br /> +E eu ia triste e calado,<br /> +No meio d'essa alegria,<br /> +Por entre as flres do prado...<br /> +Rompia a manh, rompia...</div> +<br /> +<div class="poetry">Vendo-me, as flres do prado</div> +<div class="poetry0">Mais as rosas do silvedo<br /> +Cochicharam em segredo...<br /> +E erguendo os olhos, a medo,</div> +<span class="pagenum">[53]</span> +<div class="poetry0">Num tom de voz repassado<br /> +Da mais branda languidez:<br /> +Como elle vae irritado,<br /> +Os olhos fitos no cho!<br /> +Perda por esta vez,<br /> +No ralhes com ella, no?</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p54" id="p54">[54]</a></span> +<h3>XIX</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry1">Na tua face ardente e avelludada</div> +<div class="poetry">Encandeia-se a luz do quente Estio,<br /> +Mas no teu corao, minha amada,<br /> +Habita o Inverno enregelado e frio.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Mas quem assim te v bella e formosa,</div> +<div class="poetry">Ver mais tarde o Inverno trvo e feio<br /> +Nessa tua gentil face mimosa,<br /> +E o rubro Estio no teu branco seio!</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p55" id="p55">[55]</a></span> +<h3>XX</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry1">No momento do <em>adeus</em> succede que os amantes</div> +<div class="poetry">Se abraam, a chorar, com vozes soluantes.<br /> +Fora, fora partir; a mo prende-se mo,<br /> +E uma infinda tristesa inunda o corao.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Para ns, meu amr, nessa hora de agonia</div> +<div class="poetry">No houve o padecer que as almas excrucia:<br /> +Foi grave o nosso <em>adeus</em> e frio, e s agora<br /> + que a Dr nos subjuga, e a Angustia nos devora.</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p56" id="p56">[56]</a></span> +<h3>XXI</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry">Sonhei: de novo suspirava o vento</div> +<div class="poetry0">Das tilias sob a cupula odorante;<br /> +E como outrora ouvia o juramento</div> +<div class="poetry2">Do teu amr constante.</div> +<br /> +<div class="poetry">Que protestos de amr nesse momento!</div> +<div class="poetry0">Mas na febre dos beijos que me deste,<br /> +Como para gravar teu juramento</div> +<div class="poetry2">Em meus dedos mordeste!</div> +<br /> +<span class="pagenum">[57]</span> +<div class="poetry">Dona do riso alegre, meu tormento!</div> +<div class="poetry0">Dona de olhos azues, minha amada!<br /> +J me bastava o doce juramento,</div> +<div class="poetry2">Foi de mais a dentada!</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p58" id="p58">[58]</a></span> +<h3>XXII</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry1">Chorei: sonhava e era comtigo, estavas</div> +<div class="poetry">Morta num cemiterio, fria, fria...<br /> +E, ao despertar, senti que o pranto, em lavas,<br /> +De meus canados olhos escorria.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Chorei: sonhava e era comtigo, rosa;</div> +<div class="poetry">Havias-me, sem d, abandonado:<br /> +E, ao despertar da noite tormentosa,<br /> +Tinha o rsto de lagrimas banhado.</div> +<br /> +<span class="pagenum">[59]</span> +<div class="poetry1">Chorei: sonhava, e era comtigo, linda!</div> +<div class="poetry">Dizias-me, a sorrir, como eu te adoro!<br /> +Desperto, e logo numa angustia infinda,<br /> +Eis-me a chorar de novo e ainda choro!</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p60" id="p60">[60]</a></span> +<h3>XXIII</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry0">Batido do torvelinho<br /> +O bosque palpita ao aoite<br /> +Do vento outomnal; noite.</div> +<div class="poetry1">Monto a cavallo e metto-me a caminho.</div> +<br /> +<div class="poetry0">E este inquieto pensamento,<br /> +E esta phantasia errante<br /> +Levaram-me nesse instante</div> +<div class="poetry1">Ao teu virgineo e candido aposento.</div> +<br /> +<span class="pagenum">[61]</span> +<div class="poetry0">Os ces ladram; nas sonoras<br /> +Escadas assoma gente,<br /> +E eu no marmore luzente</div> +<div class="poetry1">Fao tinir as rtilas esporas.</div> +<br /> +<div class="poetry0">No teu quarto da baunilha<br /> +Vam clidos armas;<br /> +Tu dormes, soltas as cmas,</div> +<div class="poetry1">E eu nos teus braos cio, minha filha!</div> +<br /> +<div class="poetry0">Solua o vento magoado:<br /> +Diz um carvalho altaneiro:<br /> +Cavalleiro, cavalleiro,</div> +<div class="poetry1">Suspende o teu sonhar allucinado!</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p62" id="p62">[62]</a></span> +<h3>XXIV</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry1">Eu enterro as canes de amr e o fel amargo</div> +<div class="poetry2">Do meu triste sonhar:</div> +<div class="poetry">Quero um caixo profundo, immenso, vasto e largo;</div> +<div class="poetry2">Depressa, ide-o buscar!</div> +<br /> +<div class="poetry1">Um caixo formidando, um fretro-portento,</div> +<div class="poetry2">Que sobreexceda e vena</div> +<div class="poetry">O pzo sobrehumano e o enorme comprimento</div> +<div class="poetry2">Da ponte de Mayena.</div> +<br /> +<span class="pagenum">[63]</span> +<div class="poetry1">Trazei-m'o sem demora; eu hei-de enchl-o em breve;</div> +<div class="poetry2">Vereis a promptido.</div> +<div class="poetry">De Heidelberg o tonel ser pequeno e leve</div> +<div class="poetry2">Ao p d'esse caixo.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Doze gigantes quero, o aspecto feio e rudo,</div> +<div class="poetry2">E de um vigr sem conta,</div> +<div class="poetry">Que me faam lembrar Christovam, o membrudo,</div> +<div class="poetry2">Que em Colonia se aponta.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Gigantes, balouae o fretro luctuoso!</div> +<div class="poetry2">Vamos! agora, ao mar!</div> +<div class="poetry">Cova maior existe? Abysmo assim grandioso</div> +<div class="poetry2">Difficil de achar.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Sabeis porque eu desejo um fretro assim largo,</div> +<div class="poetry2">De vastas dimenses?</div> +<div class="poetry"> que enterro, infeliz, o amr, o fel amargo</div> +<div class="poetry2">Das minhas illuses.</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p65" id="p65">[65]</a></span> +<h3>O MINUTE</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<h5>Ao dr. Thomaz de Carvalho</h5> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry1">Espaoso o salo: jarras a cada canto;</div> +<div class="poetry">Admira-se o lavr do tecto de pu sancto.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Cadeiras de espaldar com fulvas pregarias:</div> +<div class="poetry">Um enorme soph: largas tapearias.</div> +<br /> +<span class="pagenum">[66]</span> +<div class="poetry1">O purpureo tapete aos olhos nos revela</div> +<div class="poetry">Entre as garras de um tigre anciosa uma gazella.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Retratos em redor: olhemos o primeiro:</div> +<div class="poetry">No Tro as mos de Affonso o armaram cavalleiro.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Era Arcebispo aquelle: esta foi aafata...</div> +<div class="poetry">Que frescura sensual nos labios de escarlata!</div> +<br /> +<div class="poetry1">Olhos revendo o azul que sobre a Italia assoma:</div> +<div class="poetry">Em finos caraces, a loura e ondada cma:</div> +<br /> +<div class="poetry1">Collo robusto e n: cabea triumphante:</div> +<div class="poetry">Consta que certo rei... passemos adeante!</div> +<br /> +<div class="poetry1">Este, que vs, morreu num africano areal</div> +<div class="poetry">Por vingana cruel do aspero Pombal.</div> +<br /> +<div class="poetry1">D'esse olhar na expresso infinda e inenarravel</div> +<div class="poetry">Desabrocha uma dr profunda e inconsolavel.</div> +<br /> +<span class="pagenum">[67]</span> +<div class="poetry1">Defronte, uma donzella, o rosto meigo e afflicto,</div> +<div class="poetry">Num extasis adora o pallido proscripto.</div> +<br /> +<div class="poetry1">O teu sonho nupcial, franzina morgadinha,</div> +<div class="poetry">Tam cedo se desfez, misera e mesquinha!</div> +<br /> +<div class="poetry1">No burel escondeste o vio e a formusura,</div> +<div class="poetry">E desmaiaste, flr, no cho de uma clausura!...</div> +<br /> +<div class="poetry1">Repara nos desdens do ffo conselheiro,</div> +<div class="poetry">Que sorridente aspira a flr de um jasmineiro!</div> +<br /> +<div class="poetry1">Em canones doutor: no Pao foi bemquisto:</div> +<div class="poetry">Orna-lhe o peito a cruz de um habito de Christo.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Esse outro combatendo s portas de Bayona,</div> +<div class="poetry">Como um bravo, alcanou a rtila dragna.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Vibra flammas do olhar; cabea erecta e audaz;</div> +<div class="poetry">Illumina-lhe o rsto a gloria de um gilvaz.</div> +<br /> +<span class="pagenum">[68]</span> +<div class="poetry1">Assistmos, ao vl-o, s pugnas carniceiras,</div> +<div class="poetry">E ouvimos o clangr das musicas guerreiras...</div> +<br /> +<div class="poetry1">No antiquissimo espelho, sombra das cortinas,</div> +<div class="poetry">Reflecte-se o primr de argenteas serpentinas.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Sob o espelho se aninha um cravo marchetado,</div> +<div class="poetry">Mimo outrora da casa, e prenda de um noivado.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Ao lado um cofre encerra, em amoravel ninho,</div> +<div class="poetry">Antiga partitura em velho pergaminho.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Uma noite extendi a musica na estante,</div> +<div class="poetry">E o cravo suspirou... naquelle mesmo instante</div> +<br /> +<div class="poetry1">Da eburnea pallidez doentia do teclado</div> +<div class="poetry">Manso e manso evolou-se o arma do passado.</div> +<br /> +<div class="poetry1">E vi descer do quadro a languida aafata</div> +<div class="poetry">Que, ao discreto pallr das lampadas de prata,</div> +<br /> +<span class="pagenum">[69]</span> +<div class="poetry1">A fimbria alevantando azul do seu vestido</div> +<div class="poetry">O rsto acerejado, o gesto commovido,</div> +<br /> +<div class="poetry1">A sorrir, deslisou graciosa no tapte,</div> +<div class="poetry">Danando airosamente o airoso minute...</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p70" id="p70">[70]</a></span> +<h3>O COVEIRO</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<h5>A Alberto Braga</h5> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry1">Elle entrou cabisbaixo e silencioso</div> +<div class="poetry">Na immunda tasca, e foi sentar-se a um canto;<br /> +Deram-lhe vinho, recusou, o espanto<br /> +Cresceu no olhar do taberneiro oleoso.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Elle era o mais antigo e o mais ruidoso</div> +<div class="poetry">Dos freguezes da casa: ao obsceno canto<br /> +Ninguem prestava mais lascivo encanto<br /> +Ao som magoado de um violo choroso.</div> +<br /> +<span class="pagenum">[71]</span> +<div class="poetry1">Mas o velho sentra-se distante</div> +<div class="poetry">Da alegre turba, a vista lacrymante<br /> +Mergulhada nas chammas do brazido...</div> +<br /> +<div class="poetry1">Disse um da roda: espanta-me o coveiro!</div> +<div class="poetry">—Morreu-lhe ha pouco a filha...—distrahido<br /> +Volveu da bisca um contumaz parceiro.</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p72" id="p72">[72]</a></span> +<h3>ADEUS!</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry1">Uma vez, numa camara elegante,</div> +<div class="poetry">De um contador no marmore de rosa,<br /> +Entre os mil nadas feminis que exhalam<br /> +Uns aromas subtis que nos embalam,<br /> +Vi uma concha pallida e graciosa.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Sentira eu nella um som confuso e triste,</div> +<div class="poetry">Como o dos sinos em remota aldeia;<br /> +Pobre concha! morria de saudade<br /> +Daquella vaga e triste immensidade<br /> +Do mar que chora na deserta areia.</div> +<br /> +<span class="pagenum">[73]</span> +<div class="poetry1">Olha, querida, como nessa concha,</div> +<div class="poetry">Anda chorando em mim continuamente<br /> +Essa timida voz que tu soltaste,<br /> +Essa palavra <span class="smallcaps">ADEUS</span> que murmuraste<br /> +Aos meus ouvidos languida e tremente!</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<h3>CAMONEANA</h3> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p76" id="p76">[76]</a></span> +<h3>I</h3> +<br /> +<h3>NA EGREJA DAS CHAGAS</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<h5>Ao dr. A. A. de Carvalho Monteiro</h5> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry1">Proxima vinha a nobre Catharina</div> +<div class="poetry">Da porta principal da egreja, quando<br /> +Seu olhar encontrou suave e brando<br /> +O olhar de um moo de presena fina.</div> +<br /> +<div class="poetry1">E, ao fulgr d'esse olhar ardente, inclina</div> +<div class="poetry">A dama o rsto, timida, crando...<br /> +Arfa-lhe o niveo seio, palpitando,<br /> +Em doida e extranha commoo divina.</div> +<br /> +<span class="pagenum">[77]</span> +<div class="poetry1">Cames, que outro no era o moo, ardido,</div> +<div class="poetry">Num gesto de galan desvanecido,<br /> +Quem vos pudra merecer! murmura.</div> +<br /> +<div class="poetry1">E a dama, ao ouvil-o, languida sorria,</div> +<div class="poetry">Pois que em todos os tempos a ouzadia<br /> +Ao amr nunca trouxe desventura.</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p78" id="p78">[78]</a></span> +<h3>II</h3> +<br /> +<h3>A LEITURA DOS LUSIADAS</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<h5>A Vicente Pindella</h5> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry1">Do moo rei defronte, esbelto e cavalleiro</div> +<div class="poetry">Cames recita; a crte, silenciosa<br /> +Ante a rubra exploso do cantico guerreiro,<br /> +Admira essa Epopeia enorme e prodigiosa.</div> +<br /> +<div class="poetry1">... Ruge a electrica voz do Adamastr furiosa;</div> +<div class="poetry">Nas amuradas canta o alegre marinheiro;<br /> +Do Oceano flr scintilla a esteira luminosa<br /> +Dos pesados galees do Gama aventureiro.</div> +<br /> +<span class="pagenum">[79]</span> +<div class="poetry1">Terra! grita o gageiro; e praia melindana</div> +<div class="poetry">Desce douda e febril a gente lusitana<br /> +Desfraldam-se os pendes ao claro cu do Oriente...</div> +<br /> +<div class="poetry1">Da gloria ante o esplendr o olhar d'El-Rey fulgura;</div> +<div class="poetry">O Camara no emtanto, alma sombria e escura,<br /> +No rei os olhos crava, e ri felinamente.</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p80" id="p80">[80]</a></span> +<h3>III</h3> +<br /> +<h3>ANNOS DEPOIS</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<h5>A Bernardo Pindella</h5> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry1">Juncto de um catre vil, grosseiro e feio,</div> +<div class="poetry">Por uma noite de luar saudoso,<br /> +Cames, pendida a fronte sobre o seio,<br /> +Scisma embebido num pesar luctuoso...</div> +<br /> +<div class="poetry1">Eis que na rua um cantico amroso</div> +<div class="poetry">Subitaneo se ouviu da noite em meio:<br /> +J se abrem as adufas com receio...<br /> +Noite de amres! que trovar mimoso!</div> +<br /> +<span class="pagenum">[81]</span> +<div class="poetry1">Cames acorda, e gelosia assma,</div> +<div class="poetry">E aquelle canto, como um antigo arma,<br /> +Resuscita-lhe os risos do passado.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Viu-se moo e feliz, e ah! nesse instante,</div> +<div class="poetry">No azul viu perpassar, claro e distante,<br /> +De Natercia gentil, o vulto amado...</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p83" id="p83">[83]</a></span> +<h3>ESPHYNGE</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<h5>Traduco de uns versos de Alexandre Dumas<br /> +escriptos num leque<br /> +em que estava pintada uma Esphynge</h5> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry1">Que me queres, Esphynge? O que procuras? diz-m'o:</div> +<div class="poetry">Se do poeta o segredo intentas penetrar,<br /> +Desce dos annos meus ao tenebroso abysmo,<br /> +Vers o Amr aos Vinte e aos Sessenta o Pesar.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Sim, Pesar, no de haver lanado aos quatro ventos</div> +<div class="poetry">Com prodiga loucura o verbo triumphante,<br /> +A ambio, o dinheiro, os risos e os tormentos,<br /> +E as auroras de abril que passam num instante!</div> +<br /> +<span class="pagenum">[84]</span> +<div class="poetry1">Mas Pesar de sentir dentro em meu peito agora,</div> +<div class="poetry">Como accso vulco em glos sepultado,<br /> +Do juvenil desejo a flamma que devora,<br /> +E de no poder mais, amando, ser amado!</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p85" id="p85">[85]</a></span> +<h3>A CEIA DE TIBERIO</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<h5>Ao dr. J. Frederico Laranjo</h5> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry1">Opulento o festim: em todo o vasto imperio</div> +<div class="poetry">Outro no houve egual. Capra a dissoluta,<br /> +O retiro de amr do perfido Tiberio,</div> +<br /> +<div class="poetry1">Illuminada ri. Ao longe Roma escuta</div> +<div class="poetry">O confuso rumr da tenebrosa orgia:<br /> +Assim geme, assim ronca o mar em funda gruta.</div> +<br /> +<span class="pagenum">[86]</span> +<div class="poetry1">Fascina, attrae, seduz, e os olhos extasia</div> +<div class="poetry">A imperial vivenda: a sala deslumbrante:<br /> +Ouro e gmmas sem fim confundem-se porfia.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Das lampadas rebrilha o lume coruscante;</div> +<div class="poetry">Nos triclinios esplende a purpura escarlata,<br /> +A fina tartaruga e o sandalo odorante.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Aos angulos da sala, em primorosa prata,</div> +<div class="poetry">Erotico esculptor grupos fundiu lascivos,<br /> +Em cujos membros ns Volupia se retrata.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Resaltam da parede os satyros esquivos</div> +<div class="poetry">Sob o pampano alegre: as nymphas, em coras,<br /> +Danam na riba, em flr, de arroios fugitivos.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Em marmrea piscina enroscam-se as muras,</div> +<div class="poetry">Dos patricios de Roma o pabulo dilecto,<br /> +Vezes sem conto, escravo, ali rompeste as veias!</div> +<br /> +<div class="poetry1">Pendem verdes festes do primoroso tecto,</div> +<div class="poetry">Pyrrheico ali pintra um matagal folhudo,<br /> +E um lago crystallino, encantador, discreto.</div> +<br /> +<span class="pagenum">[87]</span> +<div class="poetry1">Diana ao sol enxuga as tranas de veludo,</div> +<div class="poetry">Acteon espreita ancioso, e, rapida alegria!<br /> +Aos poucos se transforma em cervo ramalhudo.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Em Milto foi tincta a azul tapearia,</div> +<div class="poetry">Que nas mesas se extende e nos mosaicos dorme;<br /> +Dos velarios se esca o arma que inebria.</div> +<br /> +<div class="poetry1">A festa no pendor: num ureo prato informe</div> +<div class="poetry">Eis que entra um javali, formosas gaditanas<br /> +Danam em derredor. Ulula a grita enorme.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Jorra o vinho de Ks purpureas espadanas;</div> +<div class="poetry">Dos convivas na fronte enlaa-se a verbena,<br /> +Preludiam no emtanto as frautas sicilianas.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Adoudada suspira uma cano obscena:</div> +<div class="poetry">Fervem beijos no ar, os seios pulam, crescem<br /> +E desnudam-se luz, Tiberio assim o ordena.</div> +<br /> +<div class="poetry1">As matronas, ao vr o duro gesto, obedecem,</div> +<div class="poetry">E l passam gentis, deslisam mansamente<br /> +Dos marmores flr; so nuas, endoudecem!</div> +<br /> +<span class="pagenum">[88]</span> +<div class="poetry1">Um retiario nervudo, e um gladiador valente</div> +<div class="poetry">Combatem, so lees; o pallido vencido<br /> +Mistura o sangue rubro ao vinho rescendente.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Ora Tiberio ri... Mas subito um gemido</div> +<div class="poetry">Longo e triste chorou nos paos de Capra...<br /> +Indagam: talvez fosse o gladiador ferido...</div> +<br /> +<div class="poetry1">Nesse instante Jesus morria na Judeia!</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<h3>TRIO DE POETAS</h3> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p90" id="p90">[90]</a></span> +<h3>I</h3> +<br /> +<h3>JOO DE LEMOS</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<h5>Ao Visconde de Pindella</h5> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry1">Na cidade gentil do austero estudo</div> +<div class="poetry">Sobranceira ao Mondego socegado,<br /> +Em cuja riba o sinceiral folhudo<br /> +De rouxinoes suspira gorgeiado,</div> +<br /> +<div class="poetry1">Fste erguido no concavo do escudo</div> +<div class="poetry">Pelos moos de outrora, e celebrado<br /> +Trovador, cavalleiro, e namorado...<br /> +Tempo de glorias! Como passa tudo!</div> +<br /> +<span class="pagenum">[91]</span> +<div class="poetry1">No emtanto s vezes, na provincia, quando</div> +<div class="poetry">A um dce, honesto e feminino bando<br /> +Digo a <span class="smallcaps">lua de londres</span>, de repente</div> +<br /> +<div class="poetry1">Da infancia volvo candida simpleza,</div> +<div class="poetry">E ondulam na minh'alma vagamente<br /> +Tremulas notas de fugaz tristeza.</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p92" id="p92">[92]</a></span> +<h3>II</h3> +<br /> +<h3>JOO DE DEUS</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<h5>A Anthero do Quental</h5> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry1">Sempre que o leio, sinto-me captivo</div> +<div class="poetry">De um no sei qu, de infinda suavidade,<br /> +E entram commigo uns longes de saudade,<br /> +Que me deixam sizudo e pensativo.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Sonho: quizra, em triste soledade,</div> +<div class="poetry">Viver das gentes apartado e esquivo,<br /> +E erguer-me a esse planeta primitivo<br /> +Onde resplenda a eterna mocidade.</div> +<br /> +<span class="pagenum">[93]</span> +<div class="poetry1">J o seu nome to suave e brando,</div> +<div class="poetry">To eufonico, meigo e delicado,<br /> +Que fica nos ouvidos suspirando...</div> +<br /> +<div class="poetry1">Diz a lenda que vive descuidado,</div> +<div class="poetry"><span class="smallcaps">Ramos</span> tecendo, e +<span class="smallcaps">flores</span> emmoitando,<br /> +Da Chymera nos seios reclinado.</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p94" id="p94">[94]</a></span> +<h3>III</h3> +<br /> +<h3>JOO PENHA</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<h5>A Augusto Sarmento</h5> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry1">Nervoso mestre, domadr valente</div> +<div class="poetry">Da Rima e do Sonto portuguez,<br /> +No te eguala a pericia de um chinez<br /> +Na pintura de um vaso transparente.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Ha no teu verso a musica dolente</div> +<div class="poetry">Da guitarra andaluza, e muita vez<br /> +Rompe em meio da extranha languidez<br /> +O silvo estriduloso da serpente.</div> +<br /> +<span class="pagenum">[95]</span> +<div class="poetry1">No <span class="smallcaps">vinho e fel</span> traaste o escuro drama</div> +<div class="poetry">Em que solua e ri, na extensa gamma,<br /> +Teu desgrenhado amr, doido e fatal...</div> +<br /> +<div class="poetry1">Mas se do peito ancioso o dardo arrancas,</div> +<div class="poetry">Teu canto exhala as alegrias francas<br /> +De uma rubra Kermesse colossal.</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p97" id="p97">[97]</a></span> +<h3>CHYMERAS</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<h5>A meu tio Joo de Almeida e Albuquerque</h5> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry1">O mar j me tentou: aspiraes fogosas</div> +<div class="poetry">Fizeram-me idear phantasticas viagens;<br /> +Eu sonhava trazer de incognitas paragens<br /> +Noticias immortaes s gentes curiosas.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Mais tarde desejei riquezas fabulosas,</div> +<div class="poetry">Um palacio escondido em mrmuras folhagens,<br /> +Onde eu fosse occultar as candidas imagens<br /> +Das virgens que evoquei por noites silenciosas.</div> +<br /> +<span class="pagenum">[98]</span> +<div class="poetry1">Mas tudo isso passou: agora s me resta</div> +<div class="poetry">Das chymeras que tive, uma viso modesta,<br /> +Um sonho encantador, de paz e de ventura.</div> +<br /> +<div class="poetry1"> simples; uma alcva, um bero, um innocente,</div> +<div class="poetry">E uma esposa adorada, envolta, a negligente!<br /> +De um longo penteadr na immaculada alvura...</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p99" id="p99">[99]</a></span> +<h3>ODOR DI FEMINA</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<h5>A Alberto Pimentel</h5> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry1">Era austero e sizudo; no havia</div> +<div class="poetry">Frade mais exemplar nesse convento;<br /> +No seu cavado rsto macilento<br /> +Um poma de lagrimas se lia.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Uma vez que na extensa livraria</div> +<div class="poetry">Folheava o triste um livro pardacento,<br /> +Viram-no desmaiar, cahir do assento,<br /> +Convulso, e trvo sobre a lgea fria.</div> +<br /> +<span class="pagenum">[100]</span> +<div class="poetry1">De que morrra o venerando frade?</div> +<div class="poetry">Em vo busco as origens da verdade,<br /> +Ninguem m'a disse, explique-a quem pudr.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Consta que um bibliophilo comprra</div> +<div class="poetry">O livro estranho e que, ao abril-o, achra<br /> +Uns dourados cabellos de mulher...</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p101" id="p101">[101]</a></span> +<h3>EM CAMINHO DA GUILHOTINA</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<h5> Senhora Condessa de Sabugoza</h5> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry1">A <em>viuva Capet</em> vae ser guilhotinada.</div> +<br /> +<div class="poetry">Ora naquelle dia o povo de Pariz<br /> +Formidavel, brutal, colerico, feliz,<br /> +Erguera-se ao primeiro alvr da madrugada.</div> +<br /> +<div class="poetry1">No caminho traado ao funebre cortejo</div> +<div class="poetry2">O povo redemoinha;</div> +<div class="poetry">Que todos sentem n'alma o tragico desejo<br /> +De ver como Sanso degolla uma rainha.</div> +<br /> +<span class="pagenum">[102]</span> +<div class="poetry1">Da carreta em redor ondeiam os soldados;</div> +<div class="poetry2">De cima dos telhados</div> +<div class="poetry">Da rua, dos portaes, dos muros, dos balces<br /> +Chovem sobre a rainha as vis imprecaes.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Ella comtudo altiva erecta e desdenhosa</div> +<div class="poetry2">Olha tranquillamente</div> +<div class="poetry">Para o revolto mar da plebe tumultuosa.</div> +<br /> +<div class="poetry1">E emquanto aquelle povo inquieto e repulsivo</div> +<div class="poetry">Anceia por ouvir o grito convulsivo</div> +<div class="poetry2">E o derradeiro arranco</div> +<div class="poetry">D'essa mulher, e ri abominavelmente,<br /> +Um homem s, o algoz, vae triste e reverente.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Pde nascer ao p da forca um lirio branco.</div> +<br /> +<div class="poetry1">A carreta parou. Desce a rainha. Nisto</div> +<div class="poetry2">Viram-se uns braos ns</div> +<div class="poetry">Erguerem para o ar, flr da multido,<br /> +Uma loura creana, alegre como a luz,</div> +<div class="poetry2">Suave como o Christo,</div> +<div class="poetry">A quem talvez faltando em casa a enxerga e o po,<br /> +A me quizera dar aquella distraco.</div> +<br /> +<span class="pagenum">[103]</span> +<div class="poetry1">No primeiro degru da escura guilhotina</div> +<div class="poetry2">A rainha de Frana</div> +<div class="poetry">Ergueu o olhar e viu essa gentil creana<br /> +Levar a mo flr da bcca pequenina,<br /> +E atirar-lhe, a sorrir, um beijo doce e honesto...</div> +<br /> +<div class="poetry1">E ella que fra audaz, heroica e resoluta,</div> +<div class="poetry">E ouvira, com desdem, da plebe a injuria bruta,<br /> +Ante a esmola infantil, graciosa, d'esse gesto,<br /> +Chorou.</div> +<div class="poetry0">Chorou, emfim! A infame succumbiu!</div> +<div class="poetry">De entre o povo uma voz selvatica rugiu.</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p104" id="p104">[104]</a></span> +<h3>A VIUVA</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<h5> Senhora D. Margarida Street</h5> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry1">Fra de portas vive. silenciosa</div> +<div class="poetry">A modesta vivenda em que ella habita,<br /> +Ali correu-lhe a vida bonanosa,<br /> +Ali golpeou-lhe os seios a desdta.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Raro de quando em quando uma visita</div> +<div class="poetry">Novas lhe traz da vida tumultuosa,<br /> +E ella sorrindo a furto, descuidosa,<br /> +No azul os olhos em silencio fita.</div> +<br /> +<span class="pagenum">[105]</span> +<div class="poetry1">Ssinha e triste a pallida viuva,</div> +<div class="poetry">Por essas noites de invernia e chuva,<br /> +A um honesto e feminil labor se entrega.</div> +<br /> +<div class="poetry1">E, alta noite, levanta, em dr sepulta,</div> +<div class="poetry">O olhar, que fixa, e demorado prega<br /> +No eterno Ausente que num quadro avulta.</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p106" id="p106">[106]</a></span> +<h3>FLR DO PANTANO</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<h5>A Bulho Pato</h5> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry"> pequenina e sria,</div> +<div class="poetry0">E tem o gesto grave<br /> +Da filha de um burgrave,<br /> +A candida Valeria.</div> +<br /> +<div class="poetry">No ha flr mais suave,</div> +<div class="poetry0">De essencia mais ethrea,<br /> +E abriu-lhe a vida a chave<br /> +Do Vicio e da Miseria!</div> +<br /> +<span class="pagenum">[107]</span> +<div class="poetry">Na sua loura cma</div> +<div class="poetry0">Nunca passou o arma<br /> +Dos beijos maternaes.</div> +<br /> +<div class="poetry"> credula Ignorancia,</div> +<div class="poetry0">Esconde quella infancia<br /> +O nome vil dos paes!</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p108" id="p108">[108]</a></span> +<h3>A RESPOSTA DO INQUISIDR</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<h5>A meu tio Luiz de Almeida e Albuquerque</h5> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<h5>I</h5> +<br /> +<div class="poetry1">A sala em que medita El-Rey silenciosa,</div> +<div class="poetry">Apainelada e fria, o largo reposteiro<br /> +Ondula brandamente aragem preguiosa.</div> +<br /> +<h5>II</h5> +<br /> +<div class="poetry1"> cathedra real um Christo sobranceiro</div> +<div class="poetry">Msto, livido, n, ferido e ensanguentado<br /> +Exhala sobre o seio o alento derradeiro.</div> +<br /><span class="pagenum">[109]</span> +<h5>III</h5> +<br /> +<div class="poetry1">El-Rey medita e scisma: o seu olhar turbado,</div> +<div class="poetry">O seu obliquo olhar, o seu olhar de fra,<br /> +Vibra irrequieta luz, parece allucinado.</div> +<br /> +<h5>IV</h5> +<br /> +<div class="poetry1">Nisto porta assomou a calva fronte austera</div> +<div class="poetry">De um velho, e logo atraz um pagem que murmura:<br /> +Eis o monge, Senhor, que Vossa Alteza espera!</div> +<br /> +<h5>V</h5> +<br /> +<div class="poetry1">Curvra, ao entrar, o monge a tremula estatura:</div> +<div class="poetry">Mos dispostas em cruz no largo peito ancioso,<br /> +E humilhada a cerviz na ascetica postura.</div> +<br /> +<h5>VI</h5> +<br /> +<div class="poetry1">E comtudo esse frade humilde e respeitoso,</div> +<div class="poetry">De olhos fitos no cho, to fragil como um vime,<br /> +Na presena de um rei, de um Cesar poderoso,</div> +<br /> +<h5>VII</h5> +<br /> +<div class="poetry1"> fanatico e audaz; com mo de bronze opprime</div> +<div class="poetry">O Solio, a Egreja, o Lar, e os coraes dos crentes;<br /> +Flagella a sombra e o amr, condemna a luz, e o crime!</div> +<br /><span class="pagenum">[110]</span> +<h5>VIII</h5> +<br /> +<div class="poetry1">Quando elle vae passando, as timoratas gentes</div> +<div class="poetry">Benzem-se com pavr e param de improviso<br /> +As canes juvenis nas aleas rescendentes.</div> +<br /> +<h5>IX</h5> +<br /> +<div class="poetry1">Nunca nos labios seus florira o alegre riso,</div> +<div class="poetry">Tem cem annos, jamais beijra uma creana,<br /> +E cr subir, talvez, morrendo, ao Paraizo!</div> +<br /> +<h5>X</h5> +<br /> +<div class="poetry1">Na Hespanha, no Per, em Napoles, na Frana</div> +<div class="poetry">Paira como o sinistro espirito do Mal,<br /> +O negro inquisidr, feroz como a Vingana.</div> +<br /> +<h5>XI</h5> +<br /> +<div class="poetry1">Sisto quinto, o cruel, fizera-o cardeal,</div> +<div class="poetry">E a Hespanha pde ver com assombroso espanto<br /> +Juncto do rei-panthera o inquisidr-chacal.</div> +<br /> +<h5>XII</h5> +<br /> +<div class="poetry1">E Philippe dizia ao monge no entretanto:</div> +<div class="poetry">Sentinella da Lei, piedoso inquisidr,<br /> +Tu que fallas com Deus e s padre, e s bom, e s sancto</div> +<br /><span class="pagenum">[111]</span> +<h5>XIII</h5> +<br /> +<div class="poetry1">Arranca-me este pezo, afasta-me este horrr!</div> +<div class="poetry">Ah! diz'-me, cardeal, se um vil, se um precito<br /> +O rei que justo e mata o filho que traidr...</div> +<br /> +<h5>XIV</h5> +<br /> +<div class="poetry1">E mais no disse o rei, trvo, sombrio e afflicto.</div> +<div class="poetry">No emtanto o inquisidr erguendo imperturbavel<br /> +O seu hediondo olhar das lageas de granito,</div> +<br /> +<h5>XV</h5> +<br /> +<div class="poetry1">Assim tornou com voz vibrante e formidavel:</div> +<div class="poetry">— principe, e apontava o livido Jesus,<br /> +—Para acalmar dos cus a colera implacavel</div> +<br /> +<h5>XVI</h5> +<br /> +<div class="poetry1">—O Eterno fez morrer seu filho numa cruz!—</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p112" id="p112">[112]</a></span> +<h3>FERVET AMOR</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<h5>Ao dr. Antonio Candido</h5> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry1">D para a crca a estreita e humilde cella</div> +<div class="poetry">D'essa que os seus abandonou, trocando<br /> +O calr da familia ameno e brando<br /> +Pelo claustro que o sangue esfria e gela.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Nos flores manuelinos da janella</div> +<div class="poetry">Papeiam aves o seu ninho armando,<br /> +Vem-se ao longe os trigos ondulando...<br /> +Maio sorri na pradaria bella.</div> +<br /> +<span class="pagenum">[113]</span> +<div class="poetry1">Zumbe o insecto na flr do rosmaninho:</div> +<div class="poetry">Nas gistas pousa a abelha bria de gso:<br /> +Zunem bezouros e palpita o ninho.</div> +<br /> +<div class="poetry1">E a freira scisma e cra, ao vr, ancioso,</div> +<div class="poetry">Do seu ctre virgineo sobre o linho<br /> +Um par de borboletas amoroso.</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p114" id="p114">[114]</a></span> +<h3>NA ALDEIA</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<h5>A Christovam Ayres</h5> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry1">Duas horas da tarde. Um sol ardente</div> +<div class="poetry">Nos clmos dardejando, e nos eirados.<br /> +Sobreleva aos sussurros abafados<br /> +O grito das bigornas estridente.</div> +<br /> +<div class="poetry1">A taberna vazia; mansamente</div> +<div class="poetry">Treme o loureiro nos humbraes pintados;<br /> +Zumbem porta insectos variegados<br /> +Envolvidos do sol na luz tremente.</div> +<br /> +<span class="pagenum">[115]</span> +<div class="poetry1">Fia soleira uma velhinha: o filho</div> +<div class="poetry">No cu mal acordou da aurora o brilho,<br /> +Sahiu para os canaos da lavoura.</div> +<br /> +<div class="poetry1">A nra lava na ribeira, e os netos</div> +<div class="poetry">Ao longe correm semi-ns, inquietos,<br /> +No mar ondeante da sera loura.</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p116" id="p116">[116]</a></span> +<h3>ESTUDANTINA</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry">Acorda, minha Thereza,</div> +<div class="poetry0">Descerra a janella tua!<br /> +Espalha-se a luz da lua<br /> +Pela poetica deveza...<br /> +Entre os sinceiros da margem<br /> +Murmura o claro Mondego,<br /> +A noite corre em socgo...<br /> +Acorda, minha Thereza!</div> +<br /> +<span class="pagenum">[117]</span> +<div class="poetry">No dorme quem tem amres,</div> +<div class="poetry0">E o teu postigo cerrado!<br /> +Deixa o leito perfumado,<br /> +E o travesseiro de flres,<br /> +Se queres que eu acredite,<br /> + minha pallida amiga,<br /> +Nas palavras da cantiga:<br /> +No dorme quem tem amres!</div> +<br /> +<div class="poetry">Por isso eu vlo cantando,</div> +<div class="poetry0">E esta guitarra suspira,<br /> +E o meu corao delira<br /> +Mal vem a lua apontando...<br /> + que, noite, lirio branco,<br /> +Os astros guardam segredo<br /> +Dos beijos dados a medo...<br /> +Por isso eu vlo cantando...</div> +<br /> +<div class="poetry">Quero vr-te, como outrora</div> +<div class="poetry0">Nesse postigo inclinada,<br /> +Conversando enamorada<br /> +At ao raiar da aurora...<br /> +Um leno posto no liso<br /> +Dos teus hombros jaspeados,<br /> +Os cabellos destranados...<br /> +Quero vr-te como outrora.</div> +<br /> +<span class="pagenum">[118]</span> +<div class="poetry">No te assustes, Julieta,</div> +<div class="poetry0">Que a manh te encontre ainda<br /> +Bebendo a cano infinda<br /> +Que solua o teu poeta.<br /> +Cantar de entre os loureiros<br /> +Uma alegre cotovia,<br /> +Mal venha rompendo o dia...<br /> +No te assustes, Julieta!</div> +<br /> +<div class="poetry">Mas dorme a branca Thereza,</div> +<div class="poetry0">Cerrada a janella sua;<br /> +Espalha-se a luz da lua<br /> +Pela poetica deveza...<br /> +Entre os sinceiros da margem,<br /> +Murmura e corre o Mondego,<br /> +Que tristeza e que socgo!<br /> +Ai! dorme, dorme, Thereza!</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p119" id="p119">[119]</a></span> +<h3>AS ONDINAS</h3> +<br /> +<h5>H. HEINE</h5> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<h5>Ao Visconde de Castilho II</h5> +<br /> +<div class="poetry1">Na praia tranquilla murmuram sonoras</div> +<div class="poetry0">As ondas do mar.</div> +<div class="poetry">E, ao dce das aguas murmrio palreiro,<br /> +Na areia dormita gentil cavalleiro</div> +<div class="poetry0"> luz do luar.</div> +<br /> +<span class="pagenum">[120]</span> +<div class="poetry1">As bellas ondinas emergem das grutas</div> +<div class="poetry0">De vivo coral,</div> +<div class="poetry">Accrrem ligeiras, e apontam, sorrindo,<br /> +O moo que julgam devras dormindo</div> +<div class="poetry0">No argenteo areal.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Vem esta, e perpassa do gorro nas plumas</div> +<div class="poetry0">As mos de setim.</div> +<div class="poetry">E aquella, com gesto divino, gracioso,<br /> +Nos ares levanta do joven formoso</div> +<div class="poetry0">O aureo telim.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Ess'outra, que lavas, que fogo no vibram</div> +<div class="poetry0">Seus olhos de anil!</div> +<div class="poetry">Debrua-se e arranca-lhe a rtila espada,<br /> +Nos copos brilhantes se apoia azougada,</div> +<div class="poetry0">Travessa e gentil.</div> +<br /> +<div class="poetry1">A quarta, saltando, retoua, lasciva,</div> +<div class="poetry0">Do moo em redor;</div> +<div class="poetry">Suspira mansinho, de manso murmra:<br /> +Podsse eu em vida gosar a ventura</div> +<div class="poetry0">Do teu fino amr!</div> +<br /> +<span class="pagenum">[121]</span> +<div class="poetry1">A quinta rebeija-lhe as mos, enlevada</div> +<div class="poetry0">Num sonho feliz,</div> +<div class="poetry">E a sexta, com tremula e dce esquivana,<br /> +Perfuma-lhe a bcca, formosa creana!</div> +<div class="poetry0">Com beijos subtis...</div> +<br /> +<div class="poetry1">E o moo, fingindo que dorme tranquillo,</div> +<div class="poetry0">No quer acordar.</div> +<div class="poetry">E deixa que o abracem as bellas Ondinas,<br /> +E languido gosa caricias divinas</div> +<div class="poetry0"> luz do luar...</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p122" id="p122">[122]</a></span> +<h3>NO JOGO DAS CANNAS</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<h5>A Camillo Castello Branco</h5> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry1">Em garbosos corceis da Arabia cavalgando</div> +<div class="poetry">Entram na larga arna os prceres luzidos;<br /> +Corusca a pedraria, e esplendem, fluctuando,<br /> +Dos cocres a pluma e a sda dos vestidos.</div> +<br /> +<div class="poetry1">A quadrilha gentil dos Tavoras ardidos,</div> +<div class="poetry">Com os lacaios da Trre um prlio simulando,<br /> +Tera galhardamente; o apparatoso bando<br /> +Deixa os olhos da turba em extase embebidos.</div> +<br /> +<span class="pagenum">[123]</span> +<div class="poetry1">Nas janellas do pao toda a fidalguia:</div> +<div class="poetry">Que jocundo prazer, que risos, que alegria!<br /> +Espectaculo augusto, e nobre, e singular!</div> +<br /> +<div class="poetry1">O sexto Affonso applaude: emtanto, maliciosa,</div> +<div class="poetry">Maria de Nemours, sorrindo, a incestuosa!<br /> +No cunhado, subtil, poisa o lascivo olhar...</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p124" id="p124">[124]</a></span> +<h3>NUNCA EU TE LSSE, BALLADA!</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry">Suspende a dura sentena</div> +<div class="poetry0">Que de teus labios ouvi.<br /> +E ergue do cho os quebrados<br /> +Teus negros olhos magoados,<br /> +Quando me acerco de ti.</div> +<br /> +<div class="poetry">Ergueste-os, encantadra!</div> +<div class="poetry0">Mas antes do teu perdo,<br /> +Attende-me, e ouve, senhora,<br /> +Com todo o teu corao.</div> +<br /> +<span class="pagenum">[125]</span> +<div class="poetry">Escuta:</div> +<div class="poetry2">A um rei namorado</div> +<div class="poetry0">Sincera e fiel amante,<br /> +Ao morrer, tinha deixado,<br /> +De antigo affecto em penhor,<br /> +Cinzelada taa de ouro<br /> +Do mais subido valor.</div> +<br /> +<div class="poetry">O rei preferia a tudo</div> +<div class="poetry0">Aquella doce lembrana<br /> +Que lhe trazia os armas<br /> +De umas fluctuantes cmas,<br /> +E de uns labios de veludo,<br /> +Que elle beijra em creana.</div> +<br /> +<div class="poetry">Toda a vez que elle bebia</div> +<div class="poetry0">Por esse vaso sagrado,<br /> +Uma extatica alegria<br /> +Como flr ideal sorria<br /> +No seu turvo olhar canado.</div> +<br /> +<div class="poetry">Um dia sentiu-se o pobre</div> +<div class="poetry0">Mais triste, velho e abatido,<br /> +Abraou-se commovido<br /> + taa, o tremulo amante:</div> +<br /> +<span class="pagenum">[126]</span> +<div class="poetry">E as lagrimas, uma a uma,</div> +<div class="poetry0">eslisaram nesse instante<br /> +Nos rudes flcos de espuma<br /> +Da longa barba fluctuante.</div> +<br /> +<div class="poetry">quella hora de agonia,</div> +<div class="poetry0">Chamou seus filhos e herdeiro,<br /> +Deu-lhes tudo o que possuia,<br /> +Ouro, palacios, riquezas,<br /> +O seu castello roqueiro,<br /> +E as suas largas devezas.</div> +<br /> +<div class="poetry">Dividiu tudo, contente;</div> +<div class="poetry0">A taa guardou smente.</div> +<br /> +<div class="poetry">Sentindo fugir-lhe a vida,</div> +<div class="poetry0">Manda o triste convidar<br /> +Seus pares, filhos e herdeiro<br /> +Para um festim derradeiro<br /> +No castello sobranceiro<br /> +s verdes aguas do mar...</div> +<br /> +<div class="poetry">Em meio da festa, o velho</div> +<div class="poetry0">Ergueu a taa e, sorrindo,</div> +<span class="pagenum">[127]</span> +<div class="poetry0">Embebido o olhar no infindo,<br /> +Um frouxo canto soltou...</div> +<br /> +<div class="poetry">E mal o canto findra,</div> +<div class="poetry0">No leito da onda amara<br /> +A taa de ouro lanou...</div> +<br /> +<div class="poetry">Eram profundos ciumes</div> +<div class="poetry0">Os d'esse rei namorado,<br /> +Que no fosse alguem beber<br /> +Por esse vaso sagrado,<br /> +E viesse a conhecer<br /> +Os cariciosos perfumes<br /> +Que o tinham embriagado...</div> +<br /> +<div class="poetry">Hontem, tarde, beijando-a</div> +<div class="poetry0">De teu labio a viva rosa,<br /> +Lembrou-me a historia singela<br /> +D'essa ballada amorosa;<br /> +E dentro em mim de repente<br /> +Tam extranha dr senti,<br /> +Que num impeto demente<br /> +De teu labio humido e ardente<br /> +Com trvo aspecto fugi!</div> +<br /> +<span class="pagenum">[128]</span> +<div class="poetry">Lembrou-me, cabea louca!</div> +<div class="poetry0">Que se eu acaso morresse,<br /> +Talvez um outro sorvesse<br /> +Os beijos da tua bcca...</div> +<br /> +<div class="poetry">E no azul indefinido,</div> +<div class="poetry0"> minha piedosa anmona!<br /> +Cuidei ouvir o gemido<br /> +Da moribunda Desdemona...</div> +<br /> +<div class="poetry">Ai, desavisado amr!</div> +<div class="poetry0">Perda, sombra adorada!<br /> +Nunca eu te avistasse, flr!<br /> +Nunca eu te lsse, ballada!</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p129" id="p129">[129]</a></span> +<h3>A NEGRA</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<h5>Ao dr. A. A. da Fonseca Pinto</h5> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry1">Teus olhos, robusta creatura,</div> +<div class="poetry0"> filha tropical!</div> +<div class="poetry">Relembram os pavres de uma escura</div> +<div class="poetry0">Floresta virginal.</div> +<br /> +<div class="poetry1">s negra sim, mas que formosos dentes,</div> +<div class="poetry0">Que perolas sem par</div> +<div class="poetry">Eu vejo e admiro em rubidos crescentes</div> +<div class="poetry0">Se te escuto fallar!</div> +<br /> +<span class="pagenum">[130]</span> +<div class="poetry1">Teu corpo forte, elastico, nervoso.</div> +<div class="poetry0">Que doce a ondulao</div> +<div class="poetry">Do teu andar, que lembra o andar gracioso</div> +<div class="poetry0">Das onas do serto!</div> +<br /> +<div class="poetry1">As languidas sinhs, gentis, mimosas,</div> +<div class="poetry0">Desprezam tua cr,</div> +<div class="poetry">Mas invejam-te as formas gloriosas</div> +<div class="poetry0">E o olhar provocadr.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Mas andas triste, inquieta e distrahida;</div> +<div class="poetry0">Foges dos cafesaes,</div> +<div class="poetry">E no escuro das mattas, escondida,</div> +<div class="poetry0">Soltas magoados ais...</div> +<br /> +<div class="poetry1">Nas esteiras, noite, o corpo estiras</div> +<div class="poetry0">E, com ancias sem fim,</div> +<div class="poetry">Levas aos seios ns, beijas e aspiras</div> +<div class="poetry0">Um candido jasmim...</div> +<br /> +<div class="poetry1">Amas a lua que embranquece os mattos,</div> +<div class="poetry0"> negra jurity!</div> +<div class="poetry">A flr da laranjeira, e os niveos cctos</div> +<div class="poetry0">E tens horrr de ti!...</div> +<br /> +<span class="pagenum">[131]</span> +<div class="poetry1">Amas tudo o que lembre o <em>branco</em>, o rosto</div> +<div class="poetry0">Que viste por teu mal,</div> +<div class="poetry">Um dia que sahias, ao sol psto,</div> +<div class="poetry0">De um verde taquaral...</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p132" id="p132">[132]</a></span> +<h3>MATER DOLOROSA</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<h5>A Rangel de Lima</h5> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<br /> +<div class="poetry1">Quando se fez ao largo a nave escura</div> +<div class="poetry">Na praia essa mulher ficou chorando,<br /> +No doloroso aspecto figurando<br /> +A lacrymosa estatua da amargura.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Dos cus a curva era tranquilla e pura:</div> +<div class="poetry">Das gementes alcyones o bando<br /> +Via-se ao longe, em circulos, voando<br /> +Dos mares sobre a crula planura.</div> +<br /> +<span class="pagenum">[133]</span> +<div class="poetry1">Nas ondas se atufra o sol radioso,</div> +<div class="poetry">E a lua succedra, astro mavioso,<br /> +De alvr banhando os alcantis das fragas...</div> +<br /> +<div class="poetry1">E aquella pobre me, no dando conta</div> +<div class="poetry">Que o sol morrra, e que o luar desponta,<br /> +A vista embebe na amplido das vagas...</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p134" id="p134">[134]</a></span> +<h3>AS PRIMEIRAS LAGRIMAS DE EL-REY</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<h5>A M. Pinheiro Chagas</h5> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<h5>I</h5> +<br /> +<div class="poetry1">O principe morrra, e logo os cortezos,</div> +<div class="poetry">Em prantos derredor do mortuario leito,<br /> +Erguem a voz em grita aos ceus levando as mos.</div> +<br /> +<h5>II</h5> +<br /> +<div class="poetry1">El-Rey, Joo segundo, a fronte sobre o peito,</div> +<div class="poetry">Contempla dos brandes luz ensanguentada<br /> +O filho, e a dr lhe avinca o grave e duro aspeito.</div> +<br /> +<span class="pagenum">[135]</span> +<h5>III</h5> +<br /> +<div class="poetry1">E eis que, a um gesto do rei, a turba consternada</div> +<div class="poetry">A pouco e pouco se, reina o silencio, apenas<br /> +Cortado pelo uivar longinquo da nortada.</div> +<br /> +<h5>IV</h5> +<br /> +<div class="poetry1">Sobre o filho curvado, immerso em cruas penas,</div> +<div class="poetry">Aquelle rei sinistro, energico e tigrino,<br /> +Tinha na frouxa voz modulaes serenas.</div> +<br /> +<h5>V</h5> +<br /> +<div class="poetry1">E o filho inerte e mudo! ento num desatino</div> +<div class="poetry">Deixou-se El-Rey car, ao acaso, num escabllo<br /> +E quedou-se a pensar no seu atroz destino.</div> +<br /> +<h5>VI</h5> +<br /> +<div class="poetry1">Um enorme, um confuso e bronzeo pesadlo</div> +<div class="poetry">Cau-lhe sobre o enfrmo espirito enluctado,<br /> +E o suor inundou-lhe as barbas e o cabello.</div> +<br /> +<h5>VII</h5> +<br /> +<div class="poetry1">Talvez que o triste visse, em sonho allucinado,</div> +<div class="poetry">Do duque de Vizeu o espectro vingativo<br /> +Apontando-lhe, a rir, o Infante inanimado.</div> +<br /> +<span class="pagenum">[136]</span> +<h5>VIII</h5> +<br /> +<div class="poetry1">E escutasse a feroz imprecao que altivo</div> +<div class="poetry">No cadafalso, outrra, o duque de Bragana<br /> +s faces lhe cuspiu com gesto convulsivo.</div> +<br /> +<h5>IX</h5> +<br /> +<div class="poetry1">Subito ergue-se o rei, e para o leito avana,</div> +<div class="poetry">E uma lagrima ento, embalde reprimida,<br /> +Das barbas lhe cahiu no rosto da creana...</div> +<br /> +<h5>X</h5> +<br /> +<div class="poetry1">A vez primeira foi que El-Rey chorou em vida.</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p137" id="p137">[137]</a></span> +<h3>O CURA SANCTA CRUZ</h3> +<br /> +<h5>CONTO DE A. DAUDET</h5> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<h5>Ao dr. Sousa Martins</h5> +<br /> +<div class="poetry1">O implacavel carlista, o Cura Sancta Cruz,</div> +<div class="poetry">Que em nome do seu rei, e em nome de Jesus,<br /> +Da Navarra febril leva do sul ao norte<br /> +O odio, a perseguio, o incendio, o estrago, a morte.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Nessa clara manh risonha do Natal,</div> +<div class="poetry">Tendo sobre o uniforme a veste clerical,<br /> +Na montanha, ao ar livre, luz do sol, diz missa<br /> + guerrilha que o escuta extatica e submissa.</div> +<br /> +<span class="pagenum">[138]</span> +<div class="poetry1">Como um rebanho vil, a um lado, os prisioneiros</div> +<div class="poetry">Ouvem-no, a tiritar, cheios de um medo atroz:<br /> +Olham-se mutuamente os trvos companheiros,<br /> +E murmuram: meu Deus, o que ser de ns?</div> +<br /> +<div class="poetry1">Porque emfim toda a vez que o sanguinario Cura</div> +<div class="poetry">Se volta, e o <em>oremus</em> diz, segundo o ritual,<br /> +Da sacra vestimenta avultam na brancura<br /> +De pistolas um jogo e a frma de um punhal.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Quando afinal chegou o instante, a occasio</div> +<div class="poetry">Em que a missa termina, o Cura, erguendo um brao,<br /> +Grave traou no ar e na mudez do espao<br /> +O clemente signal da paz e do perdo.</div> +<br /> +<div class="poetry1">A missa terminra.</div> +<br /> +<div class="poetry2">O Cura nesse dia</div> +<div class="poetry1">Como sentisse n'alma uns raios de alegria,</div> +<div class="poetry">De bondade e de amor, foi-se direito ao bando<br /> +Dos captivos, e assim fallou circumvagando<br /> +A vista em derredor: <em>Hermanos, viva Dios!</em></div> +<br /> +<span class="pagenum">[139]</span> +<div class="poetry1">Corre ahi que sou mu, fanatico e feroz...</div> +<div class="poetry">Pois em breve ides ver como se engana, quem<br /> +Diz que eu sou o anti-Christo e que abomino o bem.<br /> +Como dia de festa e dia de Natal,<br /> +Dou-vos a liberdade, e no vos quero mal!</div> +<br /> +<div class="poetry1">Mas haveis de primeiro, e isto, prompto e sem custo</div> +<div class="poetry">De joelhos beijar o pavilho augusto<br /> +De El-Rey nosso senhor...</div> +<div class="poetry3">E mandou desfraldar</div> +<div class="poetry">O carlista pendo, branco como o luar...</div> +<br /> +<div class="poetry1">Todos logo porfia atiram-se por terra</div> +<div class="poetry">E um grito: Viva El-Rey! echoou de serra em serra.</div> +<br /> +<div class="poetry1">No emtanto um prisioneiro, um moo imberbe ainda,</div> +<div class="poetry">Firme ficou de p, e olhava com infinda<br /> +Expresso de desdem a extranha vilania...<br /> +Braos postos em cruz, e intrepido sorria.</div> +<br /> +<div class="poetry1">E tu? surprezo disse e transtornado o Cura.</div> +<div class="poetry">—Padre, volveu-lhe o esbelto joven, com brandura,<br /> +—Mata-me! aqui me tens! rio-me d'esse panno!<br /> +—Ao teu rei no me curvo... Eu sou republicano...—</div> +<br /> +<span class="pagenum">[140]</span> +<div class="poetry1">O Cura um acno fez; formou-se um peloto:</div> +<div class="poetry0">Vamos! inda uma vez, viva D. Carlos!</div> +<br /> +<div class="poetry4">—No!—</div> +<br /> +<div class="poetry1">E havia nessa voz tamanha heroicidade</div> +<div class="poetry">E uma energia tal, que uns longes de piedade<br /> +Scintillaram no olhar do trvo guerrilheiro.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Muito bem, morrers: mas dize-me primeiro,</div> +<div class="poetry">O que desejas tu? Queres beber, fumar?...</div> +<br /> +<div class="poetry1">—Padre, se vou morrer, quero-me confessar...</div> +<div class="poetry">Ouvir-te-hei! disse o Cura, e, ao acaso, num granito<br /> +Assentou-se.</div> +<br /> +<div class="poetry0">O captivo, olhos no cho, contrito</div> +<div class="poetry">Os joelhos dobrou... Nesse fugaz instante<br /> +Elle viu, elle viu, num sonho lacrymante,<br /> +A sua infancia, o lar, o tecto de seus paes,<br /> +Os choupos do seu rio, os placidos cases:<br /> +Viu a noiva gentil, a egreja, os arvoredos<br /> +E os parentes e irmos, socios de seus brinquedos.</div> +<br /> +<span class="pagenum">[141]</span> +<div class="poetry1">Ah! quem pde esquecer o seu paiz natal!<br /> +Ah! quem pde esquecer a beno maternal!</div> +<br /> +<div class="poetry1">Em distancia a guerrilha os dous observa... Ento</div> +<div class="poetry">Emquanto o padre escuta attento o prisioneiro,<br /> +Subito uma descarga estoira na amplido.<br /> +Tremem a serra e o val, treme o desfiladeiro.</div> +<br /> +<div class="poetry1">s armas! o inimigo! a sentinella brada.</div> +<div class="poetry">De golpe ergue-se o Cura, e jldra amotinada<br /> +Va, d ordens, clama, emquanto as balas chovem.</div> +<div class="poetry1">Nisto viu que inda estava ajoelhado o joven!<br /> +Pra.</div> +<div class="poetry0">Que fazes tu? indaga em tom severo</div> +<div class="poetry">—Padre, diz a creana, a absolvio espero—</div> +<br /> +<div class="poetry1">E em meio da febril convulso da batalha,</div> +<div class="poetry">Emquanto rompe e rasga os ares a metralha,<br /> +Viu-se o Cura depois de abenoar, ligeiro,<br /> +A fronte juvenil do heroico prisioneiro,<br /> +Pegar de uma clavina, e dando um passo ao lado,<br /> +Varar tranquillamente o craneo do soldado.</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p142" id="p142">[142]</a></span> +<h3>A VENDA DOS BOIS</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<h5>Ao dr. J. de Vasconcellos Gusmo</h5> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<h5>I</h5> +<br /> +<div class="poetry1">O velho entrra triste: ao p, juncto do lar,</div> +<div class="poetry">Estava a companheira, absrta, a meditar.</div> +<br /> +<div class="poetry1">—Mulher, a f perdi, fallei a toda a gente,</div> +<div class="poetry">E ninguem me valeu!—E ella com voz tremente:</div> +<div class="poetry0">Dize-me, e o brazileiro?<br /> +—Esse foi o primeiro.</div> +<br /> +<span class="pagenum">[143]</span> +<div class="poetry1">—Bat, fui ter com elle casa do jantar.</div> +<div class="poetry">Expliquei-lhe ao que vinha... entrou a gracejar:<br /> +Com que ento voc quer <em>livrar</em> o seu rapaz?...</div> +<div class="poetry0">Visinho, to mal faz!</div> +<div class="poetry">Deixe-me ir cada qual sorte e ao seu destino!<br /> +Seu filho um moceto valente e muito digno<br /> +De servir o paiz...</div> +<br /> +<div class="poetry2">—E descascava um fructo...</div> +<div class="poetry">—Desatei a chorar... —Homem no seja bruto!<br /> +A farda no morte...</div> +<div class="poetry3">—E disse mais e mais</div> +<div class="poetry">—Cousas de quem no sabe a dr de uns tristes paes!</div> +<br /> +<div class="poetry1">E emquanto o velho punha a vista lacrymosa</div> +<div class="poetry">Nos brazidos, a voz da me afflicta e anciosa<br /> +Perguntou: e o prior?</div> +<div class="poetry2">—Negou, negou tambem!—</div> +<div class="poetry0">A angustiada me</div> +<div class="poetry">Retorcia o avental com mo febril, ardente.</div> +<br /> +<div class="poetry1">No silencio da noite ento distinctamente,</div> +<div class="poetry0">Um profundo mugido,<br /> +Triste como um gemido,</div> +<div class="poetry">Longo e longo chorou no lugubre aposento...</div> +<br /> +<span class="pagenum">[144]</span> +<div class="poetry0">Entreolharam-se os dois...</div> +<div class="poetry1">Nisto acde mulher um estranho pensamento...</div> +<div class="poetry0">Temos ainda os bois!</div> +<div class="poetry">Vendamol-os! E ria...</div> +<div class="poetry2">O entristecido olhar</div> +<div class="poetry">Do velho lavrador de lagrymas nublou-se.</div> +<div class="poetry0">E entrou a suspirar:<br /> +—Vender os infelizes!</div> +<div class="poetry">—Uns pobres animaes, a quem s mingoa a fala<br /> +—Para serem Christos! Parece que me estala<br /> +—No peito o corao... Vender os infelizes!...<br /> +—Pois seja assim, mulher! Farei o que tu dizes...</div> +<br /> +<h5>II</h5> +<br /> +<div class="poetry2">Vinha rompendo a aurora</div> +<div class="poetry">Risonha, virginal, feliz como um noivado,<br /> +Das aves compita o tremulo trinado<br /> +Entre as balsas gorgeava. Era em descano a nra.</div> +<br /> +<div class="poetry1">No emtanto o lavrador, tremente e vacillante</div> +<div class="poetry">Como um ladro nocturno, ou como um namorado,<br /> +Abriu, de par em par, as portas do curral.</div> +<div class="poetry2">Subito nesse instante</div> +<div class="poetry">Volveram para a entrada os bois o olhar leal,</div> +<div class="poetry2">Bondoso, humano e franco.</div> +<br /> +<span class="pagenum">[145]</span> +<div class="poetry2">Que festiva alegria</div> +<div class="poetry">O frequente menear das caudas traduzia<br /> +Resvalando em seu forte e musculoso flanco!</div> +<br /> +<div class="poetry2">O velho antigamente</div> +<div class="poetry">Tinha sempre, ao chegar, uma palavra amiga,</div> +<div class="poetry2">Um dicto, uma cantiga,</div> +<div class="poetry">A que sempre um mugido alegre respondia.<br /> +Mas naquella manh, silenciosamente,</div> +<div class="poetry2">Fatal como o dever</div> +<div class="poetry">O velho foi buscar, a um canto, uma correia,</div> +<div class="poetry2">E lanou-a a tremer</div> +<div class="poetry">Dos anafados bois s pontas recurvadas.</div> +<br /> +<div class="poetry1">E sahiram os tres.</div> +<div class="poetry3">Nos concavos da aldeia</div> +<div class="poetry">Choviam as canes das aves namoradas.</div> +<br /> +<h5>III</h5> +<br /> +<div class="poetry1">No ces ha o moirejar das fabricas ruidoso;</div> +<div class="poetry2">Feroz e discordante</div> +<div class="poetry">Juncta-se voz humana o arfar estrepitante<br /> +Dos valentes pulmes das machinas inglezas.</div> +<br /> +<span class="pagenum">[146]</span> +<div class="poetry2">Em novellos, ancioso,</div> +<div class="poetry">Golpham as chamins o denso e o escuro fumo</div> +<div class="poetry2">Que ascende e toma o rumo</div> +<div class="poetry">Do claro e vasto azul, vazio de tristezas.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Como um cetceo ingente, encarvoado e feio</div> +<div class="poetry2">Um enorme Vapr<br /> +De outros avulta em meio.</div> +<div class="poetry">Em seu largo convez a marinhagem canta<br /> +E na faina febril as ancoras levanta.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Naquella espessa nu, um velho, um lavradr</div> +<div class="poetry">Entre a faina do ces, fita o dolente olhar...<br /> + que ali dentro vo os bois, o seu amr...</div> +<div class="poetry2">E quella magoa intensa<br /> +E inenarravel dr</div> +<div class="poetry">Responde a descuidosa e gelida indifferena<br /> +Dos Homens, e dos Cus, e do profundo Mar...</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p147" id="p147">[147]</a></span> +<h3>AO RABEQUISTA<br /> +EUGENIO DEGREMONT</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<h5>Recitada na noite de 25 de fevereiro de 1876<br /> +no theatro de S. Joo do Porto<br /></h5> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<div class="poetry1">Vde-o! to creana! mes, olhae-o!</div> +<div class="poetry">Como vivo o fulgor e ardente o raio</div> +<div class="poetry2">Que vibra nesse olhar!</div> +<div class="poetry">Faz gosto vel-o assim to pequenino<br /> +Enlevado nos sons do violino</div> +<div class="poetry2">A sonhar, a sonhar...</div> +<br /> +<span class="pagenum">[148]</span> +<div class="poetry1">E ao passo que a sua alma vae sonhando,</div> +<div class="poetry">Vo-se ante nossos olhos desdobrando</div> +<div class="poetry2">Quadros a mil e mil.</div> +<div class="poetry">A rabeca suspira? Assim amenas<br /> +So na longinqua roa as cantilenas</div> +<div class="poetry2">Das moas do Brazil.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Vibra rispidos sons? E logo ouvimos</div> +<div class="poetry">Curvar o vento da floresta os cimos</div> +<div class="poetry2">Com ruidoso fragr...</div> +<div class="poetry">E uivam pintadas onas e as araras<br /> +Roam, fugindo, as tremulas taquaras,</div> +<div class="poetry2">E crocita o condr.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Enterrados nas humidas pastagens</div> +<div class="poetry">Mugem raivosos bufalos selvagens,</div> +<div class="poetry2">E por entre os saraes</div> +<div class="poetry">Pula a panthera; os jacars astutos<br /> +Choram, fingindo lacrymosos lutos</div> +<div class="poetry2">Nos fulvos areaes.</div> +<br /> +<span class="pagenum">[149]</span> +<div class="poetry1">Soluou a rabeca? Ouvi, formosas,</div> +<div class="poetry">So os negros soltando as lastimosas</div> +<div class="poetry2">Canes do seu paiz;</div> +<div class="poetry">Sem familia, sem patria, sem amres,<br /> +Ninguem mitiga o fel daquellas dres,</div> +<div class="poetry2">Triste raa infeliz!</div> +<br /> +<div class="poetry1">Agora, como em namorado anceio,</div> +<div class="poetry">Sae da rabeca um languido gorgeio</div> +<div class="poetry2">Que enleva o corao.</div> +<div class="poetry">E a saudade repinta-nos ao vivo<br /> +Dos sabis o cantico lascivo</div> +<div class="poetry2">Nas sombras do serto.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Tudo isso e mais eu vejo, admiro e escuto,</div> +<div class="poetry">Com meu olhar de prantos no enxuto,</div> +<div class="poetry2"> creana gentil,</div> +<div class="poetry">Que em vez de perseguir as borboletas<br /> +Vens batalhar no meio dos atletas</div> +<div class="poetry2">E honrar o teu Brazil!</div> +<br /> +<span class="pagenum">[150]</span> +<div class="poetry1">No presumas, porm, prodigio das creanas!</div> +<div class="poetry">Que basta o fogo, o estro, a viva inspirao;<br /> + mister trabalhar, sem isso nada alcanas;<br /> +A gloria chamars, ser-te-ha o appello em vo.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Pois que! tu cuidars, creana, porventura</div> +<div class="poetry">Que sem luctar, soffrer, sem horridos tormentos<br /> +O artista poderia erguer aos quatro ventos<br /> +A Epopa, o Drama, a Estatua, a Partitura?</div> +<br /> +<div class="poetry1">Vamos, trabalha pois meu precoce artista,</div> +<div class="poetry">Dos precipicios ri, vinga-me o barrocal!<br /> +Para o profundo azul estende a larga vista.<br /> +Eis-te nos alcantis! Eleva-te ao ideal!</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p151" id="p151">[151]</a></span> +<h3>AS VELHAS NEGRAS</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<h5>A M.<sup>me</sup> Aline de Gusmo</h5> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<div class="poetry">As velhas negras, coitadas,</div> +<div class="poetry0">Ao longe estam assentadas<br /> +Do batuque folgaso.<br /> +Pulam creoulas faceiras<br /> +Em derredor das fogueiras<br /> +E das pipas de alcatro.</div> +<br /> +<span class="pagenum">[152]</span> +<div class="poetry">Na floresta rumorosa</div> +<div class="poetry0">Esparge a lua formosa<br /> +A clara luz tropical.<br /> +Tremeluzem pyrilampos<br /> +No verde-escuro dos campos<br /> +E nos concavos do val.</div> +<br /> +<div class="poetry">Que noite de paz! que noite!</div> +<div class="poetry0">No se ouve o estalar do aoite,<br /> +Nem as pragas do feitor!<br /> +E as pobres negras, coitadas,<br /> +Pendem as frontes canadas<br /> +Num lethargico torpr!</div> +<br /> +<div class="poetry">E scismam: outrora, e d'antes</div> +<div class="poetry0">Havia tambem descantes,<br /> +E o tempo era tam feliz!<br /> +Ai! que profunda saudade<br /> +Da vida, da mocidade<br /> +Nas mattas do seu paiz!</div> +<br /> +<div class="poetry">E ante o seu olhar vazio</div> +<div class="poetry0">De esperanas, frio, frio<br /> +Como um vu de viuvez,</div> +<span class="pagenum">[153]</span> +<div class="poetry0">Resurge e chora o passado<br /> +—Pobre ninho abandonado<br /> +Que a neve alagou, desfez...—</div> +<br /> +<div class="poetry">E pensam nos seus amres</div> +<div class="poetry0">Ephemeros como as flres<br /> +Que o sol queima no serto...<br /> +Os filhos, quando crescidos,<br /> +Foram levados, vendidos,<br /> +E ninguem sabe onde esto.</div> +<br /> +<div class="poetry">Conheceram muito dono:</div> +<div class="poetry0">Embalaram tanto somno<br /> +De tanta sinh gentil!<br /> +Foram mucambas amadas,<br /> +E agora inuteis, curvadas,<br /> +Numa velhice imbecil!</div> +<br /> +<div class="poetry">No emtanto o luar de prata</div> +<div class="poetry0">Envolve a collina e a matta<br /> +E os cafeses em redor!<br /> +E os negros, mostrando os dentes,<br /> +Saltam lepidos, contentes,<br /> +No batuque estrugidor.</div> +<br /> +<span class="pagenum">[154]</span> +<div class="poetry">No espaoso e amplo terreiro</div> +<div class="poetry0">A filha do Fazendeiro,<br /> +A sinh sentimental,<br /> +Ouve um primo recem-vindo,<br /> +Que lhe narra o poema infindo<br /> +Das noites de Portugal.</div> +<br /> +<div class="poetry">E ella avista, entre sorrisos,</div> +<div class="poetry0">De uns longinquos paraisos<br /> +A tentadra viso...<br /> +No emtanto as velhas, coitadas,<br /> +Scismam ao longe assentadas<br /> +Do batuque folgaso...</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p155" id="p155">[155]</a></span> +<h3>O RELOGIO</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<h5>No album de Eduardo Burnay</h5> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<div class="poetry1">Eburneo o mostradr: as horas so de prata,</div> +<div class="poetry">L-se a firma Breguet por baixo do gracioso<br /> +Rendilhado ponteiro; a tampa enorme e chata:<br /> +Nella o esmalte produz um quadro delicioso.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Rapara: eis um salo: casquilho malicioso</div> +<div class="poetry">Das festas cortess o mimo a flr, a nata,<br /> +Juncto a um cravo sonoro a alegre voz desata.<br /> +Uma fidalga o escuta ebria de amr e gso.</div> +<br /> +<span class="pagenum">[156]</span> +<div class="poetry1">Rasga-se ampla a janella: ao longe o olhar descobre</div> +<div class="poetry">O correcto jardim e o parque extenso e nobre.<br /> +As nuvens no alto cu fluctuam como espumas,</div> +<br /> +<div class="poetry1">Da paizagem no fundo, em lago transparente,</div> +<div class="poetry">Onde se espelha o azul e o laranjal frondente,<br /> +Um cysne luz do sol estende as niveas plumas.</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<span class="pagenum"><a name="p157" id="p157">[157]</a></span> +<h3>A MORTE DE D. QUICHOTE</h3> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<h5>Ao Conde de Sabugosa</h5> +<br /> +<div class="breaks"><hr /></div> +<br /> +<div class="poetry1">Rto o escudo, sem lana, a cta escalavrada,</div> +<div class="poetry">Ssinho, abandonado e ta como um cego,<br /> +Do crepusculo luz dolente e immaculada<br /> +Entra na sua aldeia o altivo heroe Manchego.</div> +<br /> +<div class="poetry1">O tenue fumo se do clmo das herdades,</div> +<div class="poetry">Riem ao p da fonte as frescas raparigas,<br /> +E clara vibrao sonora das trindades<br /> +Junctam-se brandamente as vozes e as cantigas.</div> +<br /> +<span class="pagenum">[158]</span> +<div class="poetry1">E o audaz Campeador, o Justiceiro, o Forte,</div> +<div class="poetry">Que andra pelo mundo a combater os mus,<br /> +Defendendo a Mulher, desafiando a Morte,<br /> +Do paterno casal sentou-se nos degrus.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Nos joelhos fincando o cotovlo agudo</div> +<div class="poetry">E no punho cerrado a fronte reclinando,<br /> +Quedou-se largo espao, illacrymavel, mudo,<br /> +Para o inutil passado os olhos alongando...</div> +<br /> +<div class="poetry1">E ali, na dce paz da sua alegre aldeia,</div> +<div class="poetry">Sentiu que o avassallava uma tristeza infinda,<br /> +Quando esta voz se ouviu: morreu-te a Dulcina,<br /> +Missionario do Bem, tua misso finda!</div> +<br /> +<div class="poetry1">E elle a ouvir e a scismar! A trefega sobrinha</div> +<div class="poetry">Beija-o, falla-lhe, ri, abraa-o, mas o Here<br /> +Dest'arte lhe volveu A morte se avisinha,<br /> +Levae-me para o leito! E ouvil-o pena e de.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Do leito cabeceira o Bacharel e o Cura</div> +<div class="poetry">Tentam resuscitar-lhe os sonhos e as chymeras;<br /> +Pintam-lhe o negro Mal triumphante, amargura!<br /> +O fraco aos ps do forte, o bom lanado s fras...</div> +<br /> +<span class="pagenum">[159]</span> +<div class="poetry1">Contam-lhe o frio horror dos carceres sem luz.</div> +<div class="poetry">Que nas trres feudaes pompeava o velho Crime.<br /> +Que os crescentes do Islam tinham vencido a Cruz,<br /> +Que a Injustia era a Lei... Ento feroz, sublime.</div> +<br /> +<div class="poetry1">Inquieto, semi-n, sinistro, o cavalleiro</div> +<div class="poetry">Bradou como um trovo: Enverguem-me a loriga!<br /> +Sellem-me o Rocinante, Sancho, escudeiro,<br /> +Traze-me a lana, prsto! e a minha espada amiga!</div> +<br /> +<div class="poetry1">Tinha em brazas o olhar, e truculento o aspeito,</div> +<div class="poetry">E vibrava em redr a imaginaria lana...<br /> +Logo depois cahiu do respaldar do leito,<br /> +Morto: tendo no labio um riso de creana!</div> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<h2>INDICE</h2> +<br /> +<br /> +<br /> +<table style="width: 80%; text-align: left; margin-left: auto; margin-right: auto;" border="0" cellpadding="4" cellspacing="4"> + <tbody> + <tr> + <td style="width: 80%;">A minha mulher</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p1">1</a></td> + </tr> + <tr> + <td>Confidenza</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p3">3</a></td> + </tr> + <tr> + <td>O velhinho</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p8">8</a></td> + </tr> + <tr> + <td>Animal bravio</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p10">10</a></td> + </tr> + <tr> + <td>Ad agros</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p12">12</a></td> + </tr> + <tr> + <td>A nuvem</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p14">14</a></td> + </tr> + <tr> + <td>O juramento do arabe</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p16">16</a></td> + </tr> + <tr> + <td>Num leque</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p19">19</a></td> + </tr> + <tr> + <td>Olhos de Judia</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p20">20</a></td> + </tr> + <tr> + <td>Numeros do Intermezzo:</td> + <td></td> + </tr> + </tbody> +</table> +<span class="pagenum">[162]</span> +<table style="width: 80%; text-align: left; margin-left: auto; margin-right: auto;" border="0" cellpadding="4" cellspacing="4"> + <tbody> + <tr> + <td style="width: 3%;"></td> + <td>I</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p24">24</a></td> + </tr> + <tr> + <td></td> + <td>II</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p25">25</a></td> + </tr> + <tr> + <td></td> + <td>III</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p26">26</a></td> + </tr> + <tr> + <td></td> + <td>IV</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p28">28</a></td> + </tr> + <tr> + <td></td> + <td>V</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p29">29</a></td> + </tr> + <tr> + <td></td> + <td>VI</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p30">30</a></td> + </tr> + <tr> + <td></td> + <td>VII</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p32">32</a></td> + </tr> + <tr> + <td></td> + <td>VIII</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p34">34</a></td> + </tr> + <tr> + <td></td> + <td>IX</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p36">36</a></td> + </tr> + <tr> + <td></td> + <td>X</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p38">38</a></td> + </tr> + <tr> + <td></td> + <td>XI</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p40">40</a></td> + </tr> + <tr> + <td></td> + <td>XII</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p42">42</a></td> + </tr> + <tr> + <td></td> + <td>XIII</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p44">44</a></td> + </tr> + <tr> + <td></td> + <td>XIV</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p46">46</a></td> + </tr> + <tr> + <td></td> + <td>XV</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p47">47</a></td> + </tr> + <tr> + <td></td> + <td>XVI</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p48">48</a></td> + </tr> + <tr> + <td></td> + <td>XVII</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p50">50</a></td> + </tr> + <tr> + <td></td> + <td>XVIII</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p52">52</a></td> + </tr> + <tr> + <td></td> + <td>XIX</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p54">54</a></td> + </tr> + <tr> + <td></td> + <td>XX</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p55">55</a></td> + </tr> + <tr> + <td></td> + <td>XXI</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p56">56</a></td> + </tr> + <tr> + <td></td> + <td>XXII</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p58">58</a></td> + </tr> + <tr> + <td></td> + <td>XXIII</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p60">60</a></td> + </tr> + <tr> + <td></td> + <td>XXIV</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p62">62</a></td> + </tr> + </tbody> +</table> +<table style="width: 80%; text-align: left; margin-left: auto; margin-right: auto;" border="0" cellpadding="4" cellspacing="4"> + <tbody> + <tr> + <td style="width: 80%;">O minute</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p65">65</a></td> + </tr> + <tr> + <td>O coveiro</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p70">70</a></td> + </tr> + <tr> + <td>Adeus!</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p72">72</a></td> + </tr> + <tr> + <td>Camoneana:</td> + </tr> + </tbody> +</table> +<span class="pagenum">[163]</span> +<table style="width: 80%; text-align: left; margin-left: auto; margin-right: auto;" border="0" cellpadding="4" cellspacing="4"> + <tbody> + <tr> + <td style="width: 3%;"></td> + <td>A egreja das Chagas</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p76">76</a></td> + </tr> + <tr> + <td></td> + <td>A leitura dos Lusiadas</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p78">78</a></td> + </tr> + <tr> + <td></td> + <td>Annos depois</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p80">80</a></td> + </tr> + </tbody> +</table> +<table style="width: 80%; text-align: left; margin-left: auto; margin-right: auto;" border="0" cellpadding="4" cellspacing="4"> + <tbody> + <tr> + <td style="width: 80%;">Esphynge</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p83">83</a></td> + </tr> + <tr> + <td>A ceia de Tiberio</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p85">85</a></td> + </tr> + <tr> + <td>Trio de poetas:</td> + </tr> + </tbody> +</table> +<table style="width: 80%; text-align: left; margin-left: auto; margin-right: auto;" border="0" cellpadding="4" cellspacing="4"> + <tbody> + <tr> + <td style="width: 3%;"></td> + <td>Joo de Lemos</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p90">90</a></td> + </tr> + <tr> + <td></td> + <td>Joo de Deus</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p92">92</a></td> + </tr> + <tr> + <td></td> + <td>Joo Penha</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p94">94</a></td> + </tr> + </tbody> +</table> +<table style="width: 80%; text-align: left; margin-left: auto; margin-right: auto;" border="0" cellpadding="4" cellspacing="4"> + <tbody> + <tr> + <td style="width: 80%;">Chymeras</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p97">97</a></td> + </tr> + <tr> + <td>Odor di femina</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p99">99</a></td> + </tr> + <tr> + <td>Em caminho da guilhotina</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p101">101</a></td> + </tr> + <tr> + <td>A viuva</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p104">104</a></td> + </tr> + <tr> + <td>Flr do pantano</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p106">106</a></td> + </tr> + <tr> + <td>A resposta do inquisidr</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p108">108</a></td> + </tr> + <tr> + <td>Fervet amor</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p112">112</a></td> + </tr> + <tr> + <td>Na aldeia</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p114">114</a></td> + </tr> + <tr> + <td>Estudantina</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p116">116</a></td> + </tr> + <tr> + <td>As Ondinas</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p119">119</a></td> + </tr> + <tr> + <td>No jogo das cannas</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p122">122</a></td> + </tr> + <tr> + <td>Nunca eu te lsse, ballada</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p124">124</a></td> + </tr> + <tr> + <td>A negra</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p129">129</a></td> + </tr> + <tr> + <td>Mater dolorosa</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p132">132</a></td> + </tr> + <tr> + <td>As primeiras lagrimas de El-Rey</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p134">134</a></td> + </tr> + <tr> + <td>O Cura Sancta Cruz</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p137">137</a></td> + </tr> + </tbody> +</table> +<span class="pagenum">[164]</span> +<table style="width: 80%; text-align: left; margin-left: auto; margin-right: auto;" border="0" cellpadding="4" cellspacing="4"> + <tbody> + <tr> + <td style="width: 80%;">A venda dos bois</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p142">142</a></td> + </tr> + <tr> + <td>Ao rabequista Eugenio Degremont</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p147">147</a></td> + </tr> + <tr> + <td>As velhas negras</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p151">151</a></td> + </tr> + <tr> + <td>O relogio</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p155">155</a></td> + </tr> + <tr> + <td>A morte de D. Quichote</td> + <td style="text-align: right"><a href="#p157">157</a></td> + </tr> + </tbody> +</table> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<br /> +<h4>TERMINOU-SE A IMPRESSO<br /> +<br /> +<br /> +NOS PRELOS DA</h4> +<br /> +<h3>IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA</h3> +<br /> +<h4>a 6 de maro de 1882</h4> +<br /> +<img src="images/fig02.png" width="100" height="131" alt="" class="center" /> +<br /> +<br /> +<h4><em>18, Rua Oriental do Passeio</em><br /> +LISBOA</h4> +<br /> +<br /> +<div class="fbox"> +<h2>Lista de erros corrigidos</h2> + +<div style="text-align: center;">Aqui encontram-se +listados todos os erros encontrados e corrigidos:</div> +<br /> +<br /> +<table style="width: 80%; text-align: left; margin-left: auto; margin-right: auto;" border="0" cellpadding="4" cellspacing="4"> + + <tbody> + + <tr align="right"> + + <td style="width: 61px;"></td> + + <td style="font-weight: bold; text-align: center; width: 121px;">Original</td> + + <td style="text-align: center; width: 5px;"></td> + + <td style="font-weight: bold; text-align: center; width: 135px;">Correco</td> + + </tr> + + <tr> + + <td style="text-align: right;"><a name="e1" id="e1"></a><a href="#p30">#pg. +30</a></td> + <td style="text-align: center;">V</td> + <td style="text-align: center;">...</td> + <td style="text-align: center;">VI</td> + + </tr> + <tr> + + <td style="text-align: right;"><a name="e2" id="e2"></a><a href="#p50">#pg. +50</a></td> + <td style="text-align: center;">XVI</td> + <td style="text-align: center;">...</td> + <td style="text-align: center;">XVII</td> + + </tr> + </tbody> +</table> +<br /> +<div style="text-align: center;">Identificmos a duplicao de ttulos em numerao romana.<br /> +Rectificmos mantendo a ordenao crescente, nomeadamente nos casos referidos acima.<br /> +</div> +<br /></div> +</div> + + + + + + + +<pre> + + + + + +End of the Project Gutenberg EBook of Nocturnos, by Gonalves Crespo + +*** END OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK NOCTURNOS *** + +***** This file should be named 44211-h.htm or 44211-h.zip ***** +This and all associated files of various formats will be found in: + http://www.gutenberg.org/4/4/2/1/44211/ + +Produced by Rita Farinha and the Online Distributed +Proofreading Team at http://www.pgdp.net (This file was +produced from images generously made available by National +Library of Portugal (Biblioteca Nacional de Portugal).) + + +Updated editions will replace the previous one--the old editions +will be renamed. + +Creating the works from public domain print editions means that no +one owns a United States copyright in these works, so the Foundation +(and you!) can copy and distribute it in the United States without +permission and without paying copyright royalties. Special rules, +set forth in the General Terms of Use part of this license, apply to +copying and distributing Project Gutenberg-tm electronic works to +protect the PROJECT GUTENBERG-tm concept and trademark. Project +Gutenberg is a registered trademark, and may not be used if you +charge for the eBooks, unless you receive specific permission. If you +do not charge anything for copies of this eBook, complying with the +rules is very easy. You may use this eBook for nearly any purpose +such as creation of derivative works, reports, performances and +research. They may be modified and printed and given away--you may do +practically ANYTHING with public domain eBooks. Redistribution is +subject to the trademark license, especially commercial +redistribution. + + + +*** START: FULL LICENSE *** + +THE FULL PROJECT GUTENBERG LICENSE +PLEASE READ THIS BEFORE YOU DISTRIBUTE OR USE THIS WORK + +To protect the Project Gutenberg-tm mission of promoting the free +distribution of electronic works, by using or distributing this work +(or any other work associated in any way with the phrase "Project +Gutenberg"), you agree to comply with all the terms of the Full Project +Gutenberg-tm License (available with this file or online at +http://gutenberg.org/license). + + +Section 1. General Terms of Use and Redistributing Project Gutenberg-tm +electronic works + +1.A. By reading or using any part of this Project Gutenberg-tm +electronic work, you indicate that you have read, understand, agree to +and accept all the terms of this license and intellectual property +(trademark/copyright) agreement. If you do not agree to abide by all +the terms of this agreement, you must cease using and return or destroy +all copies of Project Gutenberg-tm electronic works in your possession. +If you paid a fee for obtaining a copy of or access to a Project +Gutenberg-tm electronic work and you do not agree to be bound by the +terms of this agreement, you may obtain a refund from the person or +entity to whom you paid the fee as set forth in paragraph 1.E.8. + +1.B. "Project Gutenberg" is a registered trademark. It may only be +used on or associated in any way with an electronic work by people who +agree to be bound by the terms of this agreement. There are a few +things that you can do with most Project Gutenberg-tm electronic works +even without complying with the full terms of this agreement. See +paragraph 1.C below. There are a lot of things you can do with Project +Gutenberg-tm electronic works if you follow the terms of this agreement +and help preserve free future access to Project Gutenberg-tm electronic +works. See paragraph 1.E below. + +1.C. The Project Gutenberg Literary Archive Foundation ("the Foundation" +or PGLAF), owns a compilation copyright in the collection of Project +Gutenberg-tm electronic works. Nearly all the individual works in the +collection are in the public domain in the United States. If an +individual work is in the public domain in the United States and you are +located in the United States, we do not claim a right to prevent you from +copying, distributing, performing, displaying or creating derivative +works based on the work as long as all references to Project Gutenberg +are removed. Of course, we hope that you will support the Project +Gutenberg-tm mission of promoting free access to electronic works by +freely sharing Project Gutenberg-tm works in compliance with the terms of +this agreement for keeping the Project Gutenberg-tm name associated with +the work. You can easily comply with the terms of this agreement by +keeping this work in the same format with its attached full Project +Gutenberg-tm License when you share it without charge with others. + +1.D. The copyright laws of the place where you are located also govern +what you can do with this work. Copyright laws in most countries are in +a constant state of change. If you are outside the United States, check +the laws of your country in addition to the terms of this agreement +before downloading, copying, displaying, performing, distributing or +creating derivative works based on this work or any other Project +Gutenberg-tm work. The Foundation makes no representations concerning +the copyright status of any work in any country outside the United +States. + +1.E. Unless you have removed all references to Project Gutenberg: + +1.E.1. The following sentence, with active links to, or other immediate +access to, the full Project Gutenberg-tm License must appear prominently +whenever any copy of a Project Gutenberg-tm work (any work on which the +phrase "Project Gutenberg" appears, or with which the phrase "Project +Gutenberg" is associated) is accessed, displayed, performed, viewed, +copied or distributed: + +This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with +almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or +re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included +with this eBook or online at www.gutenberg.org/license + +1.E.2. If an individual Project Gutenberg-tm electronic work is derived +from the public domain (does not contain a notice indicating that it is +posted with permission of the copyright holder), the work can be copied +and distributed to anyone in the United States without paying any fees +or charges. If you are redistributing or providing access to a work +with the phrase "Project Gutenberg" associated with or appearing on the +work, you must comply either with the requirements of paragraphs 1.E.1 +through 1.E.7 or obtain permission for the use of the work and the +Project Gutenberg-tm trademark as set forth in paragraphs 1.E.8 or +1.E.9. + +1.E.3. If an individual Project Gutenberg-tm electronic work is posted +with the permission of the copyright holder, your use and distribution +must comply with both paragraphs 1.E.1 through 1.E.7 and any additional +terms imposed by the copyright holder. Additional terms will be linked +to the Project Gutenberg-tm License for all works posted with the +permission of the copyright holder found at the beginning of this work. + +1.E.4. Do not unlink or detach or remove the full Project Gutenberg-tm +License terms from this work, or any files containing a part of this +work or any other work associated with Project Gutenberg-tm. + +1.E.5. Do not copy, display, perform, distribute or redistribute this +electronic work, or any part of this electronic work, without +prominently displaying the sentence set forth in paragraph 1.E.1 with +active links or immediate access to the full terms of the Project +Gutenberg-tm License. + +1.E.6. You may convert to and distribute this work in any binary, +compressed, marked up, nonproprietary or proprietary form, including any +word processing or hypertext form. However, if you provide access to or +distribute copies of a Project Gutenberg-tm work in a format other than +"Plain Vanilla ASCII" or other format used in the official version +posted on the official Project Gutenberg-tm web site (www.gutenberg.org), +you must, at no additional cost, fee or expense to the user, provide a +copy, a means of exporting a copy, or a means of obtaining a copy upon +request, of the work in its original "Plain Vanilla ASCII" or other +form. Any alternate format must include the full Project Gutenberg-tm +License as specified in paragraph 1.E.1. + +1.E.7. Do not charge a fee for access to, viewing, displaying, +performing, copying or distributing any Project Gutenberg-tm works +unless you comply with paragraph 1.E.8 or 1.E.9. + +1.E.8. You may charge a reasonable fee for copies of or providing +access to or distributing Project Gutenberg-tm electronic works provided +that + +- You pay a royalty fee of 20% of the gross profits you derive from + the use of Project Gutenberg-tm works calculated using the method + you already use to calculate your applicable taxes. The fee is + owed to the owner of the Project Gutenberg-tm trademark, but he + has agreed to donate royalties under this paragraph to the + Project Gutenberg Literary Archive Foundation. Royalty payments + must be paid within 60 days following each date on which you + prepare (or are legally required to prepare) your periodic tax + returns. Royalty payments should be clearly marked as such and + sent to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation at the + address specified in Section 4, "Information about donations to + the Project Gutenberg Literary Archive Foundation." + +- You provide a full refund of any money paid by a user who notifies + you in writing (or by e-mail) within 30 days of receipt that s/he + does not agree to the terms of the full Project Gutenberg-tm + License. You must require such a user to return or + destroy all copies of the works possessed in a physical medium + and discontinue all use of and all access to other copies of + Project Gutenberg-tm works. + +- You provide, in accordance with paragraph 1.F.3, a full refund of any + money paid for a work or a replacement copy, if a defect in the + electronic work is discovered and reported to you within 90 days + of receipt of the work. + +- You comply with all other terms of this agreement for free + distribution of Project Gutenberg-tm works. + +1.E.9. If you wish to charge a fee or distribute a Project Gutenberg-tm +electronic work or group of works on different terms than are set +forth in this agreement, you must obtain permission in writing from +both the Project Gutenberg Literary Archive Foundation and Michael +Hart, the owner of the Project Gutenberg-tm trademark. Contact the +Foundation as set forth in Section 3 below. + +1.F. + +1.F.1. Project Gutenberg volunteers and employees expend considerable +effort to identify, do copyright research on, transcribe and proofread +public domain works in creating the Project Gutenberg-tm +collection. Despite these efforts, Project Gutenberg-tm electronic +works, and the medium on which they may be stored, may contain +"Defects," such as, but not limited to, incomplete, inaccurate or +corrupt data, transcription errors, a copyright or other intellectual +property infringement, a defective or damaged disk or other medium, a +computer virus, or computer codes that damage or cannot be read by +your equipment. + +1.F.2. LIMITED WARRANTY, DISCLAIMER OF DAMAGES - Except for the "Right +of Replacement or Refund" described in paragraph 1.F.3, the Project +Gutenberg Literary Archive Foundation, the owner of the Project +Gutenberg-tm trademark, and any other party distributing a Project +Gutenberg-tm electronic work under this agreement, disclaim all +liability to you for damages, costs and expenses, including legal +fees. YOU AGREE THAT YOU HAVE NO REMEDIES FOR NEGLIGENCE, STRICT +LIABILITY, BREACH OF WARRANTY OR BREACH OF CONTRACT EXCEPT THOSE +PROVIDED IN PARAGRAPH 1.F.3. YOU AGREE THAT THE FOUNDATION, THE +TRADEMARK OWNER, AND ANY DISTRIBUTOR UNDER THIS AGREEMENT WILL NOT BE +LIABLE TO YOU FOR ACTUAL, DIRECT, INDIRECT, CONSEQUENTIAL, PUNITIVE OR +INCIDENTAL DAMAGES EVEN IF YOU GIVE NOTICE OF THE POSSIBILITY OF SUCH +DAMAGE. + +1.F.3. LIMITED RIGHT OF REPLACEMENT OR REFUND - If you discover a +defect in this electronic work within 90 days of receiving it, you can +receive a refund of the money (if any) you paid for it by sending a +written explanation to the person you received the work from. If you +received the work on a physical medium, you must return the medium with +your written explanation. The person or entity that provided you with +the defective work may elect to provide a replacement copy in lieu of a +refund. If you received the work electronically, the person or entity +providing it to you may choose to give you a second opportunity to +receive the work electronically in lieu of a refund. If the second copy +is also defective, you may demand a refund in writing without further +opportunities to fix the problem. + +1.F.4. Except for the limited right of replacement or refund set forth +in paragraph 1.F.3, this work is provided to you 'AS-IS' WITH NO OTHER +WARRANTIES OF ANY KIND, EXPRESS OR IMPLIED, INCLUDING BUT NOT LIMITED TO +WARRANTIES OF MERCHANTABILITY OR FITNESS FOR ANY PURPOSE. + +1.F.5. Some states do not allow disclaimers of certain implied +warranties or the exclusion or limitation of certain types of damages. +If any disclaimer or limitation set forth in this agreement violates the +law of the state applicable to this agreement, the agreement shall be +interpreted to make the maximum disclaimer or limitation permitted by +the applicable state law. The invalidity or unenforceability of any +provision of this agreement shall not void the remaining provisions. + +1.F.6. INDEMNITY - You agree to indemnify and hold the Foundation, the +trademark owner, any agent or employee of the Foundation, anyone +providing copies of Project Gutenberg-tm electronic works in accordance +with this agreement, and any volunteers associated with the production, +promotion and distribution of Project Gutenberg-tm electronic works, +harmless from all liability, costs and expenses, including legal fees, +that arise directly or indirectly from any of the following which you do +or cause to occur: (a) distribution of this or any Project Gutenberg-tm +work, (b) alteration, modification, or additions or deletions to any +Project Gutenberg-tm work, and (c) any Defect you cause. + + +Section 2. Information about the Mission of Project Gutenberg-tm + +Project Gutenberg-tm is synonymous with the free distribution of +electronic works in formats readable by the widest variety of computers +including obsolete, old, middle-aged and new computers. It exists +because of the efforts of hundreds of volunteers and donations from +people in all walks of life. + +Volunteers and financial support to provide volunteers with the +assistance they need, are critical to reaching Project Gutenberg-tm's +goals and ensuring that the Project Gutenberg-tm collection will +remain freely available for generations to come. In 2001, the Project +Gutenberg Literary Archive Foundation was created to provide a secure +and permanent future for Project Gutenberg-tm and future generations. +To learn more about the Project Gutenberg Literary Archive Foundation +and how your efforts and donations can help, see Sections 3 and 4 +and the Foundation web page at http://www.pglaf.org. + + +Section 3. Information about the Project Gutenberg Literary Archive +Foundation + +The Project Gutenberg Literary Archive Foundation is a non profit +501(c)(3) educational corporation organized under the laws of the +state of Mississippi and granted tax exempt status by the Internal +Revenue Service. The Foundation's EIN or federal tax identification +number is 64-6221541. Its 501(c)(3) letter is posted at +http://pglaf.org/fundraising. Contributions to the Project Gutenberg +Literary Archive Foundation are tax deductible to the full extent +permitted by U.S. federal laws and your state's laws. + +The Foundation's principal office is located at 4557 Melan Dr. S. +Fairbanks, AK, 99712., but its volunteers and employees are scattered +throughout numerous locations. Its business office is located at +809 North 1500 West, Salt Lake City, UT 84116, (801) 596-1887, email +business@pglaf.org. Email contact links and up to date contact +information can be found at the Foundation's web site and official +page at http://pglaf.org + +For additional contact information: + Dr. Gregory B. Newby + Chief Executive and Director + gbnewby@pglaf.org + + +Section 4. Information about Donations to the Project Gutenberg +Literary Archive Foundation + +Project Gutenberg-tm depends upon and cannot survive without wide +spread public support and donations to carry out its mission of +increasing the number of public domain and licensed works that can be +freely distributed in machine readable form accessible by the widest +array of equipment including outdated equipment. Many small donations +($1 to $5,000) are particularly important to maintaining tax exempt +status with the IRS. + +The Foundation is committed to complying with the laws regulating +charities and charitable donations in all 50 states of the United +States. Compliance requirements are not uniform and it takes a +considerable effort, much paperwork and many fees to meet and keep up +with these requirements. We do not solicit donations in locations +where we have not received written confirmation of compliance. To +SEND DONATIONS or determine the status of compliance for any +particular state visit http://pglaf.org + +While we cannot and do not solicit contributions from states where we +have not met the solicitation requirements, we know of no prohibition +against accepting unsolicited donations from donors in such states who +approach us with offers to donate. + +International donations are gratefully accepted, but we cannot make +any statements concerning tax treatment of donations received from +outside the United States. U.S. laws alone swamp our small staff. + +Please check the Project Gutenberg Web pages for current donation +methods and addresses. Donations are accepted in a number of other +ways including checks, online payments and credit card donations. +To donate, please visit: http://pglaf.org/donate + + +Section 5. General Information About Project Gutenberg-tm electronic +works. + +Professor Michael S. Hart is the originator of the Project Gutenberg-tm +concept of a library of electronic works that could be freely shared +with anyone. For thirty years, he produced and distributed Project +Gutenberg-tm eBooks with only a loose network of volunteer support. + + +Project Gutenberg-tm eBooks are often created from several printed +editions, all of which are confirmed as Public Domain in the U.S. +unless a copyright notice is included. Thus, we do not necessarily +keep eBooks in compliance with any particular paper edition. + + +Most people start at our Web site which has the main PG search facility: + + http://www.gutenberg.org + +This Web site includes information about Project Gutenberg-tm, +including how to make donations to the Project Gutenberg Literary +Archive Foundation, how to help produce our new eBooks, and how to +subscribe to our email newsletter to hear about new eBooks. + + +</pre> + +</body> +</html> diff --git a/old/44211-h/images/fig01.png b/old/44211-h/images/fig01.png Binary files differnew file mode 100644 index 0000000..298bd5c --- /dev/null +++ b/old/44211-h/images/fig01.png diff --git a/old/44211-h/images/fig02.png b/old/44211-h/images/fig02.png Binary files differnew file mode 100644 index 0000000..855b1e8 --- /dev/null +++ b/old/44211-h/images/fig02.png |
