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If you are not located in the United States, you -will have to check the laws of the country where you are located before -using this eBook. - -Title: Felicidade pela Agricultura (Vol. I) - -Author: Antonio Feliciano de Castilho - -Release Date: October 9, 2022 [eBook #69122] - -Language: Portuguese - -Produced by: Rita Farinha, Alberto Manuel Brandão Simões and the - Online Distributed Proofreading Team at - https://www.pgdp.net (This file was produced from images - generously made available by Biodiversity Heritage - Library.) - -*** START OF THE PROJECT GUTENBERG EBOOK FELICIDADE PELA AGRICULTURA -(VOL. I) *** - - - - - - OBRAS COMPLETAS - DE - A. F. DE CASTILHO - - --4-- - - Felicidade - pela Agricultura - - [Ilustração] - - LIVRARIA BARATEIRA - LISBOA - 34-RUA DO DUQUE-36. - Tel. T. 1264 - - - - - OBRAS COMPLETAS - DE - ANTONIO FELICIANO DE CASTILHO - - VOLUME 4.ᵒ - - - - -VOLUMES PUBLICADOS: - - - I--AMOR E MELANCOLIA. - II--A CHAVE DO ENIGMA. - III--CARTAS DE ECCO E NARCISO. - IV--FELICIDADE PELA AGRICULTURA (1.ᵒ vol.) - - NO PRÉLO: - - V--FELICIDADE PELA AGRICULTURA (2.ᵒ vol.) - - - - - OBRAS COMPLETAS DE A. F. DE CASTILHO - Revistas, annotadas, e prefaciadas por um de seus filhos - - IV - - FELICIDADE - PELA AGRICULTURA - - SEGUNDA EDIÇÃO - - VOLUME I - - [Ilustração] - - - LISBOA - EMPREZA DA HISTORIA DE PORTUGAL - - _Sociedade editora_ - - LIVRARIA MODERNA - _R. Augusta 95_ - - TYPOGRAPHIA - _45, Rotins, 47_ - - 1903 - - - - - ADVERTENCIA DOS EDITORES - - -Pelos bons julgadores foi sempre considerada esta _Felicidade pela -Agricultura_ uma das obras mais cheias de estro e pujança, que sahiram -do cerebro de Castilho. - -João de Andrade Corvo costumava dizer: - ---Em qualquer pagina que eu o abra, tem sempre este livro o condão de -me entreter, e fazer-me pensar longamente. - -Livro que faz meditar um homem da valia de Andrade Corvo, é bom. - -Escreveu Castilho tudo isto aos poucos, entre outras variadas tarefas, -para um periodico, que redigia em Ponta-Delgada: _O Agricultor -Michaelense_. - -Na solidão do seu viver, então muito incerto e cheio de saudades, -entre um rancho de cinco filhos pequeninos a pedirem-lhe instrucção -e educação, no meio de um povo amigo predisposto para o bem, e com a -visinhança do mar, que tanto influe a pensamentos sérios, acordaram no -antigo ermitão do Caramulo, no ex-redactor da _Revista Universal_, os -pensamentos rasgadamente humanitarios, que o desvelaram e absorveram -no resto da vida. Orientou-se, sem o suspeitar, no sentido pratico do -bem; e toda a sua alma de homem bom e de poeta vibrou em anhelos de -felicitação publica. Esses anhelos tomaram forma litteraria, e deram a -presente série de artigos, dictados desde Janeiro de 1848 até Dezembro -de 1849. - -Via então Castilho a regeneração da Patria, d’esta Patria que elle -tanto amou, consubstanciada n’uma ideia unica: o desenvolvimento da -Agricultura, e da Instrucção popular. ¿Enganar-se-hia? - -A campanha que nos annos proximos havia de sustentar, com a penna, com -a palavra, com o amor, com a ira, e com annos de existencia, começou, a -bem dizer, aqui. Este opusculo marca uma epoca da vida de Castilho. - -Com os seus alti-baixos de forma, com a sua exuberancia opulenta, com -as suas loucuras sérias tão sublimes, com o seu desalinho familiar, -que por si mesmo consegue impôr-se, são estas paginas o acordado sonho -de um vidente, que adianta tres seculos á sua era. As utopias do autor -encapellam-se, como antecipação grandiosa e gloriosa, que lhe retrata a -indole. - -¿São lembranças irrealisaveis algumas para desde já? sel-o hão; mas -dos devaneios e aspirações dos homens de alma tem a Humanidade lucrado -sementes de muitos bens. Lançadas á terra intellectual, veem a final a -germinar, e a desatar-se em flores e frutos. - -Deixar devanear estes grandes sonhadores, cuja região se libra a -meio-caminho entre o presente e o futuro, entre o real e o ideal, entre -a terra e o ceo. Escutemol-os, que para algures, não sonhado de nós -outros, nos levam estas sereias do bem: - -Preciosas revelações auto-biographica: se nos deparam no livro a cada -passo, aproveitadas já, e detidamente explicadas (quanto o podem ser) -nas suas _Memorias_. - -Pobre e desajudado, pugnou, quanto soube e poude, em favor de uma -ideia, que o alimentou e o aniquilou: a civilisação da sua terra. - -É um livro singular este, que se não pode ler sem respeito e commoção. -O pensador transparece no poeta. O lyrico devaneador completa-se no -philosopho. O patriota realça-se pelo christão. - -Exhala-se de cada paragrapho um vago perfume campestre, que é -verdadeira delicia: a mente do escritor foge, sempre que pode, para -as solidões das hortas e dos casaes; as metaphoras são tomadas quasi -sempre ao viver rural; a linguagem, portugueza de lei, sabe ao bom -falar dos montanheiros. - -Se elle tivesse refundido a obra, deixal-a-hia de certo mais perfeita; -mais sincera não a podia deixar. ¿E que melhor prenda do que a -sinceridade? - - - - - _Ao meu amigo_ - - _o Ex.ᵐᵒ Snr._ - - José Silvestre Ribeiro - - _em penhor de admiração, respeito, - e affecto_ - - _Antonio Feliciano de Castilho_. - - - - - ADVERTENCIA - - -Reuni para este livrinho algumas das minhas utopias, já publicadas em -um pequeno, mas bonissimo, periodico mensal provinciano, _O Agricultor -Michaelense_, a fim de que o outono, que tão cedo vem ás folhas -periodicas, não destruisse com ellas os meus pensamentos de amor dos -homens. A esses artigos, alguns outros, ainda que poucos, ajuntei de -identica natureza. - -Diz-me a consciencia, que a maior parte das minhas esperanças n’estas -paginas vem prematura, e que poucos d’estes bons e santos desejos, ou -nenhuns, se realisarão em vida dos nossos netos. - -Á consciencia respondo: que, se eu tivesse de viver duzentos annos -mais, ou se d’aqui a duzentos annos houvesse de renascer, de boa-mente -reservaria para então o que hoje antecipo. - -Os intolerantes, os fanaticos de cada parcialidade politica, terão -muito que abocanhar n’este pobre escrito. Pedir-lhes misericordia, ou -mesmo justiça, fôra tempo perdido. Dir-lhes-hei só, que não escrevi -para elles. Os homens bons e sinceros, que são os que me importam, -ainda quando não concordem comigo, louvarão as minhas intenções. - -Se, em uma ou outra parte, eu parecer por ventura censor, em demasia -acre, de coisas do meu tempo (de pessoas nunca); se d’ahi quizerem -inferir mexeriqueiros, que as minhas rasões são proclamações, e os meus -entranhados amores de alma, clamores e rebates sediciosos, não lhes -hei-de oppôr (o que aliás fôra verdade, e que de si se apresenta), -que as revoluções não são os livros quem as faz, mas sim as coisas; -as obras, ou a falta de obras, dos poderosos, e não as palavras dos -obscuros e inermes; que as paginas só teem força activa, quando os -actos que n’ellas se tratam lh’a communicam; e que essa força activa, -ainda quando nem uma lettra se escreva, e então muito mais, sempre -existe e sempre actua; que, em summa, o attribuirem ao meu livro -efficacia para concitar as turbas, é fazerem-me ao mesmo tempo honraria -demasiada, e demasiada injuria. - -Não amo revoluções, nem as quero, nem creio n’ellas; tenho vivido -este ultimo meio seculo, e não ignoro, de todo, o como doidejaram os -precedentes; mas, ainda que para ahi me fugisse a vontade (que não -foge), faltavam-me a voz e o desembaraço, indispensaveis para o papel, -pelo menos extravagante, de tribuno. Se alguma coisa a tal respeito -pregoei, mais foi contra as insurreições, que a favor d’ellas; mais -foi gritar aos governantes, que se houvessem de collar no officio por -boas obras, do que aos governados, que os derribassem; quando não, é -consultar o livro a cada passo. - -Se descreio em algum, ou alguns, dos presuppostos artigos de fé -constitucional, não é culpa minha, nem é culpa; affiro-os pela rasão -pura; avalio-os pelos resultados; comparo-os cá dentro, no meu fôro, já -com as obras inconsequentes, já com os versateis discursos de muitos -dos estadistas, que por elles fazem obra; e digo, com toda a paz da -minha philosophia humilissima, que me parece não seria mau pensarmos -outra vez um pouco em taes artigos. Toda a discussão dá luz; e toda a -luz é creadora. As theses politicas não são porém as minhas; as minhas, -o epilogo do meu livro, a isto se reduzem: temos terra, que pode ser -mais e melhor cultivada; devemos cultival-a; temos alma, que pode ser -mais e melhor allumiada; devemos allumial-a; temos coração, que pode -ser mais puro, mais virtuoso, e mais amante, e mais coração; devemos -aproveital-o. - -A terra nos fará ricos; a instrucção, poderosos; a moralidade, unidos. -A riqueza, o poder, a fraternidade, que são a civilisação, felizes. - -Quanto á Agricultura, as minhas diligencias não deixaram, talvez, de -contribuir o seu poucochinho, segundo alguem crê, para este promettedor -tráfego de Sociedades agricolas, que hoje vai no Reino. - -Quanto á Instrucção publica primaria, ajudei, e continúo a ajudar, a -obra santa, com o que pude e posso; do que, dou por prova o odio e -perseguições, com que os _obscurantes_ me teem honrado. - -Quanto á moralidade e fraternidade, esses bens, d’aquelles dois bens -se hão-de filiar; mas ha-de ser tarde. Só quando deixarmos de ser -politicos, principiaremos a ser bons. - -Do livro, como producto litterario, não ha por que falemos; foi -escrito de carreira, sem traça prévia, nem plano ordenado. Nem digo bem -«escrito»; foi _conversado_, como quer que as ideias vieram vindo. - -Refundira-o eu, se houvesse tempo, ou valesse a pena; decotaria -redundancias: aproximaria pontos homogéneos, que vão separados; -reduziria as doutrinas a um systema, e concatenação severa de -raciocinios. Nada d’isso farei. Apraz-me conservar-lhe o seu caracter -fortuito e desambicioso; só assim, é que me posso n’elle reconhecer. - -É uma conversação, com todos os seus altibaixos, com todas as suas -duvidas e incertezas, com todas as suas quebras e digressões, com todo -o desalinho de homem sincero, que antes quer ser amado, e merecel-o, do -que citado e admirado, inda que o podesse. - -Páro já, porque estender mais as advertencias sobre coisa tão pequena, -já passaria de ociosidade. - - - - - I - - Excellencias da vida rustica - - SUMMARIO - - Os campos são mais nobres que as cidades.--O trato rural produz - tudo.--A Agricultura, com os seus dois filhos, Industria e Commercio, - é a expressão maxima da Munificencia Divina, e o mais claro argumento - da sociabilidade do homem.--As cidades são centros para a circulação - da moeda.--Só um povo agricola é deveras rico.--As honras dadas - á Agricultura assentam em principios muito reaes.--A Biblia, e - Homero.--Os Romanos da Republica.--O que eram as mulheres n’esse - tempo.--A gratidão divinisou entre as gentes primitivas os inventores - industriaes e ruraes. Refutação de um dito de Santo Agostinho.--Origem - das mythologias campestres.--Os deuses rusticos eram uma decomposição - da Providencia. O Christianismo destruiu aquellas risonhas crenças. - O campo tomou outra especie de interesse.--Klopstock e Gessner.--As - sciencias naturaes vieram substituir com vantagem a perdida idealidade - dos campos.--Esboço da grandeza e poder d’estas sciencias.--Confirmar - o lavrador na religiosidade hereditaria.--Excitar os ricos e - poderosos, para que amem o campo e seus cultores.--Elogio moral e - politico do viver campestre. - - -A arte variadissima de obrigar a terra a produzir tudo, não é uma arte -rude, pois todas as sciencias a cortejam, e a servem; não obscura, pois -é a mais antiga e universal; não vil nem desprezivel, pois só depende -de Deus, em quanto os homens todos dependem d’ella. - -As cidades, que affectam desprezar os campos, d’elles nasceram; por -elles vivem e medram, que só lá teem as suas raizes. Transformam-se -ellas, envelhecem, amesquinham-se, doidejam, morrem, e esquecem; em -quanto elles, os campos, permanecem, riem, amam, dão, e promettem de -continuo; coexistiram desde o principio, coexistirão até ao fim, com a -raça humana. - -A charrua e o enxadão topam em toda a parte com as ruinas de templos -e palacios. Essas maravilhas ephémeras da Arte pompearam um momento -sobre o solo desvestido, e logo a Natureza as afogou; as recobriu outra -vez com o seu sólo, com a sua vegetação, com os seus frutos, com as -suas fragrancias, com a sua paz, com as suas harmonias, primitivas e -ineffaveis. - -¿Ouvis nas cidades grandes aquelle sussurro profundo de mil vozes, como -bramir de Oceano? É o estrépito da industria, o tráfego do commercio, a -ebriedade das mezas, o vozear dos espectaculos. - -¿Que Fada produziu e conserva tudo isso? a Agricultura. - -Vêde os exercitos, esse espantoso numero de consumidores improductivos, -esses celibatarios ministros da religião da morte. - -¿Quem os gerou? ¿Quem os renova? ¿Quem os alimenta? O chão pacifico -da lavoira. O seu pão, a sua carne, o seu vinho, os seus legumes, os -seus vestidos, os seus cavallos, os seus carros, as suas bandeiras, os -seus mil tambores.... tudo por lá se creou. Tudo aquillo, que vôa como -remoinho devastador, que não deixa senão cinzas, sangue, e lagrimas -após si, tudo aquillo nasceu e folgou pelas aldeias e casaes; relinchou -pelas planicies hervosas; mugiu nas leziras encalmadas; trepou e -baliu pelos cerros; ciciou loirejando pelos chãos, como espiga de -alambre; vicejou em florestas; amadureceu reluzindo por entre as parras -movediças dos oiteiros. - -¿Que povoação, não creada por Deus, anima, cruza, devassa, todos esses -mares? Esses portentos da sciencia e ousadia do homem, que affrontam -com victoria ventos e ondas, já pelas montanhas vegetaram, floriram, -hospedaram ninhos e musicas. As suas azas candidas, que os levam de -extrema a extrema do globo, as tranças ondeantes das suas enxarcias,... -foram linhares florescentes, onde as virações dos valles se embalavam. -A epiderme grossa e negra, que lhes reveste o corpo, e lh’o torna, -como o dos monstros marinhos, inviolavel á agua, estillou-se do -pinheiro queimado em succo denegrido; gottejou de outros troncos em -rezinas balsamicas; creou-se nos ossos do animal, que arrasta o carro -e o arado; expremeu-se em oiro liquido do fruto luzidio da oliveira. -Os braços, que os domam e os meneiam, como o cavalleiro dirige o seu -corcel a todas as partes, robusteceu-os, quasi todos, o sol dos campos. - -¿Que levam ellas, essas cidades sem alicerce, por quem as mais remotas -se communicam, e todos os filhos de Adão não fazem mais que uma -familia? ¿Que levam, que assim vão assoberbadas? - -Levam os frutos da cultura do septentrião, aos longinquos moradores do -sul; as producções regaladas do meio-dia, ás praias severas do norte; -os perfumes e sabores do oriente, até ás ultimas orlas das Hespanhas; a -alegria das mezas occidentaes, aos banquetes opíparos dos Chinezes. - -¡E é o trabalho de um camponez humilde, de sua mulher e de seus filhos, -o que, sem sahirem do torrão que os brotou por entre as plantas e os -gados, povoou todos esses mares sem limites de celleiros, dispensas, -e adegas fluctuantes, e abasteceu, sem o saberem, ao seu desconhecido -irmão, em paizes de que nunca ouviram o nome, recebendo de lá, em -troca, o que nunca sonharam que a terra procreasse! - - * * * * * - -Difficilmente, por mais que refujâmos para longe dos campos, e para o -centro do luxo, difficillimamente encontraremos com objecto, que, no -todo ou em grande parte, não devesse o seu ser á industria agricola. - -A corporificação mesma d’este pensamento, isto, que estamos escrevendo -agora, isto, que vós amanhan estareis lendo, este nosso aprazivel -praticar entre desconhecidos, este daguerreotypar para os vindoiros um -reflexo passageiro do espirito, ¿a quem o devemos, se não a esta Arte -inexhaurivel? O papel, a penna, a banca, o prelo, as balas, a tinta de -impressão, o alimento que mantém os braços, de que tudo isto se ajuda, -¿quem se não a Agricultura, o deu? ¿Quem se não ella, ou um milagre de -muitos milagres, o podéra dar? - -A Agricultura, a velha e robusta mãe dos povos, auxiliada dos seus -dois incançaveis primogenitos, Industria e Commercio, é a bemfeitora -por excellencia; a compensadora unica das differenças das regiões; a -expressão maxima da Divina Munificencia, e o mais claro documento da -nossa social destinação. - -Qualquer Sciencia, qualquer Arte, supprimida, deixaria uma falta, mais -ou menos para sentir; mas a falta da Agricultura desataria de repente a -Sociedade, e dentro em pouco extinguiria o proprio homem. - - * * * * * - -¡Longe de nós o insensato pensamento de negarmos ás cidades a sua -importancia! A baixo das choças aldeanas, nada mais nobre que as -cidades; nada, que as Leis mais devessem favorecer, depois dos campos. - -Os metaes preciosos, de que uma invenção profunda, e quasi inspirada, -compôz, por que assim o digâmos, o sangue, que devia circular por todo -o corpo social, necessitavam, como o sangue no corpo de cada individuo, -deposito amplo e energico, para onde confluissem de toda a parte, e que -outra vez para toda a parte os deramasse. A Cidade foi o coração do -paiz agricola, e centro unitivo de sua vida. - -Ás cidades, as industrias, secundaria e terciaria; o manufacturar as -materias; o permutar as manufacturas. Aos campos a primaria industria; -o ministrar a omnimoda materia para essas duas outras. - -Artes e Commercio encantadores são, que modificam, metamorphoseiam, e -transferem tudo sem cessar; mas só a Agricultura cria, só ella, filha -primogénita da Divinidade, é, sobre a terra, Divindade. Só um povo que -lhe quer, e a quer, e a serve com desenganada preferencia, só esse é -rico; rico sem fausto, mas rico sem receio de empobrecer. - -As minas cançam e exhaurem-se; as conquistas levantam-se e fogem; as -fabricas podem cahir, ao erguerem-se novas fabricas n’outras partes; -a grande louca do mundo moderno, a moda, as derriba a cada passo, -roçando-as, ao passar, com o seu vestido novo, ou com os seus novos -enfeites; o mesmo Commercio, no seu carro triumphal de oiro, corre -estrepitoso por cima de alturas resvaladias, por entre despenhos e -rivaes inimigos, que ao primeiro descuido o precipitarão. - -Só a terra entretanto se não esgota; só n’ella se podem empregar -beneficios, sem colher ingratidões; só ella pode dizer, como o seu -Creador: «Pedi e recebereis»; só ella pode supprir tudo, sem poder -outra alguma coisa suppril-a. - -Quando ella treme, sacode de sobre si, em nuvens de pó, castellos -massiços, paços alterosos, armazens e feitorias de portas chapeadas, -como um leão, com um frémito musculoso das jubas, afugenta os -insectos, que vieram poisar sobre elle em quanto dormia; mas a Queluz -e Versailles do lavrador, a sua choçasinha de palha, essa vacilla -um momento, como as arvores circumstantes; assustou-se, como um -passarinho entre as ramadas; mas fica em pé, e rasserena-se, vendo tudo -em derredor tão arraigado, tão viçoso, tão quieto, como d’antes. - - * * * * * - -Foi a consciencia d’estas verdades obvias, e que só o excessivo -crescimento do luxo era efficaz para escurecer, foi, dizemos, a -consciencia d’estas verdades, a que fez com que em todos os tempos se -protegesse e honrasse a Agricultura, e em alguns paizes por modo tal, -que aos almiscarados passeadores das capitaes pareceria hoje fabuloso, -ou ridiculo quando menos. - -Os dois mais antigos livros, que o mundo velho nos deixou, a _Biblia_, -epopêa de Deus, e Homero, biblia dos poetas, a cada pagina nos -maravilham com o que antes nos devêra servir para sizuda meditação, -e algum exemplo: com a singela pintura do enlace da autoridade com o -trabalho rural. - -Reis e Principes homericos, raios de valor nos combates, nos dias da -paz cultivam, e pastoreiam: e mais de um heroe d’esses, ao expirar, dá -a ultima saudade ao pensamento dos bosques da sua infancia. - -Os patriarchas da antiga Lei, os juizes, e os Reis do Povo hebreu -(semelhantes n’aquillo aos maioraes de algumas tribus arabias, e aos -regedores de alguns povos simplices da America e da Africa, ainda hoje) -distribuiam a justiça, já á sombra de um carvalho, já sentados, como -em throno, na méda do seu trigo á borda da eira; ou, reclinados entre -os seus rebanhos, ensinavam com apólogos e parábolas campestres, as -virtudes naturaes, a concordia, a rectidão, a beneficencia. - -Os Romanos das eras recommendaveis, os Romanos da Republica, essa -gente exemplar, já expurgada da barbaria de sua origem, e ainda não -pervertida pelas riquezas e luxo; equidistantes de Romulo e de Nero; -revolviam com a charrua o chão da Patria, que alargavam com a espada. -Da rabiça, se iam arrancar os generaes para as victorias; do Capitolio -redescendiam, com alvoroço, para se irem concluir a geirasinha largada -em meio. - -Então as matronas eram Cornelias; e as donzellas, Virginias. Então era -soberbo epitaphio: «N’este sepulcro não formoso jaz uma formosa mulher. -Governou sua casa; fiou lan.» - -Então eram guiões e estandartes magnificos umas paveias de feno no alto -de uma lança. - -Então, emfim, podia dizer o Poeta, com verdade: não só que as selvas -eram dignas de consules, se não que eram dignos os aldeãos, dos feixes -e da purpura. - -Retraiâmos-nos lançando comtudo um olhar saudoso para aquellas edades -ridentissimas, em que os nomes e feitos memorandos se não escreviam nos -annaes, mas se embalsamavam de poesia para mythos. - - * * * * * - -¿Qual foi d’essas antigas gentes, fabuladoras por philosophia, a que -não divinisou, e não ergueu sobre aras, para incensos e hymnos da -posteridade, os inventores, introductores, ou aperfeiçoadores, das -diversas Artes prestadias, e da Arte da Agricultura sobre todas? -Cybéle, Osiris, Saturno, Céres, Triptólemo, Fauno, Pales, Baccho, -Pomona, Vertumno, Aristeu, Flora, eis ahi uma parte d’esse Olympo -terrestre, com que as Musas por mais de dois mil annos se inspiraram, -e que, se já hoje não ressôam nos cantos, nem por isso ficaram menos -sacros para os corações agradecidos. - -«Demonios são os deuses da gentilidade»--exclamava, no seu enthusiasmo -religioso, o Bispo de Híppona.--«Demonios são, cujos nomes nunca mais -hão-de profanar estes meus labios.» - -Enganais-vos, Agostinho, se abrangeis a esses bons deuses rusticos -no vosso anáthema. Desendeusae-os embora; mas, em vez do ferrete de -demonios, decretae-lhes foros de grandes Homens, e grandes Mulheres, já -que de Anjos não pode ser. - -Se procuramos, na rasão pura, o que por nenhum documento se rastreia, -o por que os Romanos, apóz os Gregos, os Gregos apóz os Egypcios, e -os Egypcios Deus sabe apóz quem, assim se comprouveram de povoar de -numes e semi-numes indígetes os seus campos, facil se nos depára a -chave do enigma. Obra foi, instinctiva e simultanea, de rusticos, e -philosophos; do povo, e dos agentes da alta Politica dos Estados. O -poder comprehendeu a utilidade de sanccionar culto que nobilitasse -o lavrador, divinisando todos os objectos do seu trato, e a propria -terra: os camponezes, por si mesmos, de motu proprio, coadjuvaram -o poder n’esse mui real empenho seu, com darem largas á propria -phantasia, faculdade sempre tendente para o poetico e maravilhoso. - -E de feito, ¿que mais natural erro (se assim nos podemos exprimir), -que abusão mais para desculpas e louvor, do que imaginar o homem, ao -ver-se rodeado de successivos beneficios e presentes da Natureza, que -andavam ahi velando sobre elle, por toda a parte, a todas as horas, -entes beneficos, poderosos e invisiveis, a quem por isso cabiam amor -e agradecimento? Por não abrangerem a Providencia na universalidade, -decompunham-na em mil Providencias; e n’este sentido a idolatria era -ainda um culto ao Supremo Desconhecido, «IGNOTO DEO»; era o matiz -brilhante e confuso, formado de vapores da terra entre ella e o Céo, -como arreboes e aurora do SOL, que estava para nascer. - - * * * * * - -Além da gratidão, outra causa, se menos sublime, por ventura mais -urgente, levaria os filhos das aldeias a abraçarem na alma, sem -exame, aquellas crenças, logo que referidas na conversação dos velhos -autorisados, ou evangelisadas pelos poetas, por esses engenhos de -eleição, a quem sempre se attribuiram mysteriosas relações com outros -mundos. Esta causa era, no meio da solidão, a tendencia para a -sociabilidade. - -O viver semi-eremitico do camponez, e as suas occupações, quasi todas -manuaes, deixavam-lhe alma e coração livres, vazios, carecentes, -avidos de alimento. Nos desenhos do Vaticano se vê, copia de uma pedra -antiga, a imagem da Agricultura representada por uma Psyche, arrimada a -um sacho, e meditabunda. - -Então o pastor folgou de cuidar que uma deusa o acompanhava occulta, -e o amava, defendendo-lhe o rebanho; que de dentro de cada arvore, -ao perpassar, lhe sorria uma Nympha; que outra despejava da urna -subterranea as aguas que o dessedentavam; que a aura refrigerativa das -séstas era vivente, e lhe furtava beijos fugindo; que a sua flauta fôra -inventada por Pan em hora de mágoas amorosas, e as suas cantigas eram -repetidas com ternura pela namorada de Narciso. - -O semeador, lançando o grão á terra, commettia a sua subsistencia ao -coração maternal de uma beldade; o pomareiro encommendava a outra, -ainda mais beldade, encher-lhe os açafates e cestos para o outono; e o -vinhateiro via um menino, tão gentil como o proprio Amor, e um velho -tão folgasão como esse menino, andarem-lhe brincando por entre as cepas -para florescerem. O dia, derramava-o dos céos o deus da musica e dos -versos. Á scismadora melancolia das noites presidia, lá do carro da -lua, uma virgem candida, que de manhan andára caçando pelos bosques, e -de quem havia segredos... para se contarem ao ouvido das raparigas. - -Assim se era amado, porque se amava; e se amava, porque se era amado. -Assim se ganhava animo para supportar a solidão; ou, por melhor dizer, -assim a solidão se transformava em sociedade; sociedade tão numerosa, -tão garrida, tão illustre, tão sensitiva, tão amavel, tão munífica, -sobre tudo, qual nunca jámais a poderiam ter os saráus das maiores -Côrtes, e dos maiores Reis. - - * * * * * - -Sob o astro esplendido do Christianismo tudo isso passou, como perante -o sol do estio desapparecem as multicores florinhas, que borboleteavam -por valles e oiteiros. O campo desenfeitiçado se consagrou por bellezas -mais severas; mas a solidão reappareceu em grande parte, e quiçá -mais profunda e melancolica, em derredor do camponez. É porque já se -aprendêra do Historiador da Creação, que a fertilidade só nascia do -trabalho, e que o trabalho era castigo da desobediencia; que a terra -não era patria, se não degredo, e a vida não estado, se não caminho por -valle de muitas lagrimas. Os frutos já não foram dádivas de nymphas, -sim esmolas, que a troco de suor e orações se lançavam lá de cima aos -necessitados, para elles as repartirem com os indigentes. - -As novas festas campestres, as Rogações de Maio, a procissão das -Alleluias, não compensavam, para os sentidos, as sacras profanidades de -outro tempo. - -Acudiram Musas do Cedron e do Jordão, successoras, e não herdeiras, -d’aquellas nove da Castália e Aganippe, e forcejaram por enthronisar no -campo das antigas divindades esvaecidas novos Genios mais formosos, -ainda que menos sensuaes; verdadeiros quanto á existencia, e só quanto -aos attributos fabulosos. Ás Dryades, Oréades, e Faunos, succederam na -tutella das arvores, dos oiteiros, e das planicies, Anjos invocados do -Empyrio pelas harpas germanicas do cantor delicioso de Abel, do cantor -sublime do Messias. Mas esses Espiritos custodios das plantas e das -aguas, das flores e das estrellas, em quem a imaginação creu, talvez, -em quanto ressoavam os accentos d’aquellas harpas, volveram aos Ceos -com Gessner e Klopstock, como os numes haviam volvido ao nada; e a -solidão campestre recomeçou; ou proseguiu. - -O ideal da vida agricola achava-se pois abolido, e para todo sempre. A -obra das Musas do Líbano caducára, como a obra das filhas do Parnaso. A -arvore não era mais que um lenho verde; a fonte, agua; a terra, terra. - -Acode a Sciencia, para repoetisar tudo. - - * * * * * - -A Sciencia da Natureza é nos tempos modernos um gigante, animado de -mil espiritos, armado de mil braços, guarnecido de mil azas, dotado -de mil ouvidos e mil olhos; engolfa-se, como aguia, por ceos e ceos; -colhe no vôo os cometas e os planetas, e lhes toma o pezo e a medida; -distingue na atmosphera imperceptiveis e subtilissimos fluidos, e os -senhoreia como a outros tantos Genios poderosos, constrangendo-os a -explicarem-se, e a servil-a; estende a vista senhoril pela superficie -do orbe, e impõe, como o primeiro homem, nome proprio a cada vivente -sensitivo, a cada planta, a cada composto, a cada elemento da materia -bruta e inerte, desde a colossal baleia, até o microscopico infusorio, -desde o giganteo baobab, até o pulverulento lichen, desde os alterosos -Andes, até as parcellas imponderaveis do simples mineral. Entre tantos -milhões de individuos, estabelece os _reinos_, determina as _classes_, -subdivide e forma _ordens_, reconhece os _generos_, caracterisa as -_especies_, e descobre as mutuas relações de nexo ou afastamento. Funda -preciosos inventarios de tantas riquezas, os _methodos naturaes_, -e os _systemas artificiaes_. Abysma-se nas profundezas da terra, -e reapparece com os documentos da historia do Mundo; medita-os, e -prophetisa o que lá vai, já nos incommensuraveis seis _dias_ do -Génesis, já nas eras subsequentes. Interroga a vida em todos os seus -mysterios: na geração, na reproducção, na conservação, no crescimento, -nas metamorphoses; aqui, lhe recebe a confissão de um segredo; além, -lhe arranca outro; conjectura todos; e muitos, por ventura lh’os -adivinha. - -Ajudada das artes, filhas suas, nutridas aos seus peitos, entretece -industriosamente todos esses innumeraveis fios de luz, que de cada -ponto da materia lhe ressurtiram, e por suas combinações inesperadas -faz apparecer, de momento para momento, novos recursos para as mesmas -artes, novas forças e vantagens para o homem. - -O campo, sondado pela Sciencia em cada camada do seu terreno, em cada -elemento dos seus adubíos, em cada gotta do seu orvalho, em cada -molécula dos seus gazes, em cada póro das suas plantas e animaes, em -cada tácita relação de tudo seu com os meteóros, com a electricidade, -com o frio e calor, com a luz e as trevas, com cada um dos ventos, com -cada uma das quadras, com cada um dos mezes, com cada um dos dias, e -horas do dia, o campo, repetimos, encerra pois mais poesia, poesia mais -bella, mais fecunda, mais vivaz, mais duradoira, que as antigas. - -A arvore do pagão fôra nympha; e a do simples christão, simples meza -de caridade. A arvore para o sabio é um microcosmo de maravilhas; é um -pregão, não já mudo, de Sabedoria, de Poder, de Bondade sem limites. - - * * * * * - -¡Felizes nós, se, interpretando uma ou outra harmonia da Natureza, -podermos confirmar o camponez na sua religiosidade hereditaria! - -¡Felizes, não menos, se nos ricos senhores crearmos, ou -accrescentarmos, o amor dos seus campos, e o salutar affecto aos -pobresinhos, que com o seu suor lh’os fertilisam! ¡se, tornando-lhes -aprasivel o rusticar, e descobrindo-lhes com Zimmermann os thesoiros da -solidão, contribuirmos para que alguns vão ser divindades veneradas no -seu torrão, e ensinar com o seu trato polidez aos filhos das aldeias -retemperando-se entre elles, e readquirindo algum pouco d’aquella -innocencia velha foragida das cidades! Que vendo nos seus bosques e -seáras alguma coisa mais que lenha e farinha, sintam que a Agricultura -é o parentesco, a amisade, a intimidade, o trato de mutuos beneficios, -entre o homem e a Terra sua mãe. Que repitam com Bentham: «A classe -dos que trabalham, se é a derradeira no vocabulario dos soberbos, é -no vocabulario da san Politica a primeira». Que muita vez, nos seus -passeios meditativos, exclamem enternecidos, como a Baroneza de Staël: -¡«Pobre gente! ¡meio silvestres, meio civilisados! mas os que d’entre -elles são virtusos, ¡oh! esses teem um genero de innocencia e bondade, -que lá nos mundanos se não acha.» Ou, reclinados ao sol posto no poial -da sua granja, revolvam calados aquellas palavras, com que a Biblia, na -sua maravilhosa simplicidade, nos encarece o viver facil do Povo eleito -no reinado de Salomão: «Comer, beber, e folgar, sem nenhuns medos, cada -um á sombra do seu parreiral e da sua figueira.» - -¡Oh! e as mãos do que tudo isto chegar a dizer, ¡que venturas não -dispartirão tacitamente pelas agradecidas choças de tantos, que, em -meio de montes de riquezas, não tinham muitas vezes um pão negro para -os seus meninos! - -«Quem faz amar os campos--escrevia Delille--faz amar a virtude.» - -¡Oh ricos, ricos! ¡Quão pouco vos custára o ser ditosos, creando nos -outros alegrias para vós mesmos! ¡Quão facil vos fôra acabar com o -antigo pleito, que pende entre a penuria e a opulencia! ¡Quão facil, -e quão glorioso, o fazerdes (e não á vossa custa, se não até com -proveito vosso) com que os filhos, como vós, de uma terra fertil não -fugissem d’ella, para se irem comer pão de escravos, e estalar de -saudades em sertões longinquos! - -Se amais o chão onde nascestes, creae e enraizae n’elle verdadeiros -lavradores. - -Lavradores verdadeiros não são só os cidadãos mais productivos, mas -tambem os mais pacificos e patrioticos. - - Janeiro de 1848 - - - - - II - - Sociedades de Agricultura - - SUMMARIO - - As associações agricolas hão-de diminuir as aversões publicas, e - restituir o amor do trabalho.--A Sociedade Promotora da Agricultura - Michaelense mostra o que taes sociedades valem.--Vantagens que já - tem dado.--O seu exemplo ha-de ser imitado, mesmo em Portugal.--A - convicção da necessidade de olhar pela Agricultura é já sentida - geralmente.--As regenerações politicas só serão verdadeiras - tendo por base a Agricultura.--Todas as revoluções teem origem - na bolsa.--Tributos devem-se exigir, proporcionando-se meios de - os pagar.--Os poisios deviam repartir-se pelos soldados.--Como - seria um bom Governo.--Aqui não entra «Politica» segundo hoje a - entendem.--Declaração de qual é a do autor.--Como as Côrtes e o - Governo podem felicitar sem custo a Nação.--Se elles o não fizerem, - façam-n-o os particulares, associando se. - - -Por um interessante periodico do Funchal, O _Madeirense_, vemos com -prazer, que tambem ali se torna a olhar com amor para a terra, _a -grande Mãe_, como philosophicamente lhe chamavam os Antigos. - -A terra é o campo neutro, no qual, ainda hoje, se podem congregar -os animos, que as contendas sociaes dissociaram e lançaram a monte. -Não é senão no seio da Natureza immutavel, universal, inexhaurivel, -que os homens podem encontrar novamente a convivencia de ideias, e a -fraternidade, a que os leva o seu instincto, tanto como a sua razão. -Se o trabalho é a condição indispensavel de todos os bens, se a união é -a indispensavel condição de todo o trabalho de veras fecundo, ¿quem não -vê que as Associações agricolas, além do grande beneficio de tornarem -a enfeixar um pouco a familia humana, hão de promover o trabalho, Anjo -custodio de saude e bons costumes? O que as Associações agricolas -estão dando de si nos povos representantes e coripheus da civilisação, -é historia já tão publica e corrente, que ainda aquelles que a não -estudam a sabem pouco mais ou menos. Mas, preterindo, como logares -communs, a França e a Inglaterra, figuras obrigadas em qualquer pagina -dos nossos contemporaneos, como aquell’ outras de Grecia e Roma em cada -escrito dos nossos paes, préguemos á nossa gente com o exemplo, muito -mais persuasivo, dos «santos de casa.» - - * * * * * - -A Sociedade Promotora da Agricultura Michaelense é a demonstração -viva do que taes corpos valem, e podem, para o aperfeiçoamento dos -lavradores. - -Nascida de hontem, se pode dizer, sem amparo algum externo, sem uma -dotação larga, para converter em factos a decima parte dos seus bons -desejos, constantemente a braços com as difficuldades dos tempos, -ainda não apreciada nem comprehendida na propria terra, e com mais -de metade das suas forças intrinzecas desaproveitadas, com um viver -intermittente, reduzida a hibernar por quasi toda a bella estação, -e no inverno mesmo só incompletamente concorrida de seus membros e -sem ouvintes para a animarem recolhendo-lhe o fruto das discussões; -n’uma palavra: não havendo tido, por si até agora mais que tres ou -quatro vontades perseverantes, mas inquebrantaveis, mas inflexiveis, -mas cheias de fé e amor, esta Sociedade contém já nos seus fastos -algumas paginas, que a gratidão da Historia ha-de doirar, e os futuros -lavradores beijar com enternecimento. - -O rusticissimo horror das innovações agrarias, esse ridiculo espantalho -millanario de todas as ideias uteis, não se destruiu, porque não pode -destruir-se; mas vai recuando para dentro dos limites de uma prudente e -cautelosa espectativa; isto é: a curiosidade moderada, que não dá passo -sem primeiro palpar o terreno, mas que, apenas o sente solido, adianta -e assenta o pé para não retroceder, occupa já o logar do empyrismo -intolerante e indomesticavel. - -Não se instruiu ainda o camponez; a tarefa de seculos não cabe em dias; -mas fez-se-lhe entrever a sua ignorancia; é uma grande passada no -caminho do Progresso. Fez-se-lhe conjecturar, por factos sensiveis, que -havia, fora da sombra do seu campanario, e mesmo dentro nas cidades, -amigos seus e da terra, habilitados pelo estudo para mestres e guias; -que os livros não eram todos sonhos vãos de charlatães, e que de muitos -d’elles sabiam raios, luminosos como os do sol, que fertilisavam a -terra largamente; que não havia sacrilegio em trocar a enxada de Adão -pelo instrumento só de hontem inventado, mas que multiplica as forças, -as horas, os frutos, as moedas, os ocios innocentes, e os praseres. - -Insinuou-se a pouco e pouco, e sem rumor, nas praticas do serão da -Aldeia: - -primeiro, a crença de que o Mundo era mais amplo que os confins da -parochia ou do municipio, e muita planta boa, e muito animal prestadio -opulentavam outros paizes, que, se viessem ao municipio e á parochia, -lhes accrescentariam os haveres; - -que se podia produzir mais e melhor em frutos e materias primas, para -industrias que ao longe se enxergavam; - -e que o pretender aperfeiçoar as raças brutas, as manadas, os rebanhos, -e os animaes domesticos, não era absurdo nem impiedade, pois que a tudo -isso se chegava sem mais feitiço que o entendimento que Deus nos deu. - -Não queremos affirmar que o poisío secular, sêcco e maninho, dos -espiritos da população rustica se ache já desmoitado. Affirmâmos -porém, e poderia provar-se, que da fundação da Sociedade promotora -data um progresso notavel na Agricultura d’este paiz; que ha hoje ahi -em exercicio muito instrumento moderno de inquestionavel prestimo; que -alguma raça de animaes caminha para o aperfeiçoamento; que as plantas -preciosas estrangeiras são desejadas e bemvindas; que se vai pegando -a curiosidade do experimentar. N’uma palavra: um observador attento -e sagaz sente nas ideias rusticas o que quer que seja de vivaz, de -vegetativo, de medrançoso; semelhante ao que se percebe nas hortas, -de verão, pela calada da noite, quando ao luar se está suavemente -devaneando: um rumor vago e tenue pela folhagem; um cheiro suave de -vitalidade, que é circular de seiva, encorpar de hásteas, desabrolhar -de gomos, explicar de folhas, nascer de botões, abrir de flores, -enchar e amadurecer de frutos; são os fluidos impalpaveis do dia que -passou, que por ali se estão ás escuras corporificando para abundancia; -d’aquelle ruído sem nome, e quasi imperceptivel, é que lá para o -diante se hão-de acogular as eiras, encher os celleiros e os lagares, -assoberbar-se os carros, os portos, e os navios, nutrir-se os homens e -os animaes, as aldeias e as cidades. - -Deixae continuar em sua acção a causa impulsiva d’este movimento, que -já se opera nos espiritos camponezes, e vereis as innovações cada vez -menos repugnadas, a sciencia pratica avantajada de anno para anno, e -com ella vir raiando um pouco tambem da sciencia especulativa, unica -fonte dos progressos ulteriores e indefinidos. - - * * * * * - -Felizmente, este exemplo grande e nobre que a Sociedade Michaelense -está dando a todos os dominios Portuguezes, e á metrópole mesma, -é grão lançado em terreno, que nos parece achar-se já devida e -sufficientemente preparado. - -De toda a parte onde ha Portuguezes, isto é: de toda a parte onde -sobre um solo fertil negreja a penuria, saem gritos clamando pela -Agricultura ausente, como pelo ultimo e unico Messias terrestre; e -esses clamores, quando assim se tornam geraes, são sempre prophecia. - -A convicção chegou a todos os animos: a uns pelo raciocinio, aos outros -pelo mero instincto; mas em todos está; em quasi todos clama; e já em -muitos se agita insoffrida, para se converter em obras. - -Se os commodos da vida, isto é os deleites do corpo, os do coração, -e os do espirito, são o alvo a que tiram de longe, e de encontrados -pontos, todas as opiniões, todos os systemas, todas as parcialidades, a -Agricultura para Portugal deve (e não pode deixar de ser) havida pela -Politica suprema, pela Politica das Politicas; pois quando, renascida -e adulta, a nossa Agricultura nos houver feito laboriosos, abastados, -modestos, bons, unidos, e irmãos, então, e só então, é que as theorias -de _liberdade_ deixarão de fluctuar e transformar-se ao sôpro das -palavras, como as nuvens inconsistentes ao capricho dos ventos. - -As instituições sociaes querem todas uma base; e não ha para ellas -alicerce, como é a terra a desentranhar-se em riqueza; tanto assim, que -o proprio regimen absoluto, e ainda o despótico, em quanto não faltam -ao Povo com pão e um pouco de recreio, permanecem, não combatidos, -nem quasi murmurados; ao mesmo passo que as mais philosophicas e -altisonantes constituições em terra faminta, isto é em terra pelos -homens desaproveitada, são victima, muitas vezes innocente, mas sempre -victima, dos irreconciliaveis odios da indigencia. - - * * * * * - -Não se ha mistér ser profundo sabedor na historia das revoluções, para -reconhecer que todas ellas, proxima ou remotamente, teem na bolsa a -sua origem; assim como é evidente, que em quasi toda a parte é a terra -trabalhada quem enche a bolsa; ou, pelo menos, que é só ella quem, -enchendo-a, pode prometter com affoiteza conserval-a cheia. - -Um dos mais deploraveis erros, se não o mais deploravel, é procurar -acudir aos males produzidos pela miseria, extorquindo aos proprios -miseraveis com uma das mãos o que depois, bem ou mal, em todo ou em -parte, se derrama sobre elles. O Thesoiro publico só é abastado, ou, -mais verdadeiramente, só ha Thesoiro publico, onde se não é obrigado a -arrecadar para elle sangue, lagrimas, e maldições. - -Os tributos são uma necessidade; mas para os Governos justos e -previdentes não no é menor subministrar aos governados meios de -producção, com que satisfaçam aos tributos. - -Facilitae-me encher a minha tulha, e pedi-me embora metade d’ella para -remir o desamparo dos meus visinhos. Mas se pela minha porta aberta não -vedes, em toda a minha poisada terrea, nem lume, nem pão, nem assento, -nem mais vestido que os andrajos que andam no corpo, não me vendais -para o tributo o bercinho nú do filho, e a enxerga desconchegada da -mãe; não m’os vendais que o não quer Deus; não m’os vendais, não m’os -vendais, que por um tostão ou dois os havereis matado a elles e a mim, -e á vossa consciencia tambem; e todos estes mortos se alevantarão á -hora prescrita, para matarem a vossa causa. - -Se os haveres são o sangue do corpo social, e se o corpo social jaz por -debilidade, ¿pensaria alguem cural-o abrindo-lhe as veias e as artérias? - -Em quanto houver terras devoluto, a dar cardos e urzes em logar de -trigo e azeite; em quanto houver braços com ociosas armas ás costas, -ou encruzados sobre o peito descarnado; em quanto não repartirdes -esses braços por essas terras, e essas terras por esses braços, com um -alvião, um punhado de sementes, dois ou tres cruzados para uma choça -de colmo, um cathecismosinho de Agricultura, e uma boa isenção de -direitos até que a abençoada plantação se desate toda em frutos; em -quanto fordes tolerando que o vicio, o ruim exemplo, a indiligencia, -e a ignorancia, lancem quotidianamente na voragem sempre crescente da -prostituição milhares de moças, nascidas com entendimento e coração -para mães de familias, e a maior parte das quaes o haveriam ido ser, se -o seu hediondo celibato não fôra effeito necessario do celibato forçado -de tantos homens; em quanto, pelo concurso de tamanhos desconcertos, -deixardes que permaneçam estereis, despresadas, e despresiveis, as duas -mais formosas e mais santamente productivas coisas do mundo, a terra, -e o seio da mulher; sereis mendigos a governar mendigos, sereis loucos -a vexar attribulados. - -Podereis chamar-vos Governo, segundo o Direito constituido, e pelas -trombetas de uma parcialidade, da vossa; mas pela Natureza, mas pela -philosophia, mas pelo vosso proprio senso intimo... nunca merecereis -tal qualificação. - - * * * * * - -Damos por superfluo declarar que, se algum nescio, ou maligno, vir -d’isso a que ahi chamam _Politica_ nas poucas linhas que deixamos -escritas, não foi absolutamente nossa intenção, nem o é, nem o será -nunca, descer das alturas serenas e claras do raciocinio até essas -escuras e lodacentas encruzilhadas. - -Não processâmos nenhum homem, nenhum bando, nenhum systema; ou -processâmol-os todos. - -Hoje (comprazemo-nos de o repetir) não commungâmos senão á Meza -catholica da Philosophia. Todas as variações protestantes da egreja -politica liberal nos são desconhecidas. Lançâmos ao ar e ao vento as -palavras de bom conselho, com hombridade e sem odio, como todos devem; -é a nossa consciencia a respirar alto. - -A parcialidade que fizer obra do que nós só fazemos discurso, será -essa a que nós bemdiremos. Os primeiros estadistas, que arvorarem -por estandarte na ponta de sua lança sem ferro a relha da charrua e -o sacco da semente, serão os que nos movam, sem que nol o peçam, a -irmos á urna; e á fé que não votaremos senão por elles, porque esses -nos haverão feito acreditar na edade de oiro. A edade de oiro não está -no passado, como a sonharam os poetas, mas no porvir, e bem proxima se -o quizermos. Não ha de baixar do Ceo com deuses, mas ha-de rebentar -da terra com frutos e creanças, quando os homens se encurvarem para a -invocar. - - * * * * * - -Segundo os axiomas que deixamos tocados, grandes, imperiosos, e -urgentissimos são os deveres, que ás autoridades executivas e -legislativas incumbem, de remover obstaculos, e proporcionar meios para -que a Agricultura nacional se levante e cresça, com aquella espantosa -rapidez, com aquelle vigor prodigioso, que todas as coisas nobres -assumiram sempre em nossa terra, quando de veras as quizemos. - -Legisladores e governantes, dizei «Faça-se»; de todos os cantos da -Monarchia se repetirá em milhões de eccos: «Faça-se». E far-se-ha. E o -Povo Portuguez reapparecerá aos olhos do mundo tão grande e magnifico -nos seus trajos de lavrador, e coroado de oliveira, como outr’ora -soldado e conquistador, coroado de loiros, e cicatrizes; mas com uma -vantagem summa na sua nova transformação: que as conquistas e pelejas -o matavam afogado em oiro e sangue; em quanto a Agricultura o haverá -remoçado como o Esão da fabula, e opulentado do oiro vegetal, unico -oiro que sustenta e se semeia para mais oiro. - -Pois se acha emfim conhecido o caminho largo e facil que nos ha-de -levar á felicidade; pois que tantos desejos o devoram já em espirito, -¿por que não nos poremos desde hoje em marcha para a conseguirmos -quanto antes? - -Se os Legisladores, se os Governantes, se as supremas Autoridades -não souberem, ou não poderem, ou não ousarem, collocar se á nossa -frente; se houver interesses, que se lhes representem maiores do que o -interesse maximo; saibâmos e ousemos nós, nós os cidadãos, nós o Povo, -nós que o podemos, progredir sem mais impulso que o nosso instincto -salvador, sem mais guia que a razão demonstrada. Tambem uma columna de -luz levou o Povo eleito, atravez do deserto, para a Terra da Promissão. -¿Quem nos dará força? a associação. ¿É ella possivel? facilima. - -¿Como se organisará? - -Vamos vel-o. - - Agosto de 1848. - - - - - III - - Continuação do assumpto - - SUMMARIO - - O Jornalismo deve ser prégador da fraternidade agraria, exhortador - e mestre de cultura, sendo o _Diario do Governo_ quem dê o - exemplo.--Como se formou a Sociedade Promotora da Agricultura - Michaelense, podem outras formar-se e imital-a.--Uma Sociedade - Promotora para cada cidade em que houver centro episcopal e - administrativo.--Sociedades filiaes fomentadas por ambos estes - poderes.--Relações mutuas entre as primeiras e as segundas.--Quadro - dos resultados provaveis de tal systema.--Para a sua realisação - bastam os cidadãos, sem auxilio do Governo.--Desenho geral da - proposta machina de Sociedades, e descripção do seu jogo.--Indicação - de meios pecuniarios para a manutenção d’estas Sociedades.--Summa - conveniencia de um Ministerio dos negocios da Agricultura.--O que se - tornaria Portugal, realisados todos estes alvitres.--Deseja-se que no - Parlamento se alevante um homem. - - -Antes de tudo, é necessario que a Imprensa, representante n’este caso -da opinião publica, tome a si o excital-a ainda mais, o esclarecel-a -sobre os meios, o alvitrar, o discutir, o convencer os incrédulos, o -afervorar os tibios; emfim, que procure compenetrar-se de profunda fé, -para a transmittir egualmente profunda a seus ouvintes; armar se de -constancia, de pertinacia, de _fanatismo_ (se é licito dizel-o) até ver -consumada a regeneração. - -O Jornalismo, que, podendo, deixa de ser missionario do Progresso, é -alguma coisa peor que uma ociosidade: é um musgo, que devora á arvore -multiforme da instrucção proficua, parte da seiva que a devia alimentar. - -Em vez pois das questões futeis e ephémeras, saturnaes da Imprensa, -que ás almas bem nascidas já repugnam; em vez das quotidianas batalhas -dadas no campo das utopias, com descargas cerradas de impropérios; dêem -os jornaes, uma e muitas vezes, parte das suas columnas, como expiação -(quando mais não seja), á exhortação para a fraternidade agrária, -exhortação que se tornará de tanto maior pezo, quanto elles proprios, -os jornaes, discordes em todos os outros pontos, se apresentarão n’este -unanimes e amigos. - -Mais: alguma porção do espaço que por posse velha vão encher ás folhas -estrangeiras, de novellas excusadas (quando não nocivas) de anecdotas -ridiculas, de vanidades de toda a casta, franqueiem n-o a originaes, -traducções, ou imitações, que, ensinando ao lavrador alguma novidade -util, no tocante ao seu officio, lh’o ensoberbeçam aos seus proprios -olhos, pela prova de que a Imprensa, os sabios, e as nações crescidas e -policiadas, o não desprezam. - - * * * * * - -Dada e conservada aos espiritos, por via dos periodicos, esta saudavel -e fecunda excitação, o arbitrio de se formarem Associações promotoras -da Agricultura espontaneamente nasceria, se fosse possivel que a mesma -Imprensa se houvesse esquecido de o suscitar, e aconselhal-o. - -¿Presumimos nós demasiadamente dos nossos collegas, os escriptores -publicos, quando para tal coadjuvação os convidâmos? Certo que não. O -amor patrio, que todos elles professam, o egoismo que todos nós temos, -a louvavel ambição de contribuir para um resgate, e depois tambem -a precisão de refocillar a espaços a alma, fatigada de sobresaltos -e pelejas, tudo nos afiança que a maior parte d’elles, pelo menos, -acudirá ao chamamento: e primeiro que nenhum o _Diario do Governo_, -pois por vinte rasões o deve, e por mil modos o pode mais que todos. - - * * * * * - -¿Como se formou a Sociedade promotora Michaelense? - -Pela vontade de alguns poucos particulares amantes do seu torrão; -sem prévia suggestão externa, sem mão que de cima se lhe estendesse. -Nasceu por si, e de si; foi uma formação espontanea; e comtudo vingou, -cresceu, e aqui a estamos já hoje citando por modelo. - -Logo, onde quer que haja tres ou quatro cidadãos egualmente -esclarecidos e zelosos, esses poderão o que estes poderam; e tanto -mais facilmente ainda o poderão esses, quanto haverão, para os guiar, -a experiencia dos seus predecessores, as lições do tempo para se -amestrarem, e já maior favor publico para os influir. - -Começadas por pequeno mas forte nucleo nos pontos do territorio mais -bem situados, ou mais bem relacionados para servirem de centros, as -Sociedades promotoras da Agricultura não tardarão em se encorpar e -robustecer, absorvendo e assimilando em si quantos homens, quantas -influencias, quantos meios de acção, se encontrarem ao seu alcance. - -Estas Sociedades primordiaes, conviria talvez, que fossem tantas em -numero, quantas são as terras, em que ha uma capital administrativa, e -uma séde episcopal, ou mesmo uma só d’estas duas poderosas entidades. -Sob a presidencia de taes cabeças, eil-as ahi podendo desde logo -diffundir em torno de si, por toda a parte, Sociedades filiaes. Pelo -Governador Civil, cada Administração de Concelho formaria a sua. Pelo -Bispo, aggregar-se-hia uma á sombra de cada campanario. - -Algumas, bem o antevemos, abortariam pelo desfervor, pela ignorancia, -ou pela impopularidade de um ou de outro d’estes agentes subalternos; -mas outras pululariam, não semeadas, no logar d’essas; e, quando mesmo -ficassem na seára, aqui ou acolá, algumas rareiras, paciencia; o fruto -da restante sobraria para consolar. - -Por este systema, as luzes se diffundiriam dos grandes focos, por -uma irradiação constante, para todos os pontos; e de todos os pontos -convergiriam para os grandes centros as noticias dos resultados das -tentativas, para ahi serem comparados, pesados, e formulados em regras; -e o clamor das precisões locaes, para se lhes dar logo, ou se lhes -sollicitar de mais alto, o competente remedio. - - * * * * * - -Imaginemo-nos já chegados ao tempo, em que taes votos sejam cumpridos. - -¡Que movimento nos espiritos! ¡que actividade nos homens! ¡que -producção na terra! ¡que aproveitamento do tempo, das forças, e dos -cabedaes! ¡que duplicação na sociabilidade! ¡que fraternisação das -cidades com os campos! Desappareceram os mendigos; todos os braços -acham trabalho; todo o trabalho cria pão; o Thesoiro recebe sem -sacrificios, paga sem tergiversações, resgata o passado, olha para o -futuro sem pavor, ouve bençãos em vez de maldições; da sua voragem -vulcanica rebentou uma fonte, que nunca mais ha-de seccar; todo o Paiz -ri, floreja, e canta; todas as aldeias enxameiam em creanças, como -todas as charnecas em frutas e casaes; os rios e as estradas carreiam -abastanças; bandeiras de todas as Nações se esvoaçam em cardume -nos portos, permutando com os productos do solo as obras das suas -industrias variadas, e ainda parte do seu oiro. - -Sim; a tamanho paraizo nos pode chegar a Agricultura, só com a mera -protecção dos cidadãos; mas protecção crente, energica, regular, e -inquebrantavel, sem até se necessitar de que o Governo directamente a -coadjuve; basta que lhe não empeça, e lhe remova um ou outro estorvo -grande e conhecido. - - * * * * * - -Desenhêmos agora em contornos as rodas d’esta machina de Sociedades, -que tantos milagres ha-de perfazer, e indiquemos o seu movimento, e o -seu jogo. - -Cada Sociedade-mãe terá sempre em vista dois objectos capitaes: - - infiltrar nos lavradores e operarios rusticos a possivel instrucção - análoga, proporcionando-lhes, ao mesmo tempo, meios para - aperfeiçoamentos; e - - sollicitar dos poderes supremos do Estado a promulgação de boas Leis - agrarias, a revogação ou emenda das damnosas: - -O primeiro fim conseguil-o-hão: - - estabelecendo e augmentando continuamente, com discernimento e - desvelo, uma bibliotheca de Agronomia, Veterinaria, Historia natural, - e mais sciencias accessorias; - - dando ao publico, por via de catalogos impressos, uma noticia succinta - de taes obras, facilitando o seu estudo a todos os interessados, quer - sejam socios, quer não; - - discutindo nas suas sessões todos os pontos agronomicos de interesse - local; - - recebendo, e até provocando, consultas sobre as materias duvidosas, - procurando, por meio de estudo e debate, acudir-lhes com solução - prompta; - - publicando um Jornal de Agricultura, accommodado principalmente á - natureza, condições, circumstancias, interesses, illustração, e - costumes, do seu Districto; - - por meio d’este Jornal aconselhando as sementeiras e plantações novas - de vantagem bem averiguada, a importação de novos animaes uteis, - ou de aperfeiçoadores das raças já existentes, bem como o uso dos - instrumentos serviçaes, inventados ou aperfeiçoados; - - encarregando-se de mandar vir qualquer d’esses objectos para qualquer - cidadão que lh’os encommende, mediante uma segurança que responda pelo - reembolso; - - procurando ter, a par com a bibliotheca, um deposito de instrumentos - e machinas, em grande ou em modelos, ou, quando menos, em estampas, e - sempre franco; - - de algumas das machinas ou instrumentos tendo mesmo para alugar ou - emprestar áquellas pessoas, que para os comprarem não possuirem meios; - - inserindo constantemente no seu periodico, em linguagem chan e - sincera, o quadro das operações ruraes immediatas para o Districto - agrario da sua residencia; - - renovando de anno para anno este trabalho, sempre a melhor; - - fazendo annualmente uma festa rural para distribuição de premios, - tanto aos lavradores e creadores, como aos fabricantes de objectos de - primeira necessidade, aos inventores e autores de alguma coisa util, - aos mestres que mais fruto houverem produzido no ensino primario, - e mesmo ao homem ou á mulher, que, por alguma excellencia moral, - haja merecido um solemne testemunho de apreço e gratidão dos seus - concidadãos; - - estabelecendo emfim, que esta festa rural caia, se fôr possivel, - na estação formosa, e coincida com a principal romaria, ou festa - religiosa, ou feira, do seu Districto, procurando imprimir n’este acto - a maior solemnidade religiosa e civil; para o que, os Prelados e os - Governadores Civis com a melhor vontade coadjuvarão. - -Quanto ao segundo fim, facilmente se desempenharão d’elle as -Sociedades-mães, examinando, com circumspecção e madureza, por via -de discussão nas suas sessões, e de publicidade no seu jornal, e em -outros, os pontos carecentes de reformação legislativa ou executiva, -quer em relação aos tributos e direitos, quer ás isenções, quer aos -premios, quer aos tratados de commercio, quer ás communicações de terra -e agua, etc. - - * * * * * - -Para quasi todas estas coisas necessitam de dinheiro as Sociedades -mães; e nem é justo, nem prudente, pretender que sobre os homens -zelosos que as compõem caia mais esse ónus; antes é nossa opinião, -que de nenhum d’elles se deve exigir nem joia, nem mensalidade, nem -quotisação. Pelo contrario: se fosse possivel, todos os que ás sessões -concorressem, todos os que trabalhassem, haviam de ter direito a uma -determinada remuneração, como em certas Academias Reaes e dotadas -acontece. Fôra isso mais um penhor de estabilidade, mais um estimulo -para acção. - -¿D’onde porém ha-de vir o dinheiro? de uma loteria annual do Districto, -autorisada pelo Governo, e cujos premios poderiam ser em bens de raiz, -animaes, e instrumentos agrarios; premios muito mais prestadios que o -dinheiro, em relação aos fins do instituto. - -Poderia vir mais, de doações ou heranças (que não deixaria de as -haver), logo que a experiencia houvesse demonstrado a firmeza e -efficacia de taes institutos. Os documentos d’esta asserção acham-se -em bom numero nas historias das Misericordias, Hospitaes, Albergarias, -Casas-pias, Asylos de infancia e de velhice, e mais instituições de -beneficencia, tanto dentro como fóra de Portugal. - -Poderia vir de beneficios nos theatros, assemblêas, phylarmonicas e -outras. - -Poderia vir, e muito provavelmente viria, de christianissimas oblatas -dos Prelados. - -Poderia vir do producto dos alugueres de animaes para creação, e de -instrumentos. - -Poderia vir da venda dos jornaes, cathecismos, e mais obras uteis -vulgarisadas pela mesma Sociedade. - -Poderia vir, finalmente, de uma quinta, ou predio exemplar, propriedade -que cada uma das Sociedades mães deveria ter, para as suas experiencias -e demonstrações praticas, e com que, ao mesmo tempo que ensinasse -mudamente aos seus visinhos, redobraria a fé e fervor nos seus -consocios. - -Em summa: tudo quanto concorresse para abastar, acreditar, influir, -radicar, e perpetuar estas Sociedades, poderosissimos focos de -fecundação, tudo seria para tentar e aproveitar. - -Quizeramos nós ver já chegado o tempo, em que cada uma d’estas -Sociedades promotoras ha-de reunir no seu gremio todas as illustrações -agricolas e scientificas dos seus contornos, todos os proprietarios -territoriaes e industriaes, os philanthrophos e caritativos, os ricos -e os negociantes, as autoridades e as forças de todo o genero, os -mundanos mesmo, e até os avarentos. - -Tomáramos vel-a no meio de um torrão bem seu, bem cultivado, bem jardim -e bem palmito; em casas suas bem suas, bem alegres, bem hospedeiras, -bem convidativas; com a sua bibliothecasinha muito franca; com o seu -deposito patente de instrumentos e machinas, arsenal de guerra contra a -esterilidade. - -Tomáramos vel-a, centro attractivo para os passeios dos domingos por -entre as hortas frescas, os pomares avergados, as searas luxuriantes, e -os jardins ridentissimos. - -Ás conferencias de tão feiticeira corporação, ¿como deixariam de -concorrer até as damas e os mancebos, com mais fervor que aos -Parlamentos, quasi com tanto como aos theatros? - - * * * * * - -Eis collocadas as rodas grandes, ás quaes o juizo do Governo e o do -publico hão-de servir de motor e mola real. Consideremos as pequenas -rodas, as que, engranzadas com estas, e recebendo d’ellas o movimento -hão-de ir actuar sobre cada pequeno lavrador, sobre cada palmo de -terreno. - -São as Sociedades filiaes. - -Compôr-se ha cada uma d’ellas dos grandes ou pequenos cultores, -proprietarios, e mais interessados da circumvisinhança, sob a -presidencia do Parocho, do Administrador do Concelho, ou qualquer dos -socios, preferido á pluralidade de votos. - -Reunir-se-hão em dias e horas, em que a cessação, dos trabalhos ruraes -lhes dê vaga para discutirem, e aos não socios occasião para assistirem -á discussão, e illustrar-se. - -O jornal da Sociedade-mãe subministrará a estas Sociedades-filhas assaz -de pontos de sólido interesse, com que se occupem. - -Quando porém assim não aconteça, as conveniencias locaes são em toda a -parte um thema inexgotavel. - -N’estas pequenas reuniões se elaborarão os projectos de melhoramento, e -se procurarão os meios para se elles realisarem. - -Os melhoramentos podem depender unicamente de boa vontade e exforços -dos moradores da terra; podem depender de soccorros intellectuaes ou -materiaes da Sociedade-mãe; ou podem ser taes, que só o Throno, ou só -o Parlamento, lhes abra caminho. No primeiro caso, a Sociedade-filial, -por si e pelos seus adherentes, tratará de os realisar; no segundo -caso, recorrerá á Sociedade-mãe para que lhe acuda. No terceiro, -recorrerá ainda a ella, para que requeira, apadrinhe, e faça apadrinhar -o requerimento. - -Cada uma das Sociedades filiaes estará pois em continua correspondencia -com a respectiva Sociedade mãe, com mutua e manifesta utilidade; pois -se, por um lado, as innovações e progressos podem vir das nações mais -peritas em Agricultura até ao casal mais embrenhado nas serras, como, -pela irrigação, as aguas, hauridas das entranhas da terra, vão desde o -tanque que as recebe, até ao pé da plantinha mais afastada na fazenda, -por outro lado, e em compensação, todas as phases e circumstancias das -culturas parciaes, nas suas ultimas ramificações, convergirão, por que -assim o digâmos, para o sensorio commum do Districto, habilitando-o -d’est’arte a raciocinar, com exacção e segurança, sobre as necessidades -e conveniencias de todos e de cada um. - - * * * * * - -A estas propostas, pede o rigor logico ajuntemos outra, que lhes valerá -de complemento natural. Esta proposta, a mais importante de todas -quantas se podem fazer, é a creação de um _Ministerio dos negocios da -Agricultura_. - -N’este Ministerio se centralisariam as luzes de todas as -Sociedades-mães. N’elle, como em um espelho concavo, se reuniria, -transmittido por ellas, o conhecimento preciso de todas as fracções -topographicas do Paiz; e, como de um espelho convexo, d’elle se -dispartiriam para os pontos mais remotos, como para os mais proximos, -providencias salvadoras. - -O Ministro da Agricultura, lavrador elle mesmo, comporia a sua -Secretaría de homens da sua confiança, de reconhecida honra, patriotas, -amantes da terra, agricultores, proprietarios ruraes, ou naturalistas. - -Auxiliado pelas luzes de taes empregados, pelas luzes e communicações -da Imprensa, e pelas representações das Sociedades-mães, elle poderia -não só dar quotidianamente mil providencias importantes comprehendidas -nas suas attribuições, mas ainda apresentar ao Parlamento grandes -projectos para Leis salvadoras, que não tardariam a ser sanccionadas. - - * * * * * - -Resumâmos-nos, e terminemos. - -Portugal está pobre; não tem para pagar as dividas; não tem para se -manter; e de anno para anno se deteriora a sua sorte. O presente é um -martyrio: o futuro, que deve resultar da continuação de tal presente, -horrorisa a imaginação. - -Portugal está desatado; ha insociabilidade, ha odios mutuos e acerbos, -e que, herdados e transmittidos pela educação, se tornarão ainda mais -implacaveis. - -Portugal (consequencia legitima das duas verdades precedentes) tem -a sua moralidade relaxada, ou perdida. O instincto de vida lhe está -aconselhando Agricultura, como riqueza, como vinculo, como civilisação. - -Portugal tem terras, que pedem braços e população, e tem muitos -milheiros celibatarios ociosos, que folgariam de as cultivar; -tem um Exercito, que o devora, tanto quanto o podia opulentar, e -cuja existencia se não abona por nenhuma sincera consideração de -independencia, de paz, ou de ordem publica.[1] - -A philosophia, que festejou a abolição total das Ordens religiosas, a -despeito de tão fortes argumentos moraes e juridicos, requer, sob pena -de flagrante inconsequencia logica, a secularisação d’estes conventos -militares. - -Quem expulsou os Frades, do claustro para a fome, ¿por que não -convidaria os Soldados, do quartel para a lavoira? O paralello entre os -Soldados e os Frades poderia ser extenso, e conteria um grande poder -de argumentação _a fortiori_; mas é obvio; qualquer por si o fará em -querendo. - -Portugal tem, afóra o Exercito, um crescido numero de individuos e de -familias, que definham, que, litteralmente falando, morrem á fome. -¿Qual d’essas familias, qual d’esses individuos, recusaria um torrão, -fosse onde fosse, se todo o torrão, com a boa vontade, é meza posta? - -Dados á Agricultura operarios, que existem, e que lhe falecem, ella -mesma pela sua energia vital intrinzeca se desenvolveria, pois vemos -que assim mesmo, ao acaso e desajudada, lá começa a revolver-se -para se querer alevantar. As Sociedades promotoras augmentariam e -dirigiriam essa mesma energia, chegando com a sua acção, de um lado -pelas Sociedades secundarias, até aos casaleiros; do outro lado, pelo -seu crédito, pelas suas relações, pelo seu valimento, até ás Camaras -legislativas e ao Governo. O Ministerio dos negocios da Agricultura -daria unidade aos movimentos d’este vasto e bello corpo. - -Então o futuro estaria conquistado, as dividas mortas, os males sanados -e esquecidos. Então haveria força publica, porque haveria fé; haveria -em todos os corações amor da Patria, porque haveria a todos os olhos -uma Patria para amar. A guerra interna seria impossivel. A guerra -externa, se podesse jamais accommetter-nos, veria rebentar da terra -exercitos invenciveis, porque defenderiam as suas lareiras, as suas -hortas, e os seus filhos. O Thesoiro trasbordaria para todas as artes -preciosas da paz, porque haveria fontes perennes e copiosas para a sua -alimentação. - - * * * * * - -¿Será isto uma utopia? - -¡Utopia!... A utopia, a chymera, o absurdo, é pretender colher fruto -de arvore sem raiz e carcomida de musgo; é presumir, que a um edificio -arruinado se acode remendando lhe com barro, aqui e acolá, as paredes -exteriormente; é cuidar, que se ressuscitará um afogado calcando-o -para o fundo do lodo, e lançando-lhe penedos para cima. A utopia, a -desgraça, e a miseria, é crer que as palavras, as estenographias, os -algarismos, são capazes de crear coisa alguma. Creadores, abaixo de -Deus, não os ha senão o campo, e o amor. O senso commum o sabe, e a -Historia não sabe outra coisa. - -Feliz o Deputado, que entrasse pelas salas do Parlamento com um -projecto de organisação agricola, egual ou semelhante a este, e, -levantando o por cima da sua cabeça, exclamasse: - -«Por amor de vós e da vossa descendencia, salvemos a Patria, hoje que -ainda é tempo. Adiemos, por consenso unanime, todas as outras questões -alcunhadas maximas. Decidida esta, todas se haverão n’ella resolvido.» - - Setembro de 1848 - - -NOTAS DE RODAPÉ: - -[1] Na _Revista Universal_, artigo 1378 do 2.ᵒ volume p ponderámos -falando no orçamento do Ministerio da Guerra. - - - - - IV - - Continuação - - SUMMARIO - - A organisação de Sociedades, já proposta, não se deve regeitar, - ainda que se reconheça por defeituosa.--Deseja o autor, que todos os - homens de algum poder sejam utopistas como elle.--Liga promotora dos - Interesses materiaes do Paiz; seu Elogio, com uma restricção.--Um - Banco para adiantar dinheiro aos lavradores fará muito beneficio, - mas só quando Parlamento e Governo agricolas houverem proporcionado - ao lavrador instrucção, dado protecção aos seus trabalhos, aberto - caminho, sahida, e emprego aos seus productos.--Outra vez Sociedades - agricolas.--Propõem-se succintamente alguns alvitres.--Os estatutos - das Sociedades uteis não pagarem direitos.--A importação de coisas - uteis á Agricultura, premiada.--Premios aos melhores lavradores, aos - introductores de novidades agrarias, aos autores e traductores de - obras agronomicas praticas.--Quintas exemplares.--Mandae mancebos a - outros paizes, habilitar-se para vir ensinar Agricultura.--Escolas de - Agricultura volantes.--Projecto de Lei de premios.--Ordem do Arado. - - -A organisação que deixámos proposta é susceptivel de modificações e -melhoramentos; firmemente o acreditâmos. ¿Que se segue d’ahi? ¿que se -regeite, porque em vez de optima é só boa? ¿porque em vez de boa é só -medíocre? Absurdo. - -A consequencia discreta e prudente é que, examinada, se emende; -emendada, se approve; approvada, se experimente; e confirmada pela -experiencia, se conserve, se radique, se abençôe, e se aproveite. - -¿Não virá porém prematuro o alvitre? ¿Não estaremos cantando alvoradas -a quem não está para acordar? ¡Ainda mal, que bem pode ser isso -verdade! N’esse caso, desde já acceitâmos, antes que nol-o imponham, -o epitheto de loucos; costumado e universal castigo de toda a vontade -generosa, que primeiro mette o pé á vereda que algum dia tem de ser -estrada. - -Oxalá, todavia, que alguns loucos sublimes, convencidos, como nós, de -que já não temos salvação possivel senão pela Agricultura, e de que -Portugal, como o Antheu da fabula, derrubado pelo Hercules do luxo, -só da terra pode reassumir as perdidas forças, appareçam intrépidos -a apostolar Agricultura; uns na Imprensa, que é a grande charrua de -desbravar entendimentos; outros na tribuna, que é onde a rasão publica -se concentra em Lei; outros no Governo, que é onde até sem Lei, não -só ha, se não que sobram, forças para o bem; outros finalmente, e -sobretudo, entre os cabeças administrativos, e os cabeças espirituaes -do Povo. - -Para esses irmãos nossos em caridade e em patriotismo, é que vamos -ainda escrever algumas poucas linhas das nossas solitarias utopias. - -Semeie o homem, que Deus a seu tempo fará nascer. - - * * * * * - -N’este momento lemos com a mais viva satisfação, em carta que nos chega -de Lisboa, o seguinte: - -«Para melhorar a nossa Agricultura organisou-se agora aqui uma -Sociedade, ou, por melhor dizer, Companhia, com o titulo de _Liga -promotora dos Interesses materiaes do Paiz_, presidida pelo sr. Ayres -de Sá Nogueira. O fim é agricola. Já celebraram duas sessões no salão -grande do theatro de D. Maria II. Na ultima leu o Presidente um -projecto, que reputava ancora de salvação, segundo o qual se deve crear -um Banco rural em Lisboa, com o fundo de vinte milhões, em dinheiro, -inscripções, apólices, tendo este Banco filiaes em todas as terras do -Reino.» - -¡Bemvindo seja, e vingue, e prospére abençoado nas terras de Portugal, -este tutelar pensamento! Filho é elle, talvez, do que já em 13 de -Fevereiro d’este anno se propunha, se acceitava, e se applaudia na -Sociedade promotora da Agricultura Michaelense, e que os nossos -leitores se recordarão haver lido a paginas 36 e 37 do jornal d’aquella -Sociedade (Assignalamos esta circumstancia, porque, se o alvitre foi -de gloria para San-Miguel, a adopção do alvitre bom não honra menos -a Portugal)[2]. Sim; é esta uma providencia, que alegra, e retinge -de esperanças bem verdes o solo sobre que se alevanta; é como nuvem -chuvosa, que se estende sobre o terreno requeimado e empobrecido do -estio; todos os rostos se riem á sua aproximação; os visinhos dão aos -visinhos os parabens; todos saem alvoroçados a receber-lhe as primeiras -aguas; os rebanhos, mesmo a festejam; as aves a cantam, sacudindo as -azas humidas; pela superficie da vegetação corre um frémito voluptuoso. - -Sim; grande e grandioso é o beneficio; ¿mas será elle bastante? não: as -necessidades agrarias são variadas, numerosas, digamos infinitas. Mal -se acode a uma, se a todas se não acode; pelo menos a muitissimas e ás -principaes. - - * * * * * - -Suppomos, imaginamos já, o oiro e a prata a choverem á porta do -lavrador na vespera da sementeira, da plantação, do arroteamento; -¿e que digno uso fará o triste rustico d’esses meios de acção, -d’essas forças que se lhe liberalisam, d’essa colheita, que se lhe -antecipou ao trabalhar, se lhe minguam luzes de sciencia alheia, ou -sua, que o dirijam? ¿vontade intima, que lhe dê impulso? ¿certeza, -ou quasi certeza, de consumo ao que vai produzir? ¿Que fará emfim, -se, ainda tendo tudo isto, Leis viciosas o avexarem no seu officio, -lhe arrancarem os operarios e os filhos para a milicia, lhe multarem -com tributos o suor, como se devêra multar a ociosidade, o luxo, e os -vicios, e lhe exposerem a herdade a ser talada pela guerra civil, os -bois do seu arado comidos, as ovelhas do seu adubío espingardeadas, o -carro e as arvores do seu pomar convertidos em fogueiras para aquecer -a tropa rôta, ou a guerrilha descalça e bandoleira que transita? -N’uma palavra: ¿que aproveitará que o predio se lhe desentranhe em -frutos, como uma cornucopia, se a estrada para o mercado não existe, -se o rio convisinho, que deve transpôr, não tem ponte, se o que podia -carrear-lhe os moios se obstruiu, e apodrece dormente pelas margens -usurpadas? - -Eis aqui chagas velhas, asquerosas, e envenenadas, que a nossa -Agricultura padece em todo o corpo, e para cujo curativo não é -sufficiente balsamo um Banco rural. - -Se de veras queremos ser salvos, não ha remedio senão soccorrermo-nos -a uma reforma e organisação franca, sincera, absoluta, cabal, -completissima: Côrtes mais lavradoras que financeiras; mais lavradoras -que politicas; ou antes muito _politicas_ por muito _lavradoras_; -Leis agrarias, e mais Leis agrarias; e para todas as anti-agrarias -suppressão e execração; um Ministerio da Agricultura fecundo, dadivoso, -vigilante, e incançavel como o seu objecto; e, sobretudo, associação -universal dos homens bons, dos homens intelligentes, dos homens de -sciencia, dos homens de fortuna, dos homens de acção, dos homens de -valimento, dos homens patriotas, dos homens de bem, dos homens homens, -finalmente. - -Repitâmol o, ainda a risco de enfadar, e repitâmol-o, porque é -Evangelho: não ha sacrificio, que, por grande, se deva recusar á -terra, pois é ella só que possue o segredo, que os estadistas procuram -cegamente nos livros e nos calculos. Não é no perseguir uns, no -divinisar outros, e no trocar todos com perpetuo e devastador fluxo e -refluxo; é no associal-os entre si, e reconcilial-os com a mãe-Terra, -que está a condição facillima de todas as venturas. - - * * * * * - -As Sociedades promotoras, quaes as havemos bosquejado, seriam para -o lado dos operarios rusticos pharol, bussola, thesoiro, conselho, -estimulo, protecção, refugio, canal para a entrada dos gados, das -sementes, dos instrumentos novos, e para a sahida e venda dos -productos. Para a parte dos que governam seriam não menos pharol, -não menos bussola, não menos thesoiro, não menos conselho, não menos -estimulo, não menos protecção, não menos refugio, não menos segurança -e felicidade; pois que a felicidade e segurança dos governantes, só da -felicidade e segurança dos governados se compõe, e só d’ellas se pode -compôr. - -Assumpto era este para interminaveis commentarios; mas estreiteza de -papel, mas estreiteza ainda peor de vontade em quem nos ha-de ler (ou -não ler) nos acovarda. - -Dizer tudo, não o podemos; tudo calar não nol-o soffre o coração. - -Vamos cerrar em epilogo mais algumas lembranças, que ahi fiquem já, -de proposta á consideração das futuras e das presentes Sociedades -agricolas, do futuro Ministerio da Agricultura, dos Deputados, e da -Imprensa. - - * * * * * - -I--Se a associação é a mãe dos prodigios; se os que se associam dão, -por voluntario tributo, tempo, trabalho, despezas, a um interesse -publico; ¿não é repugnante contradicção que o Governo, representante -natural de todos os publicos interesses, lhes carregue ainda os onus, -e, a troco de uma illiberalissima sancção de seus estatutos, de uma -inintelligivel licença para existirem, lhes exija nas secretarias uma -avultada somma pecuniaria? - -¿Não deveriam antes as associações agricolas, as industriaes, as -artisticas, as litterarias, e ainda as de mera e honesta recreação, -ser tão livres como são em nossas casas os convites, os bailes e os -festejos? - -E ainda mais: ¿as uteis não mereceriam, em vez d’esta compressão á -nascença, premios e louvores segundo a sua importancia? - -II--¿A introducção de tudo quanto pode contribuir para o -aperfeiçoamento da Agricultura não deveria ser, da mesma sorte, não só -isenta de direito, senão ainda premiada? - -III--¿Não seria sobre modo util legislar mais premios, para os que no -trato da Agricultura se extremassem? ¿Quem universalisou a cultura -da batata, senão o premio? ¿Não deveria semelhantemente havel-os -para todos os primeiros introductores de novidades agrarias, para os -autores, mesmo para os traductores, de escriptos agronomicos de uso -pratico, verbi-gratia imprimirem-se-lhes gratuitamente esses escritos -pela Typographia Nacional? - -IV--¿Não é já tempo para a creação de quintas exemplares? - -V--¿Não seria ajuizadissima providencia enviar mancebos, previamente -habilitados, matricular-se nas escolas agrarias praticas das nações -adiantadas, os quaes, depois de viajadas a França, a Allemanha, a -Inglaterra, a Italia, a Suissa, se recolhessem mestres e regeneradores -para entre os seus conterraneos? - -VI--Os lavradores, os camponezes em geral, dir-se-hia que, semelhantes -ás plantas, lançam não sei que raizes no torrão nativo. A ideia de se -desviarem, mesmo para perto e para pouco tempo, lhes repugna; o seu -viver tem as demarcações da sua fazenda. E depois, fallecer-lhes-hiam -os haveres, para se irem tão longe á escola rural; os haveres, e o -animo tambem, que entretanto ahi lhes ficava a herdade sem tutella, -a casa sem escora, os paes alquebrados dos annos, sem bordão nem -companhia. - -¿Não fôra logo uma providencia tão santa como philosophica e fecunda, -fazer d’esses regressados viajantes--agrónomos, professores ambulantes -de Agricultura, que se fossem de Districto em Districto, e de Provincia -em Provincia, doutrinando como Apóstolos? ¿assentando hoje aqui a sua -escola, á sombra da arvore rustica no alto do oiteiro, e tomando para -thema da prégação os predios circumjacentes; os mais bem cultivados, -assim como os mais errados e perdidos? ¿d’aqui a um mez, mais longe, em -cima das médas da eira, por uma noite de luar, adubando os preceitos, -no meio dos ouvintes apinhados, com episodios da sua Odyssêa por -terras alheias, com apraziveis digressões, sempre bem vindas, sobre a -Sabedoria e Liberalidade Divina? - -Como os Apóstolos antigos, estes evangelisadores do trabalho, em toda -a parte assignalariam com milagres a sua passagem; as gandaras se -transformariam em seáras debaixo de seus pés, em pomares e mattas por -cima de suas cabeças; os baldios, em pastagens; os gados famintos, em -lustrosos rebanhos e manadas; a arca mal cheia, em celleiros atulhados; -a borôa sem conduto, em meza saborosa; a choça lodacenta, em casinha de -sobrado e vidraças, com dois ou tres livros para o serão, um leito alvo -e fôfo para a noite, e um oratorio, sempre enfeitado de flores frescas, -para as acções de graças quotidianas. - -Tudo isto, que é infinito para a felicidade, o haveria feito o passeio -de um só homem pela provincia. - -Quando elle houvesse passado, mandasseis muito nas boas horas o exactor -dos tributos; não havia de voltar com as mãos vazias. - -VII--Seja-nos permittido citarmo-nos a nós mesmos, transcrevendo para -este papel de consciencia o que em outro papel, tambem de consciencia, -escreviamos em 17 de Abril de 1845, por occasião do relatorio do Barão -Thénard sobre a admiravel Exposição da Industria franceza n’esse -anno. O conselho que então davamos, ninguem dirá que fosse insensato, -nem vergonhoso ou ruim de receber, nem que, recebido, podesse ser -improductivo; e entretanto.... soou no deserto; não encontrou um só -ecco pelo Parlamento, nem pelo Governo, nem pela Imprensa; ainda -dormiam todos. - -Agora que já a miseria cresceu, em tres annos, mais tres seculos, -repetimol-o. Pode ser que já alguem tenha acordado. ¡Oxalá!: - - «Reflicta-se no exemplo d’aquella grande Nação, a França, e cuide-se - em o imitar. Lá a par da invenção, apparece constantemente o premio. - Convidar e abrir salas aos productos da Industria, alguma coisa é, mas - não basta. Para os espiritos capazes de crear, seja em que genero fôr, - não ha estimulo como o do premio honorifico; e o premio honorifico, as - medalhas de oiro, de prata, ou de bronze, recebendo-se como thesoiros, - podem custar pouquissimo a quem as dá. Tantos não são os premiaveis - n’este pequeno Reino, que hajam taes premios de montar a muito; e - ¡oxalá que subissem a contos de réis! A esta verba nova de despeza - do Estado corresponderia outra de receita milhares de vezes maior. - Fundada no exemplo da França, dos Estados-unidos etc., parece-nos que - nenhum serviço mais relevante poderia fazer a Sociedade promotora - da Industria nacional, do que offerecer ao Governo, para elle - apresentar ás Côrtes, um projecto de Lei de premios para os inventos - e aperfeiçoamentos. A nossa proxima futura Exposição poderia sahir - dez vezes máis esplendida e animadora, que a passada. ¿E não conviria - até, e não seria inteiramente conforme com o espirito d’este seculo, - crear uma Ordem nova especial para os benemeritos da Industria, como - nos tempos guerreiros se creavam tantas para os extremados no exforço? - ¿Será mais honrosa, e será sobre tudo mais util, a heroicidade - militar, que o engenho creador e renovador da terra?» - -Assim bradavamos nós em favor de todos os generos de Industria. - -Hoje limitamos o requerimento á Industria mãe de todas: á Agricultura. - - * * * * * - -Homens, que o Povo escolhe e envia, e a quem paga, para lhe formulardes -em Leis a sua vontade, mostrae-vos dignos de tão alta missão; decretae -a ORDEM DO ARADO. - - Outubro de 1848. - - -NOTAS DE RODAPÉ: - -[2] Pode consultar-se o _Agricultor Michaelense_, publicação mensal, -orgam da Sociedade, n.ᵒ 2, de Fevereiro de 1848. Refere-se Castilho a -uma proposta do seu consocio José do Canto, intitulada _Banco Rural_. - - NOTA DOS EDITORES - - - - - V - - Côrtes agricolas - - SUMMARIO - - A Patria está em perigo; deve-se deixar de curandeiros. O campo e o - trabalho hão-de salval-a.--Singular historia de um mancebo Inglez.--O - regresso da Agricultura não é desagradavel, nem vil, nem rude; e é o - unico possivel para nós.--Desenvolve-se a já tocada idéia de Côrtes - de lavradores.--Prova-se, que só por este meio teremos Governo, que - mereça o nome de representativo.--Quadro de um tal Parlamento. - - -Não saiâmos da cabeceira da nossa querida e atribulada enferma. - -Foi poderosa, opulenta, rainha, e bella; jaz sem forças, nua, -desprezada, e agonisante; só a belleza não perdeu ainda. De mais, -é nossa mãe. D’ella e n’ella nos formámos e nos nutrimos; d’ella -recebemos a vida, a fala, as orações da infancia, os conhecimentos, -os brasões, as glorias de todo o genero; d’ella os objectos de todas -nossas affeições mais intimas. O seu ser é o nosso ser; os seus -infortunios são nossos; a nossa prosperidade seria a sua. - -Gratidão, piedade, interesse, sentimento religioso, nos obrigam a não -desamparar a Patria, em quanto respira. - -Superior a ella, não ha senão o genero humano, como acima do genero -humano só ha Deus. - -Mas, pela admiravel harmonia, com que a universalidade das coisas está -ligada, não só a Deus e ao genero humano serve quem serve á Patria, se -não que serve ainda á familia, e ao seu proprio individuo. - -Irmãos, não nol-o dissimulemos: a enfermidade de nossa mãe é grave; -os seus males, complicados e antigos; o seu virar-se e revirar-se tão -a miudo, sem poder estar de lado algum, prova desequilibrio geral nos -principios vitaes. Se a queremos salvar, e salvar-nos, não ha remedio -senão lançar fóra todas as beberagens, com que medicos e charlatães -nol-a teem peorado de dia para dia, e recorrer a novo tratamento. -¿Mas qual? o que muitas vezes tem salvo a doentes já desenganados da -medicina: os ares e os exercicios do campo. - - * * * * * - -Um mancebo Inglez, nobre, opulento, e excessivamente mimoso da fortuna, -via-se chegado pelos prazeres á insensibilidade, e pelo abuso da vida -ao inevitavel termo d’ella. A Natureza o abandonava; a alma se lhe -anoitecêra; no coração mesmo não lhe vicejava já um só desejo, a não -ser o vago instincto de existencia, que é o _ultimum moriens_. Nem a -mocidade nem a fortuna tinham já forças para reanimar a sua victima. -A sciencia, baldadas as derradeiras tentativas, lhe voltára as costas -confusa e desconsolada. Não era um moribundo aquelle homem; era um -morto. Para ser enterrado só lhe faltava o acabar de cahir. - -Em Paris estava; estatua entre danças; acipreste entre flores; -holocausto entre fragrancias e musicas; e o seu derradeiro sol ia -pôr-se. Reune os servos; despede se d’elles, que choram recebendo os -copiosos effeitos da sua liberalidade. Cerra n’um cofre os papeis, -algumas joias, e um retrato de mulher formosa... que se esquece de -beijar; e, guardando a chave, entrega ao seu hospedeiro este deposito, -com tal declaração de ultima vontade: - ---«Se eu não voltar dentro em um anno, arrombae este cofre; arrecadae -para vós as preciosidades que n’elle achardes; o de mais, que vos seria -inutil, remettei para Londres á pessoa que ahi mesmo fica designada.» - -Não era ainda passado o anno, e já todos, os que o haviam conhecido, -consagravam saudade e algumas lagrimas... (talvez uma lagrima) -ao prematuro e ignorado fim de um mancebo amavel e bom, a quem a -felicidade se azedára em morte. - -¡Eil-o que reapparece, como que de baixo da terra! - -¡Mas quão outro!¡ reverdecido e florescente! o rosto alto; as faces -risonhas; os olhos vívidos; andar ligeiro; todos os movimentos faceis e -graciosos. O semblante crestado revéla que foi o sol e a Natureza quem -o retemperou. - -Pede o seu cofre; abre-o com alvoroço; dá as joias ao seu depositario -fiel; mas o retrato.... ¡beija-o com lagrimas, com alegria, com -soffreguidão! ressuscitára-lhe o coração com a saude. - -¿Que feiticeira, ou que magico, operou tamanho prodigio? o TRABALHO, e -a NATUREZA. - -O pouco vigor que lhe restava, empregou-o, como quem põe a ultima peça -de cobre n’um jogo de parar, na tentativa de um viver duro e sóbrio; -metteu-se ás estradas, obscuro moço de cavalgaduras; sujeitou-se a -todos os caprichos dos viajantes, das estações e do acaso; despejou -a pé, a léguas e léguas, e muitas vezes de um só fôlego, os caminhos -mais asperos, como os suaves, por soes e chuvas, por neves e ventanias; -dormiu contente onde a sorte lh’o deparou: aqui sobre o feno, ou ao -lume; além entre lençoes; mais longe na terra nua e humida; a fome, -cosinheiro optimo, lhe temperou o pão negro e os legumes grosseiros; -o costume dentro em pouco lhe tornou agradavel o remedio, a principio -amargoso. O exforço, que lhe reconquistára a existencia, ficou para -lh’a guardar. - -A historia d’aquelle mancebo podéra ser lição para Nações. O luxo e -o desconcerto tambem as matam, como aos individuos. Tambem, como aos -individuos, o Trabalho e a Natureza as podem ressuscitar. - - * * * * * - -De mais, a occupação agricola para um povo nem sequer é desabrida. -Se tem espinhos.... verdura, flores, e frutos lh’os disfarçam. Se a -sua lida é continua, a variedade a acompanha; se lhe chamam canceira, -ella é saude; se pobreza, ella a fonte de todos os haveres; se obscura -e humilde, ella a menos dependente; se rude, ella a mais cheia de -conhecimentos praticos, a mais visinha do Creador, e, como tal, a mais -fecunda em inspirações. - -Accrescentemos que para Portugal não ha já hoje outra occupação -possivel. - -¿A conquista? não. ¿Os descobrimentos? não. ¿As minas? não. ¿A -industria? não. As nossas conquistas, os nossos descobrimentos, as -nossas minas, a nossa industria, é o solo da Patria. É o unico mister -para que ainda nos restam braços, instrumentos, forças, e liberdade. É -o unico lavor, em que nenhumas invejas estrangeiras perigosas hão-de -vir perturbar-nos. - -O Sceptro de D. Affonso Henriques, e o de D. Manuel, perderam-se; o de -D. José quebrou-se. Sceptro, e não escárneo, só pode ser hoje no Throno -Portuguez o de D. Sancho I, e o de D. Diniz. - - * * * * * - -Em um dos nossos precedentes artigos suscitámos a ideia de Côrtes -lavradoras. - -Este assumpto, que desde então não cessámos ainda de considerar, cada -vez se nos representa mais fundamental, e mais ponderoso para a nova -e desejada reformação; e isto por muitas rasões; mas principalmente -porque é por Leis novas que a Agricultura só pode ser protegida: e -essas Leis, quanto mais agricola for o Parlamento que as dictar, tanto -mais concretas e acertadas hão-de sahir. - - Quem primeiro estreou na terra virgem - o arado creador, primeiro aos homens - deu macio sustento em aureas messes, - e em meditadas Leis costumes, Patria, - Céres foi; tudo é dádiva de Céres. - -São palavras postas bem dignamente na bocca de uma das Musas por um dos -maiores poetas do mundo, por Ovidio, que amava e praticava tambem a -Agricultura, e, onde convinha, sabia elevar-se á Philosophia. - - * * * * * - -Como faremos nós, porém, para que o Parlamento se componha de -verdadeiros representantes dos interesses agricolas? - -Excellentemente; facillimamente: associando-nos desde já, por toda a -parte, para trabalharmos para as primeiras eleições _nacionaes_ em -sentido _nacional_. - -Que as sociedades secretas enredem e machinem, no esconderijo das -noites, para a candidatura dos seus politicos. Reunâmo-nos nós, ao -olho do sol dos domingos, depois da Missa do dia, sobre a relva do -adro de cada Parochia rural, a discutir qual é dos visinhos o que -melhor cultiva a terra da Patria, o que tem mostrado mais sincero -amor á lavoira, aos operarios, aos filhos, e a toda a familia; mais -caridade para com os indigentes, mais desvelo para com os animaes -do seu uso, mais observancia das Leis, mais actividade no grangear, -mais innocencia e concerto no viver. Descobertas essas phénices (que -existem, e depressa se descobrem) dêmo-nos fortemente as mãos para não -commettermos a outrem os mais caros dos nossos interesses. Façâmos -d’estas listas de consciencia, que possam entrar sem vergonha na urna, -só então propriamente collocada na casa de Deus e da oração. - -E em verdade: ¡com que despejo se ousa ainda, depois de vinte e oito -annos de experiencia e demonstração[3], chamar _representante_ ou -_mandatario_, de Gôa ou dos Açores, o homem, de quem os Açores e Gôa -não ouviram jámais falar, e que nem talvez, em carta geographica, -jámais os visse! - -¿Como veio o alemtejano procurador de Traz-os-montes, e o minhoto do -Alemtejo, e quasi sempre o lisboeta de toda a parte, quando o triste -(ou antes o alegre) tudo ignora de todo o Reino, afóra os corredores de -S. Carlos, as alamedas do Passeio Publico, as galerias de S. Bento, e -as arcadas do Terreiro do Paço, d’onde se sobe para as secretarias onde -se requer? - -Eleições de facção. Eleições de dependencia. Eleições de compra, -ou de compadria. Eleições sem côr, ao menos, de verosemelhança -ou possibilidade. Eleições sem eleição. Eleições verdadeiramente -fabricadas nas trevas, e para trevas. Comedia, que seria para rir, -se não fosse para chorar, e mais van cem vezes que as dos tablados, -pois que ahi, ao menos, se o actor não é a personagem que representa, -apparece falando acertadamente como ella, e advogando nos termos -proprios os seus interesses. - -¿Fazem-no assim os representantes parlamentares? Pedi, a uma e uma, -a cada Provincia, que vos mostre o rol dos beneficios, de que foi -devedora ás diligencias da maior parte dos desconhecidos mandatarios em -quem votou. - -Uma reforma para fazer, até por Lei, seria que ninguem podesse dar o -seu suffragio a cidadão fora do seu districto demarcado. Então sim, que -poderia existir de veras representação nacional. Os subornos seriam -ainda possiveis, assim como os enganos de vontade, e as fraudes; mas -do mero possivel ao certo, ao constante, ao inevitavel, vai infinita -distancia; e de dois methodos viciosos (mormente onde se trata da -felicidade de um Povo) é sempre ao menos vicioso que se deve dar a -preferencia. - - * * * * * - -Ao Governo monarchico absoluto pôz a philosophia uma accusação -peremptoria; a saber: a falsidade manifesta, e conseguintemente a -nullidade, do seu fundamento unico, o _Direito Divino_. - -¿Aos olhos d’essa mesma philosophia, como poderemos nós sustentar o -chamado _regimen liberal_, se a sua base, tambem unica, a representação -do Povo, fôr manifestamente uma chimera? ¿Ha ahi quem negue que ella o -seja? ¿Onde está elle? ¿em que parcialidade? ¿e como o provaria? - -Confessemos, meus amigos, que todos havemos peccado até hoje um -grande peccado contra a Liberdade e contra a Patria, e contra a nossa -consciencia, e contra o senso commum. Confessemol-o, que será nobre, -e sobre tudo será util, a confissão, pois a ella se poderá seguir a -vergonha, á vergonha a emenda, e á emenda o remedio. - - * * * * * - -As sociedades eleitoraes, uma vez instituidas, poderiam estender a sua -acção benefica a muito mais que á escolha e nomeação dos Legisladores. -Não falamos já nas Juntas de Parochia, cujas attribuições, em ponto -pequeno, são relevantes; mas as Camaras dos Municipios não são talvez -de menos importancia que o Parlamento mesmo; já pela sua influencia, -mais ou menos directa, na feitura dos Deputados, e na formação da -Junta geral do Districto e do Conselho de Districto, isto é na acção -legislativa e na administrativa, já pelas suas proprias attribuições -municipaes, isto é maternaes, domesticas, e economicas. - -Em quanto só se procurarem campeões da Politica para Vereadores, -como geralmente se costuma, os campos e as aldeias, a lavoira, e mil -pequenas industrias, só terão padrastos em vez de paes. - -N’uma palavra: - -Para que o Systema representativo seja uma realidade, uma formosura, -uma salvação; para que se coadune com o entendimento, com a -vontade, com os multiplicadissimos interesses de todos; não é só -util e necessario, é indispensavel, que os cargos electivos, de -qualquer natureza que sejam, se dêem segundo as aptidões, para bem -se preencherem sem respeito algum ás opiniões politicas, nem á -indifferença e á incredulidade, pois muita gente ha ahi hoje, e da -melhor em consciencia e em patriotismo, a quem tão longas decepções -tornaram incrédula, e apparentemente indifferentista sobre os negocios -publicos. - -Não nos explicámos bem. Ha muita gente, que, enfadada de ver a -Politica substituida constantemente pela individualidade, as coisas -pelas pessoas, e os principios pelas ambições, não vai enxovalhar -o seu patriotismo na tauromachia das eleições, nem nas orgias -dos clubs; conserva latente, e como que de reserva para melhores -tempos, o seu patriotismo; mas que, chegada a hora de o mostrar por -obras, o presentará inteiro, energico, productivo, desinteressado, -incorruptivel, e inquebrantavel. - -Eis ahi, sobre tudo, os salvadores de que havemos grandemente mistér -para Deputados, para Vereadôres, para Conselheiros de Districto, -para membros da Junta geral de Districto, e das Juntas de Parochia, -em summa, para todos os postos que forem electivos, desde a base -até ao vértice da pyramide; ¡e oxalá que electivos fossem todos os -cargos, havendo, por toda a parte para as eleições a confederação, que -propomos, dos homens sinceros, de bem, e patrioticos! assim como ¡oxalá -não houvesse um só cargo electivo em quanto a eleição fosse uma mentira -e uma injuria! injuria tanto para os que diante da urna arremedam -votar, lançando listas que não leram, como para aquelles sobre quem -taes escolhas recaem; como para quem, no fundo de espeluncas, fabricou -a seu bel praser essa expressão de uma vontade popular que não existe. - -Este alvitre, este conselho, esta supplica, que a philosophia, que a -honra, que o santo amor da Patria dirigem a todos e a cada um de nós, -só os ambiciosos vís, só os mal amigos da Patria, só os insensatos, os -poderiam repellir. - -Maravilhosamente salutares para os governados, elles o são não menos -para os governantes. O Rei, o Ministerio, que por esta estrada franca e -descoberta uma vez se resolvessem a caminhar, seriam o mais popular e o -mais abençoado dos Reis, e o mais duradoiro de todos os Ministerios. - -As revoluções não nascem de mais de tres causas: o horror instinctivo -do homem para com o engano, para com a violencia, e para com a fome. - -O Governo representativo, assim, não seria uma burla; as consciencias -fariam a sua obra sem coacção; e, por uma consequencia necessaria, Leis -boas trariam por toda a parte abundancia, e com ella contentamento e -bons costumes. - -O Povo, que não é jamais suicida, e tem um maravilhoso instincto do -bem, defenderia como arca de alliança o Governo que a taes destinos o -houvesse conduzido. - -... _Deus nobis hæc otia fecit._ - - * * * * * - -Limitemo-nos porém ao nosso ponto primario, Côrtes agricolas, pois, -conseguidas ellas, por ellas, que fazem as Leis, facilmente se -conseguirão todas as outras necessarias innovações. - -Seja pois o incançavel empenho das sociedades eleitoraes, que desde já -se devem formar, o contrabalançar, vencer, e destruir, a influencia -maléfica das sociedades eleitoraes já existentes, secretas ou publicas, -mas todas ellas exclusivamente _politicas_; diversas entre si, e até -inimigas mutuas, mas todas comprovadamente impotentes para bemfazer. - -Á vista da incontestabilidade de ser a Agricultura a que só nos pode -restaurar, poderia perguntar-se: ¿Não conviria votar unicamente em -agricultores para Deputados? - -A nossa opinião é que o Parlamento deve conter de tudo; sem o que, não -seria representação _nacional_; e por outra parte, a não ser assim, se -acharia carecente de muitos conhecimentos necessarios. Entretanto, pela -mesma rasão de dever elle ser representação _nacional_, deve compôr-se -de lavradores a sua grande maioria, pois ou em exercicio, ou em -propriedade, lavradora é, e lavradora deve ser, a pluralidade da nossa -gente. - -Entretanto, como as nossas associações eleitoraes não hão-de ser as -unicas a trabalhar, como as do egoismo mal entendido e incorrigivel -hão-de sempre existir, e sollicitar com tanto mais força, quanto mais -se sentirem contrastadas pelas nossas diligencias, prudentissimo -arbitrio fôra que nos cerrassemos nós outros em esquadrão, para só -votarmos em lavradores, e, quando muito, em um ou outro industrial -benemerito e de esperanças. ¡Felizes, ainda assim, se os nossos eleitos -constituissem a maioria, e se os exforços e machinações dos inimigos -só lograssem pôr na teia parlamentar a proporcionada e necessaria -mescla dos outros interesses secundarios! - - * * * * * - -Outra consideração, que muita força nos faz para instarmos pela maioria -agricola no Congresso, é que, mesmo para só equilibrar os interesses -da terra com todos os outros bem ou mal entendidos interesses, é -indispensavel que os partidarios dos primeiros sejam muito mais -numerosos que os dos segundos. - -A Arithmetica, com parecer de exacção absoluta, é, por via de regra, -em coisas moraes, a mais erronea de todas as medidas. As decisões por -votos nol-o provam a cada hora: nas assembleas _dez_ podem ser mais que -_cem_, e todos os dias o são. - -Christovão Colombo era um só contra toda uma armada; Galileu um só -contra todo o mundo: e todavia, com um só voto contra tantos, a America -descobriu-se, e a Terra move-se. - -Não pretendemos inferir d’aqui o absurdo de que se outorgue a palma -ás minorias; a nossa consequencia d’aquelle principio inquestionavel -é que n’uma corporação destinada a um grande fim social, mas que por -força tem de ser composta de elementos heterogeneos, alguns nullos, e -não poucos hostis, se os presumptivos partidarios da boa causa são por -sua natureza menos atrevidos e influentes que os seus antagonistas, -só pelo excesso do numero é que poderão compensar o que em forças e -importancia lhes falleça; e portanto, se ambicionâmos que triumphe a -boa causa, temos de fazer pela quantidade d’elles a compensação da sua -qualidade. - -Os filhos dos campos, qualquer jerarchia, educação, illustração, que -aliás lhes supponhâmos, teem, em toda a parte, em presença dos filhos -das Cidades, um não-sei-quê de pudor e timidez, que parece ser fruto -indigena da solidão. Como as creanças e as mulheres, perdem elles -metade das suas forças e recursos naturaes, logo que sentem que são -observados. A duplice desconfiança em que estão, por uma parte, da -sua rudez, por outra, da superioridade e maligno escarneo dos bem -falantes, lustrosos, e regalados moradores das cidades, onde elles só -entram como fornecedores e servos, quebra-lhes metade da sua energia -varonil. Creados com o falar sóbrio, chão, e sem atavios, não só a -eloquencia dos fazedores de phrases os deslumbra, mas até a verbosidade -esteril os enleia e os sophisma; esgrimindo com arrogancia, se os não -convence, muitas vezes lhes desarma o bom senso, só forte da sua força -intrinzeca. Finalmente, a tatica e estrategia parlamentar, sciencia -occulta que se não aprende em poucos dias, por mais predisposição que -se tenha para desleal e ruim, hão-de sempre trazer o pobre aldeão -sincero como vendido, romper-lhe as fileiras no fervor do combate, -voltar-lhe as armas contra si, precipital-o em ciladas, converter-lhe -a miudo a victoria ganha em derrota, endoidecel-o, desgostal-o, e -pôl-o em fuga para o seu campo amado, que o conhece, e que é d’elle -conhecido, e para entre os seus visinhos, cujos enganos elle sabe -antever e illudir. - -É por tudo isto que, se o numero os não affoitar, elles serão sempre -derrotados; e o beneficio, que á Patria poderiam fazer, se mallogrará -a despeito das suas consciencias, sans como os seus ares, e das suas -rasões, robustas, mas informes como os seus troncos. - -Estas Côrtes levariam ainda muitas outras vantagens a quantas para -ahi se nos teem feito em nosso nome. As provincias, pelo trato mutuo -dos seus representantes, ficar-se-hiam conhecendo; fraternisariam; -aprenderiam, umas de outras, com que adiantar ou aperfeiçoar as suas -culturas. - -Seria applicar á primeira das artes beneficios proporcionaes aos -que as luzes superiores teem ultimamente recebido dos _Congressos -scientificos_. - -Ainda mais, e ainda melhor: o Rei, que tudo deve presencear, e não pode -demover-se do seu Throno, ouviria e veria d’est’arte as provincias; -abrangeria com a imaginação, com o amor, e com as providencias, alguma -coisa mais que o recinto confuso da sua Capital. - - * * * * * - -Pintae, meus amigos, desde já, na phantasia, o que serão taes Côrtes, -se a Divina Bondade nol-as tem de outorgar: - -Homens fortes, sizudos, vestidos do seu linho, e modestas lans fiadas e -tecidas por suas filhas e companheiras; condecorados, não com fitas, -mas com os honrosos calos da charrua; não frizados pelo cabelleireiro -parisiense, mas com o semblante bello de hombridade, e crestado dos -soes; sem pomposos nomes herdados, mas creando cada um d’elles um, -de que seus descendentes se não hão-de envergonhar. Madrugam para o -grangeio da Patria, como lá costumavam fazel-o para o da fazenda; -aproveitam em cheio as horas, como nos dias apressados da sementeira. -As suas vozes, sem outras entoações que as da convicção e do affecto, -expõem as verdades com a graça inimitavel da nudez, como na eira do -seu casal deixavam espairecer sem vestidos os seus filhinhos e netos. -Os seus discursos são como os seus predios: frutos, e não jardins; -pão, gado, azeite, vinho, madeira de córte, em vez de flores ephémeras -e estéreis. As suas argumentações não lh’as ensinou a logica das -assemblêas, essa perigosa tintureira de verdades e mentiras; dos factos -positivos lhes saem sem exforço as consequencias, como do grão do trigo -a espiga do trigo, do caroço a arvore, e do amor dos homens a virtude. - -Os talentos, as boas vontades, as emprezas promettedoras, não expirarão -á mingua; elles sabem que uma pouca de rega tem dado vida e fruto a -muito pomar. Não mesquinharão os salarios ao trabalho, mas exigirão que -o trabalho os mereça, porque ouviram ao seu Pastor ler no Evangelho, -que se não deve amarrar a bocca ao animal que está suando na debulha. -Não sorriem com philosophica sobranceria do que se refere ao unico -principio sólido de toda a moral humana; elles presencearam sempre, -assim como o carvalho da serra e a hervinha emboscada no vallado, que -luz e calor não procedem senão de cima. Ao votar, não interrogam os -olhos ou os acenos de ninguem; ¿perguntaram elles jamais se se devia -plantar na estação propria, ou se ao rebanho sequioso se havia de dar -de beber? Os motivos ruins, não os entendem; ¿que insensato dispôz -nunca tojos e espinheiros na herdade amanhada para o manter? O medo -das contrariedades não lhes tolhe pugnar pelo que é de sua natureza -prestadio; estão affeitos a ver as intempéries das estações ameaçarem -a seára, e a seára, por derradeiro, encher a tulha. Ignoram a sciencia -dos financeiros, mas sabem que a diligencia e a boa-fé grangeiam -cabedaes. Os pontos duvidosos, meditam n-os antes de os decidir, como -antes de comprar uma courella examinavam comsigo e com os visinhos a -indole do chão, as conveniencias e as desconveniencias do seu fabrico. -Não armam á fama, nem trepidam diante das injurias; as phrases dos -periodicos malignos, como as dos lisonjeiros, lhes resvalam pelo ouvido -sem entrar; ¿ha-de-se deter a junta de bois no meio do sulco, porque -zuniu o mosquito? - -No fim de cada sessão, retiram-se contentes do que fizeram, para -meditarem, cada um a sós, com o seu entendimento e coração, o que lhes -resta para fazer. O amor do genero humano é o seu ultimo pensamento -antes de adormecer; a ventura da sua aldeia, da sua provincia, e da -Patria, o seu sonho de toda a noite, de todas as noites, e de todos os -dias. - - * * * * * - -¡Oh! ¡meu abençoado Parlamento de lavradores! Semelhante ao enxame -industrioso, vós fabricareis sem estrondo, do que ha mais bello e -amavel sobre a terra: para ella o oiro liquido e medicinal do mel, para -o Ceo os santos lumes dos altares. - -Como vós, todos nós gosaremos da doçura que houverdes preparado; só -os zangãos vos odiarão. A vossa Rainha, no cimo da colmeia, feliz e -abençoada, não terá inveja aos maiores Soberanos. - -¡Oh! ¡podesse Ella, entre os seus innocentes e maternaes sonhos de -ante-manhan, perceber, levados por algum Genio de amor, uns eccos -sequer d’estes nossos votos! - -O seu entendimento avaliaria quanto ha de intrinzeca bondade, e de -affecto aos homens, e de devoção para com Ella mesma, n’estes votos de -Portuguez. - -A felicidade de um Povo, e a de quem o rege, são uma e indivisivel. - - Novembro de 1848. - - -NOTAS DE RODAPÉ: - -[3] Castilho começa aqui a datar o aprendizado constitucional desde a -revolução de 1820. - - OS EDITORES. - - - - - VI - - O Clero, e as Mulheres - - SUMMARIO - - Na obra proposta, para todos ha tarefa: a dos escriptores é semear - a palavra.--Defensa e apologia do Clero; necessidade e modo de o - reformar.--Os Bispos, eleitos pelo Povo, apresentados pelo Governo, - confirmados pelo Pontifice.--Um Seminario para cada Bispado, em - que se ensinem, com as sciencias moraes e mysticas, os rudimentos - das sciencias terrestres mais necessarias.--As Parochias providas - pelos respectivos Bispos, e modo como.--Vantagens que d’ahi - resultarão.--Justo panegyrico das mulheres.--Reivindicação para ellas - do direito de votação.--Bens, que de um tal acto de justiça deveriam - advir á sociedade. - - -Os pensamentos do nosso coração acharam eccos; é porque o santo amor -da terra e dos homens não morre nunca. O fogo existia; a nossa voz não -fez mais do que assoprar de cima de uma parte d’elle a cinza que o -occultava. - -¿Com tão felizes auspicios, como poderiamos nós deixar de proseguir? -Prosigâmos; não já a sonhar em voz alta, mas em voz alta a meditar, a -propôr, a pedir. - - * * * * * - -Concordes estamos (dir-se-hia que por uma inspiração salvadora, -baixada na hora da angustia sobre todos nós ao mesmo tempo) concordes -estamos, e convencidos, de que só a associação das nossas forças, tão -malbaratadas até agora em mutuamente se espedaçarem, e apesar d’isso -ainda tão grandes, tão sufficientes para uma façanha; applicando-se com -fé, com ardor, com perseverança, á Agricultura, pode não só aguentar as -nossas cidades, que a lanço e lanço se desabam, mas fundal-as novas, -dilatar e multiplicar as aldeias, engrinaldadas de vegetação frutifera, -transformar a guerra em amor, a mendicidade em trabalho, o roubo, a -venalidade, a agiotagem, a alcunhada _politica_, e a prostituição, -essas outras mendicidades, muito mais torpes e odiosas, em honesta e -folgada vida, em producção, em virtude, em paz, em contentamento, em -gloria, em liberdade, em poderio. - -Fomos um grande Portugal; em nossa mão está sermos, e breve, um -Portugal ainda maior, mais formoso, mais seguro, mais festejado, mais -attractivo para estrangeiros, mais hospedador de suas prendas, de suas -artes, de suas sciencias, de sua multiplice civilisação. - -Queirâmos; queirâmos de veras. Congreguemo-nos fraternalmente; os dos -campos, nos campos; os da cidade, com os olhos n’elles. Lavremos e -semeemos todos; uns com o ferro e o grão, outros com o oiro, outros -com a doutrina, que tambem é oiro; os legisladores com as Leis; os -magistrados com a protecção; e nós, nós os apóstolos descalços, a quem -a Providencia recusou terra, oiro, sciencia, e autoridade, mas a quem, -em compensação de tudo isso, outorgou alguma alma e muitissimo amor, -nós os escritores, semeemos tambem alguma coisa no chão da Patria, a -que já está impendente larga benção de regeneração: semeemos a palavra. - -Que nenhum de nós se acovarde por desconfiança de sua fraqueza; que -nenhum sonegue o que tem por verdade, com medo de que os poderosos lh’o -desprezem, os nescios lh’o impugnem, e os malignos lh’o escarneçam. -Onde a boa vontade nos houver illudido, valer-nos-ha ella mesma de -excusa; e, á falta de approvação, conciliar-nos-ha o tacito affecto dos -homens de bem. - -Quanto a nós individualmente, assás havemos já provado n’estes artigos, -cujo fio vamos seguindo, quanto, apesar de conhecermos melhor que -ninguem a nossa incompetencia, e a confessarmos a cada hora, propomos -com lisura e franqueza, o que julgamos poder salvar a nossa moribunda. - -Nem a lisonja, nem contemplações pusillanimes, nem medo a ruins -interpretações, nem a indifferença d’aquelles mesmos por quem fazemos -votos, nos demoveram ainda do nosso proposito, atrevido talvez, mas -honrado de certo. - -Com egual abnegação, com egual soltura, com ainda maior convicção, pois -nos cresce de mez para mez, continuaremos a lavrar o nosso testamento -de Portuguez, estas desenfeitadas linhas, mas para nós mais amadas, que -toda quanta poesia nos florejou a mocidade. - - * * * * * - -Para dois pontos convocamos agora a attenção sizuda das nossas futuras -Sociedades promotoras da Agricultura, do Parlamento de lavradores, que -os seus esforços nos hão-de produzir, do Ministerio da Agricultura, que -esses legisladores hão-de fundar, e finalmente do proprio Throno; para -o que, novamente rogamos a todos os nobres missionarios da Imprensa -levem os nossos alvitres, corroborados com o seu saber, e ungidos com -a sua eloquencia, até onde o humilde e longinquo da nossa voz os não -deixaria penetrar. - -Estes dois assumptos, ambos grandes e ambos esquecidos, ambos de summa -importancia, assim para o mal como para o bem, e ambos injusta e -cruelmente desprezados, são: o SACERDOCIO, e as MULHERES. - - * * * * * - -É o Sacerdocio Catholico uma instituição eminentemente social, e cuja -origem divina é, por isso mesmo, impossivel não reconhecer. - -Não renovaremos n’este logar disputações intempestivas, e já exhaustas, -sobre os beneficios e as calamidades, de que em tal ou tal paiz, em -tal ou tal seculo, o Clero tem sido, voluntaria ou forçada, activa ou -passivamente, causador. Esses argumentos de alguns factos (ou de muitos -factos) contra theses universaes e duas vezes millannarias, não podem -servir para mais, que para lhes realçar a evidencia. - -Quanto mais os da escola _fossil_ de Voltaire, quanto mais os -anachronicos citadores do _Citador_, e os mui respeitaveis _Compadres_ -do _Abbé Laurent_, esperdiçarem o seu engenho para nos afeiarem em -romances obscenos a vida licenciosa de um ou de outro, ou de muitos -Sacerdotes; quanto mais nos affirmarem, sob sua palavra honrada, e á -vista de umas estatisticas que só elles possuem, que o numero d’estes -discolos é infinito; tanto mais, sem o sentirem, sem o quererem, -engrandecem a força intrinzeca e divina de uma instituição, que, desde -o tempo dos Apóstolos até nós, ainda não cessou de ser havida por -mantenedora da arca-santa da Fé e dos costumes. - -Se ella fosse humana, se ella fosse sobretudo ré da millionesima parte -dos crimes e horrores, que os seus adversarios (¡varões probos e -honestissimos!) lhe assacam, ¿como haveria resistido a dezoito seculos? -¿a trezentas revoluções na politica, e outras tantas nas ideias? ¿aos -vaivens das seitas, e das chamadas philosophias? ¿ás minas surdas do -indifferentismo? ¿ao fanatismo sanguinario de alguns de seus membros, e -á perfidia e á deserção de tantos outros? - -Neros e Sardanapálos appareceram mais de uma vez na cadeira de S. -Pedro. Mãos em vão sagradas cavaram masmorras e accenderam fogueiras; -seguraram os pulsos a povos, para que tirannos os agrilhoassem; afiaram -os punhaes e as espadas para guerras fratricidas; e a Sciencia, filha -do Ceo como a luz, em nome do Ceo a perseguiram. - -E entretanto, atravez d’esses arroios de sangue e lagrimas, e d’esses -montes de cinzas e ruinas, o esquadrão candido dos Levitas continuava a -sua peregrinação para o Ceo, abençoando, e abençoado; penitenciando se -em segredo pelos maleficios de que era innocente; vertendo lagrimas e -chrysma sobre as feridas de seus irmãos; semeando na terra desconsolada -o amor e as esperanças. - -Ao notarem ignorancia e corrupção no Clero, os semi-philosophos -imprevidentes votam, sem hesitar, a sua abolição. Os sabios, isto é -os prudentes e amigos da humanidade, calculam caladamente: ¡o que se -tornaria o rebanho, privado de pastores! ¡os costumes, sem doutrina -nem censura! ¡as penas sem conforto! as prosperidades e soberbas, sem -contrapezo! ¡os seis dias da terra, sem um dia do Ceo! Depois, comparam -essa corrupção e essa ignorancia (desgraçadamente muito certas) com -a corrupção e ignorancia ainda maiores de quasi todos os inimigos da -Egreja; e, convencendo-se de que o mal não é sem cura, propõem, em vez -de exterminio, que é sempre o primeiro recurso dos barbaros: contra -aquella ignorancia, luz de sciencia; contra aquella dissolução, outra -vez luz, disciplina, e vigilancia. - -Não está o remedio em fechar a residencia parochial, depois de expulso -d’ella o Cura indigno, deixando muda e ás escuras a casa da oração. -Não está em despejar os paços episcopaes, para morada e pagode de -especuladores enriquecidos, e as cathedraes para quarteis, theatros, -ou serrarias de madeira. Está, sim, em precaver por Leis sabias, como -sem custo as ha-de fazer o nosso Parlamento agricola, que os Bispos e -Parochos sejam sempre o que o seu nome, o seu caracter, a Lei da sua -instituição, a utilidade, a necessidade, e a vontade do Povo, e a sua -propria consciencia, lhes ordena que sejam. - -¿Será isto exequivel? sim, sim; e tanto, e por tão faceis meios, que -o que só admira e espanta é não se achar já de muito em execução, em -praxe, e em costume. - -O primeiro ponto, o primeiro passo, a primeira condição impreterivel -para esta reformação tão necessaria e tão urgente, quer a consideremos -á luz do Céo, quer á dos interesses temporaes, é a boa escolha dos -Bispos. - - * * * * * - -Foram os Bispos, nos seculos doirados da Egreja, e nas terras onde ella -mais floresceu, eleitos, cada um pelo proprio rebanho a que havia de -presidir[4]. Nada mais liberal, nada mais natural e justo, nada mais -conveniente, que essa usança; nada mais digno de se ressuscitar n’uma -edade, que blasona de liberrima e philosophica. - -A nomeação dos Prelados pelo Chefe do Estado civil, e só dependente -da sancção do Pontifice, sancção em que tantas contemplações, tantos -motivos extranhos ao merito real, podem influir, é, mesmo para -os entendimentos mais myopes, viciosa, e mais que arriscadissima -a desacerto. É esta uma verdade, que (¡ainda mal!) os factos teem -repetidamente confirmado. - -¡Que de vezes uma parcialidade vencedora, já para recompensar, já -para predispôr serviços profanos e profanissimos, não tem enviado -das catacumbas facciosas para os thronos episcopaes, ora lobos, ora -apestados e leprosos, ora defuntos! ¡mãos geladas para as boas obras! -¡corações gelados para os bons desejos! ¡linguas geladas para as -palavras de amor! O Céo nos defenda de citar exemplos; ¿e para quê? ¿ha -ahi quem os não conheça, e os não deplore? - -Escolhido, ou pelos Ecclesiasticos do Bispado, e em escrutinio -secretissimo, aquelle d’entre seus membros, que por virtudes, luzes, -patriotismo e prudencia, notavelmente se avantaja, ou (melhor e mais -liberalmente ainda) votado tambem em escrutinio secreto por todos -os fieis da Diocese, assim de um como de outro sexo, n’esse devemos -presumir que está a idoneidade para o grande sacerdocio, para a -relevantissima magistratura do Episcopado. O juizo do Povo haverá sido -o juizo de Deus. - -Ao Chefe temporal do Estado, liberto assim de uma responsabilidade -tremenda, só resta levar com alegria a santa proposta aos pés do -Throno do Vigario de Christo, para impetrar á obra terrestre a sancção -suprema, e não desligar o interesse da parte, do formoso e admiravel -systema da unidade catholica. - -Sagrados nas sédes de todas as egrejas Prelados de tão altos abonos, é -logicamente indispensavel deixar-lhes as mãos livres para o seu lavor, -que é infinito e complicadissimo. - -E quando não, consideremos, com madureza, o que é um homem collocado -no centro de muitos milhares de homens, para acudir a todas as -necessidades espirituaes, e a grande numero das temporaes, umas e -outras imperativas, e sempre recrescentes. - -A Oração Dominical cifra o seu espantoso encargo. Os seus primeiros -predecessores, os Apóstolos, viveram e morreram a cumpril-o. Christo -mesmo não curava só as almas, se não tambem os corpos; prégava as -virtudes, e ao mesmo tempo multiplicava o pão e os peixes no deserto, e -o vinho nas bodas. O seu Precursor na Lei escrita, ao mesmo passo que -dava os mandamentos do Sinai, e extirpava a idolatria, libertava o povo -do captiveiro, desentranhava os rochedos em fontes, o céo em maná e em -aves, as nuvens em luz, debellava a peste, e encaminhava os peregrinos -para a Terra da promissão e da abundancia. - -Tudo isto, que fez Moisés, que fez Jesus, e em que os Apóstolos o -imitaram, tudo isto ha-de emprehender, e ha-de conseguir até ás raias -do impossivel, o Prelado que fôr digno da sua missão. - -¿Mas como bastariam dois unicos braços, uma só lingua, para tanto -instruir, e para tanto obrar? De nenhuma sorte. O amor, mesmo no homem, -pode não ter limites; mas teem-n-os as fôrças. - -É por isso, que de cada Sé brotaram em de redor d’ella quantidade -de Parochias, como da arvore boa se transplantam ramos para lhe -continuarem e multiplicarem os frutos em muitas partes ao mesmo tempo. -A voz do grande Pastor, repetida pelos seus coadjutores, fez-se ouvir -até da ovelha mais desgarrada, no reconcavo dos valles, ou no cume -das serras; e os beneficios das suas mãos, transmittidos por mãos -fieis, poderam diffundir-se para todos os quatro ventos do céo até ao -horizonte. - -D’esta simples consideração se deriva inquestionavelmente, que, sendo -os Parochos nada menos que delegados e representantes dos Bispos, -como os Bispos o são de uma Providencia paternal, e necessitando o -Chefe conhecer e reconhecer, animar, e dirigir constantemente aos -seus immediatos mandatarios, são elles tambem, elles sós, livres, -liberrimos, independentes, os que os devem educar, preparar, eleger, -conservar, suspender, ou excluir. - -É logo necessario, que o Governo temporal seja por Lei inhibido de -prover as freguezias; direito ou costume esse, ao qual principalmente -se deve imputar a odiosa ruindade, e incapacidade absoluta, de tanto e -tanto Parocho, que, mais que os livros dos impios, teem em toda a parte -concorrido para o descredito da Religião. - -O Governo só deve, quando muito, superintender, como vigia supremo do -Estado, no comportamento dos Curas de almas como cidadãos, e no que o -seu officio tiver de puramente secular. O de Cesar, a Cesar; o de Deus, -a Deus. Nada mais orthodoxo. - - * * * * * - -Assim como ao obreiro, para se lhe poder tomar conta da obra, se hão-de -primeiro dar materiaes e instrumentos, assim a cada Bispo hão-de -umas Côrtes de juiso conceder, não em vans promessas escritas, mas -effectivamente, com que organisar e manter um Seminario, com mestres a -todos os respeitos dignissimos; de fora da Diocese, se n’ella os não -ha; de fora do Reino, se os não ha no Reino. Para aqui, ¡mãos largas! -¡mãos rôtas! ¡mãos prodigas, se é licito dizel-o! que a máis nescia de -todas as economias é a que nega adubío, sementes, e rega, ao solo de -que pretende fruto. - -¡Oh! ¡de que desperdicios não tem já sido causa a não entendida palavra -_economia_! - -Sob os olhos do Bispo, medrarão além de toda a esperança estes -viveiros de Parochos, educados na theoria e pratica da Sciencia -Divina por mestres, que serão ao mesmo tempo seus exemplares. Elles -ahi aprenderão, com as sciencias moraes e mysticas, o que hoje -seria imprudencia, temeridade, e infamia, querer d’ellas apartar: -aprenderão as sciencias, que renovam e regeneram a terra, e que, -matando a perguiça e a penuria, aplanam, atravéz de uma bemaventurança -passageira, o caminho para outra, que não finda; a hygiene; os -rudimentos da medicina domestica, e da veterinaria; a agricultura e a -physica; as noções geraes da jurisprudencia do Estado, e os deveres -politicos; um pouco da economía publica, muito da caseira; os methodos -mais faceis de ensino para as materias mais necessarias; em summa: -habilitar-se-hão para poderem e quererem ser, em tudo, o opposto a -muitos dos deploraveis Parochos dos nossos dias. - -Entre os Clerigos, alumnos de um mesmo Seminario, instruidos nas -mesmas materias, e pelos mesmos professores, ha-de haver differenças -de genios, de gostos, de talentos, de virtudes. Cada individuo tem a -sua organisação; cada educação de infancia affeiçôa para o futuro um -diverso homem. - -Differenças, como as que se notam nos individuos, existem não menos -entre as povoações. O Bispo, que, durante o longo curso de estudos, -haverá podido reconhecer e verificar a aptidão especial de cada um -dos seus alumnos, saberá depois distribuil-os segundo o caracter e -necessidades das Parochias: para a mais inerte e atrazada, o mais -progressivo e emprehendedor; para a mais licenciosa, o mais modesto; -para a mais indigente, o mais caritativo; para a mais aspera, o mais -soffredor; o mais conciliador para a mais desavinda; o menos rustico e -o mais instruido para a mais cortesan. - - * * * * * - -Imaginae (se tendes imaginação que abranja o infinito) imaginae o -que virão a ser, em alguns annos, as freguezias, mormente as ruraes, -presididas por taes varões. - -A Fé se reanimará, menos pela eloquencia das homilías, que pelos -milagres da caridade. - -Pelos predios sorrirá a abundancia, pelas vidas a harmonia. - -Apertar-se-hão os laços entre os membros de cada familia, os dos -visinhos com os visinhos, os dos cidadãos com os seus concidadãos. - -A semana deslizará, como um ramal de horas de prata, nas festas da -lavoira e da industria; o domingo nas festas do Senhor, e nos folguedos -innocentes, que a Religião permitte e ama, e nos quaes se prepara o -casto amor que reproduz as familias, e se podem exercitar a graça e -dextreza corporal, que realçam a obra-prima do Creador. - -Vêde ¡como á sombra fresca da parreira do presbyterio, no verão, e -no inverno ao lume da sua cosinha terrea, veem contentes as creanças -aprender, ora as letras, as contas, e a escrita, ora o cathecismo, ora -os deveres sociaes em historias singelas e amoraveis! - -Ouvi ¡como dos mesmos labios, que distribuem o biscato da alma a -aquelles passarinhos implumes, sai o conselho de paz, que solda, -melhorada, a amisade entre os desavindos, o consolo para o coração -viuvo, a correcção benevola, mais efficaz que a severidade, a esperança -precursora da Providencia e aurora da esmola, aqui uma consulta sobre -o praso e melhor modo de uma plantação, de um córte de madeiras, ou do -encaminhar as aguas de uma rega, ali uma supplica de filho, cujo pae -cahiu com uma dor ou accidente repentino, e que não sabe como lhe acuda -em quanto o medico não chega! - -Todas as linguas fala o Parocho, excepto a da maledicencia. Para os -males que não admittem remedio, ainda elle sabe e applica um balsamo: a -conformidade. - -O presbyterio é a côrte do logar, com ser a mais pobre casa de todo -elle. Todos lá vão, tributar respeito ou pedir graças. Os grandes saem -d’ali maiores porque aprenderam a humildade; os ricos, mais ricos -porque aprenderam a dar; os infelizes, serenados porque viram um Anjo. - -Governantes, este homem não fará eleições, mas fará subditos fieis, -cidadãos pacificos e laboriosos. - -Não mentirá em favor vosso, mas tambem contra vós não mentirá. - -Se jamais no Sacrificio da Ara se implorou com fervor paz e concordia, -d’aquella bocca se hão-de elevar quotidianamente taes orações, como -perfume de incenso sem mistura. - -Esquecei esse monarcha de espiritos no meio do seu povo; elle vos -serve com mais zelo do que vós mesmos vos servis. Em torno d’elle -intercede-se cada noite pela vida de bons e maus. Em quanto elle -respirar, sabei que ha no Reino um recanto, em que a indigencia mesma -não amaldiçôa. Os filhos se ufanarão de haver sido por elle baptisados; -os esposos, de lhe terem recebido a benção; os moribundos, de lhe -exhalarem no seio a alma, por elle já desenleada de espinhos, e já de -antemão coroada das açucenas do Ceo. - -Estes serão necessariamente os Parochos procedentes das escolas -d’aquelles Bispos. Uma Lei de homens, mas de homens sãos e sizudos, -haverá creado uma semelhança de paraizo.[5] - - * * * * * - -Falámos do sacerdocio de Deus; falemos do da Natureza; falemos das -Mulheres. - -Um phenomeno moral dos mais inexplicaveis, é a dependencia, a sujeição, -a especie de tutella ignominiosa da mulher em todos os paizes, em todas -as edades, em todos os graus da civilisação. Nascido d’ella, creado -por ella e para ella, referindo a ella quasi todos os seus trabalhos, -pensamentos, e ambições, proclamando-a soberana, acatando-a quasi como -uma semi-divindade terrestre, o homem não cançou ainda de tratal-a de -facto como serva. - -O seu nome triumpha na lyra dos poetas; as suas graças, na tela dos -pintores e no marmore dos estatuarios; o seu credito, na lança dos -antigos paladins, na pistola e espada dos modernos duellistas; a sua -apparição na sociedade é recebida com murmurio festivo e lisonjeiro, -como a da aurora na espessura a que ella traz vida. Se desprende a voz, -a razão parece mais bella passando pela sua bocca; a virtude perde o -seu azedume; um feitiço indefinivel lhe careia todos os animos; o -tumulto se apazigúa; os vicios grosseiros escondem o rosto e emmudecem -até a deixarem passar. O rasto de aromas, que os seus cabellos e os -seus vestidos deixam apoz si, não egualam ao vago e voluptuoso affecto, -que o mais leve dos seus movimentos coou até ao fundo dos corações. -Respeita-se-lhe o juiso; ama-se-lhe o espirito, a modestia, a decencia, -os instinctos bons, nobres e generosos, a timidez que não exclue a -heroicidade. Colhem-se-lhe as palavras benevolas, como diamantes que se -enthesoiram e defendem com ciume; fazem-se os maiores sacrificios para -lh’as merecer. O mais soberbo sente-se ufano no dia em que obtem a sua -mão; o mais avaro daria metade dos thesoiros pelo seu primeiro suspiro, -e os thesoiros todos pelo seu primeiro beijo; o mais sabio a consulta, -como a melhor e menos fallivel porção de si mesmo. N’uma palavra: o -mais grave dos nossos interesses, a primeira educação moral dos nossos -filhos, ¿a quem é commettida? dir-se-hia que a nossa alma, ainda tenra, -se nutre no seio da sua, como entre os seus braços bebemos no leite de -seus peitos o seu amor. - -E todavia... Abri os codigos de todo o mundo, e perguntae-lhes o que -é este ente, complexo de tantas maravilhas, creado para companhia do -homem, mas depois do homem, como elle o fôra depois dos brutos, e os -brutos depois dos entes insensitivos. - -Todos os codigos vos responderão: «É uma escrava.» E alguns: «É uma -victima.» - -Os trabalhos continuos, obscuros, e inglorios, são a sua vida; e a -sua morada um carcere. Aqui, a excluem dos recreios mais honestos; -além, a punem com o ridiculo, se deixa respirar o seu talento; uma -decencia convencional e tirannica lhe impõe silencio quasi continuo. -A acção, o passo, o dito mais indifferentes, lhe são interpretados. -As Universidades lhe estão fechadas; defezas as magistraturas e os -tribunaes; inaccessiveis o fôro e a tribuna. Só da caridade, dos -hospitaes, das escolas de infancia, e do claustro da oração, a não -poderam excluir. - -¡Que dizemos! não só a Asia as vende, como se vendem as flores para -os regalos dos opulentos, e a Inglaterra as deixa vender nos seus -mercados como animaes de carga, se não que a propria França, a patria -da cortesia e do melindre, a terra em que ellas mais imperam sobre as -artes, o gosto, e a sociabilidade, a França mesma, lhes impõe nas suas -Leis obediencia e respeito ás vontades de um marido. - -Da sujeição filial, a unica reconhecida pela Natureza, lá passam para o -captiveiro conjugal. - -O anel de um noivado é o primeiro de um grilhão muitas vezes -insoffrivel, e que nenhumas forças lhes poderão quebrar. O nome do -seu senhor lhes é para logo imposto em vez do paterno; é a marca, é -o ferrete do dominio; marca indelevel, que sobreviverá ao possuidor, -e que só um possuidor novo encobrirá, substituindo a esse nome o seu -nome, e á tirannia extincta uma segunda tirannia[6]. - -Ainda cerceámos o desenho; ainda enfraquecemos as côres do quadro; mas -não haverá coração generoso, que ao encaral-o não estremeça. - - * * * * * - -O Homem Deus redimiu as nações do predominio romano, do fatalismo, -e das paixões divinisadas; sublimou, sobre tudo, os pobres e os -perseguidos a grau de humanos, e de mais que humanos. - -A philosophia moderna restituiu a liberdade natural ao pensamento. - -A politica, sua filha, desatou o jugo de ferro da cerviz dos povos, e o -atirou feito pedaços para o abysmo do passado. - -A philanthropia, ou talvez a especulação, aboliu a escravaria das -povoações negras. - -Á infancia mesma vai chegando o que é possivel de emancipação; asylos -e escolas a convidam a instruir-se; e ao açoite, que d’antes lhe -desfolhava os brios em flor, succederam a affabilidade e os carinhos, -tão necessarios aos pequeninos como o pão. - -¿Que dizemos? até para os irracionaes pululam na Europa sociedades -protectoras. - -¿E a Mulher?! A Mulher, nossa mãe, nossa esposa, nossa filha, nossa -irman, a Mulher, nossa ama, nossa educadora, nossa ecónoma, nossa -enfermeira, a Mulher que nos civilisa, que nos adoça, nos encaminha, -nos aconselha, nos acompanha e consola nos trabalhos, nos realça e -requinta as alegrias, a Mulher, que não vive, que não quer, que não -pode viver senão para nós, que nos soffre e nos perdoa de continuo, -a Mulher que é toda amor, e a mais brilhante revelação do Céo, a -Mulher...... é ainda escrava! ¡escrava em plena Europa! ¡em pleno -Christianismo! ¡quasi como na Africa e na Asia sob os influxos do -Korão! ¡escrava como na India, como na China, como na Tartária, como na -Turquia, como na Russia, como entre os selvagens errantes, como entre -os Romanos barbaros, escrava, como sempre e em toda a parte! - - * * * * * - -Já que ellas se não queixam (¡pobres victimas só feitas para soffrer!) -ousemos nós defender os seus interesses apesinhados; e não contra os -nossos, se não ainda em nosso beneficio. - -Parlamento das nossas esperanças, congresso de lavradores, atrevei-vos -a uma Lei, que vos doire na Historia, e vos immortalise. Decretae, -depois de seis mil annos, A ALFORRIA DA MULHER. - -Não são a milicia, as magistraturas, os governos das provincias, que -para ellas vos pedimos; não são as cadeiras de legisladores, nem -as do magisterio; n’uma palavra: não são nenhuns dos cargos, que a -prepotencia lhes disputaria, e de que a Natureza as tornou isentas (não -por fracas, não por inferiores em espirito, mas porque foram fadadas -para mães). - -Dae-lhes porém o que sem injuria não poderieis recusar-lhes: -reconhecei-lhes, como a seus esposos, como a seus paes, como a seus -filhos, o direito de suffragio. - -De que poderieis vós arrecear-vos franqueando-lhes o caminho á urna? -¿Não teem ellas tanto interesse como nós, em que Leis sabias rejam, -e homens sabios administrem? ¿Não zelarão ellas o bem da terra em -que vivem seus consortes e a sua prole? ¿Não são ellas dotadas para -avaliar os meritos, para estremarem a verdade e a impostura, de uma -maravilhosa sagacidade, occulta arma defensiva com que a Natureza as -premuniu contra as offensivas do nosso sexo? ¿Não vivem mais longe do -tumulto da praça, que a nós outros tanta vez nos desvaira, lançando-nos -em turbilhões, já de odios, já de amores insensatos e contradictorios? -¿Não teem innatamente, além do instincto da harmonia, o espirito -da justiça? ¿Não foi já por isso, que nas antigas allianças entre -Carthaginezes e Gallos se estabeleceu, que, onde de parte a parte -recrescessem rasões de queixa, fossem arbitros, por Carthago os seus -magistrados, pelas Gallias as suas mulheres? - -Mas--vos segredarão alguns com maligno sorriso--¿«conhecem ellas o -grande jogo da Politica? ¿fazem ideia do que seja a ordem publica? -¿com quem o aprendeu a sua roca para lh’o ensinar?» - -Não, homens honrados, ellas não sabem a Politica; e eis ahi uma das -grandes vantagens que nos levam para eleitoras; mas a ordem publica, -se a não sabem, adivinhal-a-hão, que para isso, entre seus filhos -e domesticos, são rainhas de pequenos reinos. Essa roca, alvo do -epigramma ingrato e insolente, é o seu sceptro; e pode ser que acerca -da felicidade commum da aldeia, da freguesia, e da provincia, lhes haja -ella dito muito mais, nas caladas dos serões de inverno, que á maior -parte dos nossos eleitores cortesãos a lampada parisiense entre os -baralhos de cartas e os montes de oiro. - -Mas concedamos-lhes que nossas esposas, nossas mães, e nossas filhas, -nunca jamais até agora pensaram sobre os negocios do Estado, como vos -elles dizem. Por isso mesmo, por isso mesmo, lhes deveis restituir mais -depressa o seu usurpado e imprescriptivel direito de votação; porque -essa indifferença, se n’ellas existe, é mais uma calamidade, pois são -as educadoras da geração que nos ha-de succeder. - -Concedamos ainda mais: que o precioso affecto da Liberdade é n’ellas -quasi nullo. ¿De quem é a culpa? ¡D’ellas!! Não; mas de nós outros, que -a poder de escravidão lh’o adormentámos. - -Restitui ás Mulheres o seu quinhão legitimo de Liberdade, e vereis como -ella se consolida sobre fundamentos de amor mais que duplicados. - -¡Que miserrima contradicção é esta: que onde para a herança da Corôa -a Lei salica não governa, onde á Mulher se reconhece aptidão para o -cargo supremo do Estado, se lh’a denegue para votar como cidadan em -mandatarios dos communs interesses! - -De uma coisa podeis vós estar certos, Ó Deputados; e é: que as eleições -em que ellas entrassem, por menos acertadas que a sua inexperiencia -as produzisse, não dariam (porque era impossivel) mais vergonhosos -resultados, que todas quantas á sua revelia havemos feito, e que, para -vergonha nossa, lá ficam registadas na Historia. - - * * * * * - -¡Oh! ¡Se o humilde Portugal estava ainda guardado para dar do fundo do -seu abysmo tão altas lições, tão esplendidos exemplos á Europa e ao -Mundo! ¡Uma Representação nacional genuina e insophismada! ¡um Clero -sabio, virtuoso, paternal! ¡a Mulher investida na plenitude dos seus -destinos sociaes!.... - -No dia em que a Patria cingisse por suas mãos tres corôas tão -magnificas, morriamos felizes. Teriamos vivido uma eternidade de -bemaventurança. - - Dezembro de 1848. - - -NOTAS DE RODAPÉ: - -[4] _Nullus invitis dandus est Episcopus; ille omnibus prœferendus, -quem cleri ac plebis consensus concorditer elegerit._--S. -Gregor.--Epist. ad Nastas. - -[5] Os nossos respeitos ás doutrinas canonicas é conhecido e provado. A -innovação que propômos e que deverá ter iniciativa no Parlamento, para -se tornar effectiva necessita da censura e regular approvação da Egreja. - - CASTILHO. - - -[6] Com estas reflexões não pretendemos desapprovar a subordinação -das mulheres a seus maridos nos termos em que a prescrevem os nossos -livros sagrados. Só não queremos que esta dependencia se converta em -escravidão, que a legitima autoridade marital degenere em tirannia. -Eva, diz um Padre da Egreja commentando o Genesis, não foi formada da -cabeça de Adão, para que não tivesse a presumpção de o querer dominar; -nem tão pouco foi formada dos pés do homem, para que por elle não -fosse considerada como serva; foi-o de uma costella, a fim de que se -entendesse que era destinada a ser sua companheira. - - CASTILHO. - - - - - VII - - Primeiro serão do casal - - Propriedade territorial - - SUMMARIO - - Vantagens do escrever.--Vantagens do ler.--O autor não pode por ora - dizer o que tratará n’estes seus serões d’aqui avante, mas tenciona - il-os empregando na sua ideia querida da felicitação da Patria - pela Agricultura; para o que, vai proseguindo nas suas utopias.--A - propriedade territorial não é um direito natural, mas é um dos - direitos da sociedade permanente.--No direito de possuir terra não - se contem o poder deixar de cultival-a.--Apontamentos para uma Lei - importantissima a este respeito.--A theoria pode-se estender dos - predios rusticos aos urbanos. - - -¡Que bella coisa, meus amigos camponezes, não é o escrever e o ler! - -Uma folha de papel, que a principio não foi mais que umas hervinhas -verdes, depois umas febras seccas e pardas, nos dias da sua maior -gloria talvez uma camisa, e a final um trapo despresado e esquecido; -uma folha de papel póde ser uma origem de delicias e venturas. - -Por meio d’ella, um homem desconhecido, e fechado no seu cantinho, logo -que Deus lhe lança na alma um reflexo passageiro da Verdade e do Summo -Bem, prende esse raio de luz celeste, liberalisa-o para toda a parte, -solidifica-o, bem como de um gaz, que se não vê nem palpa, se faz no -fundo das minas um diamante; lança-o assim para o thesoiro commum -dos conhecimentos humanos; e, quando ninguem mais lh’o diz, diz-lhe -baixinho a sua consciencia: - -«¡Oh! ¡Bem hajas, que déste a esmola da alma á alma! ¡Bem hajas, que -as horas que podéras gastar no ocio, ou em gosos futeis, em dissipar -ou em adquirir haveres, ou em me envenenar a mim, que sou a tua boa -consciencia, empregaste-as em proveito dos teus semelhantes! ¡Bem -hajas! ¡e bem haverás por certo! Os teus exforços não serão perdidos, -nem para o Céo nem para a terra. Lá em cima, o Liberalisador de toda -a verdade te coroará; e já, cá no mundo, uma especie de immortalidade -e de omnipresença será a tua partilha. Sobreviver-te-has em parte a -ti mesmo. O teu nome e os teus pensamentos estarão ao mesmo tempo em -muitos logares, graças a esta folha de papel; e os annos, que hão-de -destruir o teu corpo, deixarão a tua honrada memoria a crescer para os -seculos.» - -Mas, se tal é a boa sorte do escritor de veras; se os seus deleites -lhe descontam o trabalho e penas que o acompanham; se da sua miseria -elle se consola com a lisonjeira certeza de afortunar aos outros; se -no silencio do seu albergue desguarnecido ouve já a sua futura fama, e -na sua enxerga de palha riem sonhos, que nunca visitaram os colxões de -plumas de soberbões inuteis; a mesma folha de papel, que, a baixo de -Deus e do estudo, o tornou venturoso, multiplicada pela Imprensa vai -fazer por elle muitos outros venturosos. - - * * * * * - -¡A leitura, meus amigos! ¿Sabeis vós bem o que é a leitura?! É de todas -as artes a que menos custa, e a que mais rende. - -Ha livros, que, semelhantes a barquinhas milagrosas, incorruptiveis -e innaufragaveis, nos levam, pelo Oceano das edades, a descobrir, -visitar, e conhecer todo o Mundo que lá vai.... - -Os povos antigos revivem para nós com todos os seus usos, costumes, -trajos, feições, crenças, ideias, vicios, virtudes, interesses, e -relações. - -A Historia é a mestra da vida, e as suas lições ampliação e complemento -ao nosso juizo natural. No que foi, aprendemos o que deve ser. ¡Dizem -que mente ás vezes! tambem na seára ha joio, e nem por isso deixais vós -de ceifar com alegria. Mas, apesar das suas mentiras, fica ainda sendo -a Historia uma das mais verdadeiras coisas do mundo. - -Os contemporaneos de cada um dos homens notaveis, heroes ou monstros, -dos tempos antigos, talvez os não vissem tão ao natural como nós cá -de longe. ¿Porquê? por isso mesmo que eram vivos; cercavam-n-os um -estrondo confuso, e vozes contradictorias, que para nós emmudeceram. -O amor e o odio, o terror e o enthusiasmo, tingiam nas suas cores os -feitos e os ditos: o espectador, muito de perto, e distrahido com os -seus proprios negocios, não podia abranger a totalidade de uma scena ás -vezes immensa e complicada. Não é nem ao-pé em demasia, nem em demasia -longe, que os objectos se julgam com exacção. - - * * * * * - -Mas não é só a Historia, meus amigos, que nos encanta instruindo-nos. -Desde a Mathematica, que péza e mede os astros, até ao officio mais -humilde, não ha sciencia, arte, nem mistér, que os livros nos não -ensinem divirtindo-nos. - -Vós, se lêdes ao serão, cultivais melhor e mais lucrativamente no dia -seguinte; sabeis conservar melhor os vossos frutos administrar com mais -interesse os vossos haveres. Outro tanto acontece aos vossos visinhos, -ferreiro, carpinteiro, surrador, tintureiro, tecelão, etc. - -A povoação onde se sabe ler, e se lê, floresce mais, é mais pacifica -e morigerada, mais unida e rica, mais poderosa, mais contente, mais -amavel, e mais amada. - -Porque haveis de saber, meus amigos, que tudo quanto os homens teem -descoberto e inventado para augmentar as suas forças, os seus cabedaes, -a sua saude, as suas virtudes, as suas relações de amor, e o numero -das horas suaves e alegres, tudo, de muitos seculos para cá, se tem -ido guardando nos livros. É um patrimonio de sciencia e bondade, que -vai sempre a crescer de paes a filhos, onde cada um pode tomar ás mãos -cheias o que lhe convém, e para onde a cada um é licito, e até mesmo -é dever muito agradavel, levar o pouco ou muito que o seu juizo lhe -subministra. É um commercio mutuo de todos os tempos e de todas as -almas, do qual ninguem sai lesado, e no qual mesmo dando se recebe. - -Quanto a mim, meus bons visinhos, estou muito satisfeito com a minha -tarefa litteraria. Outros, mais capazes de vos instruir na Agricultura, -teem a bondade de tomar a si esse encargo, para o qual eu mesmo vos -confessei já que me não sinto habilitado. Á minha conta está procurar -desenfadar-vos algum serão do domingo. ¿Que quereis? quem nasceu para -pouco... Um poeta é como um d’estes passarinhos, que Deus creou para -recreação do lavrador na força dos seus trabalhos. - - * * * * * - -Se eu ao menos podesse dizer-vos desde já o em que havemos de -entreter-nos.... mas ¡adivinhae-o lá! ¿O passarinho, um minuto antes -de abrir o bico, sabe por ventura o que vai gorgear? é a verdura, é -a viração, é o sol ou a estrella do momento, que o inspira; a sua -_hypocrene_ é muitas vezes a ultima gotta de orvalho, que bebeu no -calix de uma flor por onde passou. - -Mas, assim como nos cantares do plumoso poeta dos bosques ha sempre o -que quer que seja de bom e affectuoso conselho, de revelação do Céo, -com o qual elle parece tratar mais de perto do que nós; assim o meu -espirito, que mora todo cá dentro no coração, e por elle vale alguma -coisa, só praticará comvosco, segundo espero em Deus, em algum dos seus -sonhos de felicitação para o genero humano. - -Porque haveis de notar, boa gente, que, se o que está feito é muito, -muito mais é ainda o que está para fazer. Cada geração adianta um -passo; os netos sabem mais que os avós; cada anno floreja ideias, -que os seguintes convertem em frutos, e outros, além, amadurecem e -colhem. Nos ares andam sempre ideias de todas as edades (sem falar nas -que vão cahindo mortas); umas decrépitas; outras recemnascidas, que -ainda se não atrevem a voar; outras adultas e robustas; e nenhuma das -que se chegam a transformar em obras, deixou de ser na origem muito -extranhada, e muito havida por impossivel ou perigosa, e de padecer -perseguição da parte de nescios e ruins. - -Ora eu, que (Deus louvado) de ruins me não temo, e a escutar nescios me -não detenho, parece-me que não poderia, por em quanto, empregar melhor -a minha folha de papel, e o vosso serão no casal, do que em vos relatar -os meus sonhos ou devaneios solitarios sobre a salvação da Patria pela -Agricultura; axioma este já hoje comprehendido por todos os que a -Natureza não condemnou a viver e morrer sem comprehenderem nunca nada. - -E como é possivel que d’entre vós outros algum, ou muitos, vão um dia -deputados áquelle bemdito Parlamento de lavradores, de que eu ha dois -mezes vos falava, consentir-me-heis que, ao lume da vossa lareira, -exponha aos vossos juizos, naturaes e não pervertidos, mais alguns -alvitres para então. - -¿Quem nos pode prohibir governarmos o mundo em sêcco o nosso -poucochinho? Não só toda a gente o faz, e quasi que se não faz outra -coisa, se não que a maior e talvez melhor parte das Leis, primeiro que -fosse promulgada por legisladores, tinha sido inventada por homemzinhos -obscuros como nós, e d’elles passada á consciencia geral. - - * * * * * - -Se alguns chamarem _politica_ e ruindade a este uso que nós fizermos do -pouco ou muito entendimento, que Deus nos deu para amarmos os nossos -semelhantes, não vos haveis de agastar, nem eu tornar-lhes resposta; -que, por mais que thesoirem, não nos descozem o saio,--como lá diziam -os nossos velhos. - -¿Vêdes vós? acostumaram-se áquillo de ver em tudo _politica_, e de -chamarem _politica_ a tudo; e depois, teem um medo, que se finam, até -das verdades velhas, ¡quanto mais das novas! Lá se entendem; e assim é -bom, para se não irem d’este mundo totalmente desentendidos. - -Não, meus amigos, _politica_, no sentido estreito que elles dão a esta -palavra, politica do soalheiro e do mexerico, de acreditar a Pedro -e desacreditar a Paulo, de velhacar Leis e receitar venenos, d’essa -não fazemos nós, que nos regala andar com o nosso rosto descoberto, e -dormir as nossas noites de um somno e com as portas e janellas abertas -em não fazendo frio. - -Agora: se ás questões de philosophia social, que elles nunca leram, ou, -se leram, não entenderam, ou que, se as entenderam, lhes não cahiram -a elles em graça; se ao exame dos fundamentos da felicidade publica, -sem referencia a tempos nem a pessoas, chamam _politica_, essa temol-a -feito, e (por mais que lhes pése) havemos de fazel-a sempre, que não -somos nenhuns Esaús da Liberdade, que vendessemos o nosso morgado, como -por si dizia outro poeta chamado Lamartine, respondendo a um satyrico -damnado da sua terra. - - * * * * * - -Mas.... para nos não parecermos com aquelle parvo do conto, que -sabeis, que em logar de adiantar caminho, para chegar á feira a horas -e negociar, se deteve todo o dia com o carapuço na mão diante de um -pilriteiro, pedindo á sombra movediça licença para passar, eis aqui já, -meus futuros Legisladores, um objecto, que assás me parece digno da -vossa consideração. - -A propriedade sobre o terreno, claro está não ser um direito natural; -mas nem por isso podemos dizer que não seja direito, e muito -respeitavel. Sem elle não existiria Agricultura. Sem Agricultura, não -existiria sociedade fixa e civilisada. - -Com a sociedade nasceu pois, assim como outros muitos direitos; -confirmou-se com a posse; identificou-se com as ideias e consciencias, -como com os interesses, e ficou sendo, por que assim o digamos, um -direito natural relativo, e secundario. A philosophia, tanto como as -Leis e a força, o deve proteger. Não é quanto a elle que vos lembro -reformações, mas só quanto ao modo de regular o seu uso. - - * * * * * - -Adquiri eu uma terra por qualquer titulo legal; é minha, não ha duvida. -Posso arrendal-a, posso doal-a, vendel-a, emprestal-a, edificar n’ella, -cultival-a a meu sabor, etc. É corrente. - -¿Mas posso eu por ventura, por ser minha, deixal-a estar improductiva? - -O senso commum, quanto a mim, responde instantaneamente que não. - -¿E porquê? - -Porque haveria n’isso lesão de terceiro, que é a sociedade, para cujo -beneficio extra-natureza, se não contra a natureza primitiva, se -instituira e santificára este direito. - -O avarento poderá ainda ter as suas preciosidades em inercia, e -portanto perdidas; porque em realidade o oiro e a prata, posto que -fecundantes, não são natural e essencialmente productivos. ¡Mas o -torrão, que Deus fez para nos trazer, nos albergar, e nos alimentar! ¡o -torrão, que por si reverdece todas as primaveras, que as nuvens e o sol -andam regando e aquecendo todo o anno! ¡o torrão que é parte do solo -patrio! ¡o torrão ficar dando ortigas e silvas, por indolencia de um -homem estupido, quando á roda d’elle muitos braços carecem de trabalho, -e muitas boccas pedem pão sem o obter!! Eis ahi o que, por mais velha -que seja a posse, nunca jamais poderá chegar a ser bom direito. - -Folgára de explanar comvosco este ponto, que é tão facil e abundante em -considerações, quão momentoso para a felicidade commum; mas levar-nos -hia longe. - -Seria pois a Lei, que eu propozesse, substancialmente isto: - ---O proprietario que passar um anno sem cultivar algum dos seus -terrenos, pagará de multa tres vezes o valor do fruto que esse terreno, -bem tratado, houvera podido produzir. - ---O que o deixar dois annos de poisio perdel-o-ha, para ser dividido -pelos pobresinhos da freguesia, ou do concelho, que não tiverem terra. - -Meus amigos, se alguem lá por fora nos impugnar o alvitre, que é bom e -santo, e que, adoptado, augmentaria de repente o trabalho, a riqueza -dos particulares, e os recursos nacionaes; se alguem, digo, nol-o vier -assoviar á porta e injuriar-nos sandiamente, pôl-o-hemos tão claro, que -até esses o entendam; e ainda o accrescentaremos com algumas indicações -sobre predios urbanos, que são tambem um dos usos, e podem ser um dos -abusos, da terra. - - Janeiro de 1849 - - - - - VIII - - Segundo serão do casal - - Fraternisação da cidade e campo - - SUMMARIO - - Uma boa Lei sonhada.--Os proprietarios ruraes, - residentes na Cidade, são obrigados a viver algum - tempo nas suas fazendas.--Delicias novas que - essa obrigação lhes proporciona.--Nos campos ha - um vislumbre de egualdade.--Bens que a estada - dos senhores no campo trará por elles aos camponezes, - e pelos camponezes a elles.--O autor - sabe, por experiencia, o como nos campos a Natureza - mesma nos melhora e suavisa.--Os camponezes - são menos ruins e infelizes que os cidadãos; - e mais felizes e melhores se hão-de tornar, quando - a Lei passar de sonho a realidade.--Apontam-se - alguns dos muitos melhoramentos, materiaes.--agricolas, - economicos, artisticos, etc., que hão-de - com o tempo brotar d’esta Lei. - - -Sonhei eu, meus bons amigos, que se tinha a Providencia achado n’estes -nossos tempos em maré de muita poesia: que já existia de veras um -Parlamento de lavradores, e que as Leis, e com ellas os costumes, -tinham chegado a final a grande concerto e formosura. - -Uma d’estas Leis bemditas vos quero eu contar; porque se algum dia -(que pode ser) as nossas semeadas Sociedades de Agricultura pegarem, -e, por diligencias d’ellas, tal Parlamento chegar a apparecer, -lá considerareis, com o vosso vagar, se do sonho se não deveria -fazer realidade. O que lhe deu péga foi aquella nossa pratica do -serão ultimo, sobre a obrigação que todo o dono de terra tinha de a -aproveitar. - - * * * * * - -Sonhava eu pois, que todos os proprietarios de bens rusticos, a quem -não assistia alguma particular rasão muito attendivel para o contrario, -eram obrigados a morar nos seus campos alguma parte do anno..... - - * * * * * - -Reverdecia a primavera, e eil-os lá sahiam das cidades, colmeias -grandes, onde, entre muitos zumbidos, se fabricam favos de fel. Até -ás barreiras, ainda iam murmurando contra a salutar violencia, que os -bania temporariamente. - -Logo ali, ao desembocarem das ruas estreitas e sombrias, que nenhuma -estação altéra, para a amplidão de campos e horizontes, a serenidade do -ceo azul se lhes começa a filtrar dos olhos para a alma. A madre-silva -de cima do cômoro lhes dá as suas rescendentes boas-vindas; e para -o coração se lhes côa parte da bemaventurança que inspira aos seus -filhinhos libertos o aspecto das papoilas côr de fogo, a rir na verdura -sem limites; dos rebanhos, que ondeiam branquejando pelas planicies; -dos moinhos, que bracejam cantando pelos oiteiros. Tudo para elles é -descobrimento e maravilha: os passaros, que altercam graciosos pelos -ramos; as aguas, que manam, a debuxar os arvoredos toucados de flores -e sol; os cantares dos rusticos no trabalho; a choupaninha pobrissima, -mas que tem ainda com que albergar hospedes; as andorinhas, que tambem -vieram lá de outras terras pendurar-lhe por cima da janella unica, e ao -abrigo do tecto de palha, o berço dos filhos. - -Atravez d’estas scenas, tão antigas e sempre novas, tão sem artificio -e tão cheias de harmonias, tão casuaes e tão sabiamente variadas e -contrapostas, toda aquella opulenta familia cidadan vai já invejando -a boa sorte dos filhos das aldeias, para quem só parece existir a -Natureza. Ao estrépito da sua carroagem saem ás portas as creanças, -cuja nudez mostra carnes dignas do cinzel de um Assis Rodrigues, e -que riem sempre, como os Seraphins do retábulo da freguezia; moças -esbeltas, a quem o carmim da aurora corou as faces, como pomos, e que -em seus trajos de lan resplandecem como dahlias soberbas em vazos -pobres; e bons velhos, que entre tres e quatro gerações de descendentes -seus ainda os ajudam com o conselho, e o pão que em ocio lhes comem, -lh’o pagam com as vivazes historias do passado. - -A carroagem passa por entre essa multidão, tão afortunada quanto na -terra se pode ser; passa; mas no seu vôo colheu e deixou sorrisos de -benevolencia. - -Chegada á sua nova residencia a familia cidadan, sente-se mais á larga -em quartos pequenos, d’onde se descortinam campos e montes, do que lá -nos doirados e espaçosos carceres de seus salões. - -Tudo para todos os sentidos lhe é novo: a linguagem chan e respeitosa -dos visinhos; as horas e qualidade das refeições; as danças e cantares -do serão; o deitar antes que o sete-estrello vá alto; o erguer muito -primeiro que o sol, e quando o passarinho vem dizer á vidraça que já -é dia; o lavar e almoçar na fonte, por baixo da parreira; o sahir -para toda a parte sem a pesada libré das galas; o descobrir em cada -passeio um sitio incognito, e menos esperado do que para Colombo o foi -o Novo Mundo. Não ha pessoa que os não saude pelos seus nomes, que não -procure algum pretexto para lhes falar, que se não julgasse feliz de os -poder servir. Os obsequios mais delicados lhes affluem a cada hora ás -portas, trazidos por mãos, que só os seus callos accusam de grosseiras. -Na cidade os visinhos não se conhecem, ou são inimigos mutuos; os do -campo, quaesquer que sejam as differenças de gerarchia e fortuna, são -irmãos da mesma tribu. - -A donzella de vestido branco não teme perder o seu _Dom_ dançando -no seu jardim ao domingo com a filha do seu honrado hortelão; nem o -mancebo esbelto, que sabe de cór todas as arias novas, e ambas as -chronicas de cada _prima-donna_, se crê deshonrado passando na caça o -dia com o soldado velho, que ainda voltou das guerras para vir morrer -na freguezia de seus paes. - -Ao luar, nas médas da eira, ¡vel-os como correm folgando, vozeando, -mergulhando na palha, e reapparecendo ao som de palmas, os imberbes -herdeiros de oito e dez nomes, e os pequeninos, que, sem terem menos -avós, não receberam mais nomes que os de seus paes! - -Se em alguma parte se encontra um vislumbre da egualdade, sonhada pelos -philosophos para consolar penas, é só nos campos que essa filha de Deus -se entrevê formosa, travêssa e risonha, como a Galatêa de Virgilio por -entre os salgueiros. - -¡D’esta convivencia, que as semanas e os mezes vão apertando cada vez -mais, que vantagens não redundam para os moradores do palacio rustico, -e para os camponezes! Os primeiros esquecem muito passatempo ruinoso, -que julgam indispensavel; os segundos muita grosseria de trato, em que -nunca haviam advertido. A casinha terrea ensinou ao solar sobriedade, -e amor do trabalho; mas d’elle aprendeu o aceio, as commodidades -faceis, e o gosto. O senhor deixou-se entrar da caridade, presenceando -as fadigas e miserias dos seus rendeiros; o trabalhador, vendo-o bom, -cessou de o temer e odiar como o seu genio mau e invisivel. As relações -e valimentos na côrte attrahiram muitos favores, quando menos alguma -justiça, ora para a viuva, a quem pretendiam arrancar o filho para -o Exercito; ora para o lavrador, a quem contratempos desmerecidos -vedaram pagar ao Fisco. As damas, quando se ausentarem, haverão deixado -amigas, que repitam o seu nome sem inveja, e os seus louvores com -desvanecimento; e lá para o inverno, a poisada em que tudo falta a -fóra a esperança, verá muita vez acorrer-lhe lá de longe, do meio da -Babylonia, a sua providencia: o fatinho conchegado para as creanças, o -enxoval para a filha casadoira, o tabaco para a caixa vasia do velho, o -linho para as rocas e o fiado para o tear, e a paga adiantada, para que -o jantar não sejam suspiros, e a ceia lagrimas. - -N’uma palavra: as cidades conhecerão e amarão os campos; e os campos -perdoarão e abençoarão a opulencia das cidades. Os grandes terão ido lá -retemperar a saude gastada dos vicios e cuidados, e repoisar a bolsa, -dos duellos, do jogo, das tirannias da moda, das violencias da vaidade -e das paixões. - -Estas ferias, dadas a tres coisas tão damnosas, como são o gasto do -corpo, a inanição da alma, e o desbarate da fazenda, pode ser que em -bastantes dos que as disfrutarem venham a produzir mudanças de vida, -mui sinceras, mui duradoiras, e sobre modo uteis para a pessoa e para o -proximo. - - * * * * * - -Eu por mim, meus ricos pobres do campo, não duvido, se não que o creio -com todas as veras d’alma: porque, ¿vedes vós? eu mesmo já tambem -vivi, e annos, fora e muito longe das cidades, e sei como as estrellas -conversam comnosco em nos colhendo a sós n’essas vossas solidões. - -Sei como deitado a um meio-dia de estio, á sombra de um dos immensos -guarda-soes verdes abertos por Deus aos passarinhos, aos rebanhos, -e aos homens, respiramos ares bonissimos de saude, de sabedoria e -benevolencia; folheamos o canhenho do nosso passado, e sorrimos de -desprezo a tanto lidar por nadas, a tanta figura anan que ali fez papel -de gigante, e a tantos montes de oiro, que representaram de grãos de -areia. - -¿Tinha-nos irritado a malignidade de um satyrico? Passa-nos por cima da -cabeça um besoiro negro, e envergonhamo-nos de lhe ter dado attenção. - -¿Tinhamo-nos consternado com o mallogro de um empenho? O ciciar da -seára visinha nos diz: «Tambem aqui, entre as minhas espigas, vão -algumas negras e vazias; mas nem por isso me chamam pobre.» - -¿Tinhamos visto nos homens o egoismo? Estamos sentindo em torno de nós -a prodigalidade a palpitar, a revolver-se, a rescender, a cantar, por -toda a superficie da terra. - -¿Tinhamos chegado pela tristeza ao scepticismo? Por cima de nós não -descortinamos senão ceo, e ceos. - -Erguendo nos, e afastando-nos d’ali, quando por entre as arvores, além, -nos chama o fumo da nossa cosinha, saudamos ainda mais cordealmente ao -visinho ou ao passageiro desconhecido; jantamos com mais apetite; e se -o mendigo, enviado pela Providencia, vem n’essa hora entoar á porta o -Padre Nosso, assentamol-o á nossa direita, alegramos a sua velhice com -o nosso melhor vinho; e, finda a refeição, ambos damos graças ao Pae -Commum, pela esmola que a um e outro acaba de fazer. - -¡Oh que sim! cada folha no campo sabe mais, e aconselha melhor, para -isto de contentamento interior, que todas quantas academias existem de -Pekim até Lisboa, de Lisboa até aos confins da America. - - * * * * * - ---«Mas--perguntar-me-heis vós--sendo assim, ¿por que não somos nós, os -do campo, inteiramente bons e bemaventurados?» - -¡Inteiramente!!.... Não pode ser, que esse _inteiramente_ não cabe ao -mundo; porém menos desgraçados e menos ruins que nós outros, os da -cidade, crêde firmemente que o sois. - -Padeceis minguas, que o viandante descobre pela vossa janella sem -vidraças. Sim, mas lá estão muitos palacios, onde, entre arrazes e -sedas, se curtem amarguras, como entre flores se escondem viboras. -Ali, sem espectadores, se representam tragedias inauditas. ¡Quantos -de cima de um cofre de oiro se não levantam pallidos e blasphemando, -para se irem pendurar n’um laço, algozes de si mesmos! ¡Quantos n’um -coche envernizado por mão de pintor heraldico, ou montados n’um cavallo -que lhes custou o preço de duas herdades, não vão lavar com o proprio -sangue n’um duello a afronta, talvez chimerica, que receberam, ou, para -tirarem um espinho da honra, carregar-se para toda a vida com o remorso -de um homicidio! - -¿Vedes vós?... E não vedes ainda nada; e nem eu vol-o quero nem devo -mostrar. - -Mas crêde; fiae-vos em mim: Lançadas bem as contas por quem -experimentou ambos os vivêres, os menos maus dos maus, e dos infelizes -os menos desaventurados, sois vós. - -E a mais ireis, quanto mais d’estas verdades vos convencerdes; que já -lá dizia, ha dois mil annos, outro poeta bem vosso amigo (como todos -os de veras o são), um poeta que só para vós escreveu uma das mais -admiraveis obras do mundo:--«¡Oh! ¡ditosos, ditosissimos os lavradores, -se elles acabassem de entender as suas ditas!....» - -Já vêdes, como podeis esmolar virtudes e satisfação aos desconsolados -das ruas largas e das praças espaçosas. - -Só por isto, já valia bem a pena de que o nosso Parlamento de amigos da -terra promulgasse, muito depressa, a Lei com que eu sonhava, e com que -ainda sonho. - - * * * * * - -......Mas cavae-me bem fundo com o discurso n’esta materia, e vereis¡ -quantos outros bens vos não promette! - -A vossa estrada e os vossos caminhos transversaes estão por fazer; o -vosso rio, a obstruir-se de todo, a comer-vos os campos com areias, e -as vidas com febres. Na vossa capella assovia o vento e côa a chuva; -o seu calix é de estanho; o seu Missal rôto; o seu Crucifixo perdeu o -doirado, e as rosas da corôa da Mãe de Deus, ainda que artificiaes, -estão murchas como as das suas faces. O vosso cemiterio augmenta o -horror á morte, pelo desamparo; lá os vossos parentes não teem sombra -de arvore piedosa, onde a saudade sinta delicias em orar; e os cães e -animaes do monte podem ir pela noite desenterral-os e comel-os. - -Não digais nada a ninguem; mas todas essas lastimas, que vós deplorais -ha tantos annos, hão-de findar, como quer que seja, com a estada dos -ricos entre vós. - -O solo mesmo sente que em vossas casas fallece a prata e o cobre. Ora -deixae-os residir por ahi alguns mezes, e dir-me-heis, e dir-me-ha -o mesmo solo, e ainda mais galhardamente que vós, se das cidades -enriquecidas pela Agricultura não refluiu a final algum oiro para os -campos. - -Os vossos filhinhos carecem de mestres; os da cidade tambem teem -coração, e tambem teem filhos; vereis como vos brindam com escolas. - -Hoje frequentemente vos acontece desejardes n’um repente um bom -conselho, que só a Sciencia pode dar, já para o vosso trato agrario, -já para a vossa industria, já para o vosso commercio, já para a vossa -demanda, ou para o governo da vossa vida. Esses homens da cidade teem -livros; teem certas tinturas geraes, que dá o trato do mundo; teem -amigos e conhecidos, a quem podem escrever e consultar. Até o amor -proprio (quando não fosse já a humanidade) vol-os tornaria serviçaes. - -O vosso domingo só escápa do tédio pelo somno, pela conversação -ociosa, que degenera em maledicencia, ou... pelos praseres grosseiros, -perigosos e funestos, da taberna. As vossas dansas já a vós proprios -vos cançam de monótonas, e os vossos cantares sem pensamento já faziam -bocejar aos bisavós. - -Deixae estar: aquella gente da cidade vos trará (até por seu -interesse), e vos ensinará, recreios que vos encantem. Vereis o que -é um theatro. Amareis e cultivareis a musica. E Deus sabe ¡quantos -talentos, que por entre vós se perdiam, se não hão-de aproveitar! -¡quantas divindades não dareis ainda ás adorações da Capital! ¡quantos -brasões de verdadeiros meritos não grangeará para si o vosso logarejo! - - * * * * * - -Pensae n’isto, pensae n’isto, meus amigos; e (rebente de inveja quem -rebentar, definhe quem quizer, de odio contra a ventura do Povo) -trabalhae, e orae a Deus, para que venhamos a ter aquellas Côrtes que -sabeis. - - Fevereiro de 1849. - - - - - IX - - Terceiro serão do casal - - Indole campestre da Poesia - - SUMMARIO - - A Poesia nasceu nos campos, e para elles propendeu sempre.--Quem foi - Ovidio.--O seu poema dos _Fastos_.--Duas amostras d’este poema.--Festa - das sementeiras entre os Romanos.--Festa do deus Término. - - -Dizia-vos eu, meus camponezes, que todos os poetas de veras eram vossos -amigos; não ha nada mais certo. - -A Poesia nasceu nos campos, e por muito tempo só conheceu esse viver -viçoso e perfumado. Veio a fazer-se dama ambiciosa de mais refinadas -delicias; assentou vivenda nas cidades; fez-se muito sabia, muito -altiva muito malédica, muito contradictoria; ora devota, ora impia, ora -frivola, ora profunda; mas lá os seus campos nunca se lhe desluziram da -lembrança. - -Em nenhuma parte a ouvirieis cantar combates, viagens, descobrimentos, -artes, luxo, amores, ou desejos de melhor vida para alem-mundo, que lhe -não fugisse um olhar de saudade para o seu paraiso de flores. - -A edade de oiro, que é a sua scisma contínua, posta umas vezes no -passado, outras no futuro, a edade de oiro (que Deus sabe se é tão -fabulosa como cuidam, a não ser em relação ao seu titulo), ¿que era -ella se não a Arcádia, o viver campestre, manso e regalado? - -Livros dos mais antigos do mundo, os de Moisés e os de Homero, uns e -outros mananciaes de Poesia, não teem pagina, que nos não espelhe uns -reflexos das bemaventuranças patriarchal e heroica, que são tambem -Arcadia, com leves modificações. - -Passaram os povos antigos, com as suas religiões e usos particulares. -Nos escritos que de então sobreviveram, ¿que é o que mais nos encanta? -Não são por certo as descripções dos seus usos exclusivos, ainda que -para ahi se attrai fortemente a curiosidade; são, sim, os toques -allusivos ao viver rural, porque emfim, ahi é que é o ponto de contacto -de todas as edades, e de todas as civilisações. O campo é que é o -centro de unidade da especie humana. - - * * * * * - -Se tivessemos vagar, muito nos haviamos de entreter relendo em commum, -aqui no vosso casal, alguns dos mais guapos trechos dos poemas de eras -mui diversas, e paizes mui remotos, por onde acabarieis de conhecer -quanto o vosso trato namorou sempre aos bons engenhos. Fôra leitura -para cem annos bem aproveitados. - -Falemos de um só autor, mas, que, pela grandeza do seu talento, vale -centos. - -Nasceu este na Italia, em tempo do poderio Romano, vai em dezanove -seculos, e quando o latim era ainda lingua viva e bizarra. Chamava-se -Publio Ovidio Nasão, e era cavalleiro, ou fidalgo d’aquellas eras. -Vivia na Côrte, bem relacionado com a principal Nobreza, e mui cabido -no paço dos Imperadores. - -Tinha um engenho prodigioso para a Poesia; cultivou o com os estudos -da eloquencia, com o trato dos outros poetas contemporaneos, com as -sciencias, com as viagens á Grecia, que era a França d’aquelles tempos, -e Athenas a sua París. Compôz uma quantidade de obras, que ainda -existem quasi todas; a maior parte amorosas e voluptuarias. - -As mulheres eram para elle o maior bem do mundo; o segundo, as -amenidades da Natureza (ninguem dirá que tivesse mau gosto o nosso -Ovidio). - -Este homem, depois de ter gosado quanto era possivel da vida de Roma, -de repente, e já ao descahir para velho, é desterrado. ¡E que desterro! -¡De Italia, para a Russia! ¡do seio das delicias, para uma povoação -barbara, glacial, sempre em contingencias de guerras! Ali se vê, -longe de sua mulher, de sua filha, de seus amigos, dos campos do seu -nascimento, das damas, e dos applausos. - -A causa do seu desterro é um enigma, que tem desatinado os -historiadores, e a que ainda ninguem rastreou solução provavel. Coisa -de amores (ou seus ou alheios) deveu por certo de andar por ahi. O que -sabemos é que, lá no desterro, lembrando-lhe com muitas saudades tudo -quanto havia perdido, nada lhe doía mais no coração, que o ver-se -privado do seu quintalinho nos arrabaldes de Roma, onde outr’ora a mão -que tão gentis coisas escrevia se deliciava, muita vez, em podar e -enxertar as suas arvores. - ---«¡Coitado de mim!--dizia elle--ainda que eu aqui me quizesse metter a -lavrador, os bois d’esta terra não entendem latim.» - -Em tal e tamanho desamparo, que até á morte lhe durou, só as Musas -o não desampararam. A isso devemos duas deliciosas collecções de -magoadissimas Cartas em verso, á mulher, aos amigos, a Cesar mesmo, -sollicitando vir morrer onde nascêra, e metade de um poema intitulado -_Os Fastos_. - - * * * * * - -Eram os _Fastos_ de Ovidio uma obra em doze Livros, de que só -ficaram os primeiros seis. Tinham por objecto descrever e explicar -as principaes festas religiosas pagans de cada um dos doze mezes; a -origem archeologica de cada uma d’ellas; e a sua coincidencia com as -revoluções astronomicas. - -Eis aqui o como elle prepõe a totalidade do seu plano: - - _Festas do Lacio anno, origens suas - quaes astros vão, quaes veem, dirão meus versos._ - -Esta obra, além de outras suas, traduzi eu; e por signal que offereci -a traducção a um muito particular amigo d’elle, meu, e vosso, que é o -Secretario da nossa Sociedade de Agricultura. - -Ha nos _Fastos_ muitas e mui bellas provas do que eu ha pouco vos -dizia: do amor que o bom do Ovidio tinha á vida campestre. - -Amostrar-vos-hei algumas; e vá, por estreia, o final do seu mez de -Janeiro. - -Canta assim: - - -FESTA DAS SEMENTEIRAS - - Nos Annaes, onde as festas veem marcadas, - festas em vão busquei das sementeiras. - Vendo-me a folhear, cuidoso, assiduo, - e entendendo-me o empenho,--«Em balde as buscas--rindo - a Musa me diz;--«¿festas mudaveis - das fixas no registro achar querias? - Teem marcada estação, e o dia incerto; - celebram-se no praso em que estão prenhes - de sementes os chãos. Gosae do ocio - á farta manjadoira, ó bois coroados; - lá virá logo a activa Primavera, - á cerviz repoisada impondo jugo, - co’a renascente lida afadigar-vos. - No abrigo do casal durma por ora - a cançada charrua; a terra fria - não deseja, não soffre, o ser rasgada.» - - Agora, que jaz finda a sementeira, - lavradores, dae folga ao solo, aos braços; - lustrem colonos sua aldeia em festa, - dêem a seus fogos a annual fogaça. - Tellus e Céres, madres das seáras - já com seus mesmos grãos se propiciem, - já coa’s entranhas da suina fêmea. - D’entre ambas nasce o grão que nos sustenta: - Céres nol-o produz; mantem-n-o a Terra. - - Ó consocias em dádiva tão rica, - deusas, por quem a rude antiguidade - se abrandou, se poliu, deixada a glande - por mais nobre manjar, dae aos colonos, - em premio a seu trabalho e a seus desvelos, - colheita sem medida, e que os sacie. - Dae augmento continuo aos germes tenros, - e que a neve á nascença os não destrua. - Em quanto disparzirmos as sementes, - alimpae-nos o ceo com ventos brandos; - mal que enterrada fôr, mandae-lhe as chuvas; - e, pois são gloria vossa as pingues messes, - que em vagas de oiro, ao longo d’essas veigas, - rumorejam fartura, ¡eia, salvae-as - do avido bico das aladas hostes! - Por ora, que inda a terra o grão recata, - vós, formigas poupae-o; usura grande - havereis d’elle, se aguardais a aceifa. - Livre de tôrpe alforra a messe vingue, - e côr de alma saude o Céu lhe influa; - que nem definhe pallida, nem perca - por excesso de viço e nimia pompa. - Joio, á vista nocivo, os chãos não brotem, - nem tôrpe aveia as sementeiras mescle. - Só se vejam medrar profusamente - as cevadas, o trigo, e a rija escándia, - a escándia, a fogos dois predestinada. - - Lavradores, por vós taes são meus rogos. - Co’os rogos meus os vossos se misturem, - por que uma e outra deusa os ratifiquem. - - Ferina longo tempo a humanidade - só nutriu bellicosos pensamentos. - Mais apreço que a relha a espada tinha, - e em foros de nobreza era anteposto - o corsel que peleja, ao boi que lavra. - Não trabalhava a enxada; ia-se em lanças - dos alviões o ferro; o ensinho em elmos. - ¡Graças, deusas, a vós, a vós, ó Cesares! - o Genio marcial agrilhoado - já sob os pés de Roma em vão se extorce. - O toiro acceite o jugo; o solo, os germes; - Céres, filha da paz, co’a paz triumphe. - - * * * * * - -Ouvi-lhe agora a narração da festa, que em seu tempo se fazia no mez de -Fevereiro, em honra do deus Término, ou Têrmo. - -Este deus não era mais nem menos que um marco, de pedra ou pau, que -extremava os predios. Com rasão lhe davam aquelle culto; nada mais -respeitavel, que a propriedade; nada mais judicioso, que santifical-a. - - -FESTA DO DEUS TÉRMINO - - Finda a noite, alvoreça a costumada - festa do deus que nos comparte os campos. - - Quer tôsca pedra, ó Término, te embleme, - quer tronco informe pela mão de antigos - enterrado no chão, sempre és deidade. - - Para ti donos dois, de oppostas partes, - c’rôa e c’rôa te cingem; bôlo e bôlo - te vem de cá, de lá; como á porfia, - ahi se te engenhou ara campestre. - - Lá nos traz a açodada fazendeira - no seu testo quebrado as áscuas vivas - que apurou do borralho. O bom do velho - racha a lenha miuda, ergue-a em pyramide; - sua a cravar no chão ramos festivos. - Agora em cascas sêccas ceva o fogo, - tendo em pé ao seu lado, em quanto assopra, - o filhinho abraçado a largo cesto. - Tres vezes d’ali tira e lança ao fogo - punhados de aurea Céres. Toma os favos, - que a filha pequenina lhe apresenta - pelo meio cortados. Trazem outros - o vinho; tudo aqui se liba ás chammas. - - Alvitrajada a turba espectadora - religioso silencio attenta observa. - Co’o sangue quente de immolada ovelha - ¡que ufano purpureja o vulto informe - do commum velador, o honrado Término! - e quando, em vez de ovelha, haja leitôa, - não temais que se anoje. O brodio é franco - aos bons visinhos, corações lavados, - que o celebram com fé, que jubilosos - vão tecendo um louvor a cada prato. - Ouvi, ouvi seu rustico descante; - é do deus do festejo o panegyrico: - - ¡Salve, ó Término sacro, ó tu, que extremas - bairros, cidades, reinos! cada campo - fôra sem ti um campo de batalha. - Mantens, desambicioso, insubornavel, - as herdades em paz das Leis á sombra. - Se a terra Thyreátide te houvéra, - não ceifaria a morte heroes seiscentos - de Argos e Esparta no fatal duello; - não se lêra de Othryades o nome - n’um vão tropheo de mentirosas armas, - que inda á Patria infeliz custou mais sangue. - Capitolino Jupiter que diga - que invencivel te achou, quando ao fundar-se-lhe - a área do templo, ao passo que os mais numes - para dar-lhe logar retrocediam, - tu só, qual nol-o conta annosa fama, - ousaste resistir, ficar, ter parte - no templo augusto, e adorações com Jove; - e inda lá, por que nada alfim te ensombre, - sobre ti ao ceo livre é rôta a abobada. - Nume de tão gentil perseverança, - em qualquer a leveza achára venia; - contradicção em ti suicidio fôra. - Mantém pois sempre, ó sacra sentinella, - mantém pois sempre, ó Término, teu posto. - Despréza os rogos do vizinho avaro; - não lhe concedas do terreno um ponto. - ¡Ceder a humanos quem resiste a Jove?! - ¿Vem bater-te enxadão, pulsar-te arado? - proclama a vozes: «Meus confins são estes; - d’além, tu; d’aquem, elle; ambos cohibo, - e em cohibir aos dois aos dois protejo.» - - Uma estrada une Roma aos Laurentinos, - reino que o Teucro prófugo buscára; - lá, dos marcos o sexto em honra tua - vê que lanosa victima se immola. - Término, já que acceitas cultos nossos, - ampara nos; sustenta o nosso Imperio. - De cada povo o espaço é circumscripto; - são de Roma os confins confins do globo. - - * * * * * - -¡Quão grande, meus amigos, não era o Povo em que um Poeta podia dizer -isto, sem medo de que o mundo, nem a posteridade, o desmentisse! - -E nós tambem, nós, os Portuguezes, já houve um tempo, em que pouco -menos fomos. - -Ouvi como o nosso Camões o cantava: - - Mas em tanto que cegos, e sedentos - andais do vosso sangue, ó gente insana, - não faltarão christãos atrevimentos - n’esta pequena Casa Lusitana. - De Africa tem maritimos assentos; - é na Asia mais que todas soberana; - na quarta parte nova os campos ara, - e, se mais mundo houvera, lá chegára. - -¿Hoje...¿ que são aquella Roma, e este Portugal? - -Roma pereceu. Portugal, se não agonisa, enferma gravemente. - -Mas para Roma não ha já esperança; para nós ha ainda uma ¿Sabeis qual? - -Sois vós, vós mesmos, vós unicamente, ó Lavradores. - - Março de 1849. - - - - - X - - Quarto serão do casal - - Continuação do precedente - - SUMMARIO - - Mais Ovidio.--Recommenda a Germanico o Livro IV dos Fastos, por ser - Abril consagrado a Venus, a ascendente da familia _Julia_.--Nobiliario - troiano dos Romanos.--Rasão por que no calendario de Romulo era - Março o primeiro mez, e Abril o segundo.--Uma etymologia grega de - _Abril_.--Outra etymologia latina da mesma palavra.--Abril pertence - de direito a Venus, como principio de toda a attracção e reproducção - das especies.--Venus tirou os homens do estado silvestre, e fez nascer - a Poesia, e todas as bellas, e boas Artes.--Roma, mais que todos os - povos, deve a Venus adorações.--Origem de uma festa annual dos Romanos - a esta deusa. - - -O nosso Ovidio, que já conheceis, é quem ha-de regalar-vos este Serão. - -Ides ouvil-o no introito do seu Livro IV dos _Fastos_, cantar-vos as -origens d’este mez. - -Fala com o Imperador Germanico. - - Abril de 1849. - -N. B DO EDITOR--Seguia-se na 1ᵃ impressão d’esta obra um largo trecho -da traducção dos _Fastos_; mas como esse fragmento pertence por sua -indole a outro genero de estudos, e entraria aqui descabido até certo -ponto, entendeu o editor, para não allongar demasiado o volume com um -accessorio, aliás brilhante, supprimil-o, remettendo o leitor á edição -especial dos _Fastos_. - - - - - DIGRESSÃO - - SOBRE A - - Sociedade dos Amigos das Lettras e Artes em S. Miguel - - - ADVERTENCIA - -Entre o precedente _Serão do Casal_ e o seguinte, falta o do mez de -Maio. O autor estava ausente. - -A 21 de Fevereiro partira para Lisboa, deixando promptos os d’esse -mez e dos dois immediatos, esperando regressar a tempo de não haver -interrupção. Mas os negocios, que tão empenhado o levavam á Côrte, só o -deixaram tornar a 24 de Maio. - -Eram estes negocios a approvação dos Estatutos da Sociedade dos Amigos -das Lettras e Artes em S. Miguel pelo Governo, e a concessão de um -pouco de terreno nacional n’esta Ilha, a cerca do extincto convento -da Conceição, desaproveitada, e as ruinas da contigua egreja de S. -José, para a Sociedade ali edificar á sua custa uma casa para as -suas escolas, sessões, exposições, concertos musicos, representações -scenicas, etc.; tudo objectos de publico e manifesto interesse. - -Fez o autor em ambas estas diligencias tudo quanto era humanamente -possivel; e, apezar da santidade e generosidade de taes requerimentos, -da optima sombra que de toda a parte os cercou desde a primeira hora, -das formaes e reiteradas promessas dos que mais podiam influir no -despacho, o que só logrou trazer foram os Estatutos approvados (ainda -assim com suas restricções desconfiadas, que uma tão desambiciosa -Sociedade por ventura não merecia), e uma esperança, já então muito -vaga, de se obter o terreno; o terreno, condição tão substancial para a -existencia da Sociedade, como a existencia da Sociedade provadamente o -é para o progresso e lustre das Artes, das Lettras, e da sociabilidade -n’esta paragem. - -N’este livro, repositorio de sãos desejos, propostas e ousadias -civilisadoras, entendeu-se não seria mal cabida uma singela memoria -de taes factos, pois quando se lhe pôz por titulo _Felicidade pela -Agricultura_, na palavra _agricultura_ se abrangeram implicitamente, -como até agora se tem visto, e se continuará a ver até ao fim, todos os -outros verdadeiros interesses inseparaveis d’ella, quer os consideremos -activa, quer passivamente; e para os quaes, Deputados e Ministros -amigos da terra não poderiam deixar de olhar com amor principalissimo. - -A mesma razão, que o autor no Prologo deu, de haver colligido n’este -volume alguns dos seus artigos impressos no _Agricultor Michaelense_, -lhe fez força para aqui lhes intercalar os seguintes, que, por andarem -dispersos em periodicos, já hoje estavam sendo como se não existissem. - -O amor-proprio nada fez para o caso. O autor sabe o pouco valor de -forma litteraria, que ha em tudo isto; mas crê, em sua consciencia, -que deixa a seus filhos um bom exemplo, e a outros cidadãos zelosos -indicações uteis. Finalmente: pela publicidade, que muitas vezes -é mãe da opinião, como esta quasi sempre o vem a ser dos factos, -figurou-se-lhe que poderia, perante o Parlamento e o Throno, dar assim -um derradeiro impulso á pretensão pendente. - -_¡Di faciant!_ - -Não quer o autor perder este lanço de agradecer, perante os -contemporaneos e vindoiros, ás pessoas que mais sollicitas se teem -havido em patrocinar o requerimento: - -ao sr. D. Pedro da Costa de Sousa de Macedo, então dignissimo -Governador Civil de Ponta-Delgada; - -aos srs. Redactores do _Açoriano_, e do _Correio_ d’esta mesma cidade; - -ao da _Revista Universal Lisbonense_, e aos de outras folhas de -Portugal, nomeadamente ao do _Diario do Governo_, o sr. Vilhena Barbosa; - -ao sr. Mexia, benemerito Secretario da Camara electiva; - -aos honrados Membros da Commissão de Fazenda da mesma Camara; - -a um grande numero de Senhores Deputados e Dignos Pares; - -ao mui distincto Presidente do Tribunal do Thesoiro; - -ao sabio ex-Ministro da Fazenda, o sr. Franzini; - -ao exemplar de Governadores Civis, o sr. José Silvestre Ribeiro, etc., -etc., etc. - - ......não é premio vil ser conhecido - por um pregão do ninho seu paterno. - - -I - -Carta ao Redactor da Revista Universal Lisbonense - - Ill.ᵐᵒ collega e amicissimo snr. Ribeiro de Sá. - -Lisboa 6 de Março de 1849. - -Se a reconhecida modestia de V. S.ᵃ se oppozesse a que estas poucas -linhas fossem incluidas na sua _Revista_, ficaria eu perante o Publico -insanavelmente condemnado pelo mais vil de todos os ingratos; pois -desde que V. S. se encarregou de tal redacção, com geral e manifesto -proveito, até hoje ainda não perdeu a minima occasião de provar a -sua extremada benevolencia, a sua devoção, o seu (¿ousarei dizel-o?) -fanatismo de amisade para comigo. - -Honrando me, como V. S. o tem feito, V. S. se tem sobretudo -engrandecido a si mesmo. Exemplos de tão alta generosidade em tempos de -egoismo tão profundo; linguagem tão do coração, quando a maledicencia -se tornou moda, e se pavoneia como donaire; fidelidade assim para com -a amisade velha, em terra onde as novas mesmo são apenas respeitadas; -pagar todo o pouco louvor que se deve, ajuntando-lhe com alegria o que -nunca chegará a ser merecido, mas que nem por isso deixará de produzir -mui fecundos estimulos para o bem; e, para remate de singularidade, -fazer tudo isto longamente, e com inalteravel constancia, a um homem -desterrado pela fortuna para além-mar por anno e dia, que vale o mesmo -que dizer, a um morto e enterrado sem cipreste nem epitaphio... eis -aqui o que a V. S. o torna unico em merito, e unico a mim tambem em -felicidade. - -Forcejemos por nos conservar como Deus nos fez: corações sinceros e -amantes, almas impermeaveis ás invejosas malevolencias, que tão boas -coisas estragam por esse mundo. - -O systema, que V. S. tem religiosamente seguido na nossa _Revista_, de -exforçar e coroar todas as boas vontades, de animar e dirigir todos -os principiantes, de restaurar brios a todos os desanimados, em summa -de manter n’essa folha um honrado campo de exercicios, de emulações -sem odio, e de premio para todos sem distincção, é quanto a mim o mais -glorioso, o mais patriotico, e o mais eminentemente moral, de quantos -systemas se podem adoptar em jornalismo. Para almas pequenas teria uma -inconveniencia, que é a de semear ingratidões muito feias e ruins. Mas -¿onde estaria o merecimento do bem-fazer, se todos fossem agradecidos? - -Como experimentado falo: o melhor travesseiro, onde uma cabeça, que -já quer ir branquejando, se pode reclinar para bons somnos, melhores -sonhos, e optimas vigilias, é o bem que se fez sem esperança de -retribuição, e as amarguras passageiras, que maldosamente nos deram a -tragar. - -Continue pois V. S. no seu apostolado, baptisando, confirmando, e -convertendo, principalmente a pobre gente moça e inexperiente, para a -unica verdadeira religião terrestre, a illustração e a moralidade. - -O que havia de empregar comigo, já muito conhecedor, e muitissimo -desencantado, das vaidades litterarias, dê o exclusivamente á geração -nova, que, atravez de tropeços e quedas, vai caminhando para muito -grandes destinos. Quanto a mim, presente de já pouco futuro, e passado -que a fortuna desfloriu e quebrou antes do fruto, cá me ficarei sentado -na pedra immovel do angulo da estrada, seguindo, com os meus votos de -muito amor, esse bando juvenil que marcha para o futuro, por entre o -qual vai por ventura mais de um que me ama, e muitissimos a quem eu amo. - -Dia virá, em que o actual Redactor da _Revista_, depois de os ter -fielmente acompanhado e dirigido, se ha-de tambem, lá a diante, -assentar como eu hoje, e seguil-os só com as saudades. É para então, -meu bom amigo, que o esperam as recompensas interiores, as unicas de -que ninguem nos pode defraudar. Solitario então, como eu hoje, V. S. -conversará, mão por mão, e horas largas, com a sua consciencia; porque -emfim, como diz um excellente Poeta, o bem que fazemos perfuma nos a -alma; sempre d’elle nos lembramos o nosso poucochinho. - -Entretanto, meu caro e honestissimo escriptor, nem então deixará o seu -distincto entendimento de pagar, de algum modo, á Patria e á Humanidade -o que todos lhes devemos. Do escripto, V. S. passará a obras mais -positivas: do desejar e do aconselhar, ao emprehender e ao conseguir; -pois que eu mesmo, sem ter ainda inteiramente despedido a Musa, a quem -devi a pouca fama que me deram; sem ter renunciado o meu logar no -banquete commum dos escriptores conterraneos, já me acho, de feito, e -com todas as veras, empenhado n’estas menos brilhantes, mas não menos -uteis, tarefas do nosso seculo. - -Os meus poemas hoje são as escolas, os methodos melhorados de ensino, a -instrucção e civilisação dos operarios, a esmola da doutrina ás pobres -almas infantis; porque a doutrina é moeda sem a qual esses pobresinhos -nunca chegariam, em tempo algum, a poder mercar felicidade para si, nem -para as suas mulheres, nem para os seus filhos, se Deus lh’os der, nem -para a sua Patria. - -Mas... este campo em que entrava agora é vasto; deixemol-o para outro -dia. Eu lhe contarei, para os seus leitores e nossos amigos, o que -n’este sentido já tenho feito com admiravel fortuna; e o mais, e muito -mais, a que se estendem os nossos projectos, que a Providencia, segundo -espero, ha-de continuar a favorecer. - - De V. S. etc. - A. F. DE CASTILHO - - -II - -Segunda carta ao mesmo - - Meu estimavel Amigo - -Lisboa, 8 de Março de 1849 - -Fiel ao promettido, relatarei summariamente, por não consumir espaço -largo em tão util folha, o que tenho feito e projectado relativo á -Instrucção na nossa formosa Ilha de S. Miguel. - -É aquelle, meu bom Amigo, um torrão bemdito quanto a fertilidade -vegetativa, e não menos pelo que respeita a bons engenhos e mãos -industriosas; mas de tão ruim estrella, e tão desamparado da ventura, -que, podendo ter de tudo copiosamente, de quasi tudo carece ainda. - -Attribuem muitos este desconcerto ao clima, que dizem entibiar, por -sua molleza, a energia do querer; outros, ao modo como a propriedade -lá se acha repartida; outros teem para si que injustiça, desfavor e -esquecimento da Mãe Patria é que produziram, e teem conservado, aquelle -atrazo. Eu por mim não rejeito explicação alguma d’estas, e deploro -que, logo sobre uma das mais ricas joias da Corôa portugueza, assim -houvessem de cahir, para a marear, tres influxos tão maleficos. - -Quanto ao clima, que, por quente e humido, quebranta as vontades, ao -mesmo passo que pucha e encorpa todo o genero de plantas, é mal que não -tem remedio. - -A divisão da terra, e a organisação da propriedade, não nos pertence a -nós reformal-as. - -Resta o desamparo da pobre enjeitada e desterrada no meio do Oceano. A -esse respeito ha certamente muito e muitissimo, que se pode, e que por -mil rasões se deve, fazer. - -Quando bem se adverte em que a Ilha de S. Miguel se alistou na -vanguarda do Exercito libertador, que generosa offereceu haveres e -sangue pelo Codigo e pela Filha de Dom Pedro, e se vê ao presente quasi -toda (ou toda) opposição, é impossivel desconhecer uma força-maior, -que operou tal metamorphose; porque estes Insulanos nem são maus, como -alguns os pintam, nem turbulentos, nem loucos; mas teem, como todos, o -instincto da vida, e o da justiça. - -Defenda-me Deus de fazer ao Throno a injuria de suppôr, quanto mais de -acreditar, como alguns por lá dizem no accesso da sua melancolia, que, -de proposito e a acinte, o Governo os tem querido conservar sempre na -ignorancia e abjecção, pondo-lhes de industria magistrados maléficos ou -nullos, difficultando-lhes a instrucção, expremendo-os, torcendo-os, -exhaurindo-os do seu oiro, e não lhes deixando d’elle com que fazerem -nenhuma das faceis obras publicas de que mais carecem. - -A verdade é, todavia, que, por mal informado sobre as necessidades -d’aquella Provincia longinqua, e por lhe não chegarem cá os seus -clamores, o Governo (posto que sem imputação) tem commettido, deixado -subsistir e crescer, o mal, até o ponto de não faltar por lá, mesmo -no Povo infimo e rudissimo, mesmo na classe mais alta, e nos mais -distinctos entendimentos, quem sonhe com as perigosas utopias de uma -independencia. - -Não digo bem; houve essas utopias; hoje um Governador Civil ás -direitas, como sempre lá e por toda a parte os devêra ter havido, -fez ver áquelle bom Povo que a Soberana, por quem se votou, não é -ingrata; elle lhe promove, até onde pode, as commodidades; lança-lhes -balsamo nas feridas, que flagellos continuos lhes abriram; administra -justiça prompta e inteira; concilia os despeitados; acompanha-os e -precede-os pelo caminho franco do progresso illustrado; é o medico de -todas as dôres, o procurador de todas as minguas para que não basta a -sua autoridade. Graças aos seus exforços, todas as parcialidades vão -a convergir para o grande centro; todas as forças conspiram já para a -luz, para o trabalho, e para a civilisação. - -A _Revista_ é extranha á Politica; tambem eu o sou; mas isto não -é Politica; pelo menos não o é do genero, especie, e variedade, -d’aquellas com que nada queremos; é um paragrapho singelo de Historia, -util por mais de uma via, e que em resultados praticos pode ser -fecundo. Julguei dever aproveitar-me da occasião de confial-o a um -papel sincero e acreditado, não só para exemplo e incentivo, mas tambem -para galardão e desafronta, pois me consta que já linguas mexeriqueiras -andam por ahi no seu costumado officio de desacreditar e empecer ao que -não podem imitar. - -O que nenhuma voz se atreveria a proferir hoje em S. Miguel contra o -chefe administrativo, pois em logar de eccos só provocaria indignação -ou risadas, vem, cobarde e maldosamente, espalhal o aqui, por saberem -que entre as suas calumnias e a verdade está um fosso de 212 leguas de -Oceano. Ora, como os córos de milhares de bençãos, de tão longe, devem -aqui soar menos que as invejinhas presentes, que por todas as abertas -se insinuam, e quanto mais despreziveis mais vão zumbindo, julguei -dever de consciencia levantar por cima d’esse sussurro, pequeno, -anonymo, e ingratissimo, um brado forte e independente. Quem affirma -e sustentará que San Miguel não teve ainda cabeça administrativa mais -zelosa, mais energica, mais intelligente, nem mais bemquista, nem mais -promettedora em tudo e por tudo de uma era nova, que o sr. D. Pedro da -Costa de Sousa de Macedo, quem o affirma e sustentará, é quem assigna, -com todas as lettras de seu proprio nome, esta carta. - -Qualquer dos invejosos ou inimigos d’aquella Ilha, que houver dito o -contrario, que levante a luva e descubra o rosto. Com esta condição, -achar-me-ha na estacada prompto a dar-lhe razão do dito. - -Nem um, meu Amigo, nem um ha-de apparecer; afianço-lh’o eu; e se -apparecer, tanto melhor; justiça e verdade não se acrisolam senão ao -fogo[7]. - -A alguem parecerá que, para ser em materia incontroversa, e alheia, já -tenho deixado correr o preambulo por fóra das medidas; mas não é assim, -pois, por uma parte, a zizania que ás mãos cheias se espalha, e se rega -convenientemente, ainda que de certo não será com chuvas de Danae, -sempre a final damna o bom grão; e quanto a serem-me extranhos estes -interesses, tambem o não são, porque defendendo o sr. Sousa de Macedo, -não advogo simplesmente o interesse publico, não me limito em servir ao -amigo como amigo, e, como escriptor, a um excellente engenho portuguez, -se não que arrazôo pelo meu proprio credito. Sim, os nossos inimigos -são communs; communs as accusações que nos fazem. - -Segundo elles, quando escrevem e imprimem, ambos somos miguelistas; -segundo elles, quando falam, ambos somos republicanos, communistas, -sansimonistas, fourieristas, e não sei que mais. Segundo elles, por -fora, ambos somos flagellos da Cólera Divina. ¿E porquê? porque, lá por -dentro, bem sabem elles tão bem como nós mesmos, tão bem como toda a -Ilha de S. Miguel, que, se temos ambição, é só de contribuirmos cada um -com todos os seus meios, e com os que o outro lhe possa proporcionar, -para a maior felicidade moral e physica do maior numero; para a -educação e instrucção do Povo; para a prosperidade e esplendor da -terra; para o restabelecimento da harmonia entre os visinhos, e entre -os mais apartados dominios do mesmo Reino. - -Os actos magnificos da sua, apenas encetada, carreira publica, -o jornal verdadeiramente cartista de S. Miguel, _A Verdade_, os -tem enthesoirado; o jornal mesmo da opposição n’aquella ilha os -tem recebido com louvor; o Povo, com agradecimento; o Throno, com -satisfação. Quanto a mim, homem obscuro, e quasi sem forças proprias -além da boa-vontade, relevar-se-me-ha que n’um jornal, destinado a -viver como livro, lance como um protesto contra calumniadores, a menção -do pouco bem que desejei, e talvez consegui, fazer em terra portugueza. -Não é por vangloria que me faço Homero da minha Iliada; é porque o -curar do bom-nome é um dever religioso; e apresentar estimulos para que -outros façam mais e melhor, um dever social; e o deixar exemplos de -Patriotismo a filhos, um dever natural, o mais suave e o mais santo de -todos os deveres. - -Entre as lastimas, que em S. Miguel fui descobrir (bem contra o -que de tal Ilha me haviam pintado), as que mais me doeram foram: a -grande mingua de instrucção para o Povo, aliás aptissimo para toda a -especie de boa doutrina; a carencia de estimulos, que de alguma sorte -neutralisassem a perguiça natural; e a pouquissima, e quasi nenhuma, -convivencia dos moradores. - -A todos estes males me pareceu que poderia acudir uma Sociedade, se -jámais se chegasse a organisar, que sinceramente posesse peito a crear -escolas com bons methodos; a accender emulações entre artistas e -artifices; e a pôr no possivel contacto as differentes classes. - -Uma Sociedade de Agricultura, que já ali existia, prestantissima para -o seu grande fim, era comtudo extranha a todos estes, que a mim se me -representavam como de primeira necessidade e urgencia. Coadjuvando pois -os empenhos d’essa Sociedade exemplar, como redactor que tive a honra -de ser, do seu periodico, e com algumas propostas, que ella se dignou -de me acolher benevola[8], comecei a tratar, ao mesmo tempo, com alguns -poucos amigos, de instituir outra, e mais ampla, Sociedade de Lettras e -Artes. - -Nunca jamais a fortuna sorrira tão benigna a projectos meus. Crescemos -de semana para semana, até ao ponto de em minha casa não cabermos, -ser-nos forçoso irmos celebrar no theatro as nossas sessões, e -passarmos hoje de quatro centos, incluindo-se n’esta conta o Prelado, -o Vigario geral, o Governador Civil, o Militar, o commandante da força -armada, o Administrador do Concelho, o Presidente da Camara Municipal, -o Presidente e outros Juizes da Relação, o Juiz de Direito, o Delegado -do Procurador Regio, em summa, tudo que a cidade de Ponta-Delgada -possue de mais alto, de mais illustre, de mais instruido, e de mais -patriotico, sem falar em muitas senhoras respeitabilissimas, que -promptamente se fizeram inscrever para esta cruzada de civilisação. - -A Sociedade acha-se pois por sua parte constituida, e os seus estatutos -já subiram á Real Presença para obterem approvação. Os beneficios -que ella tem produzido, sendo apenas recem-nascida, se não egualam, -nem ás publicas necessidades, nem aos nossos desejos, são já todavia -attendiveis, e promettedores de muito maiores. - -A Exposição da Industria Michaelense, desde o dia de Natal do anno -proximo passado até muito depois dos Reis, foi mais que um espectaculo -imprevisto e maravilhoso: foi um fomento efficacissimo ao trabalho -e natural habilidade dos habitantes. Quatro grandes salas continham -apenas os productos, que ahi se apinharam, offerecidos á admiração de -cerca de vinte mil visitadores, incluindo n’esse numero os repetentes. -Em todos os generos appareceram primores, e muitos em desenho e -pintura, em gravura, em escultura, em flores artificiaes, de seda, de -lan, de cabello, de pennas, de cera, de conchas; bordados, obras de -ourives, de galvanisador, de doirador, de ferreiro, de serralheiro, de -cuteleiro, de carpinteiro, de marceneiro, entalhador e torneiro, de -machinismo, de tecelagem, de fiação de linho, de algodão, e de seda; de -encadernação, etc., etc., etc. - -A Ilha mesma ficou admirada das riquezas industriaes, que possuia sem -o saber. Accenderam-se-lhe novos brios com este documento irrefragavel -de suas forças; e tudo nos faz esperar, que a seguinte exposição não -cederá a esta em esplendor. O que n’este momento as Ilhas Canarias -estão forcejando por conseguir, já existe pois nas dos Açores, graças -ao poder da associação. - -As escolas são outro bem, menos brilhante sim, porém ainda mais sólido -que o precedente. - -As que no gremio da Sociedade se acham já trabalhando, são: - - tres de Leitura; - uma de Doutrina christan; - uma de Arithmetica; - uma de Geometria applicada ás Artes; - uma de Desenho de figura e paizagem; - uma de Poetica e Declamação; - uma de Hygiene; - uma de Francez, para senhoras; - uma de Inglez, para homens; - uma de Geographia; - uma de Encadernação. - - -AULAS ABERTAS, MAS AINDA Á ESPERA DE DISCIPULOS - - uma de Agrimensura; - uma de Desenho topographico; - uma de Dança; - uma de Torno; - uma de Pyrotechnia. - - -AULAS EM PROJECTO - - uma de Economia politica; - uma de Historia; - uma de Gymnastica; - uma de Natação; - uma de Calligraphia; - uma de Musica. - -Das aulas em actividade, as que teem dado mais satisfatorios resultados -são: as de Leitura, a de Arithmetica, a de Geometria, e a de Desenho -de figura e paizagem, que, por ter sido de todas a primeira fundada, e -a que abriu tão nobre exemplo, merece especial menção. É regida pelo -Director do _Lyceu Açoriano_, o snr. Pedro de Alcantara Leite. - -Em realidade, meu bom Amigo, ha já, n’aquelle nascente complexo de -estudos uteis, alguma coisa que para o nosso mesmo Portugal poderia -servir de exemplo. A ordem e a boa policia das classes; o canto -religioso, com que os alumnos se preparam para o trabalho, invocando -a Graça Divina[9]; o amor que manifestam aos seus generosos mestres, -sem prejuiso do respeito e da attenção; o contentamento com que ás -lições assistem; o fruto que tiram dos methodos simplices, racionaes, e -aprasiveis, que ahi se empregam; tudo isto é já muito, e não é senão um -começo; pois somos de hontem, se pode dizer. - -O que os _Amigos das Lettras e Artes_, que já por ahi algum velhaco -semsabor, por ter talvez ouvido falar de phalansterios, acoimou de -_phalansterianos_, o que os _Amigos das Lettras e Artes_, digo, teem já -concorrido para desenvolver o espirito de sociabilidade, nem os mais -pirronicos o poderiam negar. - -O oitavario de Santa Cecilia[10], por elles celebrado, com poesia -e musica, no theatro de S. Sebastião; as tres noites de saráu -artistico, no decurso da Exposição; as proprias sessões ordinarias; -são documentos incontroversos d’esta verdade. Ahi se teem visto, e -se vêem, reunidos, misturados, com a mais irreprehensivel decencia, -com perfeita satisfação mutua, os artifices, os artistas, os nobres, e -os litteratos; o morgado, e o operario que sua e véla para sustentar -os filhos; os magistrados mais consideraveis, as damas das melhores -familias, e o mechanico sem nome, mas não sem virtudes. ¡Feliz -commercio, em que todos lucram! os pequenos, aprendendo, no trato das -pessoas educadas, as maneiras faceis, elegantes, decentes, que lhes -faltavam; os grandes, educando assim indirectamente o povo, com quem -é forçoso viverem, e forrando-se por consequencia, para o futuro, o -dissabor de muita grossaria. - -Se d’estes _phanlasterios_ se pode alguem queixar, não serão senão -os apologistas da taberna, e certas outras casas não menos moraes e -honestas. - -O amor do trabalho tem recebido notavel impulso do complexo de tudo -isto, e de outra causa ainda, que fará rir os nescios, mas que nenhum -espirito dotado de philosophia deixará de entender: falo do _Hymno do -trabalho_[11], brilhante composição musica de um dos Socios, o snr. -Moraes Pereira. - -Este Hymno tornou se de repente o mais popular dos cantos em toda a -superficie da Ilha; as vozes, os instrumentos, o assobio, o repetem -de continuo pelas ruas, pelas salas, pelas officinas, na lavoira, no -theatro, nas escolas, em toda a parte. Áquella constante exhortação - - Trabalhar, meus irmãos, que o trabalho - é riqueza, é virtude, é vigor. - D’entre a orchestra da serra e do malho - brotam vida, cidades, amor. - -tem-se visto muito braço, que desfallecia com a perguiça, reforçar-se -para a tarefa. O malho e a serra mesmos, como que se magnetisam. Se -eu tivesse uma officina de qualquer industria, quereria que os meus -obreiros cantassem, em côro e a miudo, aquelle Hymno. Se a grave -Allemanha me ouvisse isto, não me negaria a rasão. - -Aqui tem, meu bom Amigo, o que é já hoje a incalumniavel _Sociedade dos -Amigos das Lettras e Artes em S. Miguel_. ¿Os seus destinos ulteriores, -quem os calculará? Avivente-a Deus, que teem de ser immensos; ¡tantos, -tamanhos, e tão esperançosos são os bons engenhos, habilidades, e -desejos d’aquelles nossos optimos irmãos insulanos! - -Para assegurar, do possivel modo, força e estabilidade a tal instituto, -em terra tão necessitada, e tão propria d’elle, pareceu-me que devia -a Sociedade radicar-se, e tornar-se independente de inconstancias e -entibiamentos de vontades. Para isto, duas coisas eram, a meu ver, -necessarias: grangear-lhe casa, e dote. - -De um e outro alvitre me riram a principio, como de utopia rematada. -Nem por isso descoroçoei. Puz-me á capa aguardando monção, e não tardou. - -Hoje, nem na Sociedade nem fóra d’ella ha já quem não acredite -firmemente em que de donativos e esmolas, esmolas em dinheiro, em -generos, e em trabalho, havemos de levantar um dote e uma casa á -Sociedade, assim como os Frades erigiram conventos, e para os conventos -grangearam rendas. Os Frades pediam em nome do Ceo, eram acreditados, -obtinham; nós havemos de pedir em nome da humanidade, e do Ceo tambem, -e havemos de obter egualmente, porque o nosso pequeno passado é já, aos -olhos de toda a gente, o fiador do nosso prestimo. - -A casa que meditamos, e que eu já d’aqui antevejo feita em menos de um -anno, é para as nossas escolas, para o nosso theatro de declamação, -para as nossas sessões, para a nossa bibliotheca, para o nosso museu, -para as nossas exposições, para os nossos concertos musicos, para o -nosso basar de productos industriaes, em summa: para toda a especie de -bons serviços publicos. ¿Como poderia o Publico deixar de nos favorecer -na edificação, até lhe pôrmos a ultima telha, o ultimo prego, e o -ultimo vidro? Elle e nós havemos de acarretar, todos, pessoalmente, -a pedra a areia se fôr preciso. Nós por entre elle havemos de ir de -povoação em povoação, de casal em casal, sem vergonha e com alegria, a -pé e de sacco ás costas, mendigando para a obra santa. - -Quando nós e o povo assim estamos determinados a cumprir o nosso dever -¿poderiam o Governo e o Parlamento, que são a providencia grande do -Reino, deixar de nos coadjuvar? Não podiam nem podem. - -É por isso que, a par dos Estatutos para a Real approvação, eu já -fiz subir ao Throno a petição com que, em nome e como presidente da -Sociedade, supplico se nos conceda um pequeno terreno nacional, ha já -annos devoluto, sobre que edifiquemos. Grande, pingue, rendosissimo que -elle fosse, nol-o deveriam outorgar, pois nenhum uso se poderia jámais -d’elle fazer mais proveitoso e abençoavel do que este.[12] - -¡Oxalá que em muitas partes do Reino se levantassem institutos eguaes, -sollicitando e obtendo eguaes ou ainda maiores concessões! - -Para mais facilitar a graça que sollicitamos, e ao mesmo tempo para nos -adstringir mais á observancia dos nossos deveres, eis aqui uma clausula -do requerimento, consignada não menos nos Estatutos: - -Se em algum tempo (o que Deus não permitta) a Sociedade dos Amigos -das Lettras e Artes deixar de existir, isto é, se algum dia deixarem -de apparecer as suas obras beneficas, a sua casa e bens passarão para -o usufruto do Hospital do Districto, e lá ficarão até que, ou com os -mesmos individuos ou com outros, mas com os mesmos estatutos, e para os -mesmos fins, a Sociedade reappareça. - -Meu caro e incançavel obreiro de civilisação, apadrinhe com a grande -autoridade da sua philosophica e eloquente folha, esta petição, a mais -justa, a mais desinteressada, a mais nobre, que em nenhum tempo se fez; -não para que a despachem, que para ahi não cabem duvidas, mas para a -maior brevidade do despacho. - -Cada dia que se perde para as obras de instrucção e moralisação é um -mal, e são males infinitos que se não ressarcem. - - De V. S. etc. - - ANTONIO FELICIANO DE CASTILHO. - - -NOTAS DE RODAPÉ: - -[7] De feito, nem um appareceu; mas os mexericos sollapados -progrediram, e por derradeiro triumpharam. - - Castilho. - - -[8] Acham-se impressas no 2.ᵒ tomo do _Agricultor Michaelense_. - - CASTILHO - - -[9] Este canto no fim da presente carta se pode ver. - -[10] Foi uma esplendida festa. A 2.ᵃ das tres peças de poesia que se -acham depois d’esta carta é o Hymno de Santa Cecilia, que o autor para -esse fim compoz. - -[11] No fim d’esta carta se publica apoz o _Hymno de Santa Cecilia_. - - CASTILHO. - - -[12] Pelo Ministerio do Reino nada foi possivel conseguir-se; rasão por -que, perdidas d’aquella parte as esperanças, se recorreu ao Parlamento, -com a petição que ao diante se lerá. - - CASTILHO. - - - - -II - - INVOCAÇÃO A DEUS - - ANTES DE COMEÇAR O ESTUDO - - Posta em musica, para uso das escolas dos Amigos das Lettras - e Artes em S. Miguel - pelo Snr. Dr. João José da Silva Loureiro - e 2.ᵃ vez em Lisboa pela Snr.ᵃ D. Carolina Smith Rosier - - Tu cujo amor em canticos - celebram sem cessar - o mundo dos espiritos, - o Ceo, a terra, o mar, - - ¡Senhor, acolhe as supplicas - de pobres filhos teus! - ¡Illustra-nos! ¡melhora-nos! - ¡ampara-nos, ó Deus! - - «A luz--disseste--faça-se.» - E a noite em luz se fez. - Dissipe egual prodigio - a sombra em que nos vês. - - Nas trevas da ignorancia - não medra o santo amor. - ¡Illustra-nos! ¡amemo-nos! - ¡Senhor! ¡Senhor! ¡Senhor! - - - - -III - - HYMNO DE SANTA CECILIA - - NA FESTA DA SOCIEDADE DOS AMIGOS DAS LETTRAS - E ARTES EM S. MIGUEL - POSTO EM MUSICA PELA SNR.ᵃ D. LEONOR VIDAL DALHUNTY - - Musa das castas citharas - de ethérea melodia, - Anjo, Mulher, Cecilia, - ¡salve em teu festo dia! - - ¡Da terra aos Ceos elevem-se - nas azas das canções - a ti nossos espiritos - e nossos corações! - - Melhor que o incenso, a musica, - do ideal linguagem bella, - os ineffaveis jubilos - á mente nos revela. - - Dos sentimentos plácidos, - do amor, da paz, do bem, - ella, invisivel mágica, - ella o segredo tem. - - Musa christan, confirma-nos - o ardor que ao bem nos guia. - Auspicioso aos miseros - finde o teu festo dia. - - - - -IV - - HYMNO - - DA SOCIEDADE DOS AMIGOS DAS LETTRAS E ARTES. - EXHORTAÇÃO AO TRABALHO - COM MUSICA DO SNR. JOÃO LUIZ DE MORAES PEREIRA - - VOZ - - No regaço do luxo a opulencia - os cançassos do ocio maldiz. - Entre as lidas sorri a indigencia; - co’o pão negro se julga feliz. - - CÔRO - - Trabalhar, meus irmãos, que o trabalho - é riqueza, é virtude, é vigor. - D’entre a orchestra da serra e do malho - brotam vida, cidades, amor. - - VOZ - - Deus, impondo ao peccado a fadiga, - té na pena sorriu paternal: - só quem vence a perguiça inimiga - reconquista o edén terreal - - CÔRO - - Trabalhar, meus irmãos, etc. - - VOZ - - ¿Quem dá graças aos Ceos ao sol posto? - ¿Quem lh’as dá vendo a aurora raiar? - É o obreiro; o suor lhe enche o rosto, - mas seus dias não turva o pesar. - - CÔRO - - Trabalhar, meus irmãos, etc. - - VOZ - - O que vive na inercia aborrida - não somente é de irmãos roubador; - é suicida, e mais vil que o suicida; - é suicida, a quem falta o valor. - - CÔRO - - Trabalhar, meus irmãos; etc. - - VOZ - - Caia opprobrio no vil ocioso, - que desherda o presente e o porvir. - Só á noite compete o repouso; - só aos mortos o eterno dormir. - - CÔRO - - Trabalhar, meus irmãos, etc. - - VOZ - - Mar e terra, ar e ceo, tudo lida. - Deus a todos poz luz e deu mãos. - Lei suprema o trabalho é na vida. - ¡Trabalhar, trabalhar, meus irmãos! - - CÔRO. - - Trabalhar, meus irmãos, que o trabalho - é riqueza, é virtude, é vigor. - D’entre a orchestra da serra e do malho - brotam vida, cidades, amor. - - - - -V - -Extracto da «Revista Universal Lisbonense» de 26 de Abril de 1849 - -«A hora muito adiantada tivemos noticia do Requerimento, que ao diante -publicamos, dirigido á Camara dos Senhores Deputados pelo Snr. A. F. de -Castilho, como Presidente da Associação dos Amigos das Letras e Artes -estabelecida em S. Miguel. Sobre a importancia e grande urgencia do -assumpto diz o Requerimento quanto basta para que a Camara não demore -uma decisão, que será para ella um padrão de gloria, que não morre. - -«É para louvar o modo honroso, com que o Secretario, o snr. Mexia, -apresentou este Requerimento. Oxalá que tão bom principio seja signal -de breve e favoravel resolução.[13] - -«Em o numero proximo, e na presença de documentos e factos -incontestaveis, faremos por chamar a attenção do Governo, da Camara, e -do Publico, sobre materia de tão alto interesse» - - -NOTAS DE RODAPÉ: - -[13] Adiante se encontra a fala do sr. Mexia. - - CASTILHO. - - - - -VI - -Requerimento á Camara dos Senhores Deputados - - SENHORES: - -Existe hoje nos confins dos estados Portuguezes uma Sociedade, -talvez sem exemplo, que nasceu grande, possante, auspiciosa, e, em -poucos mezes de existencia, apresenta já momentosos, copiosissimos, -e incontestaveis resultados para a illustração e ventura do Publico. -Esta Sociedade é a dos Amigos das lettras e artes em S. Miguel, cujos -Estatutos já em 3 do corrente Abril foram confirmados por S. M. F. - -Quando se vê, Senhores, o que uma tal organisação germinalmente -contém de sciencia de moralidade, de prosperos fados para as gerações -que teem de vir, e já mesmo para esta, é impossivel não a abençoar, -desejando-lhe vida sem limite. Para o fim de a conseguir, ella pôz -no remate dos seus Estatutos, como chave de abóbada, a declaração de -que era immortal, como o sentimento de beneficencia que a produzira; -e, para realisar esse nobre sonho de ambição humanitaria, determinou -fundar para si, isto é: para suas escolas, bibliotheca, museu, -representações scenicas, exposições, etc., uma formosa casa, e uma -dotação sufficiente; com a expressa condição de que, se por algum -imprevisto concurso de circumstancias, a sua benefica existencia -cessasse de se manifestar, dotação e casa passariam _ipso facto_ para -o usufructo do Hospital de Ponta-Delgada, o qual, a todo o tempo que -a mesma Sociedade recomeçasse os seus trabalhos, ficaria obrigado a -fazer-lhe de tudo fiel e promptissima restituição; providencia esta, -que mereceu a approvação de S. M. F., como sem duvida obterá tambem a -vossa. - -A Sociedade não se dissimula, Senhores, que uma casa e uma dotação -assim, tanto não são empreza facil, que á primeira vista devem parecer -um puro sonho de devaneadores philanthropicos. Entretanto não ha já -hoje n’aquella Cidade e Ilha, quem não esteja convencido da mais que -probabilidade da realisação certa de tal _desiderandum_, só pelo meio -dos donativos, esmolas, e serviços gratuitos, tanto dos Socios, como de -extranhos á Sociedade; ¡graças aos milagrosos frutos, que todos teem -visto brotar da nossa Exposição da Industria michaelense, e das nossas -incançaveis Escolas, de ler, de arithmetica e geometria applicada -ás Artes, de Doutrina christan, de desenho de figura e paizagem, de -francez, de inglez, de poetica e declamação, de musica, de hygiene, -etc.. - -A perguiça, doença esporádica em toda a parte, mas ali peste geral -e antiquissima, tem já singularmente diminuido com esta maravilhosa -excitação dada a todas as coisas uteis pela Sociedade dos Amigos das -Lettras e Artes; o Hymno do trabalho canta-se já em toda a superficie -da Ilha, e o seu amor vai-se filtrando do canto para as obras. - -¿Como poderia pois a população deixar de contribuir gostosa com -esmolas, que a final não são dadas senão a ella mesma e a seus filhos? -Com esmolas de cobre se fundaram e dotaram conventos, como palacios de -Monarchas, nos seculos de Fé. ¿N’esta edade de interesses materiaes, -e de illustração, poderia o bom senso fazer menos em favor do nosso -Instituto? - -A Sociedade vem pois, Senhores, á vossa respeitavel presença supplicar -lhe coadjuveis a projectada edificação do seu Solar de Lettras e -Artes, cedendo á mesma Sociedade a pequena cêrca do extincto convento -da Conceição d’aquella Cidade, hoje palacio do Governo Civil, com a -adjacente área e ruinas da egreja de S. José. - -A planta, que, junto com este requerimento se offerece á vossa -consideração, bem claramente mostra não haver excesso no pedido, pois -n’aquelle pouco terreno se teem de erigir salas, escolas, basar, -officinas, e theatro, de que não ha um unico publico, n’uma Cidade de -tanta importancia; devendo ficar ainda sufficiente espaço descoberto -para exercicios gymnasticos, tão conducentes para a boa creação physica. - -O informe que o Ex.ᵐᵒ Governador Civil do Districto de Ponta-Delgada -dirigiu ao Governo sobre esta pretenção, deve necessariamente concordar -com o exposto, e dar a conhecer, por outra parte, ser aquelle um -terreno, que se acha ha annos devoluto. Nunca propriedade nacional -haverá sido mais util, nem mais louvavelmente empregada, do que esta, -que em menos de um anno, a datar da concessão, estará convertida em -um manancial de instrucção, de moralidade, de affecto para com um -Governo, que não perde occasião de felicitar os povos. - - Lisboa 24 de Abril de 1849. - - O Presidente da Sociedade - dos Amigos das Lettras e Artes em S. Miguel - - A. F. DE CASTILHO. - - - - -VII - -Fala do Secretario da Camara Electiva o Snr. João de Sande e Magalhães -Mexia Salema na sessão de 25 de Abril de 1849 fielmente trasladada do -«Diario das Côrtes» - -«Sr. Presidente - -«Desci de proposito d’esse logar da meza, para não declinar a honra, -que ha pouco recebi, de ser incumbido pelo sr. Antonio Feliciano de -Castilho, de apresentar a esta Camara uma representação da Sociedade -dos Amigos das Lettras e Artes de S. Miguel, de que elle é dignissimo -Presidente, em que se pede a concessão da cêrca do extincto convento da -Conceição, para n’ella levantarem o edificio do seu solar de Lettras e -Artes. - -«Ha momentos, que recebi esta representação; de um rapido lançar de -olhos sobre ella, conheci a importancia e urgencia do objecto. Além da -natureza d’este, a Camara sabe avaliar a consideração, que merece uma -corporação scientifica, pedindo auxilio dos Eleitos do Povo; e muito -mais, tendo á sua testa um nome tão conhecido, não só na Litteratura -portugueza, como tambem na Litteratura europêa.» - - N. B--O requerimento foi mandado para a Commissão de Fazenda; de lá - passados poucos dias, ao Ministerio da Fazenda, para informar; d’este - ao Tribunal do Thesoiro, para o ouvir. - - Em todas estas tres estações se deram ao requerente as mais agradaveis - esperanças. - - Eis ahi o que até hoje, que isto se imprime (24 de Novembro de 1849,) - pode na materia historiar. - - A. F. DE C. - - - - -VIII - -Excerpto da «Revista Universal Lisbonense» de 3 de Maio de 1849 - -_Concessão do terreno para as escolas da Sociedade dos Amigos das -Lettras e Artes em S. Miguel_ - - -«O nosso promettido artigo acerca da mui patriotica Sociedade dos -Amigos das Lettras e Artes fica perfeitamente substituido pelo -Memorial, que ao deante publicamos, feito pelo seu digno Presidente o -snr. Castilho. - -«A brevidade que este negocio requer é inquestionavel; é mistér não -deixar esfriar a fé dos poucos mas honrados Portuguezes, que ainda teem -animo para se interessarem pela verdadeira fortuna da Nação. - -«¡Oxalá que tão repetidas instancias influam, não só nas Camaras -Legislativas, mas tambem no Governo, para que se não perca o ensejo de -completar um grande pensamento.» - - -MEMORIAL - - Ill.ᵐᵒˢ Ex.ᵐᵒˢ Snrs. - -Em nome e como Presidente da Sociedade dos Amigos das Lettras e Artes -em S. Miguel, tive a honra de vos dirigir um requerimento, para que -o Governo fosse autorisado a metter a mesma Sociedade de posse de um -pequeno chão nacional, para n’elle se edificarem, á nossa custa, casas -para as nossas escolas, para as nossas sessões, museu, bibliotheca, -basar industrial, theatro, etc.. Esse requerimento foi pela Camara -remettido á sua respectiva Commissão. - -O meu fim, n’este Memorial, Ill.ᵐᵒˢ e Ex.ᵐᵒˢ Snrs. é sollicitar para a -decisão d’este negocio a maior urgencia. - -A Sociedade nasceu, e tem produzido para o Publico beneficios -consideraveis, sem concurso algum da força publica, por effeito -unicamente da sua boa vontade e perseverança, como se prova pelo -Relatorio impresso, que eu ajuntei ao mesmo requerimento. - -Todavia, para que a nossa existencia continue, e o publico michaelense -não seja privado dos frutos de instrucção, que já começa a colher, -e mesmo para que o nosso exemplo de illustrado e desinteressado -patriotismo possa vir a ser imitado n’este Reino, até hoje tão baldio -para a civilisação intellectual, é indispensavel que depois de -approvados, como já o estamos, pelo Governo, se nos faça a requerida -concessão, prompta e incessantemente. O adiamento seria matar-nos a fé, -e conseguintemente mallograr, do modo mais vergonhoso e barbaro, os -bens que podêmos, queremos, e sabemos, produzir, como é demonstrado. - -Eu faria offensa, tanto aos vossos entendimentos, como ao vosso amor -patrio, se, mesmo hypotheticamente, admittisse aqui, para a combater, -a objecção da pobreza. Querer vender, para obter algum conto de réis, -que nos não pode salvar, um chão, que não vendido deve produzir muita -illustração, fôra uma simonia horrorosa, e deploravel, uma torpeza, de -que ninguem seria capaz, ¡quanto mais um Parlamento portuguez! - -Outras considerações ha na petição a que alludo, e que vos foi -presente, as quaes de certo vos decidirão a despachal-a, não só bem, -mas immediatamente. Abstenho-me de as reproduzir, e mesmo de ajuntar -outras muitas, não menos ponderosas, por não vos tomar superfluamente o -tempo, que deveis a tantos outros importantissimos, ainda que não mais -importantes, negocios do Estado. - - Lisboa, 3 de Maio de 1849 - - A. F. DE CASTILHO. - - - - -IX - -Artigo do dia no «Diario do Governo» de 7 de Maio de 1849 - -«Lisboa, 6 de Maio. - -«Um pensamento elevado, patriotico, e civilisador, dotou ha poucos -tempos a Ilha de S. Miguel com uma das mais uteis e illustradas -instituições, que se podem organisar em honra e beneficio da -civilisação_ de qualquer povo. Essa instituição, intitulada Sociedade -dos Amigos das Lettras e Artes em S. Miguel_, deu começo n’esta Ilha -a uma era inteiramente nova para a vida moral e physica dos seus -habitantes. - -«Abrindo as suas portas a todas as classes, admittindo em seu seio -todos os que amam e cultivam as Lettras e Artes, todos os que desejam -vel-as prosperar, todos os que aspiram a iniciar-se nos seus mysterios, -de repente se fez poderosa pela concorrencia de muitas intelligencias, -e de muitos exforços encaminhados e excitados por uma alma energica e -perseverante, que é toda enthusiasmo e devoção pelas Lettras, e que -toda se abraza em verdadeiro e acrisolado amor da Patria. - -«Dentro em pouco esta Associação, composta de alguns centenares de -pessoas, desde a mais alta nobreza, até á mais humilde profissão, -incluindo as principaes Auctoridades da Ilha, e tendo á sua frente o -seu instituidor e incançavel procurador, o snr. Antonio Feliciano de -Castilho, abriu ao Publico aulas, de leitura, de Doutrina christan, -de arithmetica, de geometria applicada ás Artes, de desenho de figura -e paizagem, de poetica e declamação, de hygiene, de francez para -senhoras, de inglez para homens, de geographia, de encadernação, -de agrimensura, de desenho topographico, de dança, de torno, e de -pyrotechnia; e projecta abrir aulas de economia politica, de historia, -de gymnastica, de natação, de calligraphia, e de musica. - -«Algumas d’aquellas aulas, frequentadas por um numero consideravel de -individuos, numero que excedeu toda a expectação, vão dando de si os -melhores resultados. - -«Fazendo nas suas salas uma Exposição da Industria michaelense, -reuniu abundantissima copia de productos, tão variados, e muitos tão -excellentes, que apresentaram um quadro bem esperançoso dos progressos -industriaes d’aquella Ilha[14]; quadro que em breve ali se deverá -repetir; accrescentado e melhorado sem duvida pelo poderoso estimulo e -nobre emulação, que o primeiro deveria produzir no animo de todos os -industriaes. - -«D’est’arte, esta sabia Instituição vai fazendo convergir para um -centro, para um fim de utilidade geral, as ideias e exforços dos -moradores de S. Miguel; e, ao passo que attrai para esta obra de -interesse publico, vai fazendo tolerantes os partidos; vai-lhes unindo -os homens; vai adoçando os costumes, e moralisando o Povo pelas -relações da intima convivencia, pelos apertados laços do interesse -commum. - -«Mas para que o pensamento d’esta Associação se possa desenvolver -como o concebeu seu illustre autor, como o expressam os Estatutos -da Sociedade, já approvados pelo Governo, como o desejam todos os -Socios, e com elles todos os Michaelenses, é necessario um edificio, -com a capacidade e construcção proprias para as diversas escolas, para -as sessões, para uma bibliotheca, para um museu, para um theatro de -declamação, para uma sala de concertos musicos, para as exposições, e -para um basar de productos industriaes. - -«Lembrou-se a Sociedade de o construir á sua custa, e para esse fim -encarregou o seu Presidente, o snr. Antonio Feliciano de Castilho, de -vir pedir ao Governo e ás Côrtes a pequena cerca do extincto convento -da Conceição, e a adjacente área e ruinas da egreja de S. José, para -ali se fundarem os estabelecimentos da Sociedade. - -«O requerimento já foi presente á Camara electiva, e depois remettido á -Commissão competente. Uma e outra, dando a este negocio a importancia -e consideração que elle merece, esperamol-o com confiança, não só o -hão-de resolver favoravelmente, mas com a brevidade que reclama um -objecto de tamanho interesse publico.» - - - - -X - -Carta ao redactor da «Verdade,» semanario michaelense - - Snr. Redactor - -Permitti, que eu tome na vossa folha um pequeno espaço para um acto -de gratidão; dal-o á primeira de todas as virtudes não é perdel-o. -Entendimento superior, vós comprehendeis que os interesses materiaes, -e intellectuaes, que a vossa folha se encarregou de promover, não são -os unicos de que depende a felicidade publica. Tanto, pelo menos, como -esses, contribuem para ella o desempenho dos deveres moraes, e os -affectos nobres. - -Arrojou-me a adversidade (¡se por ventura o era!) para esta Ilha com -tudo que eu mais amava. Cheio de boa fé, e com a minha illimitada -benevolencia, mas sob os mais ruins auspicios, desembarquei n’ella; -vinha precisado de amar, e não vi a quem; de trabalhar, e não achei em -quê. A diante de mim tinha vindo a mentira preparar-me o ruim gazalhado. - -Anoiteceu-se-me, de todo, o coração, e esmoreci; era mais um -desencantamento, depois de tantos; era a ultima folha verde das minhas -esperanças, a cahir. Onde cuidára que viria renascer entre irmãos, para -uns a outros nos amarmos muito, dei com a peor das solidões, que tal é -sempre a que se encontra entre homens, e que falam a nossa lingua. - -Perdôe Deus a quem, sem nenhuma rasão para me querer mal, me calculou, -urdiu, e teceu essa teia de dias perdidos e noites veladas. Por mim lhe -quizera eu tambem perdoar; mas n’esses maleficios tão gratuitos havia -um quinhão, e largo, para entes que eu amava mais que a mim proprio. - -¡E, ainda por cima, se veio ao cabo a extranhar-me que eu não -agradecesse o haver-se especulado com a nossa fome e ignomínia! e -porque arranquei as azas do visco com que se me tinham querido prender, -declararam-me guerra peor que de morte, que assim se pode qualificar a -da calumnia. Emfim, perdôe-lhe Deus, já que em mim a natureza humana -não pode tanto. - -Mas n’um dia de festa para o coração, como este hoje o é para mim, devo -dar de mão a todas essas coisas feias e desconsoladas, ou antes, hei-de -agradecer a quem, por isso mesmo que então me fez curtir tamanhas penas -d’alma, concorreu (ainda que sem o querer) para dar mais realce ás -delicias que hoje desfruto. São os jejuns do coração os que fazem as -Paschoas do amor. - -Passados aquelles primeiros tempos, em que me parecia ter naufragado -para aqui, como para uma praia ou erma ou inimiga, começaram de me -alvorecer dias mais claros. As falsas ideias que de mim se tinham -mandado a diante, foram-se desvanecendo. Conheceu-se, e reconheceu se, -que eu não viera para a terra alheia para genero algum de malevolencia, -quanto mais para a mais perigosa e peor de todas as guerras, a dos -Guelphos e Gibellinos do seculo XIX; que, pelo contrario, toda a -minha precisão era a Poesia e o Amor, corporificados no trabalho, -que illustra e civilisa. Então os amigos começaram, a um e um, a -apparecer-me; e (posso dizel-o, sem que m’o hajam a vaidade) tudo -quanto por ahi havia de melhor em entendimento e vontade, e não era -pouco, se me foi unindo em espirito e trato. Ressuscitei no meu -cemiterio, e vi-o cidade. Na terra do desterro respirei a peito -cheio ares de Patria. Tornei a achar no interior a alma, e n’ella -a esperança, que murcha e não séca. Reaccendi a lampada da minha -fé social; e tal e tanta encontrei, em torno de mim, a boa gente -desejosa, como eu, das coisas do porvir, e da felicitação do mundo -pelo trabalho, que, sem sabermos como, nos vimos de repente Sociedade -poderosa, activa, descrente em impossiveis, e por isso mesmo capaz dos -maiores milagres. Se tal Sociedade os tem feito, muito mundo o sabe já -hoje. Se para o provar não bastassem as obras, os odios dos ruins o -demonstrariam. - -Quando, para sollicitar do Governo a approvação d’esta mesma Sociedade, -e do Parlamento um pouco de chão em que ella deitasse raizes, me -pareceu conveniente ir eu a Lisboa, e fui, não levei unicamente -saudades de mulher e filhos; S. Miguel toda era já familia minha; todos -aqui nos queriamos já muito, porque emfim, chegaramos a conhecer-nos -de parte a parte, desfeitas as preoccupações e aleives, que, tambem de -parte a parte, se haviam arteiramente disseminado. - -Lá, nem o tráfego dos negocios, nem as multiplices occupações do -espirito, nem o brilho de tamanha cidade, nem o affecto que expiram -de si os sitios conhecidos da nossa puericia e adolescencia, nem os -emboras e cortejos da Imprensa obsequiosa, nem mesmo os testemunhos -tão solemnes de apreço, que á porfia me davam todos esses mancebos, -esperanças e já ornamentos da Litteratura e Poesia nacional, nada me -poude entibiar as saudades da minha Ilha, d’este benigno e pacifico -torrão, em que eu fizera mais e melhor que nascer, pois renascêra -n’elle. - -Mais que nenhuma outra coisa, estes tres mezes de ausencia me -descobriram quanto lhe eu queria. - -¡Oh! se de mim dependesse o tão facil melhoramento dos seus destinos! A -voz, e a penna, essas sim que as empreguei eu incessante em lhe advogar -os interesses da fortuna e do credito; em quanto, por ventura ou por -desgraça, filhos seus, deslembrados do solo com quem nascimento e uso -os travaram em parentesco, empregavam a occultas todos os empenhos e -valimentos para lhe empecer (e Deus sabe se em parte o não conseguiam), -era eu, extranho e obscuro, quem, servindo á verdade e á justiça, lhe -pagava, como podia, a minha divida de gratidão. - -Ao regressar, os dias me pareciam não acabar nunca, e os sonhos das -noites me vinham todos povoados de imnumeraveis e cordeaes abraços, de -emboras, perguntas e respostas de bons amigos, de caricias domesticas, -de escolas vicejantes, de salas de industria, da musica do trabalho, de -toda a poesia das esperanças. - -Se metade d’isso, que eu vim gosando embalado pelas ondas, por baixo -da immensidade do Ceo, e não me afastando de uma Patria, senão para me -aproximar a outra, se a metade d’esses sonhos se realisar, S. Miguel -dentro em poucos annos será visitada de toda a parte com admiração e -encantamento, que para tudo, mesmo para a realisação das mais altas -utopias do bem, são a sua terra, os seus haveres, e as almas dos seus -moradores. - -Nem lisonjeio, snr. Redactor, nem cuido que o bem-querer me desvaire. -As provas do futuro que antevejo, já todos as palpâmos no passado, e -sobretudo no presente. - -Apoz dez dias levados no ocio, a sós com a minha alma, n’estas suaves -cogitações, imaginae, snr. Redactor, qual não seria o meu enlevo, -quando, ao aportarmos aqui, pelo sol de uma formosa tarde, que é tambem -esperança, me vi de repente cercado de saudações e festejos, entre os -braços de tudo que mais amo, recebido em verdadeira ovação de amisade, -conduzido pelo braço de minha esposa, entre os meus filhos e os meus -consocios, ao som do Hymno da Industria, ao estrépito de foguetes, por -baixo de flores, e atravez do nosso bom Povo apinhado pelas ruas, até -dentro de minha casa! - -Eis aqui, snr. Redactor, o que eu para desafogo de tantos affectos -accumulados no peito, carecia de escrever. - -¡Agradecer!?....¿Como hei-de eu agradecer o que apenas cabe em -expressão? - -A benevolencia de uma grande cidade, ¿como pode retribuil-a quem, por -uma parte, só possue os bons desejos, e por outra, se sente confundido -e aniquilado com a grandeza mesma do obsequio? - -Sr. Redactor, se eu não tivesse já antes consagrado a esta generosa -terra tudo quanto em mim ha de amor e querer, agora lh’o consagrára -para todo sempre, e ficaria ainda empenhado. - -Snr. Redactor, o dia _25 de Maio de 1849_ foi o mais bello dos meus -quarenta e nove annos. Egual ou superior a este, só poderá alvorecer -para mim, quando eu a vir tão prospera quanto ella o merece, e o pode -ser. - - VOSSO, etc. - ANTONIO FELICIANO DE CASTILHO - - Ponta Delgada 25 de Maio - á meia noite. - - * * * * * - -N. B. Á precedente carta fizeram varias folhas de Portugal a honra de a -reproduzirem, liberalisando por esta occasião ao autor testemunhos de -benevolencia, que para toda a vida o empenharam em agradecimento. - -¡É tão suave para um homem o sentir-se amado! ¡e amado por espiritos -distinctos! ¡e amado, até ao ponto de lhe supporem mais de virtudes e -meritos do que em realidade possue, e ha-de nunca possuir! - -Ainda a risco de ser havido por vaidoso, o autor succumbe á tentação de -apresentar aqui a seus leitores, isto é, a muitos outros amígos seus, -uma das mais floridas e ricas mostras de tão parcial e enternecedora -benevolencia; é o preambulo que á predita carta pôz _O Pharol_, folha -verdadeiramente notavel por sua litteraria elegancia, pelo fogo e -independencia de seus juizos, pela sua aspiração forte e constante para -o Bello. - -A proverbial severidade das criticas do _Pharol_ faz ainda sobre-sahir -para a gratidão o preço do que se vai ler. ¡Quantas feridas e penas -d’alma se não suavisam e curam com o balsamo de expressões taes! - - - - -XI - -Artigo extrahido do numero 10 do «Pharol» periodico de Lisboa - -_O Senhor Antonio Feliciano de Castilho e os Michaelenses_ - -«Todos sabem que o sr. Castilho tem titulos valiosos á admiração e -ao respeito da Patria, que elle tem sempre honrado e servido com a -sua dedicação e com o seu genio. Vivos andam na memoria de todos, -os nobres exforços que elle tentou, para rehabilitar as Lettras -portuguezas, e trazer a formosa lingua nacional á competencia com os -mais ricos, flexiveis, elegantes, e expressivos idiomas do mundo. -Sabidos e decorados, se multiplicam, mais pela voz que pela imprensa os -harmoniosos trechos do poeta mais sonoro, mais sabedor, mais correcto, -se não o mais inspirado dos poetas nacionaes contemporaneos. - -«Como os grandes genios, o sr. Castilho tem purificado a sua alma pelas -amargas provações da adversidade. Como todos os grandes talentos, tem -visto os invejosos e mesquinhos urdirem-lhe no silencio as insidias, -com que a mediocridade se desforça do talento. - -«A sua corôa de poeta não se tem afeminado com as complacencias de -uma vida descuidosa e opulenta. Não é o poeta funccionario, com -avultadas pensões para entoar cantos cortesãos e mentidos. Não é o -poeta-agitador, fazendo servir as inspirações do estro á apotheóse dos -corrilhos de facção. Não é o poeta-aristocrata, dedilhando a lyra por -elegancia, e entoando os dithyrambos da indifferença e da sociedade. -É o poeta-poeta; é o homem que canta, porque nasceu para cantar; que -ama o Povo, porque o Povo é grande; que o não adula porque não espera -d’elle recompensas faustosas. É o homem que respondeu ao ostracismo, -com que lhe celebraram a reputação, indo contar aos Michaelenses, que o -acolheram, não os queixumes amargos do ressentimento, mas as maravilhas -da nova civilisação; que levantou ali um brado generoso de melhoramento -physico e moral; que falou áquelle Povo dócil e industrioso a linguagem -florida e eloquente da Poesia, para lhe apontar as novas sendas do -Progresso; e que teve a gloria de crear mais prosélytos com os seus -hymnos de paz, com as suas homilias ferventes, do que muitos estadistas -com as suas portarias severamente formuladas, com os seus orçamentos -capciosos e inextricaveis. - -«Póde-se dizer que o snr. Castilho realisa em S. Miguel o mytho de -Amphion, alevantando os muros de Tebas ao som mavioso e brando da sua -lyra melodiosa. - -«O sr. Castilho é o novo thaumaturgo do Progresso. Á sua voz a -civilisação marcha impetuosa, e inaugura-se na humilde possessão de -Portugal. A Industria exalta se, a Agricultura acorda. As Artes, em -convivencia fraternal, auxiliam-se mutuamente. A Instrucção derrama-se -gratuitamente pelas classes menos favorecidas da população. Os costumes -como que se humanisam, deixadas as tristes controversias da lucta -politica; e os habitantes da Ilha afortunada celebram com ineffavel -júbilo e extremada sinceridade o poeta, que foge da metrópole para -viver com elles, trabalhar pela commum prosperidade, illustral-os pela -sua doutrina, e animal-os com o seu infatigavel exemplo. - -«É para satisfazer á divida de reconhecimento que o snr. Castilho -contrahiu para com os bondosos michaelenses, que, ao pisar de -novo aquellas praias abençoadas, elle publicou a carta que abaixo -transcrevemos, modelo de devoção civica, de affectuosa eloquencia, e de -simpleza de coração. - -¡«Quantos tribunos ephémeros, quantos dictadores ciosos, que se dizem -alevantados pelo suffragio do Povo, folgariam de poder escrever estas -linhas de congratulação, com a mão na consciencia, com o assentimento -voluntario de uma população inteira, que repete n’um côro numeroso o -refrão do bello Hymno da Industria michaelense: - - Trabalhar, meus irmãos, que o trabalho, - é riqueza, é virtude, é vigor. - D’entre a orchestra da serra e do malho, - brotam vida, cidades, amor. - - -NOTAS DE RODAPÉ: - -[14] Na Secretaria do Reino deve existir a magnifica relação, que -d’isso dirigiu ao Governo o sr. D. Pedro da Costa de Sousa de Macedo, -então Governador Civil do Districto. N’esse papel pedia o mesmo snr. -que o autorisasse o Throno a deduzir do cofre central uma pequena -quantia para premios industriaes, além dos que elle do seu bolsinho -particular tencionava offerecer para a seguinte Exposição. - - CASTILHO. - - - FIM DO PRIMEIRO VOLUME - - - - - NOTAS - - Retrato de Castilho - - -Ha coincidencias notaveis; é conveniente não as desaproveitar; parecem -arabescos na sobrehumana calligraphia da Providencia. - -O retrato com que se adorna este volume, é reproducção em photogravura, -pelo talentoso artista o sr. Thomaz Bordallo Pinheiro, de um pequenino -esboceto pintado por seu excellente pae, o notavel sr. Manuel Maria -Bordallo Pinheiro. ¿Quem diria ao pintor, que, cincoenta e quatro annos -andados, um filho, ainda então por nascer, havia de reproduzir a sua -obra? - -O esboceto foi pintado do natural, na casa onde o artista habitava, -rua da Fé, palacete á direita subindo, em alguma visita que lhe fez -Castilho na demora de quasi tres mezes que passou em Lisboa (27 de -Fevereiro a 15 de Maio de 1849), achando-se então de residencia na Ilha -de S. Miguel. Appareceu no espolio do eximio artista, e foi offerecido -a um filho de Castilho. - -Vê-se que estava apenas em principio; mas é, ainda assim, documento -precioso, já pela semelhança, que ia bem encaminhada, já pela intenção -affectuosa que motivou tal trabalho. - -O velho Bordallo Pinheiro foi muito admirador e amigo do Poeta, e este -ufanava-se de lhe retribuir eguaes sentimentos. - - -Pag. 12, lin. 3 e seg. =Polemicas=. - -Houve, com effeito, folicularios mal ensinados, que pretenderam -inculcar ser Castilho um revolucionario perigoso, uma especie de -demagógo subvertedor de usos antigos e arraigadas crenças; isso deu -aso a guerras crueis, cuja memoria não desejamos evocar aqui, mas que -muito amarguraram o sincero Poeta. Quem ler com attenção este livro, -verá quanto eram infundadas taes accusações. O livro é innovador, e não -desordeiro; amante, e nunca hostil. Lamenta o que vê, deseja o bem, -e procura remedio aos males que nos affligem. Interpretar as utopias -theoricas pelo lado demolidor, é não as entender. - - -Pag. 27, lin. 7 e 12. =Gessner=. - -São tristissimas as vicissitudes da reputação dos poetas. Ha nomes, -que, depois de encherem o mundo, esquecem miseravelmente á propria -phalange dos homens de Lettras. - -Salomão Gessner, que no seu tempo foi um luminar, tanto pela belleza -da forma dos seus livros, como pela sua moral, de poucos Allemães é -hoje lido e conhecido a fundo. Castilho, que desde a meninice o leu, o -tratou, o venerou, e até alguns dos seus idyllios traduziu, e imitou -outro, conservou sempre ao virtuoso cantor suisso um verdadeiro culto. - -Para os que hoje entre nós ignoram quem foi Gessner, duas palavras -biographicas: - - Nasceu em Zurich em 1730. Homem bom, quanto se pode ser, benefico, - optimo marido, optimo cidadão começou por typographo; o trato intimo - com as _lettras_ elevou-o ao conhecimento das _Lettras_; graças á - sua applicação e perseverança, tornou-se Gessner um verdadeiro filho - dilecto do Publico: já pela graça e singeleza dos seus idyllios, já - pela moral pura e santa que todos elles respiram. Em toda a parte onde - appareceu recebeu provas de apreço, até das testas coroadas. Falleceu - em Zurich a 2 de Março de 1787. - -A celebre Madame de Genlis conta da seguinte maneira uma sua visita ao -poeta suisso: - - «Tinha-me Gessner convidado para o ir ver á sua casa de campo; e eu - estava curiosissima de conhecer a mulher com quem elle casára por - amor, e que o soube inspirar. Imaginava-a uma especie de pastorinha - encantadora, e phantasiava a habitação de Gessner como uma choupana - elegante, circumdada de vergeis e flores; ali, segundo eu pensava, - só se bebia leite, e se pisavam pétalas de rosas Chego, atravesso - um resumido quintal, cheio de cenoiras e couves; isto, confesso, - começou a perturbar seu tanto os meus devaneios bucolicos e idyllicos. - Entrei na sala, e ¿que vejo? No meio de uma fumaceira densa de - tabaco, avisto Gessner a fumar cachimbo, e a beber cerveja; ao lado - d’elle sentava-se a mulher, com a sua grande touca, e a fazer meia. - O acolhimento de ambos, a doce união d’aquellas almas, o seu affecto - para com os filhinhos, a singeleza de tal quadro, tudo isso me pintou - ao vivo os singelos costumes pastoris que o poeta costumava cantar. - Assisti pois a um idyllio, presenceei a edade de oiro, não em poesia - brilhante, mas sob o seu aspecto vulgar e desataviado.» - - -Pag. 27, lin. 8 e 12. =Klopstock=. - -Klopstock (Pedro Gottlieb) autor do poema epico _Messiada_, nasceu -em Quedlinburg(?) a 2 de Julho de 1724. Cursou as melhores escolas -superiores da Allemanha, concluindo na Universidade de Leyde o curso -theologico. Desposou uma notavel e talentosa mulher, Meta Moller, -fallecida em 1758. Foi muito protegido por el-Rei Frederico V, de -Dinamarca. Os merecimentos d’este poeta como linguista e estylista são -muito apreciados dos entendedores. Castilho elogiava com enthusiasmo -a _Messiada_. Este denominado _Pindaro_ da Allemanha falleceu a 13 de -Março de 1803. - - -Pag. 29, lin. 28 =Zimmermann=. - -Allude Castilho ao celebre livro _Da Solidão_, por Zimmermann; obra de -pensador, evangelho para solitarios, consolação para tristes; livro -bom e optimo, que é lastima se não reproduza entre nós em traducção. -Castilho prezava muito esta obra, lia-a, relia-a, e fazia-a estudar aos -filhos. - - -Pag. 36, lin. 34 e seguintes até ao meio da pag. 37. - -Esse admiravel periodo que principia: _N’uma palavra: um observador -attento_, é de eloquencia rara. Diz um critico entendedor o seguinte: -Este trecho só um cego o podia escrever; ha ahi uma observação muda, -uma attenção intelligente, que só o sexto sentido que possuem os -cegos de talento sabia expressar. Percebe-se a contenção do ouvido do -corpo, e ainda mais a do ouvido da alma. É uma esplendida manifestação -de forma e de pensamento; é a linguagem do silencio das noites; é a -intuição das trevas. - - -Pag. 47, lin. 14. =Diario do Governo= - -Refere-se Castilho ao _Diario_ como propagandista nato de sans -doutrinas. É preciso notar que até certo prazo a folha official teve -entre nós uma feição litteraria, e não se limitava a simples registo -impresso da chancellaria governamental. Era superintendida por um -redactor, _persona grata_ ao Ministerio reinante, sujeito illustrado -e habil; publicava noticias estrangeiras, artigos de litteratura, -polemicas serias, etc. Por isso o nosso poeta dizia que o _Diario_ -devia e podia entrar na propaganda de theorias civilisadoras, mais e -melhor que outras folhas. - - -Pag. 63, lin. 4, =Ayres de Sá=. - -Ayres de Sá Nogueira, irmão do celebre Bernardo de Sá, Visconde de -Sá da Bandeira, e depois Marquez, e de outros não menos prestadios -cidadãos, figurou em Portugal como um dos maiores fautores da -Agricultura e das industrias nacionaes. Como Vereador, como Deputado, -como particular, empenhou-se toda a vida nos progressos publicos. Foi -uma geração notavel esta familia de homens bons, valentes, dedicados, -honestos, impetuosos para o bem. Castilho, amigo particular de todos -elles, apreciava-os no muito que valiam. - - -Pag. 91, =O Clero e as mulheres=. - -Se jamais houve doutrina bem orthodoxa, e philosophica, e social, é -esta sobre o provimento dos Bispados e das Parochias, que eu expuz -e provei, mais pelo gosto de expôr e provar verdades, do que por me -persuadir que por ellas se havia de fazer obra. Em tal campo suppunha -eu impossivel achar adversarios; esquecia-me dos guerrilheiros. - -Um periodico de S. Miguel chamado _O Cartista_, pôz-me ... supponho -que por impio. Um periodico de Lisboa (cuido que se chamava aquillo -_A União_) disse ao publico, sêcca e esparvoadamente, em ar de quem -lhe denunciava uma coisa medonha, que eu viera a S. Miguel pôr-me á -frente de valentões, para pugnarmos pela eleição popular dos Bispos. -Claro está que não respondi, nem pessoa alguma respondeu, á _União_ de -Lisboa, nem ao _Cartista_ de S. Miguel. - -No Clero, consta-me que não faltaram contra mim murmurações; todavia, -não chegaram á suppuração da Imprensa. Com essas devia eu contar, e -contava. Se não houvesse clerigos indoutos e ruins, para honrarem com -o seu odio a minha proposta, tambem esta, por falta de materia prima, -teria deixado de existir. - -Pelo que respeita á emancipação politica das mulheres, não só nenhum -homem me fez ecco, se não que todas quantas senhoras ouviram o alvitre, -fizeram côro contra elle. Esta sua opposição, parecendo provar muito -e muito em desabono da minha these, provou muitissimo a favor d’ella; -recusam o seu quinhão de liberdade, porque a não apreciam; e não a -apreciam, porque ainda a não provaram. O que muito sensatamente se -pode portanto jurar contra a innovação, é que veio antes do seu tempo -proprio, mil annos; quando menos, bons quinhentos. - -Não importa. O que é chymera, algum dia será realidade, como infinitas -realidades de hoje algum dia hão-de ser chymeras. - -O tempo é um grande Homero, que inventa de continuo; e o Mundo um poema -de metamorphoses. O que ás vezes faz com que os poetas terrestres -pareçam doidos a quem os ouve, é que no meio dos primeiros cantos -antecipam a leitura de algumas estancias pertencentes a cantos -ulteriores. - - -Pag. 125, lin. 20. =Assis Rodrigues= - -Refere-se Castilho ao bom e perito artista Francisco de Assis -Rodrigues, Professor e por fim Director da Academia Real das Bellas -Artes de Lisboa. Foi discipulo de seu pae, o esculptor Faustino José -Rodrigues, amigo e alumno do grande Joaquim Machado de Castro. As -relações entre Castilho e Assis Rodrigues começaram na infancia, e -conservaram-se sempre cordeaes. Em 1836 o estatuario fez o busto do -Poeta. - - -Pag. 138, lin. 16. =Os Fastos de Ovidio=. - -Projectou Castilho, segundo se vê, dedicar a sua traducção dos _Fastos_ -a José do Canto; mas como entre esta data e a publicação da dita versão -elle lhe dedicou outras composições, não realisou o que tencionava em -1849. - - - - - Obras completas de A. F. de Castilho - - - 3--=Cartas de Ecco e Narcizo=, verso. - - 4-5--=Felicidade pela agricultura=, 2 vols. - - 6-7--=A primavera=, verso, 2 vols. - - 8 a 15--=Vivos e mortos=, spreciações morais, literarias e artisticas, - 8 vols. - - 19-20--=O presbyterio da montanha=, prosa, 2 vols. - - 21-22--=O outomno=, verso, 2 vols. - - 27-28--=Novas escavações poeticas=, verso, 2 vols. - - 29 a 32--=Theatro=, Camões, drama e notas, 4 vols. - - 33--=Theatro=, Canáce, tragedia original. - - 34--=Theatro=, Um anjo da pela do diabo--O casamento de oiro, comedias. - - 35--=Theatro=, Aristodemo, tragedia. A volta inesperada, farça. - - 36--=Theatro=, A festa do amor filial. A filha para casar, comedias. - - 37-38--=Palestras religiosas e consolações=, prosa e verso, 2 vols. - - 39 a 45--=Casos do meu tempo=, prosa. 7 vols. - - 46--=Estrelas poeticas para o ano de 1853=, verso. - - 47 a 50--=Télas literarias=, prosa, 4 vols. - - 51--=Os ciumes do bardo=, As flores, e a confissão de Amelia, verso. - - 52-53--=Mil e um misterios=, romance dos romances, 2 vols. - - 54--=A noite do castelo=, poema. - - 55--=Tributo portuguez á memoria do Libertador=, prosa. - - 58 a 60--=Novas télas literarias=, prosa e verso, 3 vols. - - 61 a 63--=Methodo Portuguez de Leitura.= Directorio do mesmo, 3 vols. - - 64-65--=Castilho pintado por êle proprio.= As escolas dos asilos de - Infancia desvalida, 2 vols. - - 66--=Felicidade pela instrução.= - - 67--=Ajuste de contas.= - - 68--=Noções rudimentares para uso das escolas=, 2 vols. - - 70 e 72--=Resposta aos novissimos impugnadores do Methodo portuguez=, - 3 vols. - - 73 a 75--=Tratado de Mnemónica=, 3 vols. - - 76--=Ou eu ou eles=, e Tosquia de um camelo. - - 77 a 80--=Cartas=, 4 vols. - - IMP. LUCAS & C.ᵃ -- RUA DIARIO DE NOTICIAS 61 -- LISBOA - -*** END OF THE PROJECT GUTENBERG EBOOK FELICIDADE PELA AGRICULTURA -(VOL. I) *** - -Updated editions will replace the previous one--the old editions will -be renamed. - -Creating the works from print editions not protected by U.S. copyright -law means that no one owns a United States copyright in these works, -so the Foundation (and you!) can copy and distribute it in the -United States without permission and without paying copyright -royalties. Special rules, set forth in the General Terms of Use part -of this license, apply to copying and distributing Project -Gutenberg-tm electronic works to protect the PROJECT GUTENBERG-tm -concept and trademark. Project Gutenberg is a registered trademark, -and may not be used if you charge for an eBook, except by following -the terms of the trademark license, including paying royalties for use -of the Project Gutenberg trademark. 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Hart was the originator of the Project -Gutenberg-tm concept of a library of electronic works that could be -freely shared with anyone. For forty years, he produced and -distributed Project Gutenberg-tm eBooks with only a loose network of -volunteer support. - -Project Gutenberg-tm eBooks are often created from several printed -editions, all of which are confirmed as not protected by copyright in -the U.S. unless a copyright notice is included. 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You may copy it, give it away or re-use it under the terms -of the Project Gutenberg License included with this eBook or online -at <a href="https://www.gutenberg.org">www.gutenberg.org</a>. 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I)</span> ***</div> - - - -<p class="center big">OBRAS COMPLETAS<br />DE<br /> -A. F. DE CASTILHO</p> - -<p class="center big">—4—</p> - -<h1>Felicidade<br />pela Agricultura</h1> - -<p class="center p2"><span class="figcenter" id="cover"> -<img src="images/cover.jpg" class="w50" alt="Felicidade pela Agricultura" /> -</span></p> - -<p class="center p4">LIVRARIA BARATEIRA<br /> -LISBOA<br /> -<span class="small"><span class="smcap">34-RUA do DUQUE-36.</span><br /> -Tel. T. 1264</span><br /> -</p> - - - - -<hr class="chap x-ebookmaker-drop" /> - -<div class="chapter"> -<p class="center"> -<span class="big">OBRAS COMPLETAS</span><br /> -<span class="small">DE</span><br /> -<span class="big">ANTONIO FELICIANO DE CASTILHO</span></p> -<hr class="r5" /> -<p class="center"> -<span class="big">VOLUME 4.ᵒ</span><br /> -</p> - -</div> -<hr class="chap x-ebookmaker-drop" /> - -<div class="chapter"> -<h2 class="nobreak" id="VOLUMES_PUBLICADOS">VOLUMES PUBLICADOS:</h2> -</div> - - -<p class="ml p0"> -I—<span class="smcap">Amor e melancolia.</span><br /> -II—<span class="smcap">A chave do enigma.</span><br /> -III—<span class="smcap">Cartas de Ecco E Narciso.</span><br /> -IV—<span class="smcap">Felicidade pela agricultura</span> (1.ᵒ vol.)<br /> -<p class="center">NO PRÉLO:</p> - -<p class="ml p0">V—<span class="smcap">Felicidade pela agricultura</span> (2.ᵒ vol.) -</p> - - - -<hr class="chap x-ebookmaker-drop" /> - -<div class="chapter"> - -<p class="center"><span class="big">OBRAS COMPLETAS DE A. F. DE CASTILHO</span><br /> -<span class="small">Revistas, annotadas, e prefaciadas por um de seus filhos</span></p> -<hr class="r5" /> -<p class="center">IV</p> -<hr class="r5" /> -<p class="center xbig">FELICIDADE<br />PELA AGRICULTURA</p> -<hr class="r5" /> -<p class="center big">SEGUNDA EDIÇÃO</p> -<hr class="r5" /> -<p class="center">VOLUME I</p> -<p class="center p4"><span class="figcenter" id="img001"> -<img src="images/001.jpg" class="w10" alt="Imagen da editora" /> -</span></p> -<p class="center p4"> -LISBOA<br /> -<span class="smcap">Empreza da Historia de Portugal</span><br /> -<span class="small"><i>Sociedade editora</i></span><br /> -</p><p class="center"> -LIVRARIA MODERNA<br /> -<i>R. Augusta 95</i><br /> -<br /> -TYPOGRAPHIA<br /> -<i>45, Rotins, 47</i><br /> -<br /> -<span class="big">1903</span><br /> -</p></div> -<hr class="chap x-ebookmaker-drop" /> - -<div class="chapter"> -<p><span class="pagenum" id="Page_5">[Pg 5]</span></p> - -<h2 class="nobreak" id="ADVERTENCIA_DOS_EDITORES">ADVERTENCIA DOS EDITORES</h2> -</div> -<hr class="r5" /> - -<p>Pelos bons julgadores foi sempre considerada esta <i>Felicidade pela -Agricultura</i> uma das obras mais cheias de estro e pujança, que -sahiram do cerebro de Castilho.</p> - -<p>João de Andrade Corvo costumava dizer:</p> - -<p>—Em qualquer pagina que eu o abra, tem sempre este livro o condão de -me entreter, e fazer-me pensar longamente.</p> - -<p>Livro que faz meditar um homem da valia de Andrade Corvo, é bom.</p> - -<p>Escreveu Castilho tudo isto aos poucos, entre outras variadas tarefas, -para um periodico, que redigia em Ponta-Delgada: <i>O Agricultor -Michaelense</i>.</p> - -<p>Na solidão do seu viver, então muito incerto e cheio de saudades, -entre um rancho de cinco filhos pequeninos a pedirem-lhe instrucção -e educação, no meio de um povo amigo predisposto para o bem, e com a -visinhança do mar, que tanto influe a pensamentos sérios, acordaram no -antigo ermitão do Caramulo, no ex-redactor da <i>Revista Universal</i>, -os pensamentos rasgadamente humanitarios, que o desvelaram e absorveram -no resto da vida. Orientou-se, sem o suspeitar, no sentido pratico do -bem; e toda a sua alma de homem bom e de poeta vibrou em anhelos de -felicitação publica. Esses<span class="pagenum" id="Page_6">[Pg 6]</span> anhelos tomaram forma litteraria, e deram a -presente série de artigos, dictados desde Janeiro de 1848 até Dezembro -de 1849.</p> - -<p>Via então Castilho a regeneração da Patria, d’esta Patria que elle -tanto amou, consubstanciada n’uma ideia unica: o desenvolvimento da -Agricultura, e da Instrucção popular. ¿Enganar-se-hia?</p> - -<p>A campanha que nos annos proximos havia de sustentar, com a penna, com -a palavra, com o amor, com a ira, e com annos de existencia, começou, a -bem dizer, aqui. Este opusculo marca uma epoca da vida de Castilho.</p> - -<p>Com os seus alti-baixos de forma, com a sua exuberancia opulenta, com -as suas loucuras sérias tão sublimes, com o seu desalinho familiar, -que por si mesmo consegue impôr-se, são estas paginas o acordado sonho -de um vidente, que adianta tres seculos á sua era. As utopias do autor -encapellam-se, como antecipação grandiosa e gloriosa, que lhe retrata a -indole.</p> - -<p>¿São lembranças irrealisaveis algumas para desde já? sel-o hão; mas -dos devaneios e aspirações dos homens de alma tem a Humanidade lucrado -sementes de muitos bens. Lançadas á terra intellectual, veem a final a -germinar, e a desatar-se em flores e frutos.</p> - -<p>Deixar devanear estes grandes sonhadores, cuja região se libra a -meio-caminho entre o presente e o futuro, entre o real e o ideal, entre -a terra e o ceo. Escutemol-os, que para algures, não sonhado de nós -outros, nos levam estas sereias do bem:</p> - -<p><span class="pagenum" id="Page_7">[Pg 7]</span></p> - -<p>Preciosas revelações auto-biographica: se nos deparam no livro a cada -passo, aproveitadas já, e detidamente explicadas (quanto o podem ser) -nas suas <i>Memorias</i>.</p> - -<p>Pobre e desajudado, pugnou, quanto soube e poude, em favor de uma -ideia, que o alimentou e o aniquilou: a civilisação da sua terra.</p> - -<p>É um livro singular este, que se não pode ler sem respeito e commoção. -O pensador transparece no poeta. O lyrico devaneador completa-se no -philosopho. O patriota realça-se pelo christão.</p> - -<p>Exhala-se de cada paragrapho um vago perfume campestre, que é -verdadeira delicia: a mente do escritor foge, sempre que pode, para -as solidões das hortas e dos casaes; as metaphoras são tomadas quasi -sempre ao viver rural; a linguagem, portugueza de lei, sabe ao bom -falar dos montanheiros.</p> - -<p>Se elle tivesse refundido a obra, deixal-a-hia de certo mais perfeita; -mais sincera não a podia deixar. ¿E que melhor prenda do que a -sinceridade?</p> - -<p><span class="pagenum" id="Page_9">[Pg 9]</span></p> - - - -<hr class="chap x-ebookmaker-drop" /> - -<div class="chapter"> - -<p class="center p2"><i>Ao meu amigo</i></p> -<p class="right mr p2"><i>o Ex.ᵐᵒ Snr.</i></p> -<p class="center p2 big">José Silvestre Ribeiro</p> -<p class="center p2"><i>em penhor de admiração, respeito, e affecto</i></p> -<p class="right mr p2"><i>Antonio Feliciano de Castilho</i>. -</p> -</div> -<hr class="chap x-ebookmaker-drop" /> - -<div class="chapter"> -<p><span class="pagenum" id="Page_11">[Pg 11]</span></p> -<h2 class="nobreak" id="ADVERTENCIA">ADVERTENCIA</h2> -</div> - -<hr class="r5" /> -<p>Reuni para este livrinho algumas das minhas utopias, já publicadas -em um pequeno, mas bonissimo, periodico mensal provinciano, <i>O -Agricultor Michaelense</i>, a fim de que o outono, que tão cedo vem ás -folhas periodicas, não destruisse com ellas os meus pensamentos de amor -dos homens. A esses artigos, alguns outros, ainda que poucos, ajuntei -de identica natureza.</p> - -<p>Diz-me a consciencia, que a maior parte das minhas esperanças n’estas -paginas vem prematura, e que poucos d’estes bons e santos desejos, ou -nenhuns, se realisarão em vida dos nossos netos.</p> - -<p>Á consciencia respondo: que, se eu tivesse de viver duzentos annos -mais, ou se d’aqui a duzentos annos houvesse de renascer, de boa-mente -reservaria para então o que hoje antecipo.</p> - -<p>Os intolerantes, os fanaticos de cada parcialidade politica, terão -muito que abocanhar n’este pobre escrito. Pedir-lhes misericordia, ou -mesmo justiça, fôra tempo perdido. Dir-lhes-hei só, que não escrevi -para elles. Os homens bons e sinceros, que são os que me importam, -ainda quando não concordem comigo, louvarão as minhas intenções.</p> - -<p>Se, em uma ou outra parte, eu parecer<span class="pagenum" id="Page_12">[Pg 12]</span> por ventura censor, em demasia -acre, de coisas do meu tempo (de pessoas nunca); se d’ahi quizerem -inferir mexeriqueiros, que as minhas rasões são proclamações, e os meus -entranhados amores de alma, clamores e rebates sediciosos, não lhes -hei-de oppôr (o que aliás fôra verdade, e que de si se apresenta), -que as revoluções não são os livros quem as faz, mas sim as coisas; -as obras, ou a falta de obras, dos poderosos, e não as palavras dos -obscuros e inermes; que as paginas só teem força activa, quando os -actos que n’ellas se tratam lh’a communicam; e que essa força activa, -ainda quando nem uma lettra se escreva, e então muito mais, sempre -existe e sempre actua; que, em summa, o attribuirem ao meu livro -efficacia para concitar as turbas, é fazerem-me ao mesmo tempo honraria -demasiada, e demasiada injuria.</p> - -<p>Não amo revoluções, nem as quero, nem creio n’ellas; tenho vivido -este ultimo meio seculo, e não ignoro, de todo, o como doidejaram os -precedentes; mas, ainda que para ahi me fugisse a vontade (que não -foge), faltavam-me a voz e o desembaraço, indispensaveis para o papel, -pelo menos extravagante, de tribuno. Se alguma coisa a tal respeito -pregoei, mais foi contra as insurreições, que a favor d’ellas; mais -foi gritar aos governantes, que se houvessem de collar no officio por -boas obras, do que aos governados, que os derribassem; quando não, é -consultar o livro a cada passo.</p> - -<p>Se descreio em algum, ou alguns, dos presuppostos artigos de fé -constitucional, não é culpa minha, nem é culpa; affiro-os pela rasão<span class="pagenum" id="Page_13">[Pg 13]</span> -pura; avalio-os pelos resultados; comparo-os cá dentro, no meu fôro, já -com as obras inconsequentes, já com os versateis discursos de muitos -dos estadistas, que por elles fazem obra; e digo, com toda a paz da -minha philosophia humilissima, que me parece não seria mau pensarmos -outra vez um pouco em taes artigos. Toda a discussão dá luz; e toda a -luz é creadora. As theses politicas não são porém as minhas; as minhas, -o epilogo do meu livro, a isto se reduzem: temos terra, que pode ser -mais e melhor cultivada; devemos cultival-a; temos alma, que pode ser -mais e melhor allumiada; devemos allumial-a; temos coração, que pode -ser mais puro, mais virtuoso, e mais amante, e mais coração; devemos -aproveital-o.</p> - -<p>A terra nos fará ricos; a instrucção, poderosos; a moralidade, unidos. -A riqueza, o poder, a fraternidade, que são a civilisação, felizes.</p> - -<p>Quanto á Agricultura, as minhas diligencias não deixaram, talvez, de -contribuir o seu poucochinho, segundo alguem crê, para este promettedor -tráfego de Sociedades agricolas, que hoje vai no Reino.</p> - -<p>Quanto á Instrucção publica primaria, ajudei, e continúo a ajudar, a -obra santa, com o que pude e posso; do que, dou por prova o odio e -perseguições, com que os <i>obscurantes</i> me teem honrado.</p> - -<p>Quanto á moralidade e fraternidade, esses bens, d’aquelles dois bens -se hão-de filiar; mas ha-de ser tarde. Só quando deixarmos de ser -politicos, principiaremos a ser bons.</p> - -<p>Do livro, como producto litterario, não ha<span class="pagenum" id="Page_14">[Pg 14]</span> por que falemos; foi -escrito de carreira, sem traça prévia, nem plano ordenado. Nem digo bem -«escrito»; foi <i>conversado</i>, como quer que as ideias vieram vindo.</p> - -<p>Refundira-o eu, se houvesse tempo, ou valesse a pena; decotaria -redundancias: aproximaria pontos homogéneos, que vão separados; -reduziria as doutrinas a um systema, e concatenação severa de -raciocinios. Nada d’isso farei. Apraz-me conservar-lhe o seu caracter -fortuito e desambicioso; só assim, é que me posso n’elle reconhecer.</p> - -<p>É uma conversação, com todos os seus altibaixos, com todas as suas -duvidas e incertezas, com todas as suas quebras e digressões, com todo -o desalinho de homem sincero, que antes quer ser amado, e merecel-o, do -que citado e admirado, inda que o podesse.</p> - -<p>Páro já, porque estender mais as advertencias sobre coisa tão pequena, -já passaria de ociosidade.</p> -<hr class="chap x-ebookmaker-drop" /> - -<div class="chapter"> -<p><span class="pagenum" id="Page_15">[Pg 15]</span></p> - -<h2 class="nobreak" id="I">I<br /><span class="small">Excellencias da vida rustica</span></h2> -</div> - -<p class="center caption">SUMMARIO</p> - -<div class="blockquot"> - -<p>Os campos são mais nobres que as cidades.—O trato rural produz -tudo.—A Agricultura, com os seus dois filhos, Industria e Commercio, -é a expressão maxima da Munificencia Divina, e o mais claro argumento -da sociabilidade do homem.—As cidades são centros para a circulação -da moeda.—Só um povo agricola é deveras rico.—As honras dadas -á Agricultura assentam em principios muito reaes.—A Biblia, e -Homero.—Os Romanos da Republica.—O que eram as mulheres n’esse -tempo.—A gratidão divinisou entre as gentes primitivas os inventores -industriaes e ruraes. Refutação de um dito de Santo Agostinho.—Origem -das mythologias campestres.—Os deuses rusticos eram uma decomposição -da Providencia. O Christianismo destruiu aquellas risonhas crenças. -O campo tomou outra especie de interesse.—Klopstock e Gessner.—As -sciencias naturaes vieram substituir com vantagem a perdida idealidade -dos campos.—Esboço da grandeza e poder d’estas sciencias.—Confirmar -o lavrador na religiosidade hereditaria.—Excitar os ricos e -poderosos, para que amem o campo e seus cultores.—Elogio moral e -politico do viver campestre.</p> -</div> - - -<p>A arte variadissima de obrigar a terra a produzir tudo, não é uma arte -rude, pois todas as sciencias a cortejam, e a servem; não obscura, pois -é a mais antiga e universal; não vil nem desprezivel, pois só depende -de Deus, em quanto os homens todos dependem d’ella.</p> - -<p><span class="pagenum" id="Page_16">[Pg 16]</span></p> - -<p>As cidades, que affectam desprezar os campos, d’elles nasceram; por -elles vivem e medram, que só lá teem as suas raizes. Transformam-se -ellas, envelhecem, amesquinham-se, doidejam, morrem, e esquecem; em -quanto elles, os campos, permanecem, riem, amam, dão, e promettem de -continuo; coexistiram desde o principio, coexistirão até ao fim, com a -raça humana.</p> - -<p>A charrua e o enxadão topam em toda a parte com as ruinas de templos -e palacios. Essas maravilhas ephémeras da Arte pompearam um momento -sobre o solo desvestido, e logo a Natureza as afogou; as recobriu outra -vez com o seu sólo, com a sua vegetação, com os seus frutos, com as -suas fragrancias, com a sua paz, com as suas harmonias, primitivas e -ineffaveis.</p> - -<p>¿Ouvis nas cidades grandes aquelle sussurro profundo de mil vozes, como -bramir de Oceano? É o estrépito da industria, o tráfego do commercio, a -ebriedade das mezas, o vozear dos espectaculos.</p> - -<p>¿Que Fada produziu e conserva tudo isso? a Agricultura.</p> - -<p>Vêde os exercitos, esse espantoso numero de consumidores improductivos, -esses celibatarios ministros da religião da morte.</p> - -<p>¿Quem os gerou? ¿Quem os renova? ¿Quem os alimenta? O chão pacifico -da lavoira. O seu pão, a sua carne, o seu vinho, os seus legumes, os -seus vestidos, os seus cavallos, os seus carros, as suas bandeiras, os -seus mil tambores.... tudo por lá se creou. Tudo aquillo, que vôa como -remoinho devastador, que não deixa senão cinzas, sangue,<span class="pagenum" id="Page_17">[Pg 17]</span> e lagrimas -após si, tudo aquillo nasceu e folgou pelas aldeias e casaes; relinchou -pelas planicies hervosas; mugiu nas leziras encalmadas; trepou e -baliu pelos cerros; ciciou loirejando pelos chãos, como espiga de -alambre; vicejou em florestas; amadureceu reluzindo por entre as parras -movediças dos oiteiros.</p> - -<p>¿Que povoação, não creada por Deus, anima, cruza, devassa, todos esses -mares? Esses portentos da sciencia e ousadia do homem, que affrontam -com victoria ventos e ondas, já pelas montanhas vegetaram, floriram, -hospedaram ninhos e musicas. As suas azas candidas, que os levam de -extrema a extrema do globo, as tranças ondeantes das suas enxarcias,... -foram linhares florescentes, onde as virações dos valles se embalavam. -A epiderme grossa e negra, que lhes reveste o corpo, e lh’o torna, -como o dos monstros marinhos, inviolavel á agua, estillou-se do -pinheiro queimado em succo denegrido; gottejou de outros troncos em -rezinas balsamicas; creou-se nos ossos do animal, que arrasta o carro -e o arado; expremeu-se em oiro liquido do fruto luzidio da oliveira. -Os braços, que os domam e os meneiam, como o cavalleiro dirige o seu -corcel a todas as partes, robusteceu-os, quasi todos, o sol dos campos.</p> - -<p>¿Que levam ellas, essas cidades sem alicerce, por quem as mais remotas -se communicam, e todos os filhos de Adão não fazem mais que uma -familia? ¿Que levam, que assim vão assoberbadas?</p> - -<p>Levam os frutos da cultura do septentrião,<span class="pagenum" id="Page_18">[Pg 18]</span> aos longinquos moradores do -sul; as producções regaladas do meio-dia, ás praias severas do norte; -os perfumes e sabores do oriente, até ás ultimas orlas das Hespanhas; a -alegria das mezas occidentaes, aos banquetes opíparos dos Chinezes.</p> - -<p>¡E é o trabalho de um camponez humilde, de sua mulher e de seus filhos, -o que, sem sahirem do torrão que os brotou por entre as plantas e os -gados, povoou todos esses mares sem limites de celleiros, dispensas, -e adegas fluctuantes, e abasteceu, sem o saberem, ao seu desconhecido -irmão, em paizes de que nunca ouviram o nome, recebendo de lá, em -troca, o que nunca sonharam que a terra procreasse!</p> - -<hr class="tb" /> - -<p>Difficilmente, por mais que refujâmos para longe dos campos, e para o -centro do luxo, difficillimamente encontraremos com objecto, que, no -todo ou em grande parte, não devesse o seu ser á industria agricola.</p> - -<p>A corporificação mesma d’este pensamento, isto, que estamos escrevendo -agora, isto, que vós amanhan estareis lendo, este nosso aprazivel -praticar entre desconhecidos, este daguerreotypar para os vindoiros um -reflexo passageiro do espirito, ¿a quem o devemos, se não a esta Arte -inexhaurivel? O papel, a penna, a banca, o prelo, as balas, a tinta de -impressão, o alimento que mantém os braços, de que tudo isto se ajuda, -¿quem se não a Agricultura, o deu? ¿Quem se não<span class="pagenum" id="Page_19">[Pg 19]</span> ella, ou um milagre de -muitos milagres, o podéra dar?</p> - -<p>A Agricultura, a velha e robusta mãe dos povos, auxiliada dos seus -dois incançaveis primogenitos, Industria e Commercio, é a bemfeitora -por excellencia; a compensadora unica das differenças das regiões; a -expressão maxima da Divina Munificencia, e o mais claro documento da -nossa social destinação.</p> - -<p>Qualquer Sciencia, qualquer Arte, supprimida, deixaria uma falta, mais -ou menos para sentir; mas a falta da Agricultura desataria de repente a -Sociedade, e dentro em pouco extinguiria o proprio homem.</p> - -<hr class="tb" /> - -<p>¡Longe de nós o insensato pensamento de negarmos ás cidades a sua -importancia! A baixo das choças aldeanas, nada mais nobre que as -cidades; nada, que as Leis mais devessem favorecer, depois dos campos.</p> - -<p>Os metaes preciosos, de que uma invenção profunda, e quasi inspirada, -compôz, por que assim o digâmos, o sangue, que devia circular por todo -o corpo social, necessitavam, como o sangue no corpo de cada individuo, -deposito amplo e energico, para onde confluissem de toda a parte, e que -outra vez para toda a parte os deramasse. A Cidade foi o coração do -paiz agricola, e centro unitivo de sua vida.</p> - -<p>Ás cidades, as industrias, secundaria e terciaria; o manufacturar as -materias; o permutar as manufacturas. Aos campos a primaria<span class="pagenum" id="Page_20">[Pg 20]</span> industria; -o ministrar a omnimoda materia para essas duas outras.</p> - -<p>Artes e Commercio encantadores são, que modificam, metamorphoseiam, e -transferem tudo sem cessar; mas só a Agricultura cria, só ella, filha -primogénita da Divinidade, é, sobre a terra, Divindade. Só um povo que -lhe quer, e a quer, e a serve com desenganada preferencia, só esse é -rico; rico sem fausto, mas rico sem receio de empobrecer.</p> - -<p>As minas cançam e exhaurem-se; as conquistas levantam-se e fogem; as -fabricas podem cahir, ao erguerem-se novas fabricas n’outras partes; -a grande louca do mundo moderno, a moda, as derriba a cada passo, -roçando-as, ao passar, com o seu vestido novo, ou com os seus novos -enfeites; o mesmo Commercio, no seu carro triumphal de oiro, corre -estrepitoso por cima de alturas resvaladias, por entre despenhos e -rivaes inimigos, que ao primeiro descuido o precipitarão.</p> - -<p>Só a terra entretanto se não esgota; só n’ella se podem empregar -beneficios, sem colher ingratidões; só ella pode dizer, como o seu -Creador: «Pedi e recebereis»; só ella pode supprir tudo, sem poder -outra alguma coisa suppril-a.</p> - -<p>Quando ella treme, sacode de sobre si, em nuvens de pó, castellos -massiços, paços alterosos, armazens e feitorias de portas chapeadas, -como um leão, com um frémito musculoso das jubas, afugenta os -insectos, que vieram poisar sobre elle em quanto dormia; mas a Queluz -e Versailles do lavrador, a sua choçasinha de palha, essa vacilla -um momento,<span class="pagenum" id="Page_21">[Pg 21]</span> como as arvores circumstantes; assustou-se, como um -passarinho entre as ramadas; mas fica em pé, e rasserena-se, vendo tudo -em derredor tão arraigado, tão viçoso, tão quieto, como d’antes.</p> - -<hr class="tb" /> - -<p>Foi a consciencia d’estas verdades obvias, e que só o excessivo -crescimento do luxo era efficaz para escurecer, foi, dizemos, a -consciencia d’estas verdades, a que fez com que em todos os tempos se -protegesse e honrasse a Agricultura, e em alguns paizes por modo tal, -que aos almiscarados passeadores das capitaes pareceria hoje fabuloso, -ou ridiculo quando menos.</p> - -<p>Os dois mais antigos livros, que o mundo velho nos deixou, a -<i>Biblia</i>, epopêa de Deus, e Homero, biblia dos poetas, a cada -pagina nos maravilham com o que antes nos devêra servir para sizuda -meditação, e algum exemplo: com a singela pintura do enlace da -autoridade com o trabalho rural.</p> - -<p>Reis e Principes homericos, raios de valor nos combates, nos dias da -paz cultivam, e pastoreiam: e mais de um heroe d’esses, ao expirar, dá -a ultima saudade ao pensamento dos bosques da sua infancia.</p> - -<p>Os patriarchas da antiga Lei, os juizes, e os Reis do Povo hebreu -(semelhantes n’aquillo aos maioraes de algumas tribus arabias, e aos -regedores de alguns povos simplices da America e da Africa, ainda hoje) -distribuiam a justiça, já á sombra de um carvalho, já sentados, como -em throno, na<span class="pagenum" id="Page_22">[Pg 22]</span> méda do seu trigo á borda da eira; ou, reclinados entre -os seus rebanhos, ensinavam com apólogos e parábolas campestres, as -virtudes naturaes, a concordia, a rectidão, a beneficencia.</p> - -<p>Os Romanos das eras recommendaveis, os Romanos da Republica, essa -gente exemplar, já expurgada da barbaria de sua origem, e ainda não -pervertida pelas riquezas e luxo; equidistantes de Romulo e de Nero; -revolviam com a charrua o chão da Patria, que alargavam com a espada. -Da rabiça, se iam arrancar os generaes para as victorias; do Capitolio -redescendiam, com alvoroço, para se irem concluir a geirasinha largada -em meio.</p> - -<p>Então as matronas eram Cornelias; e as donzellas, Virginias. Então era -soberbo epitaphio: «N’este sepulcro não formoso jaz uma formosa mulher. -Governou sua casa; fiou lan.»</p> - -<p>Então eram guiões e estandartes magnificos umas paveias de feno no alto -de uma lança.</p> - -<p>Então, emfim, podia dizer o Poeta, com verdade: não só que as selvas -eram dignas de consules, se não que eram dignos os aldeãos, dos feixes -e da purpura.</p> - -<p>Retraiâmos-nos lançando comtudo um olhar saudoso para aquellas edades -ridentissimas, em que os nomes e feitos memorandos se não escreviam nos -annaes, mas se embalsamavam de poesia para mythos.</p> - -<hr class="tb" /> - -<p>¿Qual foi d’essas antigas gentes, fabuladoras por philosophia, a que -não divinisou,<span class="pagenum" id="Page_23">[Pg 23]</span> e não ergueu sobre aras, para incensos e hymnos da -posteridade, os inventores, introductores, ou aperfeiçoadores, das -diversas Artes prestadias, e da Arte da Agricultura sobre todas? -Cybéle, Osiris, Saturno, Céres, Triptólemo, Fauno, Pales, Baccho, -Pomona, Vertumno, Aristeu, Flora, eis ahi uma parte d’esse Olympo -terrestre, com que as Musas por mais de dois mil annos se inspiraram, -e que, se já hoje não ressôam nos cantos, nem por isso ficaram menos -sacros para os corações agradecidos.</p> - -<p>«Demonios são os deuses da gentilidade»—exclamava, no seu enthusiasmo -religioso, o Bispo de Híppona.—«Demonios são, cujos nomes nunca mais -hão-de profanar estes meus labios.»</p> - -<p>Enganais-vos, Agostinho, se abrangeis a esses bons deuses rusticos -no vosso anáthema. Desendeusae-os embora; mas, em vez do ferrete de -demonios, decretae-lhes foros de grandes Homens, e grandes Mulheres, já -que de Anjos não pode ser.</p> - -<p>Se procuramos, na rasão pura, o que por nenhum documento se rastreia, -o por que os Romanos, apóz os Gregos, os Gregos apóz os Egypcios, e -os Egypcios Deus sabe apóz quem, assim se comprouveram de povoar de -numes e semi-numes indígetes os seus campos, facil se nos depára a -chave do enigma. Obra foi, instinctiva e simultanea, de rusticos, e -philosophos; do povo, e dos agentes da alta Politica dos Estados. O -poder comprehendeu a utilidade de sanccionar culto que nobilitasse -o lavrador, divinisando todos os objectos do seu trato, e a propria -terra:<span class="pagenum" id="Page_24">[Pg 24]</span> os camponezes, por si mesmos, de motu proprio, coadjuvaram -o poder n’esse mui real empenho seu, com darem largas á propria -phantasia, faculdade sempre tendente para o poetico e maravilhoso.</p> - -<p>E de feito, ¿que mais natural erro (se assim nos podemos exprimir), -que abusão mais para desculpas e louvor, do que imaginar o homem, ao -ver-se rodeado de successivos beneficios e presentes da Natureza, que -andavam ahi velando sobre elle, por toda a parte, a todas as horas, -entes beneficos, poderosos e invisiveis, a quem por isso cabiam amor -e agradecimento? Por não abrangerem a Providencia na universalidade, -decompunham-na em mil Providencias; e n’este sentido a idolatria era -ainda um culto ao Supremo Desconhecido, «<span class="smcap">Ignoto Deo</span>»; era o -matiz brilhante e confuso, formado de vapores da terra entre ella e o -Céo, como arreboes e aurora do <span class="smcap">Sol</span>, que estava para nascer.</p> - -<hr class="tb" /> - -<p>Além da gratidão, outra causa, se menos sublime, por ventura mais -urgente, levaria os filhos das aldeias a abraçarem na alma, sem -exame, aquellas crenças, logo que referidas na conversação dos velhos -autorisados, ou evangelisadas pelos poetas, por esses engenhos de -eleição, a quem sempre se attribuiram mysteriosas relações com outros -mundos. Esta causa era, no meio da solidão, a tendencia para a -sociabilidade.</p> - -<p>O viver semi-eremitico do camponez, e as suas occupações, quasi todas -manuaes, deixavam-lhe<span class="pagenum" id="Page_25">[Pg 25]</span> alma e coração livres, vazios, carecentes, -avidos de alimento. Nos desenhos do Vaticano se vê, copia de uma pedra -antiga, a imagem da Agricultura representada por uma Psyche, arrimada a -um sacho, e meditabunda.</p> - -<p>Então o pastor folgou de cuidar que uma deusa o acompanhava occulta, -e o amava, defendendo-lhe o rebanho; que de dentro de cada arvore, -ao perpassar, lhe sorria uma Nympha; que outra despejava da urna -subterranea as aguas que o dessedentavam; que a aura refrigerativa das -séstas era vivente, e lhe furtava beijos fugindo; que a sua flauta fôra -inventada por Pan em hora de mágoas amorosas, e as suas cantigas eram -repetidas com ternura pela namorada de Narciso.</p> - -<p>O semeador, lançando o grão á terra, commettia a sua subsistencia ao -coração maternal de uma beldade; o pomareiro encommendava a outra, -ainda mais beldade, encher-lhe os açafates e cestos para o outono; e o -vinhateiro via um menino, tão gentil como o proprio Amor, e um velho -tão folgasão como esse menino, andarem-lhe brincando por entre as cepas -para florescerem. O dia, derramava-o dos céos o deus da musica e dos -versos. Á scismadora melancolia das noites presidia, lá do carro da -lua, uma virgem candida, que de manhan andára caçando pelos bosques, e -de quem havia segredos... para se contarem ao ouvido das raparigas.</p> - -<p>Assim se era amado, porque se amava; e se amava, porque se era amado. -Assim se ganhava animo para supportar a solidão; ou,<span class="pagenum" id="Page_26">[Pg 26]</span> por melhor dizer, -assim a solidão se transformava em sociedade; sociedade tão numerosa, -tão garrida, tão illustre, tão sensitiva, tão amavel, tão munífica, -sobre tudo, qual nunca jámais a poderiam ter os saráus das maiores -Côrtes, e dos maiores Reis.</p> - -<hr class="tb" /> - -<p>Sob o astro esplendido do Christianismo tudo isso passou, como perante -o sol do estio desapparecem as multicores florinhas, que borboleteavam -por valles e oiteiros. O campo desenfeitiçado se consagrou por bellezas -mais severas; mas a solidão reappareceu em grande parte, e quiçá -mais profunda e melancolica, em derredor do camponez. É porque já se -aprendêra do Historiador da Creação, que a fertilidade só nascia do -trabalho, e que o trabalho era castigo da desobediencia; que a terra -não era patria, se não degredo, e a vida não estado, se não caminho por -valle de muitas lagrimas. Os frutos já não foram dádivas de nymphas, -sim esmolas, que a troco de suor e orações se lançavam lá de cima aos -necessitados, para elles as repartirem com os indigentes.</p> - -<p>As novas festas campestres, as Rogações de Maio, a procissão das -Alleluias, não compensavam, para os sentidos, as sacras profanidades de -outro tempo.</p> - -<p>Acudiram Musas do Cedron e do Jordão, successoras, e não herdeiras, -d’aquellas nove da Castália e Aganippe, e forcejaram por enthronisar no -campo das antigas divindades esvaecidas novos Genios mais formosos,<span class="pagenum" id="Page_27">[Pg 27]</span> -ainda que menos sensuaes; verdadeiros quanto á existencia, e só quanto -aos attributos fabulosos. Ás Dryades, Oréades, e Faunos, succederam na -tutella das arvores, dos oiteiros, e das planicies, Anjos invocados do -Empyrio pelas harpas germanicas do cantor delicioso de Abel, do cantor -sublime do Messias. Mas esses Espiritos custodios das plantas e das -aguas, das flores e das estrellas, em quem a imaginação creu, talvez, -em quanto ressoavam os accentos d’aquellas harpas, volveram aos Ceos -com Gessner e Klopstock, como os numes haviam volvido ao nada; e a -solidão campestre recomeçou; ou proseguiu.</p> - -<p>O ideal da vida agricola achava-se pois abolido, e para todo sempre. A -obra das Musas do Líbano caducára, como a obra das filhas do Parnaso. A -arvore não era mais que um lenho verde; a fonte, agua; a terra, terra.</p> - -<p>Acode a Sciencia, para repoetisar tudo.</p> - -<hr class="tb" /> - -<p>A Sciencia da Natureza é nos tempos modernos um gigante, animado de -mil espiritos, armado de mil braços, guarnecido de mil azas, dotado -de mil ouvidos e mil olhos; engolfa-se, como aguia, por ceos e ceos; -colhe no vôo os cometas e os planetas, e lhes toma o pezo e a medida; -distingue na atmosphera imperceptiveis e subtilissimos fluidos, e os -senhoreia como a outros tantos Genios poderosos, constrangendo-os a -explicarem-se, e a servil-a; estende a vista senhoril pela<span class="pagenum" id="Page_28">[Pg 28]</span> superficie -do orbe, e impõe, como o primeiro homem, nome proprio a cada vivente -sensitivo, a cada planta, a cada composto, a cada elemento da -materia bruta e inerte, desde a colossal baleia, até o microscopico -infusorio, desde o giganteo baobab, até o pulverulento lichen, desde -os alterosos Andes, até as parcellas imponderaveis do simples mineral. -Entre tantos milhões de individuos, estabelece os <i>reinos</i>, -determina as <i>classes</i>, subdivide e forma <i>ordens</i>, reconhece -os <i>generos</i>, caracterisa as <i>especies</i>, e descobre as -mutuas relações de nexo ou afastamento. Funda preciosos inventarios -de tantas riquezas, os <i>methodos naturaes</i>, e os <i>systemas -artificiaes</i>. Abysma-se nas profundezas da terra, e reapparece com -os documentos da historia do Mundo; medita-os, e prophetisa o que lá -vai, já nos incommensuraveis seis <i>dias</i> do Génesis, já nas eras -subsequentes. Interroga a vida em todos os seus mysterios: na geração, -na reproducção, na conservação, no crescimento, nas metamorphoses; -aqui, lhe recebe a confissão de um segredo; além, lhe arranca outro; -conjectura todos; e muitos, por ventura lh’os adivinha.</p> - -<p>Ajudada das artes, filhas suas, nutridas aos seus peitos, entretece -industriosamente todos esses innumeraveis fios de luz, que de cada -ponto da materia lhe ressurtiram, e por suas combinações inesperadas -faz apparecer, de momento para momento, novos recursos para as mesmas -artes, novas forças e vantagens para o homem.</p> - -<p>O campo, sondado pela Sciencia em cada camada do seu terreno, em cada -elemento<span class="pagenum" id="Page_29">[Pg 29]</span> dos seus adubíos, em cada gotta do seu orvalho, em cada -molécula dos seus gazes, em cada póro das suas plantas e animaes, em -cada tácita relação de tudo seu com os meteóros, com a electricidade, -com o frio e calor, com a luz e as trevas, com cada um dos ventos, com -cada uma das quadras, com cada um dos mezes, com cada um dos dias, e -horas do dia, o campo, repetimos, encerra pois mais poesia, poesia mais -bella, mais fecunda, mais vivaz, mais duradoira, que as antigas.</p> - -<p>A arvore do pagão fôra nympha; e a do simples christão, simples meza -de caridade. A arvore para o sabio é um microcosmo de maravilhas; é um -pregão, não já mudo, de Sabedoria, de Poder, de Bondade sem limites.</p> - -<hr class="tb" /> - -<p>¡Felizes nós, se, interpretando uma ou outra harmonia da Natureza, -podermos confirmar o camponez na sua religiosidade hereditaria!</p> - -<p>¡Felizes, não menos, se nos ricos senhores crearmos, ou -accrescentarmos, o amor dos seus campos, e o salutar affecto aos -pobresinhos, que com o seu suor lh’os fertilisam! ¡se, tornando-lhes -aprasivel o rusticar, e descobrindo-lhes com Zimmermann os thesoiros da -solidão, contribuirmos para que alguns vão ser divindades veneradas no -seu torrão, e ensinar com o seu trato polidez aos filhos das aldeias -retemperando-se entre elles, e readquirindo algum pouco d’aquella -innocencia velha foragida das cidades! Que<span class="pagenum" id="Page_30">[Pg 30]</span> vendo nos seus bosques e -seáras alguma coisa mais que lenha e farinha, sintam que a Agricultura -é o parentesco, a amisade, a intimidade, o trato de mutuos beneficios, -entre o homem e a Terra sua mãe. Que repitam com Bentham: «A classe -dos que trabalham, se é a derradeira no vocabulario dos soberbos, é -no vocabulario da san Politica a primeira». Que muita vez, nos seus -passeios meditativos, exclamem enternecidos, como a Baroneza de Staël: -¡«Pobre gente! ¡meio silvestres, meio civilisados! mas os que d’entre -elles são virtusos, ¡oh! esses teem um genero de innocencia e bondade, -que lá nos mundanos se não acha.» Ou, reclinados ao sol posto no poial -da sua granja, revolvam calados aquellas palavras, com que a Biblia, na -sua maravilhosa simplicidade, nos encarece o viver facil do Povo eleito -no reinado de Salomão: «Comer, beber, e folgar, sem nenhuns medos, cada -um á sombra do seu parreiral e da sua figueira.»</p> - -<p>¡Oh! e as mãos do que tudo isto chegar a dizer, ¡que venturas não -dispartirão tacitamente pelas agradecidas choças de tantos, que, em -meio de montes de riquezas, não tinham muitas vezes um pão negro para -os seus meninos!</p> - -<p>«Quem faz amar os campos—escrevia Delille—faz amar a virtude.»</p> - -<p>¡Oh ricos, ricos! ¡Quão pouco vos custára o ser ditosos, creando nos -outros alegrias para vós mesmos! ¡Quão facil vos fôra acabar com o -antigo pleito, que pende entre a penuria e a opulencia! ¡Quão facil, -e quão glorioso, o fazerdes (e não á vossa custa, se<span class="pagenum" id="Page_31">[Pg 31]</span> não até com -proveito vosso) com que os filhos, como vós, de uma terra fertil não -fugissem d’ella, para se irem comer pão de escravos, e estalar de -saudades em sertões longinquos!</p> - -<p>Se amais o chão onde nascestes, creae e enraizae n’elle verdadeiros -lavradores.</p> - -<p>Lavradores verdadeiros não são só os cidadãos mais productivos, mas -tambem os mais pacificos e patrioticos.</p> - -<div class="blockquot"> - -<p>Janeiro de 1848</p> -</div> - -<hr class="chap x-ebookmaker-drop" /> - -<div class="chapter"> -<p><span class="pagenum" id="Page_33">[Pg 33]</span></p> -<h2 class="nobreak" id="II">II<br /><span class="small">Sociedades de Agricultura</span></h2> -</div> - -<p class="center caption">SUMMARIO</p> - -<div class="blockquot"> - -<p>As associações agricolas hão-de diminuir as aversões publicas, e -restituir o amor do trabalho.—A Sociedade Promotora da Agricultura -Michaelense mostra o que taes sociedades valem.—Vantagens que já -tem dado.—O seu exemplo ha-de ser imitado, mesmo em Portugal.—A -convicção da necessidade de olhar pela Agricultura é já sentida -geralmente.—As regenerações politicas só serão verdadeiras -tendo por base a Agricultura.—Todas as revoluções teem origem -na bolsa.—Tributos devem-se exigir, proporcionando-se meios de -os pagar.—Os poisios deviam repartir-se pelos soldados.—Como -seria um bom Governo.—Aqui não entra «Politica» segundo hoje a -entendem.—Declaração de qual é a do autor.—Como as Côrtes e o -Governo podem felicitar sem custo a Nação.—Se elles o não fizerem, -façam-n-o os particulares, associando se.</p> -</div> - - -<p>Por um interessante periodico do Funchal, O <i>Madeirense</i>, vemos -com prazer, que tambem ali se torna a olhar com amor para a terra, <i>a -grande Mãe</i>, como philosophicamente lhe chamavam os Antigos.</p> - -<p>A terra é o campo neutro, no qual, ainda hoje, se podem congregar -os animos, que as contendas sociaes dissociaram e lançaram a monte. -Não é senão no seio da Natureza immutavel, universal, inexhaurivel, -que os homens podem encontrar novamente a convivencia de ideias, e a -fraternidade, a que os<span class="pagenum" id="Page_34">[Pg 34]</span> leva o seu instincto, tanto como a sua razão. -Se o trabalho é a condição indispensavel de todos os bens, se a união é -a indispensavel condição de todo o trabalho de veras fecundo, ¿quem não -vê que as Associações agricolas, além do grande beneficio de tornarem -a enfeixar um pouco a familia humana, hão de promover o trabalho, Anjo -custodio de saude e bons costumes? O que as Associações agricolas -estão dando de si nos povos representantes e coripheus da civilisação, -é historia já tão publica e corrente, que ainda aquelles que a não -estudam a sabem pouco mais ou menos. Mas, preterindo, como logares -communs, a França e a Inglaterra, figuras obrigadas em qualquer pagina -dos nossos contemporaneos, como aquell’ outras de Grecia e Roma em cada -escrito dos nossos paes, préguemos á nossa gente com o exemplo, muito -mais persuasivo, dos «santos de casa.»</p> - -<hr class="tb" /> - -<p>A Sociedade Promotora da Agricultura Michaelense é a demonstração -viva do que taes corpos valem, e podem, para o aperfeiçoamento dos -lavradores.</p> - -<p>Nascida de hontem, se pode dizer, sem amparo algum externo, sem uma -dotação larga, para converter em factos a decima parte dos seus bons -desejos, constantemente a braços com as difficuldades dos tempos, -ainda não apreciada nem comprehendida na propria terra, e com mais -de metade das suas forças intrinzecas desaproveitadas, com um viver -intermittente, reduzida a hibernar<span class="pagenum" id="Page_35">[Pg 35]</span> por quasi toda a bella estação, -e no inverno mesmo só incompletamente concorrida de seus membros e -sem ouvintes para a animarem recolhendo-lhe o fruto das discussões; -n’uma palavra: não havendo tido, por si até agora mais que tres ou -quatro vontades perseverantes, mas inquebrantaveis, mas inflexiveis, -mas cheias de fé e amor, esta Sociedade contém já nos seus fastos -algumas paginas, que a gratidão da Historia ha-de doirar, e os futuros -lavradores beijar com enternecimento.</p> - -<p>O rusticissimo horror das innovações agrarias, esse ridiculo espantalho -millanario de todas as ideias uteis, não se destruiu, porque não pode -destruir-se; mas vai recuando para dentro dos limites de uma prudente e -cautelosa espectativa; isto é: a curiosidade moderada, que não dá passo -sem primeiro palpar o terreno, mas que, apenas o sente solido, adianta -e assenta o pé para não retroceder, occupa já o logar do empyrismo -intolerante e indomesticavel.</p> - -<p>Não se instruiu ainda o camponez; a tarefa de seculos não cabe em dias; -mas fez-se-lhe entrever a sua ignorancia; é uma grande passada no -caminho do Progresso. Fez-se-lhe conjecturar, por factos sensiveis, que -havia, fora da sombra do seu campanario, e mesmo dentro nas cidades, -amigos seus e da terra, habilitados pelo estudo para mestres e guias; -que os livros não eram todos sonhos vãos de charlatães, e que de muitos -d’elles sabiam raios, luminosos como os do sol, que fertilisavam a -terra largamente; que não havia sacrilegio em trocar<span class="pagenum" id="Page_36">[Pg 36]</span> a enxada de Adão -pelo instrumento só de hontem inventado, mas que multiplica as forças, -as horas, os frutos, as moedas, os ocios innocentes, e os praseres.</p> - -<p>Insinuou-se a pouco e pouco, e sem rumor, nas praticas do serão da -Aldeia:</p> - -<p>primeiro, a crença de que o Mundo era mais amplo que os confins da -parochia ou do municipio, e muita planta boa, e muito animal prestadio -opulentavam outros paizes, que, se viessem ao municipio e á parochia, -lhes accrescentariam os haveres;</p> - -<p>que se podia produzir mais e melhor em frutos e materias primas, para -industrias que ao longe se enxergavam;</p> - -<p>e que o pretender aperfeiçoar as raças brutas, as manadas, os rebanhos, -e os animaes domesticos, não era absurdo nem impiedade, pois que a tudo -isso se chegava sem mais feitiço que o entendimento que Deus nos deu.</p> - -<p>Não queremos affirmar que o poisío secular, sêcco e maninho, dos -espiritos da população rustica se ache já desmoitado. Affirmâmos -porém, e poderia provar-se, que da fundação da Sociedade promotora -data um progresso notavel na Agricultura d’este paiz; que ha hoje ahi -em exercicio muito instrumento moderno de inquestionavel prestimo; que -alguma raça de animaes caminha para o aperfeiçoamento; que as plantas -preciosas estrangeiras são desejadas e bemvindas; que se vai pegando -a curiosidade do experimentar. N’uma palavra: um observador attento -e sagaz sente nas ideias rusticas o que quer que seja de vivaz, de -vegetativo, de<span class="pagenum" id="Page_37">[Pg 37]</span> medrançoso; semelhante ao que se percebe nas hortas, -de verão, pela calada da noite, quando ao luar se está suavemente -devaneando: um rumor vago e tenue pela folhagem; um cheiro suave de -vitalidade, que é circular de seiva, encorpar de hásteas, desabrolhar -de gomos, explicar de folhas, nascer de botões, abrir de flores, -enchar e amadurecer de frutos; são os fluidos impalpaveis do dia que -passou, que por ali se estão ás escuras corporificando para abundancia; -d’aquelle ruído sem nome, e quasi imperceptivel, é que lá para o -diante se hão-de acogular as eiras, encher os celleiros e os lagares, -assoberbar-se os carros, os portos, e os navios, nutrir-se os homens e -os animaes, as aldeias e as cidades.</p> - -<p>Deixae continuar em sua acção a causa impulsiva d’este movimento, que -já se opera nos espiritos camponezes, e vereis as innovações cada vez -menos repugnadas, a sciencia pratica avantajada de anno para anno, e -com ella vir raiando um pouco tambem da sciencia especulativa, unica -fonte dos progressos ulteriores e indefinidos.</p> - -<hr class="tb" /> - -<p>Felizmente, este exemplo grande e nobre que a Sociedade Michaelense -está dando a todos os dominios Portuguezes, e á metrópole mesma, -é grão lançado em terreno, que nos parece achar-se já devida e -sufficientemente preparado.</p> - -<p>De toda a parte onde ha Portuguezes, isto é: de toda a parte onde -sobre um solo fertil<span class="pagenum" id="Page_38">[Pg 38]</span> negreja a penuria, saem gritos clamando pela -Agricultura ausente, como pelo ultimo e unico Messias terrestre; e -esses clamores, quando assim se tornam geraes, são sempre prophecia.</p> - -<p>A convicção chegou a todos os animos: a uns pelo raciocinio, aos outros -pelo mero instincto; mas em todos está; em quasi todos clama; e já em -muitos se agita insoffrida, para se converter em obras.</p> - -<p>Se os commodos da vida, isto é os deleites do corpo, os do coração, -e os do espirito, são o alvo a que tiram de longe, e de encontrados -pontos, todas as opiniões, todos os systemas, todas as parcialidades, a -Agricultura para Portugal deve (e não pode deixar de ser) havida pela -Politica suprema, pela Politica das Politicas; pois quando, renascida -e adulta, a nossa Agricultura nos houver feito laboriosos, abastados, -modestos, bons, unidos, e irmãos, então, e só então, é que as theorias -de <i>liberdade</i> deixarão de fluctuar e transformar-se ao sôpro das -palavras, como as nuvens inconsistentes ao capricho dos ventos.</p> - -<p>As instituições sociaes querem todas uma base; e não ha para ellas -alicerce, como é a terra a desentranhar-se em riqueza; tanto assim, que -o proprio regimen absoluto, e ainda o despótico, em quanto não faltam -ao Povo com pão e um pouco de recreio, permanecem, não combatidos, -nem quasi murmurados; ao mesmo passo que as mais philosophicas e -altisonantes constituições em terra faminta, isto é em terra pelos -homens desaproveitada, são victima, muitas vezes<span class="pagenum" id="Page_39">[Pg 39]</span> innocente, mas sempre -victima, dos irreconciliaveis odios da indigencia.</p> - -<hr class="tb" /> - -<p>Não se ha mistér ser profundo sabedor na historia das revoluções, para -reconhecer que todas ellas, proxima ou remotamente, teem na bolsa a -sua origem; assim como é evidente, que em quasi toda a parte é a terra -trabalhada quem enche a bolsa; ou, pelo menos, que é só ella quem, -enchendo-a, pode prometter com affoiteza conserval-a cheia.</p> - -<p>Um dos mais deploraveis erros, se não o mais deploravel, é procurar -acudir aos males produzidos pela miseria, extorquindo aos proprios -miseraveis com uma das mãos o que depois, bem ou mal, em todo ou em -parte, se derrama sobre elles. O Thesoiro publico só é abastado, ou, -mais verdadeiramente, só ha Thesoiro publico, onde se não é obrigado a -arrecadar para elle sangue, lagrimas, e maldições.</p> - -<p>Os tributos são uma necessidade; mas para os Governos justos e -previdentes não no é menor subministrar aos governados meios de -producção, com que satisfaçam aos tributos.</p> - -<p>Facilitae-me encher a minha tulha, e pedi-me embora metade d’ella para -remir o desamparo dos meus visinhos. Mas se pela minha porta aberta não -vedes, em toda a minha poisada terrea, nem lume, nem pão, nem assento, -nem mais vestido que os andrajos que andam no corpo, não me vendais -para<span class="pagenum" id="Page_40">[Pg 40]</span> o tributo o bercinho nú do filho, e a enxerga desconchegada da -mãe; não m’os vendais que o não quer Deus; não m’os vendais, não m’os -vendais, que por um tostão ou dois os havereis matado a elles e a mim, -e á vossa consciencia tambem; e todos estes mortos se alevantarão á -hora prescrita, para matarem a vossa causa.</p> - -<p>Se os haveres são o sangue do corpo social, e se o corpo social jaz por -debilidade, ¿pensaria alguem cural-o abrindo-lhe as veias e as artérias?</p> - -<p>Em quanto houver terras devoluto, a dar cardos e urzes em logar de -trigo e azeite; em quanto houver braços com ociosas armas ás costas, -ou encruzados sobre o peito descarnado; em quanto não repartirdes -esses braços por essas terras, e essas terras por esses braços, com um -alvião, um punhado de sementes, dois ou tres cruzados para uma choça -de colmo, um cathecismosinho de Agricultura, e uma boa isenção de -direitos até que a abençoada plantação se desate toda em frutos; em -quanto fordes tolerando que o vicio, o ruim exemplo, a indiligencia, -e a ignorancia, lancem quotidianamente na voragem sempre crescente da -prostituição milhares de moças, nascidas com entendimento e coração -para mães de familias, e a maior parte das quaes o haveriam ido ser, se -o seu hediondo celibato não fôra effeito necessario do celibato forçado -de tantos homens; em quanto, pelo concurso de tamanhos desconcertos, -deixardes que permaneçam estereis, despresadas, e despresiveis, as duas -mais formosas e mais santamente<span class="pagenum" id="Page_41">[Pg 41]</span> productivas coisas do mundo, a terra, -e o seio da mulher; sereis mendigos a governar mendigos, sereis loucos -a vexar attribulados.</p> - -<p>Podereis chamar-vos Governo, segundo o Direito constituido, e pelas -trombetas de uma parcialidade, da vossa; mas pela Natureza, mas pela -philosophia, mas pelo vosso proprio senso intimo... nunca merecereis -tal qualificação.</p> - -<hr class="tb" /> - -<p>Damos por superfluo declarar que, se algum nescio, ou maligno, vir -d’isso a que ahi chamam <i>Politica</i> nas poucas linhas que deixamos -escritas, não foi absolutamente nossa intenção, nem o é, nem o será -nunca, descer das alturas serenas e claras do raciocinio até essas -escuras e lodacentas encruzilhadas.</p> - -<p>Não processâmos nenhum homem, nenhum bando, nenhum systema; ou -processâmol-os todos.</p> - -<p>Hoje (comprazemo-nos de o repetir) não commungâmos senão á Meza -catholica da Philosophia. Todas as variações protestantes da egreja -politica liberal nos são desconhecidas. Lançâmos ao ar e ao vento as -palavras de bom conselho, com hombridade e sem odio, como todos devem; -é a nossa consciencia a respirar alto.</p> - -<p>A parcialidade que fizer obra do que nós só fazemos discurso, será -essa a que nós bemdiremos. Os primeiros estadistas, que arvorarem -por estandarte na ponta de sua lança sem ferro a relha da charrua e -o sacco<span class="pagenum" id="Page_42">[Pg 42]</span> da semente, serão os que nos movam, sem que nol o peçam, a -irmos á urna; e á fé que não votaremos senão por elles, porque esses -nos haverão feito acreditar na edade de oiro. A edade de oiro não está -no passado, como a sonharam os poetas, mas no porvir, e bem proxima se -o quizermos. Não ha de baixar do Ceo com deuses, mas ha-de rebentar -da terra com frutos e creanças, quando os homens se encurvarem para a -invocar.</p> - -<hr class="tb" /> - -<p>Segundo os axiomas que deixamos tocados, grandes, imperiosos, e -urgentissimos são os deveres, que ás autoridades executivas e -legislativas incumbem, de remover obstaculos, e proporcionar meios para -que a Agricultura nacional se levante e cresça, com aquella espantosa -rapidez, com aquelle vigor prodigioso, que todas as coisas nobres -assumiram sempre em nossa terra, quando de veras as quizemos.</p> - -<p>Legisladores e governantes, dizei «Faça-se»; de todos os cantos da -Monarchia se repetirá em milhões de eccos: «Faça-se». E far-se-ha. E o -Povo Portuguez reapparecerá aos olhos do mundo tão grande e magnifico -nos seus trajos de lavrador, e coroado de oliveira, como outr’ora -soldado e conquistador, coroado de loiros, e cicatrizes; mas com uma -vantagem summa na sua nova transformação: que as conquistas e pelejas -o matavam afogado em oiro e sangue; em quanto a Agricultura o haverá -remoçado como o Esão da fabula, e opulentado do oiro vegetal,<span class="pagenum" id="Page_43">[Pg 43]</span> unico -oiro que sustenta e se semeia para mais oiro.</p> - -<p>Pois se acha emfim conhecido o caminho largo e facil que nos ha-de -levar á felicidade; pois que tantos desejos o devoram já em espirito, -¿por que não nos poremos desde hoje em marcha para a conseguirmos -quanto antes?</p> - -<p>Se os Legisladores, se os Governantes, se as supremas Autoridades -não souberem, ou não poderem, ou não ousarem, collocar se á nossa -frente; se houver interesses, que se lhes representem maiores do que o -interesse maximo; saibâmos e ousemos nós, nós os cidadãos, nós o Povo, -nós que o podemos, progredir sem mais impulso que o nosso instincto -salvador, sem mais guia que a razão demonstrada. Tambem uma columna de -luz levou o Povo eleito, atravez do deserto, para a Terra da Promissão. -¿Quem nos dará força? a associação. ¿É ella possivel? facilima.</p> - -<p>¿Como se organisará?</p> - -<p>Vamos vel-o.</p> - -<div class="blockquot"> - -<p>Agosto de 1848.</p> -</div> - -<hr class="chap x-ebookmaker-drop" /> - -<div class="chapter"> -<p><span class="pagenum" id="Page_45">[Pg 45]</span></p> -<h2 class="nobreak" id="III">III<br /><span class="small">Continuação do assumpto</span></h2> -</div> - - -<p class="center caption">SUMMARIO</p> - -<div class="blockquot"> - -<p>O Jornalismo deve ser prégador da fraternidade agraria, exhortador -e mestre de cultura, sendo o <i>Diario do Governo</i> quem dê o -exemplo.—Como se formou a Sociedade Promotora da Agricultura -Michaelense, podem outras formar-se e imital-a.—Uma Sociedade -Promotora para cada cidade em que houver centro episcopal e -administrativo.—Sociedades filiaes fomentadas por ambos estes -poderes.—Relações mutuas entre as primeiras e as segundas.—Quadro -dos resultados provaveis de tal systema.—Para a sua realisação -bastam os cidadãos, sem auxilio do Governo.—Desenho geral da -proposta machina de Sociedades, e descripção do seu jogo.—Indicação -de meios pecuniarios para a manutenção d’estas Sociedades.—Summa -conveniencia de um Ministerio dos negocios da Agricultura.—O que se -tornaria Portugal, realisados todos estes alvitres.—Deseja-se que no -Parlamento se alevante um homem.</p> -</div> - - -<p>Antes de tudo, é necessario que a Imprensa, representante n’este caso -da opinião publica, tome a si o excital-a ainda mais, o esclarecel-a -sobre os meios, o alvitrar, o discutir, o convencer os incrédulos, o -afervorar os tibios; emfim, que procure compenetrar-se de profunda fé, -para a transmittir egualmente profunda a seus ouvintes; armar se de -constancia, de pertinacia, de <i>fanatismo</i> (se é licito dizel-o) -até ver consumada a regeneração.</p> - -<p><span class="pagenum" id="Page_46">[Pg 46]</span></p> - -<p>O Jornalismo, que, podendo, deixa de ser missionario do Progresso, é -alguma coisa peor que uma ociosidade: é um musgo, que devora á arvore -multiforme da instrucção proficua, parte da seiva que a devia alimentar.</p> - -<p>Em vez pois das questões futeis e ephémeras, saturnaes da Imprensa, -que ás almas bem nascidas já repugnam; em vez das quotidianas batalhas -dadas no campo das utopias, com descargas cerradas de impropérios; dêem -os jornaes, uma e muitas vezes, parte das suas columnas, como expiação -(quando mais não seja), á exhortação para a fraternidade agrária, -exhortação que se tornará de tanto maior pezo, quanto elles proprios, -os jornaes, discordes em todos os outros pontos, se apresentarão n’este -unanimes e amigos.</p> - -<p>Mais: alguma porção do espaço que por posse velha vão encher ás folhas -estrangeiras, de novellas excusadas (quando não nocivas) de anecdotas -ridiculas, de vanidades de toda a casta, franqueiem n-o a originaes, -traducções, ou imitações, que, ensinando ao lavrador alguma novidade -util, no tocante ao seu officio, lh’o ensoberbeçam aos seus proprios -olhos, pela prova de que a Imprensa, os sabios, e as nações crescidas e -policiadas, o não desprezam.</p> - -<hr class="tb" /> - -<p>Dada e conservada aos espiritos, por via dos periodicos, esta saudavel -e fecunda excitação, o arbitrio de se formarem Associações promotoras -da Agricultura espontaneamente<span class="pagenum" id="Page_47">[Pg 47]</span> nasceria, se fosse possivel que a mesma -Imprensa se houvesse esquecido de o suscitar, e aconselhal-o.</p> - -<p>¿Presumimos nós demasiadamente dos nossos collegas, os escriptores -publicos, quando para tal coadjuvação os convidâmos? Certo que não. -O amor patrio, que todos elles professam, o egoismo que todos nós -temos, a louvavel ambição de contribuir para um resgate, e depois -tambem a precisão de refocillar a espaços a alma, fatigada de -sobresaltos e pelejas, tudo nos afiança que a maior parte d’elles, pelo -menos, acudirá ao chamamento: e primeiro que nenhum o <i>Diario do -Governo</i>, pois por vinte rasões o deve, e por mil modos o pode mais -que todos.</p> - -<hr class="tb" /> - -<p>¿Como se formou a Sociedade promotora Michaelense?</p> - -<p>Pela vontade de alguns poucos particulares amantes do seu torrão; -sem prévia suggestão externa, sem mão que de cima se lhe estendesse. -Nasceu por si, e de si; foi uma formação espontanea; e comtudo vingou, -cresceu, e aqui a estamos já hoje citando por modelo.</p> - -<p>Logo, onde quer que haja tres ou quatro cidadãos egualmente -esclarecidos e zelosos, esses poderão o que estes poderam; e tanto -mais facilmente ainda o poderão esses, quanto haverão, para os guiar, -a experiencia dos seus predecessores, as lições do tempo para se -amestrarem, e já maior favor publico para os influir.</p> - -<p><span class="pagenum" id="Page_48">[Pg 48]</span></p> - -<p>Começadas por pequeno mas forte nucleo nos pontos do territorio mais -bem situados, ou mais bem relacionados para servirem de centros, as -Sociedades promotoras da Agricultura não tardarão em se encorpar e -robustecer, absorvendo e assimilando em si quantos homens, quantas -influencias, quantos meios de acção, se encontrarem ao seu alcance.</p> - -<p>Estas Sociedades primordiaes, conviria talvez, que fossem tantas em -numero, quantas são as terras, em que ha uma capital administrativa, e -uma séde episcopal, ou mesmo uma só d’estas duas poderosas entidades. -Sob a presidencia de taes cabeças, eil-as ahi podendo desde logo -diffundir em torno de si, por toda a parte, Sociedades filiaes. Pelo -Governador Civil, cada Administração de Concelho formaria a sua. Pelo -Bispo, aggregar-se-hia uma á sombra de cada campanario.</p> - -<p>Algumas, bem o antevemos, abortariam pelo desfervor, pela ignorancia, -ou pela impopularidade de um ou de outro d’estes agentes subalternos; -mas outras pululariam, não semeadas, no logar d’essas; e, quando mesmo -ficassem na seára, aqui ou acolá, algumas rareiras, paciencia; o fruto -da restante sobraria para consolar.</p> - -<p>Por este systema, as luzes se diffundiriam dos grandes focos, por -uma irradiação constante, para todos os pontos; e de todos os pontos -convergiriam para os grandes centros as noticias dos resultados das -tentativas, para ahi serem comparados, pesados, e formulados em regras; -e o clamor das precisões locaes, para se lhes dar logo, ou se lhes -sollicitar de mais alto, o competente remedio.</p> - -<p><span class="pagenum" id="Page_49">[Pg 49]</span></p> - -<hr class="tb" /> - -<p>Imaginemo-nos já chegados ao tempo, em que taes votos sejam cumpridos.</p> - -<p>¡Que movimento nos espiritos! ¡que actividade nos homens! ¡que -producção na terra! ¡que aproveitamento do tempo, das forças, e dos -cabedaes! ¡que duplicação na sociabilidade! ¡que fraternisação das -cidades com os campos! Desappareceram os mendigos; todos os braços -acham trabalho; todo o trabalho cria pão; o Thesoiro recebe sem -sacrificios, paga sem tergiversações, resgata o passado, olha para o -futuro sem pavor, ouve bençãos em vez de maldições; da sua voragem -vulcanica rebentou uma fonte, que nunca mais ha-de seccar; todo o Paiz -ri, floreja, e canta; todas as aldeias enxameiam em creanças, como -todas as charnecas em frutas e casaes; os rios e as estradas carreiam -abastanças; bandeiras de todas as Nações se esvoaçam em cardume -nos portos, permutando com os productos do solo as obras das suas -industrias variadas, e ainda parte do seu oiro.</p> - -<p>Sim; a tamanho paraizo nos pode chegar a Agricultura, só com a mera -protecção dos cidadãos; mas protecção crente, energica, regular, e -inquebrantavel, sem até se necessitar de que o Governo directamente a -coadjuve; basta que lhe não empeça, e lhe remova um ou outro estorvo -grande e conhecido.</p> - -<hr class="tb" /> - -<p>Desenhêmos agora em contornos as rodas d’esta machina de Sociedades, -que tantos<span class="pagenum" id="Page_50">[Pg 50]</span> milagres ha-de perfazer, e indiquemos o seu movimento, e o -seu jogo.</p> - -<p>Cada Sociedade-mãe terá sempre em vista dois objectos capitaes:</p> - -<div class="blockquot"> - -<p>infiltrar nos lavradores e operarios rusticos a possivel instrucção -análoga, proporcionando-lhes, ao mesmo tempo, meios para -aperfeiçoamentos; e</p> - -<p>sollicitar dos poderes supremos do Estado a promulgação de boas Leis -agrarias, a revogação ou emenda das damnosas:</p> -</div> - -<p>O primeiro fim conseguil-o-hão:</p> - -<div class="blockquot"> - -<p>estabelecendo e augmentando continuamente, com discernimento e -desvelo, uma bibliotheca de Agronomia, Veterinaria, Historia natural, -e mais sciencias accessorias;</p> - -<p>dando ao publico, por via de catalogos impressos, uma noticia succinta -de taes obras, facilitando o seu estudo a todos os interessados, quer -sejam socios, quer não;</p> - -<p>discutindo nas suas sessões todos os pontos agronomicos de interesse -local;</p> - -<p>recebendo, e até provocando, consultas sobre as materias duvidosas, -procurando, por meio de estudo e debate, acudir-lhes com solução -prompta;</p> - -<p>publicando um Jornal de Agricultura, accommodado principalmente á -natureza, condições, circumstancias, interesses, illustração, e -costumes, do seu Districto;</p> - -<p>por meio d’este Jornal aconselhando as sementeiras e plantações novas -de vantagem bem averiguada, a importação de novos animaes uteis, -ou de aperfeiçoadores das raças já existentes, bem como o uso dos -instrumentos<span class="pagenum" id="Page_51">[Pg 51]</span> serviçaes, inventados ou aperfeiçoados;</p> - -<p>encarregando-se de mandar vir qualquer d’esses objectos para qualquer -cidadão que lh’os encommende, mediante uma segurança que responda pelo -reembolso;</p> - -<p>procurando ter, a par com a bibliotheca, um deposito de instrumentos -e machinas, em grande ou em modelos, ou, quando menos, em estampas, e -sempre franco;</p> - -<p>de algumas das machinas ou instrumentos tendo mesmo para alugar ou -emprestar áquellas pessoas, que para os comprarem não possuirem meios;</p> - -<p>inserindo constantemente no seu periodico, em linguagem chan e -sincera, o quadro das operações ruraes immediatas para o Districto -agrario da sua residencia;</p> - -<p>renovando de anno para anno este trabalho, sempre a melhor;</p> - -<p>fazendo annualmente uma festa rural para distribuição de premios, -tanto aos lavradores e creadores, como aos fabricantes de objectos de -primeira necessidade, aos inventores e autores de alguma coisa util, -aos mestres que mais fruto houverem produzido no ensino primario, -e mesmo ao homem ou á mulher, que, por alguma excellencia moral, -haja merecido um solemne testemunho de apreço e gratidão dos seus -concidadãos;</p> - -<p>estabelecendo emfim, que esta festa rural caia, se fôr possivel, -na estação formosa, e coincida com a principal romaria, ou festa -religiosa, ou feira, do seu Districto, procurando imprimir n’este acto -a maior solemnidade religiosa e civil; para o que, os Prelados<span class="pagenum" id="Page_52">[Pg 52]</span> e os -Governadores Civis com a melhor vontade coadjuvarão.</p> -</div> - -<p>Quanto ao segundo fim, facilmente se desempenharão d’elle as -Sociedades-mães, examinando, com circumspecção e madureza, por via -de discussão nas suas sessões, e de publicidade no seu jornal, e em -outros, os pontos carecentes de reformação legislativa ou executiva, -quer em relação aos tributos e direitos, quer ás isenções, quer aos -premios, quer aos tratados de commercio, quer ás communicações de terra -e agua, etc.</p> - -<hr class="tb" /> - -<p>Para quasi todas estas coisas necessitam de dinheiro as Sociedades -mães; e nem é justo, nem prudente, pretender que sobre os homens -zelosos que as compõem caia mais esse ónus; antes é nossa opinião, -que de nenhum d’elles se deve exigir nem joia, nem mensalidade, nem -quotisação. Pelo contrario: se fosse possivel, todos os que ás sessões -concorressem, todos os que trabalhassem, haviam de ter direito a uma -determinada remuneração, como em certas Academias Reaes e dotadas -acontece. Fôra isso mais um penhor de estabilidade, mais um estimulo -para acção.</p> - -<p>¿D’onde porém ha-de vir o dinheiro? de uma loteria annual do Districto, -autorisada pelo Governo, e cujos premios poderiam ser em bens de raiz, -animaes, e instrumentos agrarios; premios muito mais prestadios que o -dinheiro, em relação aos fins do instituto.</p> - -<p>Poderia vir mais, de doações ou heranças<span class="pagenum" id="Page_53">[Pg 53]</span> (que não deixaria de as -haver), logo que a experiencia houvesse demonstrado a firmeza e -efficacia de taes institutos. Os documentos d’esta asserção acham-se -em bom numero nas historias das Misericordias, Hospitaes, Albergarias, -Casas-pias, Asylos de infancia e de velhice, e mais instituições de -beneficencia, tanto dentro como fóra de Portugal.</p> - -<p>Poderia vir de beneficios nos theatros, assemblêas, phylarmonicas e -outras.</p> - -<p>Poderia vir, e muito provavelmente viria, de christianissimas oblatas -dos Prelados.</p> - -<p>Poderia vir do producto dos alugueres de animaes para creação, e de -instrumentos.</p> - -<p>Poderia vir da venda dos jornaes, cathecismos, e mais obras uteis -vulgarisadas pela mesma Sociedade.</p> - -<p>Poderia vir, finalmente, de uma quinta, ou predio exemplar, propriedade -que cada uma das Sociedades mães deveria ter, para as suas experiencias -e demonstrações praticas, e com que, ao mesmo tempo que ensinasse -mudamente aos seus visinhos, redobraria a fé e fervor nos seus -consocios.</p> - -<p>Em summa: tudo quanto concorresse para abastar, acreditar, influir, -radicar, e perpetuar estas Sociedades, poderosissimos focos de -fecundação, tudo seria para tentar e aproveitar.</p> - -<p>Quizeramos nós ver já chegado o tempo, em que cada uma d’estas -Sociedades promotoras ha-de reunir no seu gremio todas as illustrações -agricolas e scientificas dos seus contornos, todos os proprietarios -territoriaes e industriaes, os philanthrophos e caritativos, os ricos -e os negociantes, as autoridades<span class="pagenum" id="Page_54">[Pg 54]</span> e as forças de todo o genero, os -mundanos mesmo, e até os avarentos.</p> - -<p>Tomáramos vel-a no meio de um torrão bem seu, bem cultivado, bem jardim -e bem palmito; em casas suas bem suas, bem alegres, bem hospedeiras, -bem convidativas; com a sua bibliothecasinha muito franca; com o seu -deposito patente de instrumentos e machinas, arsenal de guerra contra a -esterilidade.</p> - -<p>Tomáramos vel-a, centro attractivo para os passeios dos domingos por -entre as hortas frescas, os pomares avergados, as searas luxuriantes, e -os jardins ridentissimos.</p> - -<p>Ás conferencias de tão feiticeira corporação, ¿como deixariam de -concorrer até as damas e os mancebos, com mais fervor que aos -Parlamentos, quasi com tanto como aos theatros?</p> - -<hr class="tb" /> - -<p>Eis collocadas as rodas grandes, ás quaes o juizo do Governo e o do -publico hão-de servir de motor e mola real. Consideremos as pequenas -rodas, as que, engranzadas com estas, e recebendo d’ellas o movimento -hão-de ir actuar sobre cada pequeno lavrador, sobre cada palmo de -terreno.</p> - -<p>São as Sociedades filiaes.</p> - -<p>Compôr-se ha cada uma d’ellas dos grandes ou pequenos cultores, -proprietarios, e mais interessados da circumvisinhança, sob a -presidencia do Parocho, do Administrador do Concelho, ou qualquer dos -socios, preferido á pluralidade de votos.</p> - -<p>Reunir-se-hão em dias e horas, em que a cessação,<span class="pagenum" id="Page_55">[Pg 55]</span> dos trabalhos ruraes -lhes dê vaga para discutirem, e aos não socios occasião para assistirem -á discussão, e illustrar-se.</p> - -<p>O jornal da Sociedade-mãe subministrará a estas Sociedades-filhas assaz -de pontos de sólido interesse, com que se occupem.</p> - -<p>Quando porém assim não aconteça, as conveniencias locaes são em toda a -parte um thema inexgotavel.</p> - -<p>N’estas pequenas reuniões se elaborarão os projectos de melhoramento, e -se procurarão os meios para se elles realisarem.</p> - -<p>Os melhoramentos podem depender unicamente de boa vontade e exforços -dos moradores da terra; podem depender de soccorros intellectuaes ou -materiaes da Sociedade-mãe; ou podem ser taes, que só o Throno, ou só -o Parlamento, lhes abra caminho. No primeiro caso, a Sociedade-filial, -por si e pelos seus adherentes, tratará de os realisar; no segundo -caso, recorrerá á Sociedade-mãe para que lhe acuda. No terceiro, -recorrerá ainda a ella, para que requeira, apadrinhe, e faça apadrinhar -o requerimento.</p> - -<p>Cada uma das Sociedades filiaes estará pois em continua correspondencia -com a respectiva Sociedade mãe, com mutua e manifesta utilidade; pois -se, por um lado, as innovações e progressos podem vir das nações mais -peritas em Agricultura até ao casal mais embrenhado nas serras, como, -pela irrigação, as aguas, hauridas das entranhas da terra, vão desde o -tanque que as recebe, até ao pé da plantinha mais afastada na fazenda, -por outro lado, e em compensação, todas as phases e circumstancias das -culturas<span class="pagenum" id="Page_56">[Pg 56]</span> parciaes, nas suas ultimas ramificações, convergirão, por que -assim o digâmos, para o sensorio commum do Districto, habilitando-o -d’est’arte a raciocinar, com exacção e segurança, sobre as necessidades -e conveniencias de todos e de cada um.</p> - -<hr class="tb" /> - -<p>A estas propostas, pede o rigor logico ajuntemos outra, que lhes valerá -de complemento natural. Esta proposta, a mais importante de todas -quantas se podem fazer, é a creação de um <i>Ministerio dos negocios da -Agricultura</i>.</p> - -<p>N’este Ministerio se centralisariam as luzes de todas as -Sociedades-mães. N’elle, como em um espelho concavo, se reuniria, -transmittido por ellas, o conhecimento preciso de todas as fracções -topographicas do Paiz; e, como de um espelho convexo, d’elle se -dispartiriam para os pontos mais remotos, como para os mais proximos, -providencias salvadoras.</p> - -<p>O Ministro da Agricultura, lavrador elle mesmo, comporia a sua -Secretaría de homens da sua confiança, de reconhecida honra, patriotas, -amantes da terra, agricultores, proprietarios ruraes, ou naturalistas.</p> - -<p>Auxiliado pelas luzes de taes empregados, pelas luzes e communicações -da Imprensa, e pelas representações das Sociedades-mães, elle poderia -não só dar quotidianamente mil providencias importantes comprehendidas -nas suas attribuições, mas ainda apresentar ao Parlamento grandes -projectos para Leis<span class="pagenum" id="Page_57">[Pg 57]</span> salvadoras, que não tardariam a ser sanccionadas.</p> - -<hr class="tb" /> - -<p>Resumâmos-nos, e terminemos.</p> - -<p>Portugal está pobre; não tem para pagar as dividas; não tem para se -manter; e de anno para anno se deteriora a sua sorte. O presente é um -martyrio: o futuro, que deve resultar da continuação de tal presente, -horrorisa a imaginação.</p> - -<p>Portugal está desatado; ha insociabilidade, ha odios mutuos e acerbos, -e que, herdados e transmittidos pela educação, se tornarão ainda mais -implacaveis.</p> - -<p>Portugal (consequencia legitima das duas verdades precedentes) tem -a sua moralidade relaxada, ou perdida. O instincto de vida lhe está -aconselhando Agricultura, como riqueza, como vinculo, como civilisação.</p> - -<p>Portugal tem terras, que pedem braços e população, e tem muitos -milheiros celibatarios ociosos, que folgariam de as cultivar; -tem um Exercito, que o devora, tanto quanto o podia opulentar, e -cuja existencia se não abona por nenhuma sincera consideração de -independencia, de paz, ou de ordem publica.<a id="FNanchor_1" href="#Footnote_1" class="fnanchor">[1]</a></p> - -<p>A philosophia, que festejou a abolição total das Ordens religiosas, a -despeito de tão fortes argumentos moraes e juridicos, requer, sob pena -de flagrante inconsequencia logica, a secularisação d’estes conventos -militares.</p> - -<p><span class="pagenum" id="Page_58">[Pg 58]</span></p> - -<p>Quem expulsou os Frades, do claustro para a fome, ¿por que não -convidaria os Soldados, do quartel para a lavoira? O paralello entre os -Soldados e os Frades poderia ser extenso, e conteria um grande poder de -argumentação <i>a fortiori</i>; mas é obvio; qualquer por si o fará em -querendo.</p> - -<p>Portugal tem, afóra o Exercito, um crescido numero de individuos e de -familias, que definham, que, litteralmente falando, morrem á fome. -¿Qual d’essas familias, qual d’esses individuos, recusaria um torrão, -fosse onde fosse, se todo o torrão, com a boa vontade, é meza posta?</p> - -<p>Dados á Agricultura operarios, que existem, e que lhe falecem, ella -mesma pela sua energia vital intrinzeca se desenvolveria, pois vemos -que assim mesmo, ao acaso e desajudada, lá começa a revolver-se -para se querer alevantar. As Sociedades promotoras augmentariam e -dirigiriam essa mesma energia, chegando com a sua acção, de um lado -pelas Sociedades secundarias, até aos casaleiros; do outro lado, pelo -seu crédito, pelas suas relações, pelo seu valimento, até ás Camaras -legislativas e ao Governo. O Ministerio dos negocios da Agricultura -daria unidade aos movimentos d’este vasto e bello corpo.</p> - -<p>Então o futuro estaria conquistado, as dividas mortas, os males sanados -e esquecidos. Então haveria força publica, porque haveria fé; haveria -em todos os corações amor da Patria, porque haveria a todos os olhos -uma Patria para amar. A guerra interna seria impossivel. A guerra -externa, se podesse jamais accommetter-nos, veria rebentar da terra<span class="pagenum" id="Page_59">[Pg 59]</span> -exercitos invenciveis, porque defenderiam as suas lareiras, as suas -hortas, e os seus filhos. O Thesoiro trasbordaria para todas as artes -preciosas da paz, porque haveria fontes perennes e copiosas para a sua -alimentação.</p> - -<hr class="tb" /> - -<p>¿Será isto uma utopia?</p> - -<p>¡Utopia!... A utopia, a chymera, o absurdo, é pretender colher fruto -de arvore sem raiz e carcomida de musgo; é presumir, que a um edificio -arruinado se acode remendando lhe com barro, aqui e acolá, as paredes -exteriormente; é cuidar, que se ressuscitará um afogado calcando-o -para o fundo do lodo, e lançando-lhe penedos para cima. A utopia, a -desgraça, e a miseria, é crer que as palavras, as estenographias, os -algarismos, são capazes de crear coisa alguma. Creadores, abaixo de -Deus, não os ha senão o campo, e o amor. O senso commum o sabe, e a -Historia não sabe outra coisa.</p> - -<p>Feliz o Deputado, que entrasse pelas salas do Parlamento com um -projecto de organisação agricola, egual ou semelhante a este, e, -levantando o por cima da sua cabeça, exclamasse:</p> - -<p>«Por amor de vós e da vossa descendencia, salvemos a Patria, hoje que -ainda é tempo. Adiemos, por consenso unanime, todas as outras questões -alcunhadas maximas. Decidida esta, todas se haverão n’ella resolvido.»</p> - -<div class="blockquot"> - -<p>Setembro de 1848</p> -</div> - -<p><span class="pagenum" id="Page_61">[Pg 61]</span></p> - - -<div class="footnotes"><h3>NOTAS DE RODAPÉ:</h3> - -<div class="footnote"> - -<p><a id="Footnote_1" href="#FNanchor_1" class="label">[1]</a> Na <i>Revista Universal</i>, artigo 1378 do 2.ᵒ volume p -ponderámos falando no orçamento do Ministerio da Guerra.</p> - -</div> -</div> -<hr class="chap x-ebookmaker-drop" /> - -<div class="chapter"> -<p><span class="pagenum" id="Page_60">[Pg 60]</span></p> - -<h2 class="nobreak" id="IV">IV<br /><span class="small">Continuação</span></h2> -</div> - -<p class="center caption">SUMMARIO</p> - -<div class="blockquot"> - -<p>A organisação de Sociedades, já proposta, não se deve regeitar, -ainda que se reconheça por defeituosa.—Deseja o autor, que todos os -homens de algum poder sejam utopistas como elle.—Liga promotora dos -Interesses materiaes do Paiz; seu Elogio, com uma restricção.—Um -Banco para adiantar dinheiro aos lavradores fará muito beneficio, -mas só quando Parlamento e Governo agricolas houverem proporcionado -ao lavrador instrucção, dado protecção aos seus trabalhos, aberto -caminho, sahida, e emprego aos seus productos.—Outra vez Sociedades -agricolas.—Propõem-se succintamente alguns alvitres.—Os estatutos -das Sociedades uteis não pagarem direitos.—A importação de coisas -uteis á Agricultura, premiada.—Premios aos melhores lavradores, aos -introductores de novidades agrarias, aos autores e traductores de -obras agronomicas praticas.—Quintas exemplares.—Mandae mancebos a -outros paizes, habilitar-se para vir ensinar Agricultura.—Escolas de -Agricultura volantes.—Projecto de Lei de premios.—Ordem do Arado.</p> -</div> - - -<p>A organisação que deixámos proposta é susceptivel de modificações e -melhoramentos; firmemente o acreditâmos. ¿Que se segue d’ahi? ¿que se -regeite, porque em vez de optima é só boa? ¿porque em vez de boa é só -medíocre? Absurdo.</p> - -<p>A consequencia discreta e prudente é que, examinada, se emende; -emendada, se approve; approvada, se experimente; e confirmada pela -experiencia, se conserve, se radique, se abençôe, e se aproveite.</p> - -<p><span class="pagenum" id="Page_62">[Pg 62]</span></p> - -<p>¿Não virá porém prematuro o alvitre? ¿Não estaremos cantando alvoradas -a quem não está para acordar? ¡Ainda mal, que bem pode ser isso -verdade! N’esse caso, desde já acceitâmos, antes que nol-o imponham, -o epitheto de loucos; costumado e universal castigo de toda a vontade -generosa, que primeiro mette o pé á vereda que algum dia tem de ser -estrada.</p> - -<p>Oxalá, todavia, que alguns loucos sublimes, convencidos, como nós, de -que já não temos salvação possivel senão pela Agricultura, e de que -Portugal, como o Antheu da fabula, derrubado pelo Hercules do luxo, -só da terra pode reassumir as perdidas forças, appareçam intrépidos -a apostolar Agricultura; uns na Imprensa, que é a grande charrua de -desbravar entendimentos; outros na tribuna, que é onde a rasão publica -se concentra em Lei; outros no Governo, que é onde até sem Lei, não -só ha, se não que sobram, forças para o bem; outros finalmente, e -sobretudo, entre os cabeças administrativos, e os cabeças espirituaes -do Povo.</p> - -<p>Para esses irmãos nossos em caridade e em patriotismo, é que vamos -ainda escrever algumas poucas linhas das nossas solitarias utopias.</p> - -<p>Semeie o homem, que Deus a seu tempo fará nascer.</p> - -<hr class="tb" /> - -<p>N’este momento lemos com a mais viva satisfação, em carta que nos chega -de Lisboa, o seguinte:</p> - -<p>«Para melhorar a nossa Agricultura organisou-se<span class="pagenum" id="Page_63">[Pg 63]</span> agora aqui uma -Sociedade, ou, por melhor dizer, Companhia, com o titulo de <i>Liga -promotora dos Interesses materiaes do Paiz</i>, presidida pelo sr. -Ayres de Sá Nogueira. O fim é agricola. Já celebraram duas sessões no -salão grande do theatro de D. Maria II. Na ultima leu o Presidente um -projecto, que reputava ancora de salvação, segundo o qual se deve crear -um Banco rural em Lisboa, com o fundo de vinte milhões, em dinheiro, -inscripções, apólices, tendo este Banco filiaes em todas as terras do -Reino.»</p> - -<p>¡Bemvindo seja, e vingue, e prospére abençoado nas terras de Portugal, -este tutelar pensamento! Filho é elle, talvez, do que já em 13 de -Fevereiro d’este anno se propunha, se acceitava, e se applaudia na -Sociedade promotora da Agricultura Michaelense, e que os nossos -leitores se recordarão haver lido a paginas 36 e 37 do jornal d’aquella -Sociedade (Assignalamos esta circumstancia, porque, se o alvitre foi -de gloria para San-Miguel, a adopção do alvitre bom não honra menos -a Portugal)<a id="FNanchor_2" href="#Footnote_2" class="fnanchor">[2]</a>. Sim; é esta uma providencia, que alegra, e retinge -de esperanças bem verdes o solo sobre que se alevanta; é como nuvem -chuvosa, que se estende sobre o terreno requeimado e empobrecido<span class="pagenum" id="Page_64">[Pg 64]</span> do -estio; todos os rostos se riem á sua aproximação; os visinhos dão aos -visinhos os parabens; todos saem alvoroçados a receber-lhe as primeiras -aguas; os rebanhos, mesmo a festejam; as aves a cantam, sacudindo as -azas humidas; pela superficie da vegetação corre um frémito voluptuoso.</p> - -<p>Sim; grande e grandioso é o beneficio; ¿mas será elle bastante? não: as -necessidades agrarias são variadas, numerosas, digamos infinitas. Mal -se acode a uma, se a todas se não acode; pelo menos a muitissimas e ás -principaes.</p> - -<hr class="tb" /> - -<p>Suppomos, imaginamos já, o oiro e a prata a choverem á porta do -lavrador na vespera da sementeira, da plantação, do arroteamento; -¿e que digno uso fará o triste rustico d’esses meios de acção, -d’essas forças que se lhe liberalisam, d’essa colheita, que se lhe -antecipou ao trabalhar, se lhe minguam luzes de sciencia alheia, ou -sua, que o dirijam? ¿vontade intima, que lhe dê impulso? ¿certeza, -ou quasi certeza, de consumo ao que vai produzir? ¿Que fará emfim, -se, ainda tendo tudo isto, Leis viciosas o avexarem no seu officio, -lhe arrancarem os operarios e os filhos para a milicia, lhe multarem -com tributos o suor, como se devêra multar a ociosidade, o luxo, e os -vicios, e lhe exposerem a herdade a ser talada pela guerra civil, os -bois do seu arado comidos, as ovelhas do seu adubío espingardeadas, o -carro e as arvores do seu pomar convertidos em fogueiras para aquecer -a tropa rôta, ou a guerrilha descalça<span class="pagenum" id="Page_65">[Pg 65]</span> e bandoleira que transita? -N’uma palavra: ¿que aproveitará que o predio se lhe desentranhe em -frutos, como uma cornucopia, se a estrada para o mercado não existe, -se o rio convisinho, que deve transpôr, não tem ponte, se o que podia -carrear-lhe os moios se obstruiu, e apodrece dormente pelas margens -usurpadas?</p> - -<p>Eis aqui chagas velhas, asquerosas, e envenenadas, que a nossa -Agricultura padece em todo o corpo, e para cujo curativo não é -sufficiente balsamo um Banco rural.</p> - -<p>Se de veras queremos ser salvos, não ha remedio senão soccorrermo-nos -a uma reforma e organisação franca, sincera, absoluta, cabal, -completissima: Côrtes mais lavradoras que financeiras; mais -lavradoras que politicas; ou antes muito <i>politicas</i> por muito -<i>lavradoras</i>; Leis agrarias, e mais Leis agrarias; e para todas -as anti-agrarias suppressão e execração; um Ministerio da Agricultura -fecundo, dadivoso, vigilante, e incançavel como o seu objecto; -e, sobretudo, associação universal dos homens bons, dos homens -intelligentes, dos homens de sciencia, dos homens de fortuna, dos -homens de acção, dos homens de valimento, dos homens patriotas, dos -homens de bem, dos homens homens, finalmente.</p> - -<p>Repitâmol o, ainda a risco de enfadar, e repitâmol-o, porque é -Evangelho: não ha sacrificio, que, por grande, se deva recusar á -terra, pois é ella só que possue o segredo, que os estadistas procuram -cegamente nos livros e nos calculos. Não é no perseguir uns, no -divinisar outros, e no trocar todos com<span class="pagenum" id="Page_66">[Pg 66]</span> perpetuo e devastador fluxo e -refluxo; é no associal-os entre si, e reconcilial-os com a mãe-Terra, -que está a condição facillima de todas as venturas.</p> - -<hr class="tb" /> - -<p>As Sociedades promotoras, quaes as havemos bosquejado, seriam para -o lado dos operarios rusticos pharol, bussola, thesoiro, conselho, -estimulo, protecção, refugio, canal para a entrada dos gados, das -sementes, dos instrumentos novos, e para a sahida e venda dos -productos. Para a parte dos que governam seriam não menos pharol, -não menos bussola, não menos thesoiro, não menos conselho, não menos -estimulo, não menos protecção, não menos refugio, não menos segurança -e felicidade; pois que a felicidade e segurança dos governantes, só da -felicidade e segurança dos governados se compõe, e só d’ellas se pode -compôr.</p> - -<p>Assumpto era este para interminaveis commentarios; mas estreiteza de -papel, mas estreiteza ainda peor de vontade em quem nos ha-de ler (ou -não ler) nos acovarda.</p> - -<p>Dizer tudo, não o podemos; tudo calar não nol-o soffre o coração.</p> - -<p>Vamos cerrar em epilogo mais algumas lembranças, que ahi fiquem já, -de proposta á consideração das futuras e das presentes Sociedades -agricolas, do futuro Ministerio da Agricultura, dos Deputados, e da -Imprensa.</p> - -<hr class="tb" /> - -<p>I—Se a associação é a mãe dos prodigios; se os que se associam dão, -por voluntario tributo,<span class="pagenum" id="Page_67">[Pg 67]</span> tempo, trabalho, despezas, a um interesse -publico; ¿não é repugnante contradicção que o Governo, representante -natural de todos os publicos interesses, lhes carregue ainda os onus, -e, a troco de uma illiberalissima sancção de seus estatutos, de uma -inintelligivel licença para existirem, lhes exija nas secretarias uma -avultada somma pecuniaria?</p> - -<p>¿Não deveriam antes as associações agricolas, as industriaes, as -artisticas, as litterarias, e ainda as de mera e honesta recreação, -ser tão livres como são em nossas casas os convites, os bailes e os -festejos?</p> - -<p>E ainda mais: ¿as uteis não mereceriam, em vez d’esta compressão á -nascença, premios e louvores segundo a sua importancia?</p> - -<p>II—¿A introducção de tudo quanto pode contribuir para o -aperfeiçoamento da Agricultura não deveria ser, da mesma sorte, não só -isenta de direito, senão ainda premiada?</p> - -<p>III—¿Não seria sobre modo util legislar mais premios, para os que no -trato da Agricultura se extremassem? ¿Quem universalisou a cultura -da batata, senão o premio? ¿Não deveria semelhantemente havel-os -para todos os primeiros introductores de novidades agrarias, para os -autores, mesmo para os traductores, de escriptos agronomicos de uso -pratico, verbi-gratia imprimirem-se-lhes gratuitamente esses escritos -pela Typographia Nacional?</p> - -<p>IV—¿Não é já tempo para a creação de quintas exemplares?</p> - -<p>V—¿Não seria ajuizadissima providencia enviar mancebos, previamente -habilitados,<span class="pagenum" id="Page_68">[Pg 68]</span> matricular-se nas escolas agrarias praticas das nações -adiantadas, os quaes, depois de viajadas a França, a Allemanha, a -Inglaterra, a Italia, a Suissa, se recolhessem mestres e regeneradores -para entre os seus conterraneos?</p> - -<p>VI—Os lavradores, os camponezes em geral, dir-se-hia que, semelhantes -ás plantas, lançam não sei que raizes no torrão nativo. A ideia de se -desviarem, mesmo para perto e para pouco tempo, lhes repugna; o seu -viver tem as demarcações da sua fazenda. E depois, fallecer-lhes-hiam -os haveres, para se irem tão longe á escola rural; os haveres, e o -animo tambem, que entretanto ahi lhes ficava a herdade sem tutella, -a casa sem escora, os paes alquebrados dos annos, sem bordão nem -companhia.</p> - -<p>¿Não fôra logo uma providencia tão santa como philosophica e fecunda, -fazer d’esses regressados viajantes—agrónomos, professores ambulantes -de Agricultura, que se fossem de Districto em Districto, e de Provincia -em Provincia, doutrinando como Apóstolos? ¿assentando hoje aqui a sua -escola, á sombra da arvore rustica no alto do oiteiro, e tomando para -thema da prégação os predios circumjacentes; os mais bem cultivados, -assim como os mais errados e perdidos? ¿d’aqui a um mez, mais longe, em -cima das médas da eira, por uma noite de luar, adubando os preceitos, -no meio dos ouvintes apinhados, com episodios da sua Odyssêa por -terras alheias, com apraziveis digressões, sempre bem vindas, sobre a -Sabedoria e Liberalidade Divina?</p> - -<p><span class="pagenum" id="Page_69">[Pg 69]</span></p> - -<p>Como os Apóstolos antigos, estes evangelisadores do trabalho, em toda -a parte assignalariam com milagres a sua passagem; as gandaras se -transformariam em seáras debaixo de seus pés, em pomares e mattas por -cima de suas cabeças; os baldios, em pastagens; os gados famintos, em -lustrosos rebanhos e manadas; a arca mal cheia, em celleiros atulhados; -a borôa sem conduto, em meza saborosa; a choça lodacenta, em casinha de -sobrado e vidraças, com dois ou tres livros para o serão, um leito alvo -e fôfo para a noite, e um oratorio, sempre enfeitado de flores frescas, -para as acções de graças quotidianas.</p> - -<p>Tudo isto, que é infinito para a felicidade, o haveria feito o passeio -de um só homem pela provincia.</p> - -<p>Quando elle houvesse passado, mandasseis muito nas boas horas o exactor -dos tributos; não havia de voltar com as mãos vazias.</p> - -<p>VII—Seja-nos permittido citarmo-nos a nós mesmos, transcrevendo para -este papel de consciencia o que em outro papel, tambem de consciencia, -escreviamos em 17 de Abril de 1845, por occasião do relatorio do Barão -Thénard sobre a admiravel Exposição da Industria franceza n’esse -anno. O conselho que então davamos, ninguem dirá que fosse insensato, -nem vergonhoso ou ruim de receber, nem que, recebido, podesse ser -improductivo; e entretanto.... soou no deserto; não encontrou um só -ecco pelo Parlamento, nem pelo Governo, nem pela Imprensa; ainda -dormiam todos.</p> - -<p>Agora que já a miseria cresceu, em tres<span class="pagenum" id="Page_70">[Pg 70]</span> annos, mais tres seculos, -repetimol-o. Pode ser que já alguem tenha acordado. ¡Oxalá!:</p> - -<div class="blockquot"> - -<p>«Reflicta-se no exemplo d’aquella grande Nação, a França, e cuide-se -em o imitar. Lá a par da invenção, apparece constantemente o premio. -Convidar e abrir salas aos productos da Industria, alguma coisa é, mas -não basta. Para os espiritos capazes de crear, seja em que genero fôr, -não ha estimulo como o do premio honorifico; e o premio honorifico, as -medalhas de oiro, de prata, ou de bronze, recebendo-se como thesoiros, -podem custar pouquissimo a quem as dá. Tantos não são os premiaveis -n’este pequeno Reino, que hajam taes premios de montar a muito; e -¡oxalá que subissem a contos de réis! A esta verba nova de despeza -do Estado corresponderia outra de receita milhares de vezes maior. -Fundada no exemplo da França, dos Estados-unidos etc., parece-nos que -nenhum serviço mais relevante poderia fazer a Sociedade promotora -da Industria nacional, do que offerecer ao Governo, para elle -apresentar ás Côrtes, um projecto de Lei de premios para os inventos -e aperfeiçoamentos. A nossa proxima futura Exposição poderia sahir -dez vezes máis esplendida e animadora, que a passada. ¿E não conviria -até, e não seria inteiramente conforme com o espirito d’este seculo, -crear uma Ordem nova especial para os benemeritos da Industria, como -nos tempos guerreiros se creavam tantas para os extremados no exforço? -¿Será mais honrosa, e será sobre tudo mais util, a heroicidade<span class="pagenum" id="Page_71">[Pg 71]</span> -militar, que o engenho creador e renovador da terra?»</p> -</div> - -<p>Assim bradavamos nós em favor de todos os generos de Industria.</p> - -<p>Hoje limitamos o requerimento á Industria mãe de todas: á Agricultura.</p> - -<hr class="tb" /> - -<p>Homens, que o Povo escolhe e envia, e a quem paga, para lhe formulardes -em Leis a sua vontade, mostrae-vos dignos de tão alta missão; decretae -a <span class="smcap">Ordem do Arado</span>.</p> - -<div class="blockquot"> - -<p>Outubro de 1848.</p> -</div> - -<p><span class="pagenum" id="Page_72">[Pg 72]</span></p> - - -<div class="footnotes"><h3>NOTAS DE RODAPÉ:</h3> - -<div class="footnote"> - -<p><a id="Footnote_2" href="#FNanchor_2" class="label">[2]</a> Pode consultar-se o <i>Agricultor Michaelense</i>, -publicação mensal, orgam da Sociedade, n.ᵒ 2, de Fevereiro de 1848. -Refere-se Castilho a uma proposta do seu consocio José do Canto, -intitulada <i>Banco Rural</i>.</p> - -<p class="right"> -<span class="smcap">Nota dos editores</span><br /> -</p> - - -</div> -</div> -<hr class="chap x-ebookmaker-drop" /> - -<div class="chapter"> -<p><span class="pagenum" id="Page_73">[Pg 73]</span></p> - -<h2 class="nobreak" id="V">V<br /><span class="small">Côrtes agricolas</span></h2> -</div> - - -<p class="center caption">SUMMARIO</p> - -<div class="blockquot"> - -<p>A Patria está em perigo; deve-se deixar de curandeiros. O campo e o -trabalho hão-de salval-a.—Singular historia de um mancebo Inglez.—O -regresso da Agricultura não é desagradavel, nem vil, nem rude; e é o -unico possivel para nós.—Desenvolve-se a já tocada idéia de Côrtes -de lavradores.—Prova-se, que só por este meio teremos Governo, que -mereça o nome de representativo.—Quadro de um tal Parlamento.</p> -</div> - - -<p>Não saiâmos da cabeceira da nossa querida e atribulada enferma.</p> - -<p>Foi poderosa, opulenta, rainha, e bella; jaz sem forças, nua, -desprezada, e agonisante; só a belleza não perdeu ainda. De mais, -é nossa mãe. D’ella e n’ella nos formámos e nos nutrimos; d’ella -recebemos a vida, a fala, as orações da infancia, os conhecimentos, -os brasões, as glorias de todo o genero; d’ella os objectos de todas -nossas affeições mais intimas. O seu ser é o nosso ser; os seus -infortunios são nossos; a nossa prosperidade seria a sua.</p> - -<p>Gratidão, piedade, interesse, sentimento religioso, nos obrigam a não -desamparar a Patria, em quanto respira.</p> - -<p>Superior a ella, não ha senão o genero humano, como acima do genero -humano só ha Deus.</p> - -<p><span class="pagenum" id="Page_74">[Pg 74]</span></p> - -<p>Mas, pela admiravel harmonia, com que a universalidade das coisas está -ligada, não só a Deus e ao genero humano serve quem serve á Patria, se -não que serve ainda á familia, e ao seu proprio individuo.</p> - -<p>Irmãos, não nol-o dissimulemos: a enfermidade de nossa mãe é grave; -os seus males, complicados e antigos; o seu virar-se e revirar-se tão -a miudo, sem poder estar de lado algum, prova desequilibrio geral nos -principios vitaes. Se a queremos salvar, e salvar-nos, não ha remedio -senão lançar fóra todas as beberagens, com que medicos e charlatães -nol-a teem peorado de dia para dia, e recorrer a novo tratamento. -¿Mas qual? o que muitas vezes tem salvo a doentes já desenganados da -medicina: os ares e os exercicios do campo.</p> - -<hr class="tb" /> - -<p>Um mancebo Inglez, nobre, opulento, e excessivamente mimoso da fortuna, -via-se chegado pelos prazeres á insensibilidade, e pelo abuso da vida -ao inevitavel termo d’ella. A Natureza o abandonava; a alma se lhe -anoitecêra; no coração mesmo não lhe vicejava já um só desejo, a não -ser o vago instincto de existencia, que é o <i>ultimum moriens</i>. Nem -a mocidade nem a fortuna tinham já forças para reanimar a sua victima. -A sciencia, baldadas as derradeiras tentativas, lhe voltára as costas -confusa e desconsolada. Não era um moribundo aquelle homem; era um -morto. Para ser enterrado só lhe faltava o acabar de cahir.</p> - -<p><span class="pagenum" id="Page_75">[Pg 75]</span></p> - -<p>Em Paris estava; estatua entre danças; acipreste entre flores; -holocausto entre fragrancias e musicas; e o seu derradeiro sol ia -pôr-se. Reune os servos; despede se d’elles, que choram recebendo os -copiosos effeitos da sua liberalidade. Cerra n’um cofre os papeis, -algumas joias, e um retrato de mulher formosa... que se esquece de -beijar; e, guardando a chave, entrega ao seu hospedeiro este deposito, -com tal declaração de ultima vontade:</p> - -<p>—«Se eu não voltar dentro em um anno, arrombae este cofre; arrecadae -para vós as preciosidades que n’elle achardes; o de mais, que vos seria -inutil, remettei para Londres á pessoa que ahi mesmo fica designada.»</p> - -<p>Não era ainda passado o anno, e já todos, os que o haviam conhecido, -consagravam saudade e algumas lagrimas... (talvez uma lagrima) -ao prematuro e ignorado fim de um mancebo amavel e bom, a quem a -felicidade se azedára em morte.</p> - -<p>¡Eil-o que reapparece, como que de baixo da terra!</p> - -<p>¡Mas quão outro!¡ reverdecido e florescente! o rosto alto; as faces -risonhas; os olhos vívidos; andar ligeiro; todos os movimentos faceis e -graciosos. O semblante crestado revéla que foi o sol e a Natureza quem -o retemperou.</p> - -<p>Pede o seu cofre; abre-o com alvoroço; dá as joias ao seu depositario -fiel; mas o retrato.... ¡beija-o com lagrimas, com alegria, com -soffreguidão! ressuscitára-lhe o coração com a saude.</p> - -<p>¿Que feiticeira, ou que magico, operou<span class="pagenum" id="Page_76">[Pg 76]</span> tamanho prodigio? o -<span class="smcap">Trabalho</span>, e a <span class="smcap">Natureza</span>.</p> - -<p>O pouco vigor que lhe restava, empregou-o, como quem põe a ultima peça -de cobre n’um jogo de parar, na tentativa de um viver duro e sóbrio; -metteu-se ás estradas, obscuro moço de cavalgaduras; sujeitou-se a -todos os caprichos dos viajantes, das estações e do acaso; despejou -a pé, a léguas e léguas, e muitas vezes de um só fôlego, os caminhos -mais asperos, como os suaves, por soes e chuvas, por neves e ventanias; -dormiu contente onde a sorte lh’o deparou: aqui sobre o feno, ou ao -lume; além entre lençoes; mais longe na terra nua e humida; a fome, -cosinheiro optimo, lhe temperou o pão negro e os legumes grosseiros; -o costume dentro em pouco lhe tornou agradavel o remedio, a principio -amargoso. O exforço, que lhe reconquistára a existencia, ficou para -lh’a guardar.</p> - -<p>A historia d’aquelle mancebo podéra ser lição para Nações. O luxo e -o desconcerto tambem as matam, como aos individuos. Tambem, como aos -individuos, o Trabalho e a Natureza as podem ressuscitar.</p> - -<hr class="tb" /> - -<p>De mais, a occupação agricola para um povo nem sequer é desabrida. -Se tem espinhos.... verdura, flores, e frutos lh’os disfarçam. Se a -sua lida é continua, a variedade a acompanha; se lhe chamam canceira, -ella é saude; se pobreza, ella a fonte de todos os haveres; se obscura -e humilde, ella a menos dependente; se rude, ella a mais cheia de -conhecimentos praticos, a mais visinha<span class="pagenum" id="Page_77">[Pg 77]</span> do Creador, e, como tal, a mais -fecunda em inspirações.</p> - -<p>Accrescentemos que para Portugal não ha já hoje outra occupação -possivel.</p> - -<p>¿A conquista? não. ¿Os descobrimentos? não. ¿As minas? não. ¿A -industria? não. As nossas conquistas, os nossos descobrimentos, as -nossas minas, a nossa industria, é o solo da Patria. É o unico mister -para que ainda nos restam braços, instrumentos, forças, e liberdade. É -o unico lavor, em que nenhumas invejas estrangeiras perigosas hão-de -vir perturbar-nos.</p> - -<p>O Sceptro de D. Affonso Henriques, e o de D. Manuel, perderam-se; o de -D. José quebrou-se. Sceptro, e não escárneo, só pode ser hoje no Throno -Portuguez o de D. Sancho I, e o de D. Diniz.</p> - -<hr class="tb" /> - -<p>Em um dos nossos precedentes artigos suscitámos a ideia de Côrtes -lavradoras.</p> - -<p>Este assumpto, que desde então não cessámos ainda de considerar, cada -vez se nos representa mais fundamental, e mais ponderoso para a nova -e desejada reformação; e isto por muitas rasões; mas principalmente -porque é por Leis novas que a Agricultura só pode ser protegida: e -essas Leis, quanto mais agricola for o Parlamento que as dictar, tanto -mais concretas e acertadas hão-de sahir.</p> - -<p class="poetry"> -<span style="margin-left: 1em;">Quem primeiro estreou na terra virgem</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">o arado creador, primeiro aos homens</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">deu macio sustento em aureas messes,</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">e em meditadas Leis costumes, Patria,</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">Céres foi; tudo é dádiva de Céres.</span><br /> -</p> - -<p><span class="pagenum" id="Page_78">[Pg 78]</span></p> - -<p>São palavras postas bem dignamente na bocca de uma das Musas por um dos -maiores poetas do mundo, por Ovidio, que amava e praticava tambem a -Agricultura, e, onde convinha, sabia elevar-se á Philosophia.</p> - -<hr class="tb" /> - -<p>Como faremos nós, porém, para que o Parlamento se componha de -verdadeiros representantes dos interesses agricolas?</p> - -<p>Excellentemente; facillimamente: associando-nos desde já, por toda a -parte, para trabalharmos para as primeiras eleições <i>nacionaes</i> em -sentido <i>nacional</i>.</p> - -<p>Que as sociedades secretas enredem e machinem, no esconderijo das -noites, para a candidatura dos seus politicos. Reunâmo-nos nós, ao -olho do sol dos domingos, depois da Missa do dia, sobre a relva do -adro de cada Parochia rural, a discutir qual é dos visinhos o que -melhor cultiva a terra da Patria, o que tem mostrado mais sincero -amor á lavoira, aos operarios, aos filhos, e a toda a familia; mais -caridade para com os indigentes, mais desvelo para com os animaes -do seu uso, mais observancia das Leis, mais actividade no grangear, -mais innocencia e concerto no viver. Descobertas essas phénices (que -existem, e depressa se descobrem) dêmo-nos fortemente as mãos para não -commettermos a outrem os mais caros dos nossos interesses. Façâmos -d’estas listas de consciencia, que possam entrar sem vergonha na urna, -só então propriamente collocada na casa de Deus e da oração.</p> - -<p><span class="pagenum" id="Page_79">[Pg 79]</span></p> - -<p>E em verdade: ¡com que despejo se ousa ainda, depois de vinte e oito -annos de experiencia e demonstração<a id="FNanchor_3" href="#Footnote_3" class="fnanchor">[3]</a>, chamar <i>representante</i> ou -<i>mandatario</i>, de Gôa ou dos Açores, o homem, de quem os Açores e -Gôa não ouviram jámais falar, e que nem talvez, em carta geographica, -jámais os visse!</p> - -<p>¿Como veio o alemtejano procurador de Traz-os-montes, e o minhoto do -Alemtejo, e quasi sempre o lisboeta de toda a parte, quando o triste -(ou antes o alegre) tudo ignora de todo o Reino, afóra os corredores de -S. Carlos, as alamedas do Passeio Publico, as galerias de S. Bento, e -as arcadas do Terreiro do Paço, d’onde se sobe para as secretarias onde -se requer?</p> - -<p>Eleições de facção. Eleições de dependencia. Eleições de compra, -ou de compadria. Eleições sem côr, ao menos, de verosemelhança -ou possibilidade. Eleições sem eleição. Eleições verdadeiramente -fabricadas nas trevas, e para trevas. Comedia, que seria para rir, -se não fosse para chorar, e mais van cem vezes que as dos tablados, -pois que ahi, ao menos, se o actor não é a personagem que representa, -apparece falando acertadamente como ella, e advogando nos termos -proprios os seus interesses.</p> - -<p>¿Fazem-no assim os representantes parlamentares? Pedi, a uma e uma, -a cada Provincia, que vos mostre o rol dos beneficios,<span class="pagenum" id="Page_80">[Pg 80]</span> de que foi -devedora ás diligencias da maior parte dos desconhecidos mandatarios em -quem votou.</p> - -<p>Uma reforma para fazer, até por Lei, seria que ninguem podesse dar o -seu suffragio a cidadão fora do seu districto demarcado. Então sim, que -poderia existir de veras representação nacional. Os subornos seriam -ainda possiveis, assim como os enganos de vontade, e as fraudes; mas -do mero possivel ao certo, ao constante, ao inevitavel, vai infinita -distancia; e de dois methodos viciosos (mormente onde se trata da -felicidade de um Povo) é sempre ao menos vicioso que se deve dar a -preferencia.</p> - -<hr class="tb" /> - -<p>Ao Governo monarchico absoluto pôz a philosophia uma accusação -peremptoria; a saber: a falsidade manifesta, e conseguintemente a -nullidade, do seu fundamento unico, o <i>Direito Divino</i>.</p> - -<p>¿Aos olhos d’essa mesma philosophia, como poderemos nós sustentar -o chamado <i>regimen liberal</i>, se a sua base, tambem unica, a -representação do Povo, fôr manifestamente uma chimera? ¿Ha ahi quem -negue que ella o seja? ¿Onde está elle? ¿em que parcialidade? ¿e como o -provaria?</p> - -<p>Confessemos, meus amigos, que todos havemos peccado até hoje um -grande peccado contra a Liberdade e contra a Patria, e contra a nossa -consciencia, e contra o senso commum. Confessemol-o, que será nobre, -e sobre tudo será util, a confissão, pois a ella<span class="pagenum" id="Page_81">[Pg 81]</span> se poderá seguir a -vergonha, á vergonha a emenda, e á emenda o remedio.</p> - -<hr class="tb" /> - -<p>As sociedades eleitoraes, uma vez instituidas, poderiam estender a sua -acção benefica a muito mais que á escolha e nomeação dos Legisladores. -Não falamos já nas Juntas de Parochia, cujas attribuições, em ponto -pequeno, são relevantes; mas as Camaras dos Municipios não são talvez -de menos importancia que o Parlamento mesmo; já pela sua influencia, -mais ou menos directa, na feitura dos Deputados, e na formação da -Junta geral do Districto e do Conselho de Districto, isto é na acção -legislativa e na administrativa, já pelas suas proprias attribuições -municipaes, isto é maternaes, domesticas, e economicas.</p> - -<p>Em quanto só se procurarem campeões da Politica para Vereadores, -como geralmente se costuma, os campos e as aldeias, a lavoira, e mil -pequenas industrias, só terão padrastos em vez de paes.</p> - -<p>N’uma palavra:</p> - -<p>Para que o Systema representativo seja uma realidade, uma formosura, -uma salvação; para que se coadune com o entendimento, com a -vontade, com os multiplicadissimos interesses de todos; não é só -util e necessario, é indispensavel, que os cargos electivos, de -qualquer natureza que sejam, se dêem segundo as aptidões, para bem -se preencherem sem respeito algum ás opiniões politicas, nem á -indifferença e á incredulidade, pois muita gente ha ahi hoje, e da -melhor<span class="pagenum" id="Page_82">[Pg 82]</span> em consciencia e em patriotismo, a quem tão longas decepções -tornaram incrédula, e apparentemente indifferentista sobre os negocios -publicos.</p> - -<p>Não nos explicámos bem. Ha muita gente, que, enfadada de ver a -Politica substituida constantemente pela individualidade, as coisas -pelas pessoas, e os principios pelas ambições, não vai enxovalhar -o seu patriotismo na tauromachia das eleições, nem nas orgias -dos clubs; conserva latente, e como que de reserva para melhores -tempos, o seu patriotismo; mas que, chegada a hora de o mostrar por -obras, o presentará inteiro, energico, productivo, desinteressado, -incorruptivel, e inquebrantavel.</p> - -<p>Eis ahi, sobre tudo, os salvadores de que havemos grandemente mistér -para Deputados, para Vereadôres, para Conselheiros de Districto, -para membros da Junta geral de Districto, e das Juntas de Parochia, -em summa, para todos os postos que forem electivos, desde a base -até ao vértice da pyramide; ¡e oxalá que electivos fossem todos os -cargos, havendo, por toda a parte para as eleições a confederação, que -propomos, dos homens sinceros, de bem, e patrioticos! assim como ¡oxalá -não houvesse um só cargo electivo em quanto a eleição fosse uma mentira -e uma injuria! injuria tanto para os que diante da urna arremedam -votar, lançando listas que não leram, como para aquelles sobre quem -taes escolhas recaem; como para quem, no fundo de espeluncas, fabricou -a seu bel praser essa expressão de uma vontade popular que não existe.</p> - -<p><span class="pagenum" id="Page_83">[Pg 83]</span></p> - -<p>Este alvitre, este conselho, esta supplica, que a philosophia, que a -honra, que o santo amor da Patria dirigem a todos e a cada um de nós, -só os ambiciosos vís, só os mal amigos da Patria, só os insensatos, os -poderiam repellir.</p> - -<p>Maravilhosamente salutares para os governados, elles o são não menos -para os governantes. O Rei, o Ministerio, que por esta estrada franca e -descoberta uma vez se resolvessem a caminhar, seriam o mais popular e o -mais abençoado dos Reis, e o mais duradoiro de todos os Ministerios.</p> - -<p>As revoluções não nascem de mais de tres causas: o horror instinctivo -do homem para com o engano, para com a violencia, e para com a fome.</p> - -<p>O Governo representativo, assim, não seria uma burla; as consciencias -fariam a sua obra sem coacção; e, por uma consequencia necessaria, Leis -boas trariam por toda a parte abundancia, e com ella contentamento e -bons costumes.</p> - -<p>O Povo, que não é jamais suicida, e tem um maravilhoso instincto do -bem, defenderia como arca de alliança o Governo que a taes destinos o -houvesse conduzido.</p> - -<p>... <i>Deus nobis hæc otia fecit.</i></p> - -<hr class="tb" /> - -<p>Limitemo-nos porém ao nosso ponto primario, Côrtes agricolas, pois, -conseguidas ellas, por ellas, que fazem as Leis, facilmente se -conseguirão todas as outras necessarias innovações.</p> - -<p><span class="pagenum" id="Page_84">[Pg 84]</span></p> - -<p>Seja pois o incançavel empenho das sociedades eleitoraes, que desde já -se devem formar, o contrabalançar, vencer, e destruir, a influencia -maléfica das sociedades eleitoraes já existentes, secretas ou publicas, -mas todas ellas exclusivamente <i>politicas</i>; diversas entre si, e -até inimigas mutuas, mas todas comprovadamente impotentes para bemfazer.</p> - -<p>Á vista da incontestabilidade de ser a Agricultura a que só nos pode -restaurar, poderia perguntar-se: ¿Não conviria votar unicamente em -agricultores para Deputados?</p> - -<p>A nossa opinião é que o Parlamento deve conter de tudo; sem o que, -não seria representação <i>nacional</i>; e por outra parte, a não -ser assim, se acharia carecente de muitos conhecimentos necessarios. -Entretanto, pela mesma rasão de dever elle ser representação -<i>nacional</i>, deve compôr-se de lavradores a sua grande maioria, -pois ou em exercicio, ou em propriedade, lavradora é, e lavradora deve -ser, a pluralidade da nossa gente.</p> - -<p>Entretanto, como as nossas associações eleitoraes não hão-de ser as -unicas a trabalhar, como as do egoismo mal entendido e incorrigivel -hão-de sempre existir, e sollicitar com tanto mais força, quanto mais -se sentirem contrastadas pelas nossas diligencias, prudentissimo -arbitrio fôra que nos cerrassemos nós outros em esquadrão, para só -votarmos em lavradores, e, quando muito, em um ou outro industrial -benemerito e de esperanças. ¡Felizes, ainda assim, se os nossos eleitos -constituissem a maioria, e se os<span class="pagenum" id="Page_85">[Pg 85]</span> exforços e machinações dos inimigos -só lograssem pôr na teia parlamentar a proporcionada e necessaria -mescla dos outros interesses secundarios!</p> - -<hr class="tb" /> - -<p>Outra consideração, que muita força nos faz para instarmos pela maioria -agricola no Congresso, é que, mesmo para só equilibrar os interesses -da terra com todos os outros bem ou mal entendidos interesses, é -indispensavel que os partidarios dos primeiros sejam muito mais -numerosos que os dos segundos.</p> - -<p>A Arithmetica, com parecer de exacção absoluta, é, por via de regra, -em coisas moraes, a mais erronea de todas as medidas. As decisões por -votos nol-o provam a cada hora: nas assembleas <i>dez</i> podem ser -mais que <i>cem</i>, e todos os dias o são.</p> - -<p>Christovão Colombo era um só contra toda uma armada; Galileu um só -contra todo o mundo: e todavia, com um só voto contra tantos, a America -descobriu-se, e a Terra move-se.</p> - -<p>Não pretendemos inferir d’aqui o absurdo de que se outorgue a palma -ás minorias; a nossa consequencia d’aquelle principio inquestionavel -é que n’uma corporação destinada a um grande fim social, mas que por -força tem de ser composta de elementos heterogeneos, alguns nullos, e -não poucos hostis, se os presumptivos partidarios da boa causa são por -sua natureza menos atrevidos e influentes que os seus antagonistas, -só pelo<span class="pagenum" id="Page_86">[Pg 86]</span> excesso do numero é que poderão compensar o que em forças e -importancia lhes falleça; e portanto, se ambicionâmos que triumphe a -boa causa, temos de fazer pela quantidade d’elles a compensação da sua -qualidade.</p> - -<p>Os filhos dos campos, qualquer jerarchia, educação, illustração, que -aliás lhes supponhâmos, teem, em toda a parte, em presença dos filhos -das Cidades, um não-sei-quê de pudor e timidez, que parece ser fruto -indigena da solidão. Como as creanças e as mulheres, perdem elles -metade das suas forças e recursos naturaes, logo que sentem que são -observados. A duplice desconfiança em que estão, por uma parte, da -sua rudez, por outra, da superioridade e maligno escarneo dos bem -falantes, lustrosos, e regalados moradores das cidades, onde elles só -entram como fornecedores e servos, quebra-lhes metade da sua energia -varonil. Creados com o falar sóbrio, chão, e sem atavios, não só a -eloquencia dos fazedores de phrases os deslumbra, mas até a verbosidade -esteril os enleia e os sophisma; esgrimindo com arrogancia, se os não -convence, muitas vezes lhes desarma o bom senso, só forte da sua força -intrinzeca. Finalmente, a tatica e estrategia parlamentar, sciencia -occulta que se não aprende em poucos dias, por mais predisposição que -se tenha para desleal e ruim, hão-de sempre trazer o pobre aldeão -sincero como vendido, romper-lhe as fileiras no fervor do combate, -voltar-lhe as armas contra si, precipital-o em ciladas, converter-lhe -a miudo a victoria ganha em derrota, endoidecel-o, desgostal-o, e -pôl-o em<span class="pagenum" id="Page_87">[Pg 87]</span> fuga para o seu campo amado, que o conhece, e que é d’elle -conhecido, e para entre os seus visinhos, cujos enganos elle sabe -antever e illudir.</p> - -<p>É por tudo isto que, se o numero os não affoitar, elles serão sempre -derrotados; e o beneficio, que á Patria poderiam fazer, se mallogrará -a despeito das suas consciencias, sans como os seus ares, e das suas -rasões, robustas, mas informes como os seus troncos.</p> - -<p>Estas Côrtes levariam ainda muitas outras vantagens a quantas para -ahi se nos teem feito em nosso nome. As provincias, pelo trato mutuo -dos seus representantes, ficar-se-hiam conhecendo; fraternisariam; -aprenderiam, umas de outras, com que adiantar ou aperfeiçoar as suas -culturas.</p> - -<p>Seria applicar á primeira das artes beneficios proporcionaes aos -que as luzes superiores teem ultimamente recebido dos <i>Congressos -scientificos</i>.</p> - -<p>Ainda mais, e ainda melhor: o Rei, que tudo deve presencear, e não pode -demover-se do seu Throno, ouviria e veria d’est’arte as provincias; -abrangeria com a imaginação, com o amor, e com as providencias, alguma -coisa mais que o recinto confuso da sua Capital.</p> - -<hr class="tb" /> - -<p>Pintae, meus amigos, desde já, na phantasia, o que serão taes Côrtes, -se a Divina Bondade nol-as tem de outorgar:</p> - -<p>Homens fortes, sizudos, vestidos do seu linho, e modestas lans fiadas e -tecidas por<span class="pagenum" id="Page_88">[Pg 88]</span> suas filhas e companheiras; condecorados, não com fitas, -mas com os honrosos calos da charrua; não frizados pelo cabelleireiro -parisiense, mas com o semblante bello de hombridade, e crestado dos -soes; sem pomposos nomes herdados, mas creando cada um d’elles um, -de que seus descendentes se não hão-de envergonhar. Madrugam para o -grangeio da Patria, como lá costumavam fazel-o para o da fazenda; -aproveitam em cheio as horas, como nos dias apressados da sementeira. -As suas vozes, sem outras entoações que as da convicção e do affecto, -expõem as verdades com a graça inimitavel da nudez, como na eira do -seu casal deixavam espairecer sem vestidos os seus filhinhos e netos. -Os seus discursos são como os seus predios: frutos, e não jardins; -pão, gado, azeite, vinho, madeira de córte, em vez de flores ephémeras -e estéreis. As suas argumentações não lh’as ensinou a logica das -assemblêas, essa perigosa tintureira de verdades e mentiras; dos factos -positivos lhes saem sem exforço as consequencias, como do grão do trigo -a espiga do trigo, do caroço a arvore, e do amor dos homens a virtude.</p> - -<p>Os talentos, as boas vontades, as emprezas promettedoras, não expirarão -á mingua; elles sabem que uma pouca de rega tem dado vida e fruto a -muito pomar. Não mesquinharão os salarios ao trabalho, mas exigirão que -o trabalho os mereça, porque ouviram ao seu Pastor ler no Evangelho, -que se não deve amarrar a bocca ao animal que está suando na debulha. -Não sorriem com philosophica sobranceria do que se refere ao unico<span class="pagenum" id="Page_89">[Pg 89]</span> -principio sólido de toda a moral humana; elles presencearam sempre, -assim como o carvalho da serra e a hervinha emboscada no vallado, que -luz e calor não procedem senão de cima. Ao votar, não interrogam os -olhos ou os acenos de ninguem; ¿perguntaram elles jamais se se devia -plantar na estação propria, ou se ao rebanho sequioso se havia de dar -de beber? Os motivos ruins, não os entendem; ¿que insensato dispôz -nunca tojos e espinheiros na herdade amanhada para o manter? O medo -das contrariedades não lhes tolhe pugnar pelo que é de sua natureza -prestadio; estão affeitos a ver as intempéries das estações ameaçarem -a seára, e a seára, por derradeiro, encher a tulha. Ignoram a sciencia -dos financeiros, mas sabem que a diligencia e a boa-fé grangeiam -cabedaes. Os pontos duvidosos, meditam n-os antes de os decidir, como -antes de comprar uma courella examinavam comsigo e com os visinhos a -indole do chão, as conveniencias e as desconveniencias do seu fabrico. -Não armam á fama, nem trepidam diante das injurias; as phrases dos -periodicos malignos, como as dos lisonjeiros, lhes resvalam pelo ouvido -sem entrar; ¿ha-de-se deter a junta de bois no meio do sulco, porque -zuniu o mosquito?</p> - -<p>No fim de cada sessão, retiram-se contentes do que fizeram, para -meditarem, cada um a sós, com o seu entendimento e coração, o que lhes -resta para fazer. O amor do genero humano é o seu ultimo pensamento -antes de adormecer; a ventura da sua aldeia, da sua provincia, e da -Patria, o seu sonho<span class="pagenum" id="Page_90">[Pg 90]</span> de toda a noite, de todas as noites, e de todos os -dias.</p> - -<hr class="tb" /> - -<p>¡Oh! ¡meu abençoado Parlamento de lavradores! Semelhante ao enxame -industrioso, vós fabricareis sem estrondo, do que ha mais bello e -amavel sobre a terra: para ella o oiro liquido e medicinal do mel, para -o Ceo os santos lumes dos altares.</p> - -<p>Como vós, todos nós gosaremos da doçura que houverdes preparado; só -os zangãos vos odiarão. A vossa Rainha, no cimo da colmeia, feliz e -abençoada, não terá inveja aos maiores Soberanos.</p> - -<p>¡Oh! ¡podesse Ella, entre os seus innocentes e maternaes sonhos de -ante-manhan, perceber, levados por algum Genio de amor, uns eccos -sequer d’estes nossos votos!</p> - -<p>O seu entendimento avaliaria quanto ha de intrinzeca bondade, e de -affecto aos homens, e de devoção para com Ella mesma, n’estes votos de -Portuguez.</p> - -<p>A felicidade de um Povo, e a de quem o rege, são uma e indivisivel.</p> - -<div class="blockquot"> - -<p>Novembro de 1848.</p> -</div> - - -<div class="footnotes"><h3>NOTAS DE RODAPÉ:</h3> - -<div class="footnote"> - -<p><a id="Footnote_3" href="#FNanchor_3" class="label">[3]</a> Castilho começa aqui a datar o aprendizado constitucional -desde a revolução de 1820.</p> - -<p class="right"><span class="smcap">Os editores.</span><br /> -</p> - - -</div> -</div> -<hr class="chap x-ebookmaker-drop" /> - -<div class="chapter"> -<p><span class="pagenum" id="Page_91">[Pg 91]</span></p> - -<h2 class="nobreak" id="VI">VI<br /><span class="small">O Clero, e as Mulheres</span></h2> -</div> - - -<p class="center caption">SUMMARIO</p> - -<div class="blockquot"> - -<p>Na obra proposta, para todos ha tarefa: a dos escriptores é semear -a palavra.—Defensa e apologia do Clero; necessidade e modo de o -reformar.—Os Bispos, eleitos pelo Povo, apresentados pelo Governo, -confirmados pelo Pontifice.—Um Seminario para cada Bispado, em -que se ensinem, com as sciencias moraes e mysticas, os rudimentos -das sciencias terrestres mais necessarias.—As Parochias providas -pelos respectivos Bispos, e modo como.—Vantagens que d’ahi -resultarão.—Justo panegyrico das mulheres.—Reivindicação para ellas -do direito de votação.—Bens, que de um tal acto de justiça deveriam -advir á sociedade.</p> -</div> - - -<p>Os pensamentos do nosso coração acharam eccos; é porque o santo amor -da terra e dos homens não morre nunca. O fogo existia; a nossa voz não -fez mais do que assoprar de cima de uma parte d’elle a cinza que o -occultava.</p> - -<p>¿Com tão felizes auspicios, como poderiamos nós deixar de proseguir? -Prosigâmos; não já a sonhar em voz alta, mas em voz alta a meditar, a -propôr, a pedir.</p> - -<hr class="tb" /> - -<p>Concordes estamos (dir-se-hia que por uma inspiração salvadora, -baixada na hora<span class="pagenum" id="Page_92">[Pg 92]</span> da angustia sobre todos nós ao mesmo tempo) concordes -estamos, e convencidos, de que só a associação das nossas forças, tão -malbaratadas até agora em mutuamente se espedaçarem, e apesar d’isso -ainda tão grandes, tão sufficientes para uma façanha; applicando-se com -fé, com ardor, com perseverança, á Agricultura, pode não só aguentar as -nossas cidades, que a lanço e lanço se desabam, mas fundal-as novas, -dilatar e multiplicar as aldeias, engrinaldadas de vegetação frutifera, -transformar a guerra em amor, a mendicidade em trabalho, o roubo, a -venalidade, a agiotagem, a alcunhada <i>politica</i>, e a prostituição, -essas outras mendicidades, muito mais torpes e odiosas, em honesta e -folgada vida, em producção, em virtude, em paz, em contentamento, em -gloria, em liberdade, em poderio.</p> - -<p>Fomos um grande Portugal; em nossa mão está sermos, e breve, um -Portugal ainda maior, mais formoso, mais seguro, mais festejado, mais -attractivo para estrangeiros, mais hospedador de suas prendas, de suas -artes, de suas sciencias, de sua multiplice civilisação.</p> - -<p>Queirâmos; queirâmos de veras. Congreguemo-nos fraternalmente; os dos -campos, nos campos; os da cidade, com os olhos n’elles. Lavremos e -semeemos todos; uns com o ferro e o grão, outros com o oiro, outros -com a doutrina, que tambem é oiro; os legisladores com as Leis; os -magistrados com a protecção; e nós, nós os apóstolos descalços, a quem -a Providencia recusou terra, oiro, sciencia, e autoridade, mas a<span class="pagenum" id="Page_93">[Pg 93]</span> quem, -em compensação de tudo isso, outorgou alguma alma e muitissimo amor, -nós os escritores, semeemos tambem alguma coisa no chão da Patria, a -que já está impendente larga benção de regeneração: semeemos a palavra.</p> - -<p>Que nenhum de nós se acovarde por desconfiança de sua fraqueza; que -nenhum sonegue o que tem por verdade, com medo de que os poderosos lh’o -desprezem, os nescios lh’o impugnem, e os malignos lh’o escarneçam. -Onde a boa vontade nos houver illudido, valer-nos-ha ella mesma de -excusa; e, á falta de approvação, conciliar-nos-ha o tacito affecto dos -homens de bem.</p> - -<p>Quanto a nós individualmente, assás havemos já provado n’estes artigos, -cujo fio vamos seguindo, quanto, apesar de conhecermos melhor que -ninguem a nossa incompetencia, e a confessarmos a cada hora, propomos -com lisura e franqueza, o que julgamos poder salvar a nossa moribunda.</p> - -<p>Nem a lisonja, nem contemplações pusillanimes, nem medo a ruins -interpretações, nem a indifferença d’aquelles mesmos por quem fazemos -votos, nos demoveram ainda do nosso proposito, atrevido talvez, mas -honrado de certo.</p> - -<p>Com egual abnegação, com egual soltura, com ainda maior convicção, pois -nos cresce de mez para mez, continuaremos a lavrar o nosso testamento -de Portuguez, estas desenfeitadas linhas, mas para nós mais amadas, que -toda quanta poesia nos florejou a mocidade.</p> - -<p><span class="pagenum" id="Page_94">[Pg 94]</span></p> - -<hr class="tb" /> - -<p>Para dois pontos convocamos agora a attenção sizuda das nossas futuras -Sociedades promotoras da Agricultura, do Parlamento de lavradores, que -os seus esforços nos hão-de produzir, do Ministerio da Agricultura, que -esses legisladores hão-de fundar, e finalmente do proprio Throno; para -o que, novamente rogamos a todos os nobres missionarios da Imprensa -levem os nossos alvitres, corroborados com o seu saber, e ungidos com -a sua eloquencia, até onde o humilde e longinquo da nossa voz os não -deixaria penetrar.</p> - -<p>Estes dois assumptos, ambos grandes e ambos esquecidos, ambos -de summa importancia, assim para o mal como para o bem, e ambos -injusta e cruelmente desprezados, são: o <span class="smcap">Sacerdocio</span>, e as -<span class="smcap">Mulheres</span>.</p> - -<hr class="tb" /> - -<p>É o Sacerdocio Catholico uma instituição eminentemente social, e cuja -origem divina é, por isso mesmo, impossivel não reconhecer.</p> - -<p>Não renovaremos n’este logar disputações intempestivas, e já exhaustas, -sobre os beneficios e as calamidades, de que em tal ou tal paiz, em -tal ou tal seculo, o Clero tem sido, voluntaria ou forçada, activa ou -passivamente, causador. Esses argumentos de alguns factos (ou de muitos -factos) contra theses universaes e duas vezes millannarias, não podem -servir para mais, que para lhes realçar a evidencia.</p> - -<p><span class="pagenum" id="Page_95">[Pg 95]</span></p> - -<p>Quanto mais os da escola <i>fossil</i> de Voltaire, quanto mais os -anachronicos citadores do <i>Citador</i>, e os mui respeitaveis -<i>Compadres</i> do <i>Abbé Laurent</i>, esperdiçarem o seu engenho -para nos afeiarem em romances obscenos a vida licenciosa de um ou de -outro, ou de muitos Sacerdotes; quanto mais nos affirmarem, sob sua -palavra honrada, e á vista de umas estatisticas que só elles possuem, -que o numero d’estes discolos é infinito; tanto mais, sem o sentirem, -sem o quererem, engrandecem a força intrinzeca e divina de uma -instituição, que, desde o tempo dos Apóstolos até nós, ainda não cessou -de ser havida por mantenedora da arca-santa da Fé e dos costumes.</p> - -<p>Se ella fosse humana, se ella fosse sobretudo ré da millionesima parte -dos crimes e horrores, que os seus adversarios (¡varões probos e -honestissimos!) lhe assacam, ¿como haveria resistido a dezoito seculos? -¿a trezentas revoluções na politica, e outras tantas nas ideias? ¿aos -vaivens das seitas, e das chamadas philosophias? ¿ás minas surdas do -indifferentismo? ¿ao fanatismo sanguinario de alguns de seus membros, e -á perfidia e á deserção de tantos outros?</p> - -<p>Neros e Sardanapálos appareceram mais de uma vez na cadeira de S. -Pedro. Mãos em vão sagradas cavaram masmorras e accenderam fogueiras; -seguraram os pulsos a povos, para que tirannos os agrilhoassem; afiaram -os punhaes e as espadas para guerras fratricidas; e a Sciencia, filha -do Ceo como a luz, em nome do Ceo a perseguiram.</p> - -<p><span class="pagenum" id="Page_96">[Pg 96]</span></p> - -<p>E entretanto, atravez d’esses arroios de sangue e lagrimas, e d’esses -montes de cinzas e ruinas, o esquadrão candido dos Levitas continuava a -sua peregrinação para o Ceo, abençoando, e abençoado; penitenciando se -em segredo pelos maleficios de que era innocente; vertendo lagrimas e -chrysma sobre as feridas de seus irmãos; semeando na terra desconsolada -o amor e as esperanças.</p> - -<p>Ao notarem ignorancia e corrupção no Clero, os semi-philosophos -imprevidentes votam, sem hesitar, a sua abolição. Os sabios, isto é -os prudentes e amigos da humanidade, calculam caladamente: ¡o que se -tornaria o rebanho, privado de pastores! ¡os costumes, sem doutrina -nem censura! ¡as penas sem conforto! as prosperidades e soberbas, sem -contrapezo! ¡os seis dias da terra, sem um dia do Ceo! Depois, comparam -essa corrupção e essa ignorancia (desgraçadamente muito certas) com -a corrupção e ignorancia ainda maiores de quasi todos os inimigos da -Egreja; e, convencendo-se de que o mal não é sem cura, propõem, em vez -de exterminio, que é sempre o primeiro recurso dos barbaros: contra -aquella ignorancia, luz de sciencia; contra aquella dissolução, outra -vez luz, disciplina, e vigilancia.</p> - -<p>Não está o remedio em fechar a residencia parochial, depois de expulso -d’ella o Cura indigno, deixando muda e ás escuras a casa da oração. -Não está em despejar os paços episcopaes, para morada e pagode de -especuladores enriquecidos, e as cathedraes para<span class="pagenum" id="Page_97">[Pg 97]</span> quarteis, theatros, -ou serrarias de madeira. Está, sim, em precaver por Leis sabias, como -sem custo as ha-de fazer o nosso Parlamento agricola, que os Bispos e -Parochos sejam sempre o que o seu nome, o seu caracter, a Lei da sua -instituição, a utilidade, a necessidade, e a vontade do Povo, e a sua -propria consciencia, lhes ordena que sejam.</p> - -<p>¿Será isto exequivel? sim, sim; e tanto, e por tão faceis meios, que -o que só admira e espanta é não se achar já de muito em execução, em -praxe, e em costume.</p> - -<p>O primeiro ponto, o primeiro passo, a primeira condição impreterivel -para esta reformação tão necessaria e tão urgente, quer a consideremos -á luz do Céo, quer á dos interesses temporaes, é a boa escolha dos -Bispos.</p> - -<hr class="tb" /> - -<p>Foram os Bispos, nos seculos doirados da Egreja, e nas terras onde ella -mais floresceu, eleitos, cada um pelo proprio rebanho a que havia de -presidir<a id="FNanchor_4" href="#Footnote_4" class="fnanchor">[4]</a>. Nada mais liberal, nada mais natural e justo, nada mais -conveniente, que essa usança; nada mais digno de se ressuscitar n’uma -edade, que blasona de liberrima e philosophica.</p> - -<p>A nomeação dos Prelados pelo Chefe do Estado civil, e só dependente -da sancção do Pontifice, sancção em que tantas contemplações, tantos -motivos extranhos ao merito<span class="pagenum" id="Page_98">[Pg 98]</span> real, podem influir, é, mesmo para -os entendimentos mais myopes, viciosa, e mais que arriscadissima -a desacerto. É esta uma verdade, que (¡ainda mal!) os factos teem -repetidamente confirmado.</p> - -<p>¡Que de vezes uma parcialidade vencedora, já para recompensar, já -para predispôr serviços profanos e profanissimos, não tem enviado -das catacumbas facciosas para os thronos episcopaes, ora lobos, ora -apestados e leprosos, ora defuntos! ¡mãos geladas para as boas obras! -¡corações gelados para os bons desejos! ¡linguas geladas para as -palavras de amor! O Céo nos defenda de citar exemplos; ¿e para quê? ¿ha -ahi quem os não conheça, e os não deplore?</p> - -<p>Escolhido, ou pelos Ecclesiasticos do Bispado, e em escrutinio -secretissimo, aquelle d’entre seus membros, que por virtudes, luzes, -patriotismo e prudencia, notavelmente se avantaja, ou (melhor e mais -liberalmente ainda) votado tambem em escrutinio secreto por todos -os fieis da Diocese, assim de um como de outro sexo, n’esse devemos -presumir que está a idoneidade para o grande sacerdocio, para a -relevantissima magistratura do Episcopado. O juizo do Povo haverá sido -o juizo de Deus.</p> - -<p>Ao Chefe temporal do Estado, liberto assim de uma responsabilidade -tremenda, só resta levar com alegria a santa proposta aos pés do -Throno do Vigario de Christo, para impetrar á obra terrestre a sancção -suprema, e não desligar o interesse da parte, do formoso e admiravel -systema da unidade catholica.</p> - -<p><span class="pagenum" id="Page_99">[Pg 99]</span></p> - -<p>Sagrados nas sédes de todas as egrejas Prelados de tão altos abonos, é -logicamente indispensavel deixar-lhes as mãos livres para o seu lavor, -que é infinito e complicadissimo.</p> - -<p>E quando não, consideremos, com madureza, o que é um homem collocado -no centro de muitos milhares de homens, para acudir a todas as -necessidades espirituaes, e a grande numero das temporaes, umas e -outras imperativas, e sempre recrescentes.</p> - -<p>A Oração Dominical cifra o seu espantoso encargo. Os seus primeiros -predecessores, os Apóstolos, viveram e morreram a cumpril-o. Christo -mesmo não curava só as almas, se não tambem os corpos; prégava as -virtudes, e ao mesmo tempo multiplicava o pão e os peixes no deserto, e -o vinho nas bodas. O seu Precursor na Lei escrita, ao mesmo passo que -dava os mandamentos do Sinai, e extirpava a idolatria, libertava o povo -do captiveiro, desentranhava os rochedos em fontes, o céo em maná e em -aves, as nuvens em luz, debellava a peste, e encaminhava os peregrinos -para a Terra da promissão e da abundancia.</p> - -<p>Tudo isto, que fez Moisés, que fez Jesus, e em que os Apóstolos o -imitaram, tudo isto ha-de emprehender, e ha-de conseguir até ás raias -do impossivel, o Prelado que fôr digno da sua missão.</p> - -<p>¿Mas como bastariam dois unicos braços, uma só lingua, para tanto -instruir, e para tanto obrar? De nenhuma sorte. O amor, mesmo no homem, -pode não ter limites; mas teem-n-os as fôrças.</p> - -<p>É por isso, que de cada Sé brotaram em<span class="pagenum" id="Page_100">[Pg 100]</span> de redor d’ella quantidade -de Parochias, como da arvore boa se transplantam ramos para lhe -continuarem e multiplicarem os frutos em muitas partes ao mesmo tempo. -A voz do grande Pastor, repetida pelos seus coadjutores, fez-se ouvir -até da ovelha mais desgarrada, no reconcavo dos valles, ou no cume -das serras; e os beneficios das suas mãos, transmittidos por mãos -fieis, poderam diffundir-se para todos os quatro ventos do céo até ao -horizonte.</p> - -<p>D’esta simples consideração se deriva inquestionavelmente, que, sendo -os Parochos nada menos que delegados e representantes dos Bispos, -como os Bispos o são de uma Providencia paternal, e necessitando o -Chefe conhecer e reconhecer, animar, e dirigir constantemente aos -seus immediatos mandatarios, são elles tambem, elles sós, livres, -liberrimos, independentes, os que os devem educar, preparar, eleger, -conservar, suspender, ou excluir.</p> - -<p>É logo necessario, que o Governo temporal seja por Lei inhibido de -prover as freguezias; direito ou costume esse, ao qual principalmente -se deve imputar a odiosa ruindade, e incapacidade absoluta, de tanto e -tanto Parocho, que, mais que os livros dos impios, teem em toda a parte -concorrido para o descredito da Religião.</p> - -<p>O Governo só deve, quando muito, superintender, como vigia supremo do -Estado, no comportamento dos Curas de almas como cidadãos, e no que o -seu officio tiver de puramente secular. O de Cesar, a Cesar; o de Deus, -a Deus. Nada mais orthodoxo.</p> - -<p><span class="pagenum" id="Page_101">[Pg 101]</span></p> - -<hr class="tb" /> - -<p>Assim como ao obreiro, para se lhe poder tomar conta da obra, se hão-de -primeiro dar materiaes e instrumentos, assim a cada Bispo hão-de -umas Côrtes de juiso conceder, não em vans promessas escritas, mas -effectivamente, com que organisar e manter um Seminario, com mestres a -todos os respeitos dignissimos; de fora da Diocese, se n’ella os não -ha; de fora do Reino, se os não ha no Reino. Para aqui, ¡mãos largas! -¡mãos rôtas! ¡mãos prodigas, se é licito dizel-o! que a máis nescia de -todas as economias é a que nega adubío, sementes, e rega, ao solo de -que pretende fruto.</p> - -<p>¡Oh! ¡de que desperdicios não tem já sido causa a não entendida palavra -<i>economia</i>!</p> - -<p>Sob os olhos do Bispo, medrarão além de toda a esperança estes -viveiros de Parochos, educados na theoria e pratica da Sciencia -Divina por mestres, que serão ao mesmo tempo seus exemplares. Elles -ahi aprenderão, com as sciencias moraes e mysticas, o que hoje -seria imprudencia, temeridade, e infamia, querer d’ellas apartar: -aprenderão as sciencias, que renovam e regeneram a terra, e que, -matando a perguiça e a penuria, aplanam, atravéz de uma bemaventurança -passageira, o caminho para outra, que não finda; a hygiene; os -rudimentos da medicina domestica, e da veterinaria; a agricultura e a -physica; as noções geraes da jurisprudencia do Estado, e os deveres -politicos; um pouco da economía publica, muito da caseira;<span class="pagenum" id="Page_102">[Pg 102]</span> os methodos -mais faceis de ensino para as materias mais necessarias; em summa: -habilitar-se-hão para poderem e quererem ser, em tudo, o opposto a -muitos dos deploraveis Parochos dos nossos dias.</p> - -<p>Entre os Clerigos, alumnos de um mesmo Seminario, instruidos nas -mesmas materias, e pelos mesmos professores, ha-de haver differenças -de genios, de gostos, de talentos, de virtudes. Cada individuo tem a -sua organisação; cada educação de infancia affeiçôa para o futuro um -diverso homem.</p> - -<p>Differenças, como as que se notam nos individuos, existem não menos -entre as povoações. O Bispo, que, durante o longo curso de estudos, -haverá podido reconhecer e verificar a aptidão especial de cada um -dos seus alumnos, saberá depois distribuil-os segundo o caracter e -necessidades das Parochias: para a mais inerte e atrazada, o mais -progressivo e emprehendedor; para a mais licenciosa, o mais modesto; -para a mais indigente, o mais caritativo; para a mais aspera, o mais -soffredor; o mais conciliador para a mais desavinda; o menos rustico e -o mais instruido para a mais cortesan.</p> - -<hr class="tb" /> - -<p>Imaginae (se tendes imaginação que abranja o infinito) imaginae o -que virão a ser, em alguns annos, as freguezias, mormente as ruraes, -presididas por taes varões.</p> - -<p>A Fé se reanimará, menos pela eloquencia das homilías, que pelos -milagres da caridade.</p> - -<p><span class="pagenum" id="Page_103">[Pg 103]</span></p> - -<p>Pelos predios sorrirá a abundancia, pelas vidas a harmonia.</p> - -<p>Apertar-se-hão os laços entre os membros de cada familia, os dos -visinhos com os visinhos, os dos cidadãos com os seus concidadãos.</p> - -<p>A semana deslizará, como um ramal de horas de prata, nas festas da -lavoira e da industria; o domingo nas festas do Senhor, e nos folguedos -innocentes, que a Religião permitte e ama, e nos quaes se prepara o -casto amor que reproduz as familias, e se podem exercitar a graça e -dextreza corporal, que realçam a obra-prima do Creador.</p> - -<p>Vêde ¡como á sombra fresca da parreira do presbyterio, no verão, e -no inverno ao lume da sua cosinha terrea, veem contentes as creanças -aprender, ora as letras, as contas, e a escrita, ora o cathecismo, ora -os deveres sociaes em historias singelas e amoraveis!</p> - -<p>Ouvi ¡como dos mesmos labios, que distribuem o biscato da alma a -aquelles passarinhos implumes, sai o conselho de paz, que solda, -melhorada, a amisade entre os desavindos, o consolo para o coração -viuvo, a correcção benevola, mais efficaz que a severidade, a esperança -precursora da Providencia e aurora da esmola, aqui uma consulta sobre -o praso e melhor modo de uma plantação, de um córte de madeiras, ou do -encaminhar as aguas de uma rega, ali uma supplica de filho, cujo pae -cahiu com uma dor ou accidente repentino, e que não sabe como lhe acuda -em quanto o medico não chega!</p> - -<p><span class="pagenum" id="Page_104">[Pg 104]</span></p> - -<p>Todas as linguas fala o Parocho, excepto a da maledicencia. Para os -males que não admittem remedio, ainda elle sabe e applica um balsamo: a -conformidade.</p> - -<p>O presbyterio é a côrte do logar, com ser a mais pobre casa de todo -elle. Todos lá vão, tributar respeito ou pedir graças. Os grandes saem -d’ali maiores porque aprenderam a humildade; os ricos, mais ricos -porque aprenderam a dar; os infelizes, serenados porque viram um Anjo.</p> - -<p>Governantes, este homem não fará eleições, mas fará subditos fieis, -cidadãos pacificos e laboriosos.</p> - -<p>Não mentirá em favor vosso, mas tambem contra vós não mentirá.</p> - -<p>Se jamais no Sacrificio da Ara se implorou com fervor paz e concordia, -d’aquella bocca se hão-de elevar quotidianamente taes orações, como -perfume de incenso sem mistura.</p> - -<p>Esquecei esse monarcha de espiritos no meio do seu povo; elle vos -serve com mais zelo do que vós mesmos vos servis. Em torno d’elle -intercede-se cada noite pela vida de bons e maus. Em quanto elle -respirar, sabei que ha no Reino um recanto, em que a indigencia mesma -não amaldiçôa. Os filhos se ufanarão de haver sido por elle baptisados; -os esposos, de lhe terem recebido a benção; os moribundos, de lhe -exhalarem no seio a alma, por elle já desenleada de espinhos, e já de -antemão coroada das açucenas do Ceo.</p> - -<p>Estes serão necessariamente os Parochos procedentes das escolas -d’aquelles Bispos.<span class="pagenum" id="Page_105">[Pg 105]</span> Uma Lei de homens, mas de homens sãos e sizudos, -haverá creado uma semelhança de paraizo.<a id="FNanchor_5" href="#Footnote_5" class="fnanchor">[5]</a></p> - -<hr class="tb" /> - -<p>Falámos do sacerdocio de Deus; falemos do da Natureza; falemos das -Mulheres.</p> - -<p>Um phenomeno moral dos mais inexplicaveis, é a dependencia, a sujeição, -a especie de tutella ignominiosa da mulher em todos os paizes, em todas -as edades, em todos os graus da civilisação. Nascido d’ella, creado -por ella e para ella, referindo a ella quasi todos os seus trabalhos, -pensamentos, e ambições, proclamando-a soberana, acatando-a quasi como -uma semi-divindade terrestre, o homem não cançou ainda de tratal-a de -facto como serva.</p> - -<p>O seu nome triumpha na lyra dos poetas; as suas graças, na tela dos -pintores e no marmore dos estatuarios; o seu credito, na lança dos -antigos paladins, na pistola e espada dos modernos duellistas; a sua -apparição na sociedade é recebida com murmurio festivo e lisonjeiro, -como a da aurora na espessura a que ella traz vida. Se desprende a voz, -a razão parece mais bella passando pela sua bocca; a virtude perde o -seu azedume; um feitiço indefinivel lhe careia<span class="pagenum" id="Page_106">[Pg 106]</span> todos os animos; o -tumulto se apazigúa; os vicios grosseiros escondem o rosto e emmudecem -até a deixarem passar. O rasto de aromas, que os seus cabellos e os -seus vestidos deixam apoz si, não egualam ao vago e voluptuoso affecto, -que o mais leve dos seus movimentos coou até ao fundo dos corações. -Respeita-se-lhe o juiso; ama-se-lhe o espirito, a modestia, a decencia, -os instinctos bons, nobres e generosos, a timidez que não exclue a -heroicidade. Colhem-se-lhe as palavras benevolas, como diamantes que se -enthesoiram e defendem com ciume; fazem-se os maiores sacrificios para -lh’as merecer. O mais soberbo sente-se ufano no dia em que obtem a sua -mão; o mais avaro daria metade dos thesoiros pelo seu primeiro suspiro, -e os thesoiros todos pelo seu primeiro beijo; o mais sabio a consulta, -como a melhor e menos fallivel porção de si mesmo. N’uma palavra: o -mais grave dos nossos interesses, a primeira educação moral dos nossos -filhos, ¿a quem é commettida? dir-se-hia que a nossa alma, ainda tenra, -se nutre no seio da sua, como entre os seus braços bebemos no leite de -seus peitos o seu amor.</p> - -<p>E todavia... Abri os codigos de todo o mundo, e perguntae-lhes o que -é este ente, complexo de tantas maravilhas, creado para companhia do -homem, mas depois do homem, como elle o fôra depois dos brutos, e os -brutos depois dos entes insensitivos.</p> - -<p>Todos os codigos vos responderão: «É uma escrava.» E alguns: «É uma -victima.»</p> - -<p>Os trabalhos continuos, obscuros, e inglorios, são a sua vida; e a -sua morada um<span class="pagenum" id="Page_107">[Pg 107]</span> carcere. Aqui, a excluem dos recreios mais honestos; -além, a punem com o ridiculo, se deixa respirar o seu talento; uma -decencia convencional e tirannica lhe impõe silencio quasi continuo. -A acção, o passo, o dito mais indifferentes, lhe são interpretados. -As Universidades lhe estão fechadas; defezas as magistraturas e os -tribunaes; inaccessiveis o fôro e a tribuna. Só da caridade, dos -hospitaes, das escolas de infancia, e do claustro da oração, a não -poderam excluir.</p> - -<p>¡Que dizemos! não só a Asia as vende, como se vendem as flores para -os regalos dos opulentos, e a Inglaterra as deixa vender nos seus -mercados como animaes de carga, se não que a propria França, a patria -da cortesia e do melindre, a terra em que ellas mais imperam sobre as -artes, o gosto, e a sociabilidade, a França mesma, lhes impõe nas suas -Leis obediencia e respeito ás vontades de um marido.</p> - -<p>Da sujeição filial, a unica reconhecida pela Natureza, lá passam para o -captiveiro conjugal.</p> - -<p>O anel de um noivado é o primeiro de um grilhão muitas vezes -insoffrivel, e que nenhumas forças lhes poderão quebrar. O nome do -seu senhor lhes é para logo imposto em vez do paterno; é a marca, é -o ferrete do dominio; marca indelevel, que sobreviverá ao possuidor, -e que só um possuidor novo encobrirá, substituindo a esse nome o seu -nome, e á tirannia extincta uma segunda tirannia<a id="FNanchor_6" href="#Footnote_6" class="fnanchor">[6]</a>.</p> - -<p><span class="pagenum" id="Page_108">[Pg 108]</span></p> - -<p>Ainda cerceámos o desenho; ainda enfraquecemos as côres do quadro; mas -não haverá coração generoso, que ao encaral-o não estremeça.</p> - -<hr class="tb" /> - -<p>O Homem Deus redimiu as nações do predominio romano, do fatalismo, -e das paixões divinisadas; sublimou, sobre tudo, os pobres e os -perseguidos a grau de humanos, e de mais que humanos.</p> - -<p>A philosophia moderna restituiu a liberdade natural ao pensamento.</p> - -<p>A politica, sua filha, desatou o jugo de ferro da cerviz dos povos, e o -atirou feito pedaços para o abysmo do passado.</p> - -<p>A philanthropia, ou talvez a especulação, aboliu a escravaria das -povoações negras.</p> - -<p>Á infancia mesma vai chegando o que é possivel de emancipação; asylos -e escolas a convidam a instruir-se; e ao açoite, que d’antes lhe -desfolhava os brios em flor, succederam a affabilidade e os carinhos, -tão necessarios aos pequeninos como o pão.</p> - -<p>¿Que dizemos? até para os irracionaes<span class="pagenum" id="Page_109">[Pg 109]</span> pululam na Europa sociedades -protectoras.</p> - -<p>¿E a Mulher?! A Mulher, nossa mãe, nossa esposa, nossa filha, nossa -irman, a Mulher, nossa ama, nossa educadora, nossa ecónoma, nossa -enfermeira, a Mulher que nos civilisa, que nos adoça, nos encaminha, -nos aconselha, nos acompanha e consola nos trabalhos, nos realça e -requinta as alegrias, a Mulher, que não vive, que não quer, que não -pode viver senão para nós, que nos soffre e nos perdoa de continuo, -a Mulher que é toda amor, e a mais brilhante revelação do Céo, a -Mulher...... é ainda escrava! ¡escrava em plena Europa! ¡em pleno -Christianismo! ¡quasi como na Africa e na Asia sob os influxos do -Korão! ¡escrava como na India, como na China, como na Tartária, como na -Turquia, como na Russia, como entre os selvagens errantes, como entre -os Romanos barbaros, escrava, como sempre e em toda a parte!</p> - -<hr class="tb" /> - -<p>Já que ellas se não queixam (¡pobres victimas só feitas para soffrer!) -ousemos nós defender os seus interesses apesinhados; e não contra os -nossos, se não ainda em nosso beneficio.</p> - -<p>Parlamento das nossas esperanças, congresso de lavradores, atrevei-vos -a uma Lei, que vos doire na Historia, e vos immortalise. Decretae, -depois de seis mil annos, <span class="smcap">a alforria da Mulher</span>.</p> - -<p>Não são a milicia, as magistraturas, os governos das provincias, que -para ellas vos pedimos; não são as cadeiras de legisladores,<span class="pagenum" id="Page_110">[Pg 110]</span> nem -as do magisterio; n’uma palavra: não são nenhuns dos cargos, que a -prepotencia lhes disputaria, e de que a Natureza as tornou isentas (não -por fracas, não por inferiores em espirito, mas porque foram fadadas -para mães).</p> - -<p>Dae-lhes porém o que sem injuria não poderieis recusar-lhes: -reconhecei-lhes, como a seus esposos, como a seus paes, como a seus -filhos, o direito de suffragio.</p> - -<p>De que poderieis vós arrecear-vos franqueando-lhes o caminho á urna? -¿Não teem ellas tanto interesse como nós, em que Leis sabias rejam, -e homens sabios administrem? ¿Não zelarão ellas o bem da terra em -que vivem seus consortes e a sua prole? ¿Não são ellas dotadas para -avaliar os meritos, para estremarem a verdade e a impostura, de uma -maravilhosa sagacidade, occulta arma defensiva com que a Natureza as -premuniu contra as offensivas do nosso sexo? ¿Não vivem mais longe do -tumulto da praça, que a nós outros tanta vez nos desvaira, lançando-nos -em turbilhões, já de odios, já de amores insensatos e contradictorios? -¿Não teem innatamente, além do instincto da harmonia, o espirito -da justiça? ¿Não foi já por isso, que nas antigas allianças entre -Carthaginezes e Gallos se estabeleceu, que, onde de parte a parte -recrescessem rasões de queixa, fossem arbitros, por Carthago os seus -magistrados, pelas Gallias as suas mulheres?</p> - -<p>Mas—vos segredarão alguns com maligno sorriso—¿«conhecem ellas o -grande jogo da Politica? ¿fazem ideia do que seja<span class="pagenum" id="Page_111">[Pg 111]</span> a ordem publica? -¿com quem o aprendeu a sua roca para lh’o ensinar?»</p> - -<p>Não, homens honrados, ellas não sabem a Politica; e eis ahi uma das -grandes vantagens que nos levam para eleitoras; mas a ordem publica, -se a não sabem, adivinhal-a-hão, que para isso, entre seus filhos -e domesticos, são rainhas de pequenos reinos. Essa roca, alvo do -epigramma ingrato e insolente, é o seu sceptro; e pode ser que acerca -da felicidade commum da aldeia, da freguesia, e da provincia, lhes haja -ella dito muito mais, nas caladas dos serões de inverno, que á maior -parte dos nossos eleitores cortesãos a lampada parisiense entre os -baralhos de cartas e os montes de oiro.</p> - -<p>Mas concedamos-lhes que nossas esposas, nossas mães, e nossas filhas, -nunca jamais até agora pensaram sobre os negocios do Estado, como vos -elles dizem. Por isso mesmo, por isso mesmo, lhes deveis restituir mais -depressa o seu usurpado e imprescriptivel direito de votação; porque -essa indifferença, se n’ellas existe, é mais uma calamidade, pois são -as educadoras da geração que nos ha-de succeder.</p> - -<p>Concedamos ainda mais: que o precioso affecto da Liberdade é n’ellas -quasi nullo. ¿De quem é a culpa? ¡D’ellas!! Não; mas de nós outros, que -a poder de escravidão lh’o adormentámos.</p> - -<p>Restitui ás Mulheres o seu quinhão legitimo de Liberdade, e vereis como -ella se consolida sobre fundamentos de amor mais que duplicados.</p> - -<p>¡Que miserrima contradicção é esta: que<span class="pagenum" id="Page_112">[Pg 112]</span> onde para a herança da Corôa -a Lei salica não governa, onde á Mulher se reconhece aptidão para o -cargo supremo do Estado, se lh’a denegue para votar como cidadan em -mandatarios dos communs interesses!</p> - -<p>De uma coisa podeis vós estar certos, Ó Deputados; e é: que as eleições -em que ellas entrassem, por menos acertadas que a sua inexperiencia -as produzisse, não dariam (porque era impossivel) mais vergonhosos -resultados, que todas quantas á sua revelia havemos feito, e que, para -vergonha nossa, lá ficam registadas na Historia.</p> - -<hr class="tb" /> - -<p>¡Oh! ¡Se o humilde Portugal estava ainda guardado para dar do fundo do -seu abysmo tão altas lições, tão esplendidos exemplos á Europa e ao -Mundo! ¡Uma Representação nacional genuina e insophismada! ¡um Clero -sabio, virtuoso, paternal! ¡a Mulher investida na plenitude dos seus -destinos sociaes!....</p> - -<p>No dia em que a Patria cingisse por suas mãos tres corôas tão -magnificas, morriamos felizes. Teriamos vivido uma eternidade de -bemaventurança.</p> - -<div class="blockquot"> - -<p>Dezembro de 1848.</p> -</div> - -<div class="footnotes"><h3>NOTAS DE RODAPÉ:</h3> - -<div class="footnote"> - -<p><a id="Footnote_4" href="#FNanchor_4" class="label">[4]</a> <i>Nullus invitis dandus est Episcopus; ille -omnibus prœferendus, quem cleri ac plebis consensus concorditer -elegerit.</i>—S. Gregor.—Epist. ad Nastas.</p> - -</div> - -<div class="footnote"> - -<p><a id="Footnote_5" href="#FNanchor_5" class="label">[5]</a> Os nossos respeitos ás doutrinas canonicas é conhecido -e provado. A innovação que propômos e que deverá ter iniciativa no -Parlamento, para se tornar effectiva necessita da censura e regular -approvação da Egreja.</p> - -<p class="right"><span class="smcap">Castilho.</span><br /> -</p> - - -</div> - -<div class="footnote"> - -<p><a id="Footnote_6" href="#FNanchor_6" class="label">[6]</a> Com estas reflexões não pretendemos desapprovar a -subordinação das mulheres a seus maridos nos termos em que a prescrevem -os nossos livros sagrados. Só não queremos que esta dependencia se -converta em escravidão, que a legitima autoridade marital degenere -em tirannia. Eva, diz um Padre da Egreja commentando o Genesis, não -foi formada da cabeça de Adão, para que não tivesse a presumpção de o -querer dominar; nem tão pouco foi formada dos pés do homem, para que -por elle não fosse considerada como serva; foi-o de uma costella, a fim -de que se entendesse que era destinada a ser sua companheira.</p> - -<p class="right"> -<span class="smcap">Castilho.</span><br /> -</p> - - -</div> -</div> -<hr class="chap x-ebookmaker-drop" /> - -<div class="chapter"> -<p><span class="pagenum" id="Page_113">[Pg 113]</span></p> - -<h2 class="nobreak" id="VII">VII<br /><span class="small">Primeiro serão do casal</span></h2> -</div> - - -<p class="center caption">Propriedade territorial</p> - -<p class="center caption">SUMMARIO</p> - -<div class="blockquot"> - -<p>Vantagens do escrever.—Vantagens do ler.—O autor não pode por ora -dizer o que tratará n’estes seus serões d’aqui avante, mas tenciona -il-os empregando na sua ideia querida da felicitação da Patria -pela Agricultura; para o que, vai proseguindo nas suas utopias.—A -propriedade territorial não é um direito natural, mas é um dos -direitos da sociedade permanente.—No direito de possuir terra não -se contem o poder deixar de cultival-a.—Apontamentos para uma Lei -importantissima a este respeito.—A theoria pode-se estender dos -predios rusticos aos urbanos.</p> -</div> - - -<p>¡Que bella coisa, meus amigos camponezes, não é o escrever e o ler!</p> - -<p>Uma folha de papel, que a principio não foi mais que umas hervinhas -verdes, depois umas febras seccas e pardas, nos dias da sua maior -gloria talvez uma camisa, e a final um trapo despresado e esquecido; -uma folha de papel póde ser uma origem de delicias e venturas.</p> - -<p>Por meio d’ella, um homem desconhecido, e fechado no seu cantinho, logo -que Deus lhe lança na alma um reflexo passageiro da Verdade e do Summo -Bem, prende esse raio de luz celeste, liberalisa-o para<span class="pagenum" id="Page_114">[Pg 114]</span> toda a parte, -solidifica-o, bem como de um gaz, que se não vê nem palpa, se faz no -fundo das minas um diamante; lança-o assim para o thesoiro commum -dos conhecimentos humanos; e, quando ninguem mais lh’o diz, diz-lhe -baixinho a sua consciencia:</p> - -<p>«¡Oh! ¡Bem hajas, que déste a esmola da alma á alma! ¡Bem hajas, que -as horas que podéras gastar no ocio, ou em gosos futeis, em dissipar -ou em adquirir haveres, ou em me envenenar a mim, que sou a tua boa -consciencia, empregaste-as em proveito dos teus semelhantes! ¡Bem -hajas! ¡e bem haverás por certo! Os teus exforços não serão perdidos, -nem para o Céo nem para a terra. Lá em cima, o Liberalisador de toda -a verdade te coroará; e já, cá no mundo, uma especie de immortalidade -e de omnipresença será a tua partilha. Sobreviver-te-has em parte a -ti mesmo. O teu nome e os teus pensamentos estarão ao mesmo tempo em -muitos logares, graças a esta folha de papel; e os annos, que hão-de -destruir o teu corpo, deixarão a tua honrada memoria a crescer para os -seculos.»</p> - -<p>Mas, se tal é a boa sorte do escritor de veras; se os seus deleites -lhe descontam o trabalho e penas que o acompanham; se da sua miseria -elle se consola com a lisonjeira certeza de afortunar aos outros; se -no silencio do seu albergue desguarnecido ouve já a sua futura fama, e -na sua enxerga de palha riem sonhos, que nunca visitaram os colxões de -plumas de soberbões inuteis; a mesma folha de papel, que, a baixo de -Deus e do estudo, o tornou venturoso, multiplicada<span class="pagenum" id="Page_115">[Pg 115]</span> pela Imprensa vai -fazer por elle muitos outros venturosos.</p> - -<hr class="tb" /> - -<p>¡A leitura, meus amigos! ¿Sabeis vós bem o que é a leitura?! É de todas -as artes a que menos custa, e a que mais rende.</p> - -<p>Ha livros, que, semelhantes a barquinhas milagrosas, incorruptiveis -e innaufragaveis, nos levam, pelo Oceano das edades, a descobrir, -visitar, e conhecer todo o Mundo que lá vai....</p> - -<p>Os povos antigos revivem para nós com todos os seus usos, costumes, -trajos, feições, crenças, ideias, vicios, virtudes, interesses, e -relações.</p> - -<p>A Historia é a mestra da vida, e as suas lições ampliação e complemento -ao nosso juizo natural. No que foi, aprendemos o que deve ser. ¡Dizem -que mente ás vezes! tambem na seára ha joio, e nem por isso deixais vós -de ceifar com alegria. Mas, apesar das suas mentiras, fica ainda sendo -a Historia uma das mais verdadeiras coisas do mundo.</p> - -<p>Os contemporaneos de cada um dos homens notaveis, heroes ou monstros, -dos tempos antigos, talvez os não vissem tão ao natural como nós cá -de longe. ¿Porquê? por isso mesmo que eram vivos; cercavam-n-os um -estrondo confuso, e vozes contradictorias, que para nós emmudeceram. -O amor e o odio, o terror e o enthusiasmo, tingiam nas suas cores os -feitos e os ditos: o espectador, muito de perto, e distrahido com os -seus proprios negocios, não podia abranger a totalidade de uma scena ás -vezes<span class="pagenum" id="Page_116">[Pg 116]</span> immensa e complicada. Não é nem ao-pé em demasia, nem em demasia -longe, que os objectos se julgam com exacção.</p> - -<hr class="tb" /> - -<p>Mas não é só a Historia, meus amigos, que nos encanta instruindo-nos. -Desde a Mathematica, que péza e mede os astros, até ao officio mais -humilde, não ha sciencia, arte, nem mistér, que os livros nos não -ensinem divirtindo-nos.</p> - -<p>Vós, se lêdes ao serão, cultivais melhor e mais lucrativamente no dia -seguinte; sabeis conservar melhor os vossos frutos administrar com mais -interesse os vossos haveres. Outro tanto acontece aos vossos visinhos, -ferreiro, carpinteiro, surrador, tintureiro, tecelão, etc.</p> - -<p>A povoação onde se sabe ler, e se lê, floresce mais, é mais pacifica -e morigerada, mais unida e rica, mais poderosa, mais contente, mais -amavel, e mais amada.</p> - -<p>Porque haveis de saber, meus amigos, que tudo quanto os homens teem -descoberto e inventado para augmentar as suas forças, os seus cabedaes, -a sua saude, as suas virtudes, as suas relações de amor, e o numero -das horas suaves e alegres, tudo, de muitos seculos para cá, se tem -ido guardando nos livros. É um patrimonio de sciencia e bondade, que -vai sempre a crescer de paes a filhos, onde cada um pode tomar ás mãos -cheias o que lhe convém, e para onde a cada um é licito, e até mesmo -é dever muito agradavel, levar o pouco ou muito que o seu<span class="pagenum" id="Page_117">[Pg 117]</span> juizo lhe -subministra. É um commercio mutuo de todos os tempos e de todas as -almas, do qual ninguem sai lesado, e no qual mesmo dando se recebe.</p> - -<p>Quanto a mim, meus bons visinhos, estou muito satisfeito com a minha -tarefa litteraria. Outros, mais capazes de vos instruir na Agricultura, -teem a bondade de tomar a si esse encargo, para o qual eu mesmo vos -confessei já que me não sinto habilitado. Á minha conta está procurar -desenfadar-vos algum serão do domingo. ¿Que quereis? quem nasceu para -pouco... Um poeta é como um d’estes passarinhos, que Deus creou para -recreação do lavrador na força dos seus trabalhos.</p> - -<hr class="tb" /> - -<p>Se eu ao menos podesse dizer-vos desde já o em que havemos de -entreter-nos.... mas ¡adivinhae-o lá! ¿O passarinho, um minuto antes -de abrir o bico, sabe por ventura o que vai gorgear? é a verdura, é -a viração, é o sol ou a estrella do momento, que o inspira; a sua -<i>hypocrene</i> é muitas vezes a ultima gotta de orvalho, que bebeu no -calix de uma flor por onde passou.</p> - -<p>Mas, assim como nos cantares do plumoso poeta dos bosques ha sempre o -que quer que seja de bom e affectuoso conselho, de revelação do Céo, -com o qual elle parece tratar mais de perto do que nós; assim o meu -espirito, que mora todo cá dentro no coração, e por elle vale alguma -coisa, só praticará comvosco, segundo espero em Deus, em algum dos seus -sonhos de felicitação para o genero humano.</p> - -<p><span class="pagenum" id="Page_118">[Pg 118]</span></p> - -<p>Porque haveis de notar, boa gente, que, se o que está feito é muito, -muito mais é ainda o que está para fazer. Cada geração adianta um -passo; os netos sabem mais que os avós; cada anno floreja ideias, -que os seguintes convertem em frutos, e outros, além, amadurecem e -colhem. Nos ares andam sempre ideias de todas as edades (sem falar nas -que vão cahindo mortas); umas decrépitas; outras recemnascidas, que -ainda se não atrevem a voar; outras adultas e robustas; e nenhuma das -que se chegam a transformar em obras, deixou de ser na origem muito -extranhada, e muito havida por impossivel ou perigosa, e de padecer -perseguição da parte de nescios e ruins.</p> - -<p>Ora eu, que (Deus louvado) de ruins me não temo, e a escutar nescios me -não detenho, parece-me que não poderia, por em quanto, empregar melhor -a minha folha de papel, e o vosso serão no casal, do que em vos relatar -os meus sonhos ou devaneios solitarios sobre a salvação da Patria pela -Agricultura; axioma este já hoje comprehendido por todos os que a -Natureza não condemnou a viver e morrer sem comprehenderem nunca nada.</p> - -<p>E como é possivel que d’entre vós outros algum, ou muitos, vão um dia -deputados áquelle bemdito Parlamento de lavradores, de que eu ha dois -mezes vos falava, consentir-me-heis que, ao lume da vossa lareira, -exponha aos vossos juizos, naturaes e não pervertidos, mais alguns -alvitres para então.</p> - -<p>¿Quem nos pode prohibir governarmos o<span class="pagenum" id="Page_119">[Pg 119]</span> mundo em sêcco o nosso -poucochinho? Não só toda a gente o faz, e quasi que se não faz outra -coisa, se não que a maior e talvez melhor parte das Leis, primeiro que -fosse promulgada por legisladores, tinha sido inventada por homemzinhos -obscuros como nós, e d’elles passada á consciencia geral.</p> - -<hr class="tb" /> - -<p>Se alguns chamarem <i>politica</i> e ruindade a este uso que nós -fizermos do pouco ou muito entendimento, que Deus nos deu para amarmos -os nossos semelhantes, não vos haveis de agastar, nem eu tornar-lhes -resposta; que, por mais que thesoirem, não nos descozem o saio,—como -lá diziam os nossos velhos.</p> - -<p>¿Vêdes vós? acostumaram-se áquillo de ver em tudo <i>politica</i>, e de -chamarem <i>politica</i> a tudo; e depois, teem um medo, que se finam, -até das verdades velhas, ¡quanto mais das novas! Lá se entendem; e -assim é bom, para se não irem d’este mundo totalmente desentendidos.</p> - -<p>Não, meus amigos, <i>politica</i>, no sentido estreito que elles dão a -esta palavra, politica do soalheiro e do mexerico, de acreditar a Pedro -e desacreditar a Paulo, de velhacar Leis e receitar venenos, d’essa -não fazemos nós, que nos regala andar com o nosso rosto descoberto, e -dormir as nossas noites de um somno e com as portas e janellas abertas -em não fazendo frio.</p> - -<p>Agora: se ás questões de philosophia social, que elles nunca leram, ou, -se leram,<span class="pagenum" id="Page_120">[Pg 120]</span> não entenderam, ou que, se as entenderam, lhes não cahiram a -elles em graça; se ao exame dos fundamentos da felicidade publica, sem -referencia a tempos nem a pessoas, chamam <i>politica</i>, essa temol-a -feito, e (por mais que lhes pése) havemos de fazel-a sempre, que não -somos nenhuns Esaús da Liberdade, que vendessemos o nosso morgado, como -por si dizia outro poeta chamado Lamartine, respondendo a um satyrico -damnado da sua terra.</p> - -<hr class="tb" /> - -<p>Mas.... para nos não parecermos com aquelle parvo do conto, que -sabeis, que em logar de adiantar caminho, para chegar á feira a horas -e negociar, se deteve todo o dia com o carapuço na mão diante de um -pilriteiro, pedindo á sombra movediça licença para passar, eis aqui já, -meus futuros Legisladores, um objecto, que assás me parece digno da -vossa consideração.</p> - -<p>A propriedade sobre o terreno, claro está não ser um direito natural; -mas nem por isso podemos dizer que não seja direito, e muito -respeitavel. Sem elle não existiria Agricultura. Sem Agricultura, não -existiria sociedade fixa e civilisada.</p> - -<p>Com a sociedade nasceu pois, assim como outros muitos direitos; -confirmou-se com a posse; identificou-se com as ideias e consciencias, -como com os interesses, e ficou sendo, por que assim o digamos, um -direito natural relativo, e secundario. A philosophia, tanto como as -Leis e a força, o deve proteger.<span class="pagenum" id="Page_121">[Pg 121]</span> Não é quanto a elle que vos lembro -reformações, mas só quanto ao modo de regular o seu uso.</p> - -<hr class="tb" /> - -<p>Adquiri eu uma terra por qualquer titulo legal; é minha, não ha duvida. -Posso arrendal-a, posso doal-a, vendel-a, emprestal-a, edificar n’ella, -cultival-a a meu sabor, etc. É corrente.</p> - -<p>¿Mas posso eu por ventura, por ser minha, deixal-a estar improductiva?</p> - -<p>O senso commum, quanto a mim, responde instantaneamente que não.</p> - -<p>¿E porquê?</p> - -<p>Porque haveria n’isso lesão de terceiro, que é a sociedade, para cujo -beneficio extra-natureza, se não contra a natureza primitiva, se -instituira e santificára este direito.</p> - -<p>O avarento poderá ainda ter as suas preciosidades em inercia, e -portanto perdidas; porque em realidade o oiro e a prata, posto que -fecundantes, não são natural e essencialmente productivos. ¡Mas o -torrão, que Deus fez para nos trazer, nos albergar, e nos alimentar! ¡o -torrão, que por si reverdece todas as primaveras, que as nuvens e o sol -andam regando e aquecendo todo o anno! ¡o torrão que é parte do solo -patrio! ¡o torrão ficar dando ortigas e silvas, por indolencia de um -homem estupido, quando á roda d’elle muitos braços carecem de trabalho, -e muitas boccas pedem pão sem o obter!! Eis ahi o que, por mais velha -que seja a posse, nunca jamais poderá chegar a ser bom direito.</p> - -<p><span class="pagenum" id="Page_122">[Pg 122]</span></p> - -<p>Folgára de explanar comvosco este ponto, que é tão facil e abundante em -considerações, quão momentoso para a felicidade commum; mas levar-nos -hia longe.</p> - -<p>Seria pois a Lei, que eu propozesse, substancialmente isto:</p> - -<p>—O proprietario que passar um anno sem cultivar algum dos seus -terrenos, pagará de multa tres vezes o valor do fruto que esse terreno, -bem tratado, houvera podido produzir.</p> - -<p>—O que o deixar dois annos de poisio perdel-o-ha, para ser dividido -pelos pobresinhos da freguesia, ou do concelho, que não tiverem terra.</p> - -<p>Meus amigos, se alguem lá por fora nos impugnar o alvitre, que é bom e -santo, e que, adoptado, augmentaria de repente o trabalho, a riqueza -dos particulares, e os recursos nacionaes; se alguem, digo, nol-o vier -assoviar á porta e injuriar-nos sandiamente, pôl-o-hemos tão claro, que -até esses o entendam; e ainda o accrescentaremos com algumas indicações -sobre predios urbanos, que são tambem um dos usos, e podem ser um dos -abusos, da terra.</p> - -<div class="blockquot"> - -<p>Janeiro de 1849</p> -</div> - - -<hr class="chap x-ebookmaker-drop" /> - -<div class="chapter"> -<p><span class="pagenum" id="Page_123">[Pg 123]</span></p> - -<h2 class="nobreak" id="VIII">VIII<br /><span class="small">Segundo serão do casal</span></h2> -</div> - - -<p class="center caption">Fraternisação da cidade e campo</p> - -<p class="center caption">SUMMARIO</p> -<div class="blockquot"> <p>Uma boa Lei sonhada.—Os proprietarios -ruraes, residentes na Cidade, são obrigados a viver algum tempo nas -suas fazendas.—Delicias novas que essa obrigação lhes proporciona.—Nos -campos ha um vislumbre de egualdade.—Bens que a estada dos senhores no -campo trará por elles aos camponezes, e pelos camponezes a elles.—O -autor sabe, por experiencia, o como nos campos a Natureza mesma nos -melhora e suavisa.—Os camponezes são menos ruins e infelizes que -os cidadãos; e mais felizes e melhores se hão-de tornar, quando -a Lei passar de sonho a realidade.—Apontam-se alguns dos muitos -melhoramentos, materiaes.—agricolas, economicos, artisticos, etc., que -hão-de com o tempo brotar d’esta Lei.<br /> </p> </div> - -<p>Sonhei eu, meus bons amigos, que se tinha a Providencia achado n’estes -nossos tempos em maré de muita poesia: que já existia de veras um -Parlamento de lavradores, e que as Leis, e com ellas os costumes, -tinham chegado a final a grande concerto e formosura.</p> - -<p>Uma d’estas Leis bemditas vos quero eu contar; porque se algum dia -(que pode ser) as nossas semeadas Sociedades de Agricultura pegarem, -e, por diligencias d’ellas, tal<span class="pagenum" id="Page_124">[Pg 124]</span> Parlamento chegar a apparecer, -lá considerareis, com o vosso vagar, se do sonho se não deveria -fazer realidade. O que lhe deu péga foi aquella nossa pratica do -serão ultimo, sobre a obrigação que todo o dono de terra tinha de a -aproveitar.</p> - -<hr class="tb" /> - -<p>Sonhava eu pois, que todos os proprietarios de bens rusticos, a quem -não assistia alguma particular rasão muito attendivel para o contrario, -eram obrigados a morar nos seus campos alguma parte do anno.....</p> - -<hr class="tb" /> - -<p>Reverdecia a primavera, e eil-os lá sahiam das cidades, colmeias -grandes, onde, entre muitos zumbidos, se fabricam favos de fel. Até -ás barreiras, ainda iam murmurando contra a salutar violencia, que os -bania temporariamente.</p> - -<p>Logo ali, ao desembocarem das ruas estreitas e sombrias, que nenhuma -estação altéra, para a amplidão de campos e horizontes, a serenidade do -ceo azul se lhes começa a filtrar dos olhos para a alma. A madre-silva -de cima do cômoro lhes dá as suas rescendentes boas-vindas; e para -o coração se lhes côa parte da bemaventurança que inspira aos seus -filhinhos libertos o aspecto das papoilas côr de fogo, a rir na verdura -sem limites; dos rebanhos, que ondeiam branquejando pelas planicies; -dos moinhos, que bracejam cantando pelos oiteiros. Tudo<span class="pagenum" id="Page_125">[Pg 125]</span> para elles é -descobrimento e maravilha: os passaros, que altercam graciosos pelos -ramos; as aguas, que manam, a debuxar os arvoredos toucados de flores -e sol; os cantares dos rusticos no trabalho; a choupaninha pobrissima, -mas que tem ainda com que albergar hospedes; as andorinhas, que tambem -vieram lá de outras terras pendurar-lhe por cima da janella unica, e ao -abrigo do tecto de palha, o berço dos filhos.</p> - -<p>Atravez d’estas scenas, tão antigas e sempre novas, tão sem artificio -e tão cheias de harmonias, tão casuaes e tão sabiamente variadas e -contrapostas, toda aquella opulenta familia cidadan vai já invejando -a boa sorte dos filhos das aldeias, para quem só parece existir a -Natureza. Ao estrépito da sua carroagem saem ás portas as creanças, -cuja nudez mostra carnes dignas do cinzel de um Assis Rodrigues, e -que riem sempre, como os Seraphins do retábulo da freguezia; moças -esbeltas, a quem o carmim da aurora corou as faces, como pomos, e que -em seus trajos de lan resplandecem como dahlias soberbas em vazos -pobres; e bons velhos, que entre tres e quatro gerações de descendentes -seus ainda os ajudam com o conselho, e o pão que em ocio lhes comem, -lh’o pagam com as vivazes historias do passado.</p> - -<p>A carroagem passa por entre essa multidão, tão afortunada quanto na -terra se pode ser; passa; mas no seu vôo colheu e deixou sorrisos de -benevolencia.</p> - -<p>Chegada á sua nova residencia a familia cidadan, sente-se mais á larga -em quartos pequenos, d’onde se descortinam campos e<span class="pagenum" id="Page_126">[Pg 126]</span> montes, do que lá -nos doirados e espaçosos carceres de seus salões.</p> - -<p>Tudo para todos os sentidos lhe é novo: a linguagem chan e respeitosa -dos visinhos; as horas e qualidade das refeições; as danças e cantares -do serão; o deitar antes que o sete-estrello vá alto; o erguer muito -primeiro que o sol, e quando o passarinho vem dizer á vidraça que já -é dia; o lavar e almoçar na fonte, por baixo da parreira; o sahir -para toda a parte sem a pesada libré das galas; o descobrir em cada -passeio um sitio incognito, e menos esperado do que para Colombo o foi -o Novo Mundo. Não ha pessoa que os não saude pelos seus nomes, que não -procure algum pretexto para lhes falar, que se não julgasse feliz de os -poder servir. Os obsequios mais delicados lhes affluem a cada hora ás -portas, trazidos por mãos, que só os seus callos accusam de grosseiras. -Na cidade os visinhos não se conhecem, ou são inimigos mutuos; os do -campo, quaesquer que sejam as differenças de gerarchia e fortuna, são -irmãos da mesma tribu.</p> - -<p>A donzella de vestido branco não teme perder o seu <i>Dom</i> dançando -no seu jardim ao domingo com a filha do seu honrado hortelão; nem o -mancebo esbelto, que sabe de cór todas as arias novas, e ambas as -chronicas de cada <i>prima-donna</i>, se crê deshonrado passando na -caça o dia com o soldado velho, que ainda voltou das guerras para vir -morrer na freguezia de seus paes.</p> - -<p>Ao luar, nas médas da eira, ¡vel-os como correm folgando, vozeando, -mergulhando na<span class="pagenum" id="Page_127">[Pg 127]</span> palha, e reapparecendo ao som de palmas, os imberbes -herdeiros de oito e dez nomes, e os pequeninos, que, sem terem menos -avós, não receberam mais nomes que os de seus paes!</p> - -<p>Se em alguma parte se encontra um vislumbre da egualdade, sonhada pelos -philosophos para consolar penas, é só nos campos que essa filha de Deus -se entrevê formosa, travêssa e risonha, como a Galatêa de Virgilio por -entre os salgueiros.</p> - -<p>¡D’esta convivencia, que as semanas e os mezes vão apertando cada vez -mais, que vantagens não redundam para os moradores do palacio rustico, -e para os camponezes! Os primeiros esquecem muito passatempo ruinoso, -que julgam indispensavel; os segundos muita grosseria de trato, em que -nunca haviam advertido. A casinha terrea ensinou ao solar sobriedade, -e amor do trabalho; mas d’elle aprendeu o aceio, as commodidades -faceis, e o gosto. O senhor deixou-se entrar da caridade, presenceando -as fadigas e miserias dos seus rendeiros; o trabalhador, vendo-o bom, -cessou de o temer e odiar como o seu genio mau e invisivel. As relações -e valimentos na côrte attrahiram muitos favores, quando menos alguma -justiça, ora para a viuva, a quem pretendiam arrancar o filho para -o Exercito; ora para o lavrador, a quem contratempos desmerecidos -vedaram pagar ao Fisco. As damas, quando se ausentarem, haverão deixado -amigas, que repitam o seu nome sem inveja, e os seus louvores com -desvanecimento; e lá para o inverno, a poisada em que tudo<span class="pagenum" id="Page_128">[Pg 128]</span> falta a -fóra a esperança, verá muita vez acorrer-lhe lá de longe, do meio da -Babylonia, a sua providencia: o fatinho conchegado para as creanças, o -enxoval para a filha casadoira, o tabaco para a caixa vasia do velho, o -linho para as rocas e o fiado para o tear, e a paga adiantada, para que -o jantar não sejam suspiros, e a ceia lagrimas.</p> - -<p>N’uma palavra: as cidades conhecerão e amarão os campos; e os campos -perdoarão e abençoarão a opulencia das cidades. Os grandes terão ido lá -retemperar a saude gastada dos vicios e cuidados, e repoisar a bolsa, -dos duellos, do jogo, das tirannias da moda, das violencias da vaidade -e das paixões.</p> - -<p>Estas ferias, dadas a tres coisas tão damnosas, como são o gasto do -corpo, a inanição da alma, e o desbarate da fazenda, pode ser que em -bastantes dos que as disfrutarem venham a produzir mudanças de vida, -mui sinceras, mui duradoiras, e sobre modo uteis para a pessoa e para o -proximo.</p> - -<hr class="tb" /> - -<p>Eu por mim, meus ricos pobres do campo, não duvido, se não que o creio -com todas as veras d’alma: porque, ¿vedes vós? eu mesmo já tambem -vivi, e annos, fora e muito longe das cidades, e sei como as estrellas -conversam comnosco em nos colhendo a sós n’essas vossas solidões.</p> - -<p>Sei como deitado a um meio-dia de estio, á sombra de um dos immensos -guarda-soes verdes abertos por Deus aos passarinhos, aos rebanhos, -e aos homens, respiramos ares<span class="pagenum" id="Page_129">[Pg 129]</span> bonissimos de saude, de sabedoria e -benevolencia; folheamos o canhenho do nosso passado, e sorrimos de -desprezo a tanto lidar por nadas, a tanta figura anan que ali fez papel -de gigante, e a tantos montes de oiro, que representaram de grãos de -areia.</p> - -<p>¿Tinha-nos irritado a malignidade de um satyrico? Passa-nos por cima da -cabeça um besoiro negro, e envergonhamo-nos de lhe ter dado attenção.</p> - -<p>¿Tinhamo-nos consternado com o mallogro de um empenho? O ciciar da -seára visinha nos diz: «Tambem aqui, entre as minhas espigas, vão -algumas negras e vazias; mas nem por isso me chamam pobre.»</p> - -<p>¿Tinhamos visto nos homens o egoismo? Estamos sentindo em torno de nós -a prodigalidade a palpitar, a revolver-se, a rescender, a cantar, por -toda a superficie da terra.</p> - -<p>¿Tinhamos chegado pela tristeza ao scepticismo? Por cima de nós não -descortinamos senão ceo, e ceos.</p> - -<p>Erguendo nos, e afastando-nos d’ali, quando por entre as arvores, além, -nos chama o fumo da nossa cosinha, saudamos ainda mais cordealmente ao -visinho ou ao passageiro desconhecido; jantamos com mais apetite; e se -o mendigo, enviado pela Providencia, vem n’essa hora entoar á porta o -Padre Nosso, assentamol-o á nossa direita, alegramos a sua velhice com -o nosso melhor vinho; e, finda a refeição, ambos damos graças ao Pae -Commum, pela esmola que a um e outro acaba de fazer.</p> - -<p>¡Oh que sim! cada folha no campo sabe mais, e aconselha melhor, para -isto de contentamento<span class="pagenum" id="Page_130">[Pg 130]</span> interior, que todas quantas academias existem de -Pekim até Lisboa, de Lisboa até aos confins da America.</p> - -<hr class="tb" /> - -<p>—«Mas—perguntar-me-heis vós—sendo assim, ¿por que não somos nós, os -do campo, inteiramente bons e bemaventurados?»</p> - -<p>¡Inteiramente!!.... Não pode ser, que esse <i>inteiramente</i> não cabe -ao mundo; porém menos desgraçados e menos ruins que nós outros, os da -cidade, crêde firmemente que o sois.</p> - -<p>Padeceis minguas, que o viandante descobre pela vossa janella sem -vidraças. Sim, mas lá estão muitos palacios, onde, entre arrazes e -sedas, se curtem amarguras, como entre flores se escondem viboras. -Ali, sem espectadores, se representam tragedias inauditas. ¡Quantos -de cima de um cofre de oiro se não levantam pallidos e blasphemando, -para se irem pendurar n’um laço, algozes de si mesmos! ¡Quantos n’um -coche envernizado por mão de pintor heraldico, ou montados n’um cavallo -que lhes custou o preço de duas herdades, não vão lavar com o proprio -sangue n’um duello a afronta, talvez chimerica, que receberam, ou, para -tirarem um espinho da honra, carregar-se para toda a vida com o remorso -de um homicidio!</p> - -<p>¿Vedes vós?... E não vedes ainda nada; e nem eu vol-o quero nem devo -mostrar.</p> - -<p>Mas crêde; fiae-vos em mim: Lançadas bem as contas por quem -experimentou ambos<span class="pagenum" id="Page_131">[Pg 131]</span> os vivêres, os menos maus dos maus, e dos infelizes -os menos desaventurados, sois vós.</p> - -<p>E a mais ireis, quanto mais d’estas verdades vos convencerdes; que já -lá dizia, ha dois mil annos, outro poeta bem vosso amigo (como todos -os de veras o são), um poeta que só para vós escreveu uma das mais -admiraveis obras do mundo:—«¡Oh! ¡ditosos, ditosissimos os lavradores, -se elles acabassem de entender as suas ditas!....»</p> - -<p>Já vêdes, como podeis esmolar virtudes e satisfação aos desconsolados -das ruas largas e das praças espaçosas.</p> - -<p>Só por isto, já valia bem a pena de que o nosso Parlamento de amigos da -terra promulgasse, muito depressa, a Lei com que eu sonhava, e com que -ainda sonho.</p> - -<hr class="tb" /> - -<p>......Mas cavae-me bem fundo com o discurso n’esta materia, e vereis¡ -quantos outros bens vos não promette!</p> - -<p>A vossa estrada e os vossos caminhos transversaes estão por fazer; o -vosso rio, a obstruir-se de todo, a comer-vos os campos com areias, e -as vidas com febres. Na vossa capella assovia o vento e côa a chuva; -o seu calix é de estanho; o seu Missal rôto; o seu Crucifixo perdeu o -doirado, e as rosas da corôa da Mãe de Deus, ainda que artificiaes, -estão murchas como as das suas faces. O vosso cemiterio augmenta o -horror á morte, pelo desamparo; lá os vossos parentes não teem sombra -de arvore piedosa,<span class="pagenum" id="Page_132">[Pg 132]</span> onde a saudade sinta delicias em orar; e os cães e -animaes do monte podem ir pela noite desenterral-os e comel-os.</p> - -<p>Não digais nada a ninguem; mas todas essas lastimas, que vós deplorais -ha tantos annos, hão-de findar, como quer que seja, com a estada dos -ricos entre vós.</p> - -<p>O solo mesmo sente que em vossas casas fallece a prata e o cobre. Ora -deixae-os residir por ahi alguns mezes, e dir-me-heis, e dir-me-ha -o mesmo solo, e ainda mais galhardamente que vós, se das cidades -enriquecidas pela Agricultura não refluiu a final algum oiro para os -campos.</p> - -<p>Os vossos filhinhos carecem de mestres; os da cidade tambem teem -coração, e tambem teem filhos; vereis como vos brindam com escolas.</p> - -<p>Hoje frequentemente vos acontece desejardes n’um repente um bom -conselho, que só a Sciencia pode dar, já para o vosso trato agrario, -já para a vossa industria, já para o vosso commercio, já para a vossa -demanda, ou para o governo da vossa vida. Esses homens da cidade teem -livros; teem certas tinturas geraes, que dá o trato do mundo; teem -amigos e conhecidos, a quem podem escrever e consultar. Até o amor -proprio (quando não fosse já a humanidade) vol-os tornaria serviçaes.</p> - -<p>O vosso domingo só escápa do tédio pelo somno, pela conversação -ociosa, que degenera em maledicencia, ou... pelos praseres grosseiros, -perigosos e funestos, da taberna. As vossas dansas já a vós proprios -vos cançam de monótonas, e os vossos cantares<span class="pagenum" id="Page_133">[Pg 133]</span> sem pensamento já faziam -bocejar aos bisavós.</p> - -<p>Deixae estar: aquella gente da cidade vos trará (até por seu -interesse), e vos ensinará, recreios que vos encantem. Vereis o que -é um theatro. Amareis e cultivareis a musica. E Deus sabe ¡quantos -talentos, que por entre vós se perdiam, se não hão-de aproveitar! -¡quantas divindades não dareis ainda ás adorações da Capital! ¡quantos -brasões de verdadeiros meritos não grangeará para si o vosso logarejo!</p> - -<hr class="tb" /> - -<p>Pensae n’isto, pensae n’isto, meus amigos; e (rebente de inveja quem -rebentar, definhe quem quizer, de odio contra a ventura do Povo) -trabalhae, e orae a Deus, para que venhamos a ter aquellas Côrtes que -sabeis.</p> - -<div class="blockquot"> - -<p>Fevereiro de 1849.</p> -</div> - -<hr class="chap x-ebookmaker-drop" /> - -<div class="chapter"> -<p><span class="pagenum" id="Page_135">[Pg 135]</span></p> -<h2 class="nobreak" id="IX">IX<br /><span class="small">Terceiro serão do casal</span></h2> -</div> - - -<p class="center caption">Indole campestre da Poesia</p> - -<p class="center caption">SUMMARIO</p> - -<div class="blockquot"> - -<p>A Poesia nasceu nos campos, e para elles propendeu sempre.—Quem -foi Ovidio.—O seu poema dos <i>Fastos</i>.—Duas amostras d’este -poema.—Festa das sementeiras entre os Romanos.—Festa do deus Término.</p> -</div> - - -<p>Dizia-vos eu, meus camponezes, que todos os poetas de veras eram vossos -amigos; não ha nada mais certo.</p> - -<p>A Poesia nasceu nos campos, e por muito tempo só conheceu esse viver -viçoso e perfumado. Veio a fazer-se dama ambiciosa de mais refinadas -delicias; assentou vivenda nas cidades; fez-se muito sabia, muito -altiva muito malédica, muito contradictoria; ora devota, ora impia, ora -frivola, ora profunda; mas lá os seus campos nunca se lhe desluziram da -lembrança.</p> - -<p>Em nenhuma parte a ouvirieis cantar combates, viagens, descobrimentos, -artes, luxo, amores, ou desejos de melhor vida para alem-mundo, que lhe -não fugisse um olhar de saudade para o seu paraiso de flores.</p> - -<p>A edade de oiro, que é a sua scisma contínua, posta umas vezes no -passado, outras<span class="pagenum" id="Page_136">[Pg 136]</span> no futuro, a edade de oiro (que Deus sabe se é tão -fabulosa como cuidam, a não ser em relação ao seu titulo), ¿que era -ella se não a Arcádia, o viver campestre, manso e regalado?</p> - -<p>Livros dos mais antigos do mundo, os de Moisés e os de Homero, uns e -outros mananciaes de Poesia, não teem pagina, que nos não espelhe uns -reflexos das bemaventuranças patriarchal e heroica, que são tambem -Arcadia, com leves modificações.</p> - -<p>Passaram os povos antigos, com as suas religiões e usos particulares. -Nos escritos que de então sobreviveram, ¿que é o que mais nos encanta? -Não são por certo as descripções dos seus usos exclusivos, ainda que -para ahi se attrai fortemente a curiosidade; são, sim, os toques -allusivos ao viver rural, porque emfim, ahi é que é o ponto de contacto -de todas as edades, e de todas as civilisações. O campo é que é o -centro de unidade da especie humana.</p> - -<hr class="tb" /> - -<p>Se tivessemos vagar, muito nos haviamos de entreter relendo em commum, -aqui no vosso casal, alguns dos mais guapos trechos dos poemas de eras -mui diversas, e paizes mui remotos, por onde acabarieis de conhecer -quanto o vosso trato namorou sempre aos bons engenhos. Fôra leitura -para cem annos bem aproveitados.</p> - -<p>Falemos de um só autor, mas, que, pela grandeza do seu talento, vale -centos.</p> - -<p>Nasceu este na Italia, em tempo do poderio<span class="pagenum" id="Page_137">[Pg 137]</span> Romano, vai em dezanove -seculos, e quando o latim era ainda lingua viva e bizarra. Chamava-se -Publio Ovidio Nasão, e era cavalleiro, ou fidalgo d’aquellas eras. -Vivia na Côrte, bem relacionado com a principal Nobreza, e mui cabido -no paço dos Imperadores.</p> - -<p>Tinha um engenho prodigioso para a Poesia; cultivou o com os estudos -da eloquencia, com o trato dos outros poetas contemporaneos, com as -sciencias, com as viagens á Grecia, que era a França d’aquelles tempos, -e Athenas a sua París. Compôz uma quantidade de obras, que ainda -existem quasi todas; a maior parte amorosas e voluptuarias.</p> - -<p>As mulheres eram para elle o maior bem do mundo; o segundo, as -amenidades da Natureza (ninguem dirá que tivesse mau gosto o nosso -Ovidio).</p> - -<p>Este homem, depois de ter gosado quanto era possivel da vida de Roma, -de repente, e já ao descahir para velho, é desterrado. ¡E que desterro! -¡De Italia, para a Russia! ¡do seio das delicias, para uma povoação -barbara, glacial, sempre em contingencias de guerras! Ali se vê, -longe de sua mulher, de sua filha, de seus amigos, dos campos do seu -nascimento, das damas, e dos applausos.</p> - -<p>A causa do seu desterro é um enigma, que tem desatinado os -historiadores, e a que ainda ninguem rastreou solução provavel. Coisa -de amores (ou seus ou alheios) deveu por certo de andar por ahi. O que -sabemos é que, lá no desterro, lembrando-lhe com muitas saudades tudo -quanto havia perdido,<span class="pagenum" id="Page_138">[Pg 138]</span> nada lhe doía mais no coração, que o ver-se -privado do seu quintalinho nos arrabaldes de Roma, onde outr’ora a mão -que tão gentis coisas escrevia se deliciava, muita vez, em podar e -enxertar as suas arvores.</p> - -<p>—«¡Coitado de mim!—dizia elle—ainda que eu aqui me quizesse metter a -lavrador, os bois d’esta terra não entendem latim.»</p> - -<p>Em tal e tamanho desamparo, que até á morte lhe durou, só as Musas -o não desampararam. A isso devemos duas deliciosas collecções de -magoadissimas Cartas em verso, á mulher, aos amigos, a Cesar mesmo, -sollicitando vir morrer onde nascêra, e metade de um poema intitulado -<i>Os Fastos</i>.</p> - -<hr class="tb" /> - -<p>Eram os <i>Fastos</i> de Ovidio uma obra em doze Livros, de que só -ficaram os primeiros seis. Tinham por objecto descrever e explicar -as principaes festas religiosas pagans de cada um dos doze mezes; a -origem archeologica de cada uma d’ellas; e a sua coincidencia com as -revoluções astronomicas.</p> - -<p>Eis aqui o como elle prepõe a totalidade do seu plano:</p> - -<p class="poetry"> -<span style="margin-left: 1em;"><i>Festas do Lacio anno, origens suas</i></span><br /> -<span style="margin-left: 1em;"><i>quaes astros vão, quaes veem, dirão meus versos.</i></span><br /> -</p> - -<p>Esta obra, além de outras suas, traduzi eu; e por signal que offereci -a traducção a um muito particular amigo d’elle, meu, e vosso, que é o -Secretario da nossa Sociedade de Agricultura.</p> - -<p><span class="pagenum" id="Page_139">[Pg 139]</span></p> - -<p>Ha nos <i>Fastos</i> muitas e mui bellas provas do que eu ha pouco vos -dizia: do amor que o bom do Ovidio tinha á vida campestre.</p> - -<p>Amostrar-vos-hei algumas; e vá, por estreia, o final do seu mez de -Janeiro.</p> - -<p>Canta assim:</p> - - -<p class="center">FESTA DAS SEMENTEIRAS</p> - -<p class="poetry"> -<span style="margin-left: 1em;">Nos Annaes, onde as festas veem marcadas,</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">festas em vão busquei das sementeiras.</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">Vendo-me a folhear, cuidoso, assiduo,</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">e entendendo-me o empenho,—«Em balde as buscas—rindo</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">a Musa me diz;—«¿festas mudaveis</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">das fixas no registro achar querias?</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">Teem marcada estação, e o dia incerto;</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">celebram-se no praso em que estão prenhes</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">de sementes os chãos. Gosae do ocio</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">á farta manjadoira, ó bois coroados;</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">lá virá logo a activa Primavera,</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">á cerviz repoisada impondo jugo,</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">co’a renascente lida afadigar-vos.</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">No abrigo do casal durma por ora</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">a cançada charrua; a terra fria</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">não deseja, não soffre, o ser rasgada.»</span><br /> -<br /> -<span style="margin-left: 1em;">Agora, que jaz finda a sementeira,</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">lavradores, dae folga ao solo, aos braços;</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">lustrem colonos sua aldeia em festa,</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">dêem a seus fogos a annual fogaça.</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">Tellus e Céres, madres das seáras</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">já com seus mesmos grãos se propiciem,</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">já coa’s entranhas da suina fêmea.</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">D’entre ambas nasce o grão que nos sustenta:</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">Céres nol-o produz; mantem-n-o a Terra.</span><br /> -<br /> -<span style="margin-left: 1em;">Ó consocias em dádiva tão rica,</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">deusas, por quem a rude antiguidade</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">se abrandou, se poliu, deixada a glande</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">por mais nobre manjar, dae aos colonos,</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">em premio a seu trabalho e a seus desvelos,</span><br /> -<span class="pagenum" id="Page_140">[Pg 140]</span><span style="margin-left: 1em;">colheita sem medida, e que os sacie.</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">Dae augmento continuo aos germes tenros,</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">e que a neve á nascença os não destrua.</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">Em quanto disparzirmos as sementes,</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">alimpae-nos o ceo com ventos brandos;</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">mal que enterrada fôr, mandae-lhe as chuvas;</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">e, pois são gloria vossa as pingues messes,</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">que em vagas de oiro, ao longo d’essas veigas,</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">rumorejam fartura, ¡eia, salvae-as</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">do avido bico das aladas hostes!</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">Por ora, que inda a terra o grão recata,</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">vós, formigas poupae-o; usura grande</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">havereis d’elle, se aguardais a aceifa.</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">Livre de tôrpe alforra a messe vingue,</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">e côr de alma saude o Céu lhe influa;</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">que nem definhe pallida, nem perca</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">por excesso de viço e nimia pompa.</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">Joio, á vista nocivo, os chãos não brotem,</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">nem tôrpe aveia as sementeiras mescle.</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">Só se vejam medrar profusamente</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">as cevadas, o trigo, e a rija escándia,</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">a escándia, a fogos dois predestinada.</span><br /> -<br /> -<span style="margin-left: 1em;">Lavradores, por vós taes são meus rogos.</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">Co’os rogos meus os vossos se misturem,</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">por que uma e outra deusa os ratifiquem.</span><br /> -<br /> -<span style="margin-left: 1em;">Ferina longo tempo a humanidade</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">só nutriu bellicosos pensamentos.</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">Mais apreço que a relha a espada tinha,</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">e em foros de nobreza era anteposto</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">o corsel que peleja, ao boi que lavra.</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">Não trabalhava a enxada; ia-se em lanças</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">dos alviões o ferro; o ensinho em elmos.</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">¡Graças, deusas, a vós, a vós, ó Cesares!</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">o Genio marcial agrilhoado</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">já sob os pés de Roma em vão se extorce.</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">O toiro acceite o jugo; o solo, os germes;</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">Céres, filha da paz, co’a paz triumphe.</span><br /> -</p> - -<hr class="tb" /> - -<p>Ouvi-lhe agora a narração da festa, que em seu tempo se fazia no mez de -Fevereiro,<span class="pagenum" id="Page_141">[Pg 141]</span> em honra do deus Término, ou Têrmo.</p> - -<p>Este deus não era mais nem menos que um marco, de pedra ou pau, que -extremava os predios. Com rasão lhe davam aquelle culto; nada mais -respeitavel, que a propriedade; nada mais judicioso, que santifical-a.</p> - - -<p class="center">FESTA DO DEUS TÉRMINO</p> - -<p class="poetry"> -<span style="margin-left: 1em;">Finda a noite, alvoreça a costumada</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">festa do deus que nos comparte os campos.</span><br /> -<br /> -<span style="margin-left: 1em;">Quer tôsca pedra, ó Término, te embleme,</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">quer tronco informe pela mão de antigos</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">enterrado no chão, sempre és deidade.</span><br /> -<br /> -<span style="margin-left: 1em;">Para ti donos dois, de oppostas partes,</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">c’rôa e c’rôa te cingem; bôlo e bôlo</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">te vem de cá, de lá; como á porfia,</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">ahi se te engenhou ara campestre.</span><br /> -<br /> -<span style="margin-left: 1em;">Lá nos traz a açodada fazendeira</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">no seu testo quebrado as áscuas vivas</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">que apurou do borralho. O bom do velho</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">racha a lenha miuda, ergue-a em pyramide;</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">sua a cravar no chão ramos festivos.</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">Agora em cascas sêccas ceva o fogo,</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">tendo em pé ao seu lado, em quanto assopra,</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">o filhinho abraçado a largo cesto.</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">Tres vezes d’ali tira e lança ao fogo</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">punhados de aurea Céres. Toma os favos,</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">que a filha pequenina lhe apresenta</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">pelo meio cortados. Trazem outros</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">o vinho; tudo aqui se liba ás chammas.</span><br /> -<br /> -<span style="margin-left: 1em;">Alvitrajada a turba espectadora</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">religioso silencio attenta observa.</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">Co’o sangue quente de immolada ovelha</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">¡que ufano purpureja o vulto informe</span><br /> -<span class="pagenum" id="Page_142">[Pg 142]</span><span style="margin-left: 1em;">do commum velador, o honrado Término!</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">e quando, em vez de ovelha, haja leitôa,</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">não temais que se anoje. O brodio é franco</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">aos bons visinhos, corações lavados,</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">que o celebram com fé, que jubilosos</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">vão tecendo um louvor a cada prato.</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">Ouvi, ouvi seu rustico descante;</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">é do deus do festejo o panegyrico:</span><br /> -<br /> -<span style="margin-left: 1em;">¡Salve, ó Término sacro, ó tu, que extremas</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">bairros, cidades, reinos! cada campo</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">fôra sem ti um campo de batalha.</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">Mantens, desambicioso, insubornavel,</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">as herdades em paz das Leis á sombra.</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">Se a terra Thyreátide te houvéra,</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">não ceifaria a morte heroes seiscentos</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">de Argos e Esparta no fatal duello;</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">não se lêra de Othryades o nome</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">n’um vão tropheo de mentirosas armas,</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">que inda á Patria infeliz custou mais sangue.</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">Capitolino Jupiter que diga</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">que invencivel te achou, quando ao fundar-se-lhe</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">a área do templo, ao passo que os mais numes</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">para dar-lhe logar retrocediam,</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">tu só, qual nol-o conta annosa fama,</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">ousaste resistir, ficar, ter parte</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">no templo augusto, e adorações com Jove;</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">e inda lá, por que nada alfim te ensombre,</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">sobre ti ao ceo livre é rôta a abobada.</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">Nume de tão gentil perseverança,</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">em qualquer a leveza achára venia;</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">contradicção em ti suicidio fôra.</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">Mantém pois sempre, ó sacra sentinella,</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">mantém pois sempre, ó Término, teu posto.</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">Despréza os rogos do vizinho avaro;</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">não lhe concedas do terreno um ponto.</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">¡Ceder a humanos quem resiste a Jove?!</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">¿Vem bater-te enxadão, pulsar-te arado?</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">proclama a vozes: «Meus confins são estes;</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">d’além, tu; d’aquem, elle; ambos cohibo,</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">e em cohibir aos dois aos dois protejo.»</span><br /> -<br /> -<span style="margin-left: 1em;">Uma estrada une Roma aos Laurentinos,</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">reino que o Teucro prófugo buscára;</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">lá, dos marcos o sexto em honra tua</span><br /> -<span class="pagenum" id="Page_143">[Pg 143]</span><span style="margin-left: 1em;">vê que lanosa victima se immola.</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">Término, já que acceitas cultos nossos,</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">ampara nos; sustenta o nosso Imperio.</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">De cada povo o espaço é circumscripto;</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">são de Roma os confins confins do globo.</span><br /> -</p> - -<hr class="tb" /> - -<p>¡Quão grande, meus amigos, não era o Povo em que um Poeta podia dizer -isto, sem medo de que o mundo, nem a posteridade, o desmentisse!</p> - -<p>E nós tambem, nós, os Portuguezes, já houve um tempo, em que pouco -menos fomos.</p> - -<p>Ouvi como o nosso Camões o cantava:</p> - -<p class="poetry"> -<span style="margin-left: 1em;">Mas em tanto que cegos, e sedentos</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">andais do vosso sangue, ó gente insana,</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">não faltarão christãos atrevimentos</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">n’esta pequena Casa Lusitana.</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">De Africa tem maritimos assentos;</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">é na Asia mais que todas soberana;</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">na quarta parte nova os campos ara,</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">e, se mais mundo houvera, lá chegára.</span><br /> -</p> - -<p>¿Hoje...¿ que são aquella Roma, e este Portugal?</p> - -<p>Roma pereceu. Portugal, se não agonisa, enferma gravemente.</p> - -<p>Mas para Roma não ha já esperança; para nós ha ainda uma ¿Sabeis qual?</p> - -<p>Sois vós, vós mesmos, vós unicamente, ó Lavradores.</p> - -<div class="blockquot"> - -<p>Março de 1849.</p> -</div> - -<hr class="chap x-ebookmaker-drop" /> - -<div class="chapter"> -<p><span class="pagenum" id="Page_145">[Pg 145]</span></p> -<h2 class="nobreak" id="X">X<br /><span class="small">Quarto serão do casal</span></h2> -</div> - - -<p class="center caption">Continuação do precedente</p> - -<p class="center caption">SUMMARIO</p> - -<div class="blockquot"> - -<p>Mais Ovidio.—Recommenda a Germanico o Livro IV dos Fastos, -por ser Abril consagrado a Venus, a ascendente da familia -<i>Julia</i>.—Nobiliario troiano dos Romanos.—Rasão por que no -calendario de Romulo era Março o primeiro mez, e Abril o segundo.—Uma -etymologia grega de <i>Abril</i>.—Outra etymologia latina da mesma -palavra.—Abril pertence de direito a Venus, como principio de toda -a attracção e reproducção das especies.—Venus tirou os homens do -estado silvestre, e fez nascer a Poesia, e todas as bellas, e boas -Artes.—Roma, mais que todos os povos, deve a Venus adorações.—Origem -de uma festa annual dos Romanos a esta deusa.</p> -</div> - - -<p>O nosso Ovidio, que já conheceis, é quem ha-de regalar-vos este Serão.</p> - -<p>Ides ouvil-o no introito do seu Livro IV dos <i>Fastos</i>, cantar-vos -as origens d’este mez.</p> - -<p>Fala com o Imperador Germanico.</p> - -<div class="blockquot"> - -<p>Abril de 1849.</p> -</div> -<div class="blockquot"> -<p><span class="smcap">N. B do editor</span>—Seguia-se na 1ᵃ impressão d’esta obra um largo -trecho da traducção dos <i>Fastos</i>; mas como esse fragmento pertence -por sua indole a outro genero de estudos, e entraria aqui descabido até -certo ponto, entendeu o editor, para não allongar demasiado o volume -com um accessorio, aliás brilhante, supprimil-o, remettendo o leitor á -edição especial dos <i>Fastos</i>.</p></div> -<hr class="chap x-ebookmaker-drop" /> - -<div class="chapter"> -<p><span class="pagenum" id="Page_147">[Pg 147]</span></p> - -<h2 class="nobreak" id="DIGRESSAO">DIGRESSÃO</h2> -</div> -<p class="center caption">SOBRE A</p> - -<p class="center caption">Sociedade dos Amigos das Lettras e Artes em S. Miguel</p> - -<hr class="r5" /> - -<h3>ADVERTENCIA</h3> - -<p>Entre o precedente <i>Serão do Casal</i> e o seguinte, falta o do mez -de Maio. O autor estava ausente.</p> - -<p>A 21 de Fevereiro partira para Lisboa, deixando promptos os d’esse -mez e dos dois immediatos, esperando regressar a tempo de não haver -interrupção. Mas os negocios, que tão empenhado o levavam á Côrte, só o -deixaram tornar a 24 de Maio.</p> - -<p>Eram estes negocios a approvação dos Estatutos da Sociedade dos Amigos -das Lettras e Artes em S. Miguel pelo Governo, e a concessão de um -pouco de terreno nacional n’esta Ilha, a cerca do extincto convento -da Conceição, desaproveitada, e as ruinas da contigua egreja de S. -José, para a Sociedade ali edificar á sua custa uma casa para as -suas escolas, sessões, exposições, concertos musicos, representações -scenicas, etc.; tudo objectos de publico e manifesto interesse.</p> - -<p>Fez o autor em ambas estas diligencias tudo quanto era humanamente -possivel; e, apezar da santidade e generosidade de taes requerimentos, -da optima sombra que de toda a parte os cercou desde a primeira hora, -das formaes e reiteradas promessas<span class="pagenum" id="Page_148">[Pg 148]</span> dos que mais podiam influir no -despacho, o que só logrou trazer foram os Estatutos approvados (ainda -assim com suas restricções desconfiadas, que uma tão desambiciosa -Sociedade por ventura não merecia), e uma esperança, já então muito -vaga, de se obter o terreno; o terreno, condição tão substancial para a -existencia da Sociedade, como a existencia da Sociedade provadamente o -é para o progresso e lustre das Artes, das Lettras, e da sociabilidade -n’esta paragem.</p> - -<p>N’este livro, repositorio de sãos desejos, propostas e ousadias -civilisadoras, entendeu-se não seria mal cabida uma singela memoria -de taes factos, pois quando se lhe pôz por titulo <i>Felicidade -pela Agricultura</i>, na palavra <i>agricultura</i> se abrangeram -implicitamente, como até agora se tem visto, e se continuará a ver até -ao fim, todos os outros verdadeiros interesses inseparaveis d’ella, -quer os consideremos activa, quer passivamente; e para os quaes, -Deputados e Ministros amigos da terra não poderiam deixar de olhar com -amor principalissimo.</p> - -<p>A mesma razão, que o autor no Prologo deu, de haver colligido -n’este volume alguns dos seus artigos impressos no <i>Agricultor -Michaelense</i>, lhe fez força para aqui lhes intercalar os seguintes, -que, por andarem dispersos em periodicos, já hoje estavam sendo como se -não existissem.</p> - -<p>O amor-proprio nada fez para o caso. O autor sabe o pouco valor de -forma litteraria, que ha em tudo isto; mas crê, em sua consciencia, -que deixa a seus filhos um bom<span class="pagenum" id="Page_149">[Pg 149]</span> exemplo, e a outros cidadãos zelosos -indicações uteis. Finalmente: pela publicidade, que muitas vezes -é mãe da opinião, como esta quasi sempre o vem a ser dos factos, -figurou-se-lhe que poderia, perante o Parlamento e o Throno, dar assim -um derradeiro impulso á pretensão pendente.</p> - -<p><i>¡Di faciant!</i></p> - -<p>Não quer o autor perder este lanço de agradecer, perante os -contemporaneos e vindoiros, ás pessoas que mais sollicitas se teem -havido em patrocinar o requerimento:</p> - -<p>ao sr. D. Pedro da Costa de Sousa de Macedo, então dignissimo -Governador Civil de Ponta-Delgada;</p> - -<p>aos srs. Redactores do <i>Açoriano</i>, e do <i>Correio</i> d’esta -mesma cidade;</p> - -<p>ao da <i>Revista Universal Lisbonense</i>, e aos de outras folhas de -Portugal, nomeadamente ao do <i>Diario do Governo</i>, o sr. Vilhena -Barbosa;</p> - -<p>ao sr. Mexia, benemerito Secretario da Camara electiva;</p> - -<p>aos honrados Membros da Commissão de Fazenda da mesma Camara;</p> - -<p>a um grande numero de Senhores Deputados e Dignos Pares;</p> - -<p>ao mui distincto Presidente do Tribunal do Thesoiro;</p> - -<p>ao sabio ex-Ministro da Fazenda, o sr. Franzini;</p> - -<p>ao exemplar de Governadores Civis, o sr. José Silvestre Ribeiro, etc., -etc., etc.</p> - -<p class="poetry"> -<span style="margin-left: 1em;">......não é premio vil ser conhecido</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">por um pregão do ninho seu paterno.</span><br /> -</p> - -<p><span class="pagenum" id="Page_150">[Pg 150]</span></p> - - -<h3>I</h3> - -<p class="center caption">Carta ao Redactor da Revista Universal Lisbonense</p> - -<p class="p0"> -Ill.ᵐᵒ collega e amicissimo snr. Ribeiro de Sá. -</p> - -<p>Lisboa 6 de Março de 1849.</p> - -<p>Se a reconhecida modestia de V. S.ᵃ se oppozesse a que estas poucas -linhas fossem incluidas na sua <i>Revista</i>, ficaria eu perante o -Publico insanavelmente condemnado pelo mais vil de todos os ingratos; -pois desde que V. S. se encarregou de tal redacção, com geral e -manifesto proveito, até hoje ainda não perdeu a minima occasião de -provar a sua extremada benevolencia, a sua devoção, o seu (¿ousarei -dizel-o?) fanatismo de amisade para comigo.</p> - -<p>Honrando me, como V. S. o tem feito, V. S. se tem sobretudo -engrandecido a si mesmo. Exemplos de tão alta generosidade em tempos de -egoismo tão profundo; linguagem tão do coração, quando a maledicencia -se tornou moda, e se pavoneia como donaire; fidelidade assim para com -a amisade velha, em terra onde as novas mesmo são apenas respeitadas; -pagar todo o pouco louvor que se deve, ajuntando-lhe com alegria o que -nunca chegará a ser merecido, mas que nem por isso deixará de produzir -mui fecundos estimulos para o bem; e, para remate de singularidade, -fazer tudo isto longamente, e com inalteravel constancia, a um homem -desterrado pela fortuna para além-mar por anno e dia, que vale o mesmo -que dizer, a um morto e enterrado<span class="pagenum" id="Page_151">[Pg 151]</span> sem cipreste nem epitaphio... eis -aqui o que a V. S. o torna unico em merito, e unico a mim tambem em -felicidade.</p> - -<p>Forcejemos por nos conservar como Deus nos fez: corações sinceros e -amantes, almas impermeaveis ás invejosas malevolencias, que tão boas -coisas estragam por esse mundo.</p> - -<p>O systema, que V. S. tem religiosamente seguido na nossa -<i>Revista</i>, de exforçar e coroar todas as boas vontades, de -animar e dirigir todos os principiantes, de restaurar brios a todos -os desanimados, em summa de manter n’essa folha um honrado campo -de exercicios, de emulações sem odio, e de premio para todos sem -distincção, é quanto a mim o mais glorioso, o mais patriotico, e o -mais eminentemente moral, de quantos systemas se podem adoptar em -jornalismo. Para almas pequenas teria uma inconveniencia, que é a de -semear ingratidões muito feias e ruins. Mas ¿onde estaria o merecimento -do bem-fazer, se todos fossem agradecidos?</p> - -<p>Como experimentado falo: o melhor travesseiro, onde uma cabeça, que -já quer ir branquejando, se pode reclinar para bons somnos, melhores -sonhos, e optimas vigilias, é o bem que se fez sem esperança de -retribuição, e as amarguras passageiras, que maldosamente nos deram a -tragar.</p> - -<p>Continue pois V. S. no seu apostolado, baptisando, confirmando, e -convertendo, principalmente a pobre gente moça e inexperiente, para a -unica verdadeira religião terrestre, a illustração e a moralidade.</p> - -<p>O que havia de empregar comigo, já muito conhecedor, e muitissimo -desencantado,<span class="pagenum" id="Page_152">[Pg 152]</span> das vaidades litterarias, dê o exclusivamente á geração -nova, que, atravez de tropeços e quedas, vai caminhando para muito -grandes destinos. Quanto a mim, presente de já pouco futuro, e passado -que a fortuna desfloriu e quebrou antes do fruto, cá me ficarei sentado -na pedra immovel do angulo da estrada, seguindo, com os meus votos de -muito amor, esse bando juvenil que marcha para o futuro, por entre o -qual vai por ventura mais de um que me ama, e muitissimos a quem eu amo.</p> - -<p>Dia virá, em que o actual Redactor da <i>Revista</i>, depois de os -ter fielmente acompanhado e dirigido, se ha-de tambem, lá a diante, -assentar como eu hoje, e seguil-os só com as saudades. É para então, -meu bom amigo, que o esperam as recompensas interiores, as unicas de -que ninguem nos pode defraudar. Solitario então, como eu hoje, V. S. -conversará, mão por mão, e horas largas, com a sua consciencia; porque -emfim, como diz um excellente Poeta, o bem que fazemos perfuma nos a -alma; sempre d’elle nos lembramos o nosso poucochinho.</p> - -<p>Entretanto, meu caro e honestissimo escriptor, nem então deixará o seu -distincto entendimento de pagar, de algum modo, á Patria e á Humanidade -o que todos lhes devemos. Do escripto, V. S. passará a obras mais -positivas: do desejar e do aconselhar, ao emprehender e ao conseguir; -pois que eu mesmo, sem ter ainda inteiramente despedido a Musa, a quem -devi a pouca fama que me deram; sem ter renunciado o meu logar no -banquete commum dos escriptores conterraneos,<span class="pagenum" id="Page_153">[Pg 153]</span> já me acho, de feito, e -com todas as veras, empenhado n’estas menos brilhantes, mas não menos -uteis, tarefas do nosso seculo.</p> - -<p>Os meus poemas hoje são as escolas, os methodos melhorados de ensino, a -instrucção e civilisação dos operarios, a esmola da doutrina ás pobres -almas infantis; porque a doutrina é moeda sem a qual esses pobresinhos -nunca chegariam, em tempo algum, a poder mercar felicidade para si, nem -para as suas mulheres, nem para os seus filhos, se Deus lh’os der, nem -para a sua Patria.</p> - -<p>Mas... este campo em que entrava agora é vasto; deixemol-o para outro -dia. Eu lhe contarei, para os seus leitores e nossos amigos, o que -n’este sentido já tenho feito com admiravel fortuna; e o mais, e muito -mais, a que se estendem os nossos projectos, que a Providencia, segundo -espero, ha-de continuar a favorecer.</p> - -<p class="right">De V. S. etc.<br /> -<span class="smcap">A. F. de Castilho</span> -</p> - -<hr class="r5" /> -<h3>II</h3> - -<p class="center caption">Segunda carta ao mesmo</p> - -<p class="right">Meu estimavel Amigo<br /> -</p> - -<p>Lisboa, 8 de Março de 1849</p> - -<p>Fiel ao promettido, relatarei summariamente, por não consumir espaço -largo em tão util folha, o que tenho feito e projectado relativo á -Instrucção na nossa formosa Ilha de S. Miguel.</p> - -<p><span class="pagenum" id="Page_154">[Pg 154]</span></p> - -<p>É aquelle, meu bom Amigo, um torrão bemdito quanto a fertilidade -vegetativa, e não menos pelo que respeita a bons engenhos e mãos -industriosas; mas de tão ruim estrella, e tão desamparado da ventura, -que, podendo ter de tudo copiosamente, de quasi tudo carece ainda.</p> - -<p>Attribuem muitos este desconcerto ao clima, que dizem entibiar, por -sua molleza, a energia do querer; outros, ao modo como a propriedade -lá se acha repartida; outros teem para si que injustiça, desfavor e -esquecimento da Mãe Patria é que produziram, e teem conservado, aquelle -atrazo. Eu por mim não rejeito explicação alguma d’estas, e deploro -que, logo sobre uma das mais ricas joias da Corôa portugueza, assim -houvessem de cahir, para a marear, tres influxos tão maleficos.</p> - -<p>Quanto ao clima, que, por quente e humido, quebranta as vontades, ao -mesmo passo que pucha e encorpa todo o genero de plantas, é mal que não -tem remedio.</p> - -<p>A divisão da terra, e a organisação da propriedade, não nos pertence a -nós reformal-as.</p> - -<p>Resta o desamparo da pobre enjeitada e desterrada no meio do Oceano. A -esse respeito ha certamente muito e muitissimo, que se pode, e que por -mil rasões se deve, fazer.</p> - -<p>Quando bem se adverte em que a Ilha de S. Miguel se alistou na -vanguarda do Exercito libertador, que generosa offereceu haveres e -sangue pelo Codigo e pela Filha de Dom Pedro, e se vê ao presente quasi -toda<span class="pagenum" id="Page_155">[Pg 155]</span> (ou toda) opposição, é impossivel desconhecer uma força-maior, -que operou tal metamorphose; porque estes Insulanos nem são maus, como -alguns os pintam, nem turbulentos, nem loucos; mas teem, como todos, o -instincto da vida, e o da justiça.</p> - -<p>Defenda-me Deus de fazer ao Throno a injuria de suppôr, quanto mais de -acreditar, como alguns por lá dizem no accesso da sua melancolia, que, -de proposito e a acinte, o Governo os tem querido conservar sempre na -ignorancia e abjecção, pondo-lhes de industria magistrados maléficos ou -nullos, difficultando-lhes a instrucção, expremendo-os, torcendo-os, -exhaurindo-os do seu oiro, e não lhes deixando d’elle com que fazerem -nenhuma das faceis obras publicas de que mais carecem.</p> - -<p>A verdade é, todavia, que, por mal informado sobre as necessidades -d’aquella Provincia longinqua, e por lhe não chegarem cá os seus -clamores, o Governo (posto que sem imputação) tem commettido, deixado -subsistir e crescer, o mal, até o ponto de não faltar por lá, mesmo -no Povo infimo e rudissimo, mesmo na classe mais alta, e nos mais -distinctos entendimentos, quem sonhe com as perigosas utopias de uma -independencia.</p> - -<p>Não digo bem; houve essas utopias; hoje um Governador Civil ás -direitas, como sempre lá e por toda a parte os devêra ter havido, -fez ver áquelle bom Povo que a Soberana, por quem se votou, não é -ingrata; elle lhe promove, até onde pode, as commodidades; lança-lhes -balsamo nas feridas, que<span class="pagenum" id="Page_156">[Pg 156]</span> flagellos continuos lhes abriram; administra -justiça prompta e inteira; concilia os despeitados; acompanha-os e -precede-os pelo caminho franco do progresso illustrado; é o medico de -todas as dôres, o procurador de todas as minguas para que não basta a -sua autoridade. Graças aos seus exforços, todas as parcialidades vão -a convergir para o grande centro; todas as forças conspiram já para a -luz, para o trabalho, e para a civilisação.</p> - -<p>A <i>Revista</i> é extranha á Politica; tambem eu o sou; mas isto -não é Politica; pelo menos não o é do genero, especie, e variedade, -d’aquellas com que nada queremos; é um paragrapho singelo de Historia, -util por mais de uma via, e que em resultados praticos pode ser -fecundo. Julguei dever aproveitar-me da occasião de confial-o a um -papel sincero e acreditado, não só para exemplo e incentivo, mas tambem -para galardão e desafronta, pois me consta que já linguas mexeriqueiras -andam por ahi no seu costumado officio de desacreditar e empecer ao que -não podem imitar.</p> - -<p>O que nenhuma voz se atreveria a proferir hoje em S. Miguel contra o -chefe administrativo, pois em logar de eccos só provocaria indignação -ou risadas, vem, cobarde e maldosamente, espalhal o aqui, por saberem -que entre as suas calumnias e a verdade está um fosso de 212 leguas de -Oceano. Ora, como os córos de milhares de bençãos, de tão longe, devem -aqui soar menos que as invejinhas presentes, que por todas as abertas -se insinuam, e quanto mais<span class="pagenum" id="Page_157">[Pg 157]</span> despreziveis mais vão zumbindo, julguei -dever de consciencia levantar por cima d’esse sussurro, pequeno, -anonymo, e ingratissimo, um brado forte e independente. Quem affirma -e sustentará que San Miguel não teve ainda cabeça administrativa mais -zelosa, mais energica, mais intelligente, nem mais bemquista, nem mais -promettedora em tudo e por tudo de uma era nova, que o sr. D. Pedro da -Costa de Sousa de Macedo, quem o affirma e sustentará, é quem assigna, -com todas as lettras de seu proprio nome, esta carta.</p> - -<p>Qualquer dos invejosos ou inimigos d’aquella Ilha, que houver dito o -contrario, que levante a luva e descubra o rosto. Com esta condição, -achar-me-ha na estacada prompto a dar-lhe razão do dito.</p> - -<p>Nem um, meu Amigo, nem um ha-de apparecer; afianço-lh’o eu; e se -apparecer, tanto melhor; justiça e verdade não se acrisolam senão ao -fogo<a id="FNanchor_7" href="#Footnote_7" class="fnanchor">[7]</a>.</p> - -<p>A alguem parecerá que, para ser em materia incontroversa, e alheia, já -tenho deixado correr o preambulo por fóra das medidas; mas não é assim, -pois, por uma parte, a zizania que ás mãos cheias se espalha, e se rega -convenientemente, ainda que de certo não será com chuvas de Danae, -sempre a final damna o bom grão; e quanto a serem-me extranhos estes -interesses, tambem<span class="pagenum" id="Page_158">[Pg 158]</span> o não são, porque defendendo o sr. Sousa de Macedo, -não advogo simplesmente o interesse publico, não me limito em servir ao -amigo como amigo, e, como escriptor, a um excellente engenho portuguez, -se não que arrazôo pelo meu proprio credito. Sim, os nossos inimigos -são communs; communs as accusações que nos fazem.</p> - -<p>Segundo elles, quando escrevem e imprimem, ambos somos miguelistas; -segundo elles, quando falam, ambos somos republicanos, communistas, -sansimonistas, fourieristas, e não sei que mais. Segundo elles, por -fora, ambos somos flagellos da Cólera Divina. ¿E porquê? porque, lá por -dentro, bem sabem elles tão bem como nós mesmos, tão bem como toda a -Ilha de S. Miguel, que, se temos ambição, é só de contribuirmos cada um -com todos os seus meios, e com os que o outro lhe possa proporcionar, -para a maior felicidade moral e physica do maior numero; para a -educação e instrucção do Povo; para a prosperidade e esplendor da -terra; para o restabelecimento da harmonia entre os visinhos, e entre -os mais apartados dominios do mesmo Reino.</p> - -<p>Os actos magnificos da sua, apenas encetada, carreira publica, o -jornal verdadeiramente cartista de S. Miguel, <i>A Verdade</i>, os -tem enthesoirado; o jornal mesmo da opposição n’aquella ilha os -tem recebido com louvor; o Povo, com agradecimento; o Throno, com -satisfação. Quanto a mim, homem obscuro, e quasi sem forças proprias -além da boa-vontade, relevar-se-me-ha que<span class="pagenum" id="Page_159">[Pg 159]</span> n’um jornal, destinado a -viver como livro, lance como um protesto contra calumniadores, a menção -do pouco bem que desejei, e talvez consegui, fazer em terra portugueza. -Não é por vangloria que me faço Homero da minha Iliada; é porque o -curar do bom-nome é um dever religioso; e apresentar estimulos para que -outros façam mais e melhor, um dever social; e o deixar exemplos de -Patriotismo a filhos, um dever natural, o mais suave e o mais santo de -todos os deveres.</p> - -<p>Entre as lastimas, que em S. Miguel fui descobrir (bem contra o -que de tal Ilha me haviam pintado), as que mais me doeram foram: a -grande mingua de instrucção para o Povo, aliás aptissimo para toda a -especie de boa doutrina; a carencia de estimulos, que de alguma sorte -neutralisassem a perguiça natural; e a pouquissima, e quasi nenhuma, -convivencia dos moradores.</p> - -<p>A todos estes males me pareceu que poderia acudir uma Sociedade, se -jámais se chegasse a organisar, que sinceramente posesse peito a crear -escolas com bons methodos; a accender emulações entre artistas e -artifices; e a pôr no possivel contacto as differentes classes.</p> - -<p>Uma Sociedade de Agricultura, que já ali existia, prestantissima para -o seu grande fim, era comtudo extranha a todos estes, que a mim se me -representavam como de primeira necessidade e urgencia. Coadjuvando pois -os empenhos d’essa Sociedade exemplar, como redactor que tive a honra -de ser, do seu periodico, e com algumas propostas,<span class="pagenum" id="Page_160">[Pg 160]</span> que ella se dignou -de me acolher benevola<a id="FNanchor_8" href="#Footnote_8" class="fnanchor">[8]</a>, comecei a tratar, ao mesmo tempo, com alguns -poucos amigos, de instituir outra, e mais ampla, Sociedade de Lettras e -Artes.</p> - -<p>Nunca jamais a fortuna sorrira tão benigna a projectos meus. Crescemos -de semana para semana, até ao ponto de em minha casa não cabermos, -ser-nos forçoso irmos celebrar no theatro as nossas sessões, e -passarmos hoje de quatro centos, incluindo-se n’esta conta o Prelado, -o Vigario geral, o Governador Civil, o Militar, o commandante da força -armada, o Administrador do Concelho, o Presidente da Camara Municipal, -o Presidente e outros Juizes da Relação, o Juiz de Direito, o Delegado -do Procurador Regio, em summa, tudo que a cidade de Ponta-Delgada -possue de mais alto, de mais illustre, de mais instruido, e de mais -patriotico, sem falar em muitas senhoras respeitabilissimas, que -promptamente se fizeram inscrever para esta cruzada de civilisação.</p> - -<p>A Sociedade acha-se pois por sua parte constituida, e os seus estatutos -já subiram á Real Presença para obterem approvação. Os beneficios -que ella tem produzido, sendo apenas recem-nascida, se não egualam, -nem ás publicas necessidades, nem aos nossos desejos, são já todavia -attendiveis, e promettedores de muito maiores.</p> - -<p>A Exposição da Industria Michaelense, desde o dia de Natal do anno -proximo passado<span class="pagenum" id="Page_161">[Pg 161]</span> até muito depois dos Reis, foi mais que um espectaculo -imprevisto e maravilhoso: foi um fomento efficacissimo ao trabalho -e natural habilidade dos habitantes. Quatro grandes salas continham -apenas os productos, que ahi se apinharam, offerecidos á admiração de -cerca de vinte mil visitadores, incluindo n’esse numero os repetentes. -Em todos os generos appareceram primores, e muitos em desenho e -pintura, em gravura, em escultura, em flores artificiaes, de seda, de -lan, de cabello, de pennas, de cera, de conchas; bordados, obras de -ourives, de galvanisador, de doirador, de ferreiro, de serralheiro, de -cuteleiro, de carpinteiro, de marceneiro, entalhador e torneiro, de -machinismo, de tecelagem, de fiação de linho, de algodão, e de seda; de -encadernação, etc., etc., etc.</p> - -<p>A Ilha mesma ficou admirada das riquezas industriaes, que possuia sem -o saber. Accenderam-se-lhe novos brios com este documento irrefragavel -de suas forças; e tudo nos faz esperar, que a seguinte exposição não -cederá a esta em esplendor. O que n’este momento as Ilhas Canarias -estão forcejando por conseguir, já existe pois nas dos Açores, graças -ao poder da associação.</p> - -<p>As escolas são outro bem, menos brilhante sim, porém ainda mais sólido -que o precedente.</p> - -<p>As que no gremio da Sociedade se acham já trabalhando, são:</p> - -<p class="poetry"> -<span style="margin-left: 1em;">tres de Leitura;</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">uma de Doutrina christan;</span><br /> -<span class="pagenum" id="Page_162">[Pg 162]</span><span style="margin-left: 1em;">uma de Arithmetica;</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">uma de Geometria applicada ás Artes;</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">uma de Desenho de figura e paizagem;</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">uma de Poetica e Declamação;</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">uma de Hygiene;</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">uma de Francez, para senhoras;</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">uma de Inglez, para homens;</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">uma de Geographia;</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">uma de Encadernação.</span><br /> -</p> - - -<p class="center">AULAS ABERTAS, MAS AINDA Á ESPERA DE DISCIPULOS</p> - -<p class="poetry"> -<span style="margin-left: 1em;">uma de Agrimensura;</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">uma de Desenho topographico;</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">uma de Dança;</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">uma de Torno;</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">uma de Pyrotechnia.</span><br /> -</p> - - -<p class="center">AULAS EM PROJECTO</p> - -<p class="poetry"> -<span style="margin-left: 1em;">uma de Economia politica;</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">uma de Historia;</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">uma de Gymnastica;</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">uma de Natação;</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">uma de Calligraphia;</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">uma de Musica.</span><br /> -</p> - -<p>Das aulas em actividade, as que teem dado mais satisfatorios resultados -são: as de Leitura, a de Arithmetica, a de Geometria, e a de Desenho -de figura e paizagem, que, por ter sido de todas a primeira fundada, e -a que abriu tão nobre exemplo, merece especial menção. É regida pelo -Director do <i>Lyceu Açoriano</i>, o snr. Pedro de Alcantara Leite.</p> - -<p><span class="pagenum" id="Page_163">[Pg 163]</span></p> - -<p>Em realidade, meu bom Amigo, ha já, n’aquelle nascente complexo de -estudos uteis, alguma coisa que para o nosso mesmo Portugal poderia -servir de exemplo. A ordem e a boa policia das classes; o canto -religioso, com que os alumnos se preparam para o trabalho, invocando -a Graça Divina<a id="FNanchor_9" href="#Footnote_9" class="fnanchor">[9]</a>; o amor que manifestam aos seus generosos mestres, -sem prejuiso do respeito e da attenção; o contentamento com que ás -lições assistem; o fruto que tiram dos methodos simplices, racionaes, e -aprasiveis, que ahi se empregam; tudo isto é já muito, e não é senão um -começo; pois somos de hontem, se pode dizer.</p> - -<p>O que os <i>Amigos das Lettras e Artes</i>, que já por ahi algum -velhaco semsabor, por ter talvez ouvido falar de phalansterios, acoimou -de <i>phalansterianos</i>, o que os <i>Amigos das Lettras e Artes</i>, -digo, teem já concorrido para desenvolver o espirito de sociabilidade, -nem os mais pirronicos o poderiam negar.</p> - -<p>O oitavario de Santa Cecilia<a id="FNanchor_10" href="#Footnote_10" class="fnanchor">[10]</a>, por elles celebrado, com poesia -e musica, no theatro de S. Sebastião; as tres noites de saráu -artistico, no decurso da Exposição; as proprias sessões ordinarias; -são documentos incontroversos d’esta verdade. Ahi se teem<span class="pagenum" id="Page_164">[Pg 164]</span> visto, e -se vêem, reunidos, misturados, com a mais irreprehensivel decencia, -com perfeita satisfação mutua, os artifices, os artistas, os nobres, e -os litteratos; o morgado, e o operario que sua e véla para sustentar -os filhos; os magistrados mais consideraveis, as damas das melhores -familias, e o mechanico sem nome, mas não sem virtudes. ¡Feliz -commercio, em que todos lucram! os pequenos, aprendendo, no trato das -pessoas educadas, as maneiras faceis, elegantes, decentes, que lhes -faltavam; os grandes, educando assim indirectamente o povo, com quem -é forçoso viverem, e forrando-se por consequencia, para o futuro, o -dissabor de muita grossaria.</p> - -<p>Se d’estes <i>phanlasterios</i> se pode alguem queixar, não serão senão -os apologistas da taberna, e certas outras casas não menos moraes e -honestas.</p> - -<p>O amor do trabalho tem recebido notavel impulso do complexo de tudo -isto, e de outra causa ainda, que fará rir os nescios, mas que nenhum -espirito dotado de philosophia deixará de entender: falo do <i>Hymno do -trabalho</i><a id="FNanchor_11" href="#Footnote_11" class="fnanchor">[11]</a>, brilhante composição musica de um dos Socios, o snr. -Moraes Pereira.</p> - -<p>Este Hymno tornou se de repente o mais popular dos cantos em toda a -superficie da Ilha; as vozes, os instrumentos, o assobio, o repetem -de continuo pelas ruas, pelas salas, pelas officinas, na lavoira, no -theatro, nas<span class="pagenum" id="Page_165">[Pg 165]</span> escolas, em toda a parte. Áquella constante exhortação</p> - -<p class="poetry"> -<span style="margin-left: 1em;">Trabalhar, meus irmãos, que o trabalho</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">é riqueza, é virtude, é vigor.</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">D’entre a orchestra da serra e do malho</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">brotam vida, cidades, amor.</span><br /> -</p> - -<p>tem-se visto muito braço, que desfallecia com a perguiça, reforçar-se -para a tarefa. O malho e a serra mesmos, como que se magnetisam. Se -eu tivesse uma officina de qualquer industria, quereria que os meus -obreiros cantassem, em côro e a miudo, aquelle Hymno. Se a grave -Allemanha me ouvisse isto, não me negaria a rasão.</p> - -<p>Aqui tem, meu bom Amigo, o que é já hoje a incalumniavel <i>Sociedade -dos Amigos das Lettras e Artes em S. Miguel</i>. ¿Os seus destinos -ulteriores, quem os calculará? Avivente-a Deus, que teem de ser -immensos; ¡tantos, tamanhos, e tão esperançosos são os bons engenhos, -habilidades, e desejos d’aquelles nossos optimos irmãos insulanos!</p> - -<p>Para assegurar, do possivel modo, força e estabilidade a tal instituto, -em terra tão necessitada, e tão propria d’elle, pareceu-me que devia -a Sociedade radicar-se, e tornar-se independente de inconstancias e -entibiamentos de vontades. Para isto, duas coisas eram, a meu ver, -necessarias: grangear-lhe casa, e dote.</p> - -<p>De um e outro alvitre me riram a principio, como de utopia rematada. -Nem por isso descoroçoei. Puz-me á capa aguardando monção, e não tardou.</p> - -<p>Hoje, nem na Sociedade nem fóra d’ella<span class="pagenum" id="Page_166">[Pg 166]</span> ha já quem não acredite -firmemente em que de donativos e esmolas, esmolas em dinheiro, em -generos, e em trabalho, havemos de levantar um dote e uma casa á -Sociedade, assim como os Frades erigiram conventos, e para os conventos -grangearam rendas. Os Frades pediam em nome do Ceo, eram acreditados, -obtinham; nós havemos de pedir em nome da humanidade, e do Ceo tambem, -e havemos de obter egualmente, porque o nosso pequeno passado é já, aos -olhos de toda a gente, o fiador do nosso prestimo.</p> - -<p>A casa que meditamos, e que eu já d’aqui antevejo feita em menos de um -anno, é para as nossas escolas, para o nosso theatro de declamação, -para as nossas sessões, para a nossa bibliotheca, para o nosso museu, -para as nossas exposições, para os nossos concertos musicos, para o -nosso basar de productos industriaes, em summa: para toda a especie de -bons serviços publicos. ¿Como poderia o Publico deixar de nos favorecer -na edificação, até lhe pôrmos a ultima telha, o ultimo prego, e o -ultimo vidro? Elle e nós havemos de acarretar, todos, pessoalmente, -a pedra a areia se fôr preciso. Nós por entre elle havemos de ir de -povoação em povoação, de casal em casal, sem vergonha e com alegria, a -pé e de sacco ás costas, mendigando para a obra santa.</p> - -<p>Quando nós e o povo assim estamos determinados a cumprir o nosso dever -¿poderiam o Governo e o Parlamento, que são a providencia grande do -Reino, deixar de nos coadjuvar? Não podiam nem podem.</p> - -<p><span class="pagenum" id="Page_167">[Pg 167]</span></p> - -<p>É por isso que, a par dos Estatutos para a Real approvação, eu já -fiz subir ao Throno a petição com que, em nome e como presidente da -Sociedade, supplico se nos conceda um pequeno terreno nacional, ha já -annos devoluto, sobre que edifiquemos. Grande, pingue, rendosissimo que -elle fosse, nol-o deveriam outorgar, pois nenhum uso se poderia jámais -d’elle fazer mais proveitoso e abençoavel do que este.<a id="FNanchor_12" href="#Footnote_12" class="fnanchor">[12]</a></p> - -<p>¡Oxalá que em muitas partes do Reino se levantassem institutos eguaes, -sollicitando e obtendo eguaes ou ainda maiores concessões!</p> - -<p>Para mais facilitar a graça que sollicitamos, e ao mesmo tempo para nos -adstringir mais á observancia dos nossos deveres, eis aqui uma clausula -do requerimento, consignada não menos nos Estatutos:</p> - -<p>Se em algum tempo (o que Deus não permitta) a Sociedade dos Amigos -das Lettras e Artes deixar de existir, isto é, se algum dia deixarem -de apparecer as suas obras beneficas, a sua casa e bens passarão para -o usufruto do Hospital do Districto, e lá ficarão até que, ou com os -mesmos individuos ou com outros, mas com os mesmos estatutos, e para os -mesmos fins, a Sociedade reappareça.</p> - -<p>Meu caro e incançavel obreiro de civilisação,<span class="pagenum" id="Page_168">[Pg 168]</span> apadrinhe com a grande -autoridade da sua philosophica e eloquente folha, esta petição, a mais -justa, a mais desinteressada, a mais nobre, que em nenhum tempo se fez; -não para que a despachem, que para ahi não cabem duvidas, mas para a -maior brevidade do despacho.</p> - -<p>Cada dia que se perde para as obras de instrucção e moralisação é um -mal, e são males infinitos que se não ressarcem.</p> - -<p class="right">De V. S. etc. -<br /><span class="smcap">Antonio Feliciano de Castilho.</span><br /> -</p> - - - -<div class="footnotes"><h3>NOTAS DE RODAPÉ:</h3> - -<div class="footnote"> - -<p><a id="Footnote_7" href="#FNanchor_7" class="label">[7]</a> De feito, nem um appareceu; mas os mexericos sollapados -progrediram, e por derradeiro triumpharam.</p> - -<p> -<span style="margin-left: 1em;">Castilho.</span><br /> -</p> - - -</div> - -<div class="footnote"> - -<p><a id="Footnote_8" href="#FNanchor_8" class="label">[8]</a> Acham-se impressas no 2.ᵒ tomo do <i>Agricultor -Michaelense</i>.</p> - -<p class="right"><span class="smcap">Castilho</span><br /> -</p> - - -</div> - -<div class="footnote"> - -<p><a id="Footnote_9" href="#FNanchor_9" class="label">[9]</a> Este canto no fim da presente carta se pode ver.</p> - -</div> - -<div class="footnote"> - -<p><a id="Footnote_10" href="#FNanchor_10" class="label">[10]</a> Foi uma esplendida festa. A 2.ᵃ das tres peças de poesia -que se acham depois d’esta carta é o Hymno de Santa Cecilia, que o -autor para esse fim compoz.</p> - -</div> - -<div class="footnote"> - -<p><a id="Footnote_11" href="#FNanchor_11" class="label">[11]</a> No fim d’esta carta se publica apoz o <i>Hymno de Santa -Cecilia</i>.</p> - -<p class="right"><span class="smcap">Castilho.</span><br /> -</p> - - -</div> - -<div class="footnote"> - -<p><a id="Footnote_12" href="#FNanchor_12" class="label">[12]</a> Pelo Ministerio do Reino nada foi possivel conseguir-se; -rasão por que, perdidas d’aquella parte as esperanças, se recorreu ao -Parlamento, com a petição que ao diante se lerá.</p> - -<p class="right"><span class="smcap">Castilho.</span><br /> -</p> - - -</div> - -</div> -<hr class="chap x-ebookmaker-drop" /> - -<div class="chapter"> -<p><span class="pagenum" id="Page_169">[Pg 169]</span></p> - -<h2 class="nobreak" id="II2">II<br /><span class="small">INVOCAÇÃO A DEUS ANTES DE COMEÇAR O ESTUDO</span></h2> -</div> - -<p class="center">Posta em musica, para uso das escolas dos Amigos das Lettras e Artes em S. Miguel pelo Snr. Dr. João José da Silva Loureiro e 2.ᵃ vez em Lisboa pela Snr.ᵃ D. Carolina Smith Rosier -</p> -<hr class="r5" /> -<p class="poetry"> -<span style="margin-left: 1em;">Tu cujo amor em canticos</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">celebram sem cessar</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">o mundo dos espiritos,</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">o Ceo, a terra, o mar,</span><br /> -<br /> -<span style="margin-left: 1em;">¡Senhor, acolhe as supplicas</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">de pobres filhos teus!</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">¡Illustra-nos! ¡melhora-nos!</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">¡ampara-nos, ó Deus!</span><br /> -<br /> -<span style="margin-left: 1em;">«A luz—disseste—faça-se.»</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">E a noite em luz se fez.</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">Dissipe egual prodigio</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">a sombra em que nos vês.</span><br /> -<br /> -<span style="margin-left: 1em;">Nas trevas da ignorancia</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">não medra o santo amor.</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">¡Illustra-nos! ¡amemo-nos!</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">¡Senhor! ¡Senhor! ¡Senhor!</span><br /> -</p> -<hr class="chap x-ebookmaker-drop" /> - -<div class="chapter"> -<p><span class="pagenum" id="Page_170">[Pg 170]</span></p> - -<h2 class="nobreak" id="III2">III<br /><span class="small">HYMNO DE SANTA CECILIA</span></h2> -</div> - -<p class="center">NA FESTA DA SOCIEDADE DOS AMIGOS DAS LETTRAS E ARTES EM S. MIGUEL POSTO EM MUSICA PELA SNR.ᵃ D. LEONOR VIDAL DALHUNTY -</p> -<hr class="r5" /> -<p class="poetry"> -<span style="margin-left: 1em;">Musa das castas citharas</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">de ethérea melodia,</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">Anjo, Mulher, Cecilia,</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">¡salve em teu festo dia!</span><br /> -<br /> -<span style="margin-left: 1em;">¡Da terra aos Ceos elevem-se</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">nas azas das canções</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">a ti nossos espiritos</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">e nossos corações!</span><br /> -<br /> -<span style="margin-left: 1em;">Melhor que o incenso, a musica,</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">do ideal linguagem bella,</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">os ineffaveis jubilos</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">á mente nos revela.</span><br /> -<br /> -<span style="margin-left: 1em;">Dos sentimentos plácidos,</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">do amor, da paz, do bem,</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">ella, invisivel mágica,</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">ella o segredo tem.</span><br /> -<br /> -<span style="margin-left: 1em;">Musa christan, confirma-nos</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">o ardor que ao bem nos guia.</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">Auspicioso aos miseros</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">finde o teu festo dia.</span><br /> -</p> -<hr class="chap x-ebookmaker-drop" /> - -<div class="chapter"> -<p><span class="pagenum" id="Page_171">[Pg 171]</span></p> - -<h2 class="nobreak" id="IV2">IV<br /><span class="small">HYMNO</span></h2> -</div> - -<p class="center">DA SOCIEDADE DOS AMIGOS DAS LETTRAS E ARTES. EXHORTAÇÃO AO TRABALHO COM MUSICA DO SNR. JOÃO LUIZ DE MORAES PEREIRA -</p> - -<hr class="r5" /> -<p class="center"><span class="smcap">Voz</span></p> -<p class="poetry"> -<span style="margin-left: 1em;">No regaço do luxo a opulencia</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">os cançassos do ocio maldiz.</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">Entre as lidas sorri a indigencia;</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">co’o pão negro se julga feliz.</span><br /> -</p><p class="center"><span class="smcap">Côro</span></p> -<p class="poetry"> -<span style="margin-left: 1em;">Trabalhar, meus irmãos, que o trabalho</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">é riqueza, é virtude, é vigor.</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">D’entre a orchestra da serra e do malho</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">brotam vida, cidades, amor.</span><br /> -</p><p class="center"><span class="smcap">Voz</span></p> -<p class="poetry"> -<span style="margin-left: 1em;">Deus, impondo ao peccado a fadiga,</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">té na pena sorriu paternal:</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">só quem vence a perguiça inimiga</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">reconquista o edén terreal</span><br /> -</p><p class="center"><span class="smcap">Côro</span></p> -<p class="poetry"> -<span style="margin-left: 1em;">Trabalhar, meus irmãos, etc.</span><br /> -</p><p class="center"><span class="smcap">Voz</span></p> -<p class="poetry"> -<span style="margin-left: 1em;">¿Quem dá graças aos Ceos ao sol posto?</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">¿Quem lh’as dá vendo a aurora raiar?</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">É o obreiro; o suor lhe enche o rosto,</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">mas seus dias não turva o pesar.</span><br /> -</p><p class="center"><span class="smcap">Côro</span></p> -<p class="poetry"> -<span class="pagenum" id="Page_172">[Pg 172]</span><span style="margin-left: 1em;">Trabalhar, meus irmãos, etc.</span><br /> -</p><p class="center"><span class="smcap">Voz</span></p> -<p class="poetry"> -<span style="margin-left: 1em;">O que vive na inercia aborrida</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">não somente é de irmãos roubador;</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">é suicida, e mais vil que o suicida;</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">é suicida, a quem falta o valor.</span><br /> - -</p><p class="center"><span class="smcap">Côro</span></p> -<p class="poetry"> -<span style="margin-left: 1em;">Trabalhar, meus irmãos; etc.</span><br /> - -</p><p class="center"><span class="smcap">Voz</span></p> -<p class="poetry"> -<span style="margin-left: 1em;">Caia opprobrio no vil ocioso,</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">que desherda o presente e o porvir.</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">Só á noite compete o repouso;</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">só aos mortos o eterno dormir.</span><br /> - -</p><p class="center"><span class="smcap">Côro</span></p> -<p class="poetry"> -<span style="margin-left: 1em;">Trabalhar, meus irmãos, etc.</span><br /> - -</p><p class="center"><span class="smcap">Voz</span></p> -<p class="poetry"> -<span style="margin-left: 1em;">Mar e terra, ar e ceo, tudo lida.</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">Deus a todos poz luz e deu mãos.</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">Lei suprema o trabalho é na vida.</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">¡Trabalhar, trabalhar, meus irmãos!</span><br /> - -</p><p class="center"><span class="smcap">Côro.</span></p> -<p class="poetry"> -<span style="margin-left: 1em;">Trabalhar, meus irmãos, que o trabalho</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">é riqueza, é virtude, é vigor.</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">D’entre a orchestra da serra e do malho</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">brotam vida, cidades, amor.</span><br /> -</p> -<hr class="chap x-ebookmaker-drop" /> - -<div class="chapter"> -<p><span class="pagenum" id="Page_173">[Pg 173]</span></p> - -<h2 class="nobreak" id="V2">V<br /><span class="small">Extracto da «Revista Universal Lisbonense» de 26 de Abril de 1849</span></h2> -</div> - - -<p>«A hora muito adiantada tivemos noticia do Requerimento, que ao diante -publicamos, dirigido á Camara dos Senhores Deputados pelo Snr. A. F. de -Castilho, como Presidente da Associação dos Amigos das Letras e Artes -estabelecida em S. Miguel. Sobre a importancia e grande urgencia do -assumpto diz o Requerimento quanto basta para que a Camara não demore -uma decisão, que será para ella um padrão de gloria, que não morre.</p> - -<p>«É para louvar o modo honroso, com que o Secretario, o snr. Mexia, -apresentou este Requerimento. Oxalá que tão bom principio seja signal -de breve e favoravel resolução.<a id="FNanchor_13" href="#Footnote_13" class="fnanchor">[13]</a></p> - -<p>«Em o numero proximo, e na presença de documentos e factos -incontestaveis, faremos por chamar a attenção do Governo, da Camara, e -do Publico, sobre materia de tão alto interesse»</p> - - - -<div class="footnotes"><h3>NOTAS DE RODAPÉ:</h3> - - -<div class="footnote"> - -<p><a id="Footnote_13" href="#FNanchor_13" class="label">[13]</a> Adiante se encontra a fala do sr. Mexia.</p> - -<p class="right"><span class="smcap">Castilho.</span><br /> -</p> - - -</div> -</div> -<hr class="chap x-ebookmaker-drop" /> - -<div class="chapter"> -<p><span class="pagenum" id="Page_174">[Pg 174]</span></p> - -<h2 class="nobreak" id="VI2">VI<br /><span class="small">Requerimento á Camara dos Senhores Deputados</span></h2> -</div> - - -<p class="right"><span class="smcap">Senhores</span>:<br /> -</p> - -<p>Existe hoje nos confins dos estados Portuguezes uma Sociedade, -talvez sem exemplo, que nasceu grande, possante, auspiciosa, e, em -poucos mezes de existencia, apresenta já momentosos, copiosissimos, -e incontestaveis resultados para a illustração e ventura do Publico. -Esta Sociedade é a dos Amigos das lettras e artes em S. Miguel, cujos -Estatutos já em 3 do corrente Abril foram confirmados por S. M. F.</p> - -<p>Quando se vê, Senhores, o que uma tal organisação germinalmente -contém de sciencia de moralidade, de prosperos fados para as gerações -que teem de vir, e já mesmo para esta, é impossivel não a abençoar, -desejando-lhe vida sem limite. Para o fim de a conseguir, ella pôz -no remate dos seus Estatutos, como chave de abóbada, a declaração de -que era immortal, como o sentimento de beneficencia que a produzira; -e, para realisar esse nobre sonho de ambição humanitaria, determinou -fundar para si, isto é: para suas escolas, bibliotheca, museu, -representações scenicas, exposições, etc., uma formosa casa, e uma -dotação sufficiente; com a expressa condição de que, se por algum -imprevisto concurso de circumstancias, a sua benefica existencia -cessasse de se manifestar, dotação<span class="pagenum" id="Page_175">[Pg 175]</span> e casa passariam <i>ipso facto</i> -para o usufructo do Hospital de Ponta-Delgada, o qual, a todo o tempo -que a mesma Sociedade recomeçasse os seus trabalhos, ficaria obrigado -a fazer-lhe de tudo fiel e promptissima restituição; providencia esta, -que mereceu a approvação de S. M. F., como sem duvida obterá tambem a -vossa.</p> - -<p>A Sociedade não se dissimula, Senhores, que uma casa e uma dotação -assim, tanto não são empreza facil, que á primeira vista devem parecer -um puro sonho de devaneadores philanthropicos. Entretanto não ha já -hoje n’aquella Cidade e Ilha, quem não esteja convencido da mais que -probabilidade da realisação certa de tal <i>desiderandum</i>, só pelo -meio dos donativos, esmolas, e serviços gratuitos, tanto dos Socios, -como de extranhos á Sociedade; ¡graças aos milagrosos frutos, que -todos teem visto brotar da nossa Exposição da Industria michaelense, -e das nossas incançaveis Escolas, de ler, de arithmetica e geometria -applicada ás Artes, de Doutrina christan, de desenho de figura e -paizagem, de francez, de inglez, de poetica e declamação, de musica, de -hygiene, etc..</p> - -<p>A perguiça, doença esporádica em toda a parte, mas ali peste geral -e antiquissima, tem já singularmente diminuido com esta maravilhosa -excitação dada a todas as coisas uteis pela Sociedade dos Amigos das -Lettras e Artes; o Hymno do trabalho canta-se já em toda a superficie -da Ilha, e o seu amor vai-se filtrando do canto para as obras.</p> - -<p>¿Como poderia pois a população deixar de contribuir gostosa com -esmolas, que a final<span class="pagenum" id="Page_176">[Pg 176]</span> não são dadas senão a ella mesma e a seus filhos? -Com esmolas de cobre se fundaram e dotaram conventos, como palacios de -Monarchas, nos seculos de Fé. ¿N’esta edade de interesses materiaes, -e de illustração, poderia o bom senso fazer menos em favor do nosso -Instituto?</p> - -<p>A Sociedade vem pois, Senhores, á vossa respeitavel presença supplicar -lhe coadjuveis a projectada edificação do seu Solar de Lettras e -Artes, cedendo á mesma Sociedade a pequena cêrca do extincto convento -da Conceição d’aquella Cidade, hoje palacio do Governo Civil, com a -adjacente área e ruinas da egreja de S. José.</p> - -<p>A planta, que, junto com este requerimento se offerece á vossa -consideração, bem claramente mostra não haver excesso no pedido, pois -n’aquelle pouco terreno se teem de erigir salas, escolas, basar, -officinas, e theatro, de que não ha um unico publico, n’uma Cidade de -tanta importancia; devendo ficar ainda sufficiente espaço descoberto -para exercicios gymnasticos, tão conducentes para a boa creação physica.</p> - -<p>O informe que o Ex.ᵐᵒ Governador Civil do Districto de Ponta-Delgada -dirigiu ao Governo sobre esta pretenção, deve necessariamente concordar -com o exposto, e dar a conhecer, por outra parte, ser aquelle um -terreno, que se acha ha annos devoluto. Nunca propriedade nacional -haverá sido mais util, nem mais louvavelmente empregada, do que esta, -que em menos de um anno, a datar da concessão, estará convertida em -um manancial de instrucção, de moralidade, de affecto<span class="pagenum" id="Page_177">[Pg 177]</span> para com um -Governo, que não perde occasião de felicitar os povos.</p> - -<div class="blockquot"> - -<p>Lisboa 24 de Abril de 1849.</p> -</div> - -<p class="right">O Presidente da Sociedade dos Amigos das Lettras e Artes em S. Miguel<br /> -<br /><span class="smcap">A. F. de Castilho</span>.<br /> -</p> - - -<hr class="chap x-ebookmaker-drop" /> - -<div class="chapter"> -<h2 class="nobreak" id="VII2">VII<br /><span class="small">Fala do Secretario da Camara Electiva o Snr. João de Sande e Magalhães -Mexia Salema na sessão de 25 de Abril de 1849 fielmente trasladada do -«Diario das Côrtes»</span></h2> -</div> - - -<p>«Sr. Presidente</p> - -<p>«Desci de proposito d’esse logar da meza, para não declinar a honra, -que ha pouco recebi, de ser incumbido pelo sr. Antonio Feliciano de -Castilho, de apresentar a esta Camara uma representação da Sociedade -dos Amigos das Lettras e Artes de S. Miguel, de que elle é dignissimo -Presidente, em que se pede a concessão da cêrca do extincto convento da -Conceição, para n’ella levantarem o edificio do seu solar de Lettras e -Artes.</p> - -<p>«Ha momentos, que recebi esta representação; de um rapido lançar de -olhos sobre ella, conheci a importancia e urgencia do objecto. Além da -natureza d’este, a Camara sabe avaliar a consideração, que merece uma -corporação scientifica, pedindo auxilio dos Eleitos do Povo; e muito -mais, tendo á sua testa um nome tão conhecido, não só na<span class="pagenum" id="Page_178">[Pg 178]</span> Litteratura -portugueza, como tambem na Litteratura europêa.»</p> - -<div class="blockquot"> - -<p>N. B—O requerimento foi mandado para a Commissão de Fazenda; de lá -passados poucos dias, ao Ministerio da Fazenda, para informar; d’este -ao Tribunal do Thesoiro, para o ouvir.</p> - -<p>Em todas estas tres estações se deram ao requerente as mais agradaveis -esperanças.</p> - -<p>Eis ahi o que até hoje, que isto se imprime (24 de Novembro de 1849,) -pode na materia historiar.</p> -</div> - -<p class="right"><span class="smcap">A. F. de C.</span><br /> -</p> - - - -<hr class="chap x-ebookmaker-drop" /> - -<div class="chapter"> -<h2 class="nobreak" id="VIII2">VIII<br /><span class="small">Excerpto da «Revista Universal Lisbonense» de 3 de Maio de 1849</span></h2> -</div> - - -<p class="center"><i>Concessão do terreno para as escolas da Sociedade dos Amigos das -Lettras e Artes em S. Miguel</i></p> - - -<p>«O nosso promettido artigo acerca da mui patriotica Sociedade dos -Amigos das Lettras e Artes fica perfeitamente substituido pelo -Memorial, que ao deante publicamos, feito pelo seu digno Presidente o -snr. Castilho.</p> - -<p>«A brevidade que este negocio requer é inquestionavel; é mistér não -deixar esfriar a fé dos poucos mas honrados Portuguezes, que ainda teem -animo para se interessarem pela verdadeira fortuna da Nação.</p> - -<p>«¡Oxalá que tão repetidas instancias influam, não só nas Camaras -Legislativas, mas tambem no Governo, para que se não perca o ensejo de -completar um grande pensamento.»</p> - -<p><span class="pagenum" id="Page_179">[Pg 179]</span></p> - - -<p class="center">MEMORIAL</p> - - -<p>Ill.ᵐᵒˢ Ex.ᵐᵒˢ Snrs.</p> - -<p>Em nome e como Presidente da Sociedade dos Amigos das Lettras e Artes -em S. Miguel, tive a honra de vos dirigir um requerimento, para que -o Governo fosse autorisado a metter a mesma Sociedade de posse de um -pequeno chão nacional, para n’elle se edificarem, á nossa custa, casas -para as nossas escolas, para as nossas sessões, museu, bibliotheca, -basar industrial, theatro, etc.. Esse requerimento foi pela Camara -remettido á sua respectiva Commissão.</p> - -<p>O meu fim, n’este Memorial, Ill.ᵐᵒˢ e Ex.ᵐᵒˢ Snrs. é sollicitar para a -decisão d’este negocio a maior urgencia.</p> - -<p>A Sociedade nasceu, e tem produzido para o Publico beneficios -consideraveis, sem concurso algum da força publica, por effeito -unicamente da sua boa vontade e perseverança, como se prova pelo -Relatorio impresso, que eu ajuntei ao mesmo requerimento.</p> - -<p>Todavia, para que a nossa existencia continue, e o publico michaelense -não seja privado dos frutos de instrucção, que já começa a colher, -e mesmo para que o nosso exemplo de illustrado e desinteressado -patriotismo possa vir a ser imitado n’este Reino, até hoje tão baldio -para a civilisação intellectual, é indispensavel que depois de -approvados, como já o estamos, pelo Governo, se nos faça a requerida -concessão, prompta e incessantemente. O adiamento seria matar-nos a fé, -e conseguintemente mallograr, do modo<span class="pagenum" id="Page_180">[Pg 180]</span> mais vergonhoso e barbaro, os -bens que podêmos, queremos, e sabemos, produzir, como é demonstrado.</p> - -<p>Eu faria offensa, tanto aos vossos entendimentos, como ao vosso amor -patrio, se, mesmo hypotheticamente, admittisse aqui, para a combater, -a objecção da pobreza. Querer vender, para obter algum conto de réis, -que nos não pode salvar, um chão, que não vendido deve produzir muita -illustração, fôra uma simonia horrorosa, e deploravel, uma torpeza, de -que ninguem seria capaz, ¡quanto mais um Parlamento portuguez!</p> - -<p>Outras considerações ha na petição a que alludo, e que vos foi -presente, as quaes de certo vos decidirão a despachal-a, não só bem, -mas immediatamente. Abstenho-me de as reproduzir, e mesmo de ajuntar -outras muitas, não menos ponderosas, por não vos tomar superfluamente o -tempo, que deveis a tantos outros importantissimos, ainda que não mais -importantes, negocios do Estado.</p> - -<p>Lisboa, 3 de Maio de 1849<br /> -</p><p class="right"><span class="smcap">A. F. De Castilho.</span><br /> -</p> - - -<hr class="chap x-ebookmaker-drop" /> - -<div class="chapter"> -<h2 class="nobreak" id="IX2">IX<br /><span class="small">Artigo do dia no «Diario do Governo» de 7 de Maio de 1849</span></h2> -</div> - - -<p>«Lisboa, 6 de Maio.</p> - -<p>«Um pensamento elevado, patriotico, e civilisador, dotou ha poucos -tempos a Ilha de S. Miguel com uma das mais uteis e illustradas -instituições, que se podem organisar<span class="pagenum" id="Page_181">[Pg 181]</span> em honra e beneficio da -civilisação<i> de qualquer povo. Essa instituição, intitulada Sociedade -dos Amigos das Lettras e Artes em S. Miguel</i>, deu começo n’esta -Ilha a uma era inteiramente nova para a vida moral e physica dos seus -habitantes.</p> - -<p>«Abrindo as suas portas a todas as classes, admittindo em seu seio -todos os que amam e cultivam as Lettras e Artes, todos os que desejam -vel-as prosperar, todos os que aspiram a iniciar-se nos seus mysterios, -de repente se fez poderosa pela concorrencia de muitas intelligencias, -e de muitos exforços encaminhados e excitados por uma alma energica e -perseverante, que é toda enthusiasmo e devoção pelas Lettras, e que -toda se abraza em verdadeiro e acrisolado amor da Patria.</p> - -<p>«Dentro em pouco esta Associação, composta de alguns centenares de -pessoas, desde a mais alta nobreza, até á mais humilde profissão, -incluindo as principaes Auctoridades da Ilha, e tendo á sua frente o -seu instituidor e incançavel procurador, o snr. Antonio Feliciano de -Castilho, abriu ao Publico aulas, de leitura, de Doutrina christan, -de arithmetica, de geometria applicada ás Artes, de desenho de figura -e paizagem, de poetica e declamação, de hygiene, de francez para -senhoras, de inglez para homens, de geographia, de encadernação, -de agrimensura, de desenho topographico, de dança, de torno, e de -pyrotechnia; e projecta abrir aulas de economia politica, de historia, -de gymnastica, de natação, de calligraphia, e de musica.</p> - -<p><span class="pagenum" id="Page_182">[Pg 182]</span></p> - -<p>«Algumas d’aquellas aulas, frequentadas por um numero consideravel de -individuos, numero que excedeu toda a expectação, vão dando de si os -melhores resultados.</p> - -<p>«Fazendo nas suas salas uma Exposição da Industria michaelense, -reuniu abundantissima copia de productos, tão variados, e muitos tão -excellentes, que apresentaram um quadro bem esperançoso dos progressos -industriaes d’aquella Ilha<a id="FNanchor_14" href="#Footnote_14" class="fnanchor">[14]</a>; quadro que em breve ali se deverá -repetir; accrescentado e melhorado sem duvida pelo poderoso estimulo e -nobre emulação, que o primeiro deveria produzir no animo de todos os -industriaes.</p> - -<p>«D’est’arte, esta sabia Instituição vai fazendo convergir para um -centro, para um fim de utilidade geral, as ideias e exforços dos -moradores de S. Miguel; e, ao passo que attrai para esta obra de -interesse publico, vai fazendo tolerantes os partidos; vai-lhes unindo -os homens; vai adoçando os costumes, e moralisando o Povo pelas -relações da intima convivencia, pelos apertados laços do interesse -commum.</p> - -<p>«Mas para que o pensamento d’esta Associação se possa desenvolver -como o concebeu seu illustre autor, como o expressam os<span class="pagenum" id="Page_183">[Pg 183]</span> Estatutos -da Sociedade, já approvados pelo Governo, como o desejam todos os -Socios, e com elles todos os Michaelenses, é necessario um edificio, -com a capacidade e construcção proprias para as diversas escolas, para -as sessões, para uma bibliotheca, para um museu, para um theatro de -declamação, para uma sala de concertos musicos, para as exposições, e -para um basar de productos industriaes.</p> - -<p>«Lembrou-se a Sociedade de o construir á sua custa, e para esse fim -encarregou o seu Presidente, o snr. Antonio Feliciano de Castilho, de -vir pedir ao Governo e ás Côrtes a pequena cerca do extincto convento -da Conceição, e a adjacente área e ruinas da egreja de S. José, para -ali se fundarem os estabelecimentos da Sociedade.</p> - -<p>«O requerimento já foi presente á Camara electiva, e depois remettido á -Commissão competente. Uma e outra, dando a este negocio a importancia -e consideração que elle merece, esperamol-o com confiança, não só o -hão-de resolver favoravelmente, mas com a brevidade que reclama um -objecto de tamanho interesse publico.»</p> - - -<hr class="chap x-ebookmaker-drop" /> - -<div class="chapter"> -<h2 class="nobreak" id="X2">X<br /><span class="small">Carta ao redactor da «Verdade,» semanario michaelense</span></h2> -</div> - - - -<p>Snr. Redactor</p> - -<p>Permitti, que eu tome na vossa folha um pequeno espaço para um acto -de gratidão; dal-o á primeira de todas as virtudes não é<span class="pagenum" id="Page_184">[Pg 184]</span> perdel-o. -Entendimento superior, vós comprehendeis que os interesses materiaes, -e intellectuaes, que a vossa folha se encarregou de promover, não são -os unicos de que depende a felicidade publica. Tanto, pelo menos, como -esses, contribuem para ella o desempenho dos deveres moraes, e os -affectos nobres.</p> - -<p>Arrojou-me a adversidade (¡se por ventura o era!) para esta Ilha com -tudo que eu mais amava. Cheio de boa fé, e com a minha illimitada -benevolencia, mas sob os mais ruins auspicios, desembarquei n’ella; -vinha precisado de amar, e não vi a quem; de trabalhar, e não achei em -quê. A diante de mim tinha vindo a mentira preparar-me o ruim gazalhado.</p> - -<p>Anoiteceu-se-me, de todo, o coração, e esmoreci; era mais um -desencantamento, depois de tantos; era a ultima folha verde das minhas -esperanças, a cahir. Onde cuidára que viria renascer entre irmãos, para -uns a outros nos amarmos muito, dei com a peor das solidões, que tal é -sempre a que se encontra entre homens, e que falam a nossa lingua.</p> - -<p>Perdôe Deus a quem, sem nenhuma rasão para me querer mal, me calculou, -urdiu, e teceu essa teia de dias perdidos e noites veladas. Por mim lhe -quizera eu tambem perdoar; mas n’esses maleficios tão gratuitos havia -um quinhão, e largo, para entes que eu amava mais que a mim proprio.</p> - -<p>¡E, ainda por cima, se veio ao cabo a extranhar-me que eu não -agradecesse o haver-se especulado com a nossa fome e<span class="pagenum" id="Page_185">[Pg 185]</span> ignomínia! e -porque arranquei as azas do visco com que se me tinham querido prender, -declararam-me guerra peor que de morte, que assim se pode qualificar a -da calumnia. Emfim, perdôe-lhe Deus, já que em mim a natureza humana -não pode tanto.</p> - -<p>Mas n’um dia de festa para o coração, como este hoje o é para mim, devo -dar de mão a todas essas coisas feias e desconsoladas, ou antes, hei-de -agradecer a quem, por isso mesmo que então me fez curtir tamanhas penas -d’alma, concorreu (ainda que sem o querer) para dar mais realce ás -delicias que hoje desfruto. São os jejuns do coração os que fazem as -Paschoas do amor.</p> - -<p>Passados aquelles primeiros tempos, em que me parecia ter naufragado -para aqui, como para uma praia ou erma ou inimiga, começaram de me -alvorecer dias mais claros. As falsas ideias que de mim se tinham -mandado a diante, foram-se desvanecendo. Conheceu-se, e reconheceu se, -que eu não viera para a terra alheia para genero algum de malevolencia, -quanto mais para a mais perigosa e peor de todas as guerras, a dos -Guelphos e Gibellinos do seculo XIX; que, pelo contrario, toda a -minha precisão era a Poesia e o Amor, corporificados no trabalho, -que illustra e civilisa. Então os amigos começaram, a um e um, a -apparecer-me; e (posso dizel-o, sem que m’o hajam a vaidade) tudo -quanto por ahi havia de melhor em entendimento e vontade, e não era -pouco, se me foi unindo em espirito e trato. Ressuscitei no meu -cemiterio, e vi-o cidade. Na terra do desterro respirei a peito -cheio<span class="pagenum" id="Page_186">[Pg 186]</span> ares de Patria. Tornei a achar no interior a alma, e n’ella -a esperança, que murcha e não séca. Reaccendi a lampada da minha -fé social; e tal e tanta encontrei, em torno de mim, a boa gente -desejosa, como eu, das coisas do porvir, e da felicitação do mundo -pelo trabalho, que, sem sabermos como, nos vimos de repente Sociedade -poderosa, activa, descrente em impossiveis, e por isso mesmo capaz dos -maiores milagres. Se tal Sociedade os tem feito, muito mundo o sabe já -hoje. Se para o provar não bastassem as obras, os odios dos ruins o -demonstrariam.</p> - -<p>Quando, para sollicitar do Governo a approvação d’esta mesma Sociedade, -e do Parlamento um pouco de chão em que ella deitasse raizes, me -pareceu conveniente ir eu a Lisboa, e fui, não levei unicamente -saudades de mulher e filhos; S. Miguel toda era já familia minha; todos -aqui nos queriamos já muito, porque emfim, chegaramos a conhecer-nos -de parte a parte, desfeitas as preoccupações e aleives, que, tambem de -parte a parte, se haviam arteiramente disseminado.</p> - -<p>Lá, nem o tráfego dos negocios, nem as multiplices occupações do -espirito, nem o brilho de tamanha cidade, nem o affecto que expiram -de si os sitios conhecidos da nossa puericia e adolescencia, nem os -emboras e cortejos da Imprensa obsequiosa, nem mesmo os testemunhos -tão solemnes de apreço, que á porfia me davam todos esses mancebos, -esperanças e já ornamentos da Litteratura e Poesia nacional, nada me -poude entibiar<span class="pagenum" id="Page_187">[Pg 187]</span> as saudades da minha Ilha, d’este benigno e pacifico -torrão, em que eu fizera mais e melhor que nascer, pois renascêra -n’elle.</p> - -<p>Mais que nenhuma outra coisa, estes tres mezes de ausencia me -descobriram quanto lhe eu queria.</p> - -<p>¡Oh! se de mim dependesse o tão facil melhoramento dos seus destinos! A -voz, e a penna, essas sim que as empreguei eu incessante em lhe advogar -os interesses da fortuna e do credito; em quanto, por ventura ou por -desgraça, filhos seus, deslembrados do solo com quem nascimento e uso -os travaram em parentesco, empregavam a occultas todos os empenhos e -valimentos para lhe empecer (e Deus sabe se em parte o não conseguiam), -era eu, extranho e obscuro, quem, servindo á verdade e á justiça, lhe -pagava, como podia, a minha divida de gratidão.</p> - -<p>Ao regressar, os dias me pareciam não acabar nunca, e os sonhos das -noites me vinham todos povoados de imnumeraveis e cordeaes abraços, de -emboras, perguntas e respostas de bons amigos, de caricias domesticas, -de escolas vicejantes, de salas de industria, da musica do trabalho, de -toda a poesia das esperanças.</p> - -<p>Se metade d’isso, que eu vim gosando embalado pelas ondas, por baixo -da immensidade do Ceo, e não me afastando de uma Patria, senão para me -aproximar a outra, se a metade d’esses sonhos se realisar, S. Miguel -dentro em poucos annos será visitada de toda a parte com admiração e -encantamento, que para tudo, mesmo para a realisação<span class="pagenum" id="Page_188">[Pg 188]</span> das mais altas -utopias do bem, são a sua terra, os seus haveres, e as almas dos seus -moradores.</p> - -<p>Nem lisonjeio, snr. Redactor, nem cuido que o bem-querer me desvaire. -As provas do futuro que antevejo, já todos as palpâmos no passado, e -sobretudo no presente.</p> - -<p>Apoz dez dias levados no ocio, a sós com a minha alma, n’estas suaves -cogitações, imaginae, snr. Redactor, qual não seria o meu enlevo, -quando, ao aportarmos aqui, pelo sol de uma formosa tarde, que é tambem -esperança, me vi de repente cercado de saudações e festejos, entre os -braços de tudo que mais amo, recebido em verdadeira ovação de amisade, -conduzido pelo braço de minha esposa, entre os meus filhos e os meus -consocios, ao som do Hymno da Industria, ao estrépito de foguetes, por -baixo de flores, e atravez do nosso bom Povo apinhado pelas ruas, até -dentro de minha casa!</p> - -<p>Eis aqui, snr. Redactor, o que eu para desafogo de tantos affectos -accumulados no peito, carecia de escrever.</p> - -<p>¡Agradecer!?....¿Como hei-de eu agradecer o que apenas cabe em -expressão?</p> - -<p>A benevolencia de uma grande cidade, ¿como pode retribuil-a quem, por -uma parte, só possue os bons desejos, e por outra, se sente confundido -e aniquilado com a grandeza mesma do obsequio?</p> - -<p>Sr. Redactor, se eu não tivesse já antes consagrado a esta generosa -terra tudo quanto em mim ha de amor e querer, agora lh’o consagrára -para todo sempre, e ficaria ainda empenhado.</p> - -<p><span class="pagenum" id="Page_189">[Pg 189]</span></p> - -<p>Snr. Redactor, o dia <i>25 de Maio de 1849</i> foi o mais bello dos -meus quarenta e nove annos. Egual ou superior a este, só poderá -alvorecer para mim, quando eu a vir tão prospera quanto ella o merece, -e o pode ser.</p> - -<p class="right"><span class="smcap">Vosso</span>, etc.<br /><span class="smcap">Antonio Feliciano de Castilho</span><br /> -<br />Ponta Delgada 25 de Maio<br /> -<span style="margin-left: 1em;">á meia noite.</span><br /> -</p> - -<hr class="tb" /> - -<p>N. B. Á precedente carta fizeram varias folhas de Portugal a honra de a -reproduzirem, liberalisando por esta occasião ao autor testemunhos de -benevolencia, que para toda a vida o empenharam em agradecimento.</p> - -<p>¡É tão suave para um homem o sentir-se amado! ¡e amado por espiritos -distinctos! ¡e amado, até ao ponto de lhe supporem mais de virtudes e -meritos do que em realidade possue, e ha-de nunca possuir!</p> - -<p>Ainda a risco de ser havido por vaidoso, o autor succumbe á tentação de -apresentar aqui a seus leitores, isto é, a muitos outros amígos seus, -uma das mais floridas e ricas mostras de tão parcial e enternecedora -benevolencia; é o preambulo que á predita carta pôz <i>O Pharol</i>, -folha verdadeiramente notavel por sua litteraria elegancia, pelo fogo e -independencia de seus juizos, pela sua aspiração forte e constante para -o Bello.</p> - -<p>A proverbial severidade das criticas do <i>Pharol</i> faz ainda -sobre-sahir para a gratidão o preço do que se vai ler. ¡Quantas feridas -e penas d’alma se não suavisam e curam com o balsamo de expressões -taes!</p> -<hr class="chap x-ebookmaker-drop" /> - -<div class="chapter"> -<p><span class="pagenum" id="Page_190">[Pg 190]</span></p> - -<h2 class="nobreak" id="XI">XI<br /><span class="small">Artigo extrahido do numero 10 do «Pharol» periodico de Lisboa</span></h2> -</div> - - -<p class="center"><i>O Senhor Antonio Feliciano de Castilho e os Michaelenses</i></p> - -<p>«Todos sabem que o sr. Castilho tem titulos valiosos á admiração e -ao respeito da Patria, que elle tem sempre honrado e servido com a -sua dedicação e com o seu genio. Vivos andam na memoria de todos, -os nobres exforços que elle tentou, para rehabilitar as Lettras -portuguezas, e trazer a formosa lingua nacional á competencia com os -mais ricos, flexiveis, elegantes, e expressivos idiomas do mundo. -Sabidos e decorados, se multiplicam, mais pela voz que pela imprensa os -harmoniosos trechos do poeta mais sonoro, mais sabedor, mais correcto, -se não o mais inspirado dos poetas nacionaes contemporaneos.</p> - -<p>«Como os grandes genios, o sr. Castilho tem purificado a sua alma pelas -amargas provações da adversidade. Como todos os grandes talentos, tem -visto os invejosos e mesquinhos urdirem-lhe no silencio as insidias, -com que a mediocridade se desforça do talento.</p> - -<p>«A sua corôa de poeta não se tem afeminado com as complacencias de -uma vida descuidosa e opulenta. Não é o poeta funccionario, com -avultadas pensões para entoar cantos cortesãos e mentidos. Não é o -poeta-agitador, fazendo servir as inspirações do<span class="pagenum" id="Page_191">[Pg 191]</span> estro á apotheóse dos -corrilhos de facção. Não é o poeta-aristocrata, dedilhando a lyra por -elegancia, e entoando os dithyrambos da indifferença e da sociedade. -É o poeta-poeta; é o homem que canta, porque nasceu para cantar; que -ama o Povo, porque o Povo é grande; que o não adula porque não espera -d’elle recompensas faustosas. É o homem que respondeu ao ostracismo, -com que lhe celebraram a reputação, indo contar aos Michaelenses, que o -acolheram, não os queixumes amargos do ressentimento, mas as maravilhas -da nova civilisação; que levantou ali um brado generoso de melhoramento -physico e moral; que falou áquelle Povo dócil e industrioso a linguagem -florida e eloquente da Poesia, para lhe apontar as novas sendas do -Progresso; e que teve a gloria de crear mais prosélytos com os seus -hymnos de paz, com as suas homilias ferventes, do que muitos estadistas -com as suas portarias severamente formuladas, com os seus orçamentos -capciosos e inextricaveis.</p> - -<p>«Póde-se dizer que o snr. Castilho realisa em S. Miguel o mytho de -Amphion, alevantando os muros de Tebas ao som mavioso e brando da sua -lyra melodiosa.</p> - -<p>«O sr. Castilho é o novo thaumaturgo do Progresso. Á sua voz a -civilisação marcha impetuosa, e inaugura-se na humilde possessão de -Portugal. A Industria exalta se, a Agricultura acorda. As Artes, em -convivencia fraternal, auxiliam-se mutuamente. A Instrucção derrama-se -gratuitamente pelas classes menos favorecidas da população. Os costumes -como que se humanisam, deixadas as<span class="pagenum" id="Page_192">[Pg 192]</span> tristes controversias da lucta -politica; e os habitantes da Ilha afortunada celebram com ineffavel -júbilo e extremada sinceridade o poeta, que foge da metrópole para -viver com elles, trabalhar pela commum prosperidade, illustral-os pela -sua doutrina, e animal-os com o seu infatigavel exemplo.</p> - -<p>«É para satisfazer á divida de reconhecimento que o snr. Castilho -contrahiu para com os bondosos michaelenses, que, ao pisar de -novo aquellas praias abençoadas, elle publicou a carta que abaixo -transcrevemos, modelo de devoção civica, de affectuosa eloquencia, e de -simpleza de coração.</p> - -<p>¡«Quantos tribunos ephémeros, quantos dictadores ciosos, que se dizem -alevantados pelo suffragio do Povo, folgariam de poder escrever estas -linhas de congratulação, com a mão na consciencia, com o assentimento -voluntario de uma população inteira, que repete n’um côro numeroso o -refrão do bello Hymno da Industria michaelense:</p> - -<p class="poetry"> -<span style="margin-left: 1em;">Trabalhar, meus irmãos, que o trabalho,</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">é riqueza, é virtude, é vigor.</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">D’entre a orchestra da serra e do malho,</span><br /> -<span style="margin-left: 1em;">brotam vida, cidades, amor.</span><br /> -</p> - - - -<div class="footnotes"><h3>NOTAS DE RODAPÉ:</h3> - -<div class="footnote"> - -<p><a id="Footnote_14" href="#FNanchor_14" class="label">[14]</a> Na Secretaria do Reino deve existir a magnifica relação, -que d’isso dirigiu ao Governo o sr. D. Pedro da Costa de Sousa de -Macedo, então Governador Civil do Districto. N’esse papel pedia o mesmo -snr. que o autorisasse o Throno a deduzir do cofre central uma pequena -quantia para premios industriaes, além dos que elle do seu bolsinho -particular tencionava offerecer para a seguinte Exposição.</p> - -<p><span class="smcap">Castilho.</span></p> - -</div> -</div> - - - - -<p class="center p2">FIM DO PRIMEIRO VOLUME</p> - -<hr class="chap x-ebookmaker-drop" /> - -<div class="chapter"> -<p><span class="pagenum" id="Page_195">[Pg 195]</span></p> - -<h2 class="nobreak" id="NOTAS">NOTAS<br /><span class="small">Retrato de Castilho</span></h2> -</div> - - - -<p>Ha coincidencias notaveis; é conveniente não as desaproveitar; parecem -arabescos na sobrehumana calligraphia da Providencia.</p> - -<p>O retrato com que se adorna este volume, é reproducção em photogravura, -pelo talentoso artista o sr. Thomaz Bordallo Pinheiro, de um pequenino -esboceto pintado por seu excellente pae, o notavel sr. Manuel Maria -Bordallo Pinheiro. ¿Quem diria ao pintor, que, cincoenta e quatro annos -andados, um filho, ainda então por nascer, havia de reproduzir a sua -obra?</p> - -<p>O esboceto foi pintado do natural, na casa onde o artista habitava, -rua da Fé, palacete á direita subindo, em alguma visita que lhe fez -Castilho na demora de quasi tres mezes que passou em Lisboa (27 de -Fevereiro a 15 de Maio de 1849), achando-se então de residencia na Ilha -de S. Miguel. Appareceu no espolio do eximio artista, e foi offerecido -a um filho de Castilho.</p> - -<p>Vê-se que estava apenas em principio; mas é, ainda assim, documento -precioso, já pela semelhança, que ia bem encaminhada, já pela intenção -affectuosa que motivou tal trabalho.</p> - -<p>O velho Bordallo Pinheiro foi muito admirador e amigo do Poeta, e este -ufanava-se de lhe retribuir eguaes sentimentos.</p> - - -<p class="center"><a href="#Page_12">Pag. 12</a>, lin. 3 e seg. <b>Polemicas</b>.</p> - -<p>Houve, com effeito, folicularios mal ensinados, que pretenderam -inculcar ser Castilho um revolucionario perigoso, uma especie de -demagógo subvertedor de usos antigos e arraigadas crenças; isso deu -aso a guerras crueis, cuja memoria não desejamos evocar aqui, mas que -muito amarguraram o sincero Poeta. Quem ler com attenção este livro, -verá quanto eram infundadas taes accusações. O livro é innovador, e não -desordeiro; amante, e nunca hostil. Lamenta<span class="pagenum" id="Page_196">[Pg 196]</span> o que vê, deseja o bem, -e procura remedio aos males que nos affligem. Interpretar as utopias -theoricas pelo lado demolidor, é não as entender.</p> - - -<p class="center"><a href="#Page_27">Pag. 27</a>, lin. 7 e 12. <b>Gessner</b>.</p> - -<p>São tristissimas as vicissitudes da reputação dos poetas. Ha nomes, -que, depois de encherem o mundo, esquecem miseravelmente á propria -phalange dos homens de Lettras.</p> - -<p>Salomão Gessner, que no seu tempo foi um luminar, tanto pela belleza -da forma dos seus livros, como pela sua moral, de poucos Allemães é -hoje lido e conhecido a fundo. Castilho, que desde a meninice o leu, o -tratou, o venerou, e até alguns dos seus idyllios traduziu, e imitou -outro, conservou sempre ao virtuoso cantor suisso um verdadeiro culto.</p> - -<p>Para os que hoje entre nós ignoram quem foi Gessner, duas palavras -biographicas:</p> - -<div class="blockquot"> - -<p>Nasceu em Zurich em 1730. Homem bom, quanto se pode ser, benefico, -optimo marido, optimo cidadão começou por typographo; o trato intimo -com as <i>lettras</i> elevou-o ao conhecimento das <i>Lettras</i>; -graças á sua applicação e perseverança, tornou-se Gessner um -verdadeiro filho dilecto do Publico: já pela graça e singeleza dos -seus idyllios, já pela moral pura e santa que todos elles respiram. Em -toda a parte onde appareceu recebeu provas de apreço, até das testas -coroadas. Falleceu em Zurich a 2 de Março de 1787.</p> -</div> - -<p>A celebre Madame de Genlis conta da seguinte maneira uma sua visita ao -poeta suisso:</p> - -<div class="blockquot"> - -<p>«Tinha-me Gessner convidado para o ir ver á sua casa de campo; e eu -estava curiosissima de conhecer a mulher com quem elle casára por -amor, e que o soube inspirar. Imaginava-a uma especie de pastorinha -encantadora, e phantasiava a habitação de Gessner como uma choupana -elegante, circumdada de vergeis e flores; ali, segundo eu pensava, -só se bebia leite, e se pisavam pétalas de rosas Chego, atravesso -um resumido quintal, cheio de cenoiras e couves; isto, confesso, -começou a perturbar seu tanto os meus devaneios bucolicos e idyllicos. -Entrei na<span class="pagenum" id="Page_197">[Pg 197]</span> sala, e ¿que vejo? No meio de uma fumaceira densa de -tabaco, avisto Gessner a fumar cachimbo, e a beber cerveja; ao lado -d’elle sentava-se a mulher, com a sua grande touca, e a fazer meia. -O acolhimento de ambos, a doce união d’aquellas almas, o seu affecto -para com os filhinhos, a singeleza de tal quadro, tudo isso me pintou -ao vivo os singelos costumes pastoris que o poeta costumava cantar. -Assisti pois a um idyllio, presenceei a edade de oiro, não em poesia -brilhante, mas sob o seu aspecto vulgar e desataviado.»</p> -</div> - - -<p class="center"><a href="#Page_27">Pag. 27</a>, lin. 8 e 12. <b>Klopstock</b>.</p> - -<p>Klopstock (Pedro Gottlieb) autor do poema epico <i>Messiada</i>, nasceu -em Quedlinburg(?) a 2 de Julho de 1724. Cursou as melhores escolas -superiores da Allemanha, concluindo na Universidade de Leyde o curso -theologico. Desposou uma notavel e talentosa mulher, Meta Moller, -fallecida em 1758. Foi muito protegido por el-Rei Frederico V, de -Dinamarca. Os merecimentos d’este poeta como linguista e estylista são -muito apreciados dos entendedores. Castilho elogiava com enthusiasmo a -<i>Messiada</i>. Este denominado <i>Pindaro</i> da Allemanha falleceu a -13 de Março de 1803.</p> - - -<p class="center"><a href="#Page_29">Pag. 29</a>, lin. 28 <b>Zimmermann</b>.</p> - -<p>Allude Castilho ao celebre livro <i>Da Solidão</i>, por Zimmermann; -obra de pensador, evangelho para solitarios, consolação para tristes; -livro bom e optimo, que é lastima se não reproduza entre nós em -traducção. Castilho prezava muito esta obra, lia-a, relia-a, e fazia-a -estudar aos filhos.</p> - - -<p class="center"><a href="#Page_36">Pag. 36</a>, lin. 34 e seguintes até ao meio da pag. 37.</p> - -<p>Esse admiravel periodo que principia: <i>N’uma palavra: um observador -attento</i>, é de eloquencia rara. Diz um critico entendedor o -seguinte: Este trecho só um cego o podia escrever; ha ahi uma -observação muda, uma attenção intelligente, que só o sexto sentido que -possuem os cegos de talento sabia expressar. Percebe-se a contenção do -ouvido do corpo, e ainda mais a do ouvido da alma. É uma esplendida -manifestação de forma e de pensamento; é a linguagem do silencio das -noites; é a intuição das trevas.</p> - -<p><span class="pagenum" id="Page_198">[Pg 198]</span></p> - - -<p class="center"><a href="#Page_47">Pag. 47</a>, lin. 14. <b>Diario do Governo</b></p> - -<p>Refere-se Castilho ao <i>Diario</i> como propagandista nato de sans -doutrinas. É preciso notar que até certo prazo a folha official -teve entre nós uma feição litteraria, e não se limitava a simples -registo impresso da chancellaria governamental. Era superintendida -por um redactor, <i>persona grata</i> ao Ministerio reinante, sujeito -illustrado e habil; publicava noticias estrangeiras, artigos de -litteratura, polemicas serias, etc. Por isso o nosso poeta dizia -que o <i>Diario</i> devia e podia entrar na propaganda de theorias -civilisadoras, mais e melhor que outras folhas.</p> - - -<p class="center"><a href="#Page_63">Pag. 63</a>, lin. 4, <b>Ayres de Sá</b>.</p> - -<p>Ayres de Sá Nogueira, irmão do celebre Bernardo de Sá, Visconde de -Sá da Bandeira, e depois Marquez, e de outros não menos prestadios -cidadãos, figurou em Portugal como um dos maiores fautores da -Agricultura e das industrias nacionaes. Como Vereador, como Deputado, -como particular, empenhou-se toda a vida nos progressos publicos. Foi -uma geração notavel esta familia de homens bons, valentes, dedicados, -honestos, impetuosos para o bem. Castilho, amigo particular de todos -elles, apreciava-os no muito que valiam.</p> - - -<p class="center"><a href="#Page_91">Pag. 91</a>, <b>O Clero e as mulheres</b>.</p> - -<p>Se jamais houve doutrina bem orthodoxa, e philosophica, e social, é -esta sobre o provimento dos Bispados e das Parochias, que eu expuz -e provei, mais pelo gosto de expôr e provar verdades, do que por me -persuadir que por ellas se havia de fazer obra. Em tal campo suppunha -eu impossivel achar adversarios; esquecia-me dos guerrilheiros.</p> - -<p>Um periodico de S. Miguel chamado <i>O Cartista</i>, pôz-me ... -supponho que por impio. Um periodico de Lisboa (cuido que se chamava -aquillo <i>A União</i>) disse ao publico, sêcca e esparvoadamente, em -ar de quem lhe denunciava uma coisa medonha, que eu viera a S. Miguel -pôr-me á frente de valentões, para pugnarmos pela eleição popular dos -Bispos. Claro está que não respondi, nem pessoa alguma respondeu, á -<i>União</i> de Lisboa, nem ao <i>Cartista</i> de S. Miguel.</p> - -<p>No Clero, consta-me que não faltaram contra mim<span class="pagenum" id="Page_199">[Pg 199]</span> murmurações; todavia, -não chegaram á suppuração da Imprensa. Com essas devia eu contar, e -contava. Se não houvesse clerigos indoutos e ruins, para honrarem com -o seu odio a minha proposta, tambem esta, por falta de materia prima, -teria deixado de existir.</p> - -<p>Pelo que respeita á emancipação politica das mulheres, não só nenhum -homem me fez ecco, se não que todas quantas senhoras ouviram o alvitre, -fizeram côro contra elle. Esta sua opposição, parecendo provar muito -e muito em desabono da minha these, provou muitissimo a favor d’ella; -recusam o seu quinhão de liberdade, porque a não apreciam; e não a -apreciam, porque ainda a não provaram. O que muito sensatamente se -pode portanto jurar contra a innovação, é que veio antes do seu tempo -proprio, mil annos; quando menos, bons quinhentos.</p> - -<p>Não importa. O que é chymera, algum dia será realidade, como infinitas -realidades de hoje algum dia hão-de ser chymeras.</p> - -<p>O tempo é um grande Homero, que inventa de continuo; e o Mundo um poema -de metamorphoses. O que ás vezes faz com que os poetas terrestres -pareçam doidos a quem os ouve, é que no meio dos primeiros cantos -antecipam a leitura de algumas estancias pertencentes a cantos -ulteriores.</p> - - -<p class="center"><a href="#Page_125">Pag. 125</a>, lin. 20. <b>Assis Rodrigues</b></p> - -<p>Refere-se Castilho ao bom e perito artista Francisco de Assis -Rodrigues, Professor e por fim Director da Academia Real das Bellas -Artes de Lisboa. Foi discipulo de seu pae, o esculptor Faustino José -Rodrigues, amigo e alumno do grande Joaquim Machado de Castro. As -relações entre Castilho e Assis Rodrigues começaram na infancia, e -conservaram-se sempre cordeaes. Em 1836 o estatuario fez o busto do -Poeta.</p> - - -<p class="center"><a href="#Page_138">Pag. 138</a>, lin. 16. <b>Os Fastos de Ovidio</b>.</p> - -<p>Projectou Castilho, segundo se vê, dedicar a sua traducção dos -<i>Fastos</i> a José do Canto; mas como entre esta data e a publicação -da dita versão elle lhe dedicou outras composições, não realisou o que -tencionava em 1849.</p> - - -<hr class="chap x-ebookmaker-drop" /> - -<div class="chapter"> -<h2 class="nobreak" id="Obras_completas_de_A_F_de_Castilho">Obras completas de A. F. de Castilho</h2> -</div> -<hr class="r5" /> - -<div class="blockquot"> - -<p>3—<b>Cartas de Ecco e Narcizo</b>, verso.</p> - -<p>4-5—<b>Felicidade pela agricultura</b>, 2 vols.</p> - -<p>6-7—<b>A primavera</b>, verso, 2 vols.</p> - -<p>8 a 15—<b>Vivos e mortos</b>, spreciações morais, literarias e -artisticas, 8 vols.</p> - -<p>19-20—<b>O presbyterio da montanha</b>, prosa, 2 vols.</p> - -<p>21-22—<b>O outomno</b>, verso, 2 vols.</p> - -<p>27-28—<b>Novas escavações poeticas</b>, verso, 2 vols.</p> - -<p>29 a 32—<b>Theatro</b>, Camões, drama e notas, 4 vols.</p> - -<p>33—<b>Theatro</b>, Canáce, tragedia original.</p> - -<p>34—<b>Theatro</b>, Um anjo da pela do diabo—O casamento de oiro, -comedias.</p> - -<p>35—<b>Theatro</b>, Aristodemo, tragedia. A volta inesperada, farça.</p> - -<p>36—<b>Theatro</b>, A festa do amor filial. A filha para casar, -comedias.</p> - -<p>37-38—<b>Palestras religiosas e consolações</b>, prosa e verso, 2 -vols.</p> - -<p>39 a 45—<b>Casos do meu tempo</b>, prosa. 7 vols.</p> - -<p>46—<b>Estrelas poeticas para o ano de 1853</b>, verso.</p> - -<p>47 a 50—<b>Télas literarias</b>, prosa, 4 vols.</p> - -<p>51—<b>Os ciumes do bardo</b>, As flores, e a confissão de Amelia, -verso.</p> - -<p>52-53—<b>Mil e um misterios</b>, romance dos romances, 2 vols.</p> - -<p>54—<b>A noite do castelo</b>, poema.</p> - -<p>55—<b>Tributo portuguez á memoria do Libertador</b>, prosa.</p> - -<p>58 a 60—<b>Novas télas literarias</b>, prosa e verso, 3 vols.</p> - -<p>61 a 63—<b>Methodo Portuguez de Leitura.</b> Directorio do mesmo, 3 -vols.</p> - -<p>64-65—<b>Castilho pintado por êle proprio.</b> As escolas dos asilos -de Infancia desvalida, 2 vols.</p> - -<p>66—<b>Felicidade pela instrução.</b></p> - -<p>67—<b>Ajuste de contas.</b></p> - -<p>68—<b>Noções rudimentares para uso das escolas</b>, 2 vols.</p> - -<p>70 e 72—<b>Resposta aos novissimos impugnadores do Methodo -portuguez</b>, 3 vols.</p> - -<p>73 a 75—<b>Tratado de Mnemónica</b>, 3 vols.</p> - -<p>76—<b>Ou eu ou eles</b>, e Tosquia de um camelo.</p> - -<p>77 a 80—<b>Cartas</b>, 4 vols.</p> -</div> -<hr class="r5" /> -<p class="center">IMP. LUCAS & C.ᵃ — RUA DIARIO DE NOTICIAS 61 — LISBOA</p> - - -<div lang='en' xml:lang='en'> -<div style='display:block; margin-top:4em'>*** END OF THE PROJECT GUTENBERG EBOOK <span lang='pt' xml:lang='pt'>FELICIDADE PELA AGRICULTURA (VOL. I)</span> ***</div> -<div style='text-align:left'> - -<div style='display:block; margin:1em 0'> -Updated editions will replace the previous one—the old editions will -be renamed. -</div> - -<div style='display:block; margin:1em 0'> -Creating the works from print editions not protected by U.S. copyright -law means that no one owns a United States copyright in these works, -so the Foundation (and you!) can copy and distribute it in the United -States without permission and without paying copyright -royalties. Special rules, set forth in the General Terms of Use part -of this license, apply to copying and distributing Project -Gutenberg™ electronic works to protect the PROJECT GUTENBERG™ -concept and trademark. 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Redistribution is subject to the trademark -license, especially commercial redistribution. -</div> - -<div style='margin-top:1em; font-size:1.1em; text-align:center'>START: FULL LICENSE</div> -<div style='text-align:center;font-size:0.9em'>THE FULL PROJECT GUTENBERG LICENSE</div> -<div style='text-align:center;font-size:0.9em'>PLEASE READ THIS BEFORE YOU DISTRIBUTE OR USE THIS WORK</div> - -<div style='display:block; margin:1em 0'> -To protect the Project Gutenberg™ mission of promoting the free -distribution of electronic works, by using or distributing this work -(or any other work associated in any way with the phrase “Project -Gutenberg”), you agree to comply with all the terms of the Full -Project Gutenberg™ License available with this file or online at -www.gutenberg.org/license. -</div> - -<div style='display:block; font-size:1.1em; margin:1em 0; font-weight:bold'> -Section 1. General Terms of Use and Redistributing Project Gutenberg™ electronic works -</div> - -<div style='display:block; margin:1em 0'> -1.A. By reading or using any part of this Project Gutenberg™ -electronic work, you indicate that you have read, understand, agree to -and accept all the terms of this license and intellectual property -(trademark/copyright) agreement. If you do not agree to abide by all -the terms of this agreement, you must cease using and return or -destroy all copies of Project Gutenberg™ electronic works in your -possession. If you paid a fee for obtaining a copy of or access to a -Project Gutenberg™ electronic work and you do not agree to be bound -by the terms of this agreement, you may obtain a refund from the person -or entity to whom you paid the fee as set forth in paragraph 1.E.8. -</div> - -<div style='display:block; margin:1em 0'> -1.B. “Project Gutenberg” is a registered trademark. 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Information about the Mission of Project Gutenberg™ -</div> - -<div style='display:block; margin:1em 0'> -Project Gutenberg™ is synonymous with the free distribution of -electronic works in formats readable by the widest variety of -computers including obsolete, old, middle-aged and new computers. It -exists because of the efforts of hundreds of volunteers and donations -from people in all walks of life. -</div> - -<div style='display:block; margin:1em 0'> -Volunteers and financial support to provide volunteers with the -assistance they need are critical to reaching Project Gutenberg™’s -goals and ensuring that the Project Gutenberg™ collection will -remain freely available for generations to come. In 2001, the Project -Gutenberg Literary Archive Foundation was created to provide a secure -and permanent future for Project Gutenberg™ and future -generations. 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Contributions to the Project Gutenberg Literary -Archive Foundation are tax deductible to the full extent permitted by -U.S. federal laws and your state’s laws. -</div> - -<div style='display:block; margin:1em 0'> -The Foundation’s business office is located at 809 North 1500 West, -Salt Lake City, UT 84116, (801) 596-1887. Email contact links and up -to date contact information can be found at the Foundation’s website -and official page at www.gutenberg.org/contact -</div> - -<div style='display:block; font-size:1.1em; margin:1em 0; font-weight:bold'> -Section 4. Information about Donations to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation -</div> - -<div style='display:block; margin:1em 0'> -Project Gutenberg™ depends upon and cannot survive without widespread -public support and donations to carry out its mission of -increasing the number of public domain and licensed works that can be -freely distributed in machine-readable form accessible by the widest -array of equipment including outdated equipment. Many small donations -($1 to $5,000) are particularly important to maintaining tax exempt -status with the IRS. -</div> - -<div style='display:block; margin:1em 0'> -The Foundation is committed to complying with the laws regulating -charities and charitable donations in all 50 states of the United -States. Compliance requirements are not uniform and it takes a -considerable effort, much paperwork and many fees to meet and keep up -with these requirements. 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