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-The Project Gutenberg eBook of Felicidade pela Agricultura (Vol. I),
-by Antonio Feliciano de Castilho
-
-This eBook is for the use of anyone anywhere in the United States and
-most other parts of the world at no cost and with almost no restrictions
-whatsoever. You may copy it, give it away or re-use it under the terms
-of the Project Gutenberg License included with this eBook or online at
-www.gutenberg.org. If you are not located in the United States, you
-will have to check the laws of the country where you are located before
-using this eBook.
-
-Title: Felicidade pela Agricultura (Vol. I)
-
-Author: Antonio Feliciano de Castilho
-
-Release Date: October 9, 2022 [eBook #69122]
-
-Language: Portuguese
-
-Produced by: Rita Farinha, Alberto Manuel Brandão Simões and the
- Online Distributed Proofreading Team at
- https://www.pgdp.net (This file was produced from images
- generously made available by Biodiversity Heritage
- Library.)
-
-*** START OF THE PROJECT GUTENBERG EBOOK FELICIDADE PELA AGRICULTURA
-(VOL. I) ***
-
-
-
-
-
- OBRAS COMPLETAS
- DE
- A. F. DE CASTILHO
-
- --4--
-
- Felicidade
- pela Agricultura
-
- [Ilustração]
-
- LIVRARIA BARATEIRA
- LISBOA
- 34-RUA DO DUQUE-36.
- Tel. T. 1264
-
-
-
-
- OBRAS COMPLETAS
- DE
- ANTONIO FELICIANO DE CASTILHO
-
- VOLUME 4.ᵒ
-
-
-
-
-VOLUMES PUBLICADOS:
-
-
- I--AMOR E MELANCOLIA.
- II--A CHAVE DO ENIGMA.
- III--CARTAS DE ECCO E NARCISO.
- IV--FELICIDADE PELA AGRICULTURA (1.ᵒ vol.)
-
- NO PRÉLO:
-
- V--FELICIDADE PELA AGRICULTURA (2.ᵒ vol.)
-
-
-
-
- OBRAS COMPLETAS DE A. F. DE CASTILHO
- Revistas, annotadas, e prefaciadas por um de seus filhos
-
- IV
-
- FELICIDADE
- PELA AGRICULTURA
-
- SEGUNDA EDIÇÃO
-
- VOLUME I
-
- [Ilustração]
-
-
- LISBOA
- EMPREZA DA HISTORIA DE PORTUGAL
-
- _Sociedade editora_
-
- LIVRARIA MODERNA
- _R. Augusta 95_
-
- TYPOGRAPHIA
- _45, Rotins, 47_
-
- 1903
-
-
-
-
- ADVERTENCIA DOS EDITORES
-
-
-Pelos bons julgadores foi sempre considerada esta _Felicidade pela
-Agricultura_ uma das obras mais cheias de estro e pujança, que sahiram
-do cerebro de Castilho.
-
-João de Andrade Corvo costumava dizer:
-
---Em qualquer pagina que eu o abra, tem sempre este livro o condão de
-me entreter, e fazer-me pensar longamente.
-
-Livro que faz meditar um homem da valia de Andrade Corvo, é bom.
-
-Escreveu Castilho tudo isto aos poucos, entre outras variadas tarefas,
-para um periodico, que redigia em Ponta-Delgada: _O Agricultor
-Michaelense_.
-
-Na solidão do seu viver, então muito incerto e cheio de saudades,
-entre um rancho de cinco filhos pequeninos a pedirem-lhe instrucção
-e educação, no meio de um povo amigo predisposto para o bem, e com a
-visinhança do mar, que tanto influe a pensamentos sérios, acordaram no
-antigo ermitão do Caramulo, no ex-redactor da _Revista Universal_, os
-pensamentos rasgadamente humanitarios, que o desvelaram e absorveram
-no resto da vida. Orientou-se, sem o suspeitar, no sentido pratico do
-bem; e toda a sua alma de homem bom e de poeta vibrou em anhelos de
-felicitação publica. Esses anhelos tomaram forma litteraria, e deram a
-presente série de artigos, dictados desde Janeiro de 1848 até Dezembro
-de 1849.
-
-Via então Castilho a regeneração da Patria, d’esta Patria que elle
-tanto amou, consubstanciada n’uma ideia unica: o desenvolvimento da
-Agricultura, e da Instrucção popular. ¿Enganar-se-hia?
-
-A campanha que nos annos proximos havia de sustentar, com a penna, com
-a palavra, com o amor, com a ira, e com annos de existencia, começou, a
-bem dizer, aqui. Este opusculo marca uma epoca da vida de Castilho.
-
-Com os seus alti-baixos de forma, com a sua exuberancia opulenta, com
-as suas loucuras sérias tão sublimes, com o seu desalinho familiar,
-que por si mesmo consegue impôr-se, são estas paginas o acordado sonho
-de um vidente, que adianta tres seculos á sua era. As utopias do autor
-encapellam-se, como antecipação grandiosa e gloriosa, que lhe retrata a
-indole.
-
-¿São lembranças irrealisaveis algumas para desde já? sel-o hão; mas
-dos devaneios e aspirações dos homens de alma tem a Humanidade lucrado
-sementes de muitos bens. Lançadas á terra intellectual, veem a final a
-germinar, e a desatar-se em flores e frutos.
-
-Deixar devanear estes grandes sonhadores, cuja região se libra a
-meio-caminho entre o presente e o futuro, entre o real e o ideal, entre
-a terra e o ceo. Escutemol-os, que para algures, não sonhado de nós
-outros, nos levam estas sereias do bem:
-
-Preciosas revelações auto-biographica: se nos deparam no livro a cada
-passo, aproveitadas já, e detidamente explicadas (quanto o podem ser)
-nas suas _Memorias_.
-
-Pobre e desajudado, pugnou, quanto soube e poude, em favor de uma
-ideia, que o alimentou e o aniquilou: a civilisação da sua terra.
-
-É um livro singular este, que se não pode ler sem respeito e commoção.
-O pensador transparece no poeta. O lyrico devaneador completa-se no
-philosopho. O patriota realça-se pelo christão.
-
-Exhala-se de cada paragrapho um vago perfume campestre, que é
-verdadeira delicia: a mente do escritor foge, sempre que pode, para
-as solidões das hortas e dos casaes; as metaphoras são tomadas quasi
-sempre ao viver rural; a linguagem, portugueza de lei, sabe ao bom
-falar dos montanheiros.
-
-Se elle tivesse refundido a obra, deixal-a-hia de certo mais perfeita;
-mais sincera não a podia deixar. ¿E que melhor prenda do que a
-sinceridade?
-
-
-
-
- _Ao meu amigo_
-
- _o Ex.ᵐᵒ Snr._
-
- José Silvestre Ribeiro
-
- _em penhor de admiração, respeito,
- e affecto_
-
- _Antonio Feliciano de Castilho_.
-
-
-
-
- ADVERTENCIA
-
-
-Reuni para este livrinho algumas das minhas utopias, já publicadas em
-um pequeno, mas bonissimo, periodico mensal provinciano, _O Agricultor
-Michaelense_, a fim de que o outono, que tão cedo vem ás folhas
-periodicas, não destruisse com ellas os meus pensamentos de amor dos
-homens. A esses artigos, alguns outros, ainda que poucos, ajuntei de
-identica natureza.
-
-Diz-me a consciencia, que a maior parte das minhas esperanças n’estas
-paginas vem prematura, e que poucos d’estes bons e santos desejos, ou
-nenhuns, se realisarão em vida dos nossos netos.
-
-Á consciencia respondo: que, se eu tivesse de viver duzentos annos
-mais, ou se d’aqui a duzentos annos houvesse de renascer, de boa-mente
-reservaria para então o que hoje antecipo.
-
-Os intolerantes, os fanaticos de cada parcialidade politica, terão
-muito que abocanhar n’este pobre escrito. Pedir-lhes misericordia, ou
-mesmo justiça, fôra tempo perdido. Dir-lhes-hei só, que não escrevi
-para elles. Os homens bons e sinceros, que são os que me importam,
-ainda quando não concordem comigo, louvarão as minhas intenções.
-
-Se, em uma ou outra parte, eu parecer por ventura censor, em demasia
-acre, de coisas do meu tempo (de pessoas nunca); se d’ahi quizerem
-inferir mexeriqueiros, que as minhas rasões são proclamações, e os meus
-entranhados amores de alma, clamores e rebates sediciosos, não lhes
-hei-de oppôr (o que aliás fôra verdade, e que de si se apresenta),
-que as revoluções não são os livros quem as faz, mas sim as coisas;
-as obras, ou a falta de obras, dos poderosos, e não as palavras dos
-obscuros e inermes; que as paginas só teem força activa, quando os
-actos que n’ellas se tratam lh’a communicam; e que essa força activa,
-ainda quando nem uma lettra se escreva, e então muito mais, sempre
-existe e sempre actua; que, em summa, o attribuirem ao meu livro
-efficacia para concitar as turbas, é fazerem-me ao mesmo tempo honraria
-demasiada, e demasiada injuria.
-
-Não amo revoluções, nem as quero, nem creio n’ellas; tenho vivido
-este ultimo meio seculo, e não ignoro, de todo, o como doidejaram os
-precedentes; mas, ainda que para ahi me fugisse a vontade (que não
-foge), faltavam-me a voz e o desembaraço, indispensaveis para o papel,
-pelo menos extravagante, de tribuno. Se alguma coisa a tal respeito
-pregoei, mais foi contra as insurreições, que a favor d’ellas; mais
-foi gritar aos governantes, que se houvessem de collar no officio por
-boas obras, do que aos governados, que os derribassem; quando não, é
-consultar o livro a cada passo.
-
-Se descreio em algum, ou alguns, dos presuppostos artigos de fé
-constitucional, não é culpa minha, nem é culpa; affiro-os pela rasão
-pura; avalio-os pelos resultados; comparo-os cá dentro, no meu fôro, já
-com as obras inconsequentes, já com os versateis discursos de muitos
-dos estadistas, que por elles fazem obra; e digo, com toda a paz da
-minha philosophia humilissima, que me parece não seria mau pensarmos
-outra vez um pouco em taes artigos. Toda a discussão dá luz; e toda a
-luz é creadora. As theses politicas não são porém as minhas; as minhas,
-o epilogo do meu livro, a isto se reduzem: temos terra, que pode ser
-mais e melhor cultivada; devemos cultival-a; temos alma, que pode ser
-mais e melhor allumiada; devemos allumial-a; temos coração, que pode
-ser mais puro, mais virtuoso, e mais amante, e mais coração; devemos
-aproveital-o.
-
-A terra nos fará ricos; a instrucção, poderosos; a moralidade, unidos.
-A riqueza, o poder, a fraternidade, que são a civilisação, felizes.
-
-Quanto á Agricultura, as minhas diligencias não deixaram, talvez, de
-contribuir o seu poucochinho, segundo alguem crê, para este promettedor
-tráfego de Sociedades agricolas, que hoje vai no Reino.
-
-Quanto á Instrucção publica primaria, ajudei, e continúo a ajudar, a
-obra santa, com o que pude e posso; do que, dou por prova o odio e
-perseguições, com que os _obscurantes_ me teem honrado.
-
-Quanto á moralidade e fraternidade, esses bens, d’aquelles dois bens
-se hão-de filiar; mas ha-de ser tarde. Só quando deixarmos de ser
-politicos, principiaremos a ser bons.
-
-Do livro, como producto litterario, não ha por que falemos; foi
-escrito de carreira, sem traça prévia, nem plano ordenado. Nem digo bem
-«escrito»; foi _conversado_, como quer que as ideias vieram vindo.
-
-Refundira-o eu, se houvesse tempo, ou valesse a pena; decotaria
-redundancias: aproximaria pontos homogéneos, que vão separados;
-reduziria as doutrinas a um systema, e concatenação severa de
-raciocinios. Nada d’isso farei. Apraz-me conservar-lhe o seu caracter
-fortuito e desambicioso; só assim, é que me posso n’elle reconhecer.
-
-É uma conversação, com todos os seus altibaixos, com todas as suas
-duvidas e incertezas, com todas as suas quebras e digressões, com todo
-o desalinho de homem sincero, que antes quer ser amado, e merecel-o, do
-que citado e admirado, inda que o podesse.
-
-Páro já, porque estender mais as advertencias sobre coisa tão pequena,
-já passaria de ociosidade.
-
-
-
-
- I
-
- Excellencias da vida rustica
-
- SUMMARIO
-
- Os campos são mais nobres que as cidades.--O trato rural produz
- tudo.--A Agricultura, com os seus dois filhos, Industria e Commercio,
- é a expressão maxima da Munificencia Divina, e o mais claro argumento
- da sociabilidade do homem.--As cidades são centros para a circulação
- da moeda.--Só um povo agricola é deveras rico.--As honras dadas
- á Agricultura assentam em principios muito reaes.--A Biblia, e
- Homero.--Os Romanos da Republica.--O que eram as mulheres n’esse
- tempo.--A gratidão divinisou entre as gentes primitivas os inventores
- industriaes e ruraes. Refutação de um dito de Santo Agostinho.--Origem
- das mythologias campestres.--Os deuses rusticos eram uma decomposição
- da Providencia. O Christianismo destruiu aquellas risonhas crenças.
- O campo tomou outra especie de interesse.--Klopstock e Gessner.--As
- sciencias naturaes vieram substituir com vantagem a perdida idealidade
- dos campos.--Esboço da grandeza e poder d’estas sciencias.--Confirmar
- o lavrador na religiosidade hereditaria.--Excitar os ricos e
- poderosos, para que amem o campo e seus cultores.--Elogio moral e
- politico do viver campestre.
-
-
-A arte variadissima de obrigar a terra a produzir tudo, não é uma arte
-rude, pois todas as sciencias a cortejam, e a servem; não obscura, pois
-é a mais antiga e universal; não vil nem desprezivel, pois só depende
-de Deus, em quanto os homens todos dependem d’ella.
-
-As cidades, que affectam desprezar os campos, d’elles nasceram; por
-elles vivem e medram, que só lá teem as suas raizes. Transformam-se
-ellas, envelhecem, amesquinham-se, doidejam, morrem, e esquecem; em
-quanto elles, os campos, permanecem, riem, amam, dão, e promettem de
-continuo; coexistiram desde o principio, coexistirão até ao fim, com a
-raça humana.
-
-A charrua e o enxadão topam em toda a parte com as ruinas de templos
-e palacios. Essas maravilhas ephémeras da Arte pompearam um momento
-sobre o solo desvestido, e logo a Natureza as afogou; as recobriu outra
-vez com o seu sólo, com a sua vegetação, com os seus frutos, com as
-suas fragrancias, com a sua paz, com as suas harmonias, primitivas e
-ineffaveis.
-
-¿Ouvis nas cidades grandes aquelle sussurro profundo de mil vozes, como
-bramir de Oceano? É o estrépito da industria, o tráfego do commercio, a
-ebriedade das mezas, o vozear dos espectaculos.
-
-¿Que Fada produziu e conserva tudo isso? a Agricultura.
-
-Vêde os exercitos, esse espantoso numero de consumidores improductivos,
-esses celibatarios ministros da religião da morte.
-
-¿Quem os gerou? ¿Quem os renova? ¿Quem os alimenta? O chão pacifico
-da lavoira. O seu pão, a sua carne, o seu vinho, os seus legumes, os
-seus vestidos, os seus cavallos, os seus carros, as suas bandeiras, os
-seus mil tambores.... tudo por lá se creou. Tudo aquillo, que vôa como
-remoinho devastador, que não deixa senão cinzas, sangue, e lagrimas
-após si, tudo aquillo nasceu e folgou pelas aldeias e casaes; relinchou
-pelas planicies hervosas; mugiu nas leziras encalmadas; trepou e
-baliu pelos cerros; ciciou loirejando pelos chãos, como espiga de
-alambre; vicejou em florestas; amadureceu reluzindo por entre as parras
-movediças dos oiteiros.
-
-¿Que povoação, não creada por Deus, anima, cruza, devassa, todos esses
-mares? Esses portentos da sciencia e ousadia do homem, que affrontam
-com victoria ventos e ondas, já pelas montanhas vegetaram, floriram,
-hospedaram ninhos e musicas. As suas azas candidas, que os levam de
-extrema a extrema do globo, as tranças ondeantes das suas enxarcias,...
-foram linhares florescentes, onde as virações dos valles se embalavam.
-A epiderme grossa e negra, que lhes reveste o corpo, e lh’o torna,
-como o dos monstros marinhos, inviolavel á agua, estillou-se do
-pinheiro queimado em succo denegrido; gottejou de outros troncos em
-rezinas balsamicas; creou-se nos ossos do animal, que arrasta o carro
-e o arado; expremeu-se em oiro liquido do fruto luzidio da oliveira.
-Os braços, que os domam e os meneiam, como o cavalleiro dirige o seu
-corcel a todas as partes, robusteceu-os, quasi todos, o sol dos campos.
-
-¿Que levam ellas, essas cidades sem alicerce, por quem as mais remotas
-se communicam, e todos os filhos de Adão não fazem mais que uma
-familia? ¿Que levam, que assim vão assoberbadas?
-
-Levam os frutos da cultura do septentrião, aos longinquos moradores do
-sul; as producções regaladas do meio-dia, ás praias severas do norte;
-os perfumes e sabores do oriente, até ás ultimas orlas das Hespanhas; a
-alegria das mezas occidentaes, aos banquetes opíparos dos Chinezes.
-
-¡E é o trabalho de um camponez humilde, de sua mulher e de seus filhos,
-o que, sem sahirem do torrão que os brotou por entre as plantas e os
-gados, povoou todos esses mares sem limites de celleiros, dispensas,
-e adegas fluctuantes, e abasteceu, sem o saberem, ao seu desconhecido
-irmão, em paizes de que nunca ouviram o nome, recebendo de lá, em
-troca, o que nunca sonharam que a terra procreasse!
-
- * * * * *
-
-Difficilmente, por mais que refujâmos para longe dos campos, e para o
-centro do luxo, difficillimamente encontraremos com objecto, que, no
-todo ou em grande parte, não devesse o seu ser á industria agricola.
-
-A corporificação mesma d’este pensamento, isto, que estamos escrevendo
-agora, isto, que vós amanhan estareis lendo, este nosso aprazivel
-praticar entre desconhecidos, este daguerreotypar para os vindoiros um
-reflexo passageiro do espirito, ¿a quem o devemos, se não a esta Arte
-inexhaurivel? O papel, a penna, a banca, o prelo, as balas, a tinta de
-impressão, o alimento que mantém os braços, de que tudo isto se ajuda,
-¿quem se não a Agricultura, o deu? ¿Quem se não ella, ou um milagre de
-muitos milagres, o podéra dar?
-
-A Agricultura, a velha e robusta mãe dos povos, auxiliada dos seus
-dois incançaveis primogenitos, Industria e Commercio, é a bemfeitora
-por excellencia; a compensadora unica das differenças das regiões; a
-expressão maxima da Divina Munificencia, e o mais claro documento da
-nossa social destinação.
-
-Qualquer Sciencia, qualquer Arte, supprimida, deixaria uma falta, mais
-ou menos para sentir; mas a falta da Agricultura desataria de repente a
-Sociedade, e dentro em pouco extinguiria o proprio homem.
-
- * * * * *
-
-¡Longe de nós o insensato pensamento de negarmos ás cidades a sua
-importancia! A baixo das choças aldeanas, nada mais nobre que as
-cidades; nada, que as Leis mais devessem favorecer, depois dos campos.
-
-Os metaes preciosos, de que uma invenção profunda, e quasi inspirada,
-compôz, por que assim o digâmos, o sangue, que devia circular por todo
-o corpo social, necessitavam, como o sangue no corpo de cada individuo,
-deposito amplo e energico, para onde confluissem de toda a parte, e que
-outra vez para toda a parte os deramasse. A Cidade foi o coração do
-paiz agricola, e centro unitivo de sua vida.
-
-Ás cidades, as industrias, secundaria e terciaria; o manufacturar as
-materias; o permutar as manufacturas. Aos campos a primaria industria;
-o ministrar a omnimoda materia para essas duas outras.
-
-Artes e Commercio encantadores são, que modificam, metamorphoseiam, e
-transferem tudo sem cessar; mas só a Agricultura cria, só ella, filha
-primogénita da Divinidade, é, sobre a terra, Divindade. Só um povo que
-lhe quer, e a quer, e a serve com desenganada preferencia, só esse é
-rico; rico sem fausto, mas rico sem receio de empobrecer.
-
-As minas cançam e exhaurem-se; as conquistas levantam-se e fogem; as
-fabricas podem cahir, ao erguerem-se novas fabricas n’outras partes;
-a grande louca do mundo moderno, a moda, as derriba a cada passo,
-roçando-as, ao passar, com o seu vestido novo, ou com os seus novos
-enfeites; o mesmo Commercio, no seu carro triumphal de oiro, corre
-estrepitoso por cima de alturas resvaladias, por entre despenhos e
-rivaes inimigos, que ao primeiro descuido o precipitarão.
-
-Só a terra entretanto se não esgota; só n’ella se podem empregar
-beneficios, sem colher ingratidões; só ella pode dizer, como o seu
-Creador: «Pedi e recebereis»; só ella pode supprir tudo, sem poder
-outra alguma coisa suppril-a.
-
-Quando ella treme, sacode de sobre si, em nuvens de pó, castellos
-massiços, paços alterosos, armazens e feitorias de portas chapeadas,
-como um leão, com um frémito musculoso das jubas, afugenta os
-insectos, que vieram poisar sobre elle em quanto dormia; mas a Queluz
-e Versailles do lavrador, a sua choçasinha de palha, essa vacilla
-um momento, como as arvores circumstantes; assustou-se, como um
-passarinho entre as ramadas; mas fica em pé, e rasserena-se, vendo tudo
-em derredor tão arraigado, tão viçoso, tão quieto, como d’antes.
-
- * * * * *
-
-Foi a consciencia d’estas verdades obvias, e que só o excessivo
-crescimento do luxo era efficaz para escurecer, foi, dizemos, a
-consciencia d’estas verdades, a que fez com que em todos os tempos se
-protegesse e honrasse a Agricultura, e em alguns paizes por modo tal,
-que aos almiscarados passeadores das capitaes pareceria hoje fabuloso,
-ou ridiculo quando menos.
-
-Os dois mais antigos livros, que o mundo velho nos deixou, a _Biblia_,
-epopêa de Deus, e Homero, biblia dos poetas, a cada pagina nos
-maravilham com o que antes nos devêra servir para sizuda meditação,
-e algum exemplo: com a singela pintura do enlace da autoridade com o
-trabalho rural.
-
-Reis e Principes homericos, raios de valor nos combates, nos dias da
-paz cultivam, e pastoreiam: e mais de um heroe d’esses, ao expirar, dá
-a ultima saudade ao pensamento dos bosques da sua infancia.
-
-Os patriarchas da antiga Lei, os juizes, e os Reis do Povo hebreu
-(semelhantes n’aquillo aos maioraes de algumas tribus arabias, e aos
-regedores de alguns povos simplices da America e da Africa, ainda hoje)
-distribuiam a justiça, já á sombra de um carvalho, já sentados, como
-em throno, na méda do seu trigo á borda da eira; ou, reclinados entre
-os seus rebanhos, ensinavam com apólogos e parábolas campestres, as
-virtudes naturaes, a concordia, a rectidão, a beneficencia.
-
-Os Romanos das eras recommendaveis, os Romanos da Republica, essa
-gente exemplar, já expurgada da barbaria de sua origem, e ainda não
-pervertida pelas riquezas e luxo; equidistantes de Romulo e de Nero;
-revolviam com a charrua o chão da Patria, que alargavam com a espada.
-Da rabiça, se iam arrancar os generaes para as victorias; do Capitolio
-redescendiam, com alvoroço, para se irem concluir a geirasinha largada
-em meio.
-
-Então as matronas eram Cornelias; e as donzellas, Virginias. Então era
-soberbo epitaphio: «N’este sepulcro não formoso jaz uma formosa mulher.
-Governou sua casa; fiou lan.»
-
-Então eram guiões e estandartes magnificos umas paveias de feno no alto
-de uma lança.
-
-Então, emfim, podia dizer o Poeta, com verdade: não só que as selvas
-eram dignas de consules, se não que eram dignos os aldeãos, dos feixes
-e da purpura.
-
-Retraiâmos-nos lançando comtudo um olhar saudoso para aquellas edades
-ridentissimas, em que os nomes e feitos memorandos se não escreviam nos
-annaes, mas se embalsamavam de poesia para mythos.
-
- * * * * *
-
-¿Qual foi d’essas antigas gentes, fabuladoras por philosophia, a que
-não divinisou, e não ergueu sobre aras, para incensos e hymnos da
-posteridade, os inventores, introductores, ou aperfeiçoadores, das
-diversas Artes prestadias, e da Arte da Agricultura sobre todas?
-Cybéle, Osiris, Saturno, Céres, Triptólemo, Fauno, Pales, Baccho,
-Pomona, Vertumno, Aristeu, Flora, eis ahi uma parte d’esse Olympo
-terrestre, com que as Musas por mais de dois mil annos se inspiraram,
-e que, se já hoje não ressôam nos cantos, nem por isso ficaram menos
-sacros para os corações agradecidos.
-
-«Demonios são os deuses da gentilidade»--exclamava, no seu enthusiasmo
-religioso, o Bispo de Híppona.--«Demonios são, cujos nomes nunca mais
-hão-de profanar estes meus labios.»
-
-Enganais-vos, Agostinho, se abrangeis a esses bons deuses rusticos
-no vosso anáthema. Desendeusae-os embora; mas, em vez do ferrete de
-demonios, decretae-lhes foros de grandes Homens, e grandes Mulheres, já
-que de Anjos não pode ser.
-
-Se procuramos, na rasão pura, o que por nenhum documento se rastreia,
-o por que os Romanos, apóz os Gregos, os Gregos apóz os Egypcios, e
-os Egypcios Deus sabe apóz quem, assim se comprouveram de povoar de
-numes e semi-numes indígetes os seus campos, facil se nos depára a
-chave do enigma. Obra foi, instinctiva e simultanea, de rusticos, e
-philosophos; do povo, e dos agentes da alta Politica dos Estados. O
-poder comprehendeu a utilidade de sanccionar culto que nobilitasse
-o lavrador, divinisando todos os objectos do seu trato, e a propria
-terra: os camponezes, por si mesmos, de motu proprio, coadjuvaram
-o poder n’esse mui real empenho seu, com darem largas á propria
-phantasia, faculdade sempre tendente para o poetico e maravilhoso.
-
-E de feito, ¿que mais natural erro (se assim nos podemos exprimir),
-que abusão mais para desculpas e louvor, do que imaginar o homem, ao
-ver-se rodeado de successivos beneficios e presentes da Natureza, que
-andavam ahi velando sobre elle, por toda a parte, a todas as horas,
-entes beneficos, poderosos e invisiveis, a quem por isso cabiam amor
-e agradecimento? Por não abrangerem a Providencia na universalidade,
-decompunham-na em mil Providencias; e n’este sentido a idolatria era
-ainda um culto ao Supremo Desconhecido, «IGNOTO DEO»; era o matiz
-brilhante e confuso, formado de vapores da terra entre ella e o Céo,
-como arreboes e aurora do SOL, que estava para nascer.
-
- * * * * *
-
-Além da gratidão, outra causa, se menos sublime, por ventura mais
-urgente, levaria os filhos das aldeias a abraçarem na alma, sem
-exame, aquellas crenças, logo que referidas na conversação dos velhos
-autorisados, ou evangelisadas pelos poetas, por esses engenhos de
-eleição, a quem sempre se attribuiram mysteriosas relações com outros
-mundos. Esta causa era, no meio da solidão, a tendencia para a
-sociabilidade.
-
-O viver semi-eremitico do camponez, e as suas occupações, quasi todas
-manuaes, deixavam-lhe alma e coração livres, vazios, carecentes,
-avidos de alimento. Nos desenhos do Vaticano se vê, copia de uma pedra
-antiga, a imagem da Agricultura representada por uma Psyche, arrimada a
-um sacho, e meditabunda.
-
-Então o pastor folgou de cuidar que uma deusa o acompanhava occulta,
-e o amava, defendendo-lhe o rebanho; que de dentro de cada arvore,
-ao perpassar, lhe sorria uma Nympha; que outra despejava da urna
-subterranea as aguas que o dessedentavam; que a aura refrigerativa das
-séstas era vivente, e lhe furtava beijos fugindo; que a sua flauta fôra
-inventada por Pan em hora de mágoas amorosas, e as suas cantigas eram
-repetidas com ternura pela namorada de Narciso.
-
-O semeador, lançando o grão á terra, commettia a sua subsistencia ao
-coração maternal de uma beldade; o pomareiro encommendava a outra,
-ainda mais beldade, encher-lhe os açafates e cestos para o outono; e o
-vinhateiro via um menino, tão gentil como o proprio Amor, e um velho
-tão folgasão como esse menino, andarem-lhe brincando por entre as cepas
-para florescerem. O dia, derramava-o dos céos o deus da musica e dos
-versos. Á scismadora melancolia das noites presidia, lá do carro da
-lua, uma virgem candida, que de manhan andára caçando pelos bosques, e
-de quem havia segredos... para se contarem ao ouvido das raparigas.
-
-Assim se era amado, porque se amava; e se amava, porque se era amado.
-Assim se ganhava animo para supportar a solidão; ou, por melhor dizer,
-assim a solidão se transformava em sociedade; sociedade tão numerosa,
-tão garrida, tão illustre, tão sensitiva, tão amavel, tão munífica,
-sobre tudo, qual nunca jámais a poderiam ter os saráus das maiores
-Côrtes, e dos maiores Reis.
-
- * * * * *
-
-Sob o astro esplendido do Christianismo tudo isso passou, como perante
-o sol do estio desapparecem as multicores florinhas, que borboleteavam
-por valles e oiteiros. O campo desenfeitiçado se consagrou por bellezas
-mais severas; mas a solidão reappareceu em grande parte, e quiçá
-mais profunda e melancolica, em derredor do camponez. É porque já se
-aprendêra do Historiador da Creação, que a fertilidade só nascia do
-trabalho, e que o trabalho era castigo da desobediencia; que a terra
-não era patria, se não degredo, e a vida não estado, se não caminho por
-valle de muitas lagrimas. Os frutos já não foram dádivas de nymphas,
-sim esmolas, que a troco de suor e orações se lançavam lá de cima aos
-necessitados, para elles as repartirem com os indigentes.
-
-As novas festas campestres, as Rogações de Maio, a procissão das
-Alleluias, não compensavam, para os sentidos, as sacras profanidades de
-outro tempo.
-
-Acudiram Musas do Cedron e do Jordão, successoras, e não herdeiras,
-d’aquellas nove da Castália e Aganippe, e forcejaram por enthronisar no
-campo das antigas divindades esvaecidas novos Genios mais formosos,
-ainda que menos sensuaes; verdadeiros quanto á existencia, e só quanto
-aos attributos fabulosos. Ás Dryades, Oréades, e Faunos, succederam na
-tutella das arvores, dos oiteiros, e das planicies, Anjos invocados do
-Empyrio pelas harpas germanicas do cantor delicioso de Abel, do cantor
-sublime do Messias. Mas esses Espiritos custodios das plantas e das
-aguas, das flores e das estrellas, em quem a imaginação creu, talvez,
-em quanto ressoavam os accentos d’aquellas harpas, volveram aos Ceos
-com Gessner e Klopstock, como os numes haviam volvido ao nada; e a
-solidão campestre recomeçou; ou proseguiu.
-
-O ideal da vida agricola achava-se pois abolido, e para todo sempre. A
-obra das Musas do Líbano caducára, como a obra das filhas do Parnaso. A
-arvore não era mais que um lenho verde; a fonte, agua; a terra, terra.
-
-Acode a Sciencia, para repoetisar tudo.
-
- * * * * *
-
-A Sciencia da Natureza é nos tempos modernos um gigante, animado de
-mil espiritos, armado de mil braços, guarnecido de mil azas, dotado
-de mil ouvidos e mil olhos; engolfa-se, como aguia, por ceos e ceos;
-colhe no vôo os cometas e os planetas, e lhes toma o pezo e a medida;
-distingue na atmosphera imperceptiveis e subtilissimos fluidos, e os
-senhoreia como a outros tantos Genios poderosos, constrangendo-os a
-explicarem-se, e a servil-a; estende a vista senhoril pela superficie
-do orbe, e impõe, como o primeiro homem, nome proprio a cada vivente
-sensitivo, a cada planta, a cada composto, a cada elemento da materia
-bruta e inerte, desde a colossal baleia, até o microscopico infusorio,
-desde o giganteo baobab, até o pulverulento lichen, desde os alterosos
-Andes, até as parcellas imponderaveis do simples mineral. Entre tantos
-milhões de individuos, estabelece os _reinos_, determina as _classes_,
-subdivide e forma _ordens_, reconhece os _generos_, caracterisa as
-_especies_, e descobre as mutuas relações de nexo ou afastamento. Funda
-preciosos inventarios de tantas riquezas, os _methodos naturaes_,
-e os _systemas artificiaes_. Abysma-se nas profundezas da terra,
-e reapparece com os documentos da historia do Mundo; medita-os, e
-prophetisa o que lá vai, já nos incommensuraveis seis _dias_ do
-Génesis, já nas eras subsequentes. Interroga a vida em todos os seus
-mysterios: na geração, na reproducção, na conservação, no crescimento,
-nas metamorphoses; aqui, lhe recebe a confissão de um segredo; além,
-lhe arranca outro; conjectura todos; e muitos, por ventura lh’os
-adivinha.
-
-Ajudada das artes, filhas suas, nutridas aos seus peitos, entretece
-industriosamente todos esses innumeraveis fios de luz, que de cada
-ponto da materia lhe ressurtiram, e por suas combinações inesperadas
-faz apparecer, de momento para momento, novos recursos para as mesmas
-artes, novas forças e vantagens para o homem.
-
-O campo, sondado pela Sciencia em cada camada do seu terreno, em cada
-elemento dos seus adubíos, em cada gotta do seu orvalho, em cada
-molécula dos seus gazes, em cada póro das suas plantas e animaes, em
-cada tácita relação de tudo seu com os meteóros, com a electricidade,
-com o frio e calor, com a luz e as trevas, com cada um dos ventos, com
-cada uma das quadras, com cada um dos mezes, com cada um dos dias, e
-horas do dia, o campo, repetimos, encerra pois mais poesia, poesia mais
-bella, mais fecunda, mais vivaz, mais duradoira, que as antigas.
-
-A arvore do pagão fôra nympha; e a do simples christão, simples meza
-de caridade. A arvore para o sabio é um microcosmo de maravilhas; é um
-pregão, não já mudo, de Sabedoria, de Poder, de Bondade sem limites.
-
- * * * * *
-
-¡Felizes nós, se, interpretando uma ou outra harmonia da Natureza,
-podermos confirmar o camponez na sua religiosidade hereditaria!
-
-¡Felizes, não menos, se nos ricos senhores crearmos, ou
-accrescentarmos, o amor dos seus campos, e o salutar affecto aos
-pobresinhos, que com o seu suor lh’os fertilisam! ¡se, tornando-lhes
-aprasivel o rusticar, e descobrindo-lhes com Zimmermann os thesoiros da
-solidão, contribuirmos para que alguns vão ser divindades veneradas no
-seu torrão, e ensinar com o seu trato polidez aos filhos das aldeias
-retemperando-se entre elles, e readquirindo algum pouco d’aquella
-innocencia velha foragida das cidades! Que vendo nos seus bosques e
-seáras alguma coisa mais que lenha e farinha, sintam que a Agricultura
-é o parentesco, a amisade, a intimidade, o trato de mutuos beneficios,
-entre o homem e a Terra sua mãe. Que repitam com Bentham: «A classe
-dos que trabalham, se é a derradeira no vocabulario dos soberbos, é
-no vocabulario da san Politica a primeira». Que muita vez, nos seus
-passeios meditativos, exclamem enternecidos, como a Baroneza de Staël:
-¡«Pobre gente! ¡meio silvestres, meio civilisados! mas os que d’entre
-elles são virtusos, ¡oh! esses teem um genero de innocencia e bondade,
-que lá nos mundanos se não acha.» Ou, reclinados ao sol posto no poial
-da sua granja, revolvam calados aquellas palavras, com que a Biblia, na
-sua maravilhosa simplicidade, nos encarece o viver facil do Povo eleito
-no reinado de Salomão: «Comer, beber, e folgar, sem nenhuns medos, cada
-um á sombra do seu parreiral e da sua figueira.»
-
-¡Oh! e as mãos do que tudo isto chegar a dizer, ¡que venturas não
-dispartirão tacitamente pelas agradecidas choças de tantos, que, em
-meio de montes de riquezas, não tinham muitas vezes um pão negro para
-os seus meninos!
-
-«Quem faz amar os campos--escrevia Delille--faz amar a virtude.»
-
-¡Oh ricos, ricos! ¡Quão pouco vos custára o ser ditosos, creando nos
-outros alegrias para vós mesmos! ¡Quão facil vos fôra acabar com o
-antigo pleito, que pende entre a penuria e a opulencia! ¡Quão facil,
-e quão glorioso, o fazerdes (e não á vossa custa, se não até com
-proveito vosso) com que os filhos, como vós, de uma terra fertil não
-fugissem d’ella, para se irem comer pão de escravos, e estalar de
-saudades em sertões longinquos!
-
-Se amais o chão onde nascestes, creae e enraizae n’elle verdadeiros
-lavradores.
-
-Lavradores verdadeiros não são só os cidadãos mais productivos, mas
-tambem os mais pacificos e patrioticos.
-
- Janeiro de 1848
-
-
-
-
- II
-
- Sociedades de Agricultura
-
- SUMMARIO
-
- As associações agricolas hão-de diminuir as aversões publicas, e
- restituir o amor do trabalho.--A Sociedade Promotora da Agricultura
- Michaelense mostra o que taes sociedades valem.--Vantagens que já
- tem dado.--O seu exemplo ha-de ser imitado, mesmo em Portugal.--A
- convicção da necessidade de olhar pela Agricultura é já sentida
- geralmente.--As regenerações politicas só serão verdadeiras
- tendo por base a Agricultura.--Todas as revoluções teem origem
- na bolsa.--Tributos devem-se exigir, proporcionando-se meios de
- os pagar.--Os poisios deviam repartir-se pelos soldados.--Como
- seria um bom Governo.--Aqui não entra «Politica» segundo hoje a
- entendem.--Declaração de qual é a do autor.--Como as Côrtes e o
- Governo podem felicitar sem custo a Nação.--Se elles o não fizerem,
- façam-n-o os particulares, associando se.
-
-
-Por um interessante periodico do Funchal, O _Madeirense_, vemos com
-prazer, que tambem ali se torna a olhar com amor para a terra, _a
-grande Mãe_, como philosophicamente lhe chamavam os Antigos.
-
-A terra é o campo neutro, no qual, ainda hoje, se podem congregar
-os animos, que as contendas sociaes dissociaram e lançaram a monte.
-Não é senão no seio da Natureza immutavel, universal, inexhaurivel,
-que os homens podem encontrar novamente a convivencia de ideias, e a
-fraternidade, a que os leva o seu instincto, tanto como a sua razão.
-Se o trabalho é a condição indispensavel de todos os bens, se a união é
-a indispensavel condição de todo o trabalho de veras fecundo, ¿quem não
-vê que as Associações agricolas, além do grande beneficio de tornarem
-a enfeixar um pouco a familia humana, hão de promover o trabalho, Anjo
-custodio de saude e bons costumes? O que as Associações agricolas
-estão dando de si nos povos representantes e coripheus da civilisação,
-é historia já tão publica e corrente, que ainda aquelles que a não
-estudam a sabem pouco mais ou menos. Mas, preterindo, como logares
-communs, a França e a Inglaterra, figuras obrigadas em qualquer pagina
-dos nossos contemporaneos, como aquell’ outras de Grecia e Roma em cada
-escrito dos nossos paes, préguemos á nossa gente com o exemplo, muito
-mais persuasivo, dos «santos de casa.»
-
- * * * * *
-
-A Sociedade Promotora da Agricultura Michaelense é a demonstração
-viva do que taes corpos valem, e podem, para o aperfeiçoamento dos
-lavradores.
-
-Nascida de hontem, se pode dizer, sem amparo algum externo, sem uma
-dotação larga, para converter em factos a decima parte dos seus bons
-desejos, constantemente a braços com as difficuldades dos tempos,
-ainda não apreciada nem comprehendida na propria terra, e com mais
-de metade das suas forças intrinzecas desaproveitadas, com um viver
-intermittente, reduzida a hibernar por quasi toda a bella estação,
-e no inverno mesmo só incompletamente concorrida de seus membros e
-sem ouvintes para a animarem recolhendo-lhe o fruto das discussões;
-n’uma palavra: não havendo tido, por si até agora mais que tres ou
-quatro vontades perseverantes, mas inquebrantaveis, mas inflexiveis,
-mas cheias de fé e amor, esta Sociedade contém já nos seus fastos
-algumas paginas, que a gratidão da Historia ha-de doirar, e os futuros
-lavradores beijar com enternecimento.
-
-O rusticissimo horror das innovações agrarias, esse ridiculo espantalho
-millanario de todas as ideias uteis, não se destruiu, porque não pode
-destruir-se; mas vai recuando para dentro dos limites de uma prudente e
-cautelosa espectativa; isto é: a curiosidade moderada, que não dá passo
-sem primeiro palpar o terreno, mas que, apenas o sente solido, adianta
-e assenta o pé para não retroceder, occupa já o logar do empyrismo
-intolerante e indomesticavel.
-
-Não se instruiu ainda o camponez; a tarefa de seculos não cabe em dias;
-mas fez-se-lhe entrever a sua ignorancia; é uma grande passada no
-caminho do Progresso. Fez-se-lhe conjecturar, por factos sensiveis, que
-havia, fora da sombra do seu campanario, e mesmo dentro nas cidades,
-amigos seus e da terra, habilitados pelo estudo para mestres e guias;
-que os livros não eram todos sonhos vãos de charlatães, e que de muitos
-d’elles sabiam raios, luminosos como os do sol, que fertilisavam a
-terra largamente; que não havia sacrilegio em trocar a enxada de Adão
-pelo instrumento só de hontem inventado, mas que multiplica as forças,
-as horas, os frutos, as moedas, os ocios innocentes, e os praseres.
-
-Insinuou-se a pouco e pouco, e sem rumor, nas praticas do serão da
-Aldeia:
-
-primeiro, a crença de que o Mundo era mais amplo que os confins da
-parochia ou do municipio, e muita planta boa, e muito animal prestadio
-opulentavam outros paizes, que, se viessem ao municipio e á parochia,
-lhes accrescentariam os haveres;
-
-que se podia produzir mais e melhor em frutos e materias primas, para
-industrias que ao longe se enxergavam;
-
-e que o pretender aperfeiçoar as raças brutas, as manadas, os rebanhos,
-e os animaes domesticos, não era absurdo nem impiedade, pois que a tudo
-isso se chegava sem mais feitiço que o entendimento que Deus nos deu.
-
-Não queremos affirmar que o poisío secular, sêcco e maninho, dos
-espiritos da população rustica se ache já desmoitado. Affirmâmos
-porém, e poderia provar-se, que da fundação da Sociedade promotora
-data um progresso notavel na Agricultura d’este paiz; que ha hoje ahi
-em exercicio muito instrumento moderno de inquestionavel prestimo; que
-alguma raça de animaes caminha para o aperfeiçoamento; que as plantas
-preciosas estrangeiras são desejadas e bemvindas; que se vai pegando
-a curiosidade do experimentar. N’uma palavra: um observador attento
-e sagaz sente nas ideias rusticas o que quer que seja de vivaz, de
-vegetativo, de medrançoso; semelhante ao que se percebe nas hortas,
-de verão, pela calada da noite, quando ao luar se está suavemente
-devaneando: um rumor vago e tenue pela folhagem; um cheiro suave de
-vitalidade, que é circular de seiva, encorpar de hásteas, desabrolhar
-de gomos, explicar de folhas, nascer de botões, abrir de flores,
-enchar e amadurecer de frutos; são os fluidos impalpaveis do dia que
-passou, que por ali se estão ás escuras corporificando para abundancia;
-d’aquelle ruído sem nome, e quasi imperceptivel, é que lá para o
-diante se hão-de acogular as eiras, encher os celleiros e os lagares,
-assoberbar-se os carros, os portos, e os navios, nutrir-se os homens e
-os animaes, as aldeias e as cidades.
-
-Deixae continuar em sua acção a causa impulsiva d’este movimento, que
-já se opera nos espiritos camponezes, e vereis as innovações cada vez
-menos repugnadas, a sciencia pratica avantajada de anno para anno, e
-com ella vir raiando um pouco tambem da sciencia especulativa, unica
-fonte dos progressos ulteriores e indefinidos.
-
- * * * * *
-
-Felizmente, este exemplo grande e nobre que a Sociedade Michaelense
-está dando a todos os dominios Portuguezes, e á metrópole mesma,
-é grão lançado em terreno, que nos parece achar-se já devida e
-sufficientemente preparado.
-
-De toda a parte onde ha Portuguezes, isto é: de toda a parte onde
-sobre um solo fertil negreja a penuria, saem gritos clamando pela
-Agricultura ausente, como pelo ultimo e unico Messias terrestre; e
-esses clamores, quando assim se tornam geraes, são sempre prophecia.
-
-A convicção chegou a todos os animos: a uns pelo raciocinio, aos outros
-pelo mero instincto; mas em todos está; em quasi todos clama; e já em
-muitos se agita insoffrida, para se converter em obras.
-
-Se os commodos da vida, isto é os deleites do corpo, os do coração,
-e os do espirito, são o alvo a que tiram de longe, e de encontrados
-pontos, todas as opiniões, todos os systemas, todas as parcialidades, a
-Agricultura para Portugal deve (e não pode deixar de ser) havida pela
-Politica suprema, pela Politica das Politicas; pois quando, renascida
-e adulta, a nossa Agricultura nos houver feito laboriosos, abastados,
-modestos, bons, unidos, e irmãos, então, e só então, é que as theorias
-de _liberdade_ deixarão de fluctuar e transformar-se ao sôpro das
-palavras, como as nuvens inconsistentes ao capricho dos ventos.
-
-As instituições sociaes querem todas uma base; e não ha para ellas
-alicerce, como é a terra a desentranhar-se em riqueza; tanto assim, que
-o proprio regimen absoluto, e ainda o despótico, em quanto não faltam
-ao Povo com pão e um pouco de recreio, permanecem, não combatidos,
-nem quasi murmurados; ao mesmo passo que as mais philosophicas e
-altisonantes constituições em terra faminta, isto é em terra pelos
-homens desaproveitada, são victima, muitas vezes innocente, mas sempre
-victima, dos irreconciliaveis odios da indigencia.
-
- * * * * *
-
-Não se ha mistér ser profundo sabedor na historia das revoluções, para
-reconhecer que todas ellas, proxima ou remotamente, teem na bolsa a
-sua origem; assim como é evidente, que em quasi toda a parte é a terra
-trabalhada quem enche a bolsa; ou, pelo menos, que é só ella quem,
-enchendo-a, pode prometter com affoiteza conserval-a cheia.
-
-Um dos mais deploraveis erros, se não o mais deploravel, é procurar
-acudir aos males produzidos pela miseria, extorquindo aos proprios
-miseraveis com uma das mãos o que depois, bem ou mal, em todo ou em
-parte, se derrama sobre elles. O Thesoiro publico só é abastado, ou,
-mais verdadeiramente, só ha Thesoiro publico, onde se não é obrigado a
-arrecadar para elle sangue, lagrimas, e maldições.
-
-Os tributos são uma necessidade; mas para os Governos justos e
-previdentes não no é menor subministrar aos governados meios de
-producção, com que satisfaçam aos tributos.
-
-Facilitae-me encher a minha tulha, e pedi-me embora metade d’ella para
-remir o desamparo dos meus visinhos. Mas se pela minha porta aberta não
-vedes, em toda a minha poisada terrea, nem lume, nem pão, nem assento,
-nem mais vestido que os andrajos que andam no corpo, não me vendais
-para o tributo o bercinho nú do filho, e a enxerga desconchegada da
-mãe; não m’os vendais que o não quer Deus; não m’os vendais, não m’os
-vendais, que por um tostão ou dois os havereis matado a elles e a mim,
-e á vossa consciencia tambem; e todos estes mortos se alevantarão á
-hora prescrita, para matarem a vossa causa.
-
-Se os haveres são o sangue do corpo social, e se o corpo social jaz por
-debilidade, ¿pensaria alguem cural-o abrindo-lhe as veias e as artérias?
-
-Em quanto houver terras devoluto, a dar cardos e urzes em logar de
-trigo e azeite; em quanto houver braços com ociosas armas ás costas,
-ou encruzados sobre o peito descarnado; em quanto não repartirdes
-esses braços por essas terras, e essas terras por esses braços, com um
-alvião, um punhado de sementes, dois ou tres cruzados para uma choça
-de colmo, um cathecismosinho de Agricultura, e uma boa isenção de
-direitos até que a abençoada plantação se desate toda em frutos; em
-quanto fordes tolerando que o vicio, o ruim exemplo, a indiligencia,
-e a ignorancia, lancem quotidianamente na voragem sempre crescente da
-prostituição milhares de moças, nascidas com entendimento e coração
-para mães de familias, e a maior parte das quaes o haveriam ido ser, se
-o seu hediondo celibato não fôra effeito necessario do celibato forçado
-de tantos homens; em quanto, pelo concurso de tamanhos desconcertos,
-deixardes que permaneçam estereis, despresadas, e despresiveis, as duas
-mais formosas e mais santamente productivas coisas do mundo, a terra,
-e o seio da mulher; sereis mendigos a governar mendigos, sereis loucos
-a vexar attribulados.
-
-Podereis chamar-vos Governo, segundo o Direito constituido, e pelas
-trombetas de uma parcialidade, da vossa; mas pela Natureza, mas pela
-philosophia, mas pelo vosso proprio senso intimo... nunca merecereis
-tal qualificação.
-
- * * * * *
-
-Damos por superfluo declarar que, se algum nescio, ou maligno, vir
-d’isso a que ahi chamam _Politica_ nas poucas linhas que deixamos
-escritas, não foi absolutamente nossa intenção, nem o é, nem o será
-nunca, descer das alturas serenas e claras do raciocinio até essas
-escuras e lodacentas encruzilhadas.
-
-Não processâmos nenhum homem, nenhum bando, nenhum systema; ou
-processâmol-os todos.
-
-Hoje (comprazemo-nos de o repetir) não commungâmos senão á Meza
-catholica da Philosophia. Todas as variações protestantes da egreja
-politica liberal nos são desconhecidas. Lançâmos ao ar e ao vento as
-palavras de bom conselho, com hombridade e sem odio, como todos devem;
-é a nossa consciencia a respirar alto.
-
-A parcialidade que fizer obra do que nós só fazemos discurso, será
-essa a que nós bemdiremos. Os primeiros estadistas, que arvorarem
-por estandarte na ponta de sua lança sem ferro a relha da charrua e
-o sacco da semente, serão os que nos movam, sem que nol o peçam, a
-irmos á urna; e á fé que não votaremos senão por elles, porque esses
-nos haverão feito acreditar na edade de oiro. A edade de oiro não está
-no passado, como a sonharam os poetas, mas no porvir, e bem proxima se
-o quizermos. Não ha de baixar do Ceo com deuses, mas ha-de rebentar
-da terra com frutos e creanças, quando os homens se encurvarem para a
-invocar.
-
- * * * * *
-
-Segundo os axiomas que deixamos tocados, grandes, imperiosos, e
-urgentissimos são os deveres, que ás autoridades executivas e
-legislativas incumbem, de remover obstaculos, e proporcionar meios para
-que a Agricultura nacional se levante e cresça, com aquella espantosa
-rapidez, com aquelle vigor prodigioso, que todas as coisas nobres
-assumiram sempre em nossa terra, quando de veras as quizemos.
-
-Legisladores e governantes, dizei «Faça-se»; de todos os cantos da
-Monarchia se repetirá em milhões de eccos: «Faça-se». E far-se-ha. E o
-Povo Portuguez reapparecerá aos olhos do mundo tão grande e magnifico
-nos seus trajos de lavrador, e coroado de oliveira, como outr’ora
-soldado e conquistador, coroado de loiros, e cicatrizes; mas com uma
-vantagem summa na sua nova transformação: que as conquistas e pelejas
-o matavam afogado em oiro e sangue; em quanto a Agricultura o haverá
-remoçado como o Esão da fabula, e opulentado do oiro vegetal, unico
-oiro que sustenta e se semeia para mais oiro.
-
-Pois se acha emfim conhecido o caminho largo e facil que nos ha-de
-levar á felicidade; pois que tantos desejos o devoram já em espirito,
-¿por que não nos poremos desde hoje em marcha para a conseguirmos
-quanto antes?
-
-Se os Legisladores, se os Governantes, se as supremas Autoridades
-não souberem, ou não poderem, ou não ousarem, collocar se á nossa
-frente; se houver interesses, que se lhes representem maiores do que o
-interesse maximo; saibâmos e ousemos nós, nós os cidadãos, nós o Povo,
-nós que o podemos, progredir sem mais impulso que o nosso instincto
-salvador, sem mais guia que a razão demonstrada. Tambem uma columna de
-luz levou o Povo eleito, atravez do deserto, para a Terra da Promissão.
-¿Quem nos dará força? a associação. ¿É ella possivel? facilima.
-
-¿Como se organisará?
-
-Vamos vel-o.
-
- Agosto de 1848.
-
-
-
-
- III
-
- Continuação do assumpto
-
- SUMMARIO
-
- O Jornalismo deve ser prégador da fraternidade agraria, exhortador
- e mestre de cultura, sendo o _Diario do Governo_ quem dê o
- exemplo.--Como se formou a Sociedade Promotora da Agricultura
- Michaelense, podem outras formar-se e imital-a.--Uma Sociedade
- Promotora para cada cidade em que houver centro episcopal e
- administrativo.--Sociedades filiaes fomentadas por ambos estes
- poderes.--Relações mutuas entre as primeiras e as segundas.--Quadro
- dos resultados provaveis de tal systema.--Para a sua realisação
- bastam os cidadãos, sem auxilio do Governo.--Desenho geral da
- proposta machina de Sociedades, e descripção do seu jogo.--Indicação
- de meios pecuniarios para a manutenção d’estas Sociedades.--Summa
- conveniencia de um Ministerio dos negocios da Agricultura.--O que se
- tornaria Portugal, realisados todos estes alvitres.--Deseja-se que no
- Parlamento se alevante um homem.
-
-
-Antes de tudo, é necessario que a Imprensa, representante n’este caso
-da opinião publica, tome a si o excital-a ainda mais, o esclarecel-a
-sobre os meios, o alvitrar, o discutir, o convencer os incrédulos, o
-afervorar os tibios; emfim, que procure compenetrar-se de profunda fé,
-para a transmittir egualmente profunda a seus ouvintes; armar se de
-constancia, de pertinacia, de _fanatismo_ (se é licito dizel-o) até ver
-consumada a regeneração.
-
-O Jornalismo, que, podendo, deixa de ser missionario do Progresso, é
-alguma coisa peor que uma ociosidade: é um musgo, que devora á arvore
-multiforme da instrucção proficua, parte da seiva que a devia alimentar.
-
-Em vez pois das questões futeis e ephémeras, saturnaes da Imprensa,
-que ás almas bem nascidas já repugnam; em vez das quotidianas batalhas
-dadas no campo das utopias, com descargas cerradas de impropérios; dêem
-os jornaes, uma e muitas vezes, parte das suas columnas, como expiação
-(quando mais não seja), á exhortação para a fraternidade agrária,
-exhortação que se tornará de tanto maior pezo, quanto elles proprios,
-os jornaes, discordes em todos os outros pontos, se apresentarão n’este
-unanimes e amigos.
-
-Mais: alguma porção do espaço que por posse velha vão encher ás folhas
-estrangeiras, de novellas excusadas (quando não nocivas) de anecdotas
-ridiculas, de vanidades de toda a casta, franqueiem n-o a originaes,
-traducções, ou imitações, que, ensinando ao lavrador alguma novidade
-util, no tocante ao seu officio, lh’o ensoberbeçam aos seus proprios
-olhos, pela prova de que a Imprensa, os sabios, e as nações crescidas e
-policiadas, o não desprezam.
-
- * * * * *
-
-Dada e conservada aos espiritos, por via dos periodicos, esta saudavel
-e fecunda excitação, o arbitrio de se formarem Associações promotoras
-da Agricultura espontaneamente nasceria, se fosse possivel que a mesma
-Imprensa se houvesse esquecido de o suscitar, e aconselhal-o.
-
-¿Presumimos nós demasiadamente dos nossos collegas, os escriptores
-publicos, quando para tal coadjuvação os convidâmos? Certo que não. O
-amor patrio, que todos elles professam, o egoismo que todos nós temos,
-a louvavel ambição de contribuir para um resgate, e depois tambem
-a precisão de refocillar a espaços a alma, fatigada de sobresaltos
-e pelejas, tudo nos afiança que a maior parte d’elles, pelo menos,
-acudirá ao chamamento: e primeiro que nenhum o _Diario do Governo_,
-pois por vinte rasões o deve, e por mil modos o pode mais que todos.
-
- * * * * *
-
-¿Como se formou a Sociedade promotora Michaelense?
-
-Pela vontade de alguns poucos particulares amantes do seu torrão;
-sem prévia suggestão externa, sem mão que de cima se lhe estendesse.
-Nasceu por si, e de si; foi uma formação espontanea; e comtudo vingou,
-cresceu, e aqui a estamos já hoje citando por modelo.
-
-Logo, onde quer que haja tres ou quatro cidadãos egualmente
-esclarecidos e zelosos, esses poderão o que estes poderam; e tanto
-mais facilmente ainda o poderão esses, quanto haverão, para os guiar,
-a experiencia dos seus predecessores, as lições do tempo para se
-amestrarem, e já maior favor publico para os influir.
-
-Começadas por pequeno mas forte nucleo nos pontos do territorio mais
-bem situados, ou mais bem relacionados para servirem de centros, as
-Sociedades promotoras da Agricultura não tardarão em se encorpar e
-robustecer, absorvendo e assimilando em si quantos homens, quantas
-influencias, quantos meios de acção, se encontrarem ao seu alcance.
-
-Estas Sociedades primordiaes, conviria talvez, que fossem tantas em
-numero, quantas são as terras, em que ha uma capital administrativa, e
-uma séde episcopal, ou mesmo uma só d’estas duas poderosas entidades.
-Sob a presidencia de taes cabeças, eil-as ahi podendo desde logo
-diffundir em torno de si, por toda a parte, Sociedades filiaes. Pelo
-Governador Civil, cada Administração de Concelho formaria a sua. Pelo
-Bispo, aggregar-se-hia uma á sombra de cada campanario.
-
-Algumas, bem o antevemos, abortariam pelo desfervor, pela ignorancia,
-ou pela impopularidade de um ou de outro d’estes agentes subalternos;
-mas outras pululariam, não semeadas, no logar d’essas; e, quando mesmo
-ficassem na seára, aqui ou acolá, algumas rareiras, paciencia; o fruto
-da restante sobraria para consolar.
-
-Por este systema, as luzes se diffundiriam dos grandes focos, por
-uma irradiação constante, para todos os pontos; e de todos os pontos
-convergiriam para os grandes centros as noticias dos resultados das
-tentativas, para ahi serem comparados, pesados, e formulados em regras;
-e o clamor das precisões locaes, para se lhes dar logo, ou se lhes
-sollicitar de mais alto, o competente remedio.
-
- * * * * *
-
-Imaginemo-nos já chegados ao tempo, em que taes votos sejam cumpridos.
-
-¡Que movimento nos espiritos! ¡que actividade nos homens! ¡que
-producção na terra! ¡que aproveitamento do tempo, das forças, e dos
-cabedaes! ¡que duplicação na sociabilidade! ¡que fraternisação das
-cidades com os campos! Desappareceram os mendigos; todos os braços
-acham trabalho; todo o trabalho cria pão; o Thesoiro recebe sem
-sacrificios, paga sem tergiversações, resgata o passado, olha para o
-futuro sem pavor, ouve bençãos em vez de maldições; da sua voragem
-vulcanica rebentou uma fonte, que nunca mais ha-de seccar; todo o Paiz
-ri, floreja, e canta; todas as aldeias enxameiam em creanças, como
-todas as charnecas em frutas e casaes; os rios e as estradas carreiam
-abastanças; bandeiras de todas as Nações se esvoaçam em cardume
-nos portos, permutando com os productos do solo as obras das suas
-industrias variadas, e ainda parte do seu oiro.
-
-Sim; a tamanho paraizo nos pode chegar a Agricultura, só com a mera
-protecção dos cidadãos; mas protecção crente, energica, regular, e
-inquebrantavel, sem até se necessitar de que o Governo directamente a
-coadjuve; basta que lhe não empeça, e lhe remova um ou outro estorvo
-grande e conhecido.
-
- * * * * *
-
-Desenhêmos agora em contornos as rodas d’esta machina de Sociedades,
-que tantos milagres ha-de perfazer, e indiquemos o seu movimento, e o
-seu jogo.
-
-Cada Sociedade-mãe terá sempre em vista dois objectos capitaes:
-
- infiltrar nos lavradores e operarios rusticos a possivel instrucção
- análoga, proporcionando-lhes, ao mesmo tempo, meios para
- aperfeiçoamentos; e
-
- sollicitar dos poderes supremos do Estado a promulgação de boas Leis
- agrarias, a revogação ou emenda das damnosas:
-
-O primeiro fim conseguil-o-hão:
-
- estabelecendo e augmentando continuamente, com discernimento e
- desvelo, uma bibliotheca de Agronomia, Veterinaria, Historia natural,
- e mais sciencias accessorias;
-
- dando ao publico, por via de catalogos impressos, uma noticia succinta
- de taes obras, facilitando o seu estudo a todos os interessados, quer
- sejam socios, quer não;
-
- discutindo nas suas sessões todos os pontos agronomicos de interesse
- local;
-
- recebendo, e até provocando, consultas sobre as materias duvidosas,
- procurando, por meio de estudo e debate, acudir-lhes com solução
- prompta;
-
- publicando um Jornal de Agricultura, accommodado principalmente á
- natureza, condições, circumstancias, interesses, illustração, e
- costumes, do seu Districto;
-
- por meio d’este Jornal aconselhando as sementeiras e plantações novas
- de vantagem bem averiguada, a importação de novos animaes uteis,
- ou de aperfeiçoadores das raças já existentes, bem como o uso dos
- instrumentos serviçaes, inventados ou aperfeiçoados;
-
- encarregando-se de mandar vir qualquer d’esses objectos para qualquer
- cidadão que lh’os encommende, mediante uma segurança que responda pelo
- reembolso;
-
- procurando ter, a par com a bibliotheca, um deposito de instrumentos
- e machinas, em grande ou em modelos, ou, quando menos, em estampas, e
- sempre franco;
-
- de algumas das machinas ou instrumentos tendo mesmo para alugar ou
- emprestar áquellas pessoas, que para os comprarem não possuirem meios;
-
- inserindo constantemente no seu periodico, em linguagem chan e
- sincera, o quadro das operações ruraes immediatas para o Districto
- agrario da sua residencia;
-
- renovando de anno para anno este trabalho, sempre a melhor;
-
- fazendo annualmente uma festa rural para distribuição de premios,
- tanto aos lavradores e creadores, como aos fabricantes de objectos de
- primeira necessidade, aos inventores e autores de alguma coisa util,
- aos mestres que mais fruto houverem produzido no ensino primario,
- e mesmo ao homem ou á mulher, que, por alguma excellencia moral,
- haja merecido um solemne testemunho de apreço e gratidão dos seus
- concidadãos;
-
- estabelecendo emfim, que esta festa rural caia, se fôr possivel,
- na estação formosa, e coincida com a principal romaria, ou festa
- religiosa, ou feira, do seu Districto, procurando imprimir n’este acto
- a maior solemnidade religiosa e civil; para o que, os Prelados e os
- Governadores Civis com a melhor vontade coadjuvarão.
-
-Quanto ao segundo fim, facilmente se desempenharão d’elle as
-Sociedades-mães, examinando, com circumspecção e madureza, por via
-de discussão nas suas sessões, e de publicidade no seu jornal, e em
-outros, os pontos carecentes de reformação legislativa ou executiva,
-quer em relação aos tributos e direitos, quer ás isenções, quer aos
-premios, quer aos tratados de commercio, quer ás communicações de terra
-e agua, etc.
-
- * * * * *
-
-Para quasi todas estas coisas necessitam de dinheiro as Sociedades
-mães; e nem é justo, nem prudente, pretender que sobre os homens
-zelosos que as compõem caia mais esse ónus; antes é nossa opinião,
-que de nenhum d’elles se deve exigir nem joia, nem mensalidade, nem
-quotisação. Pelo contrario: se fosse possivel, todos os que ás sessões
-concorressem, todos os que trabalhassem, haviam de ter direito a uma
-determinada remuneração, como em certas Academias Reaes e dotadas
-acontece. Fôra isso mais um penhor de estabilidade, mais um estimulo
-para acção.
-
-¿D’onde porém ha-de vir o dinheiro? de uma loteria annual do Districto,
-autorisada pelo Governo, e cujos premios poderiam ser em bens de raiz,
-animaes, e instrumentos agrarios; premios muito mais prestadios que o
-dinheiro, em relação aos fins do instituto.
-
-Poderia vir mais, de doações ou heranças (que não deixaria de as
-haver), logo que a experiencia houvesse demonstrado a firmeza e
-efficacia de taes institutos. Os documentos d’esta asserção acham-se
-em bom numero nas historias das Misericordias, Hospitaes, Albergarias,
-Casas-pias, Asylos de infancia e de velhice, e mais instituições de
-beneficencia, tanto dentro como fóra de Portugal.
-
-Poderia vir de beneficios nos theatros, assemblêas, phylarmonicas e
-outras.
-
-Poderia vir, e muito provavelmente viria, de christianissimas oblatas
-dos Prelados.
-
-Poderia vir do producto dos alugueres de animaes para creação, e de
-instrumentos.
-
-Poderia vir da venda dos jornaes, cathecismos, e mais obras uteis
-vulgarisadas pela mesma Sociedade.
-
-Poderia vir, finalmente, de uma quinta, ou predio exemplar, propriedade
-que cada uma das Sociedades mães deveria ter, para as suas experiencias
-e demonstrações praticas, e com que, ao mesmo tempo que ensinasse
-mudamente aos seus visinhos, redobraria a fé e fervor nos seus
-consocios.
-
-Em summa: tudo quanto concorresse para abastar, acreditar, influir,
-radicar, e perpetuar estas Sociedades, poderosissimos focos de
-fecundação, tudo seria para tentar e aproveitar.
-
-Quizeramos nós ver já chegado o tempo, em que cada uma d’estas
-Sociedades promotoras ha-de reunir no seu gremio todas as illustrações
-agricolas e scientificas dos seus contornos, todos os proprietarios
-territoriaes e industriaes, os philanthrophos e caritativos, os ricos
-e os negociantes, as autoridades e as forças de todo o genero, os
-mundanos mesmo, e até os avarentos.
-
-Tomáramos vel-a no meio de um torrão bem seu, bem cultivado, bem jardim
-e bem palmito; em casas suas bem suas, bem alegres, bem hospedeiras,
-bem convidativas; com a sua bibliothecasinha muito franca; com o seu
-deposito patente de instrumentos e machinas, arsenal de guerra contra a
-esterilidade.
-
-Tomáramos vel-a, centro attractivo para os passeios dos domingos por
-entre as hortas frescas, os pomares avergados, as searas luxuriantes, e
-os jardins ridentissimos.
-
-Ás conferencias de tão feiticeira corporação, ¿como deixariam de
-concorrer até as damas e os mancebos, com mais fervor que aos
-Parlamentos, quasi com tanto como aos theatros?
-
- * * * * *
-
-Eis collocadas as rodas grandes, ás quaes o juizo do Governo e o do
-publico hão-de servir de motor e mola real. Consideremos as pequenas
-rodas, as que, engranzadas com estas, e recebendo d’ellas o movimento
-hão-de ir actuar sobre cada pequeno lavrador, sobre cada palmo de
-terreno.
-
-São as Sociedades filiaes.
-
-Compôr-se ha cada uma d’ellas dos grandes ou pequenos cultores,
-proprietarios, e mais interessados da circumvisinhança, sob a
-presidencia do Parocho, do Administrador do Concelho, ou qualquer dos
-socios, preferido á pluralidade de votos.
-
-Reunir-se-hão em dias e horas, em que a cessação, dos trabalhos ruraes
-lhes dê vaga para discutirem, e aos não socios occasião para assistirem
-á discussão, e illustrar-se.
-
-O jornal da Sociedade-mãe subministrará a estas Sociedades-filhas assaz
-de pontos de sólido interesse, com que se occupem.
-
-Quando porém assim não aconteça, as conveniencias locaes são em toda a
-parte um thema inexgotavel.
-
-N’estas pequenas reuniões se elaborarão os projectos de melhoramento, e
-se procurarão os meios para se elles realisarem.
-
-Os melhoramentos podem depender unicamente de boa vontade e exforços
-dos moradores da terra; podem depender de soccorros intellectuaes ou
-materiaes da Sociedade-mãe; ou podem ser taes, que só o Throno, ou só
-o Parlamento, lhes abra caminho. No primeiro caso, a Sociedade-filial,
-por si e pelos seus adherentes, tratará de os realisar; no segundo
-caso, recorrerá á Sociedade-mãe para que lhe acuda. No terceiro,
-recorrerá ainda a ella, para que requeira, apadrinhe, e faça apadrinhar
-o requerimento.
-
-Cada uma das Sociedades filiaes estará pois em continua correspondencia
-com a respectiva Sociedade mãe, com mutua e manifesta utilidade; pois
-se, por um lado, as innovações e progressos podem vir das nações mais
-peritas em Agricultura até ao casal mais embrenhado nas serras, como,
-pela irrigação, as aguas, hauridas das entranhas da terra, vão desde o
-tanque que as recebe, até ao pé da plantinha mais afastada na fazenda,
-por outro lado, e em compensação, todas as phases e circumstancias das
-culturas parciaes, nas suas ultimas ramificações, convergirão, por que
-assim o digâmos, para o sensorio commum do Districto, habilitando-o
-d’est’arte a raciocinar, com exacção e segurança, sobre as necessidades
-e conveniencias de todos e de cada um.
-
- * * * * *
-
-A estas propostas, pede o rigor logico ajuntemos outra, que lhes valerá
-de complemento natural. Esta proposta, a mais importante de todas
-quantas se podem fazer, é a creação de um _Ministerio dos negocios da
-Agricultura_.
-
-N’este Ministerio se centralisariam as luzes de todas as
-Sociedades-mães. N’elle, como em um espelho concavo, se reuniria,
-transmittido por ellas, o conhecimento preciso de todas as fracções
-topographicas do Paiz; e, como de um espelho convexo, d’elle se
-dispartiriam para os pontos mais remotos, como para os mais proximos,
-providencias salvadoras.
-
-O Ministro da Agricultura, lavrador elle mesmo, comporia a sua
-Secretaría de homens da sua confiança, de reconhecida honra, patriotas,
-amantes da terra, agricultores, proprietarios ruraes, ou naturalistas.
-
-Auxiliado pelas luzes de taes empregados, pelas luzes e communicações
-da Imprensa, e pelas representações das Sociedades-mães, elle poderia
-não só dar quotidianamente mil providencias importantes comprehendidas
-nas suas attribuições, mas ainda apresentar ao Parlamento grandes
-projectos para Leis salvadoras, que não tardariam a ser sanccionadas.
-
- * * * * *
-
-Resumâmos-nos, e terminemos.
-
-Portugal está pobre; não tem para pagar as dividas; não tem para se
-manter; e de anno para anno se deteriora a sua sorte. O presente é um
-martyrio: o futuro, que deve resultar da continuação de tal presente,
-horrorisa a imaginação.
-
-Portugal está desatado; ha insociabilidade, ha odios mutuos e acerbos,
-e que, herdados e transmittidos pela educação, se tornarão ainda mais
-implacaveis.
-
-Portugal (consequencia legitima das duas verdades precedentes) tem
-a sua moralidade relaxada, ou perdida. O instincto de vida lhe está
-aconselhando Agricultura, como riqueza, como vinculo, como civilisação.
-
-Portugal tem terras, que pedem braços e população, e tem muitos
-milheiros celibatarios ociosos, que folgariam de as cultivar;
-tem um Exercito, que o devora, tanto quanto o podia opulentar, e
-cuja existencia se não abona por nenhuma sincera consideração de
-independencia, de paz, ou de ordem publica.[1]
-
-A philosophia, que festejou a abolição total das Ordens religiosas, a
-despeito de tão fortes argumentos moraes e juridicos, requer, sob pena
-de flagrante inconsequencia logica, a secularisação d’estes conventos
-militares.
-
-Quem expulsou os Frades, do claustro para a fome, ¿por que não
-convidaria os Soldados, do quartel para a lavoira? O paralello entre os
-Soldados e os Frades poderia ser extenso, e conteria um grande poder
-de argumentação _a fortiori_; mas é obvio; qualquer por si o fará em
-querendo.
-
-Portugal tem, afóra o Exercito, um crescido numero de individuos e de
-familias, que definham, que, litteralmente falando, morrem á fome.
-¿Qual d’essas familias, qual d’esses individuos, recusaria um torrão,
-fosse onde fosse, se todo o torrão, com a boa vontade, é meza posta?
-
-Dados á Agricultura operarios, que existem, e que lhe falecem, ella
-mesma pela sua energia vital intrinzeca se desenvolveria, pois vemos
-que assim mesmo, ao acaso e desajudada, lá começa a revolver-se
-para se querer alevantar. As Sociedades promotoras augmentariam e
-dirigiriam essa mesma energia, chegando com a sua acção, de um lado
-pelas Sociedades secundarias, até aos casaleiros; do outro lado, pelo
-seu crédito, pelas suas relações, pelo seu valimento, até ás Camaras
-legislativas e ao Governo. O Ministerio dos negocios da Agricultura
-daria unidade aos movimentos d’este vasto e bello corpo.
-
-Então o futuro estaria conquistado, as dividas mortas, os males sanados
-e esquecidos. Então haveria força publica, porque haveria fé; haveria
-em todos os corações amor da Patria, porque haveria a todos os olhos
-uma Patria para amar. A guerra interna seria impossivel. A guerra
-externa, se podesse jamais accommetter-nos, veria rebentar da terra
-exercitos invenciveis, porque defenderiam as suas lareiras, as suas
-hortas, e os seus filhos. O Thesoiro trasbordaria para todas as artes
-preciosas da paz, porque haveria fontes perennes e copiosas para a sua
-alimentação.
-
- * * * * *
-
-¿Será isto uma utopia?
-
-¡Utopia!... A utopia, a chymera, o absurdo, é pretender colher fruto
-de arvore sem raiz e carcomida de musgo; é presumir, que a um edificio
-arruinado se acode remendando lhe com barro, aqui e acolá, as paredes
-exteriormente; é cuidar, que se ressuscitará um afogado calcando-o
-para o fundo do lodo, e lançando-lhe penedos para cima. A utopia, a
-desgraça, e a miseria, é crer que as palavras, as estenographias, os
-algarismos, são capazes de crear coisa alguma. Creadores, abaixo de
-Deus, não os ha senão o campo, e o amor. O senso commum o sabe, e a
-Historia não sabe outra coisa.
-
-Feliz o Deputado, que entrasse pelas salas do Parlamento com um
-projecto de organisação agricola, egual ou semelhante a este, e,
-levantando o por cima da sua cabeça, exclamasse:
-
-«Por amor de vós e da vossa descendencia, salvemos a Patria, hoje que
-ainda é tempo. Adiemos, por consenso unanime, todas as outras questões
-alcunhadas maximas. Decidida esta, todas se haverão n’ella resolvido.»
-
- Setembro de 1848
-
-
-NOTAS DE RODAPÉ:
-
-[1] Na _Revista Universal_, artigo 1378 do 2.ᵒ volume p ponderámos
-falando no orçamento do Ministerio da Guerra.
-
-
-
-
- IV
-
- Continuação
-
- SUMMARIO
-
- A organisação de Sociedades, já proposta, não se deve regeitar,
- ainda que se reconheça por defeituosa.--Deseja o autor, que todos os
- homens de algum poder sejam utopistas como elle.--Liga promotora dos
- Interesses materiaes do Paiz; seu Elogio, com uma restricção.--Um
- Banco para adiantar dinheiro aos lavradores fará muito beneficio,
- mas só quando Parlamento e Governo agricolas houverem proporcionado
- ao lavrador instrucção, dado protecção aos seus trabalhos, aberto
- caminho, sahida, e emprego aos seus productos.--Outra vez Sociedades
- agricolas.--Propõem-se succintamente alguns alvitres.--Os estatutos
- das Sociedades uteis não pagarem direitos.--A importação de coisas
- uteis á Agricultura, premiada.--Premios aos melhores lavradores, aos
- introductores de novidades agrarias, aos autores e traductores de
- obras agronomicas praticas.--Quintas exemplares.--Mandae mancebos a
- outros paizes, habilitar-se para vir ensinar Agricultura.--Escolas de
- Agricultura volantes.--Projecto de Lei de premios.--Ordem do Arado.
-
-
-A organisação que deixámos proposta é susceptivel de modificações e
-melhoramentos; firmemente o acreditâmos. ¿Que se segue d’ahi? ¿que se
-regeite, porque em vez de optima é só boa? ¿porque em vez de boa é só
-medíocre? Absurdo.
-
-A consequencia discreta e prudente é que, examinada, se emende;
-emendada, se approve; approvada, se experimente; e confirmada pela
-experiencia, se conserve, se radique, se abençôe, e se aproveite.
-
-¿Não virá porém prematuro o alvitre? ¿Não estaremos cantando alvoradas
-a quem não está para acordar? ¡Ainda mal, que bem pode ser isso
-verdade! N’esse caso, desde já acceitâmos, antes que nol-o imponham,
-o epitheto de loucos; costumado e universal castigo de toda a vontade
-generosa, que primeiro mette o pé á vereda que algum dia tem de ser
-estrada.
-
-Oxalá, todavia, que alguns loucos sublimes, convencidos, como nós, de
-que já não temos salvação possivel senão pela Agricultura, e de que
-Portugal, como o Antheu da fabula, derrubado pelo Hercules do luxo,
-só da terra pode reassumir as perdidas forças, appareçam intrépidos
-a apostolar Agricultura; uns na Imprensa, que é a grande charrua de
-desbravar entendimentos; outros na tribuna, que é onde a rasão publica
-se concentra em Lei; outros no Governo, que é onde até sem Lei, não
-só ha, se não que sobram, forças para o bem; outros finalmente, e
-sobretudo, entre os cabeças administrativos, e os cabeças espirituaes
-do Povo.
-
-Para esses irmãos nossos em caridade e em patriotismo, é que vamos
-ainda escrever algumas poucas linhas das nossas solitarias utopias.
-
-Semeie o homem, que Deus a seu tempo fará nascer.
-
- * * * * *
-
-N’este momento lemos com a mais viva satisfação, em carta que nos chega
-de Lisboa, o seguinte:
-
-«Para melhorar a nossa Agricultura organisou-se agora aqui uma
-Sociedade, ou, por melhor dizer, Companhia, com o titulo de _Liga
-promotora dos Interesses materiaes do Paiz_, presidida pelo sr. Ayres
-de Sá Nogueira. O fim é agricola. Já celebraram duas sessões no salão
-grande do theatro de D. Maria II. Na ultima leu o Presidente um
-projecto, que reputava ancora de salvação, segundo o qual se deve crear
-um Banco rural em Lisboa, com o fundo de vinte milhões, em dinheiro,
-inscripções, apólices, tendo este Banco filiaes em todas as terras do
-Reino.»
-
-¡Bemvindo seja, e vingue, e prospére abençoado nas terras de Portugal,
-este tutelar pensamento! Filho é elle, talvez, do que já em 13 de
-Fevereiro d’este anno se propunha, se acceitava, e se applaudia na
-Sociedade promotora da Agricultura Michaelense, e que os nossos
-leitores se recordarão haver lido a paginas 36 e 37 do jornal d’aquella
-Sociedade (Assignalamos esta circumstancia, porque, se o alvitre foi
-de gloria para San-Miguel, a adopção do alvitre bom não honra menos
-a Portugal)[2]. Sim; é esta uma providencia, que alegra, e retinge
-de esperanças bem verdes o solo sobre que se alevanta; é como nuvem
-chuvosa, que se estende sobre o terreno requeimado e empobrecido do
-estio; todos os rostos se riem á sua aproximação; os visinhos dão aos
-visinhos os parabens; todos saem alvoroçados a receber-lhe as primeiras
-aguas; os rebanhos, mesmo a festejam; as aves a cantam, sacudindo as
-azas humidas; pela superficie da vegetação corre um frémito voluptuoso.
-
-Sim; grande e grandioso é o beneficio; ¿mas será elle bastante? não: as
-necessidades agrarias são variadas, numerosas, digamos infinitas. Mal
-se acode a uma, se a todas se não acode; pelo menos a muitissimas e ás
-principaes.
-
- * * * * *
-
-Suppomos, imaginamos já, o oiro e a prata a choverem á porta do
-lavrador na vespera da sementeira, da plantação, do arroteamento;
-¿e que digno uso fará o triste rustico d’esses meios de acção,
-d’essas forças que se lhe liberalisam, d’essa colheita, que se lhe
-antecipou ao trabalhar, se lhe minguam luzes de sciencia alheia, ou
-sua, que o dirijam? ¿vontade intima, que lhe dê impulso? ¿certeza,
-ou quasi certeza, de consumo ao que vai produzir? ¿Que fará emfim,
-se, ainda tendo tudo isto, Leis viciosas o avexarem no seu officio,
-lhe arrancarem os operarios e os filhos para a milicia, lhe multarem
-com tributos o suor, como se devêra multar a ociosidade, o luxo, e os
-vicios, e lhe exposerem a herdade a ser talada pela guerra civil, os
-bois do seu arado comidos, as ovelhas do seu adubío espingardeadas, o
-carro e as arvores do seu pomar convertidos em fogueiras para aquecer
-a tropa rôta, ou a guerrilha descalça e bandoleira que transita?
-N’uma palavra: ¿que aproveitará que o predio se lhe desentranhe em
-frutos, como uma cornucopia, se a estrada para o mercado não existe,
-se o rio convisinho, que deve transpôr, não tem ponte, se o que podia
-carrear-lhe os moios se obstruiu, e apodrece dormente pelas margens
-usurpadas?
-
-Eis aqui chagas velhas, asquerosas, e envenenadas, que a nossa
-Agricultura padece em todo o corpo, e para cujo curativo não é
-sufficiente balsamo um Banco rural.
-
-Se de veras queremos ser salvos, não ha remedio senão soccorrermo-nos
-a uma reforma e organisação franca, sincera, absoluta, cabal,
-completissima: Côrtes mais lavradoras que financeiras; mais lavradoras
-que politicas; ou antes muito _politicas_ por muito _lavradoras_;
-Leis agrarias, e mais Leis agrarias; e para todas as anti-agrarias
-suppressão e execração; um Ministerio da Agricultura fecundo, dadivoso,
-vigilante, e incançavel como o seu objecto; e, sobretudo, associação
-universal dos homens bons, dos homens intelligentes, dos homens de
-sciencia, dos homens de fortuna, dos homens de acção, dos homens de
-valimento, dos homens patriotas, dos homens de bem, dos homens homens,
-finalmente.
-
-Repitâmol o, ainda a risco de enfadar, e repitâmol-o, porque é
-Evangelho: não ha sacrificio, que, por grande, se deva recusar á
-terra, pois é ella só que possue o segredo, que os estadistas procuram
-cegamente nos livros e nos calculos. Não é no perseguir uns, no
-divinisar outros, e no trocar todos com perpetuo e devastador fluxo e
-refluxo; é no associal-os entre si, e reconcilial-os com a mãe-Terra,
-que está a condição facillima de todas as venturas.
-
- * * * * *
-
-As Sociedades promotoras, quaes as havemos bosquejado, seriam para
-o lado dos operarios rusticos pharol, bussola, thesoiro, conselho,
-estimulo, protecção, refugio, canal para a entrada dos gados, das
-sementes, dos instrumentos novos, e para a sahida e venda dos
-productos. Para a parte dos que governam seriam não menos pharol,
-não menos bussola, não menos thesoiro, não menos conselho, não menos
-estimulo, não menos protecção, não menos refugio, não menos segurança
-e felicidade; pois que a felicidade e segurança dos governantes, só da
-felicidade e segurança dos governados se compõe, e só d’ellas se pode
-compôr.
-
-Assumpto era este para interminaveis commentarios; mas estreiteza de
-papel, mas estreiteza ainda peor de vontade em quem nos ha-de ler (ou
-não ler) nos acovarda.
-
-Dizer tudo, não o podemos; tudo calar não nol-o soffre o coração.
-
-Vamos cerrar em epilogo mais algumas lembranças, que ahi fiquem já,
-de proposta á consideração das futuras e das presentes Sociedades
-agricolas, do futuro Ministerio da Agricultura, dos Deputados, e da
-Imprensa.
-
- * * * * *
-
-I--Se a associação é a mãe dos prodigios; se os que se associam dão,
-por voluntario tributo, tempo, trabalho, despezas, a um interesse
-publico; ¿não é repugnante contradicção que o Governo, representante
-natural de todos os publicos interesses, lhes carregue ainda os onus,
-e, a troco de uma illiberalissima sancção de seus estatutos, de uma
-inintelligivel licença para existirem, lhes exija nas secretarias uma
-avultada somma pecuniaria?
-
-¿Não deveriam antes as associações agricolas, as industriaes, as
-artisticas, as litterarias, e ainda as de mera e honesta recreação,
-ser tão livres como são em nossas casas os convites, os bailes e os
-festejos?
-
-E ainda mais: ¿as uteis não mereceriam, em vez d’esta compressão á
-nascença, premios e louvores segundo a sua importancia?
-
-II--¿A introducção de tudo quanto pode contribuir para o
-aperfeiçoamento da Agricultura não deveria ser, da mesma sorte, não só
-isenta de direito, senão ainda premiada?
-
-III--¿Não seria sobre modo util legislar mais premios, para os que no
-trato da Agricultura se extremassem? ¿Quem universalisou a cultura
-da batata, senão o premio? ¿Não deveria semelhantemente havel-os
-para todos os primeiros introductores de novidades agrarias, para os
-autores, mesmo para os traductores, de escriptos agronomicos de uso
-pratico, verbi-gratia imprimirem-se-lhes gratuitamente esses escritos
-pela Typographia Nacional?
-
-IV--¿Não é já tempo para a creação de quintas exemplares?
-
-V--¿Não seria ajuizadissima providencia enviar mancebos, previamente
-habilitados, matricular-se nas escolas agrarias praticas das nações
-adiantadas, os quaes, depois de viajadas a França, a Allemanha, a
-Inglaterra, a Italia, a Suissa, se recolhessem mestres e regeneradores
-para entre os seus conterraneos?
-
-VI--Os lavradores, os camponezes em geral, dir-se-hia que, semelhantes
-ás plantas, lançam não sei que raizes no torrão nativo. A ideia de se
-desviarem, mesmo para perto e para pouco tempo, lhes repugna; o seu
-viver tem as demarcações da sua fazenda. E depois, fallecer-lhes-hiam
-os haveres, para se irem tão longe á escola rural; os haveres, e o
-animo tambem, que entretanto ahi lhes ficava a herdade sem tutella,
-a casa sem escora, os paes alquebrados dos annos, sem bordão nem
-companhia.
-
-¿Não fôra logo uma providencia tão santa como philosophica e fecunda,
-fazer d’esses regressados viajantes--agrónomos, professores ambulantes
-de Agricultura, que se fossem de Districto em Districto, e de Provincia
-em Provincia, doutrinando como Apóstolos? ¿assentando hoje aqui a sua
-escola, á sombra da arvore rustica no alto do oiteiro, e tomando para
-thema da prégação os predios circumjacentes; os mais bem cultivados,
-assim como os mais errados e perdidos? ¿d’aqui a um mez, mais longe, em
-cima das médas da eira, por uma noite de luar, adubando os preceitos,
-no meio dos ouvintes apinhados, com episodios da sua Odyssêa por
-terras alheias, com apraziveis digressões, sempre bem vindas, sobre a
-Sabedoria e Liberalidade Divina?
-
-Como os Apóstolos antigos, estes evangelisadores do trabalho, em toda
-a parte assignalariam com milagres a sua passagem; as gandaras se
-transformariam em seáras debaixo de seus pés, em pomares e mattas por
-cima de suas cabeças; os baldios, em pastagens; os gados famintos, em
-lustrosos rebanhos e manadas; a arca mal cheia, em celleiros atulhados;
-a borôa sem conduto, em meza saborosa; a choça lodacenta, em casinha de
-sobrado e vidraças, com dois ou tres livros para o serão, um leito alvo
-e fôfo para a noite, e um oratorio, sempre enfeitado de flores frescas,
-para as acções de graças quotidianas.
-
-Tudo isto, que é infinito para a felicidade, o haveria feito o passeio
-de um só homem pela provincia.
-
-Quando elle houvesse passado, mandasseis muito nas boas horas o exactor
-dos tributos; não havia de voltar com as mãos vazias.
-
-VII--Seja-nos permittido citarmo-nos a nós mesmos, transcrevendo para
-este papel de consciencia o que em outro papel, tambem de consciencia,
-escreviamos em 17 de Abril de 1845, por occasião do relatorio do Barão
-Thénard sobre a admiravel Exposição da Industria franceza n’esse
-anno. O conselho que então davamos, ninguem dirá que fosse insensato,
-nem vergonhoso ou ruim de receber, nem que, recebido, podesse ser
-improductivo; e entretanto.... soou no deserto; não encontrou um só
-ecco pelo Parlamento, nem pelo Governo, nem pela Imprensa; ainda
-dormiam todos.
-
-Agora que já a miseria cresceu, em tres annos, mais tres seculos,
-repetimol-o. Pode ser que já alguem tenha acordado. ¡Oxalá!:
-
- «Reflicta-se no exemplo d’aquella grande Nação, a França, e cuide-se
- em o imitar. Lá a par da invenção, apparece constantemente o premio.
- Convidar e abrir salas aos productos da Industria, alguma coisa é, mas
- não basta. Para os espiritos capazes de crear, seja em que genero fôr,
- não ha estimulo como o do premio honorifico; e o premio honorifico, as
- medalhas de oiro, de prata, ou de bronze, recebendo-se como thesoiros,
- podem custar pouquissimo a quem as dá. Tantos não são os premiaveis
- n’este pequeno Reino, que hajam taes premios de montar a muito; e
- ¡oxalá que subissem a contos de réis! A esta verba nova de despeza
- do Estado corresponderia outra de receita milhares de vezes maior.
- Fundada no exemplo da França, dos Estados-unidos etc., parece-nos que
- nenhum serviço mais relevante poderia fazer a Sociedade promotora
- da Industria nacional, do que offerecer ao Governo, para elle
- apresentar ás Côrtes, um projecto de Lei de premios para os inventos
- e aperfeiçoamentos. A nossa proxima futura Exposição poderia sahir
- dez vezes máis esplendida e animadora, que a passada. ¿E não conviria
- até, e não seria inteiramente conforme com o espirito d’este seculo,
- crear uma Ordem nova especial para os benemeritos da Industria, como
- nos tempos guerreiros se creavam tantas para os extremados no exforço?
- ¿Será mais honrosa, e será sobre tudo mais util, a heroicidade
- militar, que o engenho creador e renovador da terra?»
-
-Assim bradavamos nós em favor de todos os generos de Industria.
-
-Hoje limitamos o requerimento á Industria mãe de todas: á Agricultura.
-
- * * * * *
-
-Homens, que o Povo escolhe e envia, e a quem paga, para lhe formulardes
-em Leis a sua vontade, mostrae-vos dignos de tão alta missão; decretae
-a ORDEM DO ARADO.
-
- Outubro de 1848.
-
-
-NOTAS DE RODAPÉ:
-
-[2] Pode consultar-se o _Agricultor Michaelense_, publicação mensal,
-orgam da Sociedade, n.ᵒ 2, de Fevereiro de 1848. Refere-se Castilho a
-uma proposta do seu consocio José do Canto, intitulada _Banco Rural_.
-
- NOTA DOS EDITORES
-
-
-
-
- V
-
- Côrtes agricolas
-
- SUMMARIO
-
- A Patria está em perigo; deve-se deixar de curandeiros. O campo e o
- trabalho hão-de salval-a.--Singular historia de um mancebo Inglez.--O
- regresso da Agricultura não é desagradavel, nem vil, nem rude; e é o
- unico possivel para nós.--Desenvolve-se a já tocada idéia de Côrtes
- de lavradores.--Prova-se, que só por este meio teremos Governo, que
- mereça o nome de representativo.--Quadro de um tal Parlamento.
-
-
-Não saiâmos da cabeceira da nossa querida e atribulada enferma.
-
-Foi poderosa, opulenta, rainha, e bella; jaz sem forças, nua,
-desprezada, e agonisante; só a belleza não perdeu ainda. De mais,
-é nossa mãe. D’ella e n’ella nos formámos e nos nutrimos; d’ella
-recebemos a vida, a fala, as orações da infancia, os conhecimentos,
-os brasões, as glorias de todo o genero; d’ella os objectos de todas
-nossas affeições mais intimas. O seu ser é o nosso ser; os seus
-infortunios são nossos; a nossa prosperidade seria a sua.
-
-Gratidão, piedade, interesse, sentimento religioso, nos obrigam a não
-desamparar a Patria, em quanto respira.
-
-Superior a ella, não ha senão o genero humano, como acima do genero
-humano só ha Deus.
-
-Mas, pela admiravel harmonia, com que a universalidade das coisas está
-ligada, não só a Deus e ao genero humano serve quem serve á Patria, se
-não que serve ainda á familia, e ao seu proprio individuo.
-
-Irmãos, não nol-o dissimulemos: a enfermidade de nossa mãe é grave;
-os seus males, complicados e antigos; o seu virar-se e revirar-se tão
-a miudo, sem poder estar de lado algum, prova desequilibrio geral nos
-principios vitaes. Se a queremos salvar, e salvar-nos, não ha remedio
-senão lançar fóra todas as beberagens, com que medicos e charlatães
-nol-a teem peorado de dia para dia, e recorrer a novo tratamento.
-¿Mas qual? o que muitas vezes tem salvo a doentes já desenganados da
-medicina: os ares e os exercicios do campo.
-
- * * * * *
-
-Um mancebo Inglez, nobre, opulento, e excessivamente mimoso da fortuna,
-via-se chegado pelos prazeres á insensibilidade, e pelo abuso da vida
-ao inevitavel termo d’ella. A Natureza o abandonava; a alma se lhe
-anoitecêra; no coração mesmo não lhe vicejava já um só desejo, a não
-ser o vago instincto de existencia, que é o _ultimum moriens_. Nem a
-mocidade nem a fortuna tinham já forças para reanimar a sua victima.
-A sciencia, baldadas as derradeiras tentativas, lhe voltára as costas
-confusa e desconsolada. Não era um moribundo aquelle homem; era um
-morto. Para ser enterrado só lhe faltava o acabar de cahir.
-
-Em Paris estava; estatua entre danças; acipreste entre flores;
-holocausto entre fragrancias e musicas; e o seu derradeiro sol ia
-pôr-se. Reune os servos; despede se d’elles, que choram recebendo os
-copiosos effeitos da sua liberalidade. Cerra n’um cofre os papeis,
-algumas joias, e um retrato de mulher formosa... que se esquece de
-beijar; e, guardando a chave, entrega ao seu hospedeiro este deposito,
-com tal declaração de ultima vontade:
-
---«Se eu não voltar dentro em um anno, arrombae este cofre; arrecadae
-para vós as preciosidades que n’elle achardes; o de mais, que vos seria
-inutil, remettei para Londres á pessoa que ahi mesmo fica designada.»
-
-Não era ainda passado o anno, e já todos, os que o haviam conhecido,
-consagravam saudade e algumas lagrimas... (talvez uma lagrima)
-ao prematuro e ignorado fim de um mancebo amavel e bom, a quem a
-felicidade se azedára em morte.
-
-¡Eil-o que reapparece, como que de baixo da terra!
-
-¡Mas quão outro!¡ reverdecido e florescente! o rosto alto; as faces
-risonhas; os olhos vívidos; andar ligeiro; todos os movimentos faceis e
-graciosos. O semblante crestado revéla que foi o sol e a Natureza quem
-o retemperou.
-
-Pede o seu cofre; abre-o com alvoroço; dá as joias ao seu depositario
-fiel; mas o retrato.... ¡beija-o com lagrimas, com alegria, com
-soffreguidão! ressuscitára-lhe o coração com a saude.
-
-¿Que feiticeira, ou que magico, operou tamanho prodigio? o TRABALHO, e
-a NATUREZA.
-
-O pouco vigor que lhe restava, empregou-o, como quem põe a ultima peça
-de cobre n’um jogo de parar, na tentativa de um viver duro e sóbrio;
-metteu-se ás estradas, obscuro moço de cavalgaduras; sujeitou-se a
-todos os caprichos dos viajantes, das estações e do acaso; despejou
-a pé, a léguas e léguas, e muitas vezes de um só fôlego, os caminhos
-mais asperos, como os suaves, por soes e chuvas, por neves e ventanias;
-dormiu contente onde a sorte lh’o deparou: aqui sobre o feno, ou ao
-lume; além entre lençoes; mais longe na terra nua e humida; a fome,
-cosinheiro optimo, lhe temperou o pão negro e os legumes grosseiros;
-o costume dentro em pouco lhe tornou agradavel o remedio, a principio
-amargoso. O exforço, que lhe reconquistára a existencia, ficou para
-lh’a guardar.
-
-A historia d’aquelle mancebo podéra ser lição para Nações. O luxo e
-o desconcerto tambem as matam, como aos individuos. Tambem, como aos
-individuos, o Trabalho e a Natureza as podem ressuscitar.
-
- * * * * *
-
-De mais, a occupação agricola para um povo nem sequer é desabrida.
-Se tem espinhos.... verdura, flores, e frutos lh’os disfarçam. Se a
-sua lida é continua, a variedade a acompanha; se lhe chamam canceira,
-ella é saude; se pobreza, ella a fonte de todos os haveres; se obscura
-e humilde, ella a menos dependente; se rude, ella a mais cheia de
-conhecimentos praticos, a mais visinha do Creador, e, como tal, a mais
-fecunda em inspirações.
-
-Accrescentemos que para Portugal não ha já hoje outra occupação
-possivel.
-
-¿A conquista? não. ¿Os descobrimentos? não. ¿As minas? não. ¿A
-industria? não. As nossas conquistas, os nossos descobrimentos, as
-nossas minas, a nossa industria, é o solo da Patria. É o unico mister
-para que ainda nos restam braços, instrumentos, forças, e liberdade. É
-o unico lavor, em que nenhumas invejas estrangeiras perigosas hão-de
-vir perturbar-nos.
-
-O Sceptro de D. Affonso Henriques, e o de D. Manuel, perderam-se; o de
-D. José quebrou-se. Sceptro, e não escárneo, só pode ser hoje no Throno
-Portuguez o de D. Sancho I, e o de D. Diniz.
-
- * * * * *
-
-Em um dos nossos precedentes artigos suscitámos a ideia de Côrtes
-lavradoras.
-
-Este assumpto, que desde então não cessámos ainda de considerar, cada
-vez se nos representa mais fundamental, e mais ponderoso para a nova
-e desejada reformação; e isto por muitas rasões; mas principalmente
-porque é por Leis novas que a Agricultura só pode ser protegida: e
-essas Leis, quanto mais agricola for o Parlamento que as dictar, tanto
-mais concretas e acertadas hão-de sahir.
-
- Quem primeiro estreou na terra virgem
- o arado creador, primeiro aos homens
- deu macio sustento em aureas messes,
- e em meditadas Leis costumes, Patria,
- Céres foi; tudo é dádiva de Céres.
-
-São palavras postas bem dignamente na bocca de uma das Musas por um dos
-maiores poetas do mundo, por Ovidio, que amava e praticava tambem a
-Agricultura, e, onde convinha, sabia elevar-se á Philosophia.
-
- * * * * *
-
-Como faremos nós, porém, para que o Parlamento se componha de
-verdadeiros representantes dos interesses agricolas?
-
-Excellentemente; facillimamente: associando-nos desde já, por toda a
-parte, para trabalharmos para as primeiras eleições _nacionaes_ em
-sentido _nacional_.
-
-Que as sociedades secretas enredem e machinem, no esconderijo das
-noites, para a candidatura dos seus politicos. Reunâmo-nos nós, ao
-olho do sol dos domingos, depois da Missa do dia, sobre a relva do
-adro de cada Parochia rural, a discutir qual é dos visinhos o que
-melhor cultiva a terra da Patria, o que tem mostrado mais sincero
-amor á lavoira, aos operarios, aos filhos, e a toda a familia; mais
-caridade para com os indigentes, mais desvelo para com os animaes
-do seu uso, mais observancia das Leis, mais actividade no grangear,
-mais innocencia e concerto no viver. Descobertas essas phénices (que
-existem, e depressa se descobrem) dêmo-nos fortemente as mãos para não
-commettermos a outrem os mais caros dos nossos interesses. Façâmos
-d’estas listas de consciencia, que possam entrar sem vergonha na urna,
-só então propriamente collocada na casa de Deus e da oração.
-
-E em verdade: ¡com que despejo se ousa ainda, depois de vinte e oito
-annos de experiencia e demonstração[3], chamar _representante_ ou
-_mandatario_, de Gôa ou dos Açores, o homem, de quem os Açores e Gôa
-não ouviram jámais falar, e que nem talvez, em carta geographica,
-jámais os visse!
-
-¿Como veio o alemtejano procurador de Traz-os-montes, e o minhoto do
-Alemtejo, e quasi sempre o lisboeta de toda a parte, quando o triste
-(ou antes o alegre) tudo ignora de todo o Reino, afóra os corredores de
-S. Carlos, as alamedas do Passeio Publico, as galerias de S. Bento, e
-as arcadas do Terreiro do Paço, d’onde se sobe para as secretarias onde
-se requer?
-
-Eleições de facção. Eleições de dependencia. Eleições de compra,
-ou de compadria. Eleições sem côr, ao menos, de verosemelhança
-ou possibilidade. Eleições sem eleição. Eleições verdadeiramente
-fabricadas nas trevas, e para trevas. Comedia, que seria para rir,
-se não fosse para chorar, e mais van cem vezes que as dos tablados,
-pois que ahi, ao menos, se o actor não é a personagem que representa,
-apparece falando acertadamente como ella, e advogando nos termos
-proprios os seus interesses.
-
-¿Fazem-no assim os representantes parlamentares? Pedi, a uma e uma,
-a cada Provincia, que vos mostre o rol dos beneficios, de que foi
-devedora ás diligencias da maior parte dos desconhecidos mandatarios em
-quem votou.
-
-Uma reforma para fazer, até por Lei, seria que ninguem podesse dar o
-seu suffragio a cidadão fora do seu districto demarcado. Então sim, que
-poderia existir de veras representação nacional. Os subornos seriam
-ainda possiveis, assim como os enganos de vontade, e as fraudes; mas
-do mero possivel ao certo, ao constante, ao inevitavel, vai infinita
-distancia; e de dois methodos viciosos (mormente onde se trata da
-felicidade de um Povo) é sempre ao menos vicioso que se deve dar a
-preferencia.
-
- * * * * *
-
-Ao Governo monarchico absoluto pôz a philosophia uma accusação
-peremptoria; a saber: a falsidade manifesta, e conseguintemente a
-nullidade, do seu fundamento unico, o _Direito Divino_.
-
-¿Aos olhos d’essa mesma philosophia, como poderemos nós sustentar o
-chamado _regimen liberal_, se a sua base, tambem unica, a representação
-do Povo, fôr manifestamente uma chimera? ¿Ha ahi quem negue que ella o
-seja? ¿Onde está elle? ¿em que parcialidade? ¿e como o provaria?
-
-Confessemos, meus amigos, que todos havemos peccado até hoje um
-grande peccado contra a Liberdade e contra a Patria, e contra a nossa
-consciencia, e contra o senso commum. Confessemol-o, que será nobre,
-e sobre tudo será util, a confissão, pois a ella se poderá seguir a
-vergonha, á vergonha a emenda, e á emenda o remedio.
-
- * * * * *
-
-As sociedades eleitoraes, uma vez instituidas, poderiam estender a sua
-acção benefica a muito mais que á escolha e nomeação dos Legisladores.
-Não falamos já nas Juntas de Parochia, cujas attribuições, em ponto
-pequeno, são relevantes; mas as Camaras dos Municipios não são talvez
-de menos importancia que o Parlamento mesmo; já pela sua influencia,
-mais ou menos directa, na feitura dos Deputados, e na formação da
-Junta geral do Districto e do Conselho de Districto, isto é na acção
-legislativa e na administrativa, já pelas suas proprias attribuições
-municipaes, isto é maternaes, domesticas, e economicas.
-
-Em quanto só se procurarem campeões da Politica para Vereadores,
-como geralmente se costuma, os campos e as aldeias, a lavoira, e mil
-pequenas industrias, só terão padrastos em vez de paes.
-
-N’uma palavra:
-
-Para que o Systema representativo seja uma realidade, uma formosura,
-uma salvação; para que se coadune com o entendimento, com a
-vontade, com os multiplicadissimos interesses de todos; não é só
-util e necessario, é indispensavel, que os cargos electivos, de
-qualquer natureza que sejam, se dêem segundo as aptidões, para bem
-se preencherem sem respeito algum ás opiniões politicas, nem á
-indifferença e á incredulidade, pois muita gente ha ahi hoje, e da
-melhor em consciencia e em patriotismo, a quem tão longas decepções
-tornaram incrédula, e apparentemente indifferentista sobre os negocios
-publicos.
-
-Não nos explicámos bem. Ha muita gente, que, enfadada de ver a
-Politica substituida constantemente pela individualidade, as coisas
-pelas pessoas, e os principios pelas ambições, não vai enxovalhar
-o seu patriotismo na tauromachia das eleições, nem nas orgias
-dos clubs; conserva latente, e como que de reserva para melhores
-tempos, o seu patriotismo; mas que, chegada a hora de o mostrar por
-obras, o presentará inteiro, energico, productivo, desinteressado,
-incorruptivel, e inquebrantavel.
-
-Eis ahi, sobre tudo, os salvadores de que havemos grandemente mistér
-para Deputados, para Vereadôres, para Conselheiros de Districto,
-para membros da Junta geral de Districto, e das Juntas de Parochia,
-em summa, para todos os postos que forem electivos, desde a base
-até ao vértice da pyramide; ¡e oxalá que electivos fossem todos os
-cargos, havendo, por toda a parte para as eleições a confederação, que
-propomos, dos homens sinceros, de bem, e patrioticos! assim como ¡oxalá
-não houvesse um só cargo electivo em quanto a eleição fosse uma mentira
-e uma injuria! injuria tanto para os que diante da urna arremedam
-votar, lançando listas que não leram, como para aquelles sobre quem
-taes escolhas recaem; como para quem, no fundo de espeluncas, fabricou
-a seu bel praser essa expressão de uma vontade popular que não existe.
-
-Este alvitre, este conselho, esta supplica, que a philosophia, que a
-honra, que o santo amor da Patria dirigem a todos e a cada um de nós,
-só os ambiciosos vís, só os mal amigos da Patria, só os insensatos, os
-poderiam repellir.
-
-Maravilhosamente salutares para os governados, elles o são não menos
-para os governantes. O Rei, o Ministerio, que por esta estrada franca e
-descoberta uma vez se resolvessem a caminhar, seriam o mais popular e o
-mais abençoado dos Reis, e o mais duradoiro de todos os Ministerios.
-
-As revoluções não nascem de mais de tres causas: o horror instinctivo
-do homem para com o engano, para com a violencia, e para com a fome.
-
-O Governo representativo, assim, não seria uma burla; as consciencias
-fariam a sua obra sem coacção; e, por uma consequencia necessaria, Leis
-boas trariam por toda a parte abundancia, e com ella contentamento e
-bons costumes.
-
-O Povo, que não é jamais suicida, e tem um maravilhoso instincto do
-bem, defenderia como arca de alliança o Governo que a taes destinos o
-houvesse conduzido.
-
-... _Deus nobis hæc otia fecit._
-
- * * * * *
-
-Limitemo-nos porém ao nosso ponto primario, Côrtes agricolas, pois,
-conseguidas ellas, por ellas, que fazem as Leis, facilmente se
-conseguirão todas as outras necessarias innovações.
-
-Seja pois o incançavel empenho das sociedades eleitoraes, que desde já
-se devem formar, o contrabalançar, vencer, e destruir, a influencia
-maléfica das sociedades eleitoraes já existentes, secretas ou publicas,
-mas todas ellas exclusivamente _politicas_; diversas entre si, e até
-inimigas mutuas, mas todas comprovadamente impotentes para bemfazer.
-
-Á vista da incontestabilidade de ser a Agricultura a que só nos pode
-restaurar, poderia perguntar-se: ¿Não conviria votar unicamente em
-agricultores para Deputados?
-
-A nossa opinião é que o Parlamento deve conter de tudo; sem o que, não
-seria representação _nacional_; e por outra parte, a não ser assim, se
-acharia carecente de muitos conhecimentos necessarios. Entretanto, pela
-mesma rasão de dever elle ser representação _nacional_, deve compôr-se
-de lavradores a sua grande maioria, pois ou em exercicio, ou em
-propriedade, lavradora é, e lavradora deve ser, a pluralidade da nossa
-gente.
-
-Entretanto, como as nossas associações eleitoraes não hão-de ser as
-unicas a trabalhar, como as do egoismo mal entendido e incorrigivel
-hão-de sempre existir, e sollicitar com tanto mais força, quanto mais
-se sentirem contrastadas pelas nossas diligencias, prudentissimo
-arbitrio fôra que nos cerrassemos nós outros em esquadrão, para só
-votarmos em lavradores, e, quando muito, em um ou outro industrial
-benemerito e de esperanças. ¡Felizes, ainda assim, se os nossos eleitos
-constituissem a maioria, e se os exforços e machinações dos inimigos
-só lograssem pôr na teia parlamentar a proporcionada e necessaria
-mescla dos outros interesses secundarios!
-
- * * * * *
-
-Outra consideração, que muita força nos faz para instarmos pela maioria
-agricola no Congresso, é que, mesmo para só equilibrar os interesses
-da terra com todos os outros bem ou mal entendidos interesses, é
-indispensavel que os partidarios dos primeiros sejam muito mais
-numerosos que os dos segundos.
-
-A Arithmetica, com parecer de exacção absoluta, é, por via de regra,
-em coisas moraes, a mais erronea de todas as medidas. As decisões por
-votos nol-o provam a cada hora: nas assembleas _dez_ podem ser mais que
-_cem_, e todos os dias o são.
-
-Christovão Colombo era um só contra toda uma armada; Galileu um só
-contra todo o mundo: e todavia, com um só voto contra tantos, a America
-descobriu-se, e a Terra move-se.
-
-Não pretendemos inferir d’aqui o absurdo de que se outorgue a palma
-ás minorias; a nossa consequencia d’aquelle principio inquestionavel
-é que n’uma corporação destinada a um grande fim social, mas que por
-força tem de ser composta de elementos heterogeneos, alguns nullos, e
-não poucos hostis, se os presumptivos partidarios da boa causa são por
-sua natureza menos atrevidos e influentes que os seus antagonistas,
-só pelo excesso do numero é que poderão compensar o que em forças e
-importancia lhes falleça; e portanto, se ambicionâmos que triumphe a
-boa causa, temos de fazer pela quantidade d’elles a compensação da sua
-qualidade.
-
-Os filhos dos campos, qualquer jerarchia, educação, illustração, que
-aliás lhes supponhâmos, teem, em toda a parte, em presença dos filhos
-das Cidades, um não-sei-quê de pudor e timidez, que parece ser fruto
-indigena da solidão. Como as creanças e as mulheres, perdem elles
-metade das suas forças e recursos naturaes, logo que sentem que são
-observados. A duplice desconfiança em que estão, por uma parte, da
-sua rudez, por outra, da superioridade e maligno escarneo dos bem
-falantes, lustrosos, e regalados moradores das cidades, onde elles só
-entram como fornecedores e servos, quebra-lhes metade da sua energia
-varonil. Creados com o falar sóbrio, chão, e sem atavios, não só a
-eloquencia dos fazedores de phrases os deslumbra, mas até a verbosidade
-esteril os enleia e os sophisma; esgrimindo com arrogancia, se os não
-convence, muitas vezes lhes desarma o bom senso, só forte da sua força
-intrinzeca. Finalmente, a tatica e estrategia parlamentar, sciencia
-occulta que se não aprende em poucos dias, por mais predisposição que
-se tenha para desleal e ruim, hão-de sempre trazer o pobre aldeão
-sincero como vendido, romper-lhe as fileiras no fervor do combate,
-voltar-lhe as armas contra si, precipital-o em ciladas, converter-lhe
-a miudo a victoria ganha em derrota, endoidecel-o, desgostal-o, e
-pôl-o em fuga para o seu campo amado, que o conhece, e que é d’elle
-conhecido, e para entre os seus visinhos, cujos enganos elle sabe
-antever e illudir.
-
-É por tudo isto que, se o numero os não affoitar, elles serão sempre
-derrotados; e o beneficio, que á Patria poderiam fazer, se mallogrará
-a despeito das suas consciencias, sans como os seus ares, e das suas
-rasões, robustas, mas informes como os seus troncos.
-
-Estas Côrtes levariam ainda muitas outras vantagens a quantas para
-ahi se nos teem feito em nosso nome. As provincias, pelo trato mutuo
-dos seus representantes, ficar-se-hiam conhecendo; fraternisariam;
-aprenderiam, umas de outras, com que adiantar ou aperfeiçoar as suas
-culturas.
-
-Seria applicar á primeira das artes beneficios proporcionaes aos
-que as luzes superiores teem ultimamente recebido dos _Congressos
-scientificos_.
-
-Ainda mais, e ainda melhor: o Rei, que tudo deve presencear, e não pode
-demover-se do seu Throno, ouviria e veria d’est’arte as provincias;
-abrangeria com a imaginação, com o amor, e com as providencias, alguma
-coisa mais que o recinto confuso da sua Capital.
-
- * * * * *
-
-Pintae, meus amigos, desde já, na phantasia, o que serão taes Côrtes,
-se a Divina Bondade nol-as tem de outorgar:
-
-Homens fortes, sizudos, vestidos do seu linho, e modestas lans fiadas e
-tecidas por suas filhas e companheiras; condecorados, não com fitas,
-mas com os honrosos calos da charrua; não frizados pelo cabelleireiro
-parisiense, mas com o semblante bello de hombridade, e crestado dos
-soes; sem pomposos nomes herdados, mas creando cada um d’elles um,
-de que seus descendentes se não hão-de envergonhar. Madrugam para o
-grangeio da Patria, como lá costumavam fazel-o para o da fazenda;
-aproveitam em cheio as horas, como nos dias apressados da sementeira.
-As suas vozes, sem outras entoações que as da convicção e do affecto,
-expõem as verdades com a graça inimitavel da nudez, como na eira do
-seu casal deixavam espairecer sem vestidos os seus filhinhos e netos.
-Os seus discursos são como os seus predios: frutos, e não jardins;
-pão, gado, azeite, vinho, madeira de córte, em vez de flores ephémeras
-e estéreis. As suas argumentações não lh’as ensinou a logica das
-assemblêas, essa perigosa tintureira de verdades e mentiras; dos factos
-positivos lhes saem sem exforço as consequencias, como do grão do trigo
-a espiga do trigo, do caroço a arvore, e do amor dos homens a virtude.
-
-Os talentos, as boas vontades, as emprezas promettedoras, não expirarão
-á mingua; elles sabem que uma pouca de rega tem dado vida e fruto a
-muito pomar. Não mesquinharão os salarios ao trabalho, mas exigirão que
-o trabalho os mereça, porque ouviram ao seu Pastor ler no Evangelho,
-que se não deve amarrar a bocca ao animal que está suando na debulha.
-Não sorriem com philosophica sobranceria do que se refere ao unico
-principio sólido de toda a moral humana; elles presencearam sempre,
-assim como o carvalho da serra e a hervinha emboscada no vallado, que
-luz e calor não procedem senão de cima. Ao votar, não interrogam os
-olhos ou os acenos de ninguem; ¿perguntaram elles jamais se se devia
-plantar na estação propria, ou se ao rebanho sequioso se havia de dar
-de beber? Os motivos ruins, não os entendem; ¿que insensato dispôz
-nunca tojos e espinheiros na herdade amanhada para o manter? O medo
-das contrariedades não lhes tolhe pugnar pelo que é de sua natureza
-prestadio; estão affeitos a ver as intempéries das estações ameaçarem
-a seára, e a seára, por derradeiro, encher a tulha. Ignoram a sciencia
-dos financeiros, mas sabem que a diligencia e a boa-fé grangeiam
-cabedaes. Os pontos duvidosos, meditam n-os antes de os decidir, como
-antes de comprar uma courella examinavam comsigo e com os visinhos a
-indole do chão, as conveniencias e as desconveniencias do seu fabrico.
-Não armam á fama, nem trepidam diante das injurias; as phrases dos
-periodicos malignos, como as dos lisonjeiros, lhes resvalam pelo ouvido
-sem entrar; ¿ha-de-se deter a junta de bois no meio do sulco, porque
-zuniu o mosquito?
-
-No fim de cada sessão, retiram-se contentes do que fizeram, para
-meditarem, cada um a sós, com o seu entendimento e coração, o que lhes
-resta para fazer. O amor do genero humano é o seu ultimo pensamento
-antes de adormecer; a ventura da sua aldeia, da sua provincia, e da
-Patria, o seu sonho de toda a noite, de todas as noites, e de todos os
-dias.
-
- * * * * *
-
-¡Oh! ¡meu abençoado Parlamento de lavradores! Semelhante ao enxame
-industrioso, vós fabricareis sem estrondo, do que ha mais bello e
-amavel sobre a terra: para ella o oiro liquido e medicinal do mel, para
-o Ceo os santos lumes dos altares.
-
-Como vós, todos nós gosaremos da doçura que houverdes preparado; só
-os zangãos vos odiarão. A vossa Rainha, no cimo da colmeia, feliz e
-abençoada, não terá inveja aos maiores Soberanos.
-
-¡Oh! ¡podesse Ella, entre os seus innocentes e maternaes sonhos de
-ante-manhan, perceber, levados por algum Genio de amor, uns eccos
-sequer d’estes nossos votos!
-
-O seu entendimento avaliaria quanto ha de intrinzeca bondade, e de
-affecto aos homens, e de devoção para com Ella mesma, n’estes votos de
-Portuguez.
-
-A felicidade de um Povo, e a de quem o rege, são uma e indivisivel.
-
- Novembro de 1848.
-
-
-NOTAS DE RODAPÉ:
-
-[3] Castilho começa aqui a datar o aprendizado constitucional desde a
-revolução de 1820.
-
- OS EDITORES.
-
-
-
-
- VI
-
- O Clero, e as Mulheres
-
- SUMMARIO
-
- Na obra proposta, para todos ha tarefa: a dos escriptores é semear
- a palavra.--Defensa e apologia do Clero; necessidade e modo de o
- reformar.--Os Bispos, eleitos pelo Povo, apresentados pelo Governo,
- confirmados pelo Pontifice.--Um Seminario para cada Bispado, em
- que se ensinem, com as sciencias moraes e mysticas, os rudimentos
- das sciencias terrestres mais necessarias.--As Parochias providas
- pelos respectivos Bispos, e modo como.--Vantagens que d’ahi
- resultarão.--Justo panegyrico das mulheres.--Reivindicação para ellas
- do direito de votação.--Bens, que de um tal acto de justiça deveriam
- advir á sociedade.
-
-
-Os pensamentos do nosso coração acharam eccos; é porque o santo amor
-da terra e dos homens não morre nunca. O fogo existia; a nossa voz não
-fez mais do que assoprar de cima de uma parte d’elle a cinza que o
-occultava.
-
-¿Com tão felizes auspicios, como poderiamos nós deixar de proseguir?
-Prosigâmos; não já a sonhar em voz alta, mas em voz alta a meditar, a
-propôr, a pedir.
-
- * * * * *
-
-Concordes estamos (dir-se-hia que por uma inspiração salvadora,
-baixada na hora da angustia sobre todos nós ao mesmo tempo) concordes
-estamos, e convencidos, de que só a associação das nossas forças, tão
-malbaratadas até agora em mutuamente se espedaçarem, e apesar d’isso
-ainda tão grandes, tão sufficientes para uma façanha; applicando-se com
-fé, com ardor, com perseverança, á Agricultura, pode não só aguentar as
-nossas cidades, que a lanço e lanço se desabam, mas fundal-as novas,
-dilatar e multiplicar as aldeias, engrinaldadas de vegetação frutifera,
-transformar a guerra em amor, a mendicidade em trabalho, o roubo, a
-venalidade, a agiotagem, a alcunhada _politica_, e a prostituição,
-essas outras mendicidades, muito mais torpes e odiosas, em honesta e
-folgada vida, em producção, em virtude, em paz, em contentamento, em
-gloria, em liberdade, em poderio.
-
-Fomos um grande Portugal; em nossa mão está sermos, e breve, um
-Portugal ainda maior, mais formoso, mais seguro, mais festejado, mais
-attractivo para estrangeiros, mais hospedador de suas prendas, de suas
-artes, de suas sciencias, de sua multiplice civilisação.
-
-Queirâmos; queirâmos de veras. Congreguemo-nos fraternalmente; os dos
-campos, nos campos; os da cidade, com os olhos n’elles. Lavremos e
-semeemos todos; uns com o ferro e o grão, outros com o oiro, outros
-com a doutrina, que tambem é oiro; os legisladores com as Leis; os
-magistrados com a protecção; e nós, nós os apóstolos descalços, a quem
-a Providencia recusou terra, oiro, sciencia, e autoridade, mas a quem,
-em compensação de tudo isso, outorgou alguma alma e muitissimo amor,
-nós os escritores, semeemos tambem alguma coisa no chão da Patria, a
-que já está impendente larga benção de regeneração: semeemos a palavra.
-
-Que nenhum de nós se acovarde por desconfiança de sua fraqueza; que
-nenhum sonegue o que tem por verdade, com medo de que os poderosos lh’o
-desprezem, os nescios lh’o impugnem, e os malignos lh’o escarneçam.
-Onde a boa vontade nos houver illudido, valer-nos-ha ella mesma de
-excusa; e, á falta de approvação, conciliar-nos-ha o tacito affecto dos
-homens de bem.
-
-Quanto a nós individualmente, assás havemos já provado n’estes artigos,
-cujo fio vamos seguindo, quanto, apesar de conhecermos melhor que
-ninguem a nossa incompetencia, e a confessarmos a cada hora, propomos
-com lisura e franqueza, o que julgamos poder salvar a nossa moribunda.
-
-Nem a lisonja, nem contemplações pusillanimes, nem medo a ruins
-interpretações, nem a indifferença d’aquelles mesmos por quem fazemos
-votos, nos demoveram ainda do nosso proposito, atrevido talvez, mas
-honrado de certo.
-
-Com egual abnegação, com egual soltura, com ainda maior convicção, pois
-nos cresce de mez para mez, continuaremos a lavrar o nosso testamento
-de Portuguez, estas desenfeitadas linhas, mas para nós mais amadas, que
-toda quanta poesia nos florejou a mocidade.
-
- * * * * *
-
-Para dois pontos convocamos agora a attenção sizuda das nossas futuras
-Sociedades promotoras da Agricultura, do Parlamento de lavradores, que
-os seus esforços nos hão-de produzir, do Ministerio da Agricultura, que
-esses legisladores hão-de fundar, e finalmente do proprio Throno; para
-o que, novamente rogamos a todos os nobres missionarios da Imprensa
-levem os nossos alvitres, corroborados com o seu saber, e ungidos com
-a sua eloquencia, até onde o humilde e longinquo da nossa voz os não
-deixaria penetrar.
-
-Estes dois assumptos, ambos grandes e ambos esquecidos, ambos de summa
-importancia, assim para o mal como para o bem, e ambos injusta e
-cruelmente desprezados, são: o SACERDOCIO, e as MULHERES.
-
- * * * * *
-
-É o Sacerdocio Catholico uma instituição eminentemente social, e cuja
-origem divina é, por isso mesmo, impossivel não reconhecer.
-
-Não renovaremos n’este logar disputações intempestivas, e já exhaustas,
-sobre os beneficios e as calamidades, de que em tal ou tal paiz, em
-tal ou tal seculo, o Clero tem sido, voluntaria ou forçada, activa ou
-passivamente, causador. Esses argumentos de alguns factos (ou de muitos
-factos) contra theses universaes e duas vezes millannarias, não podem
-servir para mais, que para lhes realçar a evidencia.
-
-Quanto mais os da escola _fossil_ de Voltaire, quanto mais os
-anachronicos citadores do _Citador_, e os mui respeitaveis _Compadres_
-do _Abbé Laurent_, esperdiçarem o seu engenho para nos afeiarem em
-romances obscenos a vida licenciosa de um ou de outro, ou de muitos
-Sacerdotes; quanto mais nos affirmarem, sob sua palavra honrada, e á
-vista de umas estatisticas que só elles possuem, que o numero d’estes
-discolos é infinito; tanto mais, sem o sentirem, sem o quererem,
-engrandecem a força intrinzeca e divina de uma instituição, que, desde
-o tempo dos Apóstolos até nós, ainda não cessou de ser havida por
-mantenedora da arca-santa da Fé e dos costumes.
-
-Se ella fosse humana, se ella fosse sobretudo ré da millionesima parte
-dos crimes e horrores, que os seus adversarios (¡varões probos e
-honestissimos!) lhe assacam, ¿como haveria resistido a dezoito seculos?
-¿a trezentas revoluções na politica, e outras tantas nas ideias? ¿aos
-vaivens das seitas, e das chamadas philosophias? ¿ás minas surdas do
-indifferentismo? ¿ao fanatismo sanguinario de alguns de seus membros, e
-á perfidia e á deserção de tantos outros?
-
-Neros e Sardanapálos appareceram mais de uma vez na cadeira de S.
-Pedro. Mãos em vão sagradas cavaram masmorras e accenderam fogueiras;
-seguraram os pulsos a povos, para que tirannos os agrilhoassem; afiaram
-os punhaes e as espadas para guerras fratricidas; e a Sciencia, filha
-do Ceo como a luz, em nome do Ceo a perseguiram.
-
-E entretanto, atravez d’esses arroios de sangue e lagrimas, e d’esses
-montes de cinzas e ruinas, o esquadrão candido dos Levitas continuava a
-sua peregrinação para o Ceo, abençoando, e abençoado; penitenciando se
-em segredo pelos maleficios de que era innocente; vertendo lagrimas e
-chrysma sobre as feridas de seus irmãos; semeando na terra desconsolada
-o amor e as esperanças.
-
-Ao notarem ignorancia e corrupção no Clero, os semi-philosophos
-imprevidentes votam, sem hesitar, a sua abolição. Os sabios, isto é
-os prudentes e amigos da humanidade, calculam caladamente: ¡o que se
-tornaria o rebanho, privado de pastores! ¡os costumes, sem doutrina
-nem censura! ¡as penas sem conforto! as prosperidades e soberbas, sem
-contrapezo! ¡os seis dias da terra, sem um dia do Ceo! Depois, comparam
-essa corrupção e essa ignorancia (desgraçadamente muito certas) com
-a corrupção e ignorancia ainda maiores de quasi todos os inimigos da
-Egreja; e, convencendo-se de que o mal não é sem cura, propõem, em vez
-de exterminio, que é sempre o primeiro recurso dos barbaros: contra
-aquella ignorancia, luz de sciencia; contra aquella dissolução, outra
-vez luz, disciplina, e vigilancia.
-
-Não está o remedio em fechar a residencia parochial, depois de expulso
-d’ella o Cura indigno, deixando muda e ás escuras a casa da oração.
-Não está em despejar os paços episcopaes, para morada e pagode de
-especuladores enriquecidos, e as cathedraes para quarteis, theatros,
-ou serrarias de madeira. Está, sim, em precaver por Leis sabias, como
-sem custo as ha-de fazer o nosso Parlamento agricola, que os Bispos e
-Parochos sejam sempre o que o seu nome, o seu caracter, a Lei da sua
-instituição, a utilidade, a necessidade, e a vontade do Povo, e a sua
-propria consciencia, lhes ordena que sejam.
-
-¿Será isto exequivel? sim, sim; e tanto, e por tão faceis meios, que
-o que só admira e espanta é não se achar já de muito em execução, em
-praxe, e em costume.
-
-O primeiro ponto, o primeiro passo, a primeira condição impreterivel
-para esta reformação tão necessaria e tão urgente, quer a consideremos
-á luz do Céo, quer á dos interesses temporaes, é a boa escolha dos
-Bispos.
-
- * * * * *
-
-Foram os Bispos, nos seculos doirados da Egreja, e nas terras onde ella
-mais floresceu, eleitos, cada um pelo proprio rebanho a que havia de
-presidir[4]. Nada mais liberal, nada mais natural e justo, nada mais
-conveniente, que essa usança; nada mais digno de se ressuscitar n’uma
-edade, que blasona de liberrima e philosophica.
-
-A nomeação dos Prelados pelo Chefe do Estado civil, e só dependente
-da sancção do Pontifice, sancção em que tantas contemplações, tantos
-motivos extranhos ao merito real, podem influir, é, mesmo para
-os entendimentos mais myopes, viciosa, e mais que arriscadissima
-a desacerto. É esta uma verdade, que (¡ainda mal!) os factos teem
-repetidamente confirmado.
-
-¡Que de vezes uma parcialidade vencedora, já para recompensar, já
-para predispôr serviços profanos e profanissimos, não tem enviado
-das catacumbas facciosas para os thronos episcopaes, ora lobos, ora
-apestados e leprosos, ora defuntos! ¡mãos geladas para as boas obras!
-¡corações gelados para os bons desejos! ¡linguas geladas para as
-palavras de amor! O Céo nos defenda de citar exemplos; ¿e para quê? ¿ha
-ahi quem os não conheça, e os não deplore?
-
-Escolhido, ou pelos Ecclesiasticos do Bispado, e em escrutinio
-secretissimo, aquelle d’entre seus membros, que por virtudes, luzes,
-patriotismo e prudencia, notavelmente se avantaja, ou (melhor e mais
-liberalmente ainda) votado tambem em escrutinio secreto por todos
-os fieis da Diocese, assim de um como de outro sexo, n’esse devemos
-presumir que está a idoneidade para o grande sacerdocio, para a
-relevantissima magistratura do Episcopado. O juizo do Povo haverá sido
-o juizo de Deus.
-
-Ao Chefe temporal do Estado, liberto assim de uma responsabilidade
-tremenda, só resta levar com alegria a santa proposta aos pés do
-Throno do Vigario de Christo, para impetrar á obra terrestre a sancção
-suprema, e não desligar o interesse da parte, do formoso e admiravel
-systema da unidade catholica.
-
-Sagrados nas sédes de todas as egrejas Prelados de tão altos abonos, é
-logicamente indispensavel deixar-lhes as mãos livres para o seu lavor,
-que é infinito e complicadissimo.
-
-E quando não, consideremos, com madureza, o que é um homem collocado
-no centro de muitos milhares de homens, para acudir a todas as
-necessidades espirituaes, e a grande numero das temporaes, umas e
-outras imperativas, e sempre recrescentes.
-
-A Oração Dominical cifra o seu espantoso encargo. Os seus primeiros
-predecessores, os Apóstolos, viveram e morreram a cumpril-o. Christo
-mesmo não curava só as almas, se não tambem os corpos; prégava as
-virtudes, e ao mesmo tempo multiplicava o pão e os peixes no deserto, e
-o vinho nas bodas. O seu Precursor na Lei escrita, ao mesmo passo que
-dava os mandamentos do Sinai, e extirpava a idolatria, libertava o povo
-do captiveiro, desentranhava os rochedos em fontes, o céo em maná e em
-aves, as nuvens em luz, debellava a peste, e encaminhava os peregrinos
-para a Terra da promissão e da abundancia.
-
-Tudo isto, que fez Moisés, que fez Jesus, e em que os Apóstolos o
-imitaram, tudo isto ha-de emprehender, e ha-de conseguir até ás raias
-do impossivel, o Prelado que fôr digno da sua missão.
-
-¿Mas como bastariam dois unicos braços, uma só lingua, para tanto
-instruir, e para tanto obrar? De nenhuma sorte. O amor, mesmo no homem,
-pode não ter limites; mas teem-n-os as fôrças.
-
-É por isso, que de cada Sé brotaram em de redor d’ella quantidade
-de Parochias, como da arvore boa se transplantam ramos para lhe
-continuarem e multiplicarem os frutos em muitas partes ao mesmo tempo.
-A voz do grande Pastor, repetida pelos seus coadjutores, fez-se ouvir
-até da ovelha mais desgarrada, no reconcavo dos valles, ou no cume
-das serras; e os beneficios das suas mãos, transmittidos por mãos
-fieis, poderam diffundir-se para todos os quatro ventos do céo até ao
-horizonte.
-
-D’esta simples consideração se deriva inquestionavelmente, que, sendo
-os Parochos nada menos que delegados e representantes dos Bispos,
-como os Bispos o são de uma Providencia paternal, e necessitando o
-Chefe conhecer e reconhecer, animar, e dirigir constantemente aos
-seus immediatos mandatarios, são elles tambem, elles sós, livres,
-liberrimos, independentes, os que os devem educar, preparar, eleger,
-conservar, suspender, ou excluir.
-
-É logo necessario, que o Governo temporal seja por Lei inhibido de
-prover as freguezias; direito ou costume esse, ao qual principalmente
-se deve imputar a odiosa ruindade, e incapacidade absoluta, de tanto e
-tanto Parocho, que, mais que os livros dos impios, teem em toda a parte
-concorrido para o descredito da Religião.
-
-O Governo só deve, quando muito, superintender, como vigia supremo do
-Estado, no comportamento dos Curas de almas como cidadãos, e no que o
-seu officio tiver de puramente secular. O de Cesar, a Cesar; o de Deus,
-a Deus. Nada mais orthodoxo.
-
- * * * * *
-
-Assim como ao obreiro, para se lhe poder tomar conta da obra, se hão-de
-primeiro dar materiaes e instrumentos, assim a cada Bispo hão-de
-umas Côrtes de juiso conceder, não em vans promessas escritas, mas
-effectivamente, com que organisar e manter um Seminario, com mestres a
-todos os respeitos dignissimos; de fora da Diocese, se n’ella os não
-ha; de fora do Reino, se os não ha no Reino. Para aqui, ¡mãos largas!
-¡mãos rôtas! ¡mãos prodigas, se é licito dizel-o! que a máis nescia de
-todas as economias é a que nega adubío, sementes, e rega, ao solo de
-que pretende fruto.
-
-¡Oh! ¡de que desperdicios não tem já sido causa a não entendida palavra
-_economia_!
-
-Sob os olhos do Bispo, medrarão além de toda a esperança estes
-viveiros de Parochos, educados na theoria e pratica da Sciencia
-Divina por mestres, que serão ao mesmo tempo seus exemplares. Elles
-ahi aprenderão, com as sciencias moraes e mysticas, o que hoje
-seria imprudencia, temeridade, e infamia, querer d’ellas apartar:
-aprenderão as sciencias, que renovam e regeneram a terra, e que,
-matando a perguiça e a penuria, aplanam, atravéz de uma bemaventurança
-passageira, o caminho para outra, que não finda; a hygiene; os
-rudimentos da medicina domestica, e da veterinaria; a agricultura e a
-physica; as noções geraes da jurisprudencia do Estado, e os deveres
-politicos; um pouco da economía publica, muito da caseira; os methodos
-mais faceis de ensino para as materias mais necessarias; em summa:
-habilitar-se-hão para poderem e quererem ser, em tudo, o opposto a
-muitos dos deploraveis Parochos dos nossos dias.
-
-Entre os Clerigos, alumnos de um mesmo Seminario, instruidos nas
-mesmas materias, e pelos mesmos professores, ha-de haver differenças
-de genios, de gostos, de talentos, de virtudes. Cada individuo tem a
-sua organisação; cada educação de infancia affeiçôa para o futuro um
-diverso homem.
-
-Differenças, como as que se notam nos individuos, existem não menos
-entre as povoações. O Bispo, que, durante o longo curso de estudos,
-haverá podido reconhecer e verificar a aptidão especial de cada um
-dos seus alumnos, saberá depois distribuil-os segundo o caracter e
-necessidades das Parochias: para a mais inerte e atrazada, o mais
-progressivo e emprehendedor; para a mais licenciosa, o mais modesto;
-para a mais indigente, o mais caritativo; para a mais aspera, o mais
-soffredor; o mais conciliador para a mais desavinda; o menos rustico e
-o mais instruido para a mais cortesan.
-
- * * * * *
-
-Imaginae (se tendes imaginação que abranja o infinito) imaginae o
-que virão a ser, em alguns annos, as freguezias, mormente as ruraes,
-presididas por taes varões.
-
-A Fé se reanimará, menos pela eloquencia das homilías, que pelos
-milagres da caridade.
-
-Pelos predios sorrirá a abundancia, pelas vidas a harmonia.
-
-Apertar-se-hão os laços entre os membros de cada familia, os dos
-visinhos com os visinhos, os dos cidadãos com os seus concidadãos.
-
-A semana deslizará, como um ramal de horas de prata, nas festas da
-lavoira e da industria; o domingo nas festas do Senhor, e nos folguedos
-innocentes, que a Religião permitte e ama, e nos quaes se prepara o
-casto amor que reproduz as familias, e se podem exercitar a graça e
-dextreza corporal, que realçam a obra-prima do Creador.
-
-Vêde ¡como á sombra fresca da parreira do presbyterio, no verão, e
-no inverno ao lume da sua cosinha terrea, veem contentes as creanças
-aprender, ora as letras, as contas, e a escrita, ora o cathecismo, ora
-os deveres sociaes em historias singelas e amoraveis!
-
-Ouvi ¡como dos mesmos labios, que distribuem o biscato da alma a
-aquelles passarinhos implumes, sai o conselho de paz, que solda,
-melhorada, a amisade entre os desavindos, o consolo para o coração
-viuvo, a correcção benevola, mais efficaz que a severidade, a esperança
-precursora da Providencia e aurora da esmola, aqui uma consulta sobre
-o praso e melhor modo de uma plantação, de um córte de madeiras, ou do
-encaminhar as aguas de uma rega, ali uma supplica de filho, cujo pae
-cahiu com uma dor ou accidente repentino, e que não sabe como lhe acuda
-em quanto o medico não chega!
-
-Todas as linguas fala o Parocho, excepto a da maledicencia. Para os
-males que não admittem remedio, ainda elle sabe e applica um balsamo: a
-conformidade.
-
-O presbyterio é a côrte do logar, com ser a mais pobre casa de todo
-elle. Todos lá vão, tributar respeito ou pedir graças. Os grandes saem
-d’ali maiores porque aprenderam a humildade; os ricos, mais ricos
-porque aprenderam a dar; os infelizes, serenados porque viram um Anjo.
-
-Governantes, este homem não fará eleições, mas fará subditos fieis,
-cidadãos pacificos e laboriosos.
-
-Não mentirá em favor vosso, mas tambem contra vós não mentirá.
-
-Se jamais no Sacrificio da Ara se implorou com fervor paz e concordia,
-d’aquella bocca se hão-de elevar quotidianamente taes orações, como
-perfume de incenso sem mistura.
-
-Esquecei esse monarcha de espiritos no meio do seu povo; elle vos
-serve com mais zelo do que vós mesmos vos servis. Em torno d’elle
-intercede-se cada noite pela vida de bons e maus. Em quanto elle
-respirar, sabei que ha no Reino um recanto, em que a indigencia mesma
-não amaldiçôa. Os filhos se ufanarão de haver sido por elle baptisados;
-os esposos, de lhe terem recebido a benção; os moribundos, de lhe
-exhalarem no seio a alma, por elle já desenleada de espinhos, e já de
-antemão coroada das açucenas do Ceo.
-
-Estes serão necessariamente os Parochos procedentes das escolas
-d’aquelles Bispos. Uma Lei de homens, mas de homens sãos e sizudos,
-haverá creado uma semelhança de paraizo.[5]
-
- * * * * *
-
-Falámos do sacerdocio de Deus; falemos do da Natureza; falemos das
-Mulheres.
-
-Um phenomeno moral dos mais inexplicaveis, é a dependencia, a sujeição,
-a especie de tutella ignominiosa da mulher em todos os paizes, em todas
-as edades, em todos os graus da civilisação. Nascido d’ella, creado
-por ella e para ella, referindo a ella quasi todos os seus trabalhos,
-pensamentos, e ambições, proclamando-a soberana, acatando-a quasi como
-uma semi-divindade terrestre, o homem não cançou ainda de tratal-a de
-facto como serva.
-
-O seu nome triumpha na lyra dos poetas; as suas graças, na tela dos
-pintores e no marmore dos estatuarios; o seu credito, na lança dos
-antigos paladins, na pistola e espada dos modernos duellistas; a sua
-apparição na sociedade é recebida com murmurio festivo e lisonjeiro,
-como a da aurora na espessura a que ella traz vida. Se desprende a voz,
-a razão parece mais bella passando pela sua bocca; a virtude perde o
-seu azedume; um feitiço indefinivel lhe careia todos os animos; o
-tumulto se apazigúa; os vicios grosseiros escondem o rosto e emmudecem
-até a deixarem passar. O rasto de aromas, que os seus cabellos e os
-seus vestidos deixam apoz si, não egualam ao vago e voluptuoso affecto,
-que o mais leve dos seus movimentos coou até ao fundo dos corações.
-Respeita-se-lhe o juiso; ama-se-lhe o espirito, a modestia, a decencia,
-os instinctos bons, nobres e generosos, a timidez que não exclue a
-heroicidade. Colhem-se-lhe as palavras benevolas, como diamantes que se
-enthesoiram e defendem com ciume; fazem-se os maiores sacrificios para
-lh’as merecer. O mais soberbo sente-se ufano no dia em que obtem a sua
-mão; o mais avaro daria metade dos thesoiros pelo seu primeiro suspiro,
-e os thesoiros todos pelo seu primeiro beijo; o mais sabio a consulta,
-como a melhor e menos fallivel porção de si mesmo. N’uma palavra: o
-mais grave dos nossos interesses, a primeira educação moral dos nossos
-filhos, ¿a quem é commettida? dir-se-hia que a nossa alma, ainda tenra,
-se nutre no seio da sua, como entre os seus braços bebemos no leite de
-seus peitos o seu amor.
-
-E todavia... Abri os codigos de todo o mundo, e perguntae-lhes o que
-é este ente, complexo de tantas maravilhas, creado para companhia do
-homem, mas depois do homem, como elle o fôra depois dos brutos, e os
-brutos depois dos entes insensitivos.
-
-Todos os codigos vos responderão: «É uma escrava.» E alguns: «É uma
-victima.»
-
-Os trabalhos continuos, obscuros, e inglorios, são a sua vida; e a
-sua morada um carcere. Aqui, a excluem dos recreios mais honestos;
-além, a punem com o ridiculo, se deixa respirar o seu talento; uma
-decencia convencional e tirannica lhe impõe silencio quasi continuo.
-A acção, o passo, o dito mais indifferentes, lhe são interpretados.
-As Universidades lhe estão fechadas; defezas as magistraturas e os
-tribunaes; inaccessiveis o fôro e a tribuna. Só da caridade, dos
-hospitaes, das escolas de infancia, e do claustro da oração, a não
-poderam excluir.
-
-¡Que dizemos! não só a Asia as vende, como se vendem as flores para
-os regalos dos opulentos, e a Inglaterra as deixa vender nos seus
-mercados como animaes de carga, se não que a propria França, a patria
-da cortesia e do melindre, a terra em que ellas mais imperam sobre as
-artes, o gosto, e a sociabilidade, a França mesma, lhes impõe nas suas
-Leis obediencia e respeito ás vontades de um marido.
-
-Da sujeição filial, a unica reconhecida pela Natureza, lá passam para o
-captiveiro conjugal.
-
-O anel de um noivado é o primeiro de um grilhão muitas vezes
-insoffrivel, e que nenhumas forças lhes poderão quebrar. O nome do
-seu senhor lhes é para logo imposto em vez do paterno; é a marca, é
-o ferrete do dominio; marca indelevel, que sobreviverá ao possuidor,
-e que só um possuidor novo encobrirá, substituindo a esse nome o seu
-nome, e á tirannia extincta uma segunda tirannia[6].
-
-Ainda cerceámos o desenho; ainda enfraquecemos as côres do quadro; mas
-não haverá coração generoso, que ao encaral-o não estremeça.
-
- * * * * *
-
-O Homem Deus redimiu as nações do predominio romano, do fatalismo,
-e das paixões divinisadas; sublimou, sobre tudo, os pobres e os
-perseguidos a grau de humanos, e de mais que humanos.
-
-A philosophia moderna restituiu a liberdade natural ao pensamento.
-
-A politica, sua filha, desatou o jugo de ferro da cerviz dos povos, e o
-atirou feito pedaços para o abysmo do passado.
-
-A philanthropia, ou talvez a especulação, aboliu a escravaria das
-povoações negras.
-
-Á infancia mesma vai chegando o que é possivel de emancipação; asylos
-e escolas a convidam a instruir-se; e ao açoite, que d’antes lhe
-desfolhava os brios em flor, succederam a affabilidade e os carinhos,
-tão necessarios aos pequeninos como o pão.
-
-¿Que dizemos? até para os irracionaes pululam na Europa sociedades
-protectoras.
-
-¿E a Mulher?! A Mulher, nossa mãe, nossa esposa, nossa filha, nossa
-irman, a Mulher, nossa ama, nossa educadora, nossa ecónoma, nossa
-enfermeira, a Mulher que nos civilisa, que nos adoça, nos encaminha,
-nos aconselha, nos acompanha e consola nos trabalhos, nos realça e
-requinta as alegrias, a Mulher, que não vive, que não quer, que não
-pode viver senão para nós, que nos soffre e nos perdoa de continuo,
-a Mulher que é toda amor, e a mais brilhante revelação do Céo, a
-Mulher...... é ainda escrava! ¡escrava em plena Europa! ¡em pleno
-Christianismo! ¡quasi como na Africa e na Asia sob os influxos do
-Korão! ¡escrava como na India, como na China, como na Tartária, como na
-Turquia, como na Russia, como entre os selvagens errantes, como entre
-os Romanos barbaros, escrava, como sempre e em toda a parte!
-
- * * * * *
-
-Já que ellas se não queixam (¡pobres victimas só feitas para soffrer!)
-ousemos nós defender os seus interesses apesinhados; e não contra os
-nossos, se não ainda em nosso beneficio.
-
-Parlamento das nossas esperanças, congresso de lavradores, atrevei-vos
-a uma Lei, que vos doire na Historia, e vos immortalise. Decretae,
-depois de seis mil annos, A ALFORRIA DA MULHER.
-
-Não são a milicia, as magistraturas, os governos das provincias, que
-para ellas vos pedimos; não são as cadeiras de legisladores, nem
-as do magisterio; n’uma palavra: não são nenhuns dos cargos, que a
-prepotencia lhes disputaria, e de que a Natureza as tornou isentas (não
-por fracas, não por inferiores em espirito, mas porque foram fadadas
-para mães).
-
-Dae-lhes porém o que sem injuria não poderieis recusar-lhes:
-reconhecei-lhes, como a seus esposos, como a seus paes, como a seus
-filhos, o direito de suffragio.
-
-De que poderieis vós arrecear-vos franqueando-lhes o caminho á urna?
-¿Não teem ellas tanto interesse como nós, em que Leis sabias rejam,
-e homens sabios administrem? ¿Não zelarão ellas o bem da terra em
-que vivem seus consortes e a sua prole? ¿Não são ellas dotadas para
-avaliar os meritos, para estremarem a verdade e a impostura, de uma
-maravilhosa sagacidade, occulta arma defensiva com que a Natureza as
-premuniu contra as offensivas do nosso sexo? ¿Não vivem mais longe do
-tumulto da praça, que a nós outros tanta vez nos desvaira, lançando-nos
-em turbilhões, já de odios, já de amores insensatos e contradictorios?
-¿Não teem innatamente, além do instincto da harmonia, o espirito
-da justiça? ¿Não foi já por isso, que nas antigas allianças entre
-Carthaginezes e Gallos se estabeleceu, que, onde de parte a parte
-recrescessem rasões de queixa, fossem arbitros, por Carthago os seus
-magistrados, pelas Gallias as suas mulheres?
-
-Mas--vos segredarão alguns com maligno sorriso--¿«conhecem ellas o
-grande jogo da Politica? ¿fazem ideia do que seja a ordem publica?
-¿com quem o aprendeu a sua roca para lh’o ensinar?»
-
-Não, homens honrados, ellas não sabem a Politica; e eis ahi uma das
-grandes vantagens que nos levam para eleitoras; mas a ordem publica,
-se a não sabem, adivinhal-a-hão, que para isso, entre seus filhos
-e domesticos, são rainhas de pequenos reinos. Essa roca, alvo do
-epigramma ingrato e insolente, é o seu sceptro; e pode ser que acerca
-da felicidade commum da aldeia, da freguesia, e da provincia, lhes haja
-ella dito muito mais, nas caladas dos serões de inverno, que á maior
-parte dos nossos eleitores cortesãos a lampada parisiense entre os
-baralhos de cartas e os montes de oiro.
-
-Mas concedamos-lhes que nossas esposas, nossas mães, e nossas filhas,
-nunca jamais até agora pensaram sobre os negocios do Estado, como vos
-elles dizem. Por isso mesmo, por isso mesmo, lhes deveis restituir mais
-depressa o seu usurpado e imprescriptivel direito de votação; porque
-essa indifferença, se n’ellas existe, é mais uma calamidade, pois são
-as educadoras da geração que nos ha-de succeder.
-
-Concedamos ainda mais: que o precioso affecto da Liberdade é n’ellas
-quasi nullo. ¿De quem é a culpa? ¡D’ellas!! Não; mas de nós outros, que
-a poder de escravidão lh’o adormentámos.
-
-Restitui ás Mulheres o seu quinhão legitimo de Liberdade, e vereis como
-ella se consolida sobre fundamentos de amor mais que duplicados.
-
-¡Que miserrima contradicção é esta: que onde para a herança da Corôa
-a Lei salica não governa, onde á Mulher se reconhece aptidão para o
-cargo supremo do Estado, se lh’a denegue para votar como cidadan em
-mandatarios dos communs interesses!
-
-De uma coisa podeis vós estar certos, Ó Deputados; e é: que as eleições
-em que ellas entrassem, por menos acertadas que a sua inexperiencia
-as produzisse, não dariam (porque era impossivel) mais vergonhosos
-resultados, que todas quantas á sua revelia havemos feito, e que, para
-vergonha nossa, lá ficam registadas na Historia.
-
- * * * * *
-
-¡Oh! ¡Se o humilde Portugal estava ainda guardado para dar do fundo do
-seu abysmo tão altas lições, tão esplendidos exemplos á Europa e ao
-Mundo! ¡Uma Representação nacional genuina e insophismada! ¡um Clero
-sabio, virtuoso, paternal! ¡a Mulher investida na plenitude dos seus
-destinos sociaes!....
-
-No dia em que a Patria cingisse por suas mãos tres corôas tão
-magnificas, morriamos felizes. Teriamos vivido uma eternidade de
-bemaventurança.
-
- Dezembro de 1848.
-
-
-NOTAS DE RODAPÉ:
-
-[4] _Nullus invitis dandus est Episcopus; ille omnibus prœferendus,
-quem cleri ac plebis consensus concorditer elegerit._--S.
-Gregor.--Epist. ad Nastas.
-
-[5] Os nossos respeitos ás doutrinas canonicas é conhecido e provado. A
-innovação que propômos e que deverá ter iniciativa no Parlamento, para
-se tornar effectiva necessita da censura e regular approvação da Egreja.
-
- CASTILHO.
-
-
-[6] Com estas reflexões não pretendemos desapprovar a subordinação
-das mulheres a seus maridos nos termos em que a prescrevem os nossos
-livros sagrados. Só não queremos que esta dependencia se converta em
-escravidão, que a legitima autoridade marital degenere em tirannia.
-Eva, diz um Padre da Egreja commentando o Genesis, não foi formada da
-cabeça de Adão, para que não tivesse a presumpção de o querer dominar;
-nem tão pouco foi formada dos pés do homem, para que por elle não
-fosse considerada como serva; foi-o de uma costella, a fim de que se
-entendesse que era destinada a ser sua companheira.
-
- CASTILHO.
-
-
-
-
- VII
-
- Primeiro serão do casal
-
- Propriedade territorial
-
- SUMMARIO
-
- Vantagens do escrever.--Vantagens do ler.--O autor não pode por ora
- dizer o que tratará n’estes seus serões d’aqui avante, mas tenciona
- il-os empregando na sua ideia querida da felicitação da Patria
- pela Agricultura; para o que, vai proseguindo nas suas utopias.--A
- propriedade territorial não é um direito natural, mas é um dos
- direitos da sociedade permanente.--No direito de possuir terra não
- se contem o poder deixar de cultival-a.--Apontamentos para uma Lei
- importantissima a este respeito.--A theoria pode-se estender dos
- predios rusticos aos urbanos.
-
-
-¡Que bella coisa, meus amigos camponezes, não é o escrever e o ler!
-
-Uma folha de papel, que a principio não foi mais que umas hervinhas
-verdes, depois umas febras seccas e pardas, nos dias da sua maior
-gloria talvez uma camisa, e a final um trapo despresado e esquecido;
-uma folha de papel póde ser uma origem de delicias e venturas.
-
-Por meio d’ella, um homem desconhecido, e fechado no seu cantinho, logo
-que Deus lhe lança na alma um reflexo passageiro da Verdade e do Summo
-Bem, prende esse raio de luz celeste, liberalisa-o para toda a parte,
-solidifica-o, bem como de um gaz, que se não vê nem palpa, se faz no
-fundo das minas um diamante; lança-o assim para o thesoiro commum
-dos conhecimentos humanos; e, quando ninguem mais lh’o diz, diz-lhe
-baixinho a sua consciencia:
-
-«¡Oh! ¡Bem hajas, que déste a esmola da alma á alma! ¡Bem hajas, que
-as horas que podéras gastar no ocio, ou em gosos futeis, em dissipar
-ou em adquirir haveres, ou em me envenenar a mim, que sou a tua boa
-consciencia, empregaste-as em proveito dos teus semelhantes! ¡Bem
-hajas! ¡e bem haverás por certo! Os teus exforços não serão perdidos,
-nem para o Céo nem para a terra. Lá em cima, o Liberalisador de toda
-a verdade te coroará; e já, cá no mundo, uma especie de immortalidade
-e de omnipresença será a tua partilha. Sobreviver-te-has em parte a
-ti mesmo. O teu nome e os teus pensamentos estarão ao mesmo tempo em
-muitos logares, graças a esta folha de papel; e os annos, que hão-de
-destruir o teu corpo, deixarão a tua honrada memoria a crescer para os
-seculos.»
-
-Mas, se tal é a boa sorte do escritor de veras; se os seus deleites
-lhe descontam o trabalho e penas que o acompanham; se da sua miseria
-elle se consola com a lisonjeira certeza de afortunar aos outros; se
-no silencio do seu albergue desguarnecido ouve já a sua futura fama, e
-na sua enxerga de palha riem sonhos, que nunca visitaram os colxões de
-plumas de soberbões inuteis; a mesma folha de papel, que, a baixo de
-Deus e do estudo, o tornou venturoso, multiplicada pela Imprensa vai
-fazer por elle muitos outros venturosos.
-
- * * * * *
-
-¡A leitura, meus amigos! ¿Sabeis vós bem o que é a leitura?! É de todas
-as artes a que menos custa, e a que mais rende.
-
-Ha livros, que, semelhantes a barquinhas milagrosas, incorruptiveis
-e innaufragaveis, nos levam, pelo Oceano das edades, a descobrir,
-visitar, e conhecer todo o Mundo que lá vai....
-
-Os povos antigos revivem para nós com todos os seus usos, costumes,
-trajos, feições, crenças, ideias, vicios, virtudes, interesses, e
-relações.
-
-A Historia é a mestra da vida, e as suas lições ampliação e complemento
-ao nosso juizo natural. No que foi, aprendemos o que deve ser. ¡Dizem
-que mente ás vezes! tambem na seára ha joio, e nem por isso deixais vós
-de ceifar com alegria. Mas, apesar das suas mentiras, fica ainda sendo
-a Historia uma das mais verdadeiras coisas do mundo.
-
-Os contemporaneos de cada um dos homens notaveis, heroes ou monstros,
-dos tempos antigos, talvez os não vissem tão ao natural como nós cá
-de longe. ¿Porquê? por isso mesmo que eram vivos; cercavam-n-os um
-estrondo confuso, e vozes contradictorias, que para nós emmudeceram.
-O amor e o odio, o terror e o enthusiasmo, tingiam nas suas cores os
-feitos e os ditos: o espectador, muito de perto, e distrahido com os
-seus proprios negocios, não podia abranger a totalidade de uma scena ás
-vezes immensa e complicada. Não é nem ao-pé em demasia, nem em demasia
-longe, que os objectos se julgam com exacção.
-
- * * * * *
-
-Mas não é só a Historia, meus amigos, que nos encanta instruindo-nos.
-Desde a Mathematica, que péza e mede os astros, até ao officio mais
-humilde, não ha sciencia, arte, nem mistér, que os livros nos não
-ensinem divirtindo-nos.
-
-Vós, se lêdes ao serão, cultivais melhor e mais lucrativamente no dia
-seguinte; sabeis conservar melhor os vossos frutos administrar com mais
-interesse os vossos haveres. Outro tanto acontece aos vossos visinhos,
-ferreiro, carpinteiro, surrador, tintureiro, tecelão, etc.
-
-A povoação onde se sabe ler, e se lê, floresce mais, é mais pacifica
-e morigerada, mais unida e rica, mais poderosa, mais contente, mais
-amavel, e mais amada.
-
-Porque haveis de saber, meus amigos, que tudo quanto os homens teem
-descoberto e inventado para augmentar as suas forças, os seus cabedaes,
-a sua saude, as suas virtudes, as suas relações de amor, e o numero
-das horas suaves e alegres, tudo, de muitos seculos para cá, se tem
-ido guardando nos livros. É um patrimonio de sciencia e bondade, que
-vai sempre a crescer de paes a filhos, onde cada um pode tomar ás mãos
-cheias o que lhe convém, e para onde a cada um é licito, e até mesmo
-é dever muito agradavel, levar o pouco ou muito que o seu juizo lhe
-subministra. É um commercio mutuo de todos os tempos e de todas as
-almas, do qual ninguem sai lesado, e no qual mesmo dando se recebe.
-
-Quanto a mim, meus bons visinhos, estou muito satisfeito com a minha
-tarefa litteraria. Outros, mais capazes de vos instruir na Agricultura,
-teem a bondade de tomar a si esse encargo, para o qual eu mesmo vos
-confessei já que me não sinto habilitado. Á minha conta está procurar
-desenfadar-vos algum serão do domingo. ¿Que quereis? quem nasceu para
-pouco... Um poeta é como um d’estes passarinhos, que Deus creou para
-recreação do lavrador na força dos seus trabalhos.
-
- * * * * *
-
-Se eu ao menos podesse dizer-vos desde já o em que havemos de
-entreter-nos.... mas ¡adivinhae-o lá! ¿O passarinho, um minuto antes
-de abrir o bico, sabe por ventura o que vai gorgear? é a verdura, é
-a viração, é o sol ou a estrella do momento, que o inspira; a sua
-_hypocrene_ é muitas vezes a ultima gotta de orvalho, que bebeu no
-calix de uma flor por onde passou.
-
-Mas, assim como nos cantares do plumoso poeta dos bosques ha sempre o
-que quer que seja de bom e affectuoso conselho, de revelação do Céo,
-com o qual elle parece tratar mais de perto do que nós; assim o meu
-espirito, que mora todo cá dentro no coração, e por elle vale alguma
-coisa, só praticará comvosco, segundo espero em Deus, em algum dos seus
-sonhos de felicitação para o genero humano.
-
-Porque haveis de notar, boa gente, que, se o que está feito é muito,
-muito mais é ainda o que está para fazer. Cada geração adianta um
-passo; os netos sabem mais que os avós; cada anno floreja ideias,
-que os seguintes convertem em frutos, e outros, além, amadurecem e
-colhem. Nos ares andam sempre ideias de todas as edades (sem falar nas
-que vão cahindo mortas); umas decrépitas; outras recemnascidas, que
-ainda se não atrevem a voar; outras adultas e robustas; e nenhuma das
-que se chegam a transformar em obras, deixou de ser na origem muito
-extranhada, e muito havida por impossivel ou perigosa, e de padecer
-perseguição da parte de nescios e ruins.
-
-Ora eu, que (Deus louvado) de ruins me não temo, e a escutar nescios me
-não detenho, parece-me que não poderia, por em quanto, empregar melhor
-a minha folha de papel, e o vosso serão no casal, do que em vos relatar
-os meus sonhos ou devaneios solitarios sobre a salvação da Patria pela
-Agricultura; axioma este já hoje comprehendido por todos os que a
-Natureza não condemnou a viver e morrer sem comprehenderem nunca nada.
-
-E como é possivel que d’entre vós outros algum, ou muitos, vão um dia
-deputados áquelle bemdito Parlamento de lavradores, de que eu ha dois
-mezes vos falava, consentir-me-heis que, ao lume da vossa lareira,
-exponha aos vossos juizos, naturaes e não pervertidos, mais alguns
-alvitres para então.
-
-¿Quem nos pode prohibir governarmos o mundo em sêcco o nosso
-poucochinho? Não só toda a gente o faz, e quasi que se não faz outra
-coisa, se não que a maior e talvez melhor parte das Leis, primeiro que
-fosse promulgada por legisladores, tinha sido inventada por homemzinhos
-obscuros como nós, e d’elles passada á consciencia geral.
-
- * * * * *
-
-Se alguns chamarem _politica_ e ruindade a este uso que nós fizermos do
-pouco ou muito entendimento, que Deus nos deu para amarmos os nossos
-semelhantes, não vos haveis de agastar, nem eu tornar-lhes resposta;
-que, por mais que thesoirem, não nos descozem o saio,--como lá diziam
-os nossos velhos.
-
-¿Vêdes vós? acostumaram-se áquillo de ver em tudo _politica_, e de
-chamarem _politica_ a tudo; e depois, teem um medo, que se finam, até
-das verdades velhas, ¡quanto mais das novas! Lá se entendem; e assim é
-bom, para se não irem d’este mundo totalmente desentendidos.
-
-Não, meus amigos, _politica_, no sentido estreito que elles dão a esta
-palavra, politica do soalheiro e do mexerico, de acreditar a Pedro
-e desacreditar a Paulo, de velhacar Leis e receitar venenos, d’essa
-não fazemos nós, que nos regala andar com o nosso rosto descoberto, e
-dormir as nossas noites de um somno e com as portas e janellas abertas
-em não fazendo frio.
-
-Agora: se ás questões de philosophia social, que elles nunca leram, ou,
-se leram, não entenderam, ou que, se as entenderam, lhes não cahiram
-a elles em graça; se ao exame dos fundamentos da felicidade publica,
-sem referencia a tempos nem a pessoas, chamam _politica_, essa temol-a
-feito, e (por mais que lhes pése) havemos de fazel-a sempre, que não
-somos nenhuns Esaús da Liberdade, que vendessemos o nosso morgado, como
-por si dizia outro poeta chamado Lamartine, respondendo a um satyrico
-damnado da sua terra.
-
- * * * * *
-
-Mas.... para nos não parecermos com aquelle parvo do conto, que
-sabeis, que em logar de adiantar caminho, para chegar á feira a horas
-e negociar, se deteve todo o dia com o carapuço na mão diante de um
-pilriteiro, pedindo á sombra movediça licença para passar, eis aqui já,
-meus futuros Legisladores, um objecto, que assás me parece digno da
-vossa consideração.
-
-A propriedade sobre o terreno, claro está não ser um direito natural;
-mas nem por isso podemos dizer que não seja direito, e muito
-respeitavel. Sem elle não existiria Agricultura. Sem Agricultura, não
-existiria sociedade fixa e civilisada.
-
-Com a sociedade nasceu pois, assim como outros muitos direitos;
-confirmou-se com a posse; identificou-se com as ideias e consciencias,
-como com os interesses, e ficou sendo, por que assim o digamos, um
-direito natural relativo, e secundario. A philosophia, tanto como as
-Leis e a força, o deve proteger. Não é quanto a elle que vos lembro
-reformações, mas só quanto ao modo de regular o seu uso.
-
- * * * * *
-
-Adquiri eu uma terra por qualquer titulo legal; é minha, não ha duvida.
-Posso arrendal-a, posso doal-a, vendel-a, emprestal-a, edificar n’ella,
-cultival-a a meu sabor, etc. É corrente.
-
-¿Mas posso eu por ventura, por ser minha, deixal-a estar improductiva?
-
-O senso commum, quanto a mim, responde instantaneamente que não.
-
-¿E porquê?
-
-Porque haveria n’isso lesão de terceiro, que é a sociedade, para cujo
-beneficio extra-natureza, se não contra a natureza primitiva, se
-instituira e santificára este direito.
-
-O avarento poderá ainda ter as suas preciosidades em inercia, e
-portanto perdidas; porque em realidade o oiro e a prata, posto que
-fecundantes, não são natural e essencialmente productivos. ¡Mas o
-torrão, que Deus fez para nos trazer, nos albergar, e nos alimentar! ¡o
-torrão, que por si reverdece todas as primaveras, que as nuvens e o sol
-andam regando e aquecendo todo o anno! ¡o torrão que é parte do solo
-patrio! ¡o torrão ficar dando ortigas e silvas, por indolencia de um
-homem estupido, quando á roda d’elle muitos braços carecem de trabalho,
-e muitas boccas pedem pão sem o obter!! Eis ahi o que, por mais velha
-que seja a posse, nunca jamais poderá chegar a ser bom direito.
-
-Folgára de explanar comvosco este ponto, que é tão facil e abundante em
-considerações, quão momentoso para a felicidade commum; mas levar-nos
-hia longe.
-
-Seria pois a Lei, que eu propozesse, substancialmente isto:
-
---O proprietario que passar um anno sem cultivar algum dos seus
-terrenos, pagará de multa tres vezes o valor do fruto que esse terreno,
-bem tratado, houvera podido produzir.
-
---O que o deixar dois annos de poisio perdel-o-ha, para ser dividido
-pelos pobresinhos da freguesia, ou do concelho, que não tiverem terra.
-
-Meus amigos, se alguem lá por fora nos impugnar o alvitre, que é bom e
-santo, e que, adoptado, augmentaria de repente o trabalho, a riqueza
-dos particulares, e os recursos nacionaes; se alguem, digo, nol-o vier
-assoviar á porta e injuriar-nos sandiamente, pôl-o-hemos tão claro, que
-até esses o entendam; e ainda o accrescentaremos com algumas indicações
-sobre predios urbanos, que são tambem um dos usos, e podem ser um dos
-abusos, da terra.
-
- Janeiro de 1849
-
-
-
-
- VIII
-
- Segundo serão do casal
-
- Fraternisação da cidade e campo
-
- SUMMARIO
-
- Uma boa Lei sonhada.--Os proprietarios ruraes,
- residentes na Cidade, são obrigados a viver algum
- tempo nas suas fazendas.--Delicias novas que
- essa obrigação lhes proporciona.--Nos campos ha
- um vislumbre de egualdade.--Bens que a estada
- dos senhores no campo trará por elles aos camponezes,
- e pelos camponezes a elles.--O autor
- sabe, por experiencia, o como nos campos a Natureza
- mesma nos melhora e suavisa.--Os camponezes
- são menos ruins e infelizes que os cidadãos;
- e mais felizes e melhores se hão-de tornar, quando
- a Lei passar de sonho a realidade.--Apontam-se
- alguns dos muitos melhoramentos, materiaes.--agricolas,
- economicos, artisticos, etc., que hão-de
- com o tempo brotar d’esta Lei.
-
-
-Sonhei eu, meus bons amigos, que se tinha a Providencia achado n’estes
-nossos tempos em maré de muita poesia: que já existia de veras um
-Parlamento de lavradores, e que as Leis, e com ellas os costumes,
-tinham chegado a final a grande concerto e formosura.
-
-Uma d’estas Leis bemditas vos quero eu contar; porque se algum dia
-(que pode ser) as nossas semeadas Sociedades de Agricultura pegarem,
-e, por diligencias d’ellas, tal Parlamento chegar a apparecer,
-lá considerareis, com o vosso vagar, se do sonho se não deveria
-fazer realidade. O que lhe deu péga foi aquella nossa pratica do
-serão ultimo, sobre a obrigação que todo o dono de terra tinha de a
-aproveitar.
-
- * * * * *
-
-Sonhava eu pois, que todos os proprietarios de bens rusticos, a quem
-não assistia alguma particular rasão muito attendivel para o contrario,
-eram obrigados a morar nos seus campos alguma parte do anno.....
-
- * * * * *
-
-Reverdecia a primavera, e eil-os lá sahiam das cidades, colmeias
-grandes, onde, entre muitos zumbidos, se fabricam favos de fel. Até
-ás barreiras, ainda iam murmurando contra a salutar violencia, que os
-bania temporariamente.
-
-Logo ali, ao desembocarem das ruas estreitas e sombrias, que nenhuma
-estação altéra, para a amplidão de campos e horizontes, a serenidade do
-ceo azul se lhes começa a filtrar dos olhos para a alma. A madre-silva
-de cima do cômoro lhes dá as suas rescendentes boas-vindas; e para
-o coração se lhes côa parte da bemaventurança que inspira aos seus
-filhinhos libertos o aspecto das papoilas côr de fogo, a rir na verdura
-sem limites; dos rebanhos, que ondeiam branquejando pelas planicies;
-dos moinhos, que bracejam cantando pelos oiteiros. Tudo para elles é
-descobrimento e maravilha: os passaros, que altercam graciosos pelos
-ramos; as aguas, que manam, a debuxar os arvoredos toucados de flores
-e sol; os cantares dos rusticos no trabalho; a choupaninha pobrissima,
-mas que tem ainda com que albergar hospedes; as andorinhas, que tambem
-vieram lá de outras terras pendurar-lhe por cima da janella unica, e ao
-abrigo do tecto de palha, o berço dos filhos.
-
-Atravez d’estas scenas, tão antigas e sempre novas, tão sem artificio
-e tão cheias de harmonias, tão casuaes e tão sabiamente variadas e
-contrapostas, toda aquella opulenta familia cidadan vai já invejando
-a boa sorte dos filhos das aldeias, para quem só parece existir a
-Natureza. Ao estrépito da sua carroagem saem ás portas as creanças,
-cuja nudez mostra carnes dignas do cinzel de um Assis Rodrigues, e
-que riem sempre, como os Seraphins do retábulo da freguezia; moças
-esbeltas, a quem o carmim da aurora corou as faces, como pomos, e que
-em seus trajos de lan resplandecem como dahlias soberbas em vazos
-pobres; e bons velhos, que entre tres e quatro gerações de descendentes
-seus ainda os ajudam com o conselho, e o pão que em ocio lhes comem,
-lh’o pagam com as vivazes historias do passado.
-
-A carroagem passa por entre essa multidão, tão afortunada quanto na
-terra se pode ser; passa; mas no seu vôo colheu e deixou sorrisos de
-benevolencia.
-
-Chegada á sua nova residencia a familia cidadan, sente-se mais á larga
-em quartos pequenos, d’onde se descortinam campos e montes, do que lá
-nos doirados e espaçosos carceres de seus salões.
-
-Tudo para todos os sentidos lhe é novo: a linguagem chan e respeitosa
-dos visinhos; as horas e qualidade das refeições; as danças e cantares
-do serão; o deitar antes que o sete-estrello vá alto; o erguer muito
-primeiro que o sol, e quando o passarinho vem dizer á vidraça que já
-é dia; o lavar e almoçar na fonte, por baixo da parreira; o sahir
-para toda a parte sem a pesada libré das galas; o descobrir em cada
-passeio um sitio incognito, e menos esperado do que para Colombo o foi
-o Novo Mundo. Não ha pessoa que os não saude pelos seus nomes, que não
-procure algum pretexto para lhes falar, que se não julgasse feliz de os
-poder servir. Os obsequios mais delicados lhes affluem a cada hora ás
-portas, trazidos por mãos, que só os seus callos accusam de grosseiras.
-Na cidade os visinhos não se conhecem, ou são inimigos mutuos; os do
-campo, quaesquer que sejam as differenças de gerarchia e fortuna, são
-irmãos da mesma tribu.
-
-A donzella de vestido branco não teme perder o seu _Dom_ dançando
-no seu jardim ao domingo com a filha do seu honrado hortelão; nem o
-mancebo esbelto, que sabe de cór todas as arias novas, e ambas as
-chronicas de cada _prima-donna_, se crê deshonrado passando na caça o
-dia com o soldado velho, que ainda voltou das guerras para vir morrer
-na freguezia de seus paes.
-
-Ao luar, nas médas da eira, ¡vel-os como correm folgando, vozeando,
-mergulhando na palha, e reapparecendo ao som de palmas, os imberbes
-herdeiros de oito e dez nomes, e os pequeninos, que, sem terem menos
-avós, não receberam mais nomes que os de seus paes!
-
-Se em alguma parte se encontra um vislumbre da egualdade, sonhada pelos
-philosophos para consolar penas, é só nos campos que essa filha de Deus
-se entrevê formosa, travêssa e risonha, como a Galatêa de Virgilio por
-entre os salgueiros.
-
-¡D’esta convivencia, que as semanas e os mezes vão apertando cada vez
-mais, que vantagens não redundam para os moradores do palacio rustico,
-e para os camponezes! Os primeiros esquecem muito passatempo ruinoso,
-que julgam indispensavel; os segundos muita grosseria de trato, em que
-nunca haviam advertido. A casinha terrea ensinou ao solar sobriedade,
-e amor do trabalho; mas d’elle aprendeu o aceio, as commodidades
-faceis, e o gosto. O senhor deixou-se entrar da caridade, presenceando
-as fadigas e miserias dos seus rendeiros; o trabalhador, vendo-o bom,
-cessou de o temer e odiar como o seu genio mau e invisivel. As relações
-e valimentos na côrte attrahiram muitos favores, quando menos alguma
-justiça, ora para a viuva, a quem pretendiam arrancar o filho para
-o Exercito; ora para o lavrador, a quem contratempos desmerecidos
-vedaram pagar ao Fisco. As damas, quando se ausentarem, haverão deixado
-amigas, que repitam o seu nome sem inveja, e os seus louvores com
-desvanecimento; e lá para o inverno, a poisada em que tudo falta a
-fóra a esperança, verá muita vez acorrer-lhe lá de longe, do meio da
-Babylonia, a sua providencia: o fatinho conchegado para as creanças, o
-enxoval para a filha casadoira, o tabaco para a caixa vasia do velho, o
-linho para as rocas e o fiado para o tear, e a paga adiantada, para que
-o jantar não sejam suspiros, e a ceia lagrimas.
-
-N’uma palavra: as cidades conhecerão e amarão os campos; e os campos
-perdoarão e abençoarão a opulencia das cidades. Os grandes terão ido lá
-retemperar a saude gastada dos vicios e cuidados, e repoisar a bolsa,
-dos duellos, do jogo, das tirannias da moda, das violencias da vaidade
-e das paixões.
-
-Estas ferias, dadas a tres coisas tão damnosas, como são o gasto do
-corpo, a inanição da alma, e o desbarate da fazenda, pode ser que em
-bastantes dos que as disfrutarem venham a produzir mudanças de vida,
-mui sinceras, mui duradoiras, e sobre modo uteis para a pessoa e para o
-proximo.
-
- * * * * *
-
-Eu por mim, meus ricos pobres do campo, não duvido, se não que o creio
-com todas as veras d’alma: porque, ¿vedes vós? eu mesmo já tambem
-vivi, e annos, fora e muito longe das cidades, e sei como as estrellas
-conversam comnosco em nos colhendo a sós n’essas vossas solidões.
-
-Sei como deitado a um meio-dia de estio, á sombra de um dos immensos
-guarda-soes verdes abertos por Deus aos passarinhos, aos rebanhos,
-e aos homens, respiramos ares bonissimos de saude, de sabedoria e
-benevolencia; folheamos o canhenho do nosso passado, e sorrimos de
-desprezo a tanto lidar por nadas, a tanta figura anan que ali fez papel
-de gigante, e a tantos montes de oiro, que representaram de grãos de
-areia.
-
-¿Tinha-nos irritado a malignidade de um satyrico? Passa-nos por cima da
-cabeça um besoiro negro, e envergonhamo-nos de lhe ter dado attenção.
-
-¿Tinhamo-nos consternado com o mallogro de um empenho? O ciciar da
-seára visinha nos diz: «Tambem aqui, entre as minhas espigas, vão
-algumas negras e vazias; mas nem por isso me chamam pobre.»
-
-¿Tinhamos visto nos homens o egoismo? Estamos sentindo em torno de nós
-a prodigalidade a palpitar, a revolver-se, a rescender, a cantar, por
-toda a superficie da terra.
-
-¿Tinhamos chegado pela tristeza ao scepticismo? Por cima de nós não
-descortinamos senão ceo, e ceos.
-
-Erguendo nos, e afastando-nos d’ali, quando por entre as arvores, além,
-nos chama o fumo da nossa cosinha, saudamos ainda mais cordealmente ao
-visinho ou ao passageiro desconhecido; jantamos com mais apetite; e se
-o mendigo, enviado pela Providencia, vem n’essa hora entoar á porta o
-Padre Nosso, assentamol-o á nossa direita, alegramos a sua velhice com
-o nosso melhor vinho; e, finda a refeição, ambos damos graças ao Pae
-Commum, pela esmola que a um e outro acaba de fazer.
-
-¡Oh que sim! cada folha no campo sabe mais, e aconselha melhor, para
-isto de contentamento interior, que todas quantas academias existem de
-Pekim até Lisboa, de Lisboa até aos confins da America.
-
- * * * * *
-
---«Mas--perguntar-me-heis vós--sendo assim, ¿por que não somos nós, os
-do campo, inteiramente bons e bemaventurados?»
-
-¡Inteiramente!!.... Não pode ser, que esse _inteiramente_ não cabe ao
-mundo; porém menos desgraçados e menos ruins que nós outros, os da
-cidade, crêde firmemente que o sois.
-
-Padeceis minguas, que o viandante descobre pela vossa janella sem
-vidraças. Sim, mas lá estão muitos palacios, onde, entre arrazes e
-sedas, se curtem amarguras, como entre flores se escondem viboras.
-Ali, sem espectadores, se representam tragedias inauditas. ¡Quantos
-de cima de um cofre de oiro se não levantam pallidos e blasphemando,
-para se irem pendurar n’um laço, algozes de si mesmos! ¡Quantos n’um
-coche envernizado por mão de pintor heraldico, ou montados n’um cavallo
-que lhes custou o preço de duas herdades, não vão lavar com o proprio
-sangue n’um duello a afronta, talvez chimerica, que receberam, ou, para
-tirarem um espinho da honra, carregar-se para toda a vida com o remorso
-de um homicidio!
-
-¿Vedes vós?... E não vedes ainda nada; e nem eu vol-o quero nem devo
-mostrar.
-
-Mas crêde; fiae-vos em mim: Lançadas bem as contas por quem
-experimentou ambos os vivêres, os menos maus dos maus, e dos infelizes
-os menos desaventurados, sois vós.
-
-E a mais ireis, quanto mais d’estas verdades vos convencerdes; que já
-lá dizia, ha dois mil annos, outro poeta bem vosso amigo (como todos
-os de veras o são), um poeta que só para vós escreveu uma das mais
-admiraveis obras do mundo:--«¡Oh! ¡ditosos, ditosissimos os lavradores,
-se elles acabassem de entender as suas ditas!....»
-
-Já vêdes, como podeis esmolar virtudes e satisfação aos desconsolados
-das ruas largas e das praças espaçosas.
-
-Só por isto, já valia bem a pena de que o nosso Parlamento de amigos da
-terra promulgasse, muito depressa, a Lei com que eu sonhava, e com que
-ainda sonho.
-
- * * * * *
-
-......Mas cavae-me bem fundo com o discurso n’esta materia, e vereis¡
-quantos outros bens vos não promette!
-
-A vossa estrada e os vossos caminhos transversaes estão por fazer; o
-vosso rio, a obstruir-se de todo, a comer-vos os campos com areias, e
-as vidas com febres. Na vossa capella assovia o vento e côa a chuva;
-o seu calix é de estanho; o seu Missal rôto; o seu Crucifixo perdeu o
-doirado, e as rosas da corôa da Mãe de Deus, ainda que artificiaes,
-estão murchas como as das suas faces. O vosso cemiterio augmenta o
-horror á morte, pelo desamparo; lá os vossos parentes não teem sombra
-de arvore piedosa, onde a saudade sinta delicias em orar; e os cães e
-animaes do monte podem ir pela noite desenterral-os e comel-os.
-
-Não digais nada a ninguem; mas todas essas lastimas, que vós deplorais
-ha tantos annos, hão-de findar, como quer que seja, com a estada dos
-ricos entre vós.
-
-O solo mesmo sente que em vossas casas fallece a prata e o cobre. Ora
-deixae-os residir por ahi alguns mezes, e dir-me-heis, e dir-me-ha
-o mesmo solo, e ainda mais galhardamente que vós, se das cidades
-enriquecidas pela Agricultura não refluiu a final algum oiro para os
-campos.
-
-Os vossos filhinhos carecem de mestres; os da cidade tambem teem
-coração, e tambem teem filhos; vereis como vos brindam com escolas.
-
-Hoje frequentemente vos acontece desejardes n’um repente um bom
-conselho, que só a Sciencia pode dar, já para o vosso trato agrario,
-já para a vossa industria, já para o vosso commercio, já para a vossa
-demanda, ou para o governo da vossa vida. Esses homens da cidade teem
-livros; teem certas tinturas geraes, que dá o trato do mundo; teem
-amigos e conhecidos, a quem podem escrever e consultar. Até o amor
-proprio (quando não fosse já a humanidade) vol-os tornaria serviçaes.
-
-O vosso domingo só escápa do tédio pelo somno, pela conversação
-ociosa, que degenera em maledicencia, ou... pelos praseres grosseiros,
-perigosos e funestos, da taberna. As vossas dansas já a vós proprios
-vos cançam de monótonas, e os vossos cantares sem pensamento já faziam
-bocejar aos bisavós.
-
-Deixae estar: aquella gente da cidade vos trará (até por seu
-interesse), e vos ensinará, recreios que vos encantem. Vereis o que
-é um theatro. Amareis e cultivareis a musica. E Deus sabe ¡quantos
-talentos, que por entre vós se perdiam, se não hão-de aproveitar!
-¡quantas divindades não dareis ainda ás adorações da Capital! ¡quantos
-brasões de verdadeiros meritos não grangeará para si o vosso logarejo!
-
- * * * * *
-
-Pensae n’isto, pensae n’isto, meus amigos; e (rebente de inveja quem
-rebentar, definhe quem quizer, de odio contra a ventura do Povo)
-trabalhae, e orae a Deus, para que venhamos a ter aquellas Côrtes que
-sabeis.
-
- Fevereiro de 1849.
-
-
-
-
- IX
-
- Terceiro serão do casal
-
- Indole campestre da Poesia
-
- SUMMARIO
-
- A Poesia nasceu nos campos, e para elles propendeu sempre.--Quem foi
- Ovidio.--O seu poema dos _Fastos_.--Duas amostras d’este poema.--Festa
- das sementeiras entre os Romanos.--Festa do deus Término.
-
-
-Dizia-vos eu, meus camponezes, que todos os poetas de veras eram vossos
-amigos; não ha nada mais certo.
-
-A Poesia nasceu nos campos, e por muito tempo só conheceu esse viver
-viçoso e perfumado. Veio a fazer-se dama ambiciosa de mais refinadas
-delicias; assentou vivenda nas cidades; fez-se muito sabia, muito
-altiva muito malédica, muito contradictoria; ora devota, ora impia, ora
-frivola, ora profunda; mas lá os seus campos nunca se lhe desluziram da
-lembrança.
-
-Em nenhuma parte a ouvirieis cantar combates, viagens, descobrimentos,
-artes, luxo, amores, ou desejos de melhor vida para alem-mundo, que lhe
-não fugisse um olhar de saudade para o seu paraiso de flores.
-
-A edade de oiro, que é a sua scisma contínua, posta umas vezes no
-passado, outras no futuro, a edade de oiro (que Deus sabe se é tão
-fabulosa como cuidam, a não ser em relação ao seu titulo), ¿que era
-ella se não a Arcádia, o viver campestre, manso e regalado?
-
-Livros dos mais antigos do mundo, os de Moisés e os de Homero, uns e
-outros mananciaes de Poesia, não teem pagina, que nos não espelhe uns
-reflexos das bemaventuranças patriarchal e heroica, que são tambem
-Arcadia, com leves modificações.
-
-Passaram os povos antigos, com as suas religiões e usos particulares.
-Nos escritos que de então sobreviveram, ¿que é o que mais nos encanta?
-Não são por certo as descripções dos seus usos exclusivos, ainda que
-para ahi se attrai fortemente a curiosidade; são, sim, os toques
-allusivos ao viver rural, porque emfim, ahi é que é o ponto de contacto
-de todas as edades, e de todas as civilisações. O campo é que é o
-centro de unidade da especie humana.
-
- * * * * *
-
-Se tivessemos vagar, muito nos haviamos de entreter relendo em commum,
-aqui no vosso casal, alguns dos mais guapos trechos dos poemas de eras
-mui diversas, e paizes mui remotos, por onde acabarieis de conhecer
-quanto o vosso trato namorou sempre aos bons engenhos. Fôra leitura
-para cem annos bem aproveitados.
-
-Falemos de um só autor, mas, que, pela grandeza do seu talento, vale
-centos.
-
-Nasceu este na Italia, em tempo do poderio Romano, vai em dezanove
-seculos, e quando o latim era ainda lingua viva e bizarra. Chamava-se
-Publio Ovidio Nasão, e era cavalleiro, ou fidalgo d’aquellas eras.
-Vivia na Côrte, bem relacionado com a principal Nobreza, e mui cabido
-no paço dos Imperadores.
-
-Tinha um engenho prodigioso para a Poesia; cultivou o com os estudos
-da eloquencia, com o trato dos outros poetas contemporaneos, com as
-sciencias, com as viagens á Grecia, que era a França d’aquelles tempos,
-e Athenas a sua París. Compôz uma quantidade de obras, que ainda
-existem quasi todas; a maior parte amorosas e voluptuarias.
-
-As mulheres eram para elle o maior bem do mundo; o segundo, as
-amenidades da Natureza (ninguem dirá que tivesse mau gosto o nosso
-Ovidio).
-
-Este homem, depois de ter gosado quanto era possivel da vida de Roma,
-de repente, e já ao descahir para velho, é desterrado. ¡E que desterro!
-¡De Italia, para a Russia! ¡do seio das delicias, para uma povoação
-barbara, glacial, sempre em contingencias de guerras! Ali se vê,
-longe de sua mulher, de sua filha, de seus amigos, dos campos do seu
-nascimento, das damas, e dos applausos.
-
-A causa do seu desterro é um enigma, que tem desatinado os
-historiadores, e a que ainda ninguem rastreou solução provavel. Coisa
-de amores (ou seus ou alheios) deveu por certo de andar por ahi. O que
-sabemos é que, lá no desterro, lembrando-lhe com muitas saudades tudo
-quanto havia perdido, nada lhe doía mais no coração, que o ver-se
-privado do seu quintalinho nos arrabaldes de Roma, onde outr’ora a mão
-que tão gentis coisas escrevia se deliciava, muita vez, em podar e
-enxertar as suas arvores.
-
---«¡Coitado de mim!--dizia elle--ainda que eu aqui me quizesse metter a
-lavrador, os bois d’esta terra não entendem latim.»
-
-Em tal e tamanho desamparo, que até á morte lhe durou, só as Musas
-o não desampararam. A isso devemos duas deliciosas collecções de
-magoadissimas Cartas em verso, á mulher, aos amigos, a Cesar mesmo,
-sollicitando vir morrer onde nascêra, e metade de um poema intitulado
-_Os Fastos_.
-
- * * * * *
-
-Eram os _Fastos_ de Ovidio uma obra em doze Livros, de que só
-ficaram os primeiros seis. Tinham por objecto descrever e explicar
-as principaes festas religiosas pagans de cada um dos doze mezes; a
-origem archeologica de cada uma d’ellas; e a sua coincidencia com as
-revoluções astronomicas.
-
-Eis aqui o como elle prepõe a totalidade do seu plano:
-
- _Festas do Lacio anno, origens suas
- quaes astros vão, quaes veem, dirão meus versos._
-
-Esta obra, além de outras suas, traduzi eu; e por signal que offereci
-a traducção a um muito particular amigo d’elle, meu, e vosso, que é o
-Secretario da nossa Sociedade de Agricultura.
-
-Ha nos _Fastos_ muitas e mui bellas provas do que eu ha pouco vos
-dizia: do amor que o bom do Ovidio tinha á vida campestre.
-
-Amostrar-vos-hei algumas; e vá, por estreia, o final do seu mez de
-Janeiro.
-
-Canta assim:
-
-
-FESTA DAS SEMENTEIRAS
-
- Nos Annaes, onde as festas veem marcadas,
- festas em vão busquei das sementeiras.
- Vendo-me a folhear, cuidoso, assiduo,
- e entendendo-me o empenho,--«Em balde as buscas--rindo
- a Musa me diz;--«¿festas mudaveis
- das fixas no registro achar querias?
- Teem marcada estação, e o dia incerto;
- celebram-se no praso em que estão prenhes
- de sementes os chãos. Gosae do ocio
- á farta manjadoira, ó bois coroados;
- lá virá logo a activa Primavera,
- á cerviz repoisada impondo jugo,
- co’a renascente lida afadigar-vos.
- No abrigo do casal durma por ora
- a cançada charrua; a terra fria
- não deseja, não soffre, o ser rasgada.»
-
- Agora, que jaz finda a sementeira,
- lavradores, dae folga ao solo, aos braços;
- lustrem colonos sua aldeia em festa,
- dêem a seus fogos a annual fogaça.
- Tellus e Céres, madres das seáras
- já com seus mesmos grãos se propiciem,
- já coa’s entranhas da suina fêmea.
- D’entre ambas nasce o grão que nos sustenta:
- Céres nol-o produz; mantem-n-o a Terra.
-
- Ó consocias em dádiva tão rica,
- deusas, por quem a rude antiguidade
- se abrandou, se poliu, deixada a glande
- por mais nobre manjar, dae aos colonos,
- em premio a seu trabalho e a seus desvelos,
- colheita sem medida, e que os sacie.
- Dae augmento continuo aos germes tenros,
- e que a neve á nascença os não destrua.
- Em quanto disparzirmos as sementes,
- alimpae-nos o ceo com ventos brandos;
- mal que enterrada fôr, mandae-lhe as chuvas;
- e, pois são gloria vossa as pingues messes,
- que em vagas de oiro, ao longo d’essas veigas,
- rumorejam fartura, ¡eia, salvae-as
- do avido bico das aladas hostes!
- Por ora, que inda a terra o grão recata,
- vós, formigas poupae-o; usura grande
- havereis d’elle, se aguardais a aceifa.
- Livre de tôrpe alforra a messe vingue,
- e côr de alma saude o Céu lhe influa;
- que nem definhe pallida, nem perca
- por excesso de viço e nimia pompa.
- Joio, á vista nocivo, os chãos não brotem,
- nem tôrpe aveia as sementeiras mescle.
- Só se vejam medrar profusamente
- as cevadas, o trigo, e a rija escándia,
- a escándia, a fogos dois predestinada.
-
- Lavradores, por vós taes são meus rogos.
- Co’os rogos meus os vossos se misturem,
- por que uma e outra deusa os ratifiquem.
-
- Ferina longo tempo a humanidade
- só nutriu bellicosos pensamentos.
- Mais apreço que a relha a espada tinha,
- e em foros de nobreza era anteposto
- o corsel que peleja, ao boi que lavra.
- Não trabalhava a enxada; ia-se em lanças
- dos alviões o ferro; o ensinho em elmos.
- ¡Graças, deusas, a vós, a vós, ó Cesares!
- o Genio marcial agrilhoado
- já sob os pés de Roma em vão se extorce.
- O toiro acceite o jugo; o solo, os germes;
- Céres, filha da paz, co’a paz triumphe.
-
- * * * * *
-
-Ouvi-lhe agora a narração da festa, que em seu tempo se fazia no mez de
-Fevereiro, em honra do deus Término, ou Têrmo.
-
-Este deus não era mais nem menos que um marco, de pedra ou pau, que
-extremava os predios. Com rasão lhe davam aquelle culto; nada mais
-respeitavel, que a propriedade; nada mais judicioso, que santifical-a.
-
-
-FESTA DO DEUS TÉRMINO
-
- Finda a noite, alvoreça a costumada
- festa do deus que nos comparte os campos.
-
- Quer tôsca pedra, ó Término, te embleme,
- quer tronco informe pela mão de antigos
- enterrado no chão, sempre és deidade.
-
- Para ti donos dois, de oppostas partes,
- c’rôa e c’rôa te cingem; bôlo e bôlo
- te vem de cá, de lá; como á porfia,
- ahi se te engenhou ara campestre.
-
- Lá nos traz a açodada fazendeira
- no seu testo quebrado as áscuas vivas
- que apurou do borralho. O bom do velho
- racha a lenha miuda, ergue-a em pyramide;
- sua a cravar no chão ramos festivos.
- Agora em cascas sêccas ceva o fogo,
- tendo em pé ao seu lado, em quanto assopra,
- o filhinho abraçado a largo cesto.
- Tres vezes d’ali tira e lança ao fogo
- punhados de aurea Céres. Toma os favos,
- que a filha pequenina lhe apresenta
- pelo meio cortados. Trazem outros
- o vinho; tudo aqui se liba ás chammas.
-
- Alvitrajada a turba espectadora
- religioso silencio attenta observa.
- Co’o sangue quente de immolada ovelha
- ¡que ufano purpureja o vulto informe
- do commum velador, o honrado Término!
- e quando, em vez de ovelha, haja leitôa,
- não temais que se anoje. O brodio é franco
- aos bons visinhos, corações lavados,
- que o celebram com fé, que jubilosos
- vão tecendo um louvor a cada prato.
- Ouvi, ouvi seu rustico descante;
- é do deus do festejo o panegyrico:
-
- ¡Salve, ó Término sacro, ó tu, que extremas
- bairros, cidades, reinos! cada campo
- fôra sem ti um campo de batalha.
- Mantens, desambicioso, insubornavel,
- as herdades em paz das Leis á sombra.
- Se a terra Thyreátide te houvéra,
- não ceifaria a morte heroes seiscentos
- de Argos e Esparta no fatal duello;
- não se lêra de Othryades o nome
- n’um vão tropheo de mentirosas armas,
- que inda á Patria infeliz custou mais sangue.
- Capitolino Jupiter que diga
- que invencivel te achou, quando ao fundar-se-lhe
- a área do templo, ao passo que os mais numes
- para dar-lhe logar retrocediam,
- tu só, qual nol-o conta annosa fama,
- ousaste resistir, ficar, ter parte
- no templo augusto, e adorações com Jove;
- e inda lá, por que nada alfim te ensombre,
- sobre ti ao ceo livre é rôta a abobada.
- Nume de tão gentil perseverança,
- em qualquer a leveza achára venia;
- contradicção em ti suicidio fôra.
- Mantém pois sempre, ó sacra sentinella,
- mantém pois sempre, ó Término, teu posto.
- Despréza os rogos do vizinho avaro;
- não lhe concedas do terreno um ponto.
- ¡Ceder a humanos quem resiste a Jove?!
- ¿Vem bater-te enxadão, pulsar-te arado?
- proclama a vozes: «Meus confins são estes;
- d’além, tu; d’aquem, elle; ambos cohibo,
- e em cohibir aos dois aos dois protejo.»
-
- Uma estrada une Roma aos Laurentinos,
- reino que o Teucro prófugo buscára;
- lá, dos marcos o sexto em honra tua
- vê que lanosa victima se immola.
- Término, já que acceitas cultos nossos,
- ampara nos; sustenta o nosso Imperio.
- De cada povo o espaço é circumscripto;
- são de Roma os confins confins do globo.
-
- * * * * *
-
-¡Quão grande, meus amigos, não era o Povo em que um Poeta podia dizer
-isto, sem medo de que o mundo, nem a posteridade, o desmentisse!
-
-E nós tambem, nós, os Portuguezes, já houve um tempo, em que pouco
-menos fomos.
-
-Ouvi como o nosso Camões o cantava:
-
- Mas em tanto que cegos, e sedentos
- andais do vosso sangue, ó gente insana,
- não faltarão christãos atrevimentos
- n’esta pequena Casa Lusitana.
- De Africa tem maritimos assentos;
- é na Asia mais que todas soberana;
- na quarta parte nova os campos ara,
- e, se mais mundo houvera, lá chegára.
-
-¿Hoje...¿ que são aquella Roma, e este Portugal?
-
-Roma pereceu. Portugal, se não agonisa, enferma gravemente.
-
-Mas para Roma não ha já esperança; para nós ha ainda uma ¿Sabeis qual?
-
-Sois vós, vós mesmos, vós unicamente, ó Lavradores.
-
- Março de 1849.
-
-
-
-
- X
-
- Quarto serão do casal
-
- Continuação do precedente
-
- SUMMARIO
-
- Mais Ovidio.--Recommenda a Germanico o Livro IV dos Fastos, por ser
- Abril consagrado a Venus, a ascendente da familia _Julia_.--Nobiliario
- troiano dos Romanos.--Rasão por que no calendario de Romulo era
- Março o primeiro mez, e Abril o segundo.--Uma etymologia grega de
- _Abril_.--Outra etymologia latina da mesma palavra.--Abril pertence
- de direito a Venus, como principio de toda a attracção e reproducção
- das especies.--Venus tirou os homens do estado silvestre, e fez nascer
- a Poesia, e todas as bellas, e boas Artes.--Roma, mais que todos os
- povos, deve a Venus adorações.--Origem de uma festa annual dos Romanos
- a esta deusa.
-
-
-O nosso Ovidio, que já conheceis, é quem ha-de regalar-vos este Serão.
-
-Ides ouvil-o no introito do seu Livro IV dos _Fastos_, cantar-vos as
-origens d’este mez.
-
-Fala com o Imperador Germanico.
-
- Abril de 1849.
-
-N. B DO EDITOR--Seguia-se na 1ᵃ impressão d’esta obra um largo trecho
-da traducção dos _Fastos_; mas como esse fragmento pertence por sua
-indole a outro genero de estudos, e entraria aqui descabido até certo
-ponto, entendeu o editor, para não allongar demasiado o volume com um
-accessorio, aliás brilhante, supprimil-o, remettendo o leitor á edição
-especial dos _Fastos_.
-
-
-
-
- DIGRESSÃO
-
- SOBRE A
-
- Sociedade dos Amigos das Lettras e Artes em S. Miguel
-
-
- ADVERTENCIA
-
-Entre o precedente _Serão do Casal_ e o seguinte, falta o do mez de
-Maio. O autor estava ausente.
-
-A 21 de Fevereiro partira para Lisboa, deixando promptos os d’esse
-mez e dos dois immediatos, esperando regressar a tempo de não haver
-interrupção. Mas os negocios, que tão empenhado o levavam á Côrte, só o
-deixaram tornar a 24 de Maio.
-
-Eram estes negocios a approvação dos Estatutos da Sociedade dos Amigos
-das Lettras e Artes em S. Miguel pelo Governo, e a concessão de um
-pouco de terreno nacional n’esta Ilha, a cerca do extincto convento
-da Conceição, desaproveitada, e as ruinas da contigua egreja de S.
-José, para a Sociedade ali edificar á sua custa uma casa para as
-suas escolas, sessões, exposições, concertos musicos, representações
-scenicas, etc.; tudo objectos de publico e manifesto interesse.
-
-Fez o autor em ambas estas diligencias tudo quanto era humanamente
-possivel; e, apezar da santidade e generosidade de taes requerimentos,
-da optima sombra que de toda a parte os cercou desde a primeira hora,
-das formaes e reiteradas promessas dos que mais podiam influir no
-despacho, o que só logrou trazer foram os Estatutos approvados (ainda
-assim com suas restricções desconfiadas, que uma tão desambiciosa
-Sociedade por ventura não merecia), e uma esperança, já então muito
-vaga, de se obter o terreno; o terreno, condição tão substancial para a
-existencia da Sociedade, como a existencia da Sociedade provadamente o
-é para o progresso e lustre das Artes, das Lettras, e da sociabilidade
-n’esta paragem.
-
-N’este livro, repositorio de sãos desejos, propostas e ousadias
-civilisadoras, entendeu-se não seria mal cabida uma singela memoria
-de taes factos, pois quando se lhe pôz por titulo _Felicidade pela
-Agricultura_, na palavra _agricultura_ se abrangeram implicitamente,
-como até agora se tem visto, e se continuará a ver até ao fim, todos os
-outros verdadeiros interesses inseparaveis d’ella, quer os consideremos
-activa, quer passivamente; e para os quaes, Deputados e Ministros
-amigos da terra não poderiam deixar de olhar com amor principalissimo.
-
-A mesma razão, que o autor no Prologo deu, de haver colligido n’este
-volume alguns dos seus artigos impressos no _Agricultor Michaelense_,
-lhe fez força para aqui lhes intercalar os seguintes, que, por andarem
-dispersos em periodicos, já hoje estavam sendo como se não existissem.
-
-O amor-proprio nada fez para o caso. O autor sabe o pouco valor de
-forma litteraria, que ha em tudo isto; mas crê, em sua consciencia,
-que deixa a seus filhos um bom exemplo, e a outros cidadãos zelosos
-indicações uteis. Finalmente: pela publicidade, que muitas vezes
-é mãe da opinião, como esta quasi sempre o vem a ser dos factos,
-figurou-se-lhe que poderia, perante o Parlamento e o Throno, dar assim
-um derradeiro impulso á pretensão pendente.
-
-_¡Di faciant!_
-
-Não quer o autor perder este lanço de agradecer, perante os
-contemporaneos e vindoiros, ás pessoas que mais sollicitas se teem
-havido em patrocinar o requerimento:
-
-ao sr. D. Pedro da Costa de Sousa de Macedo, então dignissimo
-Governador Civil de Ponta-Delgada;
-
-aos srs. Redactores do _Açoriano_, e do _Correio_ d’esta mesma cidade;
-
-ao da _Revista Universal Lisbonense_, e aos de outras folhas de
-Portugal, nomeadamente ao do _Diario do Governo_, o sr. Vilhena Barbosa;
-
-ao sr. Mexia, benemerito Secretario da Camara electiva;
-
-aos honrados Membros da Commissão de Fazenda da mesma Camara;
-
-a um grande numero de Senhores Deputados e Dignos Pares;
-
-ao mui distincto Presidente do Tribunal do Thesoiro;
-
-ao sabio ex-Ministro da Fazenda, o sr. Franzini;
-
-ao exemplar de Governadores Civis, o sr. José Silvestre Ribeiro, etc.,
-etc., etc.
-
- ......não é premio vil ser conhecido
- por um pregão do ninho seu paterno.
-
-
-I
-
-Carta ao Redactor da Revista Universal Lisbonense
-
- Ill.ᵐᵒ collega e amicissimo snr. Ribeiro de Sá.
-
-Lisboa 6 de Março de 1849.
-
-Se a reconhecida modestia de V. S.ᵃ se oppozesse a que estas poucas
-linhas fossem incluidas na sua _Revista_, ficaria eu perante o Publico
-insanavelmente condemnado pelo mais vil de todos os ingratos; pois
-desde que V. S. se encarregou de tal redacção, com geral e manifesto
-proveito, até hoje ainda não perdeu a minima occasião de provar a
-sua extremada benevolencia, a sua devoção, o seu (¿ousarei dizel-o?)
-fanatismo de amisade para comigo.
-
-Honrando me, como V. S. o tem feito, V. S. se tem sobretudo
-engrandecido a si mesmo. Exemplos de tão alta generosidade em tempos de
-egoismo tão profundo; linguagem tão do coração, quando a maledicencia
-se tornou moda, e se pavoneia como donaire; fidelidade assim para com
-a amisade velha, em terra onde as novas mesmo são apenas respeitadas;
-pagar todo o pouco louvor que se deve, ajuntando-lhe com alegria o que
-nunca chegará a ser merecido, mas que nem por isso deixará de produzir
-mui fecundos estimulos para o bem; e, para remate de singularidade,
-fazer tudo isto longamente, e com inalteravel constancia, a um homem
-desterrado pela fortuna para além-mar por anno e dia, que vale o mesmo
-que dizer, a um morto e enterrado sem cipreste nem epitaphio... eis
-aqui o que a V. S. o torna unico em merito, e unico a mim tambem em
-felicidade.
-
-Forcejemos por nos conservar como Deus nos fez: corações sinceros e
-amantes, almas impermeaveis ás invejosas malevolencias, que tão boas
-coisas estragam por esse mundo.
-
-O systema, que V. S. tem religiosamente seguido na nossa _Revista_, de
-exforçar e coroar todas as boas vontades, de animar e dirigir todos
-os principiantes, de restaurar brios a todos os desanimados, em summa
-de manter n’essa folha um honrado campo de exercicios, de emulações
-sem odio, e de premio para todos sem distincção, é quanto a mim o mais
-glorioso, o mais patriotico, e o mais eminentemente moral, de quantos
-systemas se podem adoptar em jornalismo. Para almas pequenas teria uma
-inconveniencia, que é a de semear ingratidões muito feias e ruins. Mas
-¿onde estaria o merecimento do bem-fazer, se todos fossem agradecidos?
-
-Como experimentado falo: o melhor travesseiro, onde uma cabeça, que
-já quer ir branquejando, se pode reclinar para bons somnos, melhores
-sonhos, e optimas vigilias, é o bem que se fez sem esperança de
-retribuição, e as amarguras passageiras, que maldosamente nos deram a
-tragar.
-
-Continue pois V. S. no seu apostolado, baptisando, confirmando, e
-convertendo, principalmente a pobre gente moça e inexperiente, para a
-unica verdadeira religião terrestre, a illustração e a moralidade.
-
-O que havia de empregar comigo, já muito conhecedor, e muitissimo
-desencantado, das vaidades litterarias, dê o exclusivamente á geração
-nova, que, atravez de tropeços e quedas, vai caminhando para muito
-grandes destinos. Quanto a mim, presente de já pouco futuro, e passado
-que a fortuna desfloriu e quebrou antes do fruto, cá me ficarei sentado
-na pedra immovel do angulo da estrada, seguindo, com os meus votos de
-muito amor, esse bando juvenil que marcha para o futuro, por entre o
-qual vai por ventura mais de um que me ama, e muitissimos a quem eu amo.
-
-Dia virá, em que o actual Redactor da _Revista_, depois de os ter
-fielmente acompanhado e dirigido, se ha-de tambem, lá a diante,
-assentar como eu hoje, e seguil-os só com as saudades. É para então,
-meu bom amigo, que o esperam as recompensas interiores, as unicas de
-que ninguem nos pode defraudar. Solitario então, como eu hoje, V. S.
-conversará, mão por mão, e horas largas, com a sua consciencia; porque
-emfim, como diz um excellente Poeta, o bem que fazemos perfuma nos a
-alma; sempre d’elle nos lembramos o nosso poucochinho.
-
-Entretanto, meu caro e honestissimo escriptor, nem então deixará o seu
-distincto entendimento de pagar, de algum modo, á Patria e á Humanidade
-o que todos lhes devemos. Do escripto, V. S. passará a obras mais
-positivas: do desejar e do aconselhar, ao emprehender e ao conseguir;
-pois que eu mesmo, sem ter ainda inteiramente despedido a Musa, a quem
-devi a pouca fama que me deram; sem ter renunciado o meu logar no
-banquete commum dos escriptores conterraneos, já me acho, de feito, e
-com todas as veras, empenhado n’estas menos brilhantes, mas não menos
-uteis, tarefas do nosso seculo.
-
-Os meus poemas hoje são as escolas, os methodos melhorados de ensino, a
-instrucção e civilisação dos operarios, a esmola da doutrina ás pobres
-almas infantis; porque a doutrina é moeda sem a qual esses pobresinhos
-nunca chegariam, em tempo algum, a poder mercar felicidade para si, nem
-para as suas mulheres, nem para os seus filhos, se Deus lh’os der, nem
-para a sua Patria.
-
-Mas... este campo em que entrava agora é vasto; deixemol-o para outro
-dia. Eu lhe contarei, para os seus leitores e nossos amigos, o que
-n’este sentido já tenho feito com admiravel fortuna; e o mais, e muito
-mais, a que se estendem os nossos projectos, que a Providencia, segundo
-espero, ha-de continuar a favorecer.
-
- De V. S. etc.
- A. F. DE CASTILHO
-
-
-II
-
-Segunda carta ao mesmo
-
- Meu estimavel Amigo
-
-Lisboa, 8 de Março de 1849
-
-Fiel ao promettido, relatarei summariamente, por não consumir espaço
-largo em tão util folha, o que tenho feito e projectado relativo á
-Instrucção na nossa formosa Ilha de S. Miguel.
-
-É aquelle, meu bom Amigo, um torrão bemdito quanto a fertilidade
-vegetativa, e não menos pelo que respeita a bons engenhos e mãos
-industriosas; mas de tão ruim estrella, e tão desamparado da ventura,
-que, podendo ter de tudo copiosamente, de quasi tudo carece ainda.
-
-Attribuem muitos este desconcerto ao clima, que dizem entibiar, por
-sua molleza, a energia do querer; outros, ao modo como a propriedade
-lá se acha repartida; outros teem para si que injustiça, desfavor e
-esquecimento da Mãe Patria é que produziram, e teem conservado, aquelle
-atrazo. Eu por mim não rejeito explicação alguma d’estas, e deploro
-que, logo sobre uma das mais ricas joias da Corôa portugueza, assim
-houvessem de cahir, para a marear, tres influxos tão maleficos.
-
-Quanto ao clima, que, por quente e humido, quebranta as vontades, ao
-mesmo passo que pucha e encorpa todo o genero de plantas, é mal que não
-tem remedio.
-
-A divisão da terra, e a organisação da propriedade, não nos pertence a
-nós reformal-as.
-
-Resta o desamparo da pobre enjeitada e desterrada no meio do Oceano. A
-esse respeito ha certamente muito e muitissimo, que se pode, e que por
-mil rasões se deve, fazer.
-
-Quando bem se adverte em que a Ilha de S. Miguel se alistou na
-vanguarda do Exercito libertador, que generosa offereceu haveres e
-sangue pelo Codigo e pela Filha de Dom Pedro, e se vê ao presente quasi
-toda (ou toda) opposição, é impossivel desconhecer uma força-maior,
-que operou tal metamorphose; porque estes Insulanos nem são maus, como
-alguns os pintam, nem turbulentos, nem loucos; mas teem, como todos, o
-instincto da vida, e o da justiça.
-
-Defenda-me Deus de fazer ao Throno a injuria de suppôr, quanto mais de
-acreditar, como alguns por lá dizem no accesso da sua melancolia, que,
-de proposito e a acinte, o Governo os tem querido conservar sempre na
-ignorancia e abjecção, pondo-lhes de industria magistrados maléficos ou
-nullos, difficultando-lhes a instrucção, expremendo-os, torcendo-os,
-exhaurindo-os do seu oiro, e não lhes deixando d’elle com que fazerem
-nenhuma das faceis obras publicas de que mais carecem.
-
-A verdade é, todavia, que, por mal informado sobre as necessidades
-d’aquella Provincia longinqua, e por lhe não chegarem cá os seus
-clamores, o Governo (posto que sem imputação) tem commettido, deixado
-subsistir e crescer, o mal, até o ponto de não faltar por lá, mesmo
-no Povo infimo e rudissimo, mesmo na classe mais alta, e nos mais
-distinctos entendimentos, quem sonhe com as perigosas utopias de uma
-independencia.
-
-Não digo bem; houve essas utopias; hoje um Governador Civil ás
-direitas, como sempre lá e por toda a parte os devêra ter havido,
-fez ver áquelle bom Povo que a Soberana, por quem se votou, não é
-ingrata; elle lhe promove, até onde pode, as commodidades; lança-lhes
-balsamo nas feridas, que flagellos continuos lhes abriram; administra
-justiça prompta e inteira; concilia os despeitados; acompanha-os e
-precede-os pelo caminho franco do progresso illustrado; é o medico de
-todas as dôres, o procurador de todas as minguas para que não basta a
-sua autoridade. Graças aos seus exforços, todas as parcialidades vão
-a convergir para o grande centro; todas as forças conspiram já para a
-luz, para o trabalho, e para a civilisação.
-
-A _Revista_ é extranha á Politica; tambem eu o sou; mas isto não
-é Politica; pelo menos não o é do genero, especie, e variedade,
-d’aquellas com que nada queremos; é um paragrapho singelo de Historia,
-util por mais de uma via, e que em resultados praticos pode ser
-fecundo. Julguei dever aproveitar-me da occasião de confial-o a um
-papel sincero e acreditado, não só para exemplo e incentivo, mas tambem
-para galardão e desafronta, pois me consta que já linguas mexeriqueiras
-andam por ahi no seu costumado officio de desacreditar e empecer ao que
-não podem imitar.
-
-O que nenhuma voz se atreveria a proferir hoje em S. Miguel contra o
-chefe administrativo, pois em logar de eccos só provocaria indignação
-ou risadas, vem, cobarde e maldosamente, espalhal o aqui, por saberem
-que entre as suas calumnias e a verdade está um fosso de 212 leguas de
-Oceano. Ora, como os córos de milhares de bençãos, de tão longe, devem
-aqui soar menos que as invejinhas presentes, que por todas as abertas
-se insinuam, e quanto mais despreziveis mais vão zumbindo, julguei
-dever de consciencia levantar por cima d’esse sussurro, pequeno,
-anonymo, e ingratissimo, um brado forte e independente. Quem affirma
-e sustentará que San Miguel não teve ainda cabeça administrativa mais
-zelosa, mais energica, mais intelligente, nem mais bemquista, nem mais
-promettedora em tudo e por tudo de uma era nova, que o sr. D. Pedro da
-Costa de Sousa de Macedo, quem o affirma e sustentará, é quem assigna,
-com todas as lettras de seu proprio nome, esta carta.
-
-Qualquer dos invejosos ou inimigos d’aquella Ilha, que houver dito o
-contrario, que levante a luva e descubra o rosto. Com esta condição,
-achar-me-ha na estacada prompto a dar-lhe razão do dito.
-
-Nem um, meu Amigo, nem um ha-de apparecer; afianço-lh’o eu; e se
-apparecer, tanto melhor; justiça e verdade não se acrisolam senão ao
-fogo[7].
-
-A alguem parecerá que, para ser em materia incontroversa, e alheia, já
-tenho deixado correr o preambulo por fóra das medidas; mas não é assim,
-pois, por uma parte, a zizania que ás mãos cheias se espalha, e se rega
-convenientemente, ainda que de certo não será com chuvas de Danae,
-sempre a final damna o bom grão; e quanto a serem-me extranhos estes
-interesses, tambem o não são, porque defendendo o sr. Sousa de Macedo,
-não advogo simplesmente o interesse publico, não me limito em servir ao
-amigo como amigo, e, como escriptor, a um excellente engenho portuguez,
-se não que arrazôo pelo meu proprio credito. Sim, os nossos inimigos
-são communs; communs as accusações que nos fazem.
-
-Segundo elles, quando escrevem e imprimem, ambos somos miguelistas;
-segundo elles, quando falam, ambos somos republicanos, communistas,
-sansimonistas, fourieristas, e não sei que mais. Segundo elles, por
-fora, ambos somos flagellos da Cólera Divina. ¿E porquê? porque, lá por
-dentro, bem sabem elles tão bem como nós mesmos, tão bem como toda a
-Ilha de S. Miguel, que, se temos ambição, é só de contribuirmos cada um
-com todos os seus meios, e com os que o outro lhe possa proporcionar,
-para a maior felicidade moral e physica do maior numero; para a
-educação e instrucção do Povo; para a prosperidade e esplendor da
-terra; para o restabelecimento da harmonia entre os visinhos, e entre
-os mais apartados dominios do mesmo Reino.
-
-Os actos magnificos da sua, apenas encetada, carreira publica,
-o jornal verdadeiramente cartista de S. Miguel, _A Verdade_, os
-tem enthesoirado; o jornal mesmo da opposição n’aquella ilha os
-tem recebido com louvor; o Povo, com agradecimento; o Throno, com
-satisfação. Quanto a mim, homem obscuro, e quasi sem forças proprias
-além da boa-vontade, relevar-se-me-ha que n’um jornal, destinado a
-viver como livro, lance como um protesto contra calumniadores, a menção
-do pouco bem que desejei, e talvez consegui, fazer em terra portugueza.
-Não é por vangloria que me faço Homero da minha Iliada; é porque o
-curar do bom-nome é um dever religioso; e apresentar estimulos para que
-outros façam mais e melhor, um dever social; e o deixar exemplos de
-Patriotismo a filhos, um dever natural, o mais suave e o mais santo de
-todos os deveres.
-
-Entre as lastimas, que em S. Miguel fui descobrir (bem contra o
-que de tal Ilha me haviam pintado), as que mais me doeram foram: a
-grande mingua de instrucção para o Povo, aliás aptissimo para toda a
-especie de boa doutrina; a carencia de estimulos, que de alguma sorte
-neutralisassem a perguiça natural; e a pouquissima, e quasi nenhuma,
-convivencia dos moradores.
-
-A todos estes males me pareceu que poderia acudir uma Sociedade, se
-jámais se chegasse a organisar, que sinceramente posesse peito a crear
-escolas com bons methodos; a accender emulações entre artistas e
-artifices; e a pôr no possivel contacto as differentes classes.
-
-Uma Sociedade de Agricultura, que já ali existia, prestantissima para
-o seu grande fim, era comtudo extranha a todos estes, que a mim se me
-representavam como de primeira necessidade e urgencia. Coadjuvando pois
-os empenhos d’essa Sociedade exemplar, como redactor que tive a honra
-de ser, do seu periodico, e com algumas propostas, que ella se dignou
-de me acolher benevola[8], comecei a tratar, ao mesmo tempo, com alguns
-poucos amigos, de instituir outra, e mais ampla, Sociedade de Lettras e
-Artes.
-
-Nunca jamais a fortuna sorrira tão benigna a projectos meus. Crescemos
-de semana para semana, até ao ponto de em minha casa não cabermos,
-ser-nos forçoso irmos celebrar no theatro as nossas sessões, e
-passarmos hoje de quatro centos, incluindo-se n’esta conta o Prelado,
-o Vigario geral, o Governador Civil, o Militar, o commandante da força
-armada, o Administrador do Concelho, o Presidente da Camara Municipal,
-o Presidente e outros Juizes da Relação, o Juiz de Direito, o Delegado
-do Procurador Regio, em summa, tudo que a cidade de Ponta-Delgada
-possue de mais alto, de mais illustre, de mais instruido, e de mais
-patriotico, sem falar em muitas senhoras respeitabilissimas, que
-promptamente se fizeram inscrever para esta cruzada de civilisação.
-
-A Sociedade acha-se pois por sua parte constituida, e os seus estatutos
-já subiram á Real Presença para obterem approvação. Os beneficios
-que ella tem produzido, sendo apenas recem-nascida, se não egualam,
-nem ás publicas necessidades, nem aos nossos desejos, são já todavia
-attendiveis, e promettedores de muito maiores.
-
-A Exposição da Industria Michaelense, desde o dia de Natal do anno
-proximo passado até muito depois dos Reis, foi mais que um espectaculo
-imprevisto e maravilhoso: foi um fomento efficacissimo ao trabalho
-e natural habilidade dos habitantes. Quatro grandes salas continham
-apenas os productos, que ahi se apinharam, offerecidos á admiração de
-cerca de vinte mil visitadores, incluindo n’esse numero os repetentes.
-Em todos os generos appareceram primores, e muitos em desenho e
-pintura, em gravura, em escultura, em flores artificiaes, de seda, de
-lan, de cabello, de pennas, de cera, de conchas; bordados, obras de
-ourives, de galvanisador, de doirador, de ferreiro, de serralheiro, de
-cuteleiro, de carpinteiro, de marceneiro, entalhador e torneiro, de
-machinismo, de tecelagem, de fiação de linho, de algodão, e de seda; de
-encadernação, etc., etc., etc.
-
-A Ilha mesma ficou admirada das riquezas industriaes, que possuia sem
-o saber. Accenderam-se-lhe novos brios com este documento irrefragavel
-de suas forças; e tudo nos faz esperar, que a seguinte exposição não
-cederá a esta em esplendor. O que n’este momento as Ilhas Canarias
-estão forcejando por conseguir, já existe pois nas dos Açores, graças
-ao poder da associação.
-
-As escolas são outro bem, menos brilhante sim, porém ainda mais sólido
-que o precedente.
-
-As que no gremio da Sociedade se acham já trabalhando, são:
-
- tres de Leitura;
- uma de Doutrina christan;
- uma de Arithmetica;
- uma de Geometria applicada ás Artes;
- uma de Desenho de figura e paizagem;
- uma de Poetica e Declamação;
- uma de Hygiene;
- uma de Francez, para senhoras;
- uma de Inglez, para homens;
- uma de Geographia;
- uma de Encadernação.
-
-
-AULAS ABERTAS, MAS AINDA Á ESPERA DE DISCIPULOS
-
- uma de Agrimensura;
- uma de Desenho topographico;
- uma de Dança;
- uma de Torno;
- uma de Pyrotechnia.
-
-
-AULAS EM PROJECTO
-
- uma de Economia politica;
- uma de Historia;
- uma de Gymnastica;
- uma de Natação;
- uma de Calligraphia;
- uma de Musica.
-
-Das aulas em actividade, as que teem dado mais satisfatorios resultados
-são: as de Leitura, a de Arithmetica, a de Geometria, e a de Desenho
-de figura e paizagem, que, por ter sido de todas a primeira fundada, e
-a que abriu tão nobre exemplo, merece especial menção. É regida pelo
-Director do _Lyceu Açoriano_, o snr. Pedro de Alcantara Leite.
-
-Em realidade, meu bom Amigo, ha já, n’aquelle nascente complexo de
-estudos uteis, alguma coisa que para o nosso mesmo Portugal poderia
-servir de exemplo. A ordem e a boa policia das classes; o canto
-religioso, com que os alumnos se preparam para o trabalho, invocando
-a Graça Divina[9]; o amor que manifestam aos seus generosos mestres,
-sem prejuiso do respeito e da attenção; o contentamento com que ás
-lições assistem; o fruto que tiram dos methodos simplices, racionaes, e
-aprasiveis, que ahi se empregam; tudo isto é já muito, e não é senão um
-começo; pois somos de hontem, se pode dizer.
-
-O que os _Amigos das Lettras e Artes_, que já por ahi algum velhaco
-semsabor, por ter talvez ouvido falar de phalansterios, acoimou de
-_phalansterianos_, o que os _Amigos das Lettras e Artes_, digo, teem já
-concorrido para desenvolver o espirito de sociabilidade, nem os mais
-pirronicos o poderiam negar.
-
-O oitavario de Santa Cecilia[10], por elles celebrado, com poesia
-e musica, no theatro de S. Sebastião; as tres noites de saráu
-artistico, no decurso da Exposição; as proprias sessões ordinarias;
-são documentos incontroversos d’esta verdade. Ahi se teem visto, e
-se vêem, reunidos, misturados, com a mais irreprehensivel decencia,
-com perfeita satisfação mutua, os artifices, os artistas, os nobres, e
-os litteratos; o morgado, e o operario que sua e véla para sustentar
-os filhos; os magistrados mais consideraveis, as damas das melhores
-familias, e o mechanico sem nome, mas não sem virtudes. ¡Feliz
-commercio, em que todos lucram! os pequenos, aprendendo, no trato das
-pessoas educadas, as maneiras faceis, elegantes, decentes, que lhes
-faltavam; os grandes, educando assim indirectamente o povo, com quem
-é forçoso viverem, e forrando-se por consequencia, para o futuro, o
-dissabor de muita grossaria.
-
-Se d’estes _phanlasterios_ se pode alguem queixar, não serão senão
-os apologistas da taberna, e certas outras casas não menos moraes e
-honestas.
-
-O amor do trabalho tem recebido notavel impulso do complexo de tudo
-isto, e de outra causa ainda, que fará rir os nescios, mas que nenhum
-espirito dotado de philosophia deixará de entender: falo do _Hymno do
-trabalho_[11], brilhante composição musica de um dos Socios, o snr.
-Moraes Pereira.
-
-Este Hymno tornou se de repente o mais popular dos cantos em toda a
-superficie da Ilha; as vozes, os instrumentos, o assobio, o repetem
-de continuo pelas ruas, pelas salas, pelas officinas, na lavoira, no
-theatro, nas escolas, em toda a parte. Áquella constante exhortação
-
- Trabalhar, meus irmãos, que o trabalho
- é riqueza, é virtude, é vigor.
- D’entre a orchestra da serra e do malho
- brotam vida, cidades, amor.
-
-tem-se visto muito braço, que desfallecia com a perguiça, reforçar-se
-para a tarefa. O malho e a serra mesmos, como que se magnetisam. Se
-eu tivesse uma officina de qualquer industria, quereria que os meus
-obreiros cantassem, em côro e a miudo, aquelle Hymno. Se a grave
-Allemanha me ouvisse isto, não me negaria a rasão.
-
-Aqui tem, meu bom Amigo, o que é já hoje a incalumniavel _Sociedade dos
-Amigos das Lettras e Artes em S. Miguel_. ¿Os seus destinos ulteriores,
-quem os calculará? Avivente-a Deus, que teem de ser immensos; ¡tantos,
-tamanhos, e tão esperançosos são os bons engenhos, habilidades, e
-desejos d’aquelles nossos optimos irmãos insulanos!
-
-Para assegurar, do possivel modo, força e estabilidade a tal instituto,
-em terra tão necessitada, e tão propria d’elle, pareceu-me que devia
-a Sociedade radicar-se, e tornar-se independente de inconstancias e
-entibiamentos de vontades. Para isto, duas coisas eram, a meu ver,
-necessarias: grangear-lhe casa, e dote.
-
-De um e outro alvitre me riram a principio, como de utopia rematada.
-Nem por isso descoroçoei. Puz-me á capa aguardando monção, e não tardou.
-
-Hoje, nem na Sociedade nem fóra d’ella ha já quem não acredite
-firmemente em que de donativos e esmolas, esmolas em dinheiro, em
-generos, e em trabalho, havemos de levantar um dote e uma casa á
-Sociedade, assim como os Frades erigiram conventos, e para os conventos
-grangearam rendas. Os Frades pediam em nome do Ceo, eram acreditados,
-obtinham; nós havemos de pedir em nome da humanidade, e do Ceo tambem,
-e havemos de obter egualmente, porque o nosso pequeno passado é já, aos
-olhos de toda a gente, o fiador do nosso prestimo.
-
-A casa que meditamos, e que eu já d’aqui antevejo feita em menos de um
-anno, é para as nossas escolas, para o nosso theatro de declamação,
-para as nossas sessões, para a nossa bibliotheca, para o nosso museu,
-para as nossas exposições, para os nossos concertos musicos, para o
-nosso basar de productos industriaes, em summa: para toda a especie de
-bons serviços publicos. ¿Como poderia o Publico deixar de nos favorecer
-na edificação, até lhe pôrmos a ultima telha, o ultimo prego, e o
-ultimo vidro? Elle e nós havemos de acarretar, todos, pessoalmente,
-a pedra a areia se fôr preciso. Nós por entre elle havemos de ir de
-povoação em povoação, de casal em casal, sem vergonha e com alegria, a
-pé e de sacco ás costas, mendigando para a obra santa.
-
-Quando nós e o povo assim estamos determinados a cumprir o nosso dever
-¿poderiam o Governo e o Parlamento, que são a providencia grande do
-Reino, deixar de nos coadjuvar? Não podiam nem podem.
-
-É por isso que, a par dos Estatutos para a Real approvação, eu já
-fiz subir ao Throno a petição com que, em nome e como presidente da
-Sociedade, supplico se nos conceda um pequeno terreno nacional, ha já
-annos devoluto, sobre que edifiquemos. Grande, pingue, rendosissimo que
-elle fosse, nol-o deveriam outorgar, pois nenhum uso se poderia jámais
-d’elle fazer mais proveitoso e abençoavel do que este.[12]
-
-¡Oxalá que em muitas partes do Reino se levantassem institutos eguaes,
-sollicitando e obtendo eguaes ou ainda maiores concessões!
-
-Para mais facilitar a graça que sollicitamos, e ao mesmo tempo para nos
-adstringir mais á observancia dos nossos deveres, eis aqui uma clausula
-do requerimento, consignada não menos nos Estatutos:
-
-Se em algum tempo (o que Deus não permitta) a Sociedade dos Amigos
-das Lettras e Artes deixar de existir, isto é, se algum dia deixarem
-de apparecer as suas obras beneficas, a sua casa e bens passarão para
-o usufruto do Hospital do Districto, e lá ficarão até que, ou com os
-mesmos individuos ou com outros, mas com os mesmos estatutos, e para os
-mesmos fins, a Sociedade reappareça.
-
-Meu caro e incançavel obreiro de civilisação, apadrinhe com a grande
-autoridade da sua philosophica e eloquente folha, esta petição, a mais
-justa, a mais desinteressada, a mais nobre, que em nenhum tempo se fez;
-não para que a despachem, que para ahi não cabem duvidas, mas para a
-maior brevidade do despacho.
-
-Cada dia que se perde para as obras de instrucção e moralisação é um
-mal, e são males infinitos que se não ressarcem.
-
- De V. S. etc.
-
- ANTONIO FELICIANO DE CASTILHO.
-
-
-NOTAS DE RODAPÉ:
-
-[7] De feito, nem um appareceu; mas os mexericos sollapados
-progrediram, e por derradeiro triumpharam.
-
- Castilho.
-
-
-[8] Acham-se impressas no 2.ᵒ tomo do _Agricultor Michaelense_.
-
- CASTILHO
-
-
-[9] Este canto no fim da presente carta se pode ver.
-
-[10] Foi uma esplendida festa. A 2.ᵃ das tres peças de poesia que se
-acham depois d’esta carta é o Hymno de Santa Cecilia, que o autor para
-esse fim compoz.
-
-[11] No fim d’esta carta se publica apoz o _Hymno de Santa Cecilia_.
-
- CASTILHO.
-
-
-[12] Pelo Ministerio do Reino nada foi possivel conseguir-se; rasão por
-que, perdidas d’aquella parte as esperanças, se recorreu ao Parlamento,
-com a petição que ao diante se lerá.
-
- CASTILHO.
-
-
-
-
-II
-
- INVOCAÇÃO A DEUS
-
- ANTES DE COMEÇAR O ESTUDO
-
- Posta em musica, para uso das escolas dos Amigos das Lettras
- e Artes em S. Miguel
- pelo Snr. Dr. João José da Silva Loureiro
- e 2.ᵃ vez em Lisboa pela Snr.ᵃ D. Carolina Smith Rosier
-
- Tu cujo amor em canticos
- celebram sem cessar
- o mundo dos espiritos,
- o Ceo, a terra, o mar,
-
- ¡Senhor, acolhe as supplicas
- de pobres filhos teus!
- ¡Illustra-nos! ¡melhora-nos!
- ¡ampara-nos, ó Deus!
-
- «A luz--disseste--faça-se.»
- E a noite em luz se fez.
- Dissipe egual prodigio
- a sombra em que nos vês.
-
- Nas trevas da ignorancia
- não medra o santo amor.
- ¡Illustra-nos! ¡amemo-nos!
- ¡Senhor! ¡Senhor! ¡Senhor!
-
-
-
-
-III
-
- HYMNO DE SANTA CECILIA
-
- NA FESTA DA SOCIEDADE DOS AMIGOS DAS LETTRAS
- E ARTES EM S. MIGUEL
- POSTO EM MUSICA PELA SNR.ᵃ D. LEONOR VIDAL DALHUNTY
-
- Musa das castas citharas
- de ethérea melodia,
- Anjo, Mulher, Cecilia,
- ¡salve em teu festo dia!
-
- ¡Da terra aos Ceos elevem-se
- nas azas das canções
- a ti nossos espiritos
- e nossos corações!
-
- Melhor que o incenso, a musica,
- do ideal linguagem bella,
- os ineffaveis jubilos
- á mente nos revela.
-
- Dos sentimentos plácidos,
- do amor, da paz, do bem,
- ella, invisivel mágica,
- ella o segredo tem.
-
- Musa christan, confirma-nos
- o ardor que ao bem nos guia.
- Auspicioso aos miseros
- finde o teu festo dia.
-
-
-
-
-IV
-
- HYMNO
-
- DA SOCIEDADE DOS AMIGOS DAS LETTRAS E ARTES.
- EXHORTAÇÃO AO TRABALHO
- COM MUSICA DO SNR. JOÃO LUIZ DE MORAES PEREIRA
-
- VOZ
-
- No regaço do luxo a opulencia
- os cançassos do ocio maldiz.
- Entre as lidas sorri a indigencia;
- co’o pão negro se julga feliz.
-
- CÔRO
-
- Trabalhar, meus irmãos, que o trabalho
- é riqueza, é virtude, é vigor.
- D’entre a orchestra da serra e do malho
- brotam vida, cidades, amor.
-
- VOZ
-
- Deus, impondo ao peccado a fadiga,
- té na pena sorriu paternal:
- só quem vence a perguiça inimiga
- reconquista o edén terreal
-
- CÔRO
-
- Trabalhar, meus irmãos, etc.
-
- VOZ
-
- ¿Quem dá graças aos Ceos ao sol posto?
- ¿Quem lh’as dá vendo a aurora raiar?
- É o obreiro; o suor lhe enche o rosto,
- mas seus dias não turva o pesar.
-
- CÔRO
-
- Trabalhar, meus irmãos, etc.
-
- VOZ
-
- O que vive na inercia aborrida
- não somente é de irmãos roubador;
- é suicida, e mais vil que o suicida;
- é suicida, a quem falta o valor.
-
- CÔRO
-
- Trabalhar, meus irmãos; etc.
-
- VOZ
-
- Caia opprobrio no vil ocioso,
- que desherda o presente e o porvir.
- Só á noite compete o repouso;
- só aos mortos o eterno dormir.
-
- CÔRO
-
- Trabalhar, meus irmãos, etc.
-
- VOZ
-
- Mar e terra, ar e ceo, tudo lida.
- Deus a todos poz luz e deu mãos.
- Lei suprema o trabalho é na vida.
- ¡Trabalhar, trabalhar, meus irmãos!
-
- CÔRO.
-
- Trabalhar, meus irmãos, que o trabalho
- é riqueza, é virtude, é vigor.
- D’entre a orchestra da serra e do malho
- brotam vida, cidades, amor.
-
-
-
-
-V
-
-Extracto da «Revista Universal Lisbonense» de 26 de Abril de 1849
-
-«A hora muito adiantada tivemos noticia do Requerimento, que ao diante
-publicamos, dirigido á Camara dos Senhores Deputados pelo Snr. A. F. de
-Castilho, como Presidente da Associação dos Amigos das Letras e Artes
-estabelecida em S. Miguel. Sobre a importancia e grande urgencia do
-assumpto diz o Requerimento quanto basta para que a Camara não demore
-uma decisão, que será para ella um padrão de gloria, que não morre.
-
-«É para louvar o modo honroso, com que o Secretario, o snr. Mexia,
-apresentou este Requerimento. Oxalá que tão bom principio seja signal
-de breve e favoravel resolução.[13]
-
-«Em o numero proximo, e na presença de documentos e factos
-incontestaveis, faremos por chamar a attenção do Governo, da Camara, e
-do Publico, sobre materia de tão alto interesse»
-
-
-NOTAS DE RODAPÉ:
-
-[13] Adiante se encontra a fala do sr. Mexia.
-
- CASTILHO.
-
-
-
-
-VI
-
-Requerimento á Camara dos Senhores Deputados
-
- SENHORES:
-
-Existe hoje nos confins dos estados Portuguezes uma Sociedade,
-talvez sem exemplo, que nasceu grande, possante, auspiciosa, e, em
-poucos mezes de existencia, apresenta já momentosos, copiosissimos,
-e incontestaveis resultados para a illustração e ventura do Publico.
-Esta Sociedade é a dos Amigos das lettras e artes em S. Miguel, cujos
-Estatutos já em 3 do corrente Abril foram confirmados por S. M. F.
-
-Quando se vê, Senhores, o que uma tal organisação germinalmente
-contém de sciencia de moralidade, de prosperos fados para as gerações
-que teem de vir, e já mesmo para esta, é impossivel não a abençoar,
-desejando-lhe vida sem limite. Para o fim de a conseguir, ella pôz
-no remate dos seus Estatutos, como chave de abóbada, a declaração de
-que era immortal, como o sentimento de beneficencia que a produzira;
-e, para realisar esse nobre sonho de ambição humanitaria, determinou
-fundar para si, isto é: para suas escolas, bibliotheca, museu,
-representações scenicas, exposições, etc., uma formosa casa, e uma
-dotação sufficiente; com a expressa condição de que, se por algum
-imprevisto concurso de circumstancias, a sua benefica existencia
-cessasse de se manifestar, dotação e casa passariam _ipso facto_ para
-o usufructo do Hospital de Ponta-Delgada, o qual, a todo o tempo que
-a mesma Sociedade recomeçasse os seus trabalhos, ficaria obrigado a
-fazer-lhe de tudo fiel e promptissima restituição; providencia esta,
-que mereceu a approvação de S. M. F., como sem duvida obterá tambem a
-vossa.
-
-A Sociedade não se dissimula, Senhores, que uma casa e uma dotação
-assim, tanto não são empreza facil, que á primeira vista devem parecer
-um puro sonho de devaneadores philanthropicos. Entretanto não ha já
-hoje n’aquella Cidade e Ilha, quem não esteja convencido da mais que
-probabilidade da realisação certa de tal _desiderandum_, só pelo meio
-dos donativos, esmolas, e serviços gratuitos, tanto dos Socios, como de
-extranhos á Sociedade; ¡graças aos milagrosos frutos, que todos teem
-visto brotar da nossa Exposição da Industria michaelense, e das nossas
-incançaveis Escolas, de ler, de arithmetica e geometria applicada
-ás Artes, de Doutrina christan, de desenho de figura e paizagem, de
-francez, de inglez, de poetica e declamação, de musica, de hygiene,
-etc..
-
-A perguiça, doença esporádica em toda a parte, mas ali peste geral
-e antiquissima, tem já singularmente diminuido com esta maravilhosa
-excitação dada a todas as coisas uteis pela Sociedade dos Amigos das
-Lettras e Artes; o Hymno do trabalho canta-se já em toda a superficie
-da Ilha, e o seu amor vai-se filtrando do canto para as obras.
-
-¿Como poderia pois a população deixar de contribuir gostosa com
-esmolas, que a final não são dadas senão a ella mesma e a seus filhos?
-Com esmolas de cobre se fundaram e dotaram conventos, como palacios de
-Monarchas, nos seculos de Fé. ¿N’esta edade de interesses materiaes,
-e de illustração, poderia o bom senso fazer menos em favor do nosso
-Instituto?
-
-A Sociedade vem pois, Senhores, á vossa respeitavel presença supplicar
-lhe coadjuveis a projectada edificação do seu Solar de Lettras e
-Artes, cedendo á mesma Sociedade a pequena cêrca do extincto convento
-da Conceição d’aquella Cidade, hoje palacio do Governo Civil, com a
-adjacente área e ruinas da egreja de S. José.
-
-A planta, que, junto com este requerimento se offerece á vossa
-consideração, bem claramente mostra não haver excesso no pedido, pois
-n’aquelle pouco terreno se teem de erigir salas, escolas, basar,
-officinas, e theatro, de que não ha um unico publico, n’uma Cidade de
-tanta importancia; devendo ficar ainda sufficiente espaço descoberto
-para exercicios gymnasticos, tão conducentes para a boa creação physica.
-
-O informe que o Ex.ᵐᵒ Governador Civil do Districto de Ponta-Delgada
-dirigiu ao Governo sobre esta pretenção, deve necessariamente concordar
-com o exposto, e dar a conhecer, por outra parte, ser aquelle um
-terreno, que se acha ha annos devoluto. Nunca propriedade nacional
-haverá sido mais util, nem mais louvavelmente empregada, do que esta,
-que em menos de um anno, a datar da concessão, estará convertida em
-um manancial de instrucção, de moralidade, de affecto para com um
-Governo, que não perde occasião de felicitar os povos.
-
- Lisboa 24 de Abril de 1849.
-
- O Presidente da Sociedade
- dos Amigos das Lettras e Artes em S. Miguel
-
- A. F. DE CASTILHO.
-
-
-
-
-VII
-
-Fala do Secretario da Camara Electiva o Snr. João de Sande e Magalhães
-Mexia Salema na sessão de 25 de Abril de 1849 fielmente trasladada do
-«Diario das Côrtes»
-
-«Sr. Presidente
-
-«Desci de proposito d’esse logar da meza, para não declinar a honra,
-que ha pouco recebi, de ser incumbido pelo sr. Antonio Feliciano de
-Castilho, de apresentar a esta Camara uma representação da Sociedade
-dos Amigos das Lettras e Artes de S. Miguel, de que elle é dignissimo
-Presidente, em que se pede a concessão da cêrca do extincto convento da
-Conceição, para n’ella levantarem o edificio do seu solar de Lettras e
-Artes.
-
-«Ha momentos, que recebi esta representação; de um rapido lançar de
-olhos sobre ella, conheci a importancia e urgencia do objecto. Além da
-natureza d’este, a Camara sabe avaliar a consideração, que merece uma
-corporação scientifica, pedindo auxilio dos Eleitos do Povo; e muito
-mais, tendo á sua testa um nome tão conhecido, não só na Litteratura
-portugueza, como tambem na Litteratura europêa.»
-
- N. B--O requerimento foi mandado para a Commissão de Fazenda; de lá
- passados poucos dias, ao Ministerio da Fazenda, para informar; d’este
- ao Tribunal do Thesoiro, para o ouvir.
-
- Em todas estas tres estações se deram ao requerente as mais agradaveis
- esperanças.
-
- Eis ahi o que até hoje, que isto se imprime (24 de Novembro de 1849,)
- pode na materia historiar.
-
- A. F. DE C.
-
-
-
-
-VIII
-
-Excerpto da «Revista Universal Lisbonense» de 3 de Maio de 1849
-
-_Concessão do terreno para as escolas da Sociedade dos Amigos das
-Lettras e Artes em S. Miguel_
-
-
-«O nosso promettido artigo acerca da mui patriotica Sociedade dos
-Amigos das Lettras e Artes fica perfeitamente substituido pelo
-Memorial, que ao deante publicamos, feito pelo seu digno Presidente o
-snr. Castilho.
-
-«A brevidade que este negocio requer é inquestionavel; é mistér não
-deixar esfriar a fé dos poucos mas honrados Portuguezes, que ainda teem
-animo para se interessarem pela verdadeira fortuna da Nação.
-
-«¡Oxalá que tão repetidas instancias influam, não só nas Camaras
-Legislativas, mas tambem no Governo, para que se não perca o ensejo de
-completar um grande pensamento.»
-
-
-MEMORIAL
-
- Ill.ᵐᵒˢ Ex.ᵐᵒˢ Snrs.
-
-Em nome e como Presidente da Sociedade dos Amigos das Lettras e Artes
-em S. Miguel, tive a honra de vos dirigir um requerimento, para que
-o Governo fosse autorisado a metter a mesma Sociedade de posse de um
-pequeno chão nacional, para n’elle se edificarem, á nossa custa, casas
-para as nossas escolas, para as nossas sessões, museu, bibliotheca,
-basar industrial, theatro, etc.. Esse requerimento foi pela Camara
-remettido á sua respectiva Commissão.
-
-O meu fim, n’este Memorial, Ill.ᵐᵒˢ e Ex.ᵐᵒˢ Snrs. é sollicitar para a
-decisão d’este negocio a maior urgencia.
-
-A Sociedade nasceu, e tem produzido para o Publico beneficios
-consideraveis, sem concurso algum da força publica, por effeito
-unicamente da sua boa vontade e perseverança, como se prova pelo
-Relatorio impresso, que eu ajuntei ao mesmo requerimento.
-
-Todavia, para que a nossa existencia continue, e o publico michaelense
-não seja privado dos frutos de instrucção, que já começa a colher,
-e mesmo para que o nosso exemplo de illustrado e desinteressado
-patriotismo possa vir a ser imitado n’este Reino, até hoje tão baldio
-para a civilisação intellectual, é indispensavel que depois de
-approvados, como já o estamos, pelo Governo, se nos faça a requerida
-concessão, prompta e incessantemente. O adiamento seria matar-nos a fé,
-e conseguintemente mallograr, do modo mais vergonhoso e barbaro, os
-bens que podêmos, queremos, e sabemos, produzir, como é demonstrado.
-
-Eu faria offensa, tanto aos vossos entendimentos, como ao vosso amor
-patrio, se, mesmo hypotheticamente, admittisse aqui, para a combater,
-a objecção da pobreza. Querer vender, para obter algum conto de réis,
-que nos não pode salvar, um chão, que não vendido deve produzir muita
-illustração, fôra uma simonia horrorosa, e deploravel, uma torpeza, de
-que ninguem seria capaz, ¡quanto mais um Parlamento portuguez!
-
-Outras considerações ha na petição a que alludo, e que vos foi
-presente, as quaes de certo vos decidirão a despachal-a, não só bem,
-mas immediatamente. Abstenho-me de as reproduzir, e mesmo de ajuntar
-outras muitas, não menos ponderosas, por não vos tomar superfluamente o
-tempo, que deveis a tantos outros importantissimos, ainda que não mais
-importantes, negocios do Estado.
-
- Lisboa, 3 de Maio de 1849
-
- A. F. DE CASTILHO.
-
-
-
-
-IX
-
-Artigo do dia no «Diario do Governo» de 7 de Maio de 1849
-
-«Lisboa, 6 de Maio.
-
-«Um pensamento elevado, patriotico, e civilisador, dotou ha poucos
-tempos a Ilha de S. Miguel com uma das mais uteis e illustradas
-instituições, que se podem organisar em honra e beneficio da
-civilisação_ de qualquer povo. Essa instituição, intitulada Sociedade
-dos Amigos das Lettras e Artes em S. Miguel_, deu começo n’esta Ilha
-a uma era inteiramente nova para a vida moral e physica dos seus
-habitantes.
-
-«Abrindo as suas portas a todas as classes, admittindo em seu seio
-todos os que amam e cultivam as Lettras e Artes, todos os que desejam
-vel-as prosperar, todos os que aspiram a iniciar-se nos seus mysterios,
-de repente se fez poderosa pela concorrencia de muitas intelligencias,
-e de muitos exforços encaminhados e excitados por uma alma energica e
-perseverante, que é toda enthusiasmo e devoção pelas Lettras, e que
-toda se abraza em verdadeiro e acrisolado amor da Patria.
-
-«Dentro em pouco esta Associação, composta de alguns centenares de
-pessoas, desde a mais alta nobreza, até á mais humilde profissão,
-incluindo as principaes Auctoridades da Ilha, e tendo á sua frente o
-seu instituidor e incançavel procurador, o snr. Antonio Feliciano de
-Castilho, abriu ao Publico aulas, de leitura, de Doutrina christan,
-de arithmetica, de geometria applicada ás Artes, de desenho de figura
-e paizagem, de poetica e declamação, de hygiene, de francez para
-senhoras, de inglez para homens, de geographia, de encadernação,
-de agrimensura, de desenho topographico, de dança, de torno, e de
-pyrotechnia; e projecta abrir aulas de economia politica, de historia,
-de gymnastica, de natação, de calligraphia, e de musica.
-
-«Algumas d’aquellas aulas, frequentadas por um numero consideravel de
-individuos, numero que excedeu toda a expectação, vão dando de si os
-melhores resultados.
-
-«Fazendo nas suas salas uma Exposição da Industria michaelense,
-reuniu abundantissima copia de productos, tão variados, e muitos tão
-excellentes, que apresentaram um quadro bem esperançoso dos progressos
-industriaes d’aquella Ilha[14]; quadro que em breve ali se deverá
-repetir; accrescentado e melhorado sem duvida pelo poderoso estimulo e
-nobre emulação, que o primeiro deveria produzir no animo de todos os
-industriaes.
-
-«D’est’arte, esta sabia Instituição vai fazendo convergir para um
-centro, para um fim de utilidade geral, as ideias e exforços dos
-moradores de S. Miguel; e, ao passo que attrai para esta obra de
-interesse publico, vai fazendo tolerantes os partidos; vai-lhes unindo
-os homens; vai adoçando os costumes, e moralisando o Povo pelas
-relações da intima convivencia, pelos apertados laços do interesse
-commum.
-
-«Mas para que o pensamento d’esta Associação se possa desenvolver
-como o concebeu seu illustre autor, como o expressam os Estatutos
-da Sociedade, já approvados pelo Governo, como o desejam todos os
-Socios, e com elles todos os Michaelenses, é necessario um edificio,
-com a capacidade e construcção proprias para as diversas escolas, para
-as sessões, para uma bibliotheca, para um museu, para um theatro de
-declamação, para uma sala de concertos musicos, para as exposições, e
-para um basar de productos industriaes.
-
-«Lembrou-se a Sociedade de o construir á sua custa, e para esse fim
-encarregou o seu Presidente, o snr. Antonio Feliciano de Castilho, de
-vir pedir ao Governo e ás Côrtes a pequena cerca do extincto convento
-da Conceição, e a adjacente área e ruinas da egreja de S. José, para
-ali se fundarem os estabelecimentos da Sociedade.
-
-«O requerimento já foi presente á Camara electiva, e depois remettido á
-Commissão competente. Uma e outra, dando a este negocio a importancia
-e consideração que elle merece, esperamol-o com confiança, não só o
-hão-de resolver favoravelmente, mas com a brevidade que reclama um
-objecto de tamanho interesse publico.»
-
-
-
-
-X
-
-Carta ao redactor da «Verdade,» semanario michaelense
-
- Snr. Redactor
-
-Permitti, que eu tome na vossa folha um pequeno espaço para um acto
-de gratidão; dal-o á primeira de todas as virtudes não é perdel-o.
-Entendimento superior, vós comprehendeis que os interesses materiaes,
-e intellectuaes, que a vossa folha se encarregou de promover, não são
-os unicos de que depende a felicidade publica. Tanto, pelo menos, como
-esses, contribuem para ella o desempenho dos deveres moraes, e os
-affectos nobres.
-
-Arrojou-me a adversidade (¡se por ventura o era!) para esta Ilha com
-tudo que eu mais amava. Cheio de boa fé, e com a minha illimitada
-benevolencia, mas sob os mais ruins auspicios, desembarquei n’ella;
-vinha precisado de amar, e não vi a quem; de trabalhar, e não achei em
-quê. A diante de mim tinha vindo a mentira preparar-me o ruim gazalhado.
-
-Anoiteceu-se-me, de todo, o coração, e esmoreci; era mais um
-desencantamento, depois de tantos; era a ultima folha verde das minhas
-esperanças, a cahir. Onde cuidára que viria renascer entre irmãos, para
-uns a outros nos amarmos muito, dei com a peor das solidões, que tal é
-sempre a que se encontra entre homens, e que falam a nossa lingua.
-
-Perdôe Deus a quem, sem nenhuma rasão para me querer mal, me calculou,
-urdiu, e teceu essa teia de dias perdidos e noites veladas. Por mim lhe
-quizera eu tambem perdoar; mas n’esses maleficios tão gratuitos havia
-um quinhão, e largo, para entes que eu amava mais que a mim proprio.
-
-¡E, ainda por cima, se veio ao cabo a extranhar-me que eu não
-agradecesse o haver-se especulado com a nossa fome e ignomínia! e
-porque arranquei as azas do visco com que se me tinham querido prender,
-declararam-me guerra peor que de morte, que assim se pode qualificar a
-da calumnia. Emfim, perdôe-lhe Deus, já que em mim a natureza humana
-não pode tanto.
-
-Mas n’um dia de festa para o coração, como este hoje o é para mim, devo
-dar de mão a todas essas coisas feias e desconsoladas, ou antes, hei-de
-agradecer a quem, por isso mesmo que então me fez curtir tamanhas penas
-d’alma, concorreu (ainda que sem o querer) para dar mais realce ás
-delicias que hoje desfruto. São os jejuns do coração os que fazem as
-Paschoas do amor.
-
-Passados aquelles primeiros tempos, em que me parecia ter naufragado
-para aqui, como para uma praia ou erma ou inimiga, começaram de me
-alvorecer dias mais claros. As falsas ideias que de mim se tinham
-mandado a diante, foram-se desvanecendo. Conheceu-se, e reconheceu se,
-que eu não viera para a terra alheia para genero algum de malevolencia,
-quanto mais para a mais perigosa e peor de todas as guerras, a dos
-Guelphos e Gibellinos do seculo XIX; que, pelo contrario, toda a
-minha precisão era a Poesia e o Amor, corporificados no trabalho,
-que illustra e civilisa. Então os amigos começaram, a um e um, a
-apparecer-me; e (posso dizel-o, sem que m’o hajam a vaidade) tudo
-quanto por ahi havia de melhor em entendimento e vontade, e não era
-pouco, se me foi unindo em espirito e trato. Ressuscitei no meu
-cemiterio, e vi-o cidade. Na terra do desterro respirei a peito
-cheio ares de Patria. Tornei a achar no interior a alma, e n’ella
-a esperança, que murcha e não séca. Reaccendi a lampada da minha
-fé social; e tal e tanta encontrei, em torno de mim, a boa gente
-desejosa, como eu, das coisas do porvir, e da felicitação do mundo
-pelo trabalho, que, sem sabermos como, nos vimos de repente Sociedade
-poderosa, activa, descrente em impossiveis, e por isso mesmo capaz dos
-maiores milagres. Se tal Sociedade os tem feito, muito mundo o sabe já
-hoje. Se para o provar não bastassem as obras, os odios dos ruins o
-demonstrariam.
-
-Quando, para sollicitar do Governo a approvação d’esta mesma Sociedade,
-e do Parlamento um pouco de chão em que ella deitasse raizes, me
-pareceu conveniente ir eu a Lisboa, e fui, não levei unicamente
-saudades de mulher e filhos; S. Miguel toda era já familia minha; todos
-aqui nos queriamos já muito, porque emfim, chegaramos a conhecer-nos
-de parte a parte, desfeitas as preoccupações e aleives, que, tambem de
-parte a parte, se haviam arteiramente disseminado.
-
-Lá, nem o tráfego dos negocios, nem as multiplices occupações do
-espirito, nem o brilho de tamanha cidade, nem o affecto que expiram
-de si os sitios conhecidos da nossa puericia e adolescencia, nem os
-emboras e cortejos da Imprensa obsequiosa, nem mesmo os testemunhos
-tão solemnes de apreço, que á porfia me davam todos esses mancebos,
-esperanças e já ornamentos da Litteratura e Poesia nacional, nada me
-poude entibiar as saudades da minha Ilha, d’este benigno e pacifico
-torrão, em que eu fizera mais e melhor que nascer, pois renascêra
-n’elle.
-
-Mais que nenhuma outra coisa, estes tres mezes de ausencia me
-descobriram quanto lhe eu queria.
-
-¡Oh! se de mim dependesse o tão facil melhoramento dos seus destinos! A
-voz, e a penna, essas sim que as empreguei eu incessante em lhe advogar
-os interesses da fortuna e do credito; em quanto, por ventura ou por
-desgraça, filhos seus, deslembrados do solo com quem nascimento e uso
-os travaram em parentesco, empregavam a occultas todos os empenhos e
-valimentos para lhe empecer (e Deus sabe se em parte o não conseguiam),
-era eu, extranho e obscuro, quem, servindo á verdade e á justiça, lhe
-pagava, como podia, a minha divida de gratidão.
-
-Ao regressar, os dias me pareciam não acabar nunca, e os sonhos das
-noites me vinham todos povoados de imnumeraveis e cordeaes abraços, de
-emboras, perguntas e respostas de bons amigos, de caricias domesticas,
-de escolas vicejantes, de salas de industria, da musica do trabalho, de
-toda a poesia das esperanças.
-
-Se metade d’isso, que eu vim gosando embalado pelas ondas, por baixo
-da immensidade do Ceo, e não me afastando de uma Patria, senão para me
-aproximar a outra, se a metade d’esses sonhos se realisar, S. Miguel
-dentro em poucos annos será visitada de toda a parte com admiração e
-encantamento, que para tudo, mesmo para a realisação das mais altas
-utopias do bem, são a sua terra, os seus haveres, e as almas dos seus
-moradores.
-
-Nem lisonjeio, snr. Redactor, nem cuido que o bem-querer me desvaire.
-As provas do futuro que antevejo, já todos as palpâmos no passado, e
-sobretudo no presente.
-
-Apoz dez dias levados no ocio, a sós com a minha alma, n’estas suaves
-cogitações, imaginae, snr. Redactor, qual não seria o meu enlevo,
-quando, ao aportarmos aqui, pelo sol de uma formosa tarde, que é tambem
-esperança, me vi de repente cercado de saudações e festejos, entre os
-braços de tudo que mais amo, recebido em verdadeira ovação de amisade,
-conduzido pelo braço de minha esposa, entre os meus filhos e os meus
-consocios, ao som do Hymno da Industria, ao estrépito de foguetes, por
-baixo de flores, e atravez do nosso bom Povo apinhado pelas ruas, até
-dentro de minha casa!
-
-Eis aqui, snr. Redactor, o que eu para desafogo de tantos affectos
-accumulados no peito, carecia de escrever.
-
-¡Agradecer!?....¿Como hei-de eu agradecer o que apenas cabe em
-expressão?
-
-A benevolencia de uma grande cidade, ¿como pode retribuil-a quem, por
-uma parte, só possue os bons desejos, e por outra, se sente confundido
-e aniquilado com a grandeza mesma do obsequio?
-
-Sr. Redactor, se eu não tivesse já antes consagrado a esta generosa
-terra tudo quanto em mim ha de amor e querer, agora lh’o consagrára
-para todo sempre, e ficaria ainda empenhado.
-
-Snr. Redactor, o dia _25 de Maio de 1849_ foi o mais bello dos meus
-quarenta e nove annos. Egual ou superior a este, só poderá alvorecer
-para mim, quando eu a vir tão prospera quanto ella o merece, e o pode
-ser.
-
- VOSSO, etc.
- ANTONIO FELICIANO DE CASTILHO
-
- Ponta Delgada 25 de Maio
- á meia noite.
-
- * * * * *
-
-N. B. Á precedente carta fizeram varias folhas de Portugal a honra de a
-reproduzirem, liberalisando por esta occasião ao autor testemunhos de
-benevolencia, que para toda a vida o empenharam em agradecimento.
-
-¡É tão suave para um homem o sentir-se amado! ¡e amado por espiritos
-distinctos! ¡e amado, até ao ponto de lhe supporem mais de virtudes e
-meritos do que em realidade possue, e ha-de nunca possuir!
-
-Ainda a risco de ser havido por vaidoso, o autor succumbe á tentação de
-apresentar aqui a seus leitores, isto é, a muitos outros amígos seus,
-uma das mais floridas e ricas mostras de tão parcial e enternecedora
-benevolencia; é o preambulo que á predita carta pôz _O Pharol_, folha
-verdadeiramente notavel por sua litteraria elegancia, pelo fogo e
-independencia de seus juizos, pela sua aspiração forte e constante para
-o Bello.
-
-A proverbial severidade das criticas do _Pharol_ faz ainda sobre-sahir
-para a gratidão o preço do que se vai ler. ¡Quantas feridas e penas
-d’alma se não suavisam e curam com o balsamo de expressões taes!
-
-
-
-
-XI
-
-Artigo extrahido do numero 10 do «Pharol» periodico de Lisboa
-
-_O Senhor Antonio Feliciano de Castilho e os Michaelenses_
-
-«Todos sabem que o sr. Castilho tem titulos valiosos á admiração e
-ao respeito da Patria, que elle tem sempre honrado e servido com a
-sua dedicação e com o seu genio. Vivos andam na memoria de todos,
-os nobres exforços que elle tentou, para rehabilitar as Lettras
-portuguezas, e trazer a formosa lingua nacional á competencia com os
-mais ricos, flexiveis, elegantes, e expressivos idiomas do mundo.
-Sabidos e decorados, se multiplicam, mais pela voz que pela imprensa os
-harmoniosos trechos do poeta mais sonoro, mais sabedor, mais correcto,
-se não o mais inspirado dos poetas nacionaes contemporaneos.
-
-«Como os grandes genios, o sr. Castilho tem purificado a sua alma pelas
-amargas provações da adversidade. Como todos os grandes talentos, tem
-visto os invejosos e mesquinhos urdirem-lhe no silencio as insidias,
-com que a mediocridade se desforça do talento.
-
-«A sua corôa de poeta não se tem afeminado com as complacencias de
-uma vida descuidosa e opulenta. Não é o poeta funccionario, com
-avultadas pensões para entoar cantos cortesãos e mentidos. Não é o
-poeta-agitador, fazendo servir as inspirações do estro á apotheóse dos
-corrilhos de facção. Não é o poeta-aristocrata, dedilhando a lyra por
-elegancia, e entoando os dithyrambos da indifferença e da sociedade.
-É o poeta-poeta; é o homem que canta, porque nasceu para cantar; que
-ama o Povo, porque o Povo é grande; que o não adula porque não espera
-d’elle recompensas faustosas. É o homem que respondeu ao ostracismo,
-com que lhe celebraram a reputação, indo contar aos Michaelenses, que o
-acolheram, não os queixumes amargos do ressentimento, mas as maravilhas
-da nova civilisação; que levantou ali um brado generoso de melhoramento
-physico e moral; que falou áquelle Povo dócil e industrioso a linguagem
-florida e eloquente da Poesia, para lhe apontar as novas sendas do
-Progresso; e que teve a gloria de crear mais prosélytos com os seus
-hymnos de paz, com as suas homilias ferventes, do que muitos estadistas
-com as suas portarias severamente formuladas, com os seus orçamentos
-capciosos e inextricaveis.
-
-«Póde-se dizer que o snr. Castilho realisa em S. Miguel o mytho de
-Amphion, alevantando os muros de Tebas ao som mavioso e brando da sua
-lyra melodiosa.
-
-«O sr. Castilho é o novo thaumaturgo do Progresso. Á sua voz a
-civilisação marcha impetuosa, e inaugura-se na humilde possessão de
-Portugal. A Industria exalta se, a Agricultura acorda. As Artes, em
-convivencia fraternal, auxiliam-se mutuamente. A Instrucção derrama-se
-gratuitamente pelas classes menos favorecidas da população. Os costumes
-como que se humanisam, deixadas as tristes controversias da lucta
-politica; e os habitantes da Ilha afortunada celebram com ineffavel
-júbilo e extremada sinceridade o poeta, que foge da metrópole para
-viver com elles, trabalhar pela commum prosperidade, illustral-os pela
-sua doutrina, e animal-os com o seu infatigavel exemplo.
-
-«É para satisfazer á divida de reconhecimento que o snr. Castilho
-contrahiu para com os bondosos michaelenses, que, ao pisar de
-novo aquellas praias abençoadas, elle publicou a carta que abaixo
-transcrevemos, modelo de devoção civica, de affectuosa eloquencia, e de
-simpleza de coração.
-
-¡«Quantos tribunos ephémeros, quantos dictadores ciosos, que se dizem
-alevantados pelo suffragio do Povo, folgariam de poder escrever estas
-linhas de congratulação, com a mão na consciencia, com o assentimento
-voluntario de uma população inteira, que repete n’um côro numeroso o
-refrão do bello Hymno da Industria michaelense:
-
- Trabalhar, meus irmãos, que o trabalho,
- é riqueza, é virtude, é vigor.
- D’entre a orchestra da serra e do malho,
- brotam vida, cidades, amor.
-
-
-NOTAS DE RODAPÉ:
-
-[14] Na Secretaria do Reino deve existir a magnifica relação, que
-d’isso dirigiu ao Governo o sr. D. Pedro da Costa de Sousa de Macedo,
-então Governador Civil do Districto. N’esse papel pedia o mesmo snr.
-que o autorisasse o Throno a deduzir do cofre central uma pequena
-quantia para premios industriaes, além dos que elle do seu bolsinho
-particular tencionava offerecer para a seguinte Exposição.
-
- CASTILHO.
-
-
- FIM DO PRIMEIRO VOLUME
-
-
-
-
- NOTAS
-
- Retrato de Castilho
-
-
-Ha coincidencias notaveis; é conveniente não as desaproveitar; parecem
-arabescos na sobrehumana calligraphia da Providencia.
-
-O retrato com que se adorna este volume, é reproducção em photogravura,
-pelo talentoso artista o sr. Thomaz Bordallo Pinheiro, de um pequenino
-esboceto pintado por seu excellente pae, o notavel sr. Manuel Maria
-Bordallo Pinheiro. ¿Quem diria ao pintor, que, cincoenta e quatro annos
-andados, um filho, ainda então por nascer, havia de reproduzir a sua
-obra?
-
-O esboceto foi pintado do natural, na casa onde o artista habitava,
-rua da Fé, palacete á direita subindo, em alguma visita que lhe fez
-Castilho na demora de quasi tres mezes que passou em Lisboa (27 de
-Fevereiro a 15 de Maio de 1849), achando-se então de residencia na Ilha
-de S. Miguel. Appareceu no espolio do eximio artista, e foi offerecido
-a um filho de Castilho.
-
-Vê-se que estava apenas em principio; mas é, ainda assim, documento
-precioso, já pela semelhança, que ia bem encaminhada, já pela intenção
-affectuosa que motivou tal trabalho.
-
-O velho Bordallo Pinheiro foi muito admirador e amigo do Poeta, e este
-ufanava-se de lhe retribuir eguaes sentimentos.
-
-
-Pag. 12, lin. 3 e seg. =Polemicas=.
-
-Houve, com effeito, folicularios mal ensinados, que pretenderam
-inculcar ser Castilho um revolucionario perigoso, uma especie de
-demagógo subvertedor de usos antigos e arraigadas crenças; isso deu
-aso a guerras crueis, cuja memoria não desejamos evocar aqui, mas que
-muito amarguraram o sincero Poeta. Quem ler com attenção este livro,
-verá quanto eram infundadas taes accusações. O livro é innovador, e não
-desordeiro; amante, e nunca hostil. Lamenta o que vê, deseja o bem,
-e procura remedio aos males que nos affligem. Interpretar as utopias
-theoricas pelo lado demolidor, é não as entender.
-
-
-Pag. 27, lin. 7 e 12. =Gessner=.
-
-São tristissimas as vicissitudes da reputação dos poetas. Ha nomes,
-que, depois de encherem o mundo, esquecem miseravelmente á propria
-phalange dos homens de Lettras.
-
-Salomão Gessner, que no seu tempo foi um luminar, tanto pela belleza
-da forma dos seus livros, como pela sua moral, de poucos Allemães é
-hoje lido e conhecido a fundo. Castilho, que desde a meninice o leu, o
-tratou, o venerou, e até alguns dos seus idyllios traduziu, e imitou
-outro, conservou sempre ao virtuoso cantor suisso um verdadeiro culto.
-
-Para os que hoje entre nós ignoram quem foi Gessner, duas palavras
-biographicas:
-
- Nasceu em Zurich em 1730. Homem bom, quanto se pode ser, benefico,
- optimo marido, optimo cidadão começou por typographo; o trato intimo
- com as _lettras_ elevou-o ao conhecimento das _Lettras_; graças á
- sua applicação e perseverança, tornou-se Gessner um verdadeiro filho
- dilecto do Publico: já pela graça e singeleza dos seus idyllios, já
- pela moral pura e santa que todos elles respiram. Em toda a parte onde
- appareceu recebeu provas de apreço, até das testas coroadas. Falleceu
- em Zurich a 2 de Março de 1787.
-
-A celebre Madame de Genlis conta da seguinte maneira uma sua visita ao
-poeta suisso:
-
- «Tinha-me Gessner convidado para o ir ver á sua casa de campo; e eu
- estava curiosissima de conhecer a mulher com quem elle casára por
- amor, e que o soube inspirar. Imaginava-a uma especie de pastorinha
- encantadora, e phantasiava a habitação de Gessner como uma choupana
- elegante, circumdada de vergeis e flores; ali, segundo eu pensava,
- só se bebia leite, e se pisavam pétalas de rosas Chego, atravesso
- um resumido quintal, cheio de cenoiras e couves; isto, confesso,
- começou a perturbar seu tanto os meus devaneios bucolicos e idyllicos.
- Entrei na sala, e ¿que vejo? No meio de uma fumaceira densa de
- tabaco, avisto Gessner a fumar cachimbo, e a beber cerveja; ao lado
- d’elle sentava-se a mulher, com a sua grande touca, e a fazer meia.
- O acolhimento de ambos, a doce união d’aquellas almas, o seu affecto
- para com os filhinhos, a singeleza de tal quadro, tudo isso me pintou
- ao vivo os singelos costumes pastoris que o poeta costumava cantar.
- Assisti pois a um idyllio, presenceei a edade de oiro, não em poesia
- brilhante, mas sob o seu aspecto vulgar e desataviado.»
-
-
-Pag. 27, lin. 8 e 12. =Klopstock=.
-
-Klopstock (Pedro Gottlieb) autor do poema epico _Messiada_, nasceu
-em Quedlinburg(?) a 2 de Julho de 1724. Cursou as melhores escolas
-superiores da Allemanha, concluindo na Universidade de Leyde o curso
-theologico. Desposou uma notavel e talentosa mulher, Meta Moller,
-fallecida em 1758. Foi muito protegido por el-Rei Frederico V, de
-Dinamarca. Os merecimentos d’este poeta como linguista e estylista são
-muito apreciados dos entendedores. Castilho elogiava com enthusiasmo
-a _Messiada_. Este denominado _Pindaro_ da Allemanha falleceu a 13 de
-Março de 1803.
-
-
-Pag. 29, lin. 28 =Zimmermann=.
-
-Allude Castilho ao celebre livro _Da Solidão_, por Zimmermann; obra de
-pensador, evangelho para solitarios, consolação para tristes; livro
-bom e optimo, que é lastima se não reproduza entre nós em traducção.
-Castilho prezava muito esta obra, lia-a, relia-a, e fazia-a estudar aos
-filhos.
-
-
-Pag. 36, lin. 34 e seguintes até ao meio da pag. 37.
-
-Esse admiravel periodo que principia: _N’uma palavra: um observador
-attento_, é de eloquencia rara. Diz um critico entendedor o seguinte:
-Este trecho só um cego o podia escrever; ha ahi uma observação muda,
-uma attenção intelligente, que só o sexto sentido que possuem os
-cegos de talento sabia expressar. Percebe-se a contenção do ouvido do
-corpo, e ainda mais a do ouvido da alma. É uma esplendida manifestação
-de forma e de pensamento; é a linguagem do silencio das noites; é a
-intuição das trevas.
-
-
-Pag. 47, lin. 14. =Diario do Governo=
-
-Refere-se Castilho ao _Diario_ como propagandista nato de sans
-doutrinas. É preciso notar que até certo prazo a folha official teve
-entre nós uma feição litteraria, e não se limitava a simples registo
-impresso da chancellaria governamental. Era superintendida por um
-redactor, _persona grata_ ao Ministerio reinante, sujeito illustrado
-e habil; publicava noticias estrangeiras, artigos de litteratura,
-polemicas serias, etc. Por isso o nosso poeta dizia que o _Diario_
-devia e podia entrar na propaganda de theorias civilisadoras, mais e
-melhor que outras folhas.
-
-
-Pag. 63, lin. 4, =Ayres de Sá=.
-
-Ayres de Sá Nogueira, irmão do celebre Bernardo de Sá, Visconde de
-Sá da Bandeira, e depois Marquez, e de outros não menos prestadios
-cidadãos, figurou em Portugal como um dos maiores fautores da
-Agricultura e das industrias nacionaes. Como Vereador, como Deputado,
-como particular, empenhou-se toda a vida nos progressos publicos. Foi
-uma geração notavel esta familia de homens bons, valentes, dedicados,
-honestos, impetuosos para o bem. Castilho, amigo particular de todos
-elles, apreciava-os no muito que valiam.
-
-
-Pag. 91, =O Clero e as mulheres=.
-
-Se jamais houve doutrina bem orthodoxa, e philosophica, e social, é
-esta sobre o provimento dos Bispados e das Parochias, que eu expuz
-e provei, mais pelo gosto de expôr e provar verdades, do que por me
-persuadir que por ellas se havia de fazer obra. Em tal campo suppunha
-eu impossivel achar adversarios; esquecia-me dos guerrilheiros.
-
-Um periodico de S. Miguel chamado _O Cartista_, pôz-me ... supponho
-que por impio. Um periodico de Lisboa (cuido que se chamava aquillo
-_A União_) disse ao publico, sêcca e esparvoadamente, em ar de quem
-lhe denunciava uma coisa medonha, que eu viera a S. Miguel pôr-me á
-frente de valentões, para pugnarmos pela eleição popular dos Bispos.
-Claro está que não respondi, nem pessoa alguma respondeu, á _União_ de
-Lisboa, nem ao _Cartista_ de S. Miguel.
-
-No Clero, consta-me que não faltaram contra mim murmurações; todavia,
-não chegaram á suppuração da Imprensa. Com essas devia eu contar, e
-contava. Se não houvesse clerigos indoutos e ruins, para honrarem com
-o seu odio a minha proposta, tambem esta, por falta de materia prima,
-teria deixado de existir.
-
-Pelo que respeita á emancipação politica das mulheres, não só nenhum
-homem me fez ecco, se não que todas quantas senhoras ouviram o alvitre,
-fizeram côro contra elle. Esta sua opposição, parecendo provar muito
-e muito em desabono da minha these, provou muitissimo a favor d’ella;
-recusam o seu quinhão de liberdade, porque a não apreciam; e não a
-apreciam, porque ainda a não provaram. O que muito sensatamente se
-pode portanto jurar contra a innovação, é que veio antes do seu tempo
-proprio, mil annos; quando menos, bons quinhentos.
-
-Não importa. O que é chymera, algum dia será realidade, como infinitas
-realidades de hoje algum dia hão-de ser chymeras.
-
-O tempo é um grande Homero, que inventa de continuo; e o Mundo um poema
-de metamorphoses. O que ás vezes faz com que os poetas terrestres
-pareçam doidos a quem os ouve, é que no meio dos primeiros cantos
-antecipam a leitura de algumas estancias pertencentes a cantos
-ulteriores.
-
-
-Pag. 125, lin. 20. =Assis Rodrigues=
-
-Refere-se Castilho ao bom e perito artista Francisco de Assis
-Rodrigues, Professor e por fim Director da Academia Real das Bellas
-Artes de Lisboa. Foi discipulo de seu pae, o esculptor Faustino José
-Rodrigues, amigo e alumno do grande Joaquim Machado de Castro. As
-relações entre Castilho e Assis Rodrigues começaram na infancia, e
-conservaram-se sempre cordeaes. Em 1836 o estatuario fez o busto do
-Poeta.
-
-
-Pag. 138, lin. 16. =Os Fastos de Ovidio=.
-
-Projectou Castilho, segundo se vê, dedicar a sua traducção dos _Fastos_
-a José do Canto; mas como entre esta data e a publicação da dita versão
-elle lhe dedicou outras composições, não realisou o que tencionava em
-1849.
-
-
-
-
- Obras completas de A. F. de Castilho
-
-
- 3--=Cartas de Ecco e Narcizo=, verso.
-
- 4-5--=Felicidade pela agricultura=, 2 vols.
-
- 6-7--=A primavera=, verso, 2 vols.
-
- 8 a 15--=Vivos e mortos=, spreciações morais, literarias e artisticas,
- 8 vols.
-
- 19-20--=O presbyterio da montanha=, prosa, 2 vols.
-
- 21-22--=O outomno=, verso, 2 vols.
-
- 27-28--=Novas escavações poeticas=, verso, 2 vols.
-
- 29 a 32--=Theatro=, Camões, drama e notas, 4 vols.
-
- 33--=Theatro=, Canáce, tragedia original.
-
- 34--=Theatro=, Um anjo da pela do diabo--O casamento de oiro, comedias.
-
- 35--=Theatro=, Aristodemo, tragedia. A volta inesperada, farça.
-
- 36--=Theatro=, A festa do amor filial. A filha para casar, comedias.
-
- 37-38--=Palestras religiosas e consolações=, prosa e verso, 2 vols.
-
- 39 a 45--=Casos do meu tempo=, prosa. 7 vols.
-
- 46--=Estrelas poeticas para o ano de 1853=, verso.
-
- 47 a 50--=Télas literarias=, prosa, 4 vols.
-
- 51--=Os ciumes do bardo=, As flores, e a confissão de Amelia, verso.
-
- 52-53--=Mil e um misterios=, romance dos romances, 2 vols.
-
- 54--=A noite do castelo=, poema.
-
- 55--=Tributo portuguez á memoria do Libertador=, prosa.
-
- 58 a 60--=Novas télas literarias=, prosa e verso, 3 vols.
-
- 61 a 63--=Methodo Portuguez de Leitura.= Directorio do mesmo, 3 vols.
-
- 64-65--=Castilho pintado por êle proprio.= As escolas dos asilos de
- Infancia desvalida, 2 vols.
-
- 66--=Felicidade pela instrução.=
-
- 67--=Ajuste de contas.=
-
- 68--=Noções rudimentares para uso das escolas=, 2 vols.
-
- 70 e 72--=Resposta aos novissimos impugnadores do Methodo portuguez=,
- 3 vols.
-
- 73 a 75--=Tratado de Mnemónica=, 3 vols.
-
- 76--=Ou eu ou eles=, e Tosquia de um camelo.
-
- 77 a 80--=Cartas=, 4 vols.
-
- IMP. LUCAS & C.ᵃ -- RUA DIARIO DE NOTICIAS 61 -- LISBOA
-
-*** END OF THE PROJECT GUTENBERG EBOOK FELICIDADE PELA AGRICULTURA
-(VOL. I) ***
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-easy. You may use this eBook for nearly any purpose such as creation
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-LIMITED TO WARRANTIES OF MERCHANTABILITY OR FITNESS FOR ANY PURPOSE.
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-Volunteers and financial support to provide volunteers with the
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-Gutenberg Literary Archive Foundation was created to provide a secure
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-<p style='text-align:center; font-size:1.2em; font-weight:bold'>The Project Gutenberg eBook of <span lang='pt' xml:lang='pt'>Felicidade pela Agricultura (Vol. I)</span>, by Antonio Feliciano de Castilho</p>
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-This eBook is for the use of anyone anywhere in the United States and
-most other parts of the world at no cost and with almost no restrictions
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-country where you are located before using this eBook.
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-</div>
-
-<p style='display:block; margin-top:1em; margin-bottom:1em; margin-left:2em; text-indent:-2em'>Title: <span lang='pt' xml:lang='pt'>Felicidade pela Agricultura (Vol. I)</span></p>
-<p style='display:block; margin-top:1em; margin-bottom:0; margin-left:2em; text-indent:-2em'>Author: Antonio Feliciano de Castilho</p>
-<p style='display:block; text-indent:0; margin:1em 0'>Release Date: October 9, 2022 [eBook #69122]</p>
-<p style='display:block; text-indent:0; margin:1em 0'>Language: Portuguese</p>
- <p style='display:block; margin-top:1em; margin-bottom:0; margin-left:2em; text-indent:-2em; text-align:left'>Produced by: Rita Farinha, Alberto Manuel Brandão Simões and the Online Distributed Proofreading Team at https://www.pgdp.net (This file was produced from images generously made available by Biodiversity Heritage Library.)</p>
-<div style='margin-top:2em; margin-bottom:4em'>*** START OF THE PROJECT GUTENBERG EBOOK <span lang='pt' xml:lang='pt'>FELICIDADE PELA AGRICULTURA (VOL. I)</span> ***</div>
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-<p class="center big">OBRAS COMPLETAS<br />DE<br />
-A. F. DE CASTILHO</p>
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-<p class="center big">—4—</p>
-
-<h1>Felicidade<br />pela Agricultura</h1>
-
-<p class="center p2"><span class="figcenter" id="cover">
-<img src="images/cover.jpg" class="w50" alt="Felicidade pela Agricultura" />
-</span></p>
-
-<p class="center p4">LIVRARIA BARATEIRA<br />
-LISBOA<br />
-<span class="small"><span class="smcap">34-RUA do DUQUE-36.</span><br />
-Tel. T. 1264</span><br />
-</p>
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-<hr class="chap x-ebookmaker-drop" />
-
-<div class="chapter">
-<p class="center">
-<span class="big">OBRAS COMPLETAS</span><br />
-<span class="small">DE</span><br />
-<span class="big">ANTONIO FELICIANO DE CASTILHO</span></p>
-<hr class="r5" />
-<p class="center">
-<span class="big">VOLUME 4.ᵒ</span><br />
-</p>
-
-</div>
-<hr class="chap x-ebookmaker-drop" />
-
-<div class="chapter">
-<h2 class="nobreak" id="VOLUMES_PUBLICADOS">VOLUMES PUBLICADOS:</h2>
-</div>
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-<p class="ml p0">
-I—<span class="smcap">Amor e melancolia.</span><br />
-II—<span class="smcap">A chave do enigma.</span><br />
-III—<span class="smcap">Cartas de Ecco E Narciso.</span><br />
-IV—<span class="smcap">Felicidade pela agricultura</span> (1.ᵒ vol.)<br />
-<p class="center">NO PRÉLO:</p>
-
-<p class="ml p0">V—<span class="smcap">Felicidade pela agricultura</span> (2.ᵒ vol.)
-</p>
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-<hr class="chap x-ebookmaker-drop" />
-
-<div class="chapter">
-
-<p class="center"><span class="big">OBRAS COMPLETAS DE A. F. DE CASTILHO</span><br />
-<span class="small">Revistas, annotadas, e prefaciadas por um de seus filhos</span></p>
-<hr class="r5" />
-<p class="center">IV</p>
-<hr class="r5" />
-<p class="center xbig">FELICIDADE<br />PELA AGRICULTURA</p>
-<hr class="r5" />
-<p class="center big">SEGUNDA EDIÇÃO</p>
-<hr class="r5" />
-<p class="center">VOLUME I</p>
-<p class="center p4"><span class="figcenter" id="img001">
-<img src="images/001.jpg" class="w10" alt="Imagen da editora" />
-</span></p>
-<p class="center p4">
-LISBOA<br />
-<span class="smcap">Empreza da Historia de Portugal</span><br />
-<span class="small"><i>Sociedade editora</i></span><br />
-</p><p class="center">
-LIVRARIA MODERNA<br />
-<i>R. Augusta 95</i><br />
-<br />
-TYPOGRAPHIA<br />
-<i>45, Rotins, 47</i><br />
-<br />
-<span class="big">1903</span><br />
-</p></div>
-<hr class="chap x-ebookmaker-drop" />
-
-<div class="chapter">
-<p><span class="pagenum" id="Page_5">[Pg 5]</span></p>
-
-<h2 class="nobreak" id="ADVERTENCIA_DOS_EDITORES">ADVERTENCIA DOS EDITORES</h2>
-</div>
-<hr class="r5" />
-
-<p>Pelos bons julgadores foi sempre considerada esta <i>Felicidade pela
-Agricultura</i> uma das obras mais cheias de estro e pujança, que
-sahiram do cerebro de Castilho.</p>
-
-<p>João de Andrade Corvo costumava dizer:</p>
-
-<p>—Em qualquer pagina que eu o abra, tem sempre este livro o condão de
-me entreter, e fazer-me pensar longamente.</p>
-
-<p>Livro que faz meditar um homem da valia de Andrade Corvo, é bom.</p>
-
-<p>Escreveu Castilho tudo isto aos poucos, entre outras variadas tarefas,
-para um periodico, que redigia em Ponta-Delgada: <i>O Agricultor
-Michaelense</i>.</p>
-
-<p>Na solidão do seu viver, então muito incerto e cheio de saudades,
-entre um rancho de cinco filhos pequeninos a pedirem-lhe instrucção
-e educação, no meio de um povo amigo predisposto para o bem, e com a
-visinhança do mar, que tanto influe a pensamentos sérios, acordaram no
-antigo ermitão do Caramulo, no ex-redactor da <i>Revista Universal</i>,
-os pensamentos rasgadamente humanitarios, que o desvelaram e absorveram
-no resto da vida. Orientou-se, sem o suspeitar, no sentido pratico do
-bem; e toda a sua alma de homem bom e de poeta vibrou em anhelos de
-felicitação publica. Esses<span class="pagenum" id="Page_6">[Pg 6]</span> anhelos tomaram forma litteraria, e deram a
-presente série de artigos, dictados desde Janeiro de 1848 até Dezembro
-de 1849.</p>
-
-<p>Via então Castilho a regeneração da Patria, d’esta Patria que elle
-tanto amou, consubstanciada n’uma ideia unica: o desenvolvimento da
-Agricultura, e da Instrucção popular. ¿Enganar-se-hia?</p>
-
-<p>A campanha que nos annos proximos havia de sustentar, com a penna, com
-a palavra, com o amor, com a ira, e com annos de existencia, começou, a
-bem dizer, aqui. Este opusculo marca uma epoca da vida de Castilho.</p>
-
-<p>Com os seus alti-baixos de forma, com a sua exuberancia opulenta, com
-as suas loucuras sérias tão sublimes, com o seu desalinho familiar,
-que por si mesmo consegue impôr-se, são estas paginas o acordado sonho
-de um vidente, que adianta tres seculos á sua era. As utopias do autor
-encapellam-se, como antecipação grandiosa e gloriosa, que lhe retrata a
-indole.</p>
-
-<p>¿São lembranças irrealisaveis algumas para desde já? sel-o hão; mas
-dos devaneios e aspirações dos homens de alma tem a Humanidade lucrado
-sementes de muitos bens. Lançadas á terra intellectual, veem a final a
-germinar, e a desatar-se em flores e frutos.</p>
-
-<p>Deixar devanear estes grandes sonhadores, cuja região se libra a
-meio-caminho entre o presente e o futuro, entre o real e o ideal, entre
-a terra e o ceo. Escutemol-os, que para algures, não sonhado de nós
-outros, nos levam estas sereias do bem:</p>
-
-<p><span class="pagenum" id="Page_7">[Pg 7]</span></p>
-
-<p>Preciosas revelações auto-biographica: se nos deparam no livro a cada
-passo, aproveitadas já, e detidamente explicadas (quanto o podem ser)
-nas suas <i>Memorias</i>.</p>
-
-<p>Pobre e desajudado, pugnou, quanto soube e poude, em favor de uma
-ideia, que o alimentou e o aniquilou: a civilisação da sua terra.</p>
-
-<p>É um livro singular este, que se não pode ler sem respeito e commoção.
-O pensador transparece no poeta. O lyrico devaneador completa-se no
-philosopho. O patriota realça-se pelo christão.</p>
-
-<p>Exhala-se de cada paragrapho um vago perfume campestre, que é
-verdadeira delicia: a mente do escritor foge, sempre que pode, para
-as solidões das hortas e dos casaes; as metaphoras são tomadas quasi
-sempre ao viver rural; a linguagem, portugueza de lei, sabe ao bom
-falar dos montanheiros.</p>
-
-<p>Se elle tivesse refundido a obra, deixal-a-hia de certo mais perfeita;
-mais sincera não a podia deixar. ¿E que melhor prenda do que a
-sinceridade?</p>
-
-<p><span class="pagenum" id="Page_9">[Pg 9]</span></p>
-
-
-
-<hr class="chap x-ebookmaker-drop" />
-
-<div class="chapter">
-
-<p class="center p2"><i>Ao meu amigo</i></p>
-<p class="right mr p2"><i>o Ex.ᵐᵒ Snr.</i></p>
-<p class="center p2 big">José Silvestre Ribeiro</p>
-<p class="center p2"><i>em penhor de admiração, respeito, e affecto</i></p>
-<p class="right mr p2"><i>Antonio Feliciano de Castilho</i>.
-</p>
-</div>
-<hr class="chap x-ebookmaker-drop" />
-
-<div class="chapter">
-<p><span class="pagenum" id="Page_11">[Pg 11]</span></p>
-<h2 class="nobreak" id="ADVERTENCIA">ADVERTENCIA</h2>
-</div>
-
-<hr class="r5" />
-<p>Reuni para este livrinho algumas das minhas utopias, já publicadas
-em um pequeno, mas bonissimo, periodico mensal provinciano, <i>O
-Agricultor Michaelense</i>, a fim de que o outono, que tão cedo vem ás
-folhas periodicas, não destruisse com ellas os meus pensamentos de amor
-dos homens. A esses artigos, alguns outros, ainda que poucos, ajuntei
-de identica natureza.</p>
-
-<p>Diz-me a consciencia, que a maior parte das minhas esperanças n’estas
-paginas vem prematura, e que poucos d’estes bons e santos desejos, ou
-nenhuns, se realisarão em vida dos nossos netos.</p>
-
-<p>Á consciencia respondo: que, se eu tivesse de viver duzentos annos
-mais, ou se d’aqui a duzentos annos houvesse de renascer, de boa-mente
-reservaria para então o que hoje antecipo.</p>
-
-<p>Os intolerantes, os fanaticos de cada parcialidade politica, terão
-muito que abocanhar n’este pobre escrito. Pedir-lhes misericordia, ou
-mesmo justiça, fôra tempo perdido. Dir-lhes-hei só, que não escrevi
-para elles. Os homens bons e sinceros, que são os que me importam,
-ainda quando não concordem comigo, louvarão as minhas intenções.</p>
-
-<p>Se, em uma ou outra parte, eu parecer<span class="pagenum" id="Page_12">[Pg 12]</span> por ventura censor, em demasia
-acre, de coisas do meu tempo (de pessoas nunca); se d’ahi quizerem
-inferir mexeriqueiros, que as minhas rasões são proclamações, e os meus
-entranhados amores de alma, clamores e rebates sediciosos, não lhes
-hei-de oppôr (o que aliás fôra verdade, e que de si se apresenta),
-que as revoluções não são os livros quem as faz, mas sim as coisas;
-as obras, ou a falta de obras, dos poderosos, e não as palavras dos
-obscuros e inermes; que as paginas só teem força activa, quando os
-actos que n’ellas se tratam lh’a communicam; e que essa força activa,
-ainda quando nem uma lettra se escreva, e então muito mais, sempre
-existe e sempre actua; que, em summa, o attribuirem ao meu livro
-efficacia para concitar as turbas, é fazerem-me ao mesmo tempo honraria
-demasiada, e demasiada injuria.</p>
-
-<p>Não amo revoluções, nem as quero, nem creio n’ellas; tenho vivido
-este ultimo meio seculo, e não ignoro, de todo, o como doidejaram os
-precedentes; mas, ainda que para ahi me fugisse a vontade (que não
-foge), faltavam-me a voz e o desembaraço, indispensaveis para o papel,
-pelo menos extravagante, de tribuno. Se alguma coisa a tal respeito
-pregoei, mais foi contra as insurreições, que a favor d’ellas; mais
-foi gritar aos governantes, que se houvessem de collar no officio por
-boas obras, do que aos governados, que os derribassem; quando não, é
-consultar o livro a cada passo.</p>
-
-<p>Se descreio em algum, ou alguns, dos presuppostos artigos de fé
-constitucional, não é culpa minha, nem é culpa; affiro-os pela rasão<span class="pagenum" id="Page_13">[Pg 13]</span>
-pura; avalio-os pelos resultados; comparo-os cá dentro, no meu fôro, já
-com as obras inconsequentes, já com os versateis discursos de muitos
-dos estadistas, que por elles fazem obra; e digo, com toda a paz da
-minha philosophia humilissima, que me parece não seria mau pensarmos
-outra vez um pouco em taes artigos. Toda a discussão dá luz; e toda a
-luz é creadora. As theses politicas não são porém as minhas; as minhas,
-o epilogo do meu livro, a isto se reduzem: temos terra, que pode ser
-mais e melhor cultivada; devemos cultival-a; temos alma, que pode ser
-mais e melhor allumiada; devemos allumial-a; temos coração, que pode
-ser mais puro, mais virtuoso, e mais amante, e mais coração; devemos
-aproveital-o.</p>
-
-<p>A terra nos fará ricos; a instrucção, poderosos; a moralidade, unidos.
-A riqueza, o poder, a fraternidade, que são a civilisação, felizes.</p>
-
-<p>Quanto á Agricultura, as minhas diligencias não deixaram, talvez, de
-contribuir o seu poucochinho, segundo alguem crê, para este promettedor
-tráfego de Sociedades agricolas, que hoje vai no Reino.</p>
-
-<p>Quanto á Instrucção publica primaria, ajudei, e continúo a ajudar, a
-obra santa, com o que pude e posso; do que, dou por prova o odio e
-perseguições, com que os <i>obscurantes</i> me teem honrado.</p>
-
-<p>Quanto á moralidade e fraternidade, esses bens, d’aquelles dois bens
-se hão-de filiar; mas ha-de ser tarde. Só quando deixarmos de ser
-politicos, principiaremos a ser bons.</p>
-
-<p>Do livro, como producto litterario, não ha<span class="pagenum" id="Page_14">[Pg 14]</span> por que falemos; foi
-escrito de carreira, sem traça prévia, nem plano ordenado. Nem digo bem
-«escrito»; foi <i>conversado</i>, como quer que as ideias vieram vindo.</p>
-
-<p>Refundira-o eu, se houvesse tempo, ou valesse a pena; decotaria
-redundancias: aproximaria pontos homogéneos, que vão separados;
-reduziria as doutrinas a um systema, e concatenação severa de
-raciocinios. Nada d’isso farei. Apraz-me conservar-lhe o seu caracter
-fortuito e desambicioso; só assim, é que me posso n’elle reconhecer.</p>
-
-<p>É uma conversação, com todos os seus altibaixos, com todas as suas
-duvidas e incertezas, com todas as suas quebras e digressões, com todo
-o desalinho de homem sincero, que antes quer ser amado, e merecel-o, do
-que citado e admirado, inda que o podesse.</p>
-
-<p>Páro já, porque estender mais as advertencias sobre coisa tão pequena,
-já passaria de ociosidade.</p>
-<hr class="chap x-ebookmaker-drop" />
-
-<div class="chapter">
-<p><span class="pagenum" id="Page_15">[Pg 15]</span></p>
-
-<h2 class="nobreak" id="I">I<br /><span class="small">Excellencias da vida rustica</span></h2>
-</div>
-
-<p class="center caption">SUMMARIO</p>
-
-<div class="blockquot">
-
-<p>Os campos são mais nobres que as cidades.—O trato rural produz
-tudo.—A Agricultura, com os seus dois filhos, Industria e Commercio,
-é a expressão maxima da Munificencia Divina, e o mais claro argumento
-da sociabilidade do homem.—As cidades são centros para a circulação
-da moeda.—Só um povo agricola é deveras rico.—As honras dadas
-á Agricultura assentam em principios muito reaes.—A Biblia, e
-Homero.—Os Romanos da Republica.—O que eram as mulheres n’esse
-tempo.—A gratidão divinisou entre as gentes primitivas os inventores
-industriaes e ruraes. Refutação de um dito de Santo Agostinho.—Origem
-das mythologias campestres.—Os deuses rusticos eram uma decomposição
-da Providencia. O Christianismo destruiu aquellas risonhas crenças.
-O campo tomou outra especie de interesse.—Klopstock e Gessner.—As
-sciencias naturaes vieram substituir com vantagem a perdida idealidade
-dos campos.—Esboço da grandeza e poder d’estas sciencias.—Confirmar
-o lavrador na religiosidade hereditaria.—Excitar os ricos e
-poderosos, para que amem o campo e seus cultores.—Elogio moral e
-politico do viver campestre.</p>
-</div>
-
-
-<p>A arte variadissima de obrigar a terra a produzir tudo, não é uma arte
-rude, pois todas as sciencias a cortejam, e a servem; não obscura, pois
-é a mais antiga e universal; não vil nem desprezivel, pois só depende
-de Deus, em quanto os homens todos dependem d’ella.</p>
-
-<p><span class="pagenum" id="Page_16">[Pg 16]</span></p>
-
-<p>As cidades, que affectam desprezar os campos, d’elles nasceram; por
-elles vivem e medram, que só lá teem as suas raizes. Transformam-se
-ellas, envelhecem, amesquinham-se, doidejam, morrem, e esquecem; em
-quanto elles, os campos, permanecem, riem, amam, dão, e promettem de
-continuo; coexistiram desde o principio, coexistirão até ao fim, com a
-raça humana.</p>
-
-<p>A charrua e o enxadão topam em toda a parte com as ruinas de templos
-e palacios. Essas maravilhas ephémeras da Arte pompearam um momento
-sobre o solo desvestido, e logo a Natureza as afogou; as recobriu outra
-vez com o seu sólo, com a sua vegetação, com os seus frutos, com as
-suas fragrancias, com a sua paz, com as suas harmonias, primitivas e
-ineffaveis.</p>
-
-<p>¿Ouvis nas cidades grandes aquelle sussurro profundo de mil vozes, como
-bramir de Oceano? É o estrépito da industria, o tráfego do commercio, a
-ebriedade das mezas, o vozear dos espectaculos.</p>
-
-<p>¿Que Fada produziu e conserva tudo isso? a Agricultura.</p>
-
-<p>Vêde os exercitos, esse espantoso numero de consumidores improductivos,
-esses celibatarios ministros da religião da morte.</p>
-
-<p>¿Quem os gerou? ¿Quem os renova? ¿Quem os alimenta? O chão pacifico
-da lavoira. O seu pão, a sua carne, o seu vinho, os seus legumes, os
-seus vestidos, os seus cavallos, os seus carros, as suas bandeiras, os
-seus mil tambores.... tudo por lá se creou. Tudo aquillo, que vôa como
-remoinho devastador, que não deixa senão cinzas, sangue,<span class="pagenum" id="Page_17">[Pg 17]</span> e lagrimas
-após si, tudo aquillo nasceu e folgou pelas aldeias e casaes; relinchou
-pelas planicies hervosas; mugiu nas leziras encalmadas; trepou e
-baliu pelos cerros; ciciou loirejando pelos chãos, como espiga de
-alambre; vicejou em florestas; amadureceu reluzindo por entre as parras
-movediças dos oiteiros.</p>
-
-<p>¿Que povoação, não creada por Deus, anima, cruza, devassa, todos esses
-mares? Esses portentos da sciencia e ousadia do homem, que affrontam
-com victoria ventos e ondas, já pelas montanhas vegetaram, floriram,
-hospedaram ninhos e musicas. As suas azas candidas, que os levam de
-extrema a extrema do globo, as tranças ondeantes das suas enxarcias,...
-foram linhares florescentes, onde as virações dos valles se embalavam.
-A epiderme grossa e negra, que lhes reveste o corpo, e lh’o torna,
-como o dos monstros marinhos, inviolavel á agua, estillou-se do
-pinheiro queimado em succo denegrido; gottejou de outros troncos em
-rezinas balsamicas; creou-se nos ossos do animal, que arrasta o carro
-e o arado; expremeu-se em oiro liquido do fruto luzidio da oliveira.
-Os braços, que os domam e os meneiam, como o cavalleiro dirige o seu
-corcel a todas as partes, robusteceu-os, quasi todos, o sol dos campos.</p>
-
-<p>¿Que levam ellas, essas cidades sem alicerce, por quem as mais remotas
-se communicam, e todos os filhos de Adão não fazem mais que uma
-familia? ¿Que levam, que assim vão assoberbadas?</p>
-
-<p>Levam os frutos da cultura do septentrião,<span class="pagenum" id="Page_18">[Pg 18]</span> aos longinquos moradores do
-sul; as producções regaladas do meio-dia, ás praias severas do norte;
-os perfumes e sabores do oriente, até ás ultimas orlas das Hespanhas; a
-alegria das mezas occidentaes, aos banquetes opíparos dos Chinezes.</p>
-
-<p>¡E é o trabalho de um camponez humilde, de sua mulher e de seus filhos,
-o que, sem sahirem do torrão que os brotou por entre as plantas e os
-gados, povoou todos esses mares sem limites de celleiros, dispensas,
-e adegas fluctuantes, e abasteceu, sem o saberem, ao seu desconhecido
-irmão, em paizes de que nunca ouviram o nome, recebendo de lá, em
-troca, o que nunca sonharam que a terra procreasse!</p>
-
-<hr class="tb" />
-
-<p>Difficilmente, por mais que refujâmos para longe dos campos, e para o
-centro do luxo, difficillimamente encontraremos com objecto, que, no
-todo ou em grande parte, não devesse o seu ser á industria agricola.</p>
-
-<p>A corporificação mesma d’este pensamento, isto, que estamos escrevendo
-agora, isto, que vós amanhan estareis lendo, este nosso aprazivel
-praticar entre desconhecidos, este daguerreotypar para os vindoiros um
-reflexo passageiro do espirito, ¿a quem o devemos, se não a esta Arte
-inexhaurivel? O papel, a penna, a banca, o prelo, as balas, a tinta de
-impressão, o alimento que mantém os braços, de que tudo isto se ajuda,
-¿quem se não a Agricultura, o deu? ¿Quem se não<span class="pagenum" id="Page_19">[Pg 19]</span> ella, ou um milagre de
-muitos milagres, o podéra dar?</p>
-
-<p>A Agricultura, a velha e robusta mãe dos povos, auxiliada dos seus
-dois incançaveis primogenitos, Industria e Commercio, é a bemfeitora
-por excellencia; a compensadora unica das differenças das regiões; a
-expressão maxima da Divina Munificencia, e o mais claro documento da
-nossa social destinação.</p>
-
-<p>Qualquer Sciencia, qualquer Arte, supprimida, deixaria uma falta, mais
-ou menos para sentir; mas a falta da Agricultura desataria de repente a
-Sociedade, e dentro em pouco extinguiria o proprio homem.</p>
-
-<hr class="tb" />
-
-<p>¡Longe de nós o insensato pensamento de negarmos ás cidades a sua
-importancia! A baixo das choças aldeanas, nada mais nobre que as
-cidades; nada, que as Leis mais devessem favorecer, depois dos campos.</p>
-
-<p>Os metaes preciosos, de que uma invenção profunda, e quasi inspirada,
-compôz, por que assim o digâmos, o sangue, que devia circular por todo
-o corpo social, necessitavam, como o sangue no corpo de cada individuo,
-deposito amplo e energico, para onde confluissem de toda a parte, e que
-outra vez para toda a parte os deramasse. A Cidade foi o coração do
-paiz agricola, e centro unitivo de sua vida.</p>
-
-<p>Ás cidades, as industrias, secundaria e terciaria; o manufacturar as
-materias; o permutar as manufacturas. Aos campos a primaria<span class="pagenum" id="Page_20">[Pg 20]</span> industria;
-o ministrar a omnimoda materia para essas duas outras.</p>
-
-<p>Artes e Commercio encantadores são, que modificam, metamorphoseiam, e
-transferem tudo sem cessar; mas só a Agricultura cria, só ella, filha
-primogénita da Divinidade, é, sobre a terra, Divindade. Só um povo que
-lhe quer, e a quer, e a serve com desenganada preferencia, só esse é
-rico; rico sem fausto, mas rico sem receio de empobrecer.</p>
-
-<p>As minas cançam e exhaurem-se; as conquistas levantam-se e fogem; as
-fabricas podem cahir, ao erguerem-se novas fabricas n’outras partes;
-a grande louca do mundo moderno, a moda, as derriba a cada passo,
-roçando-as, ao passar, com o seu vestido novo, ou com os seus novos
-enfeites; o mesmo Commercio, no seu carro triumphal de oiro, corre
-estrepitoso por cima de alturas resvaladias, por entre despenhos e
-rivaes inimigos, que ao primeiro descuido o precipitarão.</p>
-
-<p>Só a terra entretanto se não esgota; só n’ella se podem empregar
-beneficios, sem colher ingratidões; só ella pode dizer, como o seu
-Creador: «Pedi e recebereis»; só ella pode supprir tudo, sem poder
-outra alguma coisa suppril-a.</p>
-
-<p>Quando ella treme, sacode de sobre si, em nuvens de pó, castellos
-massiços, paços alterosos, armazens e feitorias de portas chapeadas,
-como um leão, com um frémito musculoso das jubas, afugenta os
-insectos, que vieram poisar sobre elle em quanto dormia; mas a Queluz
-e Versailles do lavrador, a sua choçasinha de palha, essa vacilla
-um momento,<span class="pagenum" id="Page_21">[Pg 21]</span> como as arvores circumstantes; assustou-se, como um
-passarinho entre as ramadas; mas fica em pé, e rasserena-se, vendo tudo
-em derredor tão arraigado, tão viçoso, tão quieto, como d’antes.</p>
-
-<hr class="tb" />
-
-<p>Foi a consciencia d’estas verdades obvias, e que só o excessivo
-crescimento do luxo era efficaz para escurecer, foi, dizemos, a
-consciencia d’estas verdades, a que fez com que em todos os tempos se
-protegesse e honrasse a Agricultura, e em alguns paizes por modo tal,
-que aos almiscarados passeadores das capitaes pareceria hoje fabuloso,
-ou ridiculo quando menos.</p>
-
-<p>Os dois mais antigos livros, que o mundo velho nos deixou, a
-<i>Biblia</i>, epopêa de Deus, e Homero, biblia dos poetas, a cada
-pagina nos maravilham com o que antes nos devêra servir para sizuda
-meditação, e algum exemplo: com a singela pintura do enlace da
-autoridade com o trabalho rural.</p>
-
-<p>Reis e Principes homericos, raios de valor nos combates, nos dias da
-paz cultivam, e pastoreiam: e mais de um heroe d’esses, ao expirar, dá
-a ultima saudade ao pensamento dos bosques da sua infancia.</p>
-
-<p>Os patriarchas da antiga Lei, os juizes, e os Reis do Povo hebreu
-(semelhantes n’aquillo aos maioraes de algumas tribus arabias, e aos
-regedores de alguns povos simplices da America e da Africa, ainda hoje)
-distribuiam a justiça, já á sombra de um carvalho, já sentados, como
-em throno, na<span class="pagenum" id="Page_22">[Pg 22]</span> méda do seu trigo á borda da eira; ou, reclinados entre
-os seus rebanhos, ensinavam com apólogos e parábolas campestres, as
-virtudes naturaes, a concordia, a rectidão, a beneficencia.</p>
-
-<p>Os Romanos das eras recommendaveis, os Romanos da Republica, essa
-gente exemplar, já expurgada da barbaria de sua origem, e ainda não
-pervertida pelas riquezas e luxo; equidistantes de Romulo e de Nero;
-revolviam com a charrua o chão da Patria, que alargavam com a espada.
-Da rabiça, se iam arrancar os generaes para as victorias; do Capitolio
-redescendiam, com alvoroço, para se irem concluir a geirasinha largada
-em meio.</p>
-
-<p>Então as matronas eram Cornelias; e as donzellas, Virginias. Então era
-soberbo epitaphio: «N’este sepulcro não formoso jaz uma formosa mulher.
-Governou sua casa; fiou lan.»</p>
-
-<p>Então eram guiões e estandartes magnificos umas paveias de feno no alto
-de uma lança.</p>
-
-<p>Então, emfim, podia dizer o Poeta, com verdade: não só que as selvas
-eram dignas de consules, se não que eram dignos os aldeãos, dos feixes
-e da purpura.</p>
-
-<p>Retraiâmos-nos lançando comtudo um olhar saudoso para aquellas edades
-ridentissimas, em que os nomes e feitos memorandos se não escreviam nos
-annaes, mas se embalsamavam de poesia para mythos.</p>
-
-<hr class="tb" />
-
-<p>¿Qual foi d’essas antigas gentes, fabuladoras por philosophia, a que
-não divinisou,<span class="pagenum" id="Page_23">[Pg 23]</span> e não ergueu sobre aras, para incensos e hymnos da
-posteridade, os inventores, introductores, ou aperfeiçoadores, das
-diversas Artes prestadias, e da Arte da Agricultura sobre todas?
-Cybéle, Osiris, Saturno, Céres, Triptólemo, Fauno, Pales, Baccho,
-Pomona, Vertumno, Aristeu, Flora, eis ahi uma parte d’esse Olympo
-terrestre, com que as Musas por mais de dois mil annos se inspiraram,
-e que, se já hoje não ressôam nos cantos, nem por isso ficaram menos
-sacros para os corações agradecidos.</p>
-
-<p>«Demonios são os deuses da gentilidade»—exclamava, no seu enthusiasmo
-religioso, o Bispo de Híppona.—«Demonios são, cujos nomes nunca mais
-hão-de profanar estes meus labios.»</p>
-
-<p>Enganais-vos, Agostinho, se abrangeis a esses bons deuses rusticos
-no vosso anáthema. Desendeusae-os embora; mas, em vez do ferrete de
-demonios, decretae-lhes foros de grandes Homens, e grandes Mulheres, já
-que de Anjos não pode ser.</p>
-
-<p>Se procuramos, na rasão pura, o que por nenhum documento se rastreia,
-o por que os Romanos, apóz os Gregos, os Gregos apóz os Egypcios, e
-os Egypcios Deus sabe apóz quem, assim se comprouveram de povoar de
-numes e semi-numes indígetes os seus campos, facil se nos depára a
-chave do enigma. Obra foi, instinctiva e simultanea, de rusticos, e
-philosophos; do povo, e dos agentes da alta Politica dos Estados. O
-poder comprehendeu a utilidade de sanccionar culto que nobilitasse
-o lavrador, divinisando todos os objectos do seu trato, e a propria
-terra:<span class="pagenum" id="Page_24">[Pg 24]</span> os camponezes, por si mesmos, de motu proprio, coadjuvaram
-o poder n’esse mui real empenho seu, com darem largas á propria
-phantasia, faculdade sempre tendente para o poetico e maravilhoso.</p>
-
-<p>E de feito, ¿que mais natural erro (se assim nos podemos exprimir),
-que abusão mais para desculpas e louvor, do que imaginar o homem, ao
-ver-se rodeado de successivos beneficios e presentes da Natureza, que
-andavam ahi velando sobre elle, por toda a parte, a todas as horas,
-entes beneficos, poderosos e invisiveis, a quem por isso cabiam amor
-e agradecimento? Por não abrangerem a Providencia na universalidade,
-decompunham-na em mil Providencias; e n’este sentido a idolatria era
-ainda um culto ao Supremo Desconhecido, «<span class="smcap">Ignoto Deo</span>»; era o
-matiz brilhante e confuso, formado de vapores da terra entre ella e o
-Céo, como arreboes e aurora do <span class="smcap">Sol</span>, que estava para nascer.</p>
-
-<hr class="tb" />
-
-<p>Além da gratidão, outra causa, se menos sublime, por ventura mais
-urgente, levaria os filhos das aldeias a abraçarem na alma, sem
-exame, aquellas crenças, logo que referidas na conversação dos velhos
-autorisados, ou evangelisadas pelos poetas, por esses engenhos de
-eleição, a quem sempre se attribuiram mysteriosas relações com outros
-mundos. Esta causa era, no meio da solidão, a tendencia para a
-sociabilidade.</p>
-
-<p>O viver semi-eremitico do camponez, e as suas occupações, quasi todas
-manuaes, deixavam-lhe<span class="pagenum" id="Page_25">[Pg 25]</span> alma e coração livres, vazios, carecentes,
-avidos de alimento. Nos desenhos do Vaticano se vê, copia de uma pedra
-antiga, a imagem da Agricultura representada por uma Psyche, arrimada a
-um sacho, e meditabunda.</p>
-
-<p>Então o pastor folgou de cuidar que uma deusa o acompanhava occulta,
-e o amava, defendendo-lhe o rebanho; que de dentro de cada arvore,
-ao perpassar, lhe sorria uma Nympha; que outra despejava da urna
-subterranea as aguas que o dessedentavam; que a aura refrigerativa das
-séstas era vivente, e lhe furtava beijos fugindo; que a sua flauta fôra
-inventada por Pan em hora de mágoas amorosas, e as suas cantigas eram
-repetidas com ternura pela namorada de Narciso.</p>
-
-<p>O semeador, lançando o grão á terra, commettia a sua subsistencia ao
-coração maternal de uma beldade; o pomareiro encommendava a outra,
-ainda mais beldade, encher-lhe os açafates e cestos para o outono; e o
-vinhateiro via um menino, tão gentil como o proprio Amor, e um velho
-tão folgasão como esse menino, andarem-lhe brincando por entre as cepas
-para florescerem. O dia, derramava-o dos céos o deus da musica e dos
-versos. Á scismadora melancolia das noites presidia, lá do carro da
-lua, uma virgem candida, que de manhan andára caçando pelos bosques, e
-de quem havia segredos... para se contarem ao ouvido das raparigas.</p>
-
-<p>Assim se era amado, porque se amava; e se amava, porque se era amado.
-Assim se ganhava animo para supportar a solidão; ou,<span class="pagenum" id="Page_26">[Pg 26]</span> por melhor dizer,
-assim a solidão se transformava em sociedade; sociedade tão numerosa,
-tão garrida, tão illustre, tão sensitiva, tão amavel, tão munífica,
-sobre tudo, qual nunca jámais a poderiam ter os saráus das maiores
-Côrtes, e dos maiores Reis.</p>
-
-<hr class="tb" />
-
-<p>Sob o astro esplendido do Christianismo tudo isso passou, como perante
-o sol do estio desapparecem as multicores florinhas, que borboleteavam
-por valles e oiteiros. O campo desenfeitiçado se consagrou por bellezas
-mais severas; mas a solidão reappareceu em grande parte, e quiçá
-mais profunda e melancolica, em derredor do camponez. É porque já se
-aprendêra do Historiador da Creação, que a fertilidade só nascia do
-trabalho, e que o trabalho era castigo da desobediencia; que a terra
-não era patria, se não degredo, e a vida não estado, se não caminho por
-valle de muitas lagrimas. Os frutos já não foram dádivas de nymphas,
-sim esmolas, que a troco de suor e orações se lançavam lá de cima aos
-necessitados, para elles as repartirem com os indigentes.</p>
-
-<p>As novas festas campestres, as Rogações de Maio, a procissão das
-Alleluias, não compensavam, para os sentidos, as sacras profanidades de
-outro tempo.</p>
-
-<p>Acudiram Musas do Cedron e do Jordão, successoras, e não herdeiras,
-d’aquellas nove da Castália e Aganippe, e forcejaram por enthronisar no
-campo das antigas divindades esvaecidas novos Genios mais formosos,<span class="pagenum" id="Page_27">[Pg 27]</span>
-ainda que menos sensuaes; verdadeiros quanto á existencia, e só quanto
-aos attributos fabulosos. Ás Dryades, Oréades, e Faunos, succederam na
-tutella das arvores, dos oiteiros, e das planicies, Anjos invocados do
-Empyrio pelas harpas germanicas do cantor delicioso de Abel, do cantor
-sublime do Messias. Mas esses Espiritos custodios das plantas e das
-aguas, das flores e das estrellas, em quem a imaginação creu, talvez,
-em quanto ressoavam os accentos d’aquellas harpas, volveram aos Ceos
-com Gessner e Klopstock, como os numes haviam volvido ao nada; e a
-solidão campestre recomeçou; ou proseguiu.</p>
-
-<p>O ideal da vida agricola achava-se pois abolido, e para todo sempre. A
-obra das Musas do Líbano caducára, como a obra das filhas do Parnaso. A
-arvore não era mais que um lenho verde; a fonte, agua; a terra, terra.</p>
-
-<p>Acode a Sciencia, para repoetisar tudo.</p>
-
-<hr class="tb" />
-
-<p>A Sciencia da Natureza é nos tempos modernos um gigante, animado de
-mil espiritos, armado de mil braços, guarnecido de mil azas, dotado
-de mil ouvidos e mil olhos; engolfa-se, como aguia, por ceos e ceos;
-colhe no vôo os cometas e os planetas, e lhes toma o pezo e a medida;
-distingue na atmosphera imperceptiveis e subtilissimos fluidos, e os
-senhoreia como a outros tantos Genios poderosos, constrangendo-os a
-explicarem-se, e a servil-a; estende a vista senhoril pela<span class="pagenum" id="Page_28">[Pg 28]</span> superficie
-do orbe, e impõe, como o primeiro homem, nome proprio a cada vivente
-sensitivo, a cada planta, a cada composto, a cada elemento da
-materia bruta e inerte, desde a colossal baleia, até o microscopico
-infusorio, desde o giganteo baobab, até o pulverulento lichen, desde
-os alterosos Andes, até as parcellas imponderaveis do simples mineral.
-Entre tantos milhões de individuos, estabelece os <i>reinos</i>,
-determina as <i>classes</i>, subdivide e forma <i>ordens</i>, reconhece
-os <i>generos</i>, caracterisa as <i>especies</i>, e descobre as
-mutuas relações de nexo ou afastamento. Funda preciosos inventarios
-de tantas riquezas, os <i>methodos naturaes</i>, e os <i>systemas
-artificiaes</i>. Abysma-se nas profundezas da terra, e reapparece com
-os documentos da historia do Mundo; medita-os, e prophetisa o que lá
-vai, já nos incommensuraveis seis <i>dias</i> do Génesis, já nas eras
-subsequentes. Interroga a vida em todos os seus mysterios: na geração,
-na reproducção, na conservação, no crescimento, nas metamorphoses;
-aqui, lhe recebe a confissão de um segredo; além, lhe arranca outro;
-conjectura todos; e muitos, por ventura lh’os adivinha.</p>
-
-<p>Ajudada das artes, filhas suas, nutridas aos seus peitos, entretece
-industriosamente todos esses innumeraveis fios de luz, que de cada
-ponto da materia lhe ressurtiram, e por suas combinações inesperadas
-faz apparecer, de momento para momento, novos recursos para as mesmas
-artes, novas forças e vantagens para o homem.</p>
-
-<p>O campo, sondado pela Sciencia em cada camada do seu terreno, em cada
-elemento<span class="pagenum" id="Page_29">[Pg 29]</span> dos seus adubíos, em cada gotta do seu orvalho, em cada
-molécula dos seus gazes, em cada póro das suas plantas e animaes, em
-cada tácita relação de tudo seu com os meteóros, com a electricidade,
-com o frio e calor, com a luz e as trevas, com cada um dos ventos, com
-cada uma das quadras, com cada um dos mezes, com cada um dos dias, e
-horas do dia, o campo, repetimos, encerra pois mais poesia, poesia mais
-bella, mais fecunda, mais vivaz, mais duradoira, que as antigas.</p>
-
-<p>A arvore do pagão fôra nympha; e a do simples christão, simples meza
-de caridade. A arvore para o sabio é um microcosmo de maravilhas; é um
-pregão, não já mudo, de Sabedoria, de Poder, de Bondade sem limites.</p>
-
-<hr class="tb" />
-
-<p>¡Felizes nós, se, interpretando uma ou outra harmonia da Natureza,
-podermos confirmar o camponez na sua religiosidade hereditaria!</p>
-
-<p>¡Felizes, não menos, se nos ricos senhores crearmos, ou
-accrescentarmos, o amor dos seus campos, e o salutar affecto aos
-pobresinhos, que com o seu suor lh’os fertilisam! ¡se, tornando-lhes
-aprasivel o rusticar, e descobrindo-lhes com Zimmermann os thesoiros da
-solidão, contribuirmos para que alguns vão ser divindades veneradas no
-seu torrão, e ensinar com o seu trato polidez aos filhos das aldeias
-retemperando-se entre elles, e readquirindo algum pouco d’aquella
-innocencia velha foragida das cidades! Que<span class="pagenum" id="Page_30">[Pg 30]</span> vendo nos seus bosques e
-seáras alguma coisa mais que lenha e farinha, sintam que a Agricultura
-é o parentesco, a amisade, a intimidade, o trato de mutuos beneficios,
-entre o homem e a Terra sua mãe. Que repitam com Bentham: «A classe
-dos que trabalham, se é a derradeira no vocabulario dos soberbos, é
-no vocabulario da san Politica a primeira». Que muita vez, nos seus
-passeios meditativos, exclamem enternecidos, como a Baroneza de Staël:
-¡«Pobre gente! ¡meio silvestres, meio civilisados! mas os que d’entre
-elles são virtusos, ¡oh! esses teem um genero de innocencia e bondade,
-que lá nos mundanos se não acha.» Ou, reclinados ao sol posto no poial
-da sua granja, revolvam calados aquellas palavras, com que a Biblia, na
-sua maravilhosa simplicidade, nos encarece o viver facil do Povo eleito
-no reinado de Salomão: «Comer, beber, e folgar, sem nenhuns medos, cada
-um á sombra do seu parreiral e da sua figueira.»</p>
-
-<p>¡Oh! e as mãos do que tudo isto chegar a dizer, ¡que venturas não
-dispartirão tacitamente pelas agradecidas choças de tantos, que, em
-meio de montes de riquezas, não tinham muitas vezes um pão negro para
-os seus meninos!</p>
-
-<p>«Quem faz amar os campos—escrevia Delille—faz amar a virtude.»</p>
-
-<p>¡Oh ricos, ricos! ¡Quão pouco vos custára o ser ditosos, creando nos
-outros alegrias para vós mesmos! ¡Quão facil vos fôra acabar com o
-antigo pleito, que pende entre a penuria e a opulencia! ¡Quão facil,
-e quão glorioso, o fazerdes (e não á vossa custa, se<span class="pagenum" id="Page_31">[Pg 31]</span> não até com
-proveito vosso) com que os filhos, como vós, de uma terra fertil não
-fugissem d’ella, para se irem comer pão de escravos, e estalar de
-saudades em sertões longinquos!</p>
-
-<p>Se amais o chão onde nascestes, creae e enraizae n’elle verdadeiros
-lavradores.</p>
-
-<p>Lavradores verdadeiros não são só os cidadãos mais productivos, mas
-tambem os mais pacificos e patrioticos.</p>
-
-<div class="blockquot">
-
-<p>Janeiro de 1848</p>
-</div>
-
-<hr class="chap x-ebookmaker-drop" />
-
-<div class="chapter">
-<p><span class="pagenum" id="Page_33">[Pg 33]</span></p>
-<h2 class="nobreak" id="II">II<br /><span class="small">Sociedades de Agricultura</span></h2>
-</div>
-
-<p class="center caption">SUMMARIO</p>
-
-<div class="blockquot">
-
-<p>As associações agricolas hão-de diminuir as aversões publicas, e
-restituir o amor do trabalho.—A Sociedade Promotora da Agricultura
-Michaelense mostra o que taes sociedades valem.—Vantagens que já
-tem dado.—O seu exemplo ha-de ser imitado, mesmo em Portugal.—A
-convicção da necessidade de olhar pela Agricultura é já sentida
-geralmente.—As regenerações politicas só serão verdadeiras
-tendo por base a Agricultura.—Todas as revoluções teem origem
-na bolsa.—Tributos devem-se exigir, proporcionando-se meios de
-os pagar.—Os poisios deviam repartir-se pelos soldados.—Como
-seria um bom Governo.—Aqui não entra «Politica» segundo hoje a
-entendem.—Declaração de qual é a do autor.—Como as Côrtes e o
-Governo podem felicitar sem custo a Nação.—Se elles o não fizerem,
-façam-n-o os particulares, associando se.</p>
-</div>
-
-
-<p>Por um interessante periodico do Funchal, O <i>Madeirense</i>, vemos
-com prazer, que tambem ali se torna a olhar com amor para a terra, <i>a
-grande Mãe</i>, como philosophicamente lhe chamavam os Antigos.</p>
-
-<p>A terra é o campo neutro, no qual, ainda hoje, se podem congregar
-os animos, que as contendas sociaes dissociaram e lançaram a monte.
-Não é senão no seio da Natureza immutavel, universal, inexhaurivel,
-que os homens podem encontrar novamente a convivencia de ideias, e a
-fraternidade, a que os<span class="pagenum" id="Page_34">[Pg 34]</span> leva o seu instincto, tanto como a sua razão.
-Se o trabalho é a condição indispensavel de todos os bens, se a união é
-a indispensavel condição de todo o trabalho de veras fecundo, ¿quem não
-vê que as Associações agricolas, além do grande beneficio de tornarem
-a enfeixar um pouco a familia humana, hão de promover o trabalho, Anjo
-custodio de saude e bons costumes? O que as Associações agricolas
-estão dando de si nos povos representantes e coripheus da civilisação,
-é historia já tão publica e corrente, que ainda aquelles que a não
-estudam a sabem pouco mais ou menos. Mas, preterindo, como logares
-communs, a França e a Inglaterra, figuras obrigadas em qualquer pagina
-dos nossos contemporaneos, como aquell’ outras de Grecia e Roma em cada
-escrito dos nossos paes, préguemos á nossa gente com o exemplo, muito
-mais persuasivo, dos «santos de casa.»</p>
-
-<hr class="tb" />
-
-<p>A Sociedade Promotora da Agricultura Michaelense é a demonstração
-viva do que taes corpos valem, e podem, para o aperfeiçoamento dos
-lavradores.</p>
-
-<p>Nascida de hontem, se pode dizer, sem amparo algum externo, sem uma
-dotação larga, para converter em factos a decima parte dos seus bons
-desejos, constantemente a braços com as difficuldades dos tempos,
-ainda não apreciada nem comprehendida na propria terra, e com mais
-de metade das suas forças intrinzecas desaproveitadas, com um viver
-intermittente, reduzida a hibernar<span class="pagenum" id="Page_35">[Pg 35]</span> por quasi toda a bella estação,
-e no inverno mesmo só incompletamente concorrida de seus membros e
-sem ouvintes para a animarem recolhendo-lhe o fruto das discussões;
-n’uma palavra: não havendo tido, por si até agora mais que tres ou
-quatro vontades perseverantes, mas inquebrantaveis, mas inflexiveis,
-mas cheias de fé e amor, esta Sociedade contém já nos seus fastos
-algumas paginas, que a gratidão da Historia ha-de doirar, e os futuros
-lavradores beijar com enternecimento.</p>
-
-<p>O rusticissimo horror das innovações agrarias, esse ridiculo espantalho
-millanario de todas as ideias uteis, não se destruiu, porque não pode
-destruir-se; mas vai recuando para dentro dos limites de uma prudente e
-cautelosa espectativa; isto é: a curiosidade moderada, que não dá passo
-sem primeiro palpar o terreno, mas que, apenas o sente solido, adianta
-e assenta o pé para não retroceder, occupa já o logar do empyrismo
-intolerante e indomesticavel.</p>
-
-<p>Não se instruiu ainda o camponez; a tarefa de seculos não cabe em dias;
-mas fez-se-lhe entrever a sua ignorancia; é uma grande passada no
-caminho do Progresso. Fez-se-lhe conjecturar, por factos sensiveis, que
-havia, fora da sombra do seu campanario, e mesmo dentro nas cidades,
-amigos seus e da terra, habilitados pelo estudo para mestres e guias;
-que os livros não eram todos sonhos vãos de charlatães, e que de muitos
-d’elles sabiam raios, luminosos como os do sol, que fertilisavam a
-terra largamente; que não havia sacrilegio em trocar<span class="pagenum" id="Page_36">[Pg 36]</span> a enxada de Adão
-pelo instrumento só de hontem inventado, mas que multiplica as forças,
-as horas, os frutos, as moedas, os ocios innocentes, e os praseres.</p>
-
-<p>Insinuou-se a pouco e pouco, e sem rumor, nas praticas do serão da
-Aldeia:</p>
-
-<p>primeiro, a crença de que o Mundo era mais amplo que os confins da
-parochia ou do municipio, e muita planta boa, e muito animal prestadio
-opulentavam outros paizes, que, se viessem ao municipio e á parochia,
-lhes accrescentariam os haveres;</p>
-
-<p>que se podia produzir mais e melhor em frutos e materias primas, para
-industrias que ao longe se enxergavam;</p>
-
-<p>e que o pretender aperfeiçoar as raças brutas, as manadas, os rebanhos,
-e os animaes domesticos, não era absurdo nem impiedade, pois que a tudo
-isso se chegava sem mais feitiço que o entendimento que Deus nos deu.</p>
-
-<p>Não queremos affirmar que o poisío secular, sêcco e maninho, dos
-espiritos da população rustica se ache já desmoitado. Affirmâmos
-porém, e poderia provar-se, que da fundação da Sociedade promotora
-data um progresso notavel na Agricultura d’este paiz; que ha hoje ahi
-em exercicio muito instrumento moderno de inquestionavel prestimo; que
-alguma raça de animaes caminha para o aperfeiçoamento; que as plantas
-preciosas estrangeiras são desejadas e bemvindas; que se vai pegando
-a curiosidade do experimentar. N’uma palavra: um observador attento
-e sagaz sente nas ideias rusticas o que quer que seja de vivaz, de
-vegetativo, de<span class="pagenum" id="Page_37">[Pg 37]</span> medrançoso; semelhante ao que se percebe nas hortas,
-de verão, pela calada da noite, quando ao luar se está suavemente
-devaneando: um rumor vago e tenue pela folhagem; um cheiro suave de
-vitalidade, que é circular de seiva, encorpar de hásteas, desabrolhar
-de gomos, explicar de folhas, nascer de botões, abrir de flores,
-enchar e amadurecer de frutos; são os fluidos impalpaveis do dia que
-passou, que por ali se estão ás escuras corporificando para abundancia;
-d’aquelle ruído sem nome, e quasi imperceptivel, é que lá para o
-diante se hão-de acogular as eiras, encher os celleiros e os lagares,
-assoberbar-se os carros, os portos, e os navios, nutrir-se os homens e
-os animaes, as aldeias e as cidades.</p>
-
-<p>Deixae continuar em sua acção a causa impulsiva d’este movimento, que
-já se opera nos espiritos camponezes, e vereis as innovações cada vez
-menos repugnadas, a sciencia pratica avantajada de anno para anno, e
-com ella vir raiando um pouco tambem da sciencia especulativa, unica
-fonte dos progressos ulteriores e indefinidos.</p>
-
-<hr class="tb" />
-
-<p>Felizmente, este exemplo grande e nobre que a Sociedade Michaelense
-está dando a todos os dominios Portuguezes, e á metrópole mesma,
-é grão lançado em terreno, que nos parece achar-se já devida e
-sufficientemente preparado.</p>
-
-<p>De toda a parte onde ha Portuguezes, isto é: de toda a parte onde
-sobre um solo fertil<span class="pagenum" id="Page_38">[Pg 38]</span> negreja a penuria, saem gritos clamando pela
-Agricultura ausente, como pelo ultimo e unico Messias terrestre; e
-esses clamores, quando assim se tornam geraes, são sempre prophecia.</p>
-
-<p>A convicção chegou a todos os animos: a uns pelo raciocinio, aos outros
-pelo mero instincto; mas em todos está; em quasi todos clama; e já em
-muitos se agita insoffrida, para se converter em obras.</p>
-
-<p>Se os commodos da vida, isto é os deleites do corpo, os do coração,
-e os do espirito, são o alvo a que tiram de longe, e de encontrados
-pontos, todas as opiniões, todos os systemas, todas as parcialidades, a
-Agricultura para Portugal deve (e não pode deixar de ser) havida pela
-Politica suprema, pela Politica das Politicas; pois quando, renascida
-e adulta, a nossa Agricultura nos houver feito laboriosos, abastados,
-modestos, bons, unidos, e irmãos, então, e só então, é que as theorias
-de <i>liberdade</i> deixarão de fluctuar e transformar-se ao sôpro das
-palavras, como as nuvens inconsistentes ao capricho dos ventos.</p>
-
-<p>As instituições sociaes querem todas uma base; e não ha para ellas
-alicerce, como é a terra a desentranhar-se em riqueza; tanto assim, que
-o proprio regimen absoluto, e ainda o despótico, em quanto não faltam
-ao Povo com pão e um pouco de recreio, permanecem, não combatidos,
-nem quasi murmurados; ao mesmo passo que as mais philosophicas e
-altisonantes constituições em terra faminta, isto é em terra pelos
-homens desaproveitada, são victima, muitas vezes<span class="pagenum" id="Page_39">[Pg 39]</span> innocente, mas sempre
-victima, dos irreconciliaveis odios da indigencia.</p>
-
-<hr class="tb" />
-
-<p>Não se ha mistér ser profundo sabedor na historia das revoluções, para
-reconhecer que todas ellas, proxima ou remotamente, teem na bolsa a
-sua origem; assim como é evidente, que em quasi toda a parte é a terra
-trabalhada quem enche a bolsa; ou, pelo menos, que é só ella quem,
-enchendo-a, pode prometter com affoiteza conserval-a cheia.</p>
-
-<p>Um dos mais deploraveis erros, se não o mais deploravel, é procurar
-acudir aos males produzidos pela miseria, extorquindo aos proprios
-miseraveis com uma das mãos o que depois, bem ou mal, em todo ou em
-parte, se derrama sobre elles. O Thesoiro publico só é abastado, ou,
-mais verdadeiramente, só ha Thesoiro publico, onde se não é obrigado a
-arrecadar para elle sangue, lagrimas, e maldições.</p>
-
-<p>Os tributos são uma necessidade; mas para os Governos justos e
-previdentes não no é menor subministrar aos governados meios de
-producção, com que satisfaçam aos tributos.</p>
-
-<p>Facilitae-me encher a minha tulha, e pedi-me embora metade d’ella para
-remir o desamparo dos meus visinhos. Mas se pela minha porta aberta não
-vedes, em toda a minha poisada terrea, nem lume, nem pão, nem assento,
-nem mais vestido que os andrajos que andam no corpo, não me vendais
-para<span class="pagenum" id="Page_40">[Pg 40]</span> o tributo o bercinho nú do filho, e a enxerga desconchegada da
-mãe; não m’os vendais que o não quer Deus; não m’os vendais, não m’os
-vendais, que por um tostão ou dois os havereis matado a elles e a mim,
-e á vossa consciencia tambem; e todos estes mortos se alevantarão á
-hora prescrita, para matarem a vossa causa.</p>
-
-<p>Se os haveres são o sangue do corpo social, e se o corpo social jaz por
-debilidade, ¿pensaria alguem cural-o abrindo-lhe as veias e as artérias?</p>
-
-<p>Em quanto houver terras devoluto, a dar cardos e urzes em logar de
-trigo e azeite; em quanto houver braços com ociosas armas ás costas,
-ou encruzados sobre o peito descarnado; em quanto não repartirdes
-esses braços por essas terras, e essas terras por esses braços, com um
-alvião, um punhado de sementes, dois ou tres cruzados para uma choça
-de colmo, um cathecismosinho de Agricultura, e uma boa isenção de
-direitos até que a abençoada plantação se desate toda em frutos; em
-quanto fordes tolerando que o vicio, o ruim exemplo, a indiligencia,
-e a ignorancia, lancem quotidianamente na voragem sempre crescente da
-prostituição milhares de moças, nascidas com entendimento e coração
-para mães de familias, e a maior parte das quaes o haveriam ido ser, se
-o seu hediondo celibato não fôra effeito necessario do celibato forçado
-de tantos homens; em quanto, pelo concurso de tamanhos desconcertos,
-deixardes que permaneçam estereis, despresadas, e despresiveis, as duas
-mais formosas e mais santamente<span class="pagenum" id="Page_41">[Pg 41]</span> productivas coisas do mundo, a terra,
-e o seio da mulher; sereis mendigos a governar mendigos, sereis loucos
-a vexar attribulados.</p>
-
-<p>Podereis chamar-vos Governo, segundo o Direito constituido, e pelas
-trombetas de uma parcialidade, da vossa; mas pela Natureza, mas pela
-philosophia, mas pelo vosso proprio senso intimo... nunca merecereis
-tal qualificação.</p>
-
-<hr class="tb" />
-
-<p>Damos por superfluo declarar que, se algum nescio, ou maligno, vir
-d’isso a que ahi chamam <i>Politica</i> nas poucas linhas que deixamos
-escritas, não foi absolutamente nossa intenção, nem o é, nem o será
-nunca, descer das alturas serenas e claras do raciocinio até essas
-escuras e lodacentas encruzilhadas.</p>
-
-<p>Não processâmos nenhum homem, nenhum bando, nenhum systema; ou
-processâmol-os todos.</p>
-
-<p>Hoje (comprazemo-nos de o repetir) não commungâmos senão á Meza
-catholica da Philosophia. Todas as variações protestantes da egreja
-politica liberal nos são desconhecidas. Lançâmos ao ar e ao vento as
-palavras de bom conselho, com hombridade e sem odio, como todos devem;
-é a nossa consciencia a respirar alto.</p>
-
-<p>A parcialidade que fizer obra do que nós só fazemos discurso, será
-essa a que nós bemdiremos. Os primeiros estadistas, que arvorarem
-por estandarte na ponta de sua lança sem ferro a relha da charrua e
-o sacco<span class="pagenum" id="Page_42">[Pg 42]</span> da semente, serão os que nos movam, sem que nol o peçam, a
-irmos á urna; e á fé que não votaremos senão por elles, porque esses
-nos haverão feito acreditar na edade de oiro. A edade de oiro não está
-no passado, como a sonharam os poetas, mas no porvir, e bem proxima se
-o quizermos. Não ha de baixar do Ceo com deuses, mas ha-de rebentar
-da terra com frutos e creanças, quando os homens se encurvarem para a
-invocar.</p>
-
-<hr class="tb" />
-
-<p>Segundo os axiomas que deixamos tocados, grandes, imperiosos, e
-urgentissimos são os deveres, que ás autoridades executivas e
-legislativas incumbem, de remover obstaculos, e proporcionar meios para
-que a Agricultura nacional se levante e cresça, com aquella espantosa
-rapidez, com aquelle vigor prodigioso, que todas as coisas nobres
-assumiram sempre em nossa terra, quando de veras as quizemos.</p>
-
-<p>Legisladores e governantes, dizei «Faça-se»; de todos os cantos da
-Monarchia se repetirá em milhões de eccos: «Faça-se». E far-se-ha. E o
-Povo Portuguez reapparecerá aos olhos do mundo tão grande e magnifico
-nos seus trajos de lavrador, e coroado de oliveira, como outr’ora
-soldado e conquistador, coroado de loiros, e cicatrizes; mas com uma
-vantagem summa na sua nova transformação: que as conquistas e pelejas
-o matavam afogado em oiro e sangue; em quanto a Agricultura o haverá
-remoçado como o Esão da fabula, e opulentado do oiro vegetal,<span class="pagenum" id="Page_43">[Pg 43]</span> unico
-oiro que sustenta e se semeia para mais oiro.</p>
-
-<p>Pois se acha emfim conhecido o caminho largo e facil que nos ha-de
-levar á felicidade; pois que tantos desejos o devoram já em espirito,
-¿por que não nos poremos desde hoje em marcha para a conseguirmos
-quanto antes?</p>
-
-<p>Se os Legisladores, se os Governantes, se as supremas Autoridades
-não souberem, ou não poderem, ou não ousarem, collocar se á nossa
-frente; se houver interesses, que se lhes representem maiores do que o
-interesse maximo; saibâmos e ousemos nós, nós os cidadãos, nós o Povo,
-nós que o podemos, progredir sem mais impulso que o nosso instincto
-salvador, sem mais guia que a razão demonstrada. Tambem uma columna de
-luz levou o Povo eleito, atravez do deserto, para a Terra da Promissão.
-¿Quem nos dará força? a associação. ¿É ella possivel? facilima.</p>
-
-<p>¿Como se organisará?</p>
-
-<p>Vamos vel-o.</p>
-
-<div class="blockquot">
-
-<p>Agosto de 1848.</p>
-</div>
-
-<hr class="chap x-ebookmaker-drop" />
-
-<div class="chapter">
-<p><span class="pagenum" id="Page_45">[Pg 45]</span></p>
-<h2 class="nobreak" id="III">III<br /><span class="small">Continuação do assumpto</span></h2>
-</div>
-
-
-<p class="center caption">SUMMARIO</p>
-
-<div class="blockquot">
-
-<p>O Jornalismo deve ser prégador da fraternidade agraria, exhortador
-e mestre de cultura, sendo o <i>Diario do Governo</i> quem dê o
-exemplo.—Como se formou a Sociedade Promotora da Agricultura
-Michaelense, podem outras formar-se e imital-a.—Uma Sociedade
-Promotora para cada cidade em que houver centro episcopal e
-administrativo.—Sociedades filiaes fomentadas por ambos estes
-poderes.—Relações mutuas entre as primeiras e as segundas.—Quadro
-dos resultados provaveis de tal systema.—Para a sua realisação
-bastam os cidadãos, sem auxilio do Governo.—Desenho geral da
-proposta machina de Sociedades, e descripção do seu jogo.—Indicação
-de meios pecuniarios para a manutenção d’estas Sociedades.—Summa
-conveniencia de um Ministerio dos negocios da Agricultura.—O que se
-tornaria Portugal, realisados todos estes alvitres.—Deseja-se que no
-Parlamento se alevante um homem.</p>
-</div>
-
-
-<p>Antes de tudo, é necessario que a Imprensa, representante n’este caso
-da opinião publica, tome a si o excital-a ainda mais, o esclarecel-a
-sobre os meios, o alvitrar, o discutir, o convencer os incrédulos, o
-afervorar os tibios; emfim, que procure compenetrar-se de profunda fé,
-para a transmittir egualmente profunda a seus ouvintes; armar se de
-constancia, de pertinacia, de <i>fanatismo</i> (se é licito dizel-o)
-até ver consumada a regeneração.</p>
-
-<p><span class="pagenum" id="Page_46">[Pg 46]</span></p>
-
-<p>O Jornalismo, que, podendo, deixa de ser missionario do Progresso, é
-alguma coisa peor que uma ociosidade: é um musgo, que devora á arvore
-multiforme da instrucção proficua, parte da seiva que a devia alimentar.</p>
-
-<p>Em vez pois das questões futeis e ephémeras, saturnaes da Imprensa,
-que ás almas bem nascidas já repugnam; em vez das quotidianas batalhas
-dadas no campo das utopias, com descargas cerradas de impropérios; dêem
-os jornaes, uma e muitas vezes, parte das suas columnas, como expiação
-(quando mais não seja), á exhortação para a fraternidade agrária,
-exhortação que se tornará de tanto maior pezo, quanto elles proprios,
-os jornaes, discordes em todos os outros pontos, se apresentarão n’este
-unanimes e amigos.</p>
-
-<p>Mais: alguma porção do espaço que por posse velha vão encher ás folhas
-estrangeiras, de novellas excusadas (quando não nocivas) de anecdotas
-ridiculas, de vanidades de toda a casta, franqueiem n-o a originaes,
-traducções, ou imitações, que, ensinando ao lavrador alguma novidade
-util, no tocante ao seu officio, lh’o ensoberbeçam aos seus proprios
-olhos, pela prova de que a Imprensa, os sabios, e as nações crescidas e
-policiadas, o não desprezam.</p>
-
-<hr class="tb" />
-
-<p>Dada e conservada aos espiritos, por via dos periodicos, esta saudavel
-e fecunda excitação, o arbitrio de se formarem Associações promotoras
-da Agricultura espontaneamente<span class="pagenum" id="Page_47">[Pg 47]</span> nasceria, se fosse possivel que a mesma
-Imprensa se houvesse esquecido de o suscitar, e aconselhal-o.</p>
-
-<p>¿Presumimos nós demasiadamente dos nossos collegas, os escriptores
-publicos, quando para tal coadjuvação os convidâmos? Certo que não.
-O amor patrio, que todos elles professam, o egoismo que todos nós
-temos, a louvavel ambição de contribuir para um resgate, e depois
-tambem a precisão de refocillar a espaços a alma, fatigada de
-sobresaltos e pelejas, tudo nos afiança que a maior parte d’elles, pelo
-menos, acudirá ao chamamento: e primeiro que nenhum o <i>Diario do
-Governo</i>, pois por vinte rasões o deve, e por mil modos o pode mais
-que todos.</p>
-
-<hr class="tb" />
-
-<p>¿Como se formou a Sociedade promotora Michaelense?</p>
-
-<p>Pela vontade de alguns poucos particulares amantes do seu torrão;
-sem prévia suggestão externa, sem mão que de cima se lhe estendesse.
-Nasceu por si, e de si; foi uma formação espontanea; e comtudo vingou,
-cresceu, e aqui a estamos já hoje citando por modelo.</p>
-
-<p>Logo, onde quer que haja tres ou quatro cidadãos egualmente
-esclarecidos e zelosos, esses poderão o que estes poderam; e tanto
-mais facilmente ainda o poderão esses, quanto haverão, para os guiar,
-a experiencia dos seus predecessores, as lições do tempo para se
-amestrarem, e já maior favor publico para os influir.</p>
-
-<p><span class="pagenum" id="Page_48">[Pg 48]</span></p>
-
-<p>Começadas por pequeno mas forte nucleo nos pontos do territorio mais
-bem situados, ou mais bem relacionados para servirem de centros, as
-Sociedades promotoras da Agricultura não tardarão em se encorpar e
-robustecer, absorvendo e assimilando em si quantos homens, quantas
-influencias, quantos meios de acção, se encontrarem ao seu alcance.</p>
-
-<p>Estas Sociedades primordiaes, conviria talvez, que fossem tantas em
-numero, quantas são as terras, em que ha uma capital administrativa, e
-uma séde episcopal, ou mesmo uma só d’estas duas poderosas entidades.
-Sob a presidencia de taes cabeças, eil-as ahi podendo desde logo
-diffundir em torno de si, por toda a parte, Sociedades filiaes. Pelo
-Governador Civil, cada Administração de Concelho formaria a sua. Pelo
-Bispo, aggregar-se-hia uma á sombra de cada campanario.</p>
-
-<p>Algumas, bem o antevemos, abortariam pelo desfervor, pela ignorancia,
-ou pela impopularidade de um ou de outro d’estes agentes subalternos;
-mas outras pululariam, não semeadas, no logar d’essas; e, quando mesmo
-ficassem na seára, aqui ou acolá, algumas rareiras, paciencia; o fruto
-da restante sobraria para consolar.</p>
-
-<p>Por este systema, as luzes se diffundiriam dos grandes focos, por
-uma irradiação constante, para todos os pontos; e de todos os pontos
-convergiriam para os grandes centros as noticias dos resultados das
-tentativas, para ahi serem comparados, pesados, e formulados em regras;
-e o clamor das precisões locaes, para se lhes dar logo, ou se lhes
-sollicitar de mais alto, o competente remedio.</p>
-
-<p><span class="pagenum" id="Page_49">[Pg 49]</span></p>
-
-<hr class="tb" />
-
-<p>Imaginemo-nos já chegados ao tempo, em que taes votos sejam cumpridos.</p>
-
-<p>¡Que movimento nos espiritos! ¡que actividade nos homens! ¡que
-producção na terra! ¡que aproveitamento do tempo, das forças, e dos
-cabedaes! ¡que duplicação na sociabilidade! ¡que fraternisação das
-cidades com os campos! Desappareceram os mendigos; todos os braços
-acham trabalho; todo o trabalho cria pão; o Thesoiro recebe sem
-sacrificios, paga sem tergiversações, resgata o passado, olha para o
-futuro sem pavor, ouve bençãos em vez de maldições; da sua voragem
-vulcanica rebentou uma fonte, que nunca mais ha-de seccar; todo o Paiz
-ri, floreja, e canta; todas as aldeias enxameiam em creanças, como
-todas as charnecas em frutas e casaes; os rios e as estradas carreiam
-abastanças; bandeiras de todas as Nações se esvoaçam em cardume
-nos portos, permutando com os productos do solo as obras das suas
-industrias variadas, e ainda parte do seu oiro.</p>
-
-<p>Sim; a tamanho paraizo nos pode chegar a Agricultura, só com a mera
-protecção dos cidadãos; mas protecção crente, energica, regular, e
-inquebrantavel, sem até se necessitar de que o Governo directamente a
-coadjuve; basta que lhe não empeça, e lhe remova um ou outro estorvo
-grande e conhecido.</p>
-
-<hr class="tb" />
-
-<p>Desenhêmos agora em contornos as rodas d’esta machina de Sociedades,
-que tantos<span class="pagenum" id="Page_50">[Pg 50]</span> milagres ha-de perfazer, e indiquemos o seu movimento, e o
-seu jogo.</p>
-
-<p>Cada Sociedade-mãe terá sempre em vista dois objectos capitaes:</p>
-
-<div class="blockquot">
-
-<p>infiltrar nos lavradores e operarios rusticos a possivel instrucção
-análoga, proporcionando-lhes, ao mesmo tempo, meios para
-aperfeiçoamentos; e</p>
-
-<p>sollicitar dos poderes supremos do Estado a promulgação de boas Leis
-agrarias, a revogação ou emenda das damnosas:</p>
-</div>
-
-<p>O primeiro fim conseguil-o-hão:</p>
-
-<div class="blockquot">
-
-<p>estabelecendo e augmentando continuamente, com discernimento e
-desvelo, uma bibliotheca de Agronomia, Veterinaria, Historia natural,
-e mais sciencias accessorias;</p>
-
-<p>dando ao publico, por via de catalogos impressos, uma noticia succinta
-de taes obras, facilitando o seu estudo a todos os interessados, quer
-sejam socios, quer não;</p>
-
-<p>discutindo nas suas sessões todos os pontos agronomicos de interesse
-local;</p>
-
-<p>recebendo, e até provocando, consultas sobre as materias duvidosas,
-procurando, por meio de estudo e debate, acudir-lhes com solução
-prompta;</p>
-
-<p>publicando um Jornal de Agricultura, accommodado principalmente á
-natureza, condições, circumstancias, interesses, illustração, e
-costumes, do seu Districto;</p>
-
-<p>por meio d’este Jornal aconselhando as sementeiras e plantações novas
-de vantagem bem averiguada, a importação de novos animaes uteis,
-ou de aperfeiçoadores das raças já existentes, bem como o uso dos
-instrumentos<span class="pagenum" id="Page_51">[Pg 51]</span> serviçaes, inventados ou aperfeiçoados;</p>
-
-<p>encarregando-se de mandar vir qualquer d’esses objectos para qualquer
-cidadão que lh’os encommende, mediante uma segurança que responda pelo
-reembolso;</p>
-
-<p>procurando ter, a par com a bibliotheca, um deposito de instrumentos
-e machinas, em grande ou em modelos, ou, quando menos, em estampas, e
-sempre franco;</p>
-
-<p>de algumas das machinas ou instrumentos tendo mesmo para alugar ou
-emprestar áquellas pessoas, que para os comprarem não possuirem meios;</p>
-
-<p>inserindo constantemente no seu periodico, em linguagem chan e
-sincera, o quadro das operações ruraes immediatas para o Districto
-agrario da sua residencia;</p>
-
-<p>renovando de anno para anno este trabalho, sempre a melhor;</p>
-
-<p>fazendo annualmente uma festa rural para distribuição de premios,
-tanto aos lavradores e creadores, como aos fabricantes de objectos de
-primeira necessidade, aos inventores e autores de alguma coisa util,
-aos mestres que mais fruto houverem produzido no ensino primario,
-e mesmo ao homem ou á mulher, que, por alguma excellencia moral,
-haja merecido um solemne testemunho de apreço e gratidão dos seus
-concidadãos;</p>
-
-<p>estabelecendo emfim, que esta festa rural caia, se fôr possivel,
-na estação formosa, e coincida com a principal romaria, ou festa
-religiosa, ou feira, do seu Districto, procurando imprimir n’este acto
-a maior solemnidade religiosa e civil; para o que, os Prelados<span class="pagenum" id="Page_52">[Pg 52]</span> e os
-Governadores Civis com a melhor vontade coadjuvarão.</p>
-</div>
-
-<p>Quanto ao segundo fim, facilmente se desempenharão d’elle as
-Sociedades-mães, examinando, com circumspecção e madureza, por via
-de discussão nas suas sessões, e de publicidade no seu jornal, e em
-outros, os pontos carecentes de reformação legislativa ou executiva,
-quer em relação aos tributos e direitos, quer ás isenções, quer aos
-premios, quer aos tratados de commercio, quer ás communicações de terra
-e agua, etc.</p>
-
-<hr class="tb" />
-
-<p>Para quasi todas estas coisas necessitam de dinheiro as Sociedades
-mães; e nem é justo, nem prudente, pretender que sobre os homens
-zelosos que as compõem caia mais esse ónus; antes é nossa opinião,
-que de nenhum d’elles se deve exigir nem joia, nem mensalidade, nem
-quotisação. Pelo contrario: se fosse possivel, todos os que ás sessões
-concorressem, todos os que trabalhassem, haviam de ter direito a uma
-determinada remuneração, como em certas Academias Reaes e dotadas
-acontece. Fôra isso mais um penhor de estabilidade, mais um estimulo
-para acção.</p>
-
-<p>¿D’onde porém ha-de vir o dinheiro? de uma loteria annual do Districto,
-autorisada pelo Governo, e cujos premios poderiam ser em bens de raiz,
-animaes, e instrumentos agrarios; premios muito mais prestadios que o
-dinheiro, em relação aos fins do instituto.</p>
-
-<p>Poderia vir mais, de doações ou heranças<span class="pagenum" id="Page_53">[Pg 53]</span> (que não deixaria de as
-haver), logo que a experiencia houvesse demonstrado a firmeza e
-efficacia de taes institutos. Os documentos d’esta asserção acham-se
-em bom numero nas historias das Misericordias, Hospitaes, Albergarias,
-Casas-pias, Asylos de infancia e de velhice, e mais instituições de
-beneficencia, tanto dentro como fóra de Portugal.</p>
-
-<p>Poderia vir de beneficios nos theatros, assemblêas, phylarmonicas e
-outras.</p>
-
-<p>Poderia vir, e muito provavelmente viria, de christianissimas oblatas
-dos Prelados.</p>
-
-<p>Poderia vir do producto dos alugueres de animaes para creação, e de
-instrumentos.</p>
-
-<p>Poderia vir da venda dos jornaes, cathecismos, e mais obras uteis
-vulgarisadas pela mesma Sociedade.</p>
-
-<p>Poderia vir, finalmente, de uma quinta, ou predio exemplar, propriedade
-que cada uma das Sociedades mães deveria ter, para as suas experiencias
-e demonstrações praticas, e com que, ao mesmo tempo que ensinasse
-mudamente aos seus visinhos, redobraria a fé e fervor nos seus
-consocios.</p>
-
-<p>Em summa: tudo quanto concorresse para abastar, acreditar, influir,
-radicar, e perpetuar estas Sociedades, poderosissimos focos de
-fecundação, tudo seria para tentar e aproveitar.</p>
-
-<p>Quizeramos nós ver já chegado o tempo, em que cada uma d’estas
-Sociedades promotoras ha-de reunir no seu gremio todas as illustrações
-agricolas e scientificas dos seus contornos, todos os proprietarios
-territoriaes e industriaes, os philanthrophos e caritativos, os ricos
-e os negociantes, as autoridades<span class="pagenum" id="Page_54">[Pg 54]</span> e as forças de todo o genero, os
-mundanos mesmo, e até os avarentos.</p>
-
-<p>Tomáramos vel-a no meio de um torrão bem seu, bem cultivado, bem jardim
-e bem palmito; em casas suas bem suas, bem alegres, bem hospedeiras,
-bem convidativas; com a sua bibliothecasinha muito franca; com o seu
-deposito patente de instrumentos e machinas, arsenal de guerra contra a
-esterilidade.</p>
-
-<p>Tomáramos vel-a, centro attractivo para os passeios dos domingos por
-entre as hortas frescas, os pomares avergados, as searas luxuriantes, e
-os jardins ridentissimos.</p>
-
-<p>Ás conferencias de tão feiticeira corporação, ¿como deixariam de
-concorrer até as damas e os mancebos, com mais fervor que aos
-Parlamentos, quasi com tanto como aos theatros?</p>
-
-<hr class="tb" />
-
-<p>Eis collocadas as rodas grandes, ás quaes o juizo do Governo e o do
-publico hão-de servir de motor e mola real. Consideremos as pequenas
-rodas, as que, engranzadas com estas, e recebendo d’ellas o movimento
-hão-de ir actuar sobre cada pequeno lavrador, sobre cada palmo de
-terreno.</p>
-
-<p>São as Sociedades filiaes.</p>
-
-<p>Compôr-se ha cada uma d’ellas dos grandes ou pequenos cultores,
-proprietarios, e mais interessados da circumvisinhança, sob a
-presidencia do Parocho, do Administrador do Concelho, ou qualquer dos
-socios, preferido á pluralidade de votos.</p>
-
-<p>Reunir-se-hão em dias e horas, em que a cessação,<span class="pagenum" id="Page_55">[Pg 55]</span> dos trabalhos ruraes
-lhes dê vaga para discutirem, e aos não socios occasião para assistirem
-á discussão, e illustrar-se.</p>
-
-<p>O jornal da Sociedade-mãe subministrará a estas Sociedades-filhas assaz
-de pontos de sólido interesse, com que se occupem.</p>
-
-<p>Quando porém assim não aconteça, as conveniencias locaes são em toda a
-parte um thema inexgotavel.</p>
-
-<p>N’estas pequenas reuniões se elaborarão os projectos de melhoramento, e
-se procurarão os meios para se elles realisarem.</p>
-
-<p>Os melhoramentos podem depender unicamente de boa vontade e exforços
-dos moradores da terra; podem depender de soccorros intellectuaes ou
-materiaes da Sociedade-mãe; ou podem ser taes, que só o Throno, ou só
-o Parlamento, lhes abra caminho. No primeiro caso, a Sociedade-filial,
-por si e pelos seus adherentes, tratará de os realisar; no segundo
-caso, recorrerá á Sociedade-mãe para que lhe acuda. No terceiro,
-recorrerá ainda a ella, para que requeira, apadrinhe, e faça apadrinhar
-o requerimento.</p>
-
-<p>Cada uma das Sociedades filiaes estará pois em continua correspondencia
-com a respectiva Sociedade mãe, com mutua e manifesta utilidade; pois
-se, por um lado, as innovações e progressos podem vir das nações mais
-peritas em Agricultura até ao casal mais embrenhado nas serras, como,
-pela irrigação, as aguas, hauridas das entranhas da terra, vão desde o
-tanque que as recebe, até ao pé da plantinha mais afastada na fazenda,
-por outro lado, e em compensação, todas as phases e circumstancias das
-culturas<span class="pagenum" id="Page_56">[Pg 56]</span> parciaes, nas suas ultimas ramificações, convergirão, por que
-assim o digâmos, para o sensorio commum do Districto, habilitando-o
-d’est’arte a raciocinar, com exacção e segurança, sobre as necessidades
-e conveniencias de todos e de cada um.</p>
-
-<hr class="tb" />
-
-<p>A estas propostas, pede o rigor logico ajuntemos outra, que lhes valerá
-de complemento natural. Esta proposta, a mais importante de todas
-quantas se podem fazer, é a creação de um <i>Ministerio dos negocios da
-Agricultura</i>.</p>
-
-<p>N’este Ministerio se centralisariam as luzes de todas as
-Sociedades-mães. N’elle, como em um espelho concavo, se reuniria,
-transmittido por ellas, o conhecimento preciso de todas as fracções
-topographicas do Paiz; e, como de um espelho convexo, d’elle se
-dispartiriam para os pontos mais remotos, como para os mais proximos,
-providencias salvadoras.</p>
-
-<p>O Ministro da Agricultura, lavrador elle mesmo, comporia a sua
-Secretaría de homens da sua confiança, de reconhecida honra, patriotas,
-amantes da terra, agricultores, proprietarios ruraes, ou naturalistas.</p>
-
-<p>Auxiliado pelas luzes de taes empregados, pelas luzes e communicações
-da Imprensa, e pelas representações das Sociedades-mães, elle poderia
-não só dar quotidianamente mil providencias importantes comprehendidas
-nas suas attribuições, mas ainda apresentar ao Parlamento grandes
-projectos para Leis<span class="pagenum" id="Page_57">[Pg 57]</span> salvadoras, que não tardariam a ser sanccionadas.</p>
-
-<hr class="tb" />
-
-<p>Resumâmos-nos, e terminemos.</p>
-
-<p>Portugal está pobre; não tem para pagar as dividas; não tem para se
-manter; e de anno para anno se deteriora a sua sorte. O presente é um
-martyrio: o futuro, que deve resultar da continuação de tal presente,
-horrorisa a imaginação.</p>
-
-<p>Portugal está desatado; ha insociabilidade, ha odios mutuos e acerbos,
-e que, herdados e transmittidos pela educação, se tornarão ainda mais
-implacaveis.</p>
-
-<p>Portugal (consequencia legitima das duas verdades precedentes) tem
-a sua moralidade relaxada, ou perdida. O instincto de vida lhe está
-aconselhando Agricultura, como riqueza, como vinculo, como civilisação.</p>
-
-<p>Portugal tem terras, que pedem braços e população, e tem muitos
-milheiros celibatarios ociosos, que folgariam de as cultivar;
-tem um Exercito, que o devora, tanto quanto o podia opulentar, e
-cuja existencia se não abona por nenhuma sincera consideração de
-independencia, de paz, ou de ordem publica.<a id="FNanchor_1" href="#Footnote_1" class="fnanchor">[1]</a></p>
-
-<p>A philosophia, que festejou a abolição total das Ordens religiosas, a
-despeito de tão fortes argumentos moraes e juridicos, requer, sob pena
-de flagrante inconsequencia logica, a secularisação d’estes conventos
-militares.</p>
-
-<p><span class="pagenum" id="Page_58">[Pg 58]</span></p>
-
-<p>Quem expulsou os Frades, do claustro para a fome, ¿por que não
-convidaria os Soldados, do quartel para a lavoira? O paralello entre os
-Soldados e os Frades poderia ser extenso, e conteria um grande poder de
-argumentação <i>a fortiori</i>; mas é obvio; qualquer por si o fará em
-querendo.</p>
-
-<p>Portugal tem, afóra o Exercito, um crescido numero de individuos e de
-familias, que definham, que, litteralmente falando, morrem á fome.
-¿Qual d’essas familias, qual d’esses individuos, recusaria um torrão,
-fosse onde fosse, se todo o torrão, com a boa vontade, é meza posta?</p>
-
-<p>Dados á Agricultura operarios, que existem, e que lhe falecem, ella
-mesma pela sua energia vital intrinzeca se desenvolveria, pois vemos
-que assim mesmo, ao acaso e desajudada, lá começa a revolver-se
-para se querer alevantar. As Sociedades promotoras augmentariam e
-dirigiriam essa mesma energia, chegando com a sua acção, de um lado
-pelas Sociedades secundarias, até aos casaleiros; do outro lado, pelo
-seu crédito, pelas suas relações, pelo seu valimento, até ás Camaras
-legislativas e ao Governo. O Ministerio dos negocios da Agricultura
-daria unidade aos movimentos d’este vasto e bello corpo.</p>
-
-<p>Então o futuro estaria conquistado, as dividas mortas, os males sanados
-e esquecidos. Então haveria força publica, porque haveria fé; haveria
-em todos os corações amor da Patria, porque haveria a todos os olhos
-uma Patria para amar. A guerra interna seria impossivel. A guerra
-externa, se podesse jamais accommetter-nos, veria rebentar da terra<span class="pagenum" id="Page_59">[Pg 59]</span>
-exercitos invenciveis, porque defenderiam as suas lareiras, as suas
-hortas, e os seus filhos. O Thesoiro trasbordaria para todas as artes
-preciosas da paz, porque haveria fontes perennes e copiosas para a sua
-alimentação.</p>
-
-<hr class="tb" />
-
-<p>¿Será isto uma utopia?</p>
-
-<p>¡Utopia!... A utopia, a chymera, o absurdo, é pretender colher fruto
-de arvore sem raiz e carcomida de musgo; é presumir, que a um edificio
-arruinado se acode remendando lhe com barro, aqui e acolá, as paredes
-exteriormente; é cuidar, que se ressuscitará um afogado calcando-o
-para o fundo do lodo, e lançando-lhe penedos para cima. A utopia, a
-desgraça, e a miseria, é crer que as palavras, as estenographias, os
-algarismos, são capazes de crear coisa alguma. Creadores, abaixo de
-Deus, não os ha senão o campo, e o amor. O senso commum o sabe, e a
-Historia não sabe outra coisa.</p>
-
-<p>Feliz o Deputado, que entrasse pelas salas do Parlamento com um
-projecto de organisação agricola, egual ou semelhante a este, e,
-levantando o por cima da sua cabeça, exclamasse:</p>
-
-<p>«Por amor de vós e da vossa descendencia, salvemos a Patria, hoje que
-ainda é tempo. Adiemos, por consenso unanime, todas as outras questões
-alcunhadas maximas. Decidida esta, todas se haverão n’ella resolvido.»</p>
-
-<div class="blockquot">
-
-<p>Setembro de 1848</p>
-</div>
-
-<p><span class="pagenum" id="Page_61">[Pg 61]</span></p>
-
-
-<div class="footnotes"><h3>NOTAS DE RODAPÉ:</h3>
-
-<div class="footnote">
-
-<p><a id="Footnote_1" href="#FNanchor_1" class="label">[1]</a> Na <i>Revista Universal</i>, artigo 1378 do 2.ᵒ volume p
-ponderámos falando no orçamento do Ministerio da Guerra.</p>
-
-</div>
-</div>
-<hr class="chap x-ebookmaker-drop" />
-
-<div class="chapter">
-<p><span class="pagenum" id="Page_60">[Pg 60]</span></p>
-
-<h2 class="nobreak" id="IV">IV<br /><span class="small">Continuação</span></h2>
-</div>
-
-<p class="center caption">SUMMARIO</p>
-
-<div class="blockquot">
-
-<p>A organisação de Sociedades, já proposta, não se deve regeitar,
-ainda que se reconheça por defeituosa.—Deseja o autor, que todos os
-homens de algum poder sejam utopistas como elle.—Liga promotora dos
-Interesses materiaes do Paiz; seu Elogio, com uma restricção.—Um
-Banco para adiantar dinheiro aos lavradores fará muito beneficio,
-mas só quando Parlamento e Governo agricolas houverem proporcionado
-ao lavrador instrucção, dado protecção aos seus trabalhos, aberto
-caminho, sahida, e emprego aos seus productos.—Outra vez Sociedades
-agricolas.—Propõem-se succintamente alguns alvitres.—Os estatutos
-das Sociedades uteis não pagarem direitos.—A importação de coisas
-uteis á Agricultura, premiada.—Premios aos melhores lavradores, aos
-introductores de novidades agrarias, aos autores e traductores de
-obras agronomicas praticas.—Quintas exemplares.—Mandae mancebos a
-outros paizes, habilitar-se para vir ensinar Agricultura.—Escolas de
-Agricultura volantes.—Projecto de Lei de premios.—Ordem do Arado.</p>
-</div>
-
-
-<p>A organisação que deixámos proposta é susceptivel de modificações e
-melhoramentos; firmemente o acreditâmos. ¿Que se segue d’ahi? ¿que se
-regeite, porque em vez de optima é só boa? ¿porque em vez de boa é só
-medíocre? Absurdo.</p>
-
-<p>A consequencia discreta e prudente é que, examinada, se emende;
-emendada, se approve; approvada, se experimente; e confirmada pela
-experiencia, se conserve, se radique, se abençôe, e se aproveite.</p>
-
-<p><span class="pagenum" id="Page_62">[Pg 62]</span></p>
-
-<p>¿Não virá porém prematuro o alvitre? ¿Não estaremos cantando alvoradas
-a quem não está para acordar? ¡Ainda mal, que bem pode ser isso
-verdade! N’esse caso, desde já acceitâmos, antes que nol-o imponham,
-o epitheto de loucos; costumado e universal castigo de toda a vontade
-generosa, que primeiro mette o pé á vereda que algum dia tem de ser
-estrada.</p>
-
-<p>Oxalá, todavia, que alguns loucos sublimes, convencidos, como nós, de
-que já não temos salvação possivel senão pela Agricultura, e de que
-Portugal, como o Antheu da fabula, derrubado pelo Hercules do luxo,
-só da terra pode reassumir as perdidas forças, appareçam intrépidos
-a apostolar Agricultura; uns na Imprensa, que é a grande charrua de
-desbravar entendimentos; outros na tribuna, que é onde a rasão publica
-se concentra em Lei; outros no Governo, que é onde até sem Lei, não
-só ha, se não que sobram, forças para o bem; outros finalmente, e
-sobretudo, entre os cabeças administrativos, e os cabeças espirituaes
-do Povo.</p>
-
-<p>Para esses irmãos nossos em caridade e em patriotismo, é que vamos
-ainda escrever algumas poucas linhas das nossas solitarias utopias.</p>
-
-<p>Semeie o homem, que Deus a seu tempo fará nascer.</p>
-
-<hr class="tb" />
-
-<p>N’este momento lemos com a mais viva satisfação, em carta que nos chega
-de Lisboa, o seguinte:</p>
-
-<p>«Para melhorar a nossa Agricultura organisou-se<span class="pagenum" id="Page_63">[Pg 63]</span> agora aqui uma
-Sociedade, ou, por melhor dizer, Companhia, com o titulo de <i>Liga
-promotora dos Interesses materiaes do Paiz</i>, presidida pelo sr.
-Ayres de Sá Nogueira. O fim é agricola. Já celebraram duas sessões no
-salão grande do theatro de D. Maria II. Na ultima leu o Presidente um
-projecto, que reputava ancora de salvação, segundo o qual se deve crear
-um Banco rural em Lisboa, com o fundo de vinte milhões, em dinheiro,
-inscripções, apólices, tendo este Banco filiaes em todas as terras do
-Reino.»</p>
-
-<p>¡Bemvindo seja, e vingue, e prospére abençoado nas terras de Portugal,
-este tutelar pensamento! Filho é elle, talvez, do que já em 13 de
-Fevereiro d’este anno se propunha, se acceitava, e se applaudia na
-Sociedade promotora da Agricultura Michaelense, e que os nossos
-leitores se recordarão haver lido a paginas 36 e 37 do jornal d’aquella
-Sociedade (Assignalamos esta circumstancia, porque, se o alvitre foi
-de gloria para San-Miguel, a adopção do alvitre bom não honra menos
-a Portugal)<a id="FNanchor_2" href="#Footnote_2" class="fnanchor">[2]</a>. Sim; é esta uma providencia, que alegra, e retinge
-de esperanças bem verdes o solo sobre que se alevanta; é como nuvem
-chuvosa, que se estende sobre o terreno requeimado e empobrecido<span class="pagenum" id="Page_64">[Pg 64]</span> do
-estio; todos os rostos se riem á sua aproximação; os visinhos dão aos
-visinhos os parabens; todos saem alvoroçados a receber-lhe as primeiras
-aguas; os rebanhos, mesmo a festejam; as aves a cantam, sacudindo as
-azas humidas; pela superficie da vegetação corre um frémito voluptuoso.</p>
-
-<p>Sim; grande e grandioso é o beneficio; ¿mas será elle bastante? não: as
-necessidades agrarias são variadas, numerosas, digamos infinitas. Mal
-se acode a uma, se a todas se não acode; pelo menos a muitissimas e ás
-principaes.</p>
-
-<hr class="tb" />
-
-<p>Suppomos, imaginamos já, o oiro e a prata a choverem á porta do
-lavrador na vespera da sementeira, da plantação, do arroteamento;
-¿e que digno uso fará o triste rustico d’esses meios de acção,
-d’essas forças que se lhe liberalisam, d’essa colheita, que se lhe
-antecipou ao trabalhar, se lhe minguam luzes de sciencia alheia, ou
-sua, que o dirijam? ¿vontade intima, que lhe dê impulso? ¿certeza,
-ou quasi certeza, de consumo ao que vai produzir? ¿Que fará emfim,
-se, ainda tendo tudo isto, Leis viciosas o avexarem no seu officio,
-lhe arrancarem os operarios e os filhos para a milicia, lhe multarem
-com tributos o suor, como se devêra multar a ociosidade, o luxo, e os
-vicios, e lhe exposerem a herdade a ser talada pela guerra civil, os
-bois do seu arado comidos, as ovelhas do seu adubío espingardeadas, o
-carro e as arvores do seu pomar convertidos em fogueiras para aquecer
-a tropa rôta, ou a guerrilha descalça<span class="pagenum" id="Page_65">[Pg 65]</span> e bandoleira que transita?
-N’uma palavra: ¿que aproveitará que o predio se lhe desentranhe em
-frutos, como uma cornucopia, se a estrada para o mercado não existe,
-se o rio convisinho, que deve transpôr, não tem ponte, se o que podia
-carrear-lhe os moios se obstruiu, e apodrece dormente pelas margens
-usurpadas?</p>
-
-<p>Eis aqui chagas velhas, asquerosas, e envenenadas, que a nossa
-Agricultura padece em todo o corpo, e para cujo curativo não é
-sufficiente balsamo um Banco rural.</p>
-
-<p>Se de veras queremos ser salvos, não ha remedio senão soccorrermo-nos
-a uma reforma e organisação franca, sincera, absoluta, cabal,
-completissima: Côrtes mais lavradoras que financeiras; mais
-lavradoras que politicas; ou antes muito <i>politicas</i> por muito
-<i>lavradoras</i>; Leis agrarias, e mais Leis agrarias; e para todas
-as anti-agrarias suppressão e execração; um Ministerio da Agricultura
-fecundo, dadivoso, vigilante, e incançavel como o seu objecto;
-e, sobretudo, associação universal dos homens bons, dos homens
-intelligentes, dos homens de sciencia, dos homens de fortuna, dos
-homens de acção, dos homens de valimento, dos homens patriotas, dos
-homens de bem, dos homens homens, finalmente.</p>
-
-<p>Repitâmol o, ainda a risco de enfadar, e repitâmol-o, porque é
-Evangelho: não ha sacrificio, que, por grande, se deva recusar á
-terra, pois é ella só que possue o segredo, que os estadistas procuram
-cegamente nos livros e nos calculos. Não é no perseguir uns, no
-divinisar outros, e no trocar todos com<span class="pagenum" id="Page_66">[Pg 66]</span> perpetuo e devastador fluxo e
-refluxo; é no associal-os entre si, e reconcilial-os com a mãe-Terra,
-que está a condição facillima de todas as venturas.</p>
-
-<hr class="tb" />
-
-<p>As Sociedades promotoras, quaes as havemos bosquejado, seriam para
-o lado dos operarios rusticos pharol, bussola, thesoiro, conselho,
-estimulo, protecção, refugio, canal para a entrada dos gados, das
-sementes, dos instrumentos novos, e para a sahida e venda dos
-productos. Para a parte dos que governam seriam não menos pharol,
-não menos bussola, não menos thesoiro, não menos conselho, não menos
-estimulo, não menos protecção, não menos refugio, não menos segurança
-e felicidade; pois que a felicidade e segurança dos governantes, só da
-felicidade e segurança dos governados se compõe, e só d’ellas se pode
-compôr.</p>
-
-<p>Assumpto era este para interminaveis commentarios; mas estreiteza de
-papel, mas estreiteza ainda peor de vontade em quem nos ha-de ler (ou
-não ler) nos acovarda.</p>
-
-<p>Dizer tudo, não o podemos; tudo calar não nol-o soffre o coração.</p>
-
-<p>Vamos cerrar em epilogo mais algumas lembranças, que ahi fiquem já,
-de proposta á consideração das futuras e das presentes Sociedades
-agricolas, do futuro Ministerio da Agricultura, dos Deputados, e da
-Imprensa.</p>
-
-<hr class="tb" />
-
-<p>I—Se a associação é a mãe dos prodigios; se os que se associam dão,
-por voluntario tributo,<span class="pagenum" id="Page_67">[Pg 67]</span> tempo, trabalho, despezas, a um interesse
-publico; ¿não é repugnante contradicção que o Governo, representante
-natural de todos os publicos interesses, lhes carregue ainda os onus,
-e, a troco de uma illiberalissima sancção de seus estatutos, de uma
-inintelligivel licença para existirem, lhes exija nas secretarias uma
-avultada somma pecuniaria?</p>
-
-<p>¿Não deveriam antes as associações agricolas, as industriaes, as
-artisticas, as litterarias, e ainda as de mera e honesta recreação,
-ser tão livres como são em nossas casas os convites, os bailes e os
-festejos?</p>
-
-<p>E ainda mais: ¿as uteis não mereceriam, em vez d’esta compressão á
-nascença, premios e louvores segundo a sua importancia?</p>
-
-<p>II—¿A introducção de tudo quanto pode contribuir para o
-aperfeiçoamento da Agricultura não deveria ser, da mesma sorte, não só
-isenta de direito, senão ainda premiada?</p>
-
-<p>III—¿Não seria sobre modo util legislar mais premios, para os que no
-trato da Agricultura se extremassem? ¿Quem universalisou a cultura
-da batata, senão o premio? ¿Não deveria semelhantemente havel-os
-para todos os primeiros introductores de novidades agrarias, para os
-autores, mesmo para os traductores, de escriptos agronomicos de uso
-pratico, verbi-gratia imprimirem-se-lhes gratuitamente esses escritos
-pela Typographia Nacional?</p>
-
-<p>IV—¿Não é já tempo para a creação de quintas exemplares?</p>
-
-<p>V—¿Não seria ajuizadissima providencia enviar mancebos, previamente
-habilitados,<span class="pagenum" id="Page_68">[Pg 68]</span> matricular-se nas escolas agrarias praticas das nações
-adiantadas, os quaes, depois de viajadas a França, a Allemanha, a
-Inglaterra, a Italia, a Suissa, se recolhessem mestres e regeneradores
-para entre os seus conterraneos?</p>
-
-<p>VI—Os lavradores, os camponezes em geral, dir-se-hia que, semelhantes
-ás plantas, lançam não sei que raizes no torrão nativo. A ideia de se
-desviarem, mesmo para perto e para pouco tempo, lhes repugna; o seu
-viver tem as demarcações da sua fazenda. E depois, fallecer-lhes-hiam
-os haveres, para se irem tão longe á escola rural; os haveres, e o
-animo tambem, que entretanto ahi lhes ficava a herdade sem tutella,
-a casa sem escora, os paes alquebrados dos annos, sem bordão nem
-companhia.</p>
-
-<p>¿Não fôra logo uma providencia tão santa como philosophica e fecunda,
-fazer d’esses regressados viajantes—agrónomos, professores ambulantes
-de Agricultura, que se fossem de Districto em Districto, e de Provincia
-em Provincia, doutrinando como Apóstolos? ¿assentando hoje aqui a sua
-escola, á sombra da arvore rustica no alto do oiteiro, e tomando para
-thema da prégação os predios circumjacentes; os mais bem cultivados,
-assim como os mais errados e perdidos? ¿d’aqui a um mez, mais longe, em
-cima das médas da eira, por uma noite de luar, adubando os preceitos,
-no meio dos ouvintes apinhados, com episodios da sua Odyssêa por
-terras alheias, com apraziveis digressões, sempre bem vindas, sobre a
-Sabedoria e Liberalidade Divina?</p>
-
-<p><span class="pagenum" id="Page_69">[Pg 69]</span></p>
-
-<p>Como os Apóstolos antigos, estes evangelisadores do trabalho, em toda
-a parte assignalariam com milagres a sua passagem; as gandaras se
-transformariam em seáras debaixo de seus pés, em pomares e mattas por
-cima de suas cabeças; os baldios, em pastagens; os gados famintos, em
-lustrosos rebanhos e manadas; a arca mal cheia, em celleiros atulhados;
-a borôa sem conduto, em meza saborosa; a choça lodacenta, em casinha de
-sobrado e vidraças, com dois ou tres livros para o serão, um leito alvo
-e fôfo para a noite, e um oratorio, sempre enfeitado de flores frescas,
-para as acções de graças quotidianas.</p>
-
-<p>Tudo isto, que é infinito para a felicidade, o haveria feito o passeio
-de um só homem pela provincia.</p>
-
-<p>Quando elle houvesse passado, mandasseis muito nas boas horas o exactor
-dos tributos; não havia de voltar com as mãos vazias.</p>
-
-<p>VII—Seja-nos permittido citarmo-nos a nós mesmos, transcrevendo para
-este papel de consciencia o que em outro papel, tambem de consciencia,
-escreviamos em 17 de Abril de 1845, por occasião do relatorio do Barão
-Thénard sobre a admiravel Exposição da Industria franceza n’esse
-anno. O conselho que então davamos, ninguem dirá que fosse insensato,
-nem vergonhoso ou ruim de receber, nem que, recebido, podesse ser
-improductivo; e entretanto.... soou no deserto; não encontrou um só
-ecco pelo Parlamento, nem pelo Governo, nem pela Imprensa; ainda
-dormiam todos.</p>
-
-<p>Agora que já a miseria cresceu, em tres<span class="pagenum" id="Page_70">[Pg 70]</span> annos, mais tres seculos,
-repetimol-o. Pode ser que já alguem tenha acordado. ¡Oxalá!:</p>
-
-<div class="blockquot">
-
-<p>«Reflicta-se no exemplo d’aquella grande Nação, a França, e cuide-se
-em o imitar. Lá a par da invenção, apparece constantemente o premio.
-Convidar e abrir salas aos productos da Industria, alguma coisa é, mas
-não basta. Para os espiritos capazes de crear, seja em que genero fôr,
-não ha estimulo como o do premio honorifico; e o premio honorifico, as
-medalhas de oiro, de prata, ou de bronze, recebendo-se como thesoiros,
-podem custar pouquissimo a quem as dá. Tantos não são os premiaveis
-n’este pequeno Reino, que hajam taes premios de montar a muito; e
-¡oxalá que subissem a contos de réis! A esta verba nova de despeza
-do Estado corresponderia outra de receita milhares de vezes maior.
-Fundada no exemplo da França, dos Estados-unidos etc., parece-nos que
-nenhum serviço mais relevante poderia fazer a Sociedade promotora
-da Industria nacional, do que offerecer ao Governo, para elle
-apresentar ás Côrtes, um projecto de Lei de premios para os inventos
-e aperfeiçoamentos. A nossa proxima futura Exposição poderia sahir
-dez vezes máis esplendida e animadora, que a passada. ¿E não conviria
-até, e não seria inteiramente conforme com o espirito d’este seculo,
-crear uma Ordem nova especial para os benemeritos da Industria, como
-nos tempos guerreiros se creavam tantas para os extremados no exforço?
-¿Será mais honrosa, e será sobre tudo mais util, a heroicidade<span class="pagenum" id="Page_71">[Pg 71]</span>
-militar, que o engenho creador e renovador da terra?»</p>
-</div>
-
-<p>Assim bradavamos nós em favor de todos os generos de Industria.</p>
-
-<p>Hoje limitamos o requerimento á Industria mãe de todas: á Agricultura.</p>
-
-<hr class="tb" />
-
-<p>Homens, que o Povo escolhe e envia, e a quem paga, para lhe formulardes
-em Leis a sua vontade, mostrae-vos dignos de tão alta missão; decretae
-a <span class="smcap">Ordem do Arado</span>.</p>
-
-<div class="blockquot">
-
-<p>Outubro de 1848.</p>
-</div>
-
-<p><span class="pagenum" id="Page_72">[Pg 72]</span></p>
-
-
-<div class="footnotes"><h3>NOTAS DE RODAPÉ:</h3>
-
-<div class="footnote">
-
-<p><a id="Footnote_2" href="#FNanchor_2" class="label">[2]</a> Pode consultar-se o <i>Agricultor Michaelense</i>,
-publicação mensal, orgam da Sociedade, n.ᵒ 2, de Fevereiro de 1848.
-Refere-se Castilho a uma proposta do seu consocio José do Canto,
-intitulada <i>Banco Rural</i>.</p>
-
-<p class="right">
-<span class="smcap">Nota dos editores</span><br />
-</p>
-
-
-</div>
-</div>
-<hr class="chap x-ebookmaker-drop" />
-
-<div class="chapter">
-<p><span class="pagenum" id="Page_73">[Pg 73]</span></p>
-
-<h2 class="nobreak" id="V">V<br /><span class="small">Côrtes agricolas</span></h2>
-</div>
-
-
-<p class="center caption">SUMMARIO</p>
-
-<div class="blockquot">
-
-<p>A Patria está em perigo; deve-se deixar de curandeiros. O campo e o
-trabalho hão-de salval-a.—Singular historia de um mancebo Inglez.—O
-regresso da Agricultura não é desagradavel, nem vil, nem rude; e é o
-unico possivel para nós.—Desenvolve-se a já tocada idéia de Côrtes
-de lavradores.—Prova-se, que só por este meio teremos Governo, que
-mereça o nome de representativo.—Quadro de um tal Parlamento.</p>
-</div>
-
-
-<p>Não saiâmos da cabeceira da nossa querida e atribulada enferma.</p>
-
-<p>Foi poderosa, opulenta, rainha, e bella; jaz sem forças, nua,
-desprezada, e agonisante; só a belleza não perdeu ainda. De mais,
-é nossa mãe. D’ella e n’ella nos formámos e nos nutrimos; d’ella
-recebemos a vida, a fala, as orações da infancia, os conhecimentos,
-os brasões, as glorias de todo o genero; d’ella os objectos de todas
-nossas affeições mais intimas. O seu ser é o nosso ser; os seus
-infortunios são nossos; a nossa prosperidade seria a sua.</p>
-
-<p>Gratidão, piedade, interesse, sentimento religioso, nos obrigam a não
-desamparar a Patria, em quanto respira.</p>
-
-<p>Superior a ella, não ha senão o genero humano, como acima do genero
-humano só ha Deus.</p>
-
-<p><span class="pagenum" id="Page_74">[Pg 74]</span></p>
-
-<p>Mas, pela admiravel harmonia, com que a universalidade das coisas está
-ligada, não só a Deus e ao genero humano serve quem serve á Patria, se
-não que serve ainda á familia, e ao seu proprio individuo.</p>
-
-<p>Irmãos, não nol-o dissimulemos: a enfermidade de nossa mãe é grave;
-os seus males, complicados e antigos; o seu virar-se e revirar-se tão
-a miudo, sem poder estar de lado algum, prova desequilibrio geral nos
-principios vitaes. Se a queremos salvar, e salvar-nos, não ha remedio
-senão lançar fóra todas as beberagens, com que medicos e charlatães
-nol-a teem peorado de dia para dia, e recorrer a novo tratamento.
-¿Mas qual? o que muitas vezes tem salvo a doentes já desenganados da
-medicina: os ares e os exercicios do campo.</p>
-
-<hr class="tb" />
-
-<p>Um mancebo Inglez, nobre, opulento, e excessivamente mimoso da fortuna,
-via-se chegado pelos prazeres á insensibilidade, e pelo abuso da vida
-ao inevitavel termo d’ella. A Natureza o abandonava; a alma se lhe
-anoitecêra; no coração mesmo não lhe vicejava já um só desejo, a não
-ser o vago instincto de existencia, que é o <i>ultimum moriens</i>. Nem
-a mocidade nem a fortuna tinham já forças para reanimar a sua victima.
-A sciencia, baldadas as derradeiras tentativas, lhe voltára as costas
-confusa e desconsolada. Não era um moribundo aquelle homem; era um
-morto. Para ser enterrado só lhe faltava o acabar de cahir.</p>
-
-<p><span class="pagenum" id="Page_75">[Pg 75]</span></p>
-
-<p>Em Paris estava; estatua entre danças; acipreste entre flores;
-holocausto entre fragrancias e musicas; e o seu derradeiro sol ia
-pôr-se. Reune os servos; despede se d’elles, que choram recebendo os
-copiosos effeitos da sua liberalidade. Cerra n’um cofre os papeis,
-algumas joias, e um retrato de mulher formosa... que se esquece de
-beijar; e, guardando a chave, entrega ao seu hospedeiro este deposito,
-com tal declaração de ultima vontade:</p>
-
-<p>—«Se eu não voltar dentro em um anno, arrombae este cofre; arrecadae
-para vós as preciosidades que n’elle achardes; o de mais, que vos seria
-inutil, remettei para Londres á pessoa que ahi mesmo fica designada.»</p>
-
-<p>Não era ainda passado o anno, e já todos, os que o haviam conhecido,
-consagravam saudade e algumas lagrimas... (talvez uma lagrima)
-ao prematuro e ignorado fim de um mancebo amavel e bom, a quem a
-felicidade se azedára em morte.</p>
-
-<p>¡Eil-o que reapparece, como que de baixo da terra!</p>
-
-<p>¡Mas quão outro!¡ reverdecido e florescente! o rosto alto; as faces
-risonhas; os olhos vívidos; andar ligeiro; todos os movimentos faceis e
-graciosos. O semblante crestado revéla que foi o sol e a Natureza quem
-o retemperou.</p>
-
-<p>Pede o seu cofre; abre-o com alvoroço; dá as joias ao seu depositario
-fiel; mas o retrato.... ¡beija-o com lagrimas, com alegria, com
-soffreguidão! ressuscitára-lhe o coração com a saude.</p>
-
-<p>¿Que feiticeira, ou que magico, operou<span class="pagenum" id="Page_76">[Pg 76]</span> tamanho prodigio? o
-<span class="smcap">Trabalho</span>, e a <span class="smcap">Natureza</span>.</p>
-
-<p>O pouco vigor que lhe restava, empregou-o, como quem põe a ultima peça
-de cobre n’um jogo de parar, na tentativa de um viver duro e sóbrio;
-metteu-se ás estradas, obscuro moço de cavalgaduras; sujeitou-se a
-todos os caprichos dos viajantes, das estações e do acaso; despejou
-a pé, a léguas e léguas, e muitas vezes de um só fôlego, os caminhos
-mais asperos, como os suaves, por soes e chuvas, por neves e ventanias;
-dormiu contente onde a sorte lh’o deparou: aqui sobre o feno, ou ao
-lume; além entre lençoes; mais longe na terra nua e humida; a fome,
-cosinheiro optimo, lhe temperou o pão negro e os legumes grosseiros;
-o costume dentro em pouco lhe tornou agradavel o remedio, a principio
-amargoso. O exforço, que lhe reconquistára a existencia, ficou para
-lh’a guardar.</p>
-
-<p>A historia d’aquelle mancebo podéra ser lição para Nações. O luxo e
-o desconcerto tambem as matam, como aos individuos. Tambem, como aos
-individuos, o Trabalho e a Natureza as podem ressuscitar.</p>
-
-<hr class="tb" />
-
-<p>De mais, a occupação agricola para um povo nem sequer é desabrida.
-Se tem espinhos.... verdura, flores, e frutos lh’os disfarçam. Se a
-sua lida é continua, a variedade a acompanha; se lhe chamam canceira,
-ella é saude; se pobreza, ella a fonte de todos os haveres; se obscura
-e humilde, ella a menos dependente; se rude, ella a mais cheia de
-conhecimentos praticos, a mais visinha<span class="pagenum" id="Page_77">[Pg 77]</span> do Creador, e, como tal, a mais
-fecunda em inspirações.</p>
-
-<p>Accrescentemos que para Portugal não ha já hoje outra occupação
-possivel.</p>
-
-<p>¿A conquista? não. ¿Os descobrimentos? não. ¿As minas? não. ¿A
-industria? não. As nossas conquistas, os nossos descobrimentos, as
-nossas minas, a nossa industria, é o solo da Patria. É o unico mister
-para que ainda nos restam braços, instrumentos, forças, e liberdade. É
-o unico lavor, em que nenhumas invejas estrangeiras perigosas hão-de
-vir perturbar-nos.</p>
-
-<p>O Sceptro de D. Affonso Henriques, e o de D. Manuel, perderam-se; o de
-D. José quebrou-se. Sceptro, e não escárneo, só pode ser hoje no Throno
-Portuguez o de D. Sancho I, e o de D. Diniz.</p>
-
-<hr class="tb" />
-
-<p>Em um dos nossos precedentes artigos suscitámos a ideia de Côrtes
-lavradoras.</p>
-
-<p>Este assumpto, que desde então não cessámos ainda de considerar, cada
-vez se nos representa mais fundamental, e mais ponderoso para a nova
-e desejada reformação; e isto por muitas rasões; mas principalmente
-porque é por Leis novas que a Agricultura só pode ser protegida: e
-essas Leis, quanto mais agricola for o Parlamento que as dictar, tanto
-mais concretas e acertadas hão-de sahir.</p>
-
-<p class="poetry">
-<span style="margin-left: 1em;">Quem primeiro estreou na terra virgem</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">o arado creador, primeiro aos homens</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">deu macio sustento em aureas messes,</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">e em meditadas Leis costumes, Patria,</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">Céres foi; tudo é dádiva de Céres.</span><br />
-</p>
-
-<p><span class="pagenum" id="Page_78">[Pg 78]</span></p>
-
-<p>São palavras postas bem dignamente na bocca de uma das Musas por um dos
-maiores poetas do mundo, por Ovidio, que amava e praticava tambem a
-Agricultura, e, onde convinha, sabia elevar-se á Philosophia.</p>
-
-<hr class="tb" />
-
-<p>Como faremos nós, porém, para que o Parlamento se componha de
-verdadeiros representantes dos interesses agricolas?</p>
-
-<p>Excellentemente; facillimamente: associando-nos desde já, por toda a
-parte, para trabalharmos para as primeiras eleições <i>nacionaes</i> em
-sentido <i>nacional</i>.</p>
-
-<p>Que as sociedades secretas enredem e machinem, no esconderijo das
-noites, para a candidatura dos seus politicos. Reunâmo-nos nós, ao
-olho do sol dos domingos, depois da Missa do dia, sobre a relva do
-adro de cada Parochia rural, a discutir qual é dos visinhos o que
-melhor cultiva a terra da Patria, o que tem mostrado mais sincero
-amor á lavoira, aos operarios, aos filhos, e a toda a familia; mais
-caridade para com os indigentes, mais desvelo para com os animaes
-do seu uso, mais observancia das Leis, mais actividade no grangear,
-mais innocencia e concerto no viver. Descobertas essas phénices (que
-existem, e depressa se descobrem) dêmo-nos fortemente as mãos para não
-commettermos a outrem os mais caros dos nossos interesses. Façâmos
-d’estas listas de consciencia, que possam entrar sem vergonha na urna,
-só então propriamente collocada na casa de Deus e da oração.</p>
-
-<p><span class="pagenum" id="Page_79">[Pg 79]</span></p>
-
-<p>E em verdade: ¡com que despejo se ousa ainda, depois de vinte e oito
-annos de experiencia e demonstração<a id="FNanchor_3" href="#Footnote_3" class="fnanchor">[3]</a>, chamar <i>representante</i> ou
-<i>mandatario</i>, de Gôa ou dos Açores, o homem, de quem os Açores e
-Gôa não ouviram jámais falar, e que nem talvez, em carta geographica,
-jámais os visse!</p>
-
-<p>¿Como veio o alemtejano procurador de Traz-os-montes, e o minhoto do
-Alemtejo, e quasi sempre o lisboeta de toda a parte, quando o triste
-(ou antes o alegre) tudo ignora de todo o Reino, afóra os corredores de
-S. Carlos, as alamedas do Passeio Publico, as galerias de S. Bento, e
-as arcadas do Terreiro do Paço, d’onde se sobe para as secretarias onde
-se requer?</p>
-
-<p>Eleições de facção. Eleições de dependencia. Eleições de compra,
-ou de compadria. Eleições sem côr, ao menos, de verosemelhança
-ou possibilidade. Eleições sem eleição. Eleições verdadeiramente
-fabricadas nas trevas, e para trevas. Comedia, que seria para rir,
-se não fosse para chorar, e mais van cem vezes que as dos tablados,
-pois que ahi, ao menos, se o actor não é a personagem que representa,
-apparece falando acertadamente como ella, e advogando nos termos
-proprios os seus interesses.</p>
-
-<p>¿Fazem-no assim os representantes parlamentares? Pedi, a uma e uma,
-a cada Provincia, que vos mostre o rol dos beneficios,<span class="pagenum" id="Page_80">[Pg 80]</span> de que foi
-devedora ás diligencias da maior parte dos desconhecidos mandatarios em
-quem votou.</p>
-
-<p>Uma reforma para fazer, até por Lei, seria que ninguem podesse dar o
-seu suffragio a cidadão fora do seu districto demarcado. Então sim, que
-poderia existir de veras representação nacional. Os subornos seriam
-ainda possiveis, assim como os enganos de vontade, e as fraudes; mas
-do mero possivel ao certo, ao constante, ao inevitavel, vai infinita
-distancia; e de dois methodos viciosos (mormente onde se trata da
-felicidade de um Povo) é sempre ao menos vicioso que se deve dar a
-preferencia.</p>
-
-<hr class="tb" />
-
-<p>Ao Governo monarchico absoluto pôz a philosophia uma accusação
-peremptoria; a saber: a falsidade manifesta, e conseguintemente a
-nullidade, do seu fundamento unico, o <i>Direito Divino</i>.</p>
-
-<p>¿Aos olhos d’essa mesma philosophia, como poderemos nós sustentar
-o chamado <i>regimen liberal</i>, se a sua base, tambem unica, a
-representação do Povo, fôr manifestamente uma chimera? ¿Ha ahi quem
-negue que ella o seja? ¿Onde está elle? ¿em que parcialidade? ¿e como o
-provaria?</p>
-
-<p>Confessemos, meus amigos, que todos havemos peccado até hoje um
-grande peccado contra a Liberdade e contra a Patria, e contra a nossa
-consciencia, e contra o senso commum. Confessemol-o, que será nobre,
-e sobre tudo será util, a confissão, pois a ella<span class="pagenum" id="Page_81">[Pg 81]</span> se poderá seguir a
-vergonha, á vergonha a emenda, e á emenda o remedio.</p>
-
-<hr class="tb" />
-
-<p>As sociedades eleitoraes, uma vez instituidas, poderiam estender a sua
-acção benefica a muito mais que á escolha e nomeação dos Legisladores.
-Não falamos já nas Juntas de Parochia, cujas attribuições, em ponto
-pequeno, são relevantes; mas as Camaras dos Municipios não são talvez
-de menos importancia que o Parlamento mesmo; já pela sua influencia,
-mais ou menos directa, na feitura dos Deputados, e na formação da
-Junta geral do Districto e do Conselho de Districto, isto é na acção
-legislativa e na administrativa, já pelas suas proprias attribuições
-municipaes, isto é maternaes, domesticas, e economicas.</p>
-
-<p>Em quanto só se procurarem campeões da Politica para Vereadores,
-como geralmente se costuma, os campos e as aldeias, a lavoira, e mil
-pequenas industrias, só terão padrastos em vez de paes.</p>
-
-<p>N’uma palavra:</p>
-
-<p>Para que o Systema representativo seja uma realidade, uma formosura,
-uma salvação; para que se coadune com o entendimento, com a
-vontade, com os multiplicadissimos interesses de todos; não é só
-util e necessario, é indispensavel, que os cargos electivos, de
-qualquer natureza que sejam, se dêem segundo as aptidões, para bem
-se preencherem sem respeito algum ás opiniões politicas, nem á
-indifferença e á incredulidade, pois muita gente ha ahi hoje, e da
-melhor<span class="pagenum" id="Page_82">[Pg 82]</span> em consciencia e em patriotismo, a quem tão longas decepções
-tornaram incrédula, e apparentemente indifferentista sobre os negocios
-publicos.</p>
-
-<p>Não nos explicámos bem. Ha muita gente, que, enfadada de ver a
-Politica substituida constantemente pela individualidade, as coisas
-pelas pessoas, e os principios pelas ambições, não vai enxovalhar
-o seu patriotismo na tauromachia das eleições, nem nas orgias
-dos clubs; conserva latente, e como que de reserva para melhores
-tempos, o seu patriotismo; mas que, chegada a hora de o mostrar por
-obras, o presentará inteiro, energico, productivo, desinteressado,
-incorruptivel, e inquebrantavel.</p>
-
-<p>Eis ahi, sobre tudo, os salvadores de que havemos grandemente mistér
-para Deputados, para Vereadôres, para Conselheiros de Districto,
-para membros da Junta geral de Districto, e das Juntas de Parochia,
-em summa, para todos os postos que forem electivos, desde a base
-até ao vértice da pyramide; ¡e oxalá que electivos fossem todos os
-cargos, havendo, por toda a parte para as eleições a confederação, que
-propomos, dos homens sinceros, de bem, e patrioticos! assim como ¡oxalá
-não houvesse um só cargo electivo em quanto a eleição fosse uma mentira
-e uma injuria! injuria tanto para os que diante da urna arremedam
-votar, lançando listas que não leram, como para aquelles sobre quem
-taes escolhas recaem; como para quem, no fundo de espeluncas, fabricou
-a seu bel praser essa expressão de uma vontade popular que não existe.</p>
-
-<p><span class="pagenum" id="Page_83">[Pg 83]</span></p>
-
-<p>Este alvitre, este conselho, esta supplica, que a philosophia, que a
-honra, que o santo amor da Patria dirigem a todos e a cada um de nós,
-só os ambiciosos vís, só os mal amigos da Patria, só os insensatos, os
-poderiam repellir.</p>
-
-<p>Maravilhosamente salutares para os governados, elles o são não menos
-para os governantes. O Rei, o Ministerio, que por esta estrada franca e
-descoberta uma vez se resolvessem a caminhar, seriam o mais popular e o
-mais abençoado dos Reis, e o mais duradoiro de todos os Ministerios.</p>
-
-<p>As revoluções não nascem de mais de tres causas: o horror instinctivo
-do homem para com o engano, para com a violencia, e para com a fome.</p>
-
-<p>O Governo representativo, assim, não seria uma burla; as consciencias
-fariam a sua obra sem coacção; e, por uma consequencia necessaria, Leis
-boas trariam por toda a parte abundancia, e com ella contentamento e
-bons costumes.</p>
-
-<p>O Povo, que não é jamais suicida, e tem um maravilhoso instincto do
-bem, defenderia como arca de alliança o Governo que a taes destinos o
-houvesse conduzido.</p>
-
-<p>... <i>Deus nobis hæc otia fecit.</i></p>
-
-<hr class="tb" />
-
-<p>Limitemo-nos porém ao nosso ponto primario, Côrtes agricolas, pois,
-conseguidas ellas, por ellas, que fazem as Leis, facilmente se
-conseguirão todas as outras necessarias innovações.</p>
-
-<p><span class="pagenum" id="Page_84">[Pg 84]</span></p>
-
-<p>Seja pois o incançavel empenho das sociedades eleitoraes, que desde já
-se devem formar, o contrabalançar, vencer, e destruir, a influencia
-maléfica das sociedades eleitoraes já existentes, secretas ou publicas,
-mas todas ellas exclusivamente <i>politicas</i>; diversas entre si, e
-até inimigas mutuas, mas todas comprovadamente impotentes para bemfazer.</p>
-
-<p>Á vista da incontestabilidade de ser a Agricultura a que só nos pode
-restaurar, poderia perguntar-se: ¿Não conviria votar unicamente em
-agricultores para Deputados?</p>
-
-<p>A nossa opinião é que o Parlamento deve conter de tudo; sem o que,
-não seria representação <i>nacional</i>; e por outra parte, a não
-ser assim, se acharia carecente de muitos conhecimentos necessarios.
-Entretanto, pela mesma rasão de dever elle ser representação
-<i>nacional</i>, deve compôr-se de lavradores a sua grande maioria,
-pois ou em exercicio, ou em propriedade, lavradora é, e lavradora deve
-ser, a pluralidade da nossa gente.</p>
-
-<p>Entretanto, como as nossas associações eleitoraes não hão-de ser as
-unicas a trabalhar, como as do egoismo mal entendido e incorrigivel
-hão-de sempre existir, e sollicitar com tanto mais força, quanto mais
-se sentirem contrastadas pelas nossas diligencias, prudentissimo
-arbitrio fôra que nos cerrassemos nós outros em esquadrão, para só
-votarmos em lavradores, e, quando muito, em um ou outro industrial
-benemerito e de esperanças. ¡Felizes, ainda assim, se os nossos eleitos
-constituissem a maioria, e se os<span class="pagenum" id="Page_85">[Pg 85]</span> exforços e machinações dos inimigos
-só lograssem pôr na teia parlamentar a proporcionada e necessaria
-mescla dos outros interesses secundarios!</p>
-
-<hr class="tb" />
-
-<p>Outra consideração, que muita força nos faz para instarmos pela maioria
-agricola no Congresso, é que, mesmo para só equilibrar os interesses
-da terra com todos os outros bem ou mal entendidos interesses, é
-indispensavel que os partidarios dos primeiros sejam muito mais
-numerosos que os dos segundos.</p>
-
-<p>A Arithmetica, com parecer de exacção absoluta, é, por via de regra,
-em coisas moraes, a mais erronea de todas as medidas. As decisões por
-votos nol-o provam a cada hora: nas assembleas <i>dez</i> podem ser
-mais que <i>cem</i>, e todos os dias o são.</p>
-
-<p>Christovão Colombo era um só contra toda uma armada; Galileu um só
-contra todo o mundo: e todavia, com um só voto contra tantos, a America
-descobriu-se, e a Terra move-se.</p>
-
-<p>Não pretendemos inferir d’aqui o absurdo de que se outorgue a palma
-ás minorias; a nossa consequencia d’aquelle principio inquestionavel
-é que n’uma corporação destinada a um grande fim social, mas que por
-força tem de ser composta de elementos heterogeneos, alguns nullos, e
-não poucos hostis, se os presumptivos partidarios da boa causa são por
-sua natureza menos atrevidos e influentes que os seus antagonistas,
-só pelo<span class="pagenum" id="Page_86">[Pg 86]</span> excesso do numero é que poderão compensar o que em forças e
-importancia lhes falleça; e portanto, se ambicionâmos que triumphe a
-boa causa, temos de fazer pela quantidade d’elles a compensação da sua
-qualidade.</p>
-
-<p>Os filhos dos campos, qualquer jerarchia, educação, illustração, que
-aliás lhes supponhâmos, teem, em toda a parte, em presença dos filhos
-das Cidades, um não-sei-quê de pudor e timidez, que parece ser fruto
-indigena da solidão. Como as creanças e as mulheres, perdem elles
-metade das suas forças e recursos naturaes, logo que sentem que são
-observados. A duplice desconfiança em que estão, por uma parte, da
-sua rudez, por outra, da superioridade e maligno escarneo dos bem
-falantes, lustrosos, e regalados moradores das cidades, onde elles só
-entram como fornecedores e servos, quebra-lhes metade da sua energia
-varonil. Creados com o falar sóbrio, chão, e sem atavios, não só a
-eloquencia dos fazedores de phrases os deslumbra, mas até a verbosidade
-esteril os enleia e os sophisma; esgrimindo com arrogancia, se os não
-convence, muitas vezes lhes desarma o bom senso, só forte da sua força
-intrinzeca. Finalmente, a tatica e estrategia parlamentar, sciencia
-occulta que se não aprende em poucos dias, por mais predisposição que
-se tenha para desleal e ruim, hão-de sempre trazer o pobre aldeão
-sincero como vendido, romper-lhe as fileiras no fervor do combate,
-voltar-lhe as armas contra si, precipital-o em ciladas, converter-lhe
-a miudo a victoria ganha em derrota, endoidecel-o, desgostal-o, e
-pôl-o em<span class="pagenum" id="Page_87">[Pg 87]</span> fuga para o seu campo amado, que o conhece, e que é d’elle
-conhecido, e para entre os seus visinhos, cujos enganos elle sabe
-antever e illudir.</p>
-
-<p>É por tudo isto que, se o numero os não affoitar, elles serão sempre
-derrotados; e o beneficio, que á Patria poderiam fazer, se mallogrará
-a despeito das suas consciencias, sans como os seus ares, e das suas
-rasões, robustas, mas informes como os seus troncos.</p>
-
-<p>Estas Côrtes levariam ainda muitas outras vantagens a quantas para
-ahi se nos teem feito em nosso nome. As provincias, pelo trato mutuo
-dos seus representantes, ficar-se-hiam conhecendo; fraternisariam;
-aprenderiam, umas de outras, com que adiantar ou aperfeiçoar as suas
-culturas.</p>
-
-<p>Seria applicar á primeira das artes beneficios proporcionaes aos
-que as luzes superiores teem ultimamente recebido dos <i>Congressos
-scientificos</i>.</p>
-
-<p>Ainda mais, e ainda melhor: o Rei, que tudo deve presencear, e não pode
-demover-se do seu Throno, ouviria e veria d’est’arte as provincias;
-abrangeria com a imaginação, com o amor, e com as providencias, alguma
-coisa mais que o recinto confuso da sua Capital.</p>
-
-<hr class="tb" />
-
-<p>Pintae, meus amigos, desde já, na phantasia, o que serão taes Côrtes,
-se a Divina Bondade nol-as tem de outorgar:</p>
-
-<p>Homens fortes, sizudos, vestidos do seu linho, e modestas lans fiadas e
-tecidas por<span class="pagenum" id="Page_88">[Pg 88]</span> suas filhas e companheiras; condecorados, não com fitas,
-mas com os honrosos calos da charrua; não frizados pelo cabelleireiro
-parisiense, mas com o semblante bello de hombridade, e crestado dos
-soes; sem pomposos nomes herdados, mas creando cada um d’elles um,
-de que seus descendentes se não hão-de envergonhar. Madrugam para o
-grangeio da Patria, como lá costumavam fazel-o para o da fazenda;
-aproveitam em cheio as horas, como nos dias apressados da sementeira.
-As suas vozes, sem outras entoações que as da convicção e do affecto,
-expõem as verdades com a graça inimitavel da nudez, como na eira do
-seu casal deixavam espairecer sem vestidos os seus filhinhos e netos.
-Os seus discursos são como os seus predios: frutos, e não jardins;
-pão, gado, azeite, vinho, madeira de córte, em vez de flores ephémeras
-e estéreis. As suas argumentações não lh’as ensinou a logica das
-assemblêas, essa perigosa tintureira de verdades e mentiras; dos factos
-positivos lhes saem sem exforço as consequencias, como do grão do trigo
-a espiga do trigo, do caroço a arvore, e do amor dos homens a virtude.</p>
-
-<p>Os talentos, as boas vontades, as emprezas promettedoras, não expirarão
-á mingua; elles sabem que uma pouca de rega tem dado vida e fruto a
-muito pomar. Não mesquinharão os salarios ao trabalho, mas exigirão que
-o trabalho os mereça, porque ouviram ao seu Pastor ler no Evangelho,
-que se não deve amarrar a bocca ao animal que está suando na debulha.
-Não sorriem com philosophica sobranceria do que se refere ao unico<span class="pagenum" id="Page_89">[Pg 89]</span>
-principio sólido de toda a moral humana; elles presencearam sempre,
-assim como o carvalho da serra e a hervinha emboscada no vallado, que
-luz e calor não procedem senão de cima. Ao votar, não interrogam os
-olhos ou os acenos de ninguem; ¿perguntaram elles jamais se se devia
-plantar na estação propria, ou se ao rebanho sequioso se havia de dar
-de beber? Os motivos ruins, não os entendem; ¿que insensato dispôz
-nunca tojos e espinheiros na herdade amanhada para o manter? O medo
-das contrariedades não lhes tolhe pugnar pelo que é de sua natureza
-prestadio; estão affeitos a ver as intempéries das estações ameaçarem
-a seára, e a seára, por derradeiro, encher a tulha. Ignoram a sciencia
-dos financeiros, mas sabem que a diligencia e a boa-fé grangeiam
-cabedaes. Os pontos duvidosos, meditam n-os antes de os decidir, como
-antes de comprar uma courella examinavam comsigo e com os visinhos a
-indole do chão, as conveniencias e as desconveniencias do seu fabrico.
-Não armam á fama, nem trepidam diante das injurias; as phrases dos
-periodicos malignos, como as dos lisonjeiros, lhes resvalam pelo ouvido
-sem entrar; ¿ha-de-se deter a junta de bois no meio do sulco, porque
-zuniu o mosquito?</p>
-
-<p>No fim de cada sessão, retiram-se contentes do que fizeram, para
-meditarem, cada um a sós, com o seu entendimento e coração, o que lhes
-resta para fazer. O amor do genero humano é o seu ultimo pensamento
-antes de adormecer; a ventura da sua aldeia, da sua provincia, e da
-Patria, o seu sonho<span class="pagenum" id="Page_90">[Pg 90]</span> de toda a noite, de todas as noites, e de todos os
-dias.</p>
-
-<hr class="tb" />
-
-<p>¡Oh! ¡meu abençoado Parlamento de lavradores! Semelhante ao enxame
-industrioso, vós fabricareis sem estrondo, do que ha mais bello e
-amavel sobre a terra: para ella o oiro liquido e medicinal do mel, para
-o Ceo os santos lumes dos altares.</p>
-
-<p>Como vós, todos nós gosaremos da doçura que houverdes preparado; só
-os zangãos vos odiarão. A vossa Rainha, no cimo da colmeia, feliz e
-abençoada, não terá inveja aos maiores Soberanos.</p>
-
-<p>¡Oh! ¡podesse Ella, entre os seus innocentes e maternaes sonhos de
-ante-manhan, perceber, levados por algum Genio de amor, uns eccos
-sequer d’estes nossos votos!</p>
-
-<p>O seu entendimento avaliaria quanto ha de intrinzeca bondade, e de
-affecto aos homens, e de devoção para com Ella mesma, n’estes votos de
-Portuguez.</p>
-
-<p>A felicidade de um Povo, e a de quem o rege, são uma e indivisivel.</p>
-
-<div class="blockquot">
-
-<p>Novembro de 1848.</p>
-</div>
-
-
-<div class="footnotes"><h3>NOTAS DE RODAPÉ:</h3>
-
-<div class="footnote">
-
-<p><a id="Footnote_3" href="#FNanchor_3" class="label">[3]</a> Castilho começa aqui a datar o aprendizado constitucional
-desde a revolução de 1820.</p>
-
-<p class="right"><span class="smcap">Os editores.</span><br />
-</p>
-
-
-</div>
-</div>
-<hr class="chap x-ebookmaker-drop" />
-
-<div class="chapter">
-<p><span class="pagenum" id="Page_91">[Pg 91]</span></p>
-
-<h2 class="nobreak" id="VI">VI<br /><span class="small">O Clero, e as Mulheres</span></h2>
-</div>
-
-
-<p class="center caption">SUMMARIO</p>
-
-<div class="blockquot">
-
-<p>Na obra proposta, para todos ha tarefa: a dos escriptores é semear
-a palavra.—Defensa e apologia do Clero; necessidade e modo de o
-reformar.—Os Bispos, eleitos pelo Povo, apresentados pelo Governo,
-confirmados pelo Pontifice.—Um Seminario para cada Bispado, em
-que se ensinem, com as sciencias moraes e mysticas, os rudimentos
-das sciencias terrestres mais necessarias.—As Parochias providas
-pelos respectivos Bispos, e modo como.—Vantagens que d’ahi
-resultarão.—Justo panegyrico das mulheres.—Reivindicação para ellas
-do direito de votação.—Bens, que de um tal acto de justiça deveriam
-advir á sociedade.</p>
-</div>
-
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-<p>Os pensamentos do nosso coração acharam eccos; é porque o santo amor
-da terra e dos homens não morre nunca. O fogo existia; a nossa voz não
-fez mais do que assoprar de cima de uma parte d’elle a cinza que o
-occultava.</p>
-
-<p>¿Com tão felizes auspicios, como poderiamos nós deixar de proseguir?
-Prosigâmos; não já a sonhar em voz alta, mas em voz alta a meditar, a
-propôr, a pedir.</p>
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-<hr class="tb" />
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-<p>Concordes estamos (dir-se-hia que por uma inspiração salvadora,
-baixada na hora<span class="pagenum" id="Page_92">[Pg 92]</span> da angustia sobre todos nós ao mesmo tempo) concordes
-estamos, e convencidos, de que só a associação das nossas forças, tão
-malbaratadas até agora em mutuamente se espedaçarem, e apesar d’isso
-ainda tão grandes, tão sufficientes para uma façanha; applicando-se com
-fé, com ardor, com perseverança, á Agricultura, pode não só aguentar as
-nossas cidades, que a lanço e lanço se desabam, mas fundal-as novas,
-dilatar e multiplicar as aldeias, engrinaldadas de vegetação frutifera,
-transformar a guerra em amor, a mendicidade em trabalho, o roubo, a
-venalidade, a agiotagem, a alcunhada <i>politica</i>, e a prostituição,
-essas outras mendicidades, muito mais torpes e odiosas, em honesta e
-folgada vida, em producção, em virtude, em paz, em contentamento, em
-gloria, em liberdade, em poderio.</p>
-
-<p>Fomos um grande Portugal; em nossa mão está sermos, e breve, um
-Portugal ainda maior, mais formoso, mais seguro, mais festejado, mais
-attractivo para estrangeiros, mais hospedador de suas prendas, de suas
-artes, de suas sciencias, de sua multiplice civilisação.</p>
-
-<p>Queirâmos; queirâmos de veras. Congreguemo-nos fraternalmente; os dos
-campos, nos campos; os da cidade, com os olhos n’elles. Lavremos e
-semeemos todos; uns com o ferro e o grão, outros com o oiro, outros
-com a doutrina, que tambem é oiro; os legisladores com as Leis; os
-magistrados com a protecção; e nós, nós os apóstolos descalços, a quem
-a Providencia recusou terra, oiro, sciencia, e autoridade, mas a<span class="pagenum" id="Page_93">[Pg 93]</span> quem,
-em compensação de tudo isso, outorgou alguma alma e muitissimo amor,
-nós os escritores, semeemos tambem alguma coisa no chão da Patria, a
-que já está impendente larga benção de regeneração: semeemos a palavra.</p>
-
-<p>Que nenhum de nós se acovarde por desconfiança de sua fraqueza; que
-nenhum sonegue o que tem por verdade, com medo de que os poderosos lh’o
-desprezem, os nescios lh’o impugnem, e os malignos lh’o escarneçam.
-Onde a boa vontade nos houver illudido, valer-nos-ha ella mesma de
-excusa; e, á falta de approvação, conciliar-nos-ha o tacito affecto dos
-homens de bem.</p>
-
-<p>Quanto a nós individualmente, assás havemos já provado n’estes artigos,
-cujo fio vamos seguindo, quanto, apesar de conhecermos melhor que
-ninguem a nossa incompetencia, e a confessarmos a cada hora, propomos
-com lisura e franqueza, o que julgamos poder salvar a nossa moribunda.</p>
-
-<p>Nem a lisonja, nem contemplações pusillanimes, nem medo a ruins
-interpretações, nem a indifferença d’aquelles mesmos por quem fazemos
-votos, nos demoveram ainda do nosso proposito, atrevido talvez, mas
-honrado de certo.</p>
-
-<p>Com egual abnegação, com egual soltura, com ainda maior convicção, pois
-nos cresce de mez para mez, continuaremos a lavrar o nosso testamento
-de Portuguez, estas desenfeitadas linhas, mas para nós mais amadas, que
-toda quanta poesia nos florejou a mocidade.</p>
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-<p><span class="pagenum" id="Page_94">[Pg 94]</span></p>
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-<hr class="tb" />
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-<p>Para dois pontos convocamos agora a attenção sizuda das nossas futuras
-Sociedades promotoras da Agricultura, do Parlamento de lavradores, que
-os seus esforços nos hão-de produzir, do Ministerio da Agricultura, que
-esses legisladores hão-de fundar, e finalmente do proprio Throno; para
-o que, novamente rogamos a todos os nobres missionarios da Imprensa
-levem os nossos alvitres, corroborados com o seu saber, e ungidos com
-a sua eloquencia, até onde o humilde e longinquo da nossa voz os não
-deixaria penetrar.</p>
-
-<p>Estes dois assumptos, ambos grandes e ambos esquecidos, ambos
-de summa importancia, assim para o mal como para o bem, e ambos
-injusta e cruelmente desprezados, são: o <span class="smcap">Sacerdocio</span>, e as
-<span class="smcap">Mulheres</span>.</p>
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-<hr class="tb" />
-
-<p>É o Sacerdocio Catholico uma instituição eminentemente social, e cuja
-origem divina é, por isso mesmo, impossivel não reconhecer.</p>
-
-<p>Não renovaremos n’este logar disputações intempestivas, e já exhaustas,
-sobre os beneficios e as calamidades, de que em tal ou tal paiz, em
-tal ou tal seculo, o Clero tem sido, voluntaria ou forçada, activa ou
-passivamente, causador. Esses argumentos de alguns factos (ou de muitos
-factos) contra theses universaes e duas vezes millannarias, não podem
-servir para mais, que para lhes realçar a evidencia.</p>
-
-<p><span class="pagenum" id="Page_95">[Pg 95]</span></p>
-
-<p>Quanto mais os da escola <i>fossil</i> de Voltaire, quanto mais os
-anachronicos citadores do <i>Citador</i>, e os mui respeitaveis
-<i>Compadres</i> do <i>Abbé Laurent</i>, esperdiçarem o seu engenho
-para nos afeiarem em romances obscenos a vida licenciosa de um ou de
-outro, ou de muitos Sacerdotes; quanto mais nos affirmarem, sob sua
-palavra honrada, e á vista de umas estatisticas que só elles possuem,
-que o numero d’estes discolos é infinito; tanto mais, sem o sentirem,
-sem o quererem, engrandecem a força intrinzeca e divina de uma
-instituição, que, desde o tempo dos Apóstolos até nós, ainda não cessou
-de ser havida por mantenedora da arca-santa da Fé e dos costumes.</p>
-
-<p>Se ella fosse humana, se ella fosse sobretudo ré da millionesima parte
-dos crimes e horrores, que os seus adversarios (¡varões probos e
-honestissimos!) lhe assacam, ¿como haveria resistido a dezoito seculos?
-¿a trezentas revoluções na politica, e outras tantas nas ideias? ¿aos
-vaivens das seitas, e das chamadas philosophias? ¿ás minas surdas do
-indifferentismo? ¿ao fanatismo sanguinario de alguns de seus membros, e
-á perfidia e á deserção de tantos outros?</p>
-
-<p>Neros e Sardanapálos appareceram mais de uma vez na cadeira de S.
-Pedro. Mãos em vão sagradas cavaram masmorras e accenderam fogueiras;
-seguraram os pulsos a povos, para que tirannos os agrilhoassem; afiaram
-os punhaes e as espadas para guerras fratricidas; e a Sciencia, filha
-do Ceo como a luz, em nome do Ceo a perseguiram.</p>
-
-<p><span class="pagenum" id="Page_96">[Pg 96]</span></p>
-
-<p>E entretanto, atravez d’esses arroios de sangue e lagrimas, e d’esses
-montes de cinzas e ruinas, o esquadrão candido dos Levitas continuava a
-sua peregrinação para o Ceo, abençoando, e abençoado; penitenciando se
-em segredo pelos maleficios de que era innocente; vertendo lagrimas e
-chrysma sobre as feridas de seus irmãos; semeando na terra desconsolada
-o amor e as esperanças.</p>
-
-<p>Ao notarem ignorancia e corrupção no Clero, os semi-philosophos
-imprevidentes votam, sem hesitar, a sua abolição. Os sabios, isto é
-os prudentes e amigos da humanidade, calculam caladamente: ¡o que se
-tornaria o rebanho, privado de pastores! ¡os costumes, sem doutrina
-nem censura! ¡as penas sem conforto! as prosperidades e soberbas, sem
-contrapezo! ¡os seis dias da terra, sem um dia do Ceo! Depois, comparam
-essa corrupção e essa ignorancia (desgraçadamente muito certas) com
-a corrupção e ignorancia ainda maiores de quasi todos os inimigos da
-Egreja; e, convencendo-se de que o mal não é sem cura, propõem, em vez
-de exterminio, que é sempre o primeiro recurso dos barbaros: contra
-aquella ignorancia, luz de sciencia; contra aquella dissolução, outra
-vez luz, disciplina, e vigilancia.</p>
-
-<p>Não está o remedio em fechar a residencia parochial, depois de expulso
-d’ella o Cura indigno, deixando muda e ás escuras a casa da oração.
-Não está em despejar os paços episcopaes, para morada e pagode de
-especuladores enriquecidos, e as cathedraes para<span class="pagenum" id="Page_97">[Pg 97]</span> quarteis, theatros,
-ou serrarias de madeira. Está, sim, em precaver por Leis sabias, como
-sem custo as ha-de fazer o nosso Parlamento agricola, que os Bispos e
-Parochos sejam sempre o que o seu nome, o seu caracter, a Lei da sua
-instituição, a utilidade, a necessidade, e a vontade do Povo, e a sua
-propria consciencia, lhes ordena que sejam.</p>
-
-<p>¿Será isto exequivel? sim, sim; e tanto, e por tão faceis meios, que
-o que só admira e espanta é não se achar já de muito em execução, em
-praxe, e em costume.</p>
-
-<p>O primeiro ponto, o primeiro passo, a primeira condição impreterivel
-para esta reformação tão necessaria e tão urgente, quer a consideremos
-á luz do Céo, quer á dos interesses temporaes, é a boa escolha dos
-Bispos.</p>
-
-<hr class="tb" />
-
-<p>Foram os Bispos, nos seculos doirados da Egreja, e nas terras onde ella
-mais floresceu, eleitos, cada um pelo proprio rebanho a que havia de
-presidir<a id="FNanchor_4" href="#Footnote_4" class="fnanchor">[4]</a>. Nada mais liberal, nada mais natural e justo, nada mais
-conveniente, que essa usança; nada mais digno de se ressuscitar n’uma
-edade, que blasona de liberrima e philosophica.</p>
-
-<p>A nomeação dos Prelados pelo Chefe do Estado civil, e só dependente
-da sancção do Pontifice, sancção em que tantas contemplações, tantos
-motivos extranhos ao merito<span class="pagenum" id="Page_98">[Pg 98]</span> real, podem influir, é, mesmo para
-os entendimentos mais myopes, viciosa, e mais que arriscadissima
-a desacerto. É esta uma verdade, que (¡ainda mal!) os factos teem
-repetidamente confirmado.</p>
-
-<p>¡Que de vezes uma parcialidade vencedora, já para recompensar, já
-para predispôr serviços profanos e profanissimos, não tem enviado
-das catacumbas facciosas para os thronos episcopaes, ora lobos, ora
-apestados e leprosos, ora defuntos! ¡mãos geladas para as boas obras!
-¡corações gelados para os bons desejos! ¡linguas geladas para as
-palavras de amor! O Céo nos defenda de citar exemplos; ¿e para quê? ¿ha
-ahi quem os não conheça, e os não deplore?</p>
-
-<p>Escolhido, ou pelos Ecclesiasticos do Bispado, e em escrutinio
-secretissimo, aquelle d’entre seus membros, que por virtudes, luzes,
-patriotismo e prudencia, notavelmente se avantaja, ou (melhor e mais
-liberalmente ainda) votado tambem em escrutinio secreto por todos
-os fieis da Diocese, assim de um como de outro sexo, n’esse devemos
-presumir que está a idoneidade para o grande sacerdocio, para a
-relevantissima magistratura do Episcopado. O juizo do Povo haverá sido
-o juizo de Deus.</p>
-
-<p>Ao Chefe temporal do Estado, liberto assim de uma responsabilidade
-tremenda, só resta levar com alegria a santa proposta aos pés do
-Throno do Vigario de Christo, para impetrar á obra terrestre a sancção
-suprema, e não desligar o interesse da parte, do formoso e admiravel
-systema da unidade catholica.</p>
-
-<p><span class="pagenum" id="Page_99">[Pg 99]</span></p>
-
-<p>Sagrados nas sédes de todas as egrejas Prelados de tão altos abonos, é
-logicamente indispensavel deixar-lhes as mãos livres para o seu lavor,
-que é infinito e complicadissimo.</p>
-
-<p>E quando não, consideremos, com madureza, o que é um homem collocado
-no centro de muitos milhares de homens, para acudir a todas as
-necessidades espirituaes, e a grande numero das temporaes, umas e
-outras imperativas, e sempre recrescentes.</p>
-
-<p>A Oração Dominical cifra o seu espantoso encargo. Os seus primeiros
-predecessores, os Apóstolos, viveram e morreram a cumpril-o. Christo
-mesmo não curava só as almas, se não tambem os corpos; prégava as
-virtudes, e ao mesmo tempo multiplicava o pão e os peixes no deserto, e
-o vinho nas bodas. O seu Precursor na Lei escrita, ao mesmo passo que
-dava os mandamentos do Sinai, e extirpava a idolatria, libertava o povo
-do captiveiro, desentranhava os rochedos em fontes, o céo em maná e em
-aves, as nuvens em luz, debellava a peste, e encaminhava os peregrinos
-para a Terra da promissão e da abundancia.</p>
-
-<p>Tudo isto, que fez Moisés, que fez Jesus, e em que os Apóstolos o
-imitaram, tudo isto ha-de emprehender, e ha-de conseguir até ás raias
-do impossivel, o Prelado que fôr digno da sua missão.</p>
-
-<p>¿Mas como bastariam dois unicos braços, uma só lingua, para tanto
-instruir, e para tanto obrar? De nenhuma sorte. O amor, mesmo no homem,
-pode não ter limites; mas teem-n-os as fôrças.</p>
-
-<p>É por isso, que de cada Sé brotaram em<span class="pagenum" id="Page_100">[Pg 100]</span> de redor d’ella quantidade
-de Parochias, como da arvore boa se transplantam ramos para lhe
-continuarem e multiplicarem os frutos em muitas partes ao mesmo tempo.
-A voz do grande Pastor, repetida pelos seus coadjutores, fez-se ouvir
-até da ovelha mais desgarrada, no reconcavo dos valles, ou no cume
-das serras; e os beneficios das suas mãos, transmittidos por mãos
-fieis, poderam diffundir-se para todos os quatro ventos do céo até ao
-horizonte.</p>
-
-<p>D’esta simples consideração se deriva inquestionavelmente, que, sendo
-os Parochos nada menos que delegados e representantes dos Bispos,
-como os Bispos o são de uma Providencia paternal, e necessitando o
-Chefe conhecer e reconhecer, animar, e dirigir constantemente aos
-seus immediatos mandatarios, são elles tambem, elles sós, livres,
-liberrimos, independentes, os que os devem educar, preparar, eleger,
-conservar, suspender, ou excluir.</p>
-
-<p>É logo necessario, que o Governo temporal seja por Lei inhibido de
-prover as freguezias; direito ou costume esse, ao qual principalmente
-se deve imputar a odiosa ruindade, e incapacidade absoluta, de tanto e
-tanto Parocho, que, mais que os livros dos impios, teem em toda a parte
-concorrido para o descredito da Religião.</p>
-
-<p>O Governo só deve, quando muito, superintender, como vigia supremo do
-Estado, no comportamento dos Curas de almas como cidadãos, e no que o
-seu officio tiver de puramente secular. O de Cesar, a Cesar; o de Deus,
-a Deus. Nada mais orthodoxo.</p>
-
-<p><span class="pagenum" id="Page_101">[Pg 101]</span></p>
-
-<hr class="tb" />
-
-<p>Assim como ao obreiro, para se lhe poder tomar conta da obra, se hão-de
-primeiro dar materiaes e instrumentos, assim a cada Bispo hão-de
-umas Côrtes de juiso conceder, não em vans promessas escritas, mas
-effectivamente, com que organisar e manter um Seminario, com mestres a
-todos os respeitos dignissimos; de fora da Diocese, se n’ella os não
-ha; de fora do Reino, se os não ha no Reino. Para aqui, ¡mãos largas!
-¡mãos rôtas! ¡mãos prodigas, se é licito dizel-o! que a máis nescia de
-todas as economias é a que nega adubío, sementes, e rega, ao solo de
-que pretende fruto.</p>
-
-<p>¡Oh! ¡de que desperdicios não tem já sido causa a não entendida palavra
-<i>economia</i>!</p>
-
-<p>Sob os olhos do Bispo, medrarão além de toda a esperança estes
-viveiros de Parochos, educados na theoria e pratica da Sciencia
-Divina por mestres, que serão ao mesmo tempo seus exemplares. Elles
-ahi aprenderão, com as sciencias moraes e mysticas, o que hoje
-seria imprudencia, temeridade, e infamia, querer d’ellas apartar:
-aprenderão as sciencias, que renovam e regeneram a terra, e que,
-matando a perguiça e a penuria, aplanam, atravéz de uma bemaventurança
-passageira, o caminho para outra, que não finda; a hygiene; os
-rudimentos da medicina domestica, e da veterinaria; a agricultura e a
-physica; as noções geraes da jurisprudencia do Estado, e os deveres
-politicos; um pouco da economía publica, muito da caseira;<span class="pagenum" id="Page_102">[Pg 102]</span> os methodos
-mais faceis de ensino para as materias mais necessarias; em summa:
-habilitar-se-hão para poderem e quererem ser, em tudo, o opposto a
-muitos dos deploraveis Parochos dos nossos dias.</p>
-
-<p>Entre os Clerigos, alumnos de um mesmo Seminario, instruidos nas
-mesmas materias, e pelos mesmos professores, ha-de haver differenças
-de genios, de gostos, de talentos, de virtudes. Cada individuo tem a
-sua organisação; cada educação de infancia affeiçôa para o futuro um
-diverso homem.</p>
-
-<p>Differenças, como as que se notam nos individuos, existem não menos
-entre as povoações. O Bispo, que, durante o longo curso de estudos,
-haverá podido reconhecer e verificar a aptidão especial de cada um
-dos seus alumnos, saberá depois distribuil-os segundo o caracter e
-necessidades das Parochias: para a mais inerte e atrazada, o mais
-progressivo e emprehendedor; para a mais licenciosa, o mais modesto;
-para a mais indigente, o mais caritativo; para a mais aspera, o mais
-soffredor; o mais conciliador para a mais desavinda; o menos rustico e
-o mais instruido para a mais cortesan.</p>
-
-<hr class="tb" />
-
-<p>Imaginae (se tendes imaginação que abranja o infinito) imaginae o
-que virão a ser, em alguns annos, as freguezias, mormente as ruraes,
-presididas por taes varões.</p>
-
-<p>A Fé se reanimará, menos pela eloquencia das homilías, que pelos
-milagres da caridade.</p>
-
-<p><span class="pagenum" id="Page_103">[Pg 103]</span></p>
-
-<p>Pelos predios sorrirá a abundancia, pelas vidas a harmonia.</p>
-
-<p>Apertar-se-hão os laços entre os membros de cada familia, os dos
-visinhos com os visinhos, os dos cidadãos com os seus concidadãos.</p>
-
-<p>A semana deslizará, como um ramal de horas de prata, nas festas da
-lavoira e da industria; o domingo nas festas do Senhor, e nos folguedos
-innocentes, que a Religião permitte e ama, e nos quaes se prepara o
-casto amor que reproduz as familias, e se podem exercitar a graça e
-dextreza corporal, que realçam a obra-prima do Creador.</p>
-
-<p>Vêde ¡como á sombra fresca da parreira do presbyterio, no verão, e
-no inverno ao lume da sua cosinha terrea, veem contentes as creanças
-aprender, ora as letras, as contas, e a escrita, ora o cathecismo, ora
-os deveres sociaes em historias singelas e amoraveis!</p>
-
-<p>Ouvi ¡como dos mesmos labios, que distribuem o biscato da alma a
-aquelles passarinhos implumes, sai o conselho de paz, que solda,
-melhorada, a amisade entre os desavindos, o consolo para o coração
-viuvo, a correcção benevola, mais efficaz que a severidade, a esperança
-precursora da Providencia e aurora da esmola, aqui uma consulta sobre
-o praso e melhor modo de uma plantação, de um córte de madeiras, ou do
-encaminhar as aguas de uma rega, ali uma supplica de filho, cujo pae
-cahiu com uma dor ou accidente repentino, e que não sabe como lhe acuda
-em quanto o medico não chega!</p>
-
-<p><span class="pagenum" id="Page_104">[Pg 104]</span></p>
-
-<p>Todas as linguas fala o Parocho, excepto a da maledicencia. Para os
-males que não admittem remedio, ainda elle sabe e applica um balsamo: a
-conformidade.</p>
-
-<p>O presbyterio é a côrte do logar, com ser a mais pobre casa de todo
-elle. Todos lá vão, tributar respeito ou pedir graças. Os grandes saem
-d’ali maiores porque aprenderam a humildade; os ricos, mais ricos
-porque aprenderam a dar; os infelizes, serenados porque viram um Anjo.</p>
-
-<p>Governantes, este homem não fará eleições, mas fará subditos fieis,
-cidadãos pacificos e laboriosos.</p>
-
-<p>Não mentirá em favor vosso, mas tambem contra vós não mentirá.</p>
-
-<p>Se jamais no Sacrificio da Ara se implorou com fervor paz e concordia,
-d’aquella bocca se hão-de elevar quotidianamente taes orações, como
-perfume de incenso sem mistura.</p>
-
-<p>Esquecei esse monarcha de espiritos no meio do seu povo; elle vos
-serve com mais zelo do que vós mesmos vos servis. Em torno d’elle
-intercede-se cada noite pela vida de bons e maus. Em quanto elle
-respirar, sabei que ha no Reino um recanto, em que a indigencia mesma
-não amaldiçôa. Os filhos se ufanarão de haver sido por elle baptisados;
-os esposos, de lhe terem recebido a benção; os moribundos, de lhe
-exhalarem no seio a alma, por elle já desenleada de espinhos, e já de
-antemão coroada das açucenas do Ceo.</p>
-
-<p>Estes serão necessariamente os Parochos procedentes das escolas
-d’aquelles Bispos.<span class="pagenum" id="Page_105">[Pg 105]</span> Uma Lei de homens, mas de homens sãos e sizudos,
-haverá creado uma semelhança de paraizo.<a id="FNanchor_5" href="#Footnote_5" class="fnanchor">[5]</a></p>
-
-<hr class="tb" />
-
-<p>Falámos do sacerdocio de Deus; falemos do da Natureza; falemos das
-Mulheres.</p>
-
-<p>Um phenomeno moral dos mais inexplicaveis, é a dependencia, a sujeição,
-a especie de tutella ignominiosa da mulher em todos os paizes, em todas
-as edades, em todos os graus da civilisação. Nascido d’ella, creado
-por ella e para ella, referindo a ella quasi todos os seus trabalhos,
-pensamentos, e ambições, proclamando-a soberana, acatando-a quasi como
-uma semi-divindade terrestre, o homem não cançou ainda de tratal-a de
-facto como serva.</p>
-
-<p>O seu nome triumpha na lyra dos poetas; as suas graças, na tela dos
-pintores e no marmore dos estatuarios; o seu credito, na lança dos
-antigos paladins, na pistola e espada dos modernos duellistas; a sua
-apparição na sociedade é recebida com murmurio festivo e lisonjeiro,
-como a da aurora na espessura a que ella traz vida. Se desprende a voz,
-a razão parece mais bella passando pela sua bocca; a virtude perde o
-seu azedume; um feitiço indefinivel lhe careia<span class="pagenum" id="Page_106">[Pg 106]</span> todos os animos; o
-tumulto se apazigúa; os vicios grosseiros escondem o rosto e emmudecem
-até a deixarem passar. O rasto de aromas, que os seus cabellos e os
-seus vestidos deixam apoz si, não egualam ao vago e voluptuoso affecto,
-que o mais leve dos seus movimentos coou até ao fundo dos corações.
-Respeita-se-lhe o juiso; ama-se-lhe o espirito, a modestia, a decencia,
-os instinctos bons, nobres e generosos, a timidez que não exclue a
-heroicidade. Colhem-se-lhe as palavras benevolas, como diamantes que se
-enthesoiram e defendem com ciume; fazem-se os maiores sacrificios para
-lh’as merecer. O mais soberbo sente-se ufano no dia em que obtem a sua
-mão; o mais avaro daria metade dos thesoiros pelo seu primeiro suspiro,
-e os thesoiros todos pelo seu primeiro beijo; o mais sabio a consulta,
-como a melhor e menos fallivel porção de si mesmo. N’uma palavra: o
-mais grave dos nossos interesses, a primeira educação moral dos nossos
-filhos, ¿a quem é commettida? dir-se-hia que a nossa alma, ainda tenra,
-se nutre no seio da sua, como entre os seus braços bebemos no leite de
-seus peitos o seu amor.</p>
-
-<p>E todavia... Abri os codigos de todo o mundo, e perguntae-lhes o que
-é este ente, complexo de tantas maravilhas, creado para companhia do
-homem, mas depois do homem, como elle o fôra depois dos brutos, e os
-brutos depois dos entes insensitivos.</p>
-
-<p>Todos os codigos vos responderão: «É uma escrava.» E alguns: «É uma
-victima.»</p>
-
-<p>Os trabalhos continuos, obscuros, e inglorios, são a sua vida; e a
-sua morada um<span class="pagenum" id="Page_107">[Pg 107]</span> carcere. Aqui, a excluem dos recreios mais honestos;
-além, a punem com o ridiculo, se deixa respirar o seu talento; uma
-decencia convencional e tirannica lhe impõe silencio quasi continuo.
-A acção, o passo, o dito mais indifferentes, lhe são interpretados.
-As Universidades lhe estão fechadas; defezas as magistraturas e os
-tribunaes; inaccessiveis o fôro e a tribuna. Só da caridade, dos
-hospitaes, das escolas de infancia, e do claustro da oração, a não
-poderam excluir.</p>
-
-<p>¡Que dizemos! não só a Asia as vende, como se vendem as flores para
-os regalos dos opulentos, e a Inglaterra as deixa vender nos seus
-mercados como animaes de carga, se não que a propria França, a patria
-da cortesia e do melindre, a terra em que ellas mais imperam sobre as
-artes, o gosto, e a sociabilidade, a França mesma, lhes impõe nas suas
-Leis obediencia e respeito ás vontades de um marido.</p>
-
-<p>Da sujeição filial, a unica reconhecida pela Natureza, lá passam para o
-captiveiro conjugal.</p>
-
-<p>O anel de um noivado é o primeiro de um grilhão muitas vezes
-insoffrivel, e que nenhumas forças lhes poderão quebrar. O nome do
-seu senhor lhes é para logo imposto em vez do paterno; é a marca, é
-o ferrete do dominio; marca indelevel, que sobreviverá ao possuidor,
-e que só um possuidor novo encobrirá, substituindo a esse nome o seu
-nome, e á tirannia extincta uma segunda tirannia<a id="FNanchor_6" href="#Footnote_6" class="fnanchor">[6]</a>.</p>
-
-<p><span class="pagenum" id="Page_108">[Pg 108]</span></p>
-
-<p>Ainda cerceámos o desenho; ainda enfraquecemos as côres do quadro; mas
-não haverá coração generoso, que ao encaral-o não estremeça.</p>
-
-<hr class="tb" />
-
-<p>O Homem Deus redimiu as nações do predominio romano, do fatalismo,
-e das paixões divinisadas; sublimou, sobre tudo, os pobres e os
-perseguidos a grau de humanos, e de mais que humanos.</p>
-
-<p>A philosophia moderna restituiu a liberdade natural ao pensamento.</p>
-
-<p>A politica, sua filha, desatou o jugo de ferro da cerviz dos povos, e o
-atirou feito pedaços para o abysmo do passado.</p>
-
-<p>A philanthropia, ou talvez a especulação, aboliu a escravaria das
-povoações negras.</p>
-
-<p>Á infancia mesma vai chegando o que é possivel de emancipação; asylos
-e escolas a convidam a instruir-se; e ao açoite, que d’antes lhe
-desfolhava os brios em flor, succederam a affabilidade e os carinhos,
-tão necessarios aos pequeninos como o pão.</p>
-
-<p>¿Que dizemos? até para os irracionaes<span class="pagenum" id="Page_109">[Pg 109]</span> pululam na Europa sociedades
-protectoras.</p>
-
-<p>¿E a Mulher?! A Mulher, nossa mãe, nossa esposa, nossa filha, nossa
-irman, a Mulher, nossa ama, nossa educadora, nossa ecónoma, nossa
-enfermeira, a Mulher que nos civilisa, que nos adoça, nos encaminha,
-nos aconselha, nos acompanha e consola nos trabalhos, nos realça e
-requinta as alegrias, a Mulher, que não vive, que não quer, que não
-pode viver senão para nós, que nos soffre e nos perdoa de continuo,
-a Mulher que é toda amor, e a mais brilhante revelação do Céo, a
-Mulher...... é ainda escrava! ¡escrava em plena Europa! ¡em pleno
-Christianismo! ¡quasi como na Africa e na Asia sob os influxos do
-Korão! ¡escrava como na India, como na China, como na Tartária, como na
-Turquia, como na Russia, como entre os selvagens errantes, como entre
-os Romanos barbaros, escrava, como sempre e em toda a parte!</p>
-
-<hr class="tb" />
-
-<p>Já que ellas se não queixam (¡pobres victimas só feitas para soffrer!)
-ousemos nós defender os seus interesses apesinhados; e não contra os
-nossos, se não ainda em nosso beneficio.</p>
-
-<p>Parlamento das nossas esperanças, congresso de lavradores, atrevei-vos
-a uma Lei, que vos doire na Historia, e vos immortalise. Decretae,
-depois de seis mil annos, <span class="smcap">a alforria da Mulher</span>.</p>
-
-<p>Não são a milicia, as magistraturas, os governos das provincias, que
-para ellas vos pedimos; não são as cadeiras de legisladores,<span class="pagenum" id="Page_110">[Pg 110]</span> nem
-as do magisterio; n’uma palavra: não são nenhuns dos cargos, que a
-prepotencia lhes disputaria, e de que a Natureza as tornou isentas (não
-por fracas, não por inferiores em espirito, mas porque foram fadadas
-para mães).</p>
-
-<p>Dae-lhes porém o que sem injuria não poderieis recusar-lhes:
-reconhecei-lhes, como a seus esposos, como a seus paes, como a seus
-filhos, o direito de suffragio.</p>
-
-<p>De que poderieis vós arrecear-vos franqueando-lhes o caminho á urna?
-¿Não teem ellas tanto interesse como nós, em que Leis sabias rejam,
-e homens sabios administrem? ¿Não zelarão ellas o bem da terra em
-que vivem seus consortes e a sua prole? ¿Não são ellas dotadas para
-avaliar os meritos, para estremarem a verdade e a impostura, de uma
-maravilhosa sagacidade, occulta arma defensiva com que a Natureza as
-premuniu contra as offensivas do nosso sexo? ¿Não vivem mais longe do
-tumulto da praça, que a nós outros tanta vez nos desvaira, lançando-nos
-em turbilhões, já de odios, já de amores insensatos e contradictorios?
-¿Não teem innatamente, além do instincto da harmonia, o espirito
-da justiça? ¿Não foi já por isso, que nas antigas allianças entre
-Carthaginezes e Gallos se estabeleceu, que, onde de parte a parte
-recrescessem rasões de queixa, fossem arbitros, por Carthago os seus
-magistrados, pelas Gallias as suas mulheres?</p>
-
-<p>Mas—vos segredarão alguns com maligno sorriso—¿«conhecem ellas o
-grande jogo da Politica? ¿fazem ideia do que seja<span class="pagenum" id="Page_111">[Pg 111]</span> a ordem publica?
-¿com quem o aprendeu a sua roca para lh’o ensinar?»</p>
-
-<p>Não, homens honrados, ellas não sabem a Politica; e eis ahi uma das
-grandes vantagens que nos levam para eleitoras; mas a ordem publica,
-se a não sabem, adivinhal-a-hão, que para isso, entre seus filhos
-e domesticos, são rainhas de pequenos reinos. Essa roca, alvo do
-epigramma ingrato e insolente, é o seu sceptro; e pode ser que acerca
-da felicidade commum da aldeia, da freguesia, e da provincia, lhes haja
-ella dito muito mais, nas caladas dos serões de inverno, que á maior
-parte dos nossos eleitores cortesãos a lampada parisiense entre os
-baralhos de cartas e os montes de oiro.</p>
-
-<p>Mas concedamos-lhes que nossas esposas, nossas mães, e nossas filhas,
-nunca jamais até agora pensaram sobre os negocios do Estado, como vos
-elles dizem. Por isso mesmo, por isso mesmo, lhes deveis restituir mais
-depressa o seu usurpado e imprescriptivel direito de votação; porque
-essa indifferença, se n’ellas existe, é mais uma calamidade, pois são
-as educadoras da geração que nos ha-de succeder.</p>
-
-<p>Concedamos ainda mais: que o precioso affecto da Liberdade é n’ellas
-quasi nullo. ¿De quem é a culpa? ¡D’ellas!! Não; mas de nós outros, que
-a poder de escravidão lh’o adormentámos.</p>
-
-<p>Restitui ás Mulheres o seu quinhão legitimo de Liberdade, e vereis como
-ella se consolida sobre fundamentos de amor mais que duplicados.</p>
-
-<p>¡Que miserrima contradicção é esta: que<span class="pagenum" id="Page_112">[Pg 112]</span> onde para a herança da Corôa
-a Lei salica não governa, onde á Mulher se reconhece aptidão para o
-cargo supremo do Estado, se lh’a denegue para votar como cidadan em
-mandatarios dos communs interesses!</p>
-
-<p>De uma coisa podeis vós estar certos, Ó Deputados; e é: que as eleições
-em que ellas entrassem, por menos acertadas que a sua inexperiencia
-as produzisse, não dariam (porque era impossivel) mais vergonhosos
-resultados, que todas quantas á sua revelia havemos feito, e que, para
-vergonha nossa, lá ficam registadas na Historia.</p>
-
-<hr class="tb" />
-
-<p>¡Oh! ¡Se o humilde Portugal estava ainda guardado para dar do fundo do
-seu abysmo tão altas lições, tão esplendidos exemplos á Europa e ao
-Mundo! ¡Uma Representação nacional genuina e insophismada! ¡um Clero
-sabio, virtuoso, paternal! ¡a Mulher investida na plenitude dos seus
-destinos sociaes!....</p>
-
-<p>No dia em que a Patria cingisse por suas mãos tres corôas tão
-magnificas, morriamos felizes. Teriamos vivido uma eternidade de
-bemaventurança.</p>
-
-<div class="blockquot">
-
-<p>Dezembro de 1848.</p>
-</div>
-
-<div class="footnotes"><h3>NOTAS DE RODAPÉ:</h3>
-
-<div class="footnote">
-
-<p><a id="Footnote_4" href="#FNanchor_4" class="label">[4]</a> <i>Nullus invitis dandus est Episcopus; ille
-omnibus prœferendus, quem cleri ac plebis consensus concorditer
-elegerit.</i>—S. Gregor.—Epist. ad Nastas.</p>
-
-</div>
-
-<div class="footnote">
-
-<p><a id="Footnote_5" href="#FNanchor_5" class="label">[5]</a> Os nossos respeitos ás doutrinas canonicas é conhecido
-e provado. A innovação que propômos e que deverá ter iniciativa no
-Parlamento, para se tornar effectiva necessita da censura e regular
-approvação da Egreja.</p>
-
-<p class="right"><span class="smcap">Castilho.</span><br />
-</p>
-
-
-</div>
-
-<div class="footnote">
-
-<p><a id="Footnote_6" href="#FNanchor_6" class="label">[6]</a> Com estas reflexões não pretendemos desapprovar a
-subordinação das mulheres a seus maridos nos termos em que a prescrevem
-os nossos livros sagrados. Só não queremos que esta dependencia se
-converta em escravidão, que a legitima autoridade marital degenere
-em tirannia. Eva, diz um Padre da Egreja commentando o Genesis, não
-foi formada da cabeça de Adão, para que não tivesse a presumpção de o
-querer dominar; nem tão pouco foi formada dos pés do homem, para que
-por elle não fosse considerada como serva; foi-o de uma costella, a fim
-de que se entendesse que era destinada a ser sua companheira.</p>
-
-<p class="right">
-<span class="smcap">Castilho.</span><br />
-</p>
-
-
-</div>
-</div>
-<hr class="chap x-ebookmaker-drop" />
-
-<div class="chapter">
-<p><span class="pagenum" id="Page_113">[Pg 113]</span></p>
-
-<h2 class="nobreak" id="VII">VII<br /><span class="small">Primeiro serão do casal</span></h2>
-</div>
-
-
-<p class="center caption">Propriedade territorial</p>
-
-<p class="center caption">SUMMARIO</p>
-
-<div class="blockquot">
-
-<p>Vantagens do escrever.—Vantagens do ler.—O autor não pode por ora
-dizer o que tratará n’estes seus serões d’aqui avante, mas tenciona
-il-os empregando na sua ideia querida da felicitação da Patria
-pela Agricultura; para o que, vai proseguindo nas suas utopias.—A
-propriedade territorial não é um direito natural, mas é um dos
-direitos da sociedade permanente.—No direito de possuir terra não
-se contem o poder deixar de cultival-a.—Apontamentos para uma Lei
-importantissima a este respeito.—A theoria pode-se estender dos
-predios rusticos aos urbanos.</p>
-</div>
-
-
-<p>¡Que bella coisa, meus amigos camponezes, não é o escrever e o ler!</p>
-
-<p>Uma folha de papel, que a principio não foi mais que umas hervinhas
-verdes, depois umas febras seccas e pardas, nos dias da sua maior
-gloria talvez uma camisa, e a final um trapo despresado e esquecido;
-uma folha de papel póde ser uma origem de delicias e venturas.</p>
-
-<p>Por meio d’ella, um homem desconhecido, e fechado no seu cantinho, logo
-que Deus lhe lança na alma um reflexo passageiro da Verdade e do Summo
-Bem, prende esse raio de luz celeste, liberalisa-o para<span class="pagenum" id="Page_114">[Pg 114]</span> toda a parte,
-solidifica-o, bem como de um gaz, que se não vê nem palpa, se faz no
-fundo das minas um diamante; lança-o assim para o thesoiro commum
-dos conhecimentos humanos; e, quando ninguem mais lh’o diz, diz-lhe
-baixinho a sua consciencia:</p>
-
-<p>«¡Oh! ¡Bem hajas, que déste a esmola da alma á alma! ¡Bem hajas, que
-as horas que podéras gastar no ocio, ou em gosos futeis, em dissipar
-ou em adquirir haveres, ou em me envenenar a mim, que sou a tua boa
-consciencia, empregaste-as em proveito dos teus semelhantes! ¡Bem
-hajas! ¡e bem haverás por certo! Os teus exforços não serão perdidos,
-nem para o Céo nem para a terra. Lá em cima, o Liberalisador de toda
-a verdade te coroará; e já, cá no mundo, uma especie de immortalidade
-e de omnipresença será a tua partilha. Sobreviver-te-has em parte a
-ti mesmo. O teu nome e os teus pensamentos estarão ao mesmo tempo em
-muitos logares, graças a esta folha de papel; e os annos, que hão-de
-destruir o teu corpo, deixarão a tua honrada memoria a crescer para os
-seculos.»</p>
-
-<p>Mas, se tal é a boa sorte do escritor de veras; se os seus deleites
-lhe descontam o trabalho e penas que o acompanham; se da sua miseria
-elle se consola com a lisonjeira certeza de afortunar aos outros; se
-no silencio do seu albergue desguarnecido ouve já a sua futura fama, e
-na sua enxerga de palha riem sonhos, que nunca visitaram os colxões de
-plumas de soberbões inuteis; a mesma folha de papel, que, a baixo de
-Deus e do estudo, o tornou venturoso, multiplicada<span class="pagenum" id="Page_115">[Pg 115]</span> pela Imprensa vai
-fazer por elle muitos outros venturosos.</p>
-
-<hr class="tb" />
-
-<p>¡A leitura, meus amigos! ¿Sabeis vós bem o que é a leitura?! É de todas
-as artes a que menos custa, e a que mais rende.</p>
-
-<p>Ha livros, que, semelhantes a barquinhas milagrosas, incorruptiveis
-e innaufragaveis, nos levam, pelo Oceano das edades, a descobrir,
-visitar, e conhecer todo o Mundo que lá vai....</p>
-
-<p>Os povos antigos revivem para nós com todos os seus usos, costumes,
-trajos, feições, crenças, ideias, vicios, virtudes, interesses, e
-relações.</p>
-
-<p>A Historia é a mestra da vida, e as suas lições ampliação e complemento
-ao nosso juizo natural. No que foi, aprendemos o que deve ser. ¡Dizem
-que mente ás vezes! tambem na seára ha joio, e nem por isso deixais vós
-de ceifar com alegria. Mas, apesar das suas mentiras, fica ainda sendo
-a Historia uma das mais verdadeiras coisas do mundo.</p>
-
-<p>Os contemporaneos de cada um dos homens notaveis, heroes ou monstros,
-dos tempos antigos, talvez os não vissem tão ao natural como nós cá
-de longe. ¿Porquê? por isso mesmo que eram vivos; cercavam-n-os um
-estrondo confuso, e vozes contradictorias, que para nós emmudeceram.
-O amor e o odio, o terror e o enthusiasmo, tingiam nas suas cores os
-feitos e os ditos: o espectador, muito de perto, e distrahido com os
-seus proprios negocios, não podia abranger a totalidade de uma scena ás
-vezes<span class="pagenum" id="Page_116">[Pg 116]</span> immensa e complicada. Não é nem ao-pé em demasia, nem em demasia
-longe, que os objectos se julgam com exacção.</p>
-
-<hr class="tb" />
-
-<p>Mas não é só a Historia, meus amigos, que nos encanta instruindo-nos.
-Desde a Mathematica, que péza e mede os astros, até ao officio mais
-humilde, não ha sciencia, arte, nem mistér, que os livros nos não
-ensinem divirtindo-nos.</p>
-
-<p>Vós, se lêdes ao serão, cultivais melhor e mais lucrativamente no dia
-seguinte; sabeis conservar melhor os vossos frutos administrar com mais
-interesse os vossos haveres. Outro tanto acontece aos vossos visinhos,
-ferreiro, carpinteiro, surrador, tintureiro, tecelão, etc.</p>
-
-<p>A povoação onde se sabe ler, e se lê, floresce mais, é mais pacifica
-e morigerada, mais unida e rica, mais poderosa, mais contente, mais
-amavel, e mais amada.</p>
-
-<p>Porque haveis de saber, meus amigos, que tudo quanto os homens teem
-descoberto e inventado para augmentar as suas forças, os seus cabedaes,
-a sua saude, as suas virtudes, as suas relações de amor, e o numero
-das horas suaves e alegres, tudo, de muitos seculos para cá, se tem
-ido guardando nos livros. É um patrimonio de sciencia e bondade, que
-vai sempre a crescer de paes a filhos, onde cada um pode tomar ás mãos
-cheias o que lhe convém, e para onde a cada um é licito, e até mesmo
-é dever muito agradavel, levar o pouco ou muito que o seu<span class="pagenum" id="Page_117">[Pg 117]</span> juizo lhe
-subministra. É um commercio mutuo de todos os tempos e de todas as
-almas, do qual ninguem sai lesado, e no qual mesmo dando se recebe.</p>
-
-<p>Quanto a mim, meus bons visinhos, estou muito satisfeito com a minha
-tarefa litteraria. Outros, mais capazes de vos instruir na Agricultura,
-teem a bondade de tomar a si esse encargo, para o qual eu mesmo vos
-confessei já que me não sinto habilitado. Á minha conta está procurar
-desenfadar-vos algum serão do domingo. ¿Que quereis? quem nasceu para
-pouco... Um poeta é como um d’estes passarinhos, que Deus creou para
-recreação do lavrador na força dos seus trabalhos.</p>
-
-<hr class="tb" />
-
-<p>Se eu ao menos podesse dizer-vos desde já o em que havemos de
-entreter-nos.... mas ¡adivinhae-o lá! ¿O passarinho, um minuto antes
-de abrir o bico, sabe por ventura o que vai gorgear? é a verdura, é
-a viração, é o sol ou a estrella do momento, que o inspira; a sua
-<i>hypocrene</i> é muitas vezes a ultima gotta de orvalho, que bebeu no
-calix de uma flor por onde passou.</p>
-
-<p>Mas, assim como nos cantares do plumoso poeta dos bosques ha sempre o
-que quer que seja de bom e affectuoso conselho, de revelação do Céo,
-com o qual elle parece tratar mais de perto do que nós; assim o meu
-espirito, que mora todo cá dentro no coração, e por elle vale alguma
-coisa, só praticará comvosco, segundo espero em Deus, em algum dos seus
-sonhos de felicitação para o genero humano.</p>
-
-<p><span class="pagenum" id="Page_118">[Pg 118]</span></p>
-
-<p>Porque haveis de notar, boa gente, que, se o que está feito é muito,
-muito mais é ainda o que está para fazer. Cada geração adianta um
-passo; os netos sabem mais que os avós; cada anno floreja ideias,
-que os seguintes convertem em frutos, e outros, além, amadurecem e
-colhem. Nos ares andam sempre ideias de todas as edades (sem falar nas
-que vão cahindo mortas); umas decrépitas; outras recemnascidas, que
-ainda se não atrevem a voar; outras adultas e robustas; e nenhuma das
-que se chegam a transformar em obras, deixou de ser na origem muito
-extranhada, e muito havida por impossivel ou perigosa, e de padecer
-perseguição da parte de nescios e ruins.</p>
-
-<p>Ora eu, que (Deus louvado) de ruins me não temo, e a escutar nescios me
-não detenho, parece-me que não poderia, por em quanto, empregar melhor
-a minha folha de papel, e o vosso serão no casal, do que em vos relatar
-os meus sonhos ou devaneios solitarios sobre a salvação da Patria pela
-Agricultura; axioma este já hoje comprehendido por todos os que a
-Natureza não condemnou a viver e morrer sem comprehenderem nunca nada.</p>
-
-<p>E como é possivel que d’entre vós outros algum, ou muitos, vão um dia
-deputados áquelle bemdito Parlamento de lavradores, de que eu ha dois
-mezes vos falava, consentir-me-heis que, ao lume da vossa lareira,
-exponha aos vossos juizos, naturaes e não pervertidos, mais alguns
-alvitres para então.</p>
-
-<p>¿Quem nos pode prohibir governarmos o<span class="pagenum" id="Page_119">[Pg 119]</span> mundo em sêcco o nosso
-poucochinho? Não só toda a gente o faz, e quasi que se não faz outra
-coisa, se não que a maior e talvez melhor parte das Leis, primeiro que
-fosse promulgada por legisladores, tinha sido inventada por homemzinhos
-obscuros como nós, e d’elles passada á consciencia geral.</p>
-
-<hr class="tb" />
-
-<p>Se alguns chamarem <i>politica</i> e ruindade a este uso que nós
-fizermos do pouco ou muito entendimento, que Deus nos deu para amarmos
-os nossos semelhantes, não vos haveis de agastar, nem eu tornar-lhes
-resposta; que, por mais que thesoirem, não nos descozem o saio,—como
-lá diziam os nossos velhos.</p>
-
-<p>¿Vêdes vós? acostumaram-se áquillo de ver em tudo <i>politica</i>, e de
-chamarem <i>politica</i> a tudo; e depois, teem um medo, que se finam,
-até das verdades velhas, ¡quanto mais das novas! Lá se entendem; e
-assim é bom, para se não irem d’este mundo totalmente desentendidos.</p>
-
-<p>Não, meus amigos, <i>politica</i>, no sentido estreito que elles dão a
-esta palavra, politica do soalheiro e do mexerico, de acreditar a Pedro
-e desacreditar a Paulo, de velhacar Leis e receitar venenos, d’essa
-não fazemos nós, que nos regala andar com o nosso rosto descoberto, e
-dormir as nossas noites de um somno e com as portas e janellas abertas
-em não fazendo frio.</p>
-
-<p>Agora: se ás questões de philosophia social, que elles nunca leram, ou,
-se leram,<span class="pagenum" id="Page_120">[Pg 120]</span> não entenderam, ou que, se as entenderam, lhes não cahiram a
-elles em graça; se ao exame dos fundamentos da felicidade publica, sem
-referencia a tempos nem a pessoas, chamam <i>politica</i>, essa temol-a
-feito, e (por mais que lhes pése) havemos de fazel-a sempre, que não
-somos nenhuns Esaús da Liberdade, que vendessemos o nosso morgado, como
-por si dizia outro poeta chamado Lamartine, respondendo a um satyrico
-damnado da sua terra.</p>
-
-<hr class="tb" />
-
-<p>Mas.... para nos não parecermos com aquelle parvo do conto, que
-sabeis, que em logar de adiantar caminho, para chegar á feira a horas
-e negociar, se deteve todo o dia com o carapuço na mão diante de um
-pilriteiro, pedindo á sombra movediça licença para passar, eis aqui já,
-meus futuros Legisladores, um objecto, que assás me parece digno da
-vossa consideração.</p>
-
-<p>A propriedade sobre o terreno, claro está não ser um direito natural;
-mas nem por isso podemos dizer que não seja direito, e muito
-respeitavel. Sem elle não existiria Agricultura. Sem Agricultura, não
-existiria sociedade fixa e civilisada.</p>
-
-<p>Com a sociedade nasceu pois, assim como outros muitos direitos;
-confirmou-se com a posse; identificou-se com as ideias e consciencias,
-como com os interesses, e ficou sendo, por que assim o digamos, um
-direito natural relativo, e secundario. A philosophia, tanto como as
-Leis e a força, o deve proteger.<span class="pagenum" id="Page_121">[Pg 121]</span> Não é quanto a elle que vos lembro
-reformações, mas só quanto ao modo de regular o seu uso.</p>
-
-<hr class="tb" />
-
-<p>Adquiri eu uma terra por qualquer titulo legal; é minha, não ha duvida.
-Posso arrendal-a, posso doal-a, vendel-a, emprestal-a, edificar n’ella,
-cultival-a a meu sabor, etc. É corrente.</p>
-
-<p>¿Mas posso eu por ventura, por ser minha, deixal-a estar improductiva?</p>
-
-<p>O senso commum, quanto a mim, responde instantaneamente que não.</p>
-
-<p>¿E porquê?</p>
-
-<p>Porque haveria n’isso lesão de terceiro, que é a sociedade, para cujo
-beneficio extra-natureza, se não contra a natureza primitiva, se
-instituira e santificára este direito.</p>
-
-<p>O avarento poderá ainda ter as suas preciosidades em inercia, e
-portanto perdidas; porque em realidade o oiro e a prata, posto que
-fecundantes, não são natural e essencialmente productivos. ¡Mas o
-torrão, que Deus fez para nos trazer, nos albergar, e nos alimentar! ¡o
-torrão, que por si reverdece todas as primaveras, que as nuvens e o sol
-andam regando e aquecendo todo o anno! ¡o torrão que é parte do solo
-patrio! ¡o torrão ficar dando ortigas e silvas, por indolencia de um
-homem estupido, quando á roda d’elle muitos braços carecem de trabalho,
-e muitas boccas pedem pão sem o obter!! Eis ahi o que, por mais velha
-que seja a posse, nunca jamais poderá chegar a ser bom direito.</p>
-
-<p><span class="pagenum" id="Page_122">[Pg 122]</span></p>
-
-<p>Folgára de explanar comvosco este ponto, que é tão facil e abundante em
-considerações, quão momentoso para a felicidade commum; mas levar-nos
-hia longe.</p>
-
-<p>Seria pois a Lei, que eu propozesse, substancialmente isto:</p>
-
-<p>—O proprietario que passar um anno sem cultivar algum dos seus
-terrenos, pagará de multa tres vezes o valor do fruto que esse terreno,
-bem tratado, houvera podido produzir.</p>
-
-<p>—O que o deixar dois annos de poisio perdel-o-ha, para ser dividido
-pelos pobresinhos da freguesia, ou do concelho, que não tiverem terra.</p>
-
-<p>Meus amigos, se alguem lá por fora nos impugnar o alvitre, que é bom e
-santo, e que, adoptado, augmentaria de repente o trabalho, a riqueza
-dos particulares, e os recursos nacionaes; se alguem, digo, nol-o vier
-assoviar á porta e injuriar-nos sandiamente, pôl-o-hemos tão claro, que
-até esses o entendam; e ainda o accrescentaremos com algumas indicações
-sobre predios urbanos, que são tambem um dos usos, e podem ser um dos
-abusos, da terra.</p>
-
-<div class="blockquot">
-
-<p>Janeiro de 1849</p>
-</div>
-
-
-<hr class="chap x-ebookmaker-drop" />
-
-<div class="chapter">
-<p><span class="pagenum" id="Page_123">[Pg 123]</span></p>
-
-<h2 class="nobreak" id="VIII">VIII<br /><span class="small">Segundo serão do casal</span></h2>
-</div>
-
-
-<p class="center caption">Fraternisação da cidade e campo</p>
-
-<p class="center caption">SUMMARIO</p>
-<div class="blockquot"> <p>Uma boa Lei sonhada.—Os proprietarios
-ruraes, residentes na Cidade, são obrigados a viver algum tempo nas
-suas fazendas.—Delicias novas que essa obrigação lhes proporciona.—Nos
-campos ha um vislumbre de egualdade.—Bens que a estada dos senhores no
-campo trará por elles aos camponezes, e pelos camponezes a elles.—O
-autor sabe, por experiencia, o como nos campos a Natureza mesma nos
-melhora e suavisa.—Os camponezes são menos ruins e infelizes que
-os cidadãos; e mais felizes e melhores se hão-de tornar, quando
-a Lei passar de sonho a realidade.—Apontam-se alguns dos muitos
-melhoramentos, materiaes.—agricolas, economicos, artisticos, etc., que
-hão-de com o tempo brotar d’esta Lei.<br /> </p> </div>
-
-<p>Sonhei eu, meus bons amigos, que se tinha a Providencia achado n’estes
-nossos tempos em maré de muita poesia: que já existia de veras um
-Parlamento de lavradores, e que as Leis, e com ellas os costumes,
-tinham chegado a final a grande concerto e formosura.</p>
-
-<p>Uma d’estas Leis bemditas vos quero eu contar; porque se algum dia
-(que pode ser) as nossas semeadas Sociedades de Agricultura pegarem,
-e, por diligencias d’ellas, tal<span class="pagenum" id="Page_124">[Pg 124]</span> Parlamento chegar a apparecer,
-lá considerareis, com o vosso vagar, se do sonho se não deveria
-fazer realidade. O que lhe deu péga foi aquella nossa pratica do
-serão ultimo, sobre a obrigação que todo o dono de terra tinha de a
-aproveitar.</p>
-
-<hr class="tb" />
-
-<p>Sonhava eu pois, que todos os proprietarios de bens rusticos, a quem
-não assistia alguma particular rasão muito attendivel para o contrario,
-eram obrigados a morar nos seus campos alguma parte do anno.....</p>
-
-<hr class="tb" />
-
-<p>Reverdecia a primavera, e eil-os lá sahiam das cidades, colmeias
-grandes, onde, entre muitos zumbidos, se fabricam favos de fel. Até
-ás barreiras, ainda iam murmurando contra a salutar violencia, que os
-bania temporariamente.</p>
-
-<p>Logo ali, ao desembocarem das ruas estreitas e sombrias, que nenhuma
-estação altéra, para a amplidão de campos e horizontes, a serenidade do
-ceo azul se lhes começa a filtrar dos olhos para a alma. A madre-silva
-de cima do cômoro lhes dá as suas rescendentes boas-vindas; e para
-o coração se lhes côa parte da bemaventurança que inspira aos seus
-filhinhos libertos o aspecto das papoilas côr de fogo, a rir na verdura
-sem limites; dos rebanhos, que ondeiam branquejando pelas planicies;
-dos moinhos, que bracejam cantando pelos oiteiros. Tudo<span class="pagenum" id="Page_125">[Pg 125]</span> para elles é
-descobrimento e maravilha: os passaros, que altercam graciosos pelos
-ramos; as aguas, que manam, a debuxar os arvoredos toucados de flores
-e sol; os cantares dos rusticos no trabalho; a choupaninha pobrissima,
-mas que tem ainda com que albergar hospedes; as andorinhas, que tambem
-vieram lá de outras terras pendurar-lhe por cima da janella unica, e ao
-abrigo do tecto de palha, o berço dos filhos.</p>
-
-<p>Atravez d’estas scenas, tão antigas e sempre novas, tão sem artificio
-e tão cheias de harmonias, tão casuaes e tão sabiamente variadas e
-contrapostas, toda aquella opulenta familia cidadan vai já invejando
-a boa sorte dos filhos das aldeias, para quem só parece existir a
-Natureza. Ao estrépito da sua carroagem saem ás portas as creanças,
-cuja nudez mostra carnes dignas do cinzel de um Assis Rodrigues, e
-que riem sempre, como os Seraphins do retábulo da freguezia; moças
-esbeltas, a quem o carmim da aurora corou as faces, como pomos, e que
-em seus trajos de lan resplandecem como dahlias soberbas em vazos
-pobres; e bons velhos, que entre tres e quatro gerações de descendentes
-seus ainda os ajudam com o conselho, e o pão que em ocio lhes comem,
-lh’o pagam com as vivazes historias do passado.</p>
-
-<p>A carroagem passa por entre essa multidão, tão afortunada quanto na
-terra se pode ser; passa; mas no seu vôo colheu e deixou sorrisos de
-benevolencia.</p>
-
-<p>Chegada á sua nova residencia a familia cidadan, sente-se mais á larga
-em quartos pequenos, d’onde se descortinam campos e<span class="pagenum" id="Page_126">[Pg 126]</span> montes, do que lá
-nos doirados e espaçosos carceres de seus salões.</p>
-
-<p>Tudo para todos os sentidos lhe é novo: a linguagem chan e respeitosa
-dos visinhos; as horas e qualidade das refeições; as danças e cantares
-do serão; o deitar antes que o sete-estrello vá alto; o erguer muito
-primeiro que o sol, e quando o passarinho vem dizer á vidraça que já
-é dia; o lavar e almoçar na fonte, por baixo da parreira; o sahir
-para toda a parte sem a pesada libré das galas; o descobrir em cada
-passeio um sitio incognito, e menos esperado do que para Colombo o foi
-o Novo Mundo. Não ha pessoa que os não saude pelos seus nomes, que não
-procure algum pretexto para lhes falar, que se não julgasse feliz de os
-poder servir. Os obsequios mais delicados lhes affluem a cada hora ás
-portas, trazidos por mãos, que só os seus callos accusam de grosseiras.
-Na cidade os visinhos não se conhecem, ou são inimigos mutuos; os do
-campo, quaesquer que sejam as differenças de gerarchia e fortuna, são
-irmãos da mesma tribu.</p>
-
-<p>A donzella de vestido branco não teme perder o seu <i>Dom</i> dançando
-no seu jardim ao domingo com a filha do seu honrado hortelão; nem o
-mancebo esbelto, que sabe de cór todas as arias novas, e ambas as
-chronicas de cada <i>prima-donna</i>, se crê deshonrado passando na
-caça o dia com o soldado velho, que ainda voltou das guerras para vir
-morrer na freguezia de seus paes.</p>
-
-<p>Ao luar, nas médas da eira, ¡vel-os como correm folgando, vozeando,
-mergulhando na<span class="pagenum" id="Page_127">[Pg 127]</span> palha, e reapparecendo ao som de palmas, os imberbes
-herdeiros de oito e dez nomes, e os pequeninos, que, sem terem menos
-avós, não receberam mais nomes que os de seus paes!</p>
-
-<p>Se em alguma parte se encontra um vislumbre da egualdade, sonhada pelos
-philosophos para consolar penas, é só nos campos que essa filha de Deus
-se entrevê formosa, travêssa e risonha, como a Galatêa de Virgilio por
-entre os salgueiros.</p>
-
-<p>¡D’esta convivencia, que as semanas e os mezes vão apertando cada vez
-mais, que vantagens não redundam para os moradores do palacio rustico,
-e para os camponezes! Os primeiros esquecem muito passatempo ruinoso,
-que julgam indispensavel; os segundos muita grosseria de trato, em que
-nunca haviam advertido. A casinha terrea ensinou ao solar sobriedade,
-e amor do trabalho; mas d’elle aprendeu o aceio, as commodidades
-faceis, e o gosto. O senhor deixou-se entrar da caridade, presenceando
-as fadigas e miserias dos seus rendeiros; o trabalhador, vendo-o bom,
-cessou de o temer e odiar como o seu genio mau e invisivel. As relações
-e valimentos na côrte attrahiram muitos favores, quando menos alguma
-justiça, ora para a viuva, a quem pretendiam arrancar o filho para
-o Exercito; ora para o lavrador, a quem contratempos desmerecidos
-vedaram pagar ao Fisco. As damas, quando se ausentarem, haverão deixado
-amigas, que repitam o seu nome sem inveja, e os seus louvores com
-desvanecimento; e lá para o inverno, a poisada em que tudo<span class="pagenum" id="Page_128">[Pg 128]</span> falta a
-fóra a esperança, verá muita vez acorrer-lhe lá de longe, do meio da
-Babylonia, a sua providencia: o fatinho conchegado para as creanças, o
-enxoval para a filha casadoira, o tabaco para a caixa vasia do velho, o
-linho para as rocas e o fiado para o tear, e a paga adiantada, para que
-o jantar não sejam suspiros, e a ceia lagrimas.</p>
-
-<p>N’uma palavra: as cidades conhecerão e amarão os campos; e os campos
-perdoarão e abençoarão a opulencia das cidades. Os grandes terão ido lá
-retemperar a saude gastada dos vicios e cuidados, e repoisar a bolsa,
-dos duellos, do jogo, das tirannias da moda, das violencias da vaidade
-e das paixões.</p>
-
-<p>Estas ferias, dadas a tres coisas tão damnosas, como são o gasto do
-corpo, a inanição da alma, e o desbarate da fazenda, pode ser que em
-bastantes dos que as disfrutarem venham a produzir mudanças de vida,
-mui sinceras, mui duradoiras, e sobre modo uteis para a pessoa e para o
-proximo.</p>
-
-<hr class="tb" />
-
-<p>Eu por mim, meus ricos pobres do campo, não duvido, se não que o creio
-com todas as veras d’alma: porque, ¿vedes vós? eu mesmo já tambem
-vivi, e annos, fora e muito longe das cidades, e sei como as estrellas
-conversam comnosco em nos colhendo a sós n’essas vossas solidões.</p>
-
-<p>Sei como deitado a um meio-dia de estio, á sombra de um dos immensos
-guarda-soes verdes abertos por Deus aos passarinhos, aos rebanhos,
-e aos homens, respiramos ares<span class="pagenum" id="Page_129">[Pg 129]</span> bonissimos de saude, de sabedoria e
-benevolencia; folheamos o canhenho do nosso passado, e sorrimos de
-desprezo a tanto lidar por nadas, a tanta figura anan que ali fez papel
-de gigante, e a tantos montes de oiro, que representaram de grãos de
-areia.</p>
-
-<p>¿Tinha-nos irritado a malignidade de um satyrico? Passa-nos por cima da
-cabeça um besoiro negro, e envergonhamo-nos de lhe ter dado attenção.</p>
-
-<p>¿Tinhamo-nos consternado com o mallogro de um empenho? O ciciar da
-seára visinha nos diz: «Tambem aqui, entre as minhas espigas, vão
-algumas negras e vazias; mas nem por isso me chamam pobre.»</p>
-
-<p>¿Tinhamos visto nos homens o egoismo? Estamos sentindo em torno de nós
-a prodigalidade a palpitar, a revolver-se, a rescender, a cantar, por
-toda a superficie da terra.</p>
-
-<p>¿Tinhamos chegado pela tristeza ao scepticismo? Por cima de nós não
-descortinamos senão ceo, e ceos.</p>
-
-<p>Erguendo nos, e afastando-nos d’ali, quando por entre as arvores, além,
-nos chama o fumo da nossa cosinha, saudamos ainda mais cordealmente ao
-visinho ou ao passageiro desconhecido; jantamos com mais apetite; e se
-o mendigo, enviado pela Providencia, vem n’essa hora entoar á porta o
-Padre Nosso, assentamol-o á nossa direita, alegramos a sua velhice com
-o nosso melhor vinho; e, finda a refeição, ambos damos graças ao Pae
-Commum, pela esmola que a um e outro acaba de fazer.</p>
-
-<p>¡Oh que sim! cada folha no campo sabe mais, e aconselha melhor, para
-isto de contentamento<span class="pagenum" id="Page_130">[Pg 130]</span> interior, que todas quantas academias existem de
-Pekim até Lisboa, de Lisboa até aos confins da America.</p>
-
-<hr class="tb" />
-
-<p>—«Mas—perguntar-me-heis vós—sendo assim, ¿por que não somos nós, os
-do campo, inteiramente bons e bemaventurados?»</p>
-
-<p>¡Inteiramente!!.... Não pode ser, que esse <i>inteiramente</i> não cabe
-ao mundo; porém menos desgraçados e menos ruins que nós outros, os da
-cidade, crêde firmemente que o sois.</p>
-
-<p>Padeceis minguas, que o viandante descobre pela vossa janella sem
-vidraças. Sim, mas lá estão muitos palacios, onde, entre arrazes e
-sedas, se curtem amarguras, como entre flores se escondem viboras.
-Ali, sem espectadores, se representam tragedias inauditas. ¡Quantos
-de cima de um cofre de oiro se não levantam pallidos e blasphemando,
-para se irem pendurar n’um laço, algozes de si mesmos! ¡Quantos n’um
-coche envernizado por mão de pintor heraldico, ou montados n’um cavallo
-que lhes custou o preço de duas herdades, não vão lavar com o proprio
-sangue n’um duello a afronta, talvez chimerica, que receberam, ou, para
-tirarem um espinho da honra, carregar-se para toda a vida com o remorso
-de um homicidio!</p>
-
-<p>¿Vedes vós?... E não vedes ainda nada; e nem eu vol-o quero nem devo
-mostrar.</p>
-
-<p>Mas crêde; fiae-vos em mim: Lançadas bem as contas por quem
-experimentou ambos<span class="pagenum" id="Page_131">[Pg 131]</span> os vivêres, os menos maus dos maus, e dos infelizes
-os menos desaventurados, sois vós.</p>
-
-<p>E a mais ireis, quanto mais d’estas verdades vos convencerdes; que já
-lá dizia, ha dois mil annos, outro poeta bem vosso amigo (como todos
-os de veras o são), um poeta que só para vós escreveu uma das mais
-admiraveis obras do mundo:—«¡Oh! ¡ditosos, ditosissimos os lavradores,
-se elles acabassem de entender as suas ditas!....»</p>
-
-<p>Já vêdes, como podeis esmolar virtudes e satisfação aos desconsolados
-das ruas largas e das praças espaçosas.</p>
-
-<p>Só por isto, já valia bem a pena de que o nosso Parlamento de amigos da
-terra promulgasse, muito depressa, a Lei com que eu sonhava, e com que
-ainda sonho.</p>
-
-<hr class="tb" />
-
-<p>......Mas cavae-me bem fundo com o discurso n’esta materia, e vereis¡
-quantos outros bens vos não promette!</p>
-
-<p>A vossa estrada e os vossos caminhos transversaes estão por fazer; o
-vosso rio, a obstruir-se de todo, a comer-vos os campos com areias, e
-as vidas com febres. Na vossa capella assovia o vento e côa a chuva;
-o seu calix é de estanho; o seu Missal rôto; o seu Crucifixo perdeu o
-doirado, e as rosas da corôa da Mãe de Deus, ainda que artificiaes,
-estão murchas como as das suas faces. O vosso cemiterio augmenta o
-horror á morte, pelo desamparo; lá os vossos parentes não teem sombra
-de arvore piedosa,<span class="pagenum" id="Page_132">[Pg 132]</span> onde a saudade sinta delicias em orar; e os cães e
-animaes do monte podem ir pela noite desenterral-os e comel-os.</p>
-
-<p>Não digais nada a ninguem; mas todas essas lastimas, que vós deplorais
-ha tantos annos, hão-de findar, como quer que seja, com a estada dos
-ricos entre vós.</p>
-
-<p>O solo mesmo sente que em vossas casas fallece a prata e o cobre. Ora
-deixae-os residir por ahi alguns mezes, e dir-me-heis, e dir-me-ha
-o mesmo solo, e ainda mais galhardamente que vós, se das cidades
-enriquecidas pela Agricultura não refluiu a final algum oiro para os
-campos.</p>
-
-<p>Os vossos filhinhos carecem de mestres; os da cidade tambem teem
-coração, e tambem teem filhos; vereis como vos brindam com escolas.</p>
-
-<p>Hoje frequentemente vos acontece desejardes n’um repente um bom
-conselho, que só a Sciencia pode dar, já para o vosso trato agrario,
-já para a vossa industria, já para o vosso commercio, já para a vossa
-demanda, ou para o governo da vossa vida. Esses homens da cidade teem
-livros; teem certas tinturas geraes, que dá o trato do mundo; teem
-amigos e conhecidos, a quem podem escrever e consultar. Até o amor
-proprio (quando não fosse já a humanidade) vol-os tornaria serviçaes.</p>
-
-<p>O vosso domingo só escápa do tédio pelo somno, pela conversação
-ociosa, que degenera em maledicencia, ou... pelos praseres grosseiros,
-perigosos e funestos, da taberna. As vossas dansas já a vós proprios
-vos cançam de monótonas, e os vossos cantares<span class="pagenum" id="Page_133">[Pg 133]</span> sem pensamento já faziam
-bocejar aos bisavós.</p>
-
-<p>Deixae estar: aquella gente da cidade vos trará (até por seu
-interesse), e vos ensinará, recreios que vos encantem. Vereis o que
-é um theatro. Amareis e cultivareis a musica. E Deus sabe ¡quantos
-talentos, que por entre vós se perdiam, se não hão-de aproveitar!
-¡quantas divindades não dareis ainda ás adorações da Capital! ¡quantos
-brasões de verdadeiros meritos não grangeará para si o vosso logarejo!</p>
-
-<hr class="tb" />
-
-<p>Pensae n’isto, pensae n’isto, meus amigos; e (rebente de inveja quem
-rebentar, definhe quem quizer, de odio contra a ventura do Povo)
-trabalhae, e orae a Deus, para que venhamos a ter aquellas Côrtes que
-sabeis.</p>
-
-<div class="blockquot">
-
-<p>Fevereiro de 1849.</p>
-</div>
-
-<hr class="chap x-ebookmaker-drop" />
-
-<div class="chapter">
-<p><span class="pagenum" id="Page_135">[Pg 135]</span></p>
-<h2 class="nobreak" id="IX">IX<br /><span class="small">Terceiro serão do casal</span></h2>
-</div>
-
-
-<p class="center caption">Indole campestre da Poesia</p>
-
-<p class="center caption">SUMMARIO</p>
-
-<div class="blockquot">
-
-<p>A Poesia nasceu nos campos, e para elles propendeu sempre.—Quem
-foi Ovidio.—O seu poema dos <i>Fastos</i>.—Duas amostras d’este
-poema.—Festa das sementeiras entre os Romanos.—Festa do deus Término.</p>
-</div>
-
-
-<p>Dizia-vos eu, meus camponezes, que todos os poetas de veras eram vossos
-amigos; não ha nada mais certo.</p>
-
-<p>A Poesia nasceu nos campos, e por muito tempo só conheceu esse viver
-viçoso e perfumado. Veio a fazer-se dama ambiciosa de mais refinadas
-delicias; assentou vivenda nas cidades; fez-se muito sabia, muito
-altiva muito malédica, muito contradictoria; ora devota, ora impia, ora
-frivola, ora profunda; mas lá os seus campos nunca se lhe desluziram da
-lembrança.</p>
-
-<p>Em nenhuma parte a ouvirieis cantar combates, viagens, descobrimentos,
-artes, luxo, amores, ou desejos de melhor vida para alem-mundo, que lhe
-não fugisse um olhar de saudade para o seu paraiso de flores.</p>
-
-<p>A edade de oiro, que é a sua scisma contínua, posta umas vezes no
-passado, outras<span class="pagenum" id="Page_136">[Pg 136]</span> no futuro, a edade de oiro (que Deus sabe se é tão
-fabulosa como cuidam, a não ser em relação ao seu titulo), ¿que era
-ella se não a Arcádia, o viver campestre, manso e regalado?</p>
-
-<p>Livros dos mais antigos do mundo, os de Moisés e os de Homero, uns e
-outros mananciaes de Poesia, não teem pagina, que nos não espelhe uns
-reflexos das bemaventuranças patriarchal e heroica, que são tambem
-Arcadia, com leves modificações.</p>
-
-<p>Passaram os povos antigos, com as suas religiões e usos particulares.
-Nos escritos que de então sobreviveram, ¿que é o que mais nos encanta?
-Não são por certo as descripções dos seus usos exclusivos, ainda que
-para ahi se attrai fortemente a curiosidade; são, sim, os toques
-allusivos ao viver rural, porque emfim, ahi é que é o ponto de contacto
-de todas as edades, e de todas as civilisações. O campo é que é o
-centro de unidade da especie humana.</p>
-
-<hr class="tb" />
-
-<p>Se tivessemos vagar, muito nos haviamos de entreter relendo em commum,
-aqui no vosso casal, alguns dos mais guapos trechos dos poemas de eras
-mui diversas, e paizes mui remotos, por onde acabarieis de conhecer
-quanto o vosso trato namorou sempre aos bons engenhos. Fôra leitura
-para cem annos bem aproveitados.</p>
-
-<p>Falemos de um só autor, mas, que, pela grandeza do seu talento, vale
-centos.</p>
-
-<p>Nasceu este na Italia, em tempo do poderio<span class="pagenum" id="Page_137">[Pg 137]</span> Romano, vai em dezanove
-seculos, e quando o latim era ainda lingua viva e bizarra. Chamava-se
-Publio Ovidio Nasão, e era cavalleiro, ou fidalgo d’aquellas eras.
-Vivia na Côrte, bem relacionado com a principal Nobreza, e mui cabido
-no paço dos Imperadores.</p>
-
-<p>Tinha um engenho prodigioso para a Poesia; cultivou o com os estudos
-da eloquencia, com o trato dos outros poetas contemporaneos, com as
-sciencias, com as viagens á Grecia, que era a França d’aquelles tempos,
-e Athenas a sua París. Compôz uma quantidade de obras, que ainda
-existem quasi todas; a maior parte amorosas e voluptuarias.</p>
-
-<p>As mulheres eram para elle o maior bem do mundo; o segundo, as
-amenidades da Natureza (ninguem dirá que tivesse mau gosto o nosso
-Ovidio).</p>
-
-<p>Este homem, depois de ter gosado quanto era possivel da vida de Roma,
-de repente, e já ao descahir para velho, é desterrado. ¡E que desterro!
-¡De Italia, para a Russia! ¡do seio das delicias, para uma povoação
-barbara, glacial, sempre em contingencias de guerras! Ali se vê,
-longe de sua mulher, de sua filha, de seus amigos, dos campos do seu
-nascimento, das damas, e dos applausos.</p>
-
-<p>A causa do seu desterro é um enigma, que tem desatinado os
-historiadores, e a que ainda ninguem rastreou solução provavel. Coisa
-de amores (ou seus ou alheios) deveu por certo de andar por ahi. O que
-sabemos é que, lá no desterro, lembrando-lhe com muitas saudades tudo
-quanto havia perdido,<span class="pagenum" id="Page_138">[Pg 138]</span> nada lhe doía mais no coração, que o ver-se
-privado do seu quintalinho nos arrabaldes de Roma, onde outr’ora a mão
-que tão gentis coisas escrevia se deliciava, muita vez, em podar e
-enxertar as suas arvores.</p>
-
-<p>—«¡Coitado de mim!—dizia elle—ainda que eu aqui me quizesse metter a
-lavrador, os bois d’esta terra não entendem latim.»</p>
-
-<p>Em tal e tamanho desamparo, que até á morte lhe durou, só as Musas
-o não desampararam. A isso devemos duas deliciosas collecções de
-magoadissimas Cartas em verso, á mulher, aos amigos, a Cesar mesmo,
-sollicitando vir morrer onde nascêra, e metade de um poema intitulado
-<i>Os Fastos</i>.</p>
-
-<hr class="tb" />
-
-<p>Eram os <i>Fastos</i> de Ovidio uma obra em doze Livros, de que só
-ficaram os primeiros seis. Tinham por objecto descrever e explicar
-as principaes festas religiosas pagans de cada um dos doze mezes; a
-origem archeologica de cada uma d’ellas; e a sua coincidencia com as
-revoluções astronomicas.</p>
-
-<p>Eis aqui o como elle prepõe a totalidade do seu plano:</p>
-
-<p class="poetry">
-<span style="margin-left: 1em;"><i>Festas do Lacio anno, origens suas</i></span><br />
-<span style="margin-left: 1em;"><i>quaes astros vão, quaes veem, dirão meus versos.</i></span><br />
-</p>
-
-<p>Esta obra, além de outras suas, traduzi eu; e por signal que offereci
-a traducção a um muito particular amigo d’elle, meu, e vosso, que é o
-Secretario da nossa Sociedade de Agricultura.</p>
-
-<p><span class="pagenum" id="Page_139">[Pg 139]</span></p>
-
-<p>Ha nos <i>Fastos</i> muitas e mui bellas provas do que eu ha pouco vos
-dizia: do amor que o bom do Ovidio tinha á vida campestre.</p>
-
-<p>Amostrar-vos-hei algumas; e vá, por estreia, o final do seu mez de
-Janeiro.</p>
-
-<p>Canta assim:</p>
-
-
-<p class="center">FESTA DAS SEMENTEIRAS</p>
-
-<p class="poetry">
-<span style="margin-left: 1em;">Nos Annaes, onde as festas veem marcadas,</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">festas em vão busquei das sementeiras.</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">Vendo-me a folhear, cuidoso, assiduo,</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">e entendendo-me o empenho,—«Em balde as buscas—rindo</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">a Musa me diz;—«¿festas mudaveis</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">das fixas no registro achar querias?</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">Teem marcada estação, e o dia incerto;</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">celebram-se no praso em que estão prenhes</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">de sementes os chãos. Gosae do ocio</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">á farta manjadoira, ó bois coroados;</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">lá virá logo a activa Primavera,</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">á cerviz repoisada impondo jugo,</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">co’a renascente lida afadigar-vos.</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">No abrigo do casal durma por ora</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">a cançada charrua; a terra fria</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">não deseja, não soffre, o ser rasgada.»</span><br />
-<br />
-<span style="margin-left: 1em;">Agora, que jaz finda a sementeira,</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">lavradores, dae folga ao solo, aos braços;</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">lustrem colonos sua aldeia em festa,</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">dêem a seus fogos a annual fogaça.</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">Tellus e Céres, madres das seáras</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">já com seus mesmos grãos se propiciem,</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">já coa’s entranhas da suina fêmea.</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">D’entre ambas nasce o grão que nos sustenta:</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">Céres nol-o produz; mantem-n-o a Terra.</span><br />
-<br />
-<span style="margin-left: 1em;">Ó consocias em dádiva tão rica,</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">deusas, por quem a rude antiguidade</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">se abrandou, se poliu, deixada a glande</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">por mais nobre manjar, dae aos colonos,</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">em premio a seu trabalho e a seus desvelos,</span><br />
-<span class="pagenum" id="Page_140">[Pg 140]</span><span style="margin-left: 1em;">colheita sem medida, e que os sacie.</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">Dae augmento continuo aos germes tenros,</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">e que a neve á nascença os não destrua.</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">Em quanto disparzirmos as sementes,</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">alimpae-nos o ceo com ventos brandos;</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">mal que enterrada fôr, mandae-lhe as chuvas;</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">e, pois são gloria vossa as pingues messes,</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">que em vagas de oiro, ao longo d’essas veigas,</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">rumorejam fartura, ¡eia, salvae-as</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">do avido bico das aladas hostes!</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">Por ora, que inda a terra o grão recata,</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">vós, formigas poupae-o; usura grande</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">havereis d’elle, se aguardais a aceifa.</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">Livre de tôrpe alforra a messe vingue,</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">e côr de alma saude o Céu lhe influa;</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">que nem definhe pallida, nem perca</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">por excesso de viço e nimia pompa.</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">Joio, á vista nocivo, os chãos não brotem,</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">nem tôrpe aveia as sementeiras mescle.</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">Só se vejam medrar profusamente</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">as cevadas, o trigo, e a rija escándia,</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">a escándia, a fogos dois predestinada.</span><br />
-<br />
-<span style="margin-left: 1em;">Lavradores, por vós taes são meus rogos.</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">Co’os rogos meus os vossos se misturem,</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">por que uma e outra deusa os ratifiquem.</span><br />
-<br />
-<span style="margin-left: 1em;">Ferina longo tempo a humanidade</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">só nutriu bellicosos pensamentos.</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">Mais apreço que a relha a espada tinha,</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">e em foros de nobreza era anteposto</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">o corsel que peleja, ao boi que lavra.</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">Não trabalhava a enxada; ia-se em lanças</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">dos alviões o ferro; o ensinho em elmos.</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">¡Graças, deusas, a vós, a vós, ó Cesares!</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">o Genio marcial agrilhoado</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">já sob os pés de Roma em vão se extorce.</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">O toiro acceite o jugo; o solo, os germes;</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">Céres, filha da paz, co’a paz triumphe.</span><br />
-</p>
-
-<hr class="tb" />
-
-<p>Ouvi-lhe agora a narração da festa, que em seu tempo se fazia no mez de
-Fevereiro,<span class="pagenum" id="Page_141">[Pg 141]</span> em honra do deus Término, ou Têrmo.</p>
-
-<p>Este deus não era mais nem menos que um marco, de pedra ou pau, que
-extremava os predios. Com rasão lhe davam aquelle culto; nada mais
-respeitavel, que a propriedade; nada mais judicioso, que santifical-a.</p>
-
-
-<p class="center">FESTA DO DEUS TÉRMINO</p>
-
-<p class="poetry">
-<span style="margin-left: 1em;">Finda a noite, alvoreça a costumada</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">festa do deus que nos comparte os campos.</span><br />
-<br />
-<span style="margin-left: 1em;">Quer tôsca pedra, ó Término, te embleme,</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">quer tronco informe pela mão de antigos</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">enterrado no chão, sempre és deidade.</span><br />
-<br />
-<span style="margin-left: 1em;">Para ti donos dois, de oppostas partes,</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">c’rôa e c’rôa te cingem; bôlo e bôlo</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">te vem de cá, de lá; como á porfia,</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">ahi se te engenhou ara campestre.</span><br />
-<br />
-<span style="margin-left: 1em;">Lá nos traz a açodada fazendeira</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">no seu testo quebrado as áscuas vivas</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">que apurou do borralho. O bom do velho</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">racha a lenha miuda, ergue-a em pyramide;</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">sua a cravar no chão ramos festivos.</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">Agora em cascas sêccas ceva o fogo,</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">tendo em pé ao seu lado, em quanto assopra,</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">o filhinho abraçado a largo cesto.</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">Tres vezes d’ali tira e lança ao fogo</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">punhados de aurea Céres. Toma os favos,</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">que a filha pequenina lhe apresenta</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">pelo meio cortados. Trazem outros</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">o vinho; tudo aqui se liba ás chammas.</span><br />
-<br />
-<span style="margin-left: 1em;">Alvitrajada a turba espectadora</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">religioso silencio attenta observa.</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">Co’o sangue quente de immolada ovelha</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">¡que ufano purpureja o vulto informe</span><br />
-<span class="pagenum" id="Page_142">[Pg 142]</span><span style="margin-left: 1em;">do commum velador, o honrado Término!</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">e quando, em vez de ovelha, haja leitôa,</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">não temais que se anoje. O brodio é franco</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">aos bons visinhos, corações lavados,</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">que o celebram com fé, que jubilosos</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">vão tecendo um louvor a cada prato.</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">Ouvi, ouvi seu rustico descante;</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">é do deus do festejo o panegyrico:</span><br />
-<br />
-<span style="margin-left: 1em;">¡Salve, ó Término sacro, ó tu, que extremas</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">bairros, cidades, reinos! cada campo</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">fôra sem ti um campo de batalha.</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">Mantens, desambicioso, insubornavel,</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">as herdades em paz das Leis á sombra.</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">Se a terra Thyreátide te houvéra,</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">não ceifaria a morte heroes seiscentos</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">de Argos e Esparta no fatal duello;</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">não se lêra de Othryades o nome</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">n’um vão tropheo de mentirosas armas,</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">que inda á Patria infeliz custou mais sangue.</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">Capitolino Jupiter que diga</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">que invencivel te achou, quando ao fundar-se-lhe</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">a área do templo, ao passo que os mais numes</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">para dar-lhe logar retrocediam,</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">tu só, qual nol-o conta annosa fama,</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">ousaste resistir, ficar, ter parte</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">no templo augusto, e adorações com Jove;</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">e inda lá, por que nada alfim te ensombre,</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">sobre ti ao ceo livre é rôta a abobada.</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">Nume de tão gentil perseverança,</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">em qualquer a leveza achára venia;</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">contradicção em ti suicidio fôra.</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">Mantém pois sempre, ó sacra sentinella,</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">mantém pois sempre, ó Término, teu posto.</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">Despréza os rogos do vizinho avaro;</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">não lhe concedas do terreno um ponto.</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">¡Ceder a humanos quem resiste a Jove?!</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">¿Vem bater-te enxadão, pulsar-te arado?</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">proclama a vozes: «Meus confins são estes;</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">d’além, tu; d’aquem, elle; ambos cohibo,</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">e em cohibir aos dois aos dois protejo.»</span><br />
-<br />
-<span style="margin-left: 1em;">Uma estrada une Roma aos Laurentinos,</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">reino que o Teucro prófugo buscára;</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">lá, dos marcos o sexto em honra tua</span><br />
-<span class="pagenum" id="Page_143">[Pg 143]</span><span style="margin-left: 1em;">vê que lanosa victima se immola.</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">Término, já que acceitas cultos nossos,</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">ampara nos; sustenta o nosso Imperio.</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">De cada povo o espaço é circumscripto;</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">são de Roma os confins confins do globo.</span><br />
-</p>
-
-<hr class="tb" />
-
-<p>¡Quão grande, meus amigos, não era o Povo em que um Poeta podia dizer
-isto, sem medo de que o mundo, nem a posteridade, o desmentisse!</p>
-
-<p>E nós tambem, nós, os Portuguezes, já houve um tempo, em que pouco
-menos fomos.</p>
-
-<p>Ouvi como o nosso Camões o cantava:</p>
-
-<p class="poetry">
-<span style="margin-left: 1em;">Mas em tanto que cegos, e sedentos</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">andais do vosso sangue, ó gente insana,</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">não faltarão christãos atrevimentos</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">n’esta pequena Casa Lusitana.</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">De Africa tem maritimos assentos;</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">é na Asia mais que todas soberana;</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">na quarta parte nova os campos ara,</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">e, se mais mundo houvera, lá chegára.</span><br />
-</p>
-
-<p>¿Hoje...¿ que são aquella Roma, e este Portugal?</p>
-
-<p>Roma pereceu. Portugal, se não agonisa, enferma gravemente.</p>
-
-<p>Mas para Roma não ha já esperança; para nós ha ainda uma ¿Sabeis qual?</p>
-
-<p>Sois vós, vós mesmos, vós unicamente, ó Lavradores.</p>
-
-<div class="blockquot">
-
-<p>Março de 1849.</p>
-</div>
-
-<hr class="chap x-ebookmaker-drop" />
-
-<div class="chapter">
-<p><span class="pagenum" id="Page_145">[Pg 145]</span></p>
-<h2 class="nobreak" id="X">X<br /><span class="small">Quarto serão do casal</span></h2>
-</div>
-
-
-<p class="center caption">Continuação do precedente</p>
-
-<p class="center caption">SUMMARIO</p>
-
-<div class="blockquot">
-
-<p>Mais Ovidio.—Recommenda a Germanico o Livro IV dos Fastos,
-por ser Abril consagrado a Venus, a ascendente da familia
-<i>Julia</i>.—Nobiliario troiano dos Romanos.—Rasão por que no
-calendario de Romulo era Março o primeiro mez, e Abril o segundo.—Uma
-etymologia grega de <i>Abril</i>.—Outra etymologia latina da mesma
-palavra.—Abril pertence de direito a Venus, como principio de toda
-a attracção e reproducção das especies.—Venus tirou os homens do
-estado silvestre, e fez nascer a Poesia, e todas as bellas, e boas
-Artes.—Roma, mais que todos os povos, deve a Venus adorações.—Origem
-de uma festa annual dos Romanos a esta deusa.</p>
-</div>
-
-
-<p>O nosso Ovidio, que já conheceis, é quem ha-de regalar-vos este Serão.</p>
-
-<p>Ides ouvil-o no introito do seu Livro IV dos <i>Fastos</i>, cantar-vos
-as origens d’este mez.</p>
-
-<p>Fala com o Imperador Germanico.</p>
-
-<div class="blockquot">
-
-<p>Abril de 1849.</p>
-</div>
-<div class="blockquot">
-<p><span class="smcap">N. B do editor</span>—Seguia-se na 1ᵃ impressão d’esta obra um largo
-trecho da traducção dos <i>Fastos</i>; mas como esse fragmento pertence
-por sua indole a outro genero de estudos, e entraria aqui descabido até
-certo ponto, entendeu o editor, para não allongar demasiado o volume
-com um accessorio, aliás brilhante, supprimil-o, remettendo o leitor á
-edição especial dos <i>Fastos</i>.</p></div>
-<hr class="chap x-ebookmaker-drop" />
-
-<div class="chapter">
-<p><span class="pagenum" id="Page_147">[Pg 147]</span></p>
-
-<h2 class="nobreak" id="DIGRESSAO">DIGRESSÃO</h2>
-</div>
-<p class="center caption">SOBRE A</p>
-
-<p class="center caption">Sociedade dos Amigos das Lettras e Artes em S. Miguel</p>
-
-<hr class="r5" />
-
-<h3>ADVERTENCIA</h3>
-
-<p>Entre o precedente <i>Serão do Casal</i> e o seguinte, falta o do mez
-de Maio. O autor estava ausente.</p>
-
-<p>A 21 de Fevereiro partira para Lisboa, deixando promptos os d’esse
-mez e dos dois immediatos, esperando regressar a tempo de não haver
-interrupção. Mas os negocios, que tão empenhado o levavam á Côrte, só o
-deixaram tornar a 24 de Maio.</p>
-
-<p>Eram estes negocios a approvação dos Estatutos da Sociedade dos Amigos
-das Lettras e Artes em S. Miguel pelo Governo, e a concessão de um
-pouco de terreno nacional n’esta Ilha, a cerca do extincto convento
-da Conceição, desaproveitada, e as ruinas da contigua egreja de S.
-José, para a Sociedade ali edificar á sua custa uma casa para as
-suas escolas, sessões, exposições, concertos musicos, representações
-scenicas, etc.; tudo objectos de publico e manifesto interesse.</p>
-
-<p>Fez o autor em ambas estas diligencias tudo quanto era humanamente
-possivel; e, apezar da santidade e generosidade de taes requerimentos,
-da optima sombra que de toda a parte os cercou desde a primeira hora,
-das formaes e reiteradas promessas<span class="pagenum" id="Page_148">[Pg 148]</span> dos que mais podiam influir no
-despacho, o que só logrou trazer foram os Estatutos approvados (ainda
-assim com suas restricções desconfiadas, que uma tão desambiciosa
-Sociedade por ventura não merecia), e uma esperança, já então muito
-vaga, de se obter o terreno; o terreno, condição tão substancial para a
-existencia da Sociedade, como a existencia da Sociedade provadamente o
-é para o progresso e lustre das Artes, das Lettras, e da sociabilidade
-n’esta paragem.</p>
-
-<p>N’este livro, repositorio de sãos desejos, propostas e ousadias
-civilisadoras, entendeu-se não seria mal cabida uma singela memoria
-de taes factos, pois quando se lhe pôz por titulo <i>Felicidade
-pela Agricultura</i>, na palavra <i>agricultura</i> se abrangeram
-implicitamente, como até agora se tem visto, e se continuará a ver até
-ao fim, todos os outros verdadeiros interesses inseparaveis d’ella,
-quer os consideremos activa, quer passivamente; e para os quaes,
-Deputados e Ministros amigos da terra não poderiam deixar de olhar com
-amor principalissimo.</p>
-
-<p>A mesma razão, que o autor no Prologo deu, de haver colligido
-n’este volume alguns dos seus artigos impressos no <i>Agricultor
-Michaelense</i>, lhe fez força para aqui lhes intercalar os seguintes,
-que, por andarem dispersos em periodicos, já hoje estavam sendo como se
-não existissem.</p>
-
-<p>O amor-proprio nada fez para o caso. O autor sabe o pouco valor de
-forma litteraria, que ha em tudo isto; mas crê, em sua consciencia,
-que deixa a seus filhos um bom<span class="pagenum" id="Page_149">[Pg 149]</span> exemplo, e a outros cidadãos zelosos
-indicações uteis. Finalmente: pela publicidade, que muitas vezes
-é mãe da opinião, como esta quasi sempre o vem a ser dos factos,
-figurou-se-lhe que poderia, perante o Parlamento e o Throno, dar assim
-um derradeiro impulso á pretensão pendente.</p>
-
-<p><i>¡Di faciant!</i></p>
-
-<p>Não quer o autor perder este lanço de agradecer, perante os
-contemporaneos e vindoiros, ás pessoas que mais sollicitas se teem
-havido em patrocinar o requerimento:</p>
-
-<p>ao sr. D. Pedro da Costa de Sousa de Macedo, então dignissimo
-Governador Civil de Ponta-Delgada;</p>
-
-<p>aos srs. Redactores do <i>Açoriano</i>, e do <i>Correio</i> d’esta
-mesma cidade;</p>
-
-<p>ao da <i>Revista Universal Lisbonense</i>, e aos de outras folhas de
-Portugal, nomeadamente ao do <i>Diario do Governo</i>, o sr. Vilhena
-Barbosa;</p>
-
-<p>ao sr. Mexia, benemerito Secretario da Camara electiva;</p>
-
-<p>aos honrados Membros da Commissão de Fazenda da mesma Camara;</p>
-
-<p>a um grande numero de Senhores Deputados e Dignos Pares;</p>
-
-<p>ao mui distincto Presidente do Tribunal do Thesoiro;</p>
-
-<p>ao sabio ex-Ministro da Fazenda, o sr. Franzini;</p>
-
-<p>ao exemplar de Governadores Civis, o sr. José Silvestre Ribeiro, etc.,
-etc., etc.</p>
-
-<p class="poetry">
-<span style="margin-left: 1em;">......não é premio vil ser conhecido</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">por um pregão do ninho seu paterno.</span><br />
-</p>
-
-<p><span class="pagenum" id="Page_150">[Pg 150]</span></p>
-
-
-<h3>I</h3>
-
-<p class="center caption">Carta ao Redactor da Revista Universal Lisbonense</p>
-
-<p class="p0">
-Ill.ᵐᵒ collega e amicissimo snr. Ribeiro de Sá.
-</p>
-
-<p>Lisboa 6 de Março de 1849.</p>
-
-<p>Se a reconhecida modestia de V. S.ᵃ se oppozesse a que estas poucas
-linhas fossem incluidas na sua <i>Revista</i>, ficaria eu perante o
-Publico insanavelmente condemnado pelo mais vil de todos os ingratos;
-pois desde que V. S. se encarregou de tal redacção, com geral e
-manifesto proveito, até hoje ainda não perdeu a minima occasião de
-provar a sua extremada benevolencia, a sua devoção, o seu (¿ousarei
-dizel-o?) fanatismo de amisade para comigo.</p>
-
-<p>Honrando me, como V. S. o tem feito, V. S. se tem sobretudo
-engrandecido a si mesmo. Exemplos de tão alta generosidade em tempos de
-egoismo tão profundo; linguagem tão do coração, quando a maledicencia
-se tornou moda, e se pavoneia como donaire; fidelidade assim para com
-a amisade velha, em terra onde as novas mesmo são apenas respeitadas;
-pagar todo o pouco louvor que se deve, ajuntando-lhe com alegria o que
-nunca chegará a ser merecido, mas que nem por isso deixará de produzir
-mui fecundos estimulos para o bem; e, para remate de singularidade,
-fazer tudo isto longamente, e com inalteravel constancia, a um homem
-desterrado pela fortuna para além-mar por anno e dia, que vale o mesmo
-que dizer, a um morto e enterrado<span class="pagenum" id="Page_151">[Pg 151]</span> sem cipreste nem epitaphio... eis
-aqui o que a V. S. o torna unico em merito, e unico a mim tambem em
-felicidade.</p>
-
-<p>Forcejemos por nos conservar como Deus nos fez: corações sinceros e
-amantes, almas impermeaveis ás invejosas malevolencias, que tão boas
-coisas estragam por esse mundo.</p>
-
-<p>O systema, que V. S. tem religiosamente seguido na nossa
-<i>Revista</i>, de exforçar e coroar todas as boas vontades, de
-animar e dirigir todos os principiantes, de restaurar brios a todos
-os desanimados, em summa de manter n’essa folha um honrado campo
-de exercicios, de emulações sem odio, e de premio para todos sem
-distincção, é quanto a mim o mais glorioso, o mais patriotico, e o
-mais eminentemente moral, de quantos systemas se podem adoptar em
-jornalismo. Para almas pequenas teria uma inconveniencia, que é a de
-semear ingratidões muito feias e ruins. Mas ¿onde estaria o merecimento
-do bem-fazer, se todos fossem agradecidos?</p>
-
-<p>Como experimentado falo: o melhor travesseiro, onde uma cabeça, que
-já quer ir branquejando, se pode reclinar para bons somnos, melhores
-sonhos, e optimas vigilias, é o bem que se fez sem esperança de
-retribuição, e as amarguras passageiras, que maldosamente nos deram a
-tragar.</p>
-
-<p>Continue pois V. S. no seu apostolado, baptisando, confirmando, e
-convertendo, principalmente a pobre gente moça e inexperiente, para a
-unica verdadeira religião terrestre, a illustração e a moralidade.</p>
-
-<p>O que havia de empregar comigo, já muito conhecedor, e muitissimo
-desencantado,<span class="pagenum" id="Page_152">[Pg 152]</span> das vaidades litterarias, dê o exclusivamente á geração
-nova, que, atravez de tropeços e quedas, vai caminhando para muito
-grandes destinos. Quanto a mim, presente de já pouco futuro, e passado
-que a fortuna desfloriu e quebrou antes do fruto, cá me ficarei sentado
-na pedra immovel do angulo da estrada, seguindo, com os meus votos de
-muito amor, esse bando juvenil que marcha para o futuro, por entre o
-qual vai por ventura mais de um que me ama, e muitissimos a quem eu amo.</p>
-
-<p>Dia virá, em que o actual Redactor da <i>Revista</i>, depois de os
-ter fielmente acompanhado e dirigido, se ha-de tambem, lá a diante,
-assentar como eu hoje, e seguil-os só com as saudades. É para então,
-meu bom amigo, que o esperam as recompensas interiores, as unicas de
-que ninguem nos pode defraudar. Solitario então, como eu hoje, V. S.
-conversará, mão por mão, e horas largas, com a sua consciencia; porque
-emfim, como diz um excellente Poeta, o bem que fazemos perfuma nos a
-alma; sempre d’elle nos lembramos o nosso poucochinho.</p>
-
-<p>Entretanto, meu caro e honestissimo escriptor, nem então deixará o seu
-distincto entendimento de pagar, de algum modo, á Patria e á Humanidade
-o que todos lhes devemos. Do escripto, V. S. passará a obras mais
-positivas: do desejar e do aconselhar, ao emprehender e ao conseguir;
-pois que eu mesmo, sem ter ainda inteiramente despedido a Musa, a quem
-devi a pouca fama que me deram; sem ter renunciado o meu logar no
-banquete commum dos escriptores conterraneos,<span class="pagenum" id="Page_153">[Pg 153]</span> já me acho, de feito, e
-com todas as veras, empenhado n’estas menos brilhantes, mas não menos
-uteis, tarefas do nosso seculo.</p>
-
-<p>Os meus poemas hoje são as escolas, os methodos melhorados de ensino, a
-instrucção e civilisação dos operarios, a esmola da doutrina ás pobres
-almas infantis; porque a doutrina é moeda sem a qual esses pobresinhos
-nunca chegariam, em tempo algum, a poder mercar felicidade para si, nem
-para as suas mulheres, nem para os seus filhos, se Deus lh’os der, nem
-para a sua Patria.</p>
-
-<p>Mas... este campo em que entrava agora é vasto; deixemol-o para outro
-dia. Eu lhe contarei, para os seus leitores e nossos amigos, o que
-n’este sentido já tenho feito com admiravel fortuna; e o mais, e muito
-mais, a que se estendem os nossos projectos, que a Providencia, segundo
-espero, ha-de continuar a favorecer.</p>
-
-<p class="right">De V. S. etc.<br />
-<span class="smcap">A. F. de Castilho</span>
-</p>
-
-<hr class="r5" />
-<h3>II</h3>
-
-<p class="center caption">Segunda carta ao mesmo</p>
-
-<p class="right">Meu estimavel Amigo<br />
-</p>
-
-<p>Lisboa, 8 de Março de 1849</p>
-
-<p>Fiel ao promettido, relatarei summariamente, por não consumir espaço
-largo em tão util folha, o que tenho feito e projectado relativo á
-Instrucção na nossa formosa Ilha de S. Miguel.</p>
-
-<p><span class="pagenum" id="Page_154">[Pg 154]</span></p>
-
-<p>É aquelle, meu bom Amigo, um torrão bemdito quanto a fertilidade
-vegetativa, e não menos pelo que respeita a bons engenhos e mãos
-industriosas; mas de tão ruim estrella, e tão desamparado da ventura,
-que, podendo ter de tudo copiosamente, de quasi tudo carece ainda.</p>
-
-<p>Attribuem muitos este desconcerto ao clima, que dizem entibiar, por
-sua molleza, a energia do querer; outros, ao modo como a propriedade
-lá se acha repartida; outros teem para si que injustiça, desfavor e
-esquecimento da Mãe Patria é que produziram, e teem conservado, aquelle
-atrazo. Eu por mim não rejeito explicação alguma d’estas, e deploro
-que, logo sobre uma das mais ricas joias da Corôa portugueza, assim
-houvessem de cahir, para a marear, tres influxos tão maleficos.</p>
-
-<p>Quanto ao clima, que, por quente e humido, quebranta as vontades, ao
-mesmo passo que pucha e encorpa todo o genero de plantas, é mal que não
-tem remedio.</p>
-
-<p>A divisão da terra, e a organisação da propriedade, não nos pertence a
-nós reformal-as.</p>
-
-<p>Resta o desamparo da pobre enjeitada e desterrada no meio do Oceano. A
-esse respeito ha certamente muito e muitissimo, que se pode, e que por
-mil rasões se deve, fazer.</p>
-
-<p>Quando bem se adverte em que a Ilha de S. Miguel se alistou na
-vanguarda do Exercito libertador, que generosa offereceu haveres e
-sangue pelo Codigo e pela Filha de Dom Pedro, e se vê ao presente quasi
-toda<span class="pagenum" id="Page_155">[Pg 155]</span> (ou toda) opposição, é impossivel desconhecer uma força-maior,
-que operou tal metamorphose; porque estes Insulanos nem são maus, como
-alguns os pintam, nem turbulentos, nem loucos; mas teem, como todos, o
-instincto da vida, e o da justiça.</p>
-
-<p>Defenda-me Deus de fazer ao Throno a injuria de suppôr, quanto mais de
-acreditar, como alguns por lá dizem no accesso da sua melancolia, que,
-de proposito e a acinte, o Governo os tem querido conservar sempre na
-ignorancia e abjecção, pondo-lhes de industria magistrados maléficos ou
-nullos, difficultando-lhes a instrucção, expremendo-os, torcendo-os,
-exhaurindo-os do seu oiro, e não lhes deixando d’elle com que fazerem
-nenhuma das faceis obras publicas de que mais carecem.</p>
-
-<p>A verdade é, todavia, que, por mal informado sobre as necessidades
-d’aquella Provincia longinqua, e por lhe não chegarem cá os seus
-clamores, o Governo (posto que sem imputação) tem commettido, deixado
-subsistir e crescer, o mal, até o ponto de não faltar por lá, mesmo
-no Povo infimo e rudissimo, mesmo na classe mais alta, e nos mais
-distinctos entendimentos, quem sonhe com as perigosas utopias de uma
-independencia.</p>
-
-<p>Não digo bem; houve essas utopias; hoje um Governador Civil ás
-direitas, como sempre lá e por toda a parte os devêra ter havido,
-fez ver áquelle bom Povo que a Soberana, por quem se votou, não é
-ingrata; elle lhe promove, até onde pode, as commodidades; lança-lhes
-balsamo nas feridas, que<span class="pagenum" id="Page_156">[Pg 156]</span> flagellos continuos lhes abriram; administra
-justiça prompta e inteira; concilia os despeitados; acompanha-os e
-precede-os pelo caminho franco do progresso illustrado; é o medico de
-todas as dôres, o procurador de todas as minguas para que não basta a
-sua autoridade. Graças aos seus exforços, todas as parcialidades vão
-a convergir para o grande centro; todas as forças conspiram já para a
-luz, para o trabalho, e para a civilisação.</p>
-
-<p>A <i>Revista</i> é extranha á Politica; tambem eu o sou; mas isto
-não é Politica; pelo menos não o é do genero, especie, e variedade,
-d’aquellas com que nada queremos; é um paragrapho singelo de Historia,
-util por mais de uma via, e que em resultados praticos pode ser
-fecundo. Julguei dever aproveitar-me da occasião de confial-o a um
-papel sincero e acreditado, não só para exemplo e incentivo, mas tambem
-para galardão e desafronta, pois me consta que já linguas mexeriqueiras
-andam por ahi no seu costumado officio de desacreditar e empecer ao que
-não podem imitar.</p>
-
-<p>O que nenhuma voz se atreveria a proferir hoje em S. Miguel contra o
-chefe administrativo, pois em logar de eccos só provocaria indignação
-ou risadas, vem, cobarde e maldosamente, espalhal o aqui, por saberem
-que entre as suas calumnias e a verdade está um fosso de 212 leguas de
-Oceano. Ora, como os córos de milhares de bençãos, de tão longe, devem
-aqui soar menos que as invejinhas presentes, que por todas as abertas
-se insinuam, e quanto mais<span class="pagenum" id="Page_157">[Pg 157]</span> despreziveis mais vão zumbindo, julguei
-dever de consciencia levantar por cima d’esse sussurro, pequeno,
-anonymo, e ingratissimo, um brado forte e independente. Quem affirma
-e sustentará que San Miguel não teve ainda cabeça administrativa mais
-zelosa, mais energica, mais intelligente, nem mais bemquista, nem mais
-promettedora em tudo e por tudo de uma era nova, que o sr. D. Pedro da
-Costa de Sousa de Macedo, quem o affirma e sustentará, é quem assigna,
-com todas as lettras de seu proprio nome, esta carta.</p>
-
-<p>Qualquer dos invejosos ou inimigos d’aquella Ilha, que houver dito o
-contrario, que levante a luva e descubra o rosto. Com esta condição,
-achar-me-ha na estacada prompto a dar-lhe razão do dito.</p>
-
-<p>Nem um, meu Amigo, nem um ha-de apparecer; afianço-lh’o eu; e se
-apparecer, tanto melhor; justiça e verdade não se acrisolam senão ao
-fogo<a id="FNanchor_7" href="#Footnote_7" class="fnanchor">[7]</a>.</p>
-
-<p>A alguem parecerá que, para ser em materia incontroversa, e alheia, já
-tenho deixado correr o preambulo por fóra das medidas; mas não é assim,
-pois, por uma parte, a zizania que ás mãos cheias se espalha, e se rega
-convenientemente, ainda que de certo não será com chuvas de Danae,
-sempre a final damna o bom grão; e quanto a serem-me extranhos estes
-interesses, tambem<span class="pagenum" id="Page_158">[Pg 158]</span> o não são, porque defendendo o sr. Sousa de Macedo,
-não advogo simplesmente o interesse publico, não me limito em servir ao
-amigo como amigo, e, como escriptor, a um excellente engenho portuguez,
-se não que arrazôo pelo meu proprio credito. Sim, os nossos inimigos
-são communs; communs as accusações que nos fazem.</p>
-
-<p>Segundo elles, quando escrevem e imprimem, ambos somos miguelistas;
-segundo elles, quando falam, ambos somos republicanos, communistas,
-sansimonistas, fourieristas, e não sei que mais. Segundo elles, por
-fora, ambos somos flagellos da Cólera Divina. ¿E porquê? porque, lá por
-dentro, bem sabem elles tão bem como nós mesmos, tão bem como toda a
-Ilha de S. Miguel, que, se temos ambição, é só de contribuirmos cada um
-com todos os seus meios, e com os que o outro lhe possa proporcionar,
-para a maior felicidade moral e physica do maior numero; para a
-educação e instrucção do Povo; para a prosperidade e esplendor da
-terra; para o restabelecimento da harmonia entre os visinhos, e entre
-os mais apartados dominios do mesmo Reino.</p>
-
-<p>Os actos magnificos da sua, apenas encetada, carreira publica, o
-jornal verdadeiramente cartista de S. Miguel, <i>A Verdade</i>, os
-tem enthesoirado; o jornal mesmo da opposição n’aquella ilha os
-tem recebido com louvor; o Povo, com agradecimento; o Throno, com
-satisfação. Quanto a mim, homem obscuro, e quasi sem forças proprias
-além da boa-vontade, relevar-se-me-ha que<span class="pagenum" id="Page_159">[Pg 159]</span> n’um jornal, destinado a
-viver como livro, lance como um protesto contra calumniadores, a menção
-do pouco bem que desejei, e talvez consegui, fazer em terra portugueza.
-Não é por vangloria que me faço Homero da minha Iliada; é porque o
-curar do bom-nome é um dever religioso; e apresentar estimulos para que
-outros façam mais e melhor, um dever social; e o deixar exemplos de
-Patriotismo a filhos, um dever natural, o mais suave e o mais santo de
-todos os deveres.</p>
-
-<p>Entre as lastimas, que em S. Miguel fui descobrir (bem contra o
-que de tal Ilha me haviam pintado), as que mais me doeram foram: a
-grande mingua de instrucção para o Povo, aliás aptissimo para toda a
-especie de boa doutrina; a carencia de estimulos, que de alguma sorte
-neutralisassem a perguiça natural; e a pouquissima, e quasi nenhuma,
-convivencia dos moradores.</p>
-
-<p>A todos estes males me pareceu que poderia acudir uma Sociedade, se
-jámais se chegasse a organisar, que sinceramente posesse peito a crear
-escolas com bons methodos; a accender emulações entre artistas e
-artifices; e a pôr no possivel contacto as differentes classes.</p>
-
-<p>Uma Sociedade de Agricultura, que já ali existia, prestantissima para
-o seu grande fim, era comtudo extranha a todos estes, que a mim se me
-representavam como de primeira necessidade e urgencia. Coadjuvando pois
-os empenhos d’essa Sociedade exemplar, como redactor que tive a honra
-de ser, do seu periodico, e com algumas propostas,<span class="pagenum" id="Page_160">[Pg 160]</span> que ella se dignou
-de me acolher benevola<a id="FNanchor_8" href="#Footnote_8" class="fnanchor">[8]</a>, comecei a tratar, ao mesmo tempo, com alguns
-poucos amigos, de instituir outra, e mais ampla, Sociedade de Lettras e
-Artes.</p>
-
-<p>Nunca jamais a fortuna sorrira tão benigna a projectos meus. Crescemos
-de semana para semana, até ao ponto de em minha casa não cabermos,
-ser-nos forçoso irmos celebrar no theatro as nossas sessões, e
-passarmos hoje de quatro centos, incluindo-se n’esta conta o Prelado,
-o Vigario geral, o Governador Civil, o Militar, o commandante da força
-armada, o Administrador do Concelho, o Presidente da Camara Municipal,
-o Presidente e outros Juizes da Relação, o Juiz de Direito, o Delegado
-do Procurador Regio, em summa, tudo que a cidade de Ponta-Delgada
-possue de mais alto, de mais illustre, de mais instruido, e de mais
-patriotico, sem falar em muitas senhoras respeitabilissimas, que
-promptamente se fizeram inscrever para esta cruzada de civilisação.</p>
-
-<p>A Sociedade acha-se pois por sua parte constituida, e os seus estatutos
-já subiram á Real Presença para obterem approvação. Os beneficios
-que ella tem produzido, sendo apenas recem-nascida, se não egualam,
-nem ás publicas necessidades, nem aos nossos desejos, são já todavia
-attendiveis, e promettedores de muito maiores.</p>
-
-<p>A Exposição da Industria Michaelense, desde o dia de Natal do anno
-proximo passado<span class="pagenum" id="Page_161">[Pg 161]</span> até muito depois dos Reis, foi mais que um espectaculo
-imprevisto e maravilhoso: foi um fomento efficacissimo ao trabalho
-e natural habilidade dos habitantes. Quatro grandes salas continham
-apenas os productos, que ahi se apinharam, offerecidos á admiração de
-cerca de vinte mil visitadores, incluindo n’esse numero os repetentes.
-Em todos os generos appareceram primores, e muitos em desenho e
-pintura, em gravura, em escultura, em flores artificiaes, de seda, de
-lan, de cabello, de pennas, de cera, de conchas; bordados, obras de
-ourives, de galvanisador, de doirador, de ferreiro, de serralheiro, de
-cuteleiro, de carpinteiro, de marceneiro, entalhador e torneiro, de
-machinismo, de tecelagem, de fiação de linho, de algodão, e de seda; de
-encadernação, etc., etc., etc.</p>
-
-<p>A Ilha mesma ficou admirada das riquezas industriaes, que possuia sem
-o saber. Accenderam-se-lhe novos brios com este documento irrefragavel
-de suas forças; e tudo nos faz esperar, que a seguinte exposição não
-cederá a esta em esplendor. O que n’este momento as Ilhas Canarias
-estão forcejando por conseguir, já existe pois nas dos Açores, graças
-ao poder da associação.</p>
-
-<p>As escolas são outro bem, menos brilhante sim, porém ainda mais sólido
-que o precedente.</p>
-
-<p>As que no gremio da Sociedade se acham já trabalhando, são:</p>
-
-<p class="poetry">
-<span style="margin-left: 1em;">tres de Leitura;</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">uma de Doutrina christan;</span><br />
-<span class="pagenum" id="Page_162">[Pg 162]</span><span style="margin-left: 1em;">uma de Arithmetica;</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">uma de Geometria applicada ás Artes;</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">uma de Desenho de figura e paizagem;</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">uma de Poetica e Declamação;</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">uma de Hygiene;</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">uma de Francez, para senhoras;</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">uma de Inglez, para homens;</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">uma de Geographia;</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">uma de Encadernação.</span><br />
-</p>
-
-
-<p class="center">AULAS ABERTAS, MAS AINDA Á ESPERA DE DISCIPULOS</p>
-
-<p class="poetry">
-<span style="margin-left: 1em;">uma de Agrimensura;</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">uma de Desenho topographico;</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">uma de Dança;</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">uma de Torno;</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">uma de Pyrotechnia.</span><br />
-</p>
-
-
-<p class="center">AULAS EM PROJECTO</p>
-
-<p class="poetry">
-<span style="margin-left: 1em;">uma de Economia politica;</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">uma de Historia;</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">uma de Gymnastica;</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">uma de Natação;</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">uma de Calligraphia;</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">uma de Musica.</span><br />
-</p>
-
-<p>Das aulas em actividade, as que teem dado mais satisfatorios resultados
-são: as de Leitura, a de Arithmetica, a de Geometria, e a de Desenho
-de figura e paizagem, que, por ter sido de todas a primeira fundada, e
-a que abriu tão nobre exemplo, merece especial menção. É regida pelo
-Director do <i>Lyceu Açoriano</i>, o snr. Pedro de Alcantara Leite.</p>
-
-<p><span class="pagenum" id="Page_163">[Pg 163]</span></p>
-
-<p>Em realidade, meu bom Amigo, ha já, n’aquelle nascente complexo de
-estudos uteis, alguma coisa que para o nosso mesmo Portugal poderia
-servir de exemplo. A ordem e a boa policia das classes; o canto
-religioso, com que os alumnos se preparam para o trabalho, invocando
-a Graça Divina<a id="FNanchor_9" href="#Footnote_9" class="fnanchor">[9]</a>; o amor que manifestam aos seus generosos mestres,
-sem prejuiso do respeito e da attenção; o contentamento com que ás
-lições assistem; o fruto que tiram dos methodos simplices, racionaes, e
-aprasiveis, que ahi se empregam; tudo isto é já muito, e não é senão um
-começo; pois somos de hontem, se pode dizer.</p>
-
-<p>O que os <i>Amigos das Lettras e Artes</i>, que já por ahi algum
-velhaco semsabor, por ter talvez ouvido falar de phalansterios, acoimou
-de <i>phalansterianos</i>, o que os <i>Amigos das Lettras e Artes</i>,
-digo, teem já concorrido para desenvolver o espirito de sociabilidade,
-nem os mais pirronicos o poderiam negar.</p>
-
-<p>O oitavario de Santa Cecilia<a id="FNanchor_10" href="#Footnote_10" class="fnanchor">[10]</a>, por elles celebrado, com poesia
-e musica, no theatro de S. Sebastião; as tres noites de saráu
-artistico, no decurso da Exposição; as proprias sessões ordinarias;
-são documentos incontroversos d’esta verdade. Ahi se teem<span class="pagenum" id="Page_164">[Pg 164]</span> visto, e
-se vêem, reunidos, misturados, com a mais irreprehensivel decencia,
-com perfeita satisfação mutua, os artifices, os artistas, os nobres, e
-os litteratos; o morgado, e o operario que sua e véla para sustentar
-os filhos; os magistrados mais consideraveis, as damas das melhores
-familias, e o mechanico sem nome, mas não sem virtudes. ¡Feliz
-commercio, em que todos lucram! os pequenos, aprendendo, no trato das
-pessoas educadas, as maneiras faceis, elegantes, decentes, que lhes
-faltavam; os grandes, educando assim indirectamente o povo, com quem
-é forçoso viverem, e forrando-se por consequencia, para o futuro, o
-dissabor de muita grossaria.</p>
-
-<p>Se d’estes <i>phanlasterios</i> se pode alguem queixar, não serão senão
-os apologistas da taberna, e certas outras casas não menos moraes e
-honestas.</p>
-
-<p>O amor do trabalho tem recebido notavel impulso do complexo de tudo
-isto, e de outra causa ainda, que fará rir os nescios, mas que nenhum
-espirito dotado de philosophia deixará de entender: falo do <i>Hymno do
-trabalho</i><a id="FNanchor_11" href="#Footnote_11" class="fnanchor">[11]</a>, brilhante composição musica de um dos Socios, o snr.
-Moraes Pereira.</p>
-
-<p>Este Hymno tornou se de repente o mais popular dos cantos em toda a
-superficie da Ilha; as vozes, os instrumentos, o assobio, o repetem
-de continuo pelas ruas, pelas salas, pelas officinas, na lavoira, no
-theatro, nas<span class="pagenum" id="Page_165">[Pg 165]</span> escolas, em toda a parte. Áquella constante exhortação</p>
-
-<p class="poetry">
-<span style="margin-left: 1em;">Trabalhar, meus irmãos, que o trabalho</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">é riqueza, é virtude, é vigor.</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">D’entre a orchestra da serra e do malho</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">brotam vida, cidades, amor.</span><br />
-</p>
-
-<p>tem-se visto muito braço, que desfallecia com a perguiça, reforçar-se
-para a tarefa. O malho e a serra mesmos, como que se magnetisam. Se
-eu tivesse uma officina de qualquer industria, quereria que os meus
-obreiros cantassem, em côro e a miudo, aquelle Hymno. Se a grave
-Allemanha me ouvisse isto, não me negaria a rasão.</p>
-
-<p>Aqui tem, meu bom Amigo, o que é já hoje a incalumniavel <i>Sociedade
-dos Amigos das Lettras e Artes em S. Miguel</i>. ¿Os seus destinos
-ulteriores, quem os calculará? Avivente-a Deus, que teem de ser
-immensos; ¡tantos, tamanhos, e tão esperançosos são os bons engenhos,
-habilidades, e desejos d’aquelles nossos optimos irmãos insulanos!</p>
-
-<p>Para assegurar, do possivel modo, força e estabilidade a tal instituto,
-em terra tão necessitada, e tão propria d’elle, pareceu-me que devia
-a Sociedade radicar-se, e tornar-se independente de inconstancias e
-entibiamentos de vontades. Para isto, duas coisas eram, a meu ver,
-necessarias: grangear-lhe casa, e dote.</p>
-
-<p>De um e outro alvitre me riram a principio, como de utopia rematada.
-Nem por isso descoroçoei. Puz-me á capa aguardando monção, e não tardou.</p>
-
-<p>Hoje, nem na Sociedade nem fóra d’ella<span class="pagenum" id="Page_166">[Pg 166]</span> ha já quem não acredite
-firmemente em que de donativos e esmolas, esmolas em dinheiro, em
-generos, e em trabalho, havemos de levantar um dote e uma casa á
-Sociedade, assim como os Frades erigiram conventos, e para os conventos
-grangearam rendas. Os Frades pediam em nome do Ceo, eram acreditados,
-obtinham; nós havemos de pedir em nome da humanidade, e do Ceo tambem,
-e havemos de obter egualmente, porque o nosso pequeno passado é já, aos
-olhos de toda a gente, o fiador do nosso prestimo.</p>
-
-<p>A casa que meditamos, e que eu já d’aqui antevejo feita em menos de um
-anno, é para as nossas escolas, para o nosso theatro de declamação,
-para as nossas sessões, para a nossa bibliotheca, para o nosso museu,
-para as nossas exposições, para os nossos concertos musicos, para o
-nosso basar de productos industriaes, em summa: para toda a especie de
-bons serviços publicos. ¿Como poderia o Publico deixar de nos favorecer
-na edificação, até lhe pôrmos a ultima telha, o ultimo prego, e o
-ultimo vidro? Elle e nós havemos de acarretar, todos, pessoalmente,
-a pedra a areia se fôr preciso. Nós por entre elle havemos de ir de
-povoação em povoação, de casal em casal, sem vergonha e com alegria, a
-pé e de sacco ás costas, mendigando para a obra santa.</p>
-
-<p>Quando nós e o povo assim estamos determinados a cumprir o nosso dever
-¿poderiam o Governo e o Parlamento, que são a providencia grande do
-Reino, deixar de nos coadjuvar? Não podiam nem podem.</p>
-
-<p><span class="pagenum" id="Page_167">[Pg 167]</span></p>
-
-<p>É por isso que, a par dos Estatutos para a Real approvação, eu já
-fiz subir ao Throno a petição com que, em nome e como presidente da
-Sociedade, supplico se nos conceda um pequeno terreno nacional, ha já
-annos devoluto, sobre que edifiquemos. Grande, pingue, rendosissimo que
-elle fosse, nol-o deveriam outorgar, pois nenhum uso se poderia jámais
-d’elle fazer mais proveitoso e abençoavel do que este.<a id="FNanchor_12" href="#Footnote_12" class="fnanchor">[12]</a></p>
-
-<p>¡Oxalá que em muitas partes do Reino se levantassem institutos eguaes,
-sollicitando e obtendo eguaes ou ainda maiores concessões!</p>
-
-<p>Para mais facilitar a graça que sollicitamos, e ao mesmo tempo para nos
-adstringir mais á observancia dos nossos deveres, eis aqui uma clausula
-do requerimento, consignada não menos nos Estatutos:</p>
-
-<p>Se em algum tempo (o que Deus não permitta) a Sociedade dos Amigos
-das Lettras e Artes deixar de existir, isto é, se algum dia deixarem
-de apparecer as suas obras beneficas, a sua casa e bens passarão para
-o usufruto do Hospital do Districto, e lá ficarão até que, ou com os
-mesmos individuos ou com outros, mas com os mesmos estatutos, e para os
-mesmos fins, a Sociedade reappareça.</p>
-
-<p>Meu caro e incançavel obreiro de civilisação,<span class="pagenum" id="Page_168">[Pg 168]</span> apadrinhe com a grande
-autoridade da sua philosophica e eloquente folha, esta petição, a mais
-justa, a mais desinteressada, a mais nobre, que em nenhum tempo se fez;
-não para que a despachem, que para ahi não cabem duvidas, mas para a
-maior brevidade do despacho.</p>
-
-<p>Cada dia que se perde para as obras de instrucção e moralisação é um
-mal, e são males infinitos que se não ressarcem.</p>
-
-<p class="right">De V. S. etc.
-<br /><span class="smcap">Antonio Feliciano de Castilho.</span><br />
-</p>
-
-
-
-<div class="footnotes"><h3>NOTAS DE RODAPÉ:</h3>
-
-<div class="footnote">
-
-<p><a id="Footnote_7" href="#FNanchor_7" class="label">[7]</a> De feito, nem um appareceu; mas os mexericos sollapados
-progrediram, e por derradeiro triumpharam.</p>
-
-<p>
-<span style="margin-left: 1em;">Castilho.</span><br />
-</p>
-
-
-</div>
-
-<div class="footnote">
-
-<p><a id="Footnote_8" href="#FNanchor_8" class="label">[8]</a> Acham-se impressas no 2.ᵒ tomo do <i>Agricultor
-Michaelense</i>.</p>
-
-<p class="right"><span class="smcap">Castilho</span><br />
-</p>
-
-
-</div>
-
-<div class="footnote">
-
-<p><a id="Footnote_9" href="#FNanchor_9" class="label">[9]</a> Este canto no fim da presente carta se pode ver.</p>
-
-</div>
-
-<div class="footnote">
-
-<p><a id="Footnote_10" href="#FNanchor_10" class="label">[10]</a> Foi uma esplendida festa. A 2.ᵃ das tres peças de poesia
-que se acham depois d’esta carta é o Hymno de Santa Cecilia, que o
-autor para esse fim compoz.</p>
-
-</div>
-
-<div class="footnote">
-
-<p><a id="Footnote_11" href="#FNanchor_11" class="label">[11]</a> No fim d’esta carta se publica apoz o <i>Hymno de Santa
-Cecilia</i>.</p>
-
-<p class="right"><span class="smcap">Castilho.</span><br />
-</p>
-
-
-</div>
-
-<div class="footnote">
-
-<p><a id="Footnote_12" href="#FNanchor_12" class="label">[12]</a> Pelo Ministerio do Reino nada foi possivel conseguir-se;
-rasão por que, perdidas d’aquella parte as esperanças, se recorreu ao
-Parlamento, com a petição que ao diante se lerá.</p>
-
-<p class="right"><span class="smcap">Castilho.</span><br />
-</p>
-
-
-</div>
-
-</div>
-<hr class="chap x-ebookmaker-drop" />
-
-<div class="chapter">
-<p><span class="pagenum" id="Page_169">[Pg 169]</span></p>
-
-<h2 class="nobreak" id="II2">II<br /><span class="small">INVOCAÇÃO A DEUS ANTES DE COMEÇAR O ESTUDO</span></h2>
-</div>
-
-<p class="center">Posta em musica, para uso das escolas dos Amigos das Lettras e Artes em S. Miguel pelo Snr. Dr. João José da Silva Loureiro e 2.ᵃ vez em Lisboa pela Snr.ᵃ D. Carolina Smith Rosier
-</p>
-<hr class="r5" />
-<p class="poetry">
-<span style="margin-left: 1em;">Tu cujo amor em canticos</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">celebram sem cessar</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">o mundo dos espiritos,</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">o Ceo, a terra, o mar,</span><br />
-<br />
-<span style="margin-left: 1em;">¡Senhor, acolhe as supplicas</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">de pobres filhos teus!</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">¡Illustra-nos! ¡melhora-nos!</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">¡ampara-nos, ó Deus!</span><br />
-<br />
-<span style="margin-left: 1em;">«A luz—disseste—faça-se.»</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">E a noite em luz se fez.</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">Dissipe egual prodigio</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">a sombra em que nos vês.</span><br />
-<br />
-<span style="margin-left: 1em;">Nas trevas da ignorancia</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">não medra o santo amor.</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">¡Illustra-nos! ¡amemo-nos!</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">¡Senhor! ¡Senhor! ¡Senhor!</span><br />
-</p>
-<hr class="chap x-ebookmaker-drop" />
-
-<div class="chapter">
-<p><span class="pagenum" id="Page_170">[Pg 170]</span></p>
-
-<h2 class="nobreak" id="III2">III<br /><span class="small">HYMNO DE SANTA CECILIA</span></h2>
-</div>
-
-<p class="center">NA FESTA DA SOCIEDADE DOS AMIGOS DAS LETTRAS E ARTES EM S. MIGUEL POSTO EM MUSICA PELA SNR.ᵃ D. LEONOR VIDAL DALHUNTY
-</p>
-<hr class="r5" />
-<p class="poetry">
-<span style="margin-left: 1em;">Musa das castas citharas</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">de ethérea melodia,</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">Anjo, Mulher, Cecilia,</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">¡salve em teu festo dia!</span><br />
-<br />
-<span style="margin-left: 1em;">¡Da terra aos Ceos elevem-se</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">nas azas das canções</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">a ti nossos espiritos</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">e nossos corações!</span><br />
-<br />
-<span style="margin-left: 1em;">Melhor que o incenso, a musica,</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">do ideal linguagem bella,</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">os ineffaveis jubilos</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">á mente nos revela.</span><br />
-<br />
-<span style="margin-left: 1em;">Dos sentimentos plácidos,</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">do amor, da paz, do bem,</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">ella, invisivel mágica,</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">ella o segredo tem.</span><br />
-<br />
-<span style="margin-left: 1em;">Musa christan, confirma-nos</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">o ardor que ao bem nos guia.</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">Auspicioso aos miseros</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">finde o teu festo dia.</span><br />
-</p>
-<hr class="chap x-ebookmaker-drop" />
-
-<div class="chapter">
-<p><span class="pagenum" id="Page_171">[Pg 171]</span></p>
-
-<h2 class="nobreak" id="IV2">IV<br /><span class="small">HYMNO</span></h2>
-</div>
-
-<p class="center">DA SOCIEDADE DOS AMIGOS DAS LETTRAS E ARTES. EXHORTAÇÃO AO TRABALHO COM MUSICA DO SNR. JOÃO LUIZ DE MORAES PEREIRA
-</p>
-
-<hr class="r5" />
-<p class="center"><span class="smcap">Voz</span></p>
-<p class="poetry">
-<span style="margin-left: 1em;">No regaço do luxo a opulencia</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">os cançassos do ocio maldiz.</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">Entre as lidas sorri a indigencia;</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">co’o pão negro se julga feliz.</span><br />
-</p><p class="center"><span class="smcap">Côro</span></p>
-<p class="poetry">
-<span style="margin-left: 1em;">Trabalhar, meus irmãos, que o trabalho</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">é riqueza, é virtude, é vigor.</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">D’entre a orchestra da serra e do malho</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">brotam vida, cidades, amor.</span><br />
-</p><p class="center"><span class="smcap">Voz</span></p>
-<p class="poetry">
-<span style="margin-left: 1em;">Deus, impondo ao peccado a fadiga,</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">té na pena sorriu paternal:</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">só quem vence a perguiça inimiga</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">reconquista o edén terreal</span><br />
-</p><p class="center"><span class="smcap">Côro</span></p>
-<p class="poetry">
-<span style="margin-left: 1em;">Trabalhar, meus irmãos, etc.</span><br />
-</p><p class="center"><span class="smcap">Voz</span></p>
-<p class="poetry">
-<span style="margin-left: 1em;">¿Quem dá graças aos Ceos ao sol posto?</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">¿Quem lh’as dá vendo a aurora raiar?</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">É o obreiro; o suor lhe enche o rosto,</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">mas seus dias não turva o pesar.</span><br />
-</p><p class="center"><span class="smcap">Côro</span></p>
-<p class="poetry">
-<span class="pagenum" id="Page_172">[Pg 172]</span><span style="margin-left: 1em;">Trabalhar, meus irmãos, etc.</span><br />
-</p><p class="center"><span class="smcap">Voz</span></p>
-<p class="poetry">
-<span style="margin-left: 1em;">O que vive na inercia aborrida</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">não somente é de irmãos roubador;</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">é suicida, e mais vil que o suicida;</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">é suicida, a quem falta o valor.</span><br />
-
-</p><p class="center"><span class="smcap">Côro</span></p>
-<p class="poetry">
-<span style="margin-left: 1em;">Trabalhar, meus irmãos; etc.</span><br />
-
-</p><p class="center"><span class="smcap">Voz</span></p>
-<p class="poetry">
-<span style="margin-left: 1em;">Caia opprobrio no vil ocioso,</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">que desherda o presente e o porvir.</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">Só á noite compete o repouso;</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">só aos mortos o eterno dormir.</span><br />
-
-</p><p class="center"><span class="smcap">Côro</span></p>
-<p class="poetry">
-<span style="margin-left: 1em;">Trabalhar, meus irmãos, etc.</span><br />
-
-</p><p class="center"><span class="smcap">Voz</span></p>
-<p class="poetry">
-<span style="margin-left: 1em;">Mar e terra, ar e ceo, tudo lida.</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">Deus a todos poz luz e deu mãos.</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">Lei suprema o trabalho é na vida.</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">¡Trabalhar, trabalhar, meus irmãos!</span><br />
-
-</p><p class="center"><span class="smcap">Côro.</span></p>
-<p class="poetry">
-<span style="margin-left: 1em;">Trabalhar, meus irmãos, que o trabalho</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">é riqueza, é virtude, é vigor.</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">D’entre a orchestra da serra e do malho</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">brotam vida, cidades, amor.</span><br />
-</p>
-<hr class="chap x-ebookmaker-drop" />
-
-<div class="chapter">
-<p><span class="pagenum" id="Page_173">[Pg 173]</span></p>
-
-<h2 class="nobreak" id="V2">V<br /><span class="small">Extracto da «Revista Universal Lisbonense» de 26 de Abril de 1849</span></h2>
-</div>
-
-
-<p>«A hora muito adiantada tivemos noticia do Requerimento, que ao diante
-publicamos, dirigido á Camara dos Senhores Deputados pelo Snr. A. F. de
-Castilho, como Presidente da Associação dos Amigos das Letras e Artes
-estabelecida em S. Miguel. Sobre a importancia e grande urgencia do
-assumpto diz o Requerimento quanto basta para que a Camara não demore
-uma decisão, que será para ella um padrão de gloria, que não morre.</p>
-
-<p>«É para louvar o modo honroso, com que o Secretario, o snr. Mexia,
-apresentou este Requerimento. Oxalá que tão bom principio seja signal
-de breve e favoravel resolução.<a id="FNanchor_13" href="#Footnote_13" class="fnanchor">[13]</a></p>
-
-<p>«Em o numero proximo, e na presença de documentos e factos
-incontestaveis, faremos por chamar a attenção do Governo, da Camara, e
-do Publico, sobre materia de tão alto interesse»</p>
-
-
-
-<div class="footnotes"><h3>NOTAS DE RODAPÉ:</h3>
-
-
-<div class="footnote">
-
-<p><a id="Footnote_13" href="#FNanchor_13" class="label">[13]</a> Adiante se encontra a fala do sr. Mexia.</p>
-
-<p class="right"><span class="smcap">Castilho.</span><br />
-</p>
-
-
-</div>
-</div>
-<hr class="chap x-ebookmaker-drop" />
-
-<div class="chapter">
-<p><span class="pagenum" id="Page_174">[Pg 174]</span></p>
-
-<h2 class="nobreak" id="VI2">VI<br /><span class="small">Requerimento á Camara dos Senhores Deputados</span></h2>
-</div>
-
-
-<p class="right"><span class="smcap">Senhores</span>:<br />
-</p>
-
-<p>Existe hoje nos confins dos estados Portuguezes uma Sociedade,
-talvez sem exemplo, que nasceu grande, possante, auspiciosa, e, em
-poucos mezes de existencia, apresenta já momentosos, copiosissimos,
-e incontestaveis resultados para a illustração e ventura do Publico.
-Esta Sociedade é a dos Amigos das lettras e artes em S. Miguel, cujos
-Estatutos já em 3 do corrente Abril foram confirmados por S. M. F.</p>
-
-<p>Quando se vê, Senhores, o que uma tal organisação germinalmente
-contém de sciencia de moralidade, de prosperos fados para as gerações
-que teem de vir, e já mesmo para esta, é impossivel não a abençoar,
-desejando-lhe vida sem limite. Para o fim de a conseguir, ella pôz
-no remate dos seus Estatutos, como chave de abóbada, a declaração de
-que era immortal, como o sentimento de beneficencia que a produzira;
-e, para realisar esse nobre sonho de ambição humanitaria, determinou
-fundar para si, isto é: para suas escolas, bibliotheca, museu,
-representações scenicas, exposições, etc., uma formosa casa, e uma
-dotação sufficiente; com a expressa condição de que, se por algum
-imprevisto concurso de circumstancias, a sua benefica existencia
-cessasse de se manifestar, dotação<span class="pagenum" id="Page_175">[Pg 175]</span> e casa passariam <i>ipso facto</i>
-para o usufructo do Hospital de Ponta-Delgada, o qual, a todo o tempo
-que a mesma Sociedade recomeçasse os seus trabalhos, ficaria obrigado
-a fazer-lhe de tudo fiel e promptissima restituição; providencia esta,
-que mereceu a approvação de S. M. F., como sem duvida obterá tambem a
-vossa.</p>
-
-<p>A Sociedade não se dissimula, Senhores, que uma casa e uma dotação
-assim, tanto não são empreza facil, que á primeira vista devem parecer
-um puro sonho de devaneadores philanthropicos. Entretanto não ha já
-hoje n’aquella Cidade e Ilha, quem não esteja convencido da mais que
-probabilidade da realisação certa de tal <i>desiderandum</i>, só pelo
-meio dos donativos, esmolas, e serviços gratuitos, tanto dos Socios,
-como de extranhos á Sociedade; ¡graças aos milagrosos frutos, que
-todos teem visto brotar da nossa Exposição da Industria michaelense,
-e das nossas incançaveis Escolas, de ler, de arithmetica e geometria
-applicada ás Artes, de Doutrina christan, de desenho de figura e
-paizagem, de francez, de inglez, de poetica e declamação, de musica, de
-hygiene, etc..</p>
-
-<p>A perguiça, doença esporádica em toda a parte, mas ali peste geral
-e antiquissima, tem já singularmente diminuido com esta maravilhosa
-excitação dada a todas as coisas uteis pela Sociedade dos Amigos das
-Lettras e Artes; o Hymno do trabalho canta-se já em toda a superficie
-da Ilha, e o seu amor vai-se filtrando do canto para as obras.</p>
-
-<p>¿Como poderia pois a população deixar de contribuir gostosa com
-esmolas, que a final<span class="pagenum" id="Page_176">[Pg 176]</span> não são dadas senão a ella mesma e a seus filhos?
-Com esmolas de cobre se fundaram e dotaram conventos, como palacios de
-Monarchas, nos seculos de Fé. ¿N’esta edade de interesses materiaes,
-e de illustração, poderia o bom senso fazer menos em favor do nosso
-Instituto?</p>
-
-<p>A Sociedade vem pois, Senhores, á vossa respeitavel presença supplicar
-lhe coadjuveis a projectada edificação do seu Solar de Lettras e
-Artes, cedendo á mesma Sociedade a pequena cêrca do extincto convento
-da Conceição d’aquella Cidade, hoje palacio do Governo Civil, com a
-adjacente área e ruinas da egreja de S. José.</p>
-
-<p>A planta, que, junto com este requerimento se offerece á vossa
-consideração, bem claramente mostra não haver excesso no pedido, pois
-n’aquelle pouco terreno se teem de erigir salas, escolas, basar,
-officinas, e theatro, de que não ha um unico publico, n’uma Cidade de
-tanta importancia; devendo ficar ainda sufficiente espaço descoberto
-para exercicios gymnasticos, tão conducentes para a boa creação physica.</p>
-
-<p>O informe que o Ex.ᵐᵒ Governador Civil do Districto de Ponta-Delgada
-dirigiu ao Governo sobre esta pretenção, deve necessariamente concordar
-com o exposto, e dar a conhecer, por outra parte, ser aquelle um
-terreno, que se acha ha annos devoluto. Nunca propriedade nacional
-haverá sido mais util, nem mais louvavelmente empregada, do que esta,
-que em menos de um anno, a datar da concessão, estará convertida em
-um manancial de instrucção, de moralidade, de affecto<span class="pagenum" id="Page_177">[Pg 177]</span> para com um
-Governo, que não perde occasião de felicitar os povos.</p>
-
-<div class="blockquot">
-
-<p>Lisboa 24 de Abril de 1849.</p>
-</div>
-
-<p class="right">O Presidente da Sociedade dos Amigos das Lettras e Artes em S. Miguel<br />
-<br /><span class="smcap">A. F. de Castilho</span>.<br />
-</p>
-
-
-<hr class="chap x-ebookmaker-drop" />
-
-<div class="chapter">
-<h2 class="nobreak" id="VII2">VII<br /><span class="small">Fala do Secretario da Camara Electiva o Snr. João de Sande e Magalhães
-Mexia Salema na sessão de 25 de Abril de 1849 fielmente trasladada do
-«Diario das Côrtes»</span></h2>
-</div>
-
-
-<p>«Sr. Presidente</p>
-
-<p>«Desci de proposito d’esse logar da meza, para não declinar a honra,
-que ha pouco recebi, de ser incumbido pelo sr. Antonio Feliciano de
-Castilho, de apresentar a esta Camara uma representação da Sociedade
-dos Amigos das Lettras e Artes de S. Miguel, de que elle é dignissimo
-Presidente, em que se pede a concessão da cêrca do extincto convento da
-Conceição, para n’ella levantarem o edificio do seu solar de Lettras e
-Artes.</p>
-
-<p>«Ha momentos, que recebi esta representação; de um rapido lançar de
-olhos sobre ella, conheci a importancia e urgencia do objecto. Além da
-natureza d’este, a Camara sabe avaliar a consideração, que merece uma
-corporação scientifica, pedindo auxilio dos Eleitos do Povo; e muito
-mais, tendo á sua testa um nome tão conhecido, não só na<span class="pagenum" id="Page_178">[Pg 178]</span> Litteratura
-portugueza, como tambem na Litteratura europêa.»</p>
-
-<div class="blockquot">
-
-<p>N. B—O requerimento foi mandado para a Commissão de Fazenda; de lá
-passados poucos dias, ao Ministerio da Fazenda, para informar; d’este
-ao Tribunal do Thesoiro, para o ouvir.</p>
-
-<p>Em todas estas tres estações se deram ao requerente as mais agradaveis
-esperanças.</p>
-
-<p>Eis ahi o que até hoje, que isto se imprime (24 de Novembro de 1849,)
-pode na materia historiar.</p>
-</div>
-
-<p class="right"><span class="smcap">A. F. de C.</span><br />
-</p>
-
-
-
-<hr class="chap x-ebookmaker-drop" />
-
-<div class="chapter">
-<h2 class="nobreak" id="VIII2">VIII<br /><span class="small">Excerpto da «Revista Universal Lisbonense» de 3 de Maio de 1849</span></h2>
-</div>
-
-
-<p class="center"><i>Concessão do terreno para as escolas da Sociedade dos Amigos das
-Lettras e Artes em S. Miguel</i></p>
-
-
-<p>«O nosso promettido artigo acerca da mui patriotica Sociedade dos
-Amigos das Lettras e Artes fica perfeitamente substituido pelo
-Memorial, que ao deante publicamos, feito pelo seu digno Presidente o
-snr. Castilho.</p>
-
-<p>«A brevidade que este negocio requer é inquestionavel; é mistér não
-deixar esfriar a fé dos poucos mas honrados Portuguezes, que ainda teem
-animo para se interessarem pela verdadeira fortuna da Nação.</p>
-
-<p>«¡Oxalá que tão repetidas instancias influam, não só nas Camaras
-Legislativas, mas tambem no Governo, para que se não perca o ensejo de
-completar um grande pensamento.»</p>
-
-<p><span class="pagenum" id="Page_179">[Pg 179]</span></p>
-
-
-<p class="center">MEMORIAL</p>
-
-
-<p>Ill.ᵐᵒˢ Ex.ᵐᵒˢ Snrs.</p>
-
-<p>Em nome e como Presidente da Sociedade dos Amigos das Lettras e Artes
-em S. Miguel, tive a honra de vos dirigir um requerimento, para que
-o Governo fosse autorisado a metter a mesma Sociedade de posse de um
-pequeno chão nacional, para n’elle se edificarem, á nossa custa, casas
-para as nossas escolas, para as nossas sessões, museu, bibliotheca,
-basar industrial, theatro, etc.. Esse requerimento foi pela Camara
-remettido á sua respectiva Commissão.</p>
-
-<p>O meu fim, n’este Memorial, Ill.ᵐᵒˢ e Ex.ᵐᵒˢ Snrs. é sollicitar para a
-decisão d’este negocio a maior urgencia.</p>
-
-<p>A Sociedade nasceu, e tem produzido para o Publico beneficios
-consideraveis, sem concurso algum da força publica, por effeito
-unicamente da sua boa vontade e perseverança, como se prova pelo
-Relatorio impresso, que eu ajuntei ao mesmo requerimento.</p>
-
-<p>Todavia, para que a nossa existencia continue, e o publico michaelense
-não seja privado dos frutos de instrucção, que já começa a colher,
-e mesmo para que o nosso exemplo de illustrado e desinteressado
-patriotismo possa vir a ser imitado n’este Reino, até hoje tão baldio
-para a civilisação intellectual, é indispensavel que depois de
-approvados, como já o estamos, pelo Governo, se nos faça a requerida
-concessão, prompta e incessantemente. O adiamento seria matar-nos a fé,
-e conseguintemente mallograr, do modo<span class="pagenum" id="Page_180">[Pg 180]</span> mais vergonhoso e barbaro, os
-bens que podêmos, queremos, e sabemos, produzir, como é demonstrado.</p>
-
-<p>Eu faria offensa, tanto aos vossos entendimentos, como ao vosso amor
-patrio, se, mesmo hypotheticamente, admittisse aqui, para a combater,
-a objecção da pobreza. Querer vender, para obter algum conto de réis,
-que nos não pode salvar, um chão, que não vendido deve produzir muita
-illustração, fôra uma simonia horrorosa, e deploravel, uma torpeza, de
-que ninguem seria capaz, ¡quanto mais um Parlamento portuguez!</p>
-
-<p>Outras considerações ha na petição a que alludo, e que vos foi
-presente, as quaes de certo vos decidirão a despachal-a, não só bem,
-mas immediatamente. Abstenho-me de as reproduzir, e mesmo de ajuntar
-outras muitas, não menos ponderosas, por não vos tomar superfluamente o
-tempo, que deveis a tantos outros importantissimos, ainda que não mais
-importantes, negocios do Estado.</p>
-
-<p>Lisboa, 3 de Maio de 1849<br />
-</p><p class="right"><span class="smcap">A. F. De Castilho.</span><br />
-</p>
-
-
-<hr class="chap x-ebookmaker-drop" />
-
-<div class="chapter">
-<h2 class="nobreak" id="IX2">IX<br /><span class="small">Artigo do dia no «Diario do Governo» de 7 de Maio de 1849</span></h2>
-</div>
-
-
-<p>«Lisboa, 6 de Maio.</p>
-
-<p>«Um pensamento elevado, patriotico, e civilisador, dotou ha poucos
-tempos a Ilha de S. Miguel com uma das mais uteis e illustradas
-instituições, que se podem organisar<span class="pagenum" id="Page_181">[Pg 181]</span> em honra e beneficio da
-civilisação<i> de qualquer povo. Essa instituição, intitulada Sociedade
-dos Amigos das Lettras e Artes em S. Miguel</i>, deu começo n’esta
-Ilha a uma era inteiramente nova para a vida moral e physica dos seus
-habitantes.</p>
-
-<p>«Abrindo as suas portas a todas as classes, admittindo em seu seio
-todos os que amam e cultivam as Lettras e Artes, todos os que desejam
-vel-as prosperar, todos os que aspiram a iniciar-se nos seus mysterios,
-de repente se fez poderosa pela concorrencia de muitas intelligencias,
-e de muitos exforços encaminhados e excitados por uma alma energica e
-perseverante, que é toda enthusiasmo e devoção pelas Lettras, e que
-toda se abraza em verdadeiro e acrisolado amor da Patria.</p>
-
-<p>«Dentro em pouco esta Associação, composta de alguns centenares de
-pessoas, desde a mais alta nobreza, até á mais humilde profissão,
-incluindo as principaes Auctoridades da Ilha, e tendo á sua frente o
-seu instituidor e incançavel procurador, o snr. Antonio Feliciano de
-Castilho, abriu ao Publico aulas, de leitura, de Doutrina christan,
-de arithmetica, de geometria applicada ás Artes, de desenho de figura
-e paizagem, de poetica e declamação, de hygiene, de francez para
-senhoras, de inglez para homens, de geographia, de encadernação,
-de agrimensura, de desenho topographico, de dança, de torno, e de
-pyrotechnia; e projecta abrir aulas de economia politica, de historia,
-de gymnastica, de natação, de calligraphia, e de musica.</p>
-
-<p><span class="pagenum" id="Page_182">[Pg 182]</span></p>
-
-<p>«Algumas d’aquellas aulas, frequentadas por um numero consideravel de
-individuos, numero que excedeu toda a expectação, vão dando de si os
-melhores resultados.</p>
-
-<p>«Fazendo nas suas salas uma Exposição da Industria michaelense,
-reuniu abundantissima copia de productos, tão variados, e muitos tão
-excellentes, que apresentaram um quadro bem esperançoso dos progressos
-industriaes d’aquella Ilha<a id="FNanchor_14" href="#Footnote_14" class="fnanchor">[14]</a>; quadro que em breve ali se deverá
-repetir; accrescentado e melhorado sem duvida pelo poderoso estimulo e
-nobre emulação, que o primeiro deveria produzir no animo de todos os
-industriaes.</p>
-
-<p>«D’est’arte, esta sabia Instituição vai fazendo convergir para um
-centro, para um fim de utilidade geral, as ideias e exforços dos
-moradores de S. Miguel; e, ao passo que attrai para esta obra de
-interesse publico, vai fazendo tolerantes os partidos; vai-lhes unindo
-os homens; vai adoçando os costumes, e moralisando o Povo pelas
-relações da intima convivencia, pelos apertados laços do interesse
-commum.</p>
-
-<p>«Mas para que o pensamento d’esta Associação se possa desenvolver
-como o concebeu seu illustre autor, como o expressam os<span class="pagenum" id="Page_183">[Pg 183]</span> Estatutos
-da Sociedade, já approvados pelo Governo, como o desejam todos os
-Socios, e com elles todos os Michaelenses, é necessario um edificio,
-com a capacidade e construcção proprias para as diversas escolas, para
-as sessões, para uma bibliotheca, para um museu, para um theatro de
-declamação, para uma sala de concertos musicos, para as exposições, e
-para um basar de productos industriaes.</p>
-
-<p>«Lembrou-se a Sociedade de o construir á sua custa, e para esse fim
-encarregou o seu Presidente, o snr. Antonio Feliciano de Castilho, de
-vir pedir ao Governo e ás Côrtes a pequena cerca do extincto convento
-da Conceição, e a adjacente área e ruinas da egreja de S. José, para
-ali se fundarem os estabelecimentos da Sociedade.</p>
-
-<p>«O requerimento já foi presente á Camara electiva, e depois remettido á
-Commissão competente. Uma e outra, dando a este negocio a importancia
-e consideração que elle merece, esperamol-o com confiança, não só o
-hão-de resolver favoravelmente, mas com a brevidade que reclama um
-objecto de tamanho interesse publico.»</p>
-
-
-<hr class="chap x-ebookmaker-drop" />
-
-<div class="chapter">
-<h2 class="nobreak" id="X2">X<br /><span class="small">Carta ao redactor da «Verdade,» semanario michaelense</span></h2>
-</div>
-
-
-
-<p>Snr. Redactor</p>
-
-<p>Permitti, que eu tome na vossa folha um pequeno espaço para um acto
-de gratidão; dal-o á primeira de todas as virtudes não é<span class="pagenum" id="Page_184">[Pg 184]</span> perdel-o.
-Entendimento superior, vós comprehendeis que os interesses materiaes,
-e intellectuaes, que a vossa folha se encarregou de promover, não são
-os unicos de que depende a felicidade publica. Tanto, pelo menos, como
-esses, contribuem para ella o desempenho dos deveres moraes, e os
-affectos nobres.</p>
-
-<p>Arrojou-me a adversidade (¡se por ventura o era!) para esta Ilha com
-tudo que eu mais amava. Cheio de boa fé, e com a minha illimitada
-benevolencia, mas sob os mais ruins auspicios, desembarquei n’ella;
-vinha precisado de amar, e não vi a quem; de trabalhar, e não achei em
-quê. A diante de mim tinha vindo a mentira preparar-me o ruim gazalhado.</p>
-
-<p>Anoiteceu-se-me, de todo, o coração, e esmoreci; era mais um
-desencantamento, depois de tantos; era a ultima folha verde das minhas
-esperanças, a cahir. Onde cuidára que viria renascer entre irmãos, para
-uns a outros nos amarmos muito, dei com a peor das solidões, que tal é
-sempre a que se encontra entre homens, e que falam a nossa lingua.</p>
-
-<p>Perdôe Deus a quem, sem nenhuma rasão para me querer mal, me calculou,
-urdiu, e teceu essa teia de dias perdidos e noites veladas. Por mim lhe
-quizera eu tambem perdoar; mas n’esses maleficios tão gratuitos havia
-um quinhão, e largo, para entes que eu amava mais que a mim proprio.</p>
-
-<p>¡E, ainda por cima, se veio ao cabo a extranhar-me que eu não
-agradecesse o haver-se especulado com a nossa fome e<span class="pagenum" id="Page_185">[Pg 185]</span> ignomínia! e
-porque arranquei as azas do visco com que se me tinham querido prender,
-declararam-me guerra peor que de morte, que assim se pode qualificar a
-da calumnia. Emfim, perdôe-lhe Deus, já que em mim a natureza humana
-não pode tanto.</p>
-
-<p>Mas n’um dia de festa para o coração, como este hoje o é para mim, devo
-dar de mão a todas essas coisas feias e desconsoladas, ou antes, hei-de
-agradecer a quem, por isso mesmo que então me fez curtir tamanhas penas
-d’alma, concorreu (ainda que sem o querer) para dar mais realce ás
-delicias que hoje desfruto. São os jejuns do coração os que fazem as
-Paschoas do amor.</p>
-
-<p>Passados aquelles primeiros tempos, em que me parecia ter naufragado
-para aqui, como para uma praia ou erma ou inimiga, começaram de me
-alvorecer dias mais claros. As falsas ideias que de mim se tinham
-mandado a diante, foram-se desvanecendo. Conheceu-se, e reconheceu se,
-que eu não viera para a terra alheia para genero algum de malevolencia,
-quanto mais para a mais perigosa e peor de todas as guerras, a dos
-Guelphos e Gibellinos do seculo XIX; que, pelo contrario, toda a
-minha precisão era a Poesia e o Amor, corporificados no trabalho,
-que illustra e civilisa. Então os amigos começaram, a um e um, a
-apparecer-me; e (posso dizel-o, sem que m’o hajam a vaidade) tudo
-quanto por ahi havia de melhor em entendimento e vontade, e não era
-pouco, se me foi unindo em espirito e trato. Ressuscitei no meu
-cemiterio, e vi-o cidade. Na terra do desterro respirei a peito
-cheio<span class="pagenum" id="Page_186">[Pg 186]</span> ares de Patria. Tornei a achar no interior a alma, e n’ella
-a esperança, que murcha e não séca. Reaccendi a lampada da minha
-fé social; e tal e tanta encontrei, em torno de mim, a boa gente
-desejosa, como eu, das coisas do porvir, e da felicitação do mundo
-pelo trabalho, que, sem sabermos como, nos vimos de repente Sociedade
-poderosa, activa, descrente em impossiveis, e por isso mesmo capaz dos
-maiores milagres. Se tal Sociedade os tem feito, muito mundo o sabe já
-hoje. Se para o provar não bastassem as obras, os odios dos ruins o
-demonstrariam.</p>
-
-<p>Quando, para sollicitar do Governo a approvação d’esta mesma Sociedade,
-e do Parlamento um pouco de chão em que ella deitasse raizes, me
-pareceu conveniente ir eu a Lisboa, e fui, não levei unicamente
-saudades de mulher e filhos; S. Miguel toda era já familia minha; todos
-aqui nos queriamos já muito, porque emfim, chegaramos a conhecer-nos
-de parte a parte, desfeitas as preoccupações e aleives, que, tambem de
-parte a parte, se haviam arteiramente disseminado.</p>
-
-<p>Lá, nem o tráfego dos negocios, nem as multiplices occupações do
-espirito, nem o brilho de tamanha cidade, nem o affecto que expiram
-de si os sitios conhecidos da nossa puericia e adolescencia, nem os
-emboras e cortejos da Imprensa obsequiosa, nem mesmo os testemunhos
-tão solemnes de apreço, que á porfia me davam todos esses mancebos,
-esperanças e já ornamentos da Litteratura e Poesia nacional, nada me
-poude entibiar<span class="pagenum" id="Page_187">[Pg 187]</span> as saudades da minha Ilha, d’este benigno e pacifico
-torrão, em que eu fizera mais e melhor que nascer, pois renascêra
-n’elle.</p>
-
-<p>Mais que nenhuma outra coisa, estes tres mezes de ausencia me
-descobriram quanto lhe eu queria.</p>
-
-<p>¡Oh! se de mim dependesse o tão facil melhoramento dos seus destinos! A
-voz, e a penna, essas sim que as empreguei eu incessante em lhe advogar
-os interesses da fortuna e do credito; em quanto, por ventura ou por
-desgraça, filhos seus, deslembrados do solo com quem nascimento e uso
-os travaram em parentesco, empregavam a occultas todos os empenhos e
-valimentos para lhe empecer (e Deus sabe se em parte o não conseguiam),
-era eu, extranho e obscuro, quem, servindo á verdade e á justiça, lhe
-pagava, como podia, a minha divida de gratidão.</p>
-
-<p>Ao regressar, os dias me pareciam não acabar nunca, e os sonhos das
-noites me vinham todos povoados de imnumeraveis e cordeaes abraços, de
-emboras, perguntas e respostas de bons amigos, de caricias domesticas,
-de escolas vicejantes, de salas de industria, da musica do trabalho, de
-toda a poesia das esperanças.</p>
-
-<p>Se metade d’isso, que eu vim gosando embalado pelas ondas, por baixo
-da immensidade do Ceo, e não me afastando de uma Patria, senão para me
-aproximar a outra, se a metade d’esses sonhos se realisar, S. Miguel
-dentro em poucos annos será visitada de toda a parte com admiração e
-encantamento, que para tudo, mesmo para a realisação<span class="pagenum" id="Page_188">[Pg 188]</span> das mais altas
-utopias do bem, são a sua terra, os seus haveres, e as almas dos seus
-moradores.</p>
-
-<p>Nem lisonjeio, snr. Redactor, nem cuido que o bem-querer me desvaire.
-As provas do futuro que antevejo, já todos as palpâmos no passado, e
-sobretudo no presente.</p>
-
-<p>Apoz dez dias levados no ocio, a sós com a minha alma, n’estas suaves
-cogitações, imaginae, snr. Redactor, qual não seria o meu enlevo,
-quando, ao aportarmos aqui, pelo sol de uma formosa tarde, que é tambem
-esperança, me vi de repente cercado de saudações e festejos, entre os
-braços de tudo que mais amo, recebido em verdadeira ovação de amisade,
-conduzido pelo braço de minha esposa, entre os meus filhos e os meus
-consocios, ao som do Hymno da Industria, ao estrépito de foguetes, por
-baixo de flores, e atravez do nosso bom Povo apinhado pelas ruas, até
-dentro de minha casa!</p>
-
-<p>Eis aqui, snr. Redactor, o que eu para desafogo de tantos affectos
-accumulados no peito, carecia de escrever.</p>
-
-<p>¡Agradecer!?....¿Como hei-de eu agradecer o que apenas cabe em
-expressão?</p>
-
-<p>A benevolencia de uma grande cidade, ¿como pode retribuil-a quem, por
-uma parte, só possue os bons desejos, e por outra, se sente confundido
-e aniquilado com a grandeza mesma do obsequio?</p>
-
-<p>Sr. Redactor, se eu não tivesse já antes consagrado a esta generosa
-terra tudo quanto em mim ha de amor e querer, agora lh’o consagrára
-para todo sempre, e ficaria ainda empenhado.</p>
-
-<p><span class="pagenum" id="Page_189">[Pg 189]</span></p>
-
-<p>Snr. Redactor, o dia <i>25 de Maio de 1849</i> foi o mais bello dos
-meus quarenta e nove annos. Egual ou superior a este, só poderá
-alvorecer para mim, quando eu a vir tão prospera quanto ella o merece,
-e o pode ser.</p>
-
-<p class="right"><span class="smcap">Vosso</span>, etc.<br /><span class="smcap">Antonio Feliciano de Castilho</span><br />
-<br />Ponta Delgada 25 de Maio<br />
-<span style="margin-left: 1em;">á meia noite.</span><br />
-</p>
-
-<hr class="tb" />
-
-<p>N. B. Á precedente carta fizeram varias folhas de Portugal a honra de a
-reproduzirem, liberalisando por esta occasião ao autor testemunhos de
-benevolencia, que para toda a vida o empenharam em agradecimento.</p>
-
-<p>¡É tão suave para um homem o sentir-se amado! ¡e amado por espiritos
-distinctos! ¡e amado, até ao ponto de lhe supporem mais de virtudes e
-meritos do que em realidade possue, e ha-de nunca possuir!</p>
-
-<p>Ainda a risco de ser havido por vaidoso, o autor succumbe á tentação de
-apresentar aqui a seus leitores, isto é, a muitos outros amígos seus,
-uma das mais floridas e ricas mostras de tão parcial e enternecedora
-benevolencia; é o preambulo que á predita carta pôz <i>O Pharol</i>,
-folha verdadeiramente notavel por sua litteraria elegancia, pelo fogo e
-independencia de seus juizos, pela sua aspiração forte e constante para
-o Bello.</p>
-
-<p>A proverbial severidade das criticas do <i>Pharol</i> faz ainda
-sobre-sahir para a gratidão o preço do que se vai ler. ¡Quantas feridas
-e penas d’alma se não suavisam e curam com o balsamo de expressões
-taes!</p>
-<hr class="chap x-ebookmaker-drop" />
-
-<div class="chapter">
-<p><span class="pagenum" id="Page_190">[Pg 190]</span></p>
-
-<h2 class="nobreak" id="XI">XI<br /><span class="small">Artigo extrahido do numero 10 do «Pharol» periodico de Lisboa</span></h2>
-</div>
-
-
-<p class="center"><i>O Senhor Antonio Feliciano de Castilho e os Michaelenses</i></p>
-
-<p>«Todos sabem que o sr. Castilho tem titulos valiosos á admiração e
-ao respeito da Patria, que elle tem sempre honrado e servido com a
-sua dedicação e com o seu genio. Vivos andam na memoria de todos,
-os nobres exforços que elle tentou, para rehabilitar as Lettras
-portuguezas, e trazer a formosa lingua nacional á competencia com os
-mais ricos, flexiveis, elegantes, e expressivos idiomas do mundo.
-Sabidos e decorados, se multiplicam, mais pela voz que pela imprensa os
-harmoniosos trechos do poeta mais sonoro, mais sabedor, mais correcto,
-se não o mais inspirado dos poetas nacionaes contemporaneos.</p>
-
-<p>«Como os grandes genios, o sr. Castilho tem purificado a sua alma pelas
-amargas provações da adversidade. Como todos os grandes talentos, tem
-visto os invejosos e mesquinhos urdirem-lhe no silencio as insidias,
-com que a mediocridade se desforça do talento.</p>
-
-<p>«A sua corôa de poeta não se tem afeminado com as complacencias de
-uma vida descuidosa e opulenta. Não é o poeta funccionario, com
-avultadas pensões para entoar cantos cortesãos e mentidos. Não é o
-poeta-agitador, fazendo servir as inspirações do<span class="pagenum" id="Page_191">[Pg 191]</span> estro á apotheóse dos
-corrilhos de facção. Não é o poeta-aristocrata, dedilhando a lyra por
-elegancia, e entoando os dithyrambos da indifferença e da sociedade.
-É o poeta-poeta; é o homem que canta, porque nasceu para cantar; que
-ama o Povo, porque o Povo é grande; que o não adula porque não espera
-d’elle recompensas faustosas. É o homem que respondeu ao ostracismo,
-com que lhe celebraram a reputação, indo contar aos Michaelenses, que o
-acolheram, não os queixumes amargos do ressentimento, mas as maravilhas
-da nova civilisação; que levantou ali um brado generoso de melhoramento
-physico e moral; que falou áquelle Povo dócil e industrioso a linguagem
-florida e eloquente da Poesia, para lhe apontar as novas sendas do
-Progresso; e que teve a gloria de crear mais prosélytos com os seus
-hymnos de paz, com as suas homilias ferventes, do que muitos estadistas
-com as suas portarias severamente formuladas, com os seus orçamentos
-capciosos e inextricaveis.</p>
-
-<p>«Póde-se dizer que o snr. Castilho realisa em S. Miguel o mytho de
-Amphion, alevantando os muros de Tebas ao som mavioso e brando da sua
-lyra melodiosa.</p>
-
-<p>«O sr. Castilho é o novo thaumaturgo do Progresso. Á sua voz a
-civilisação marcha impetuosa, e inaugura-se na humilde possessão de
-Portugal. A Industria exalta se, a Agricultura acorda. As Artes, em
-convivencia fraternal, auxiliam-se mutuamente. A Instrucção derrama-se
-gratuitamente pelas classes menos favorecidas da população. Os costumes
-como que se humanisam, deixadas as<span class="pagenum" id="Page_192">[Pg 192]</span> tristes controversias da lucta
-politica; e os habitantes da Ilha afortunada celebram com ineffavel
-júbilo e extremada sinceridade o poeta, que foge da metrópole para
-viver com elles, trabalhar pela commum prosperidade, illustral-os pela
-sua doutrina, e animal-os com o seu infatigavel exemplo.</p>
-
-<p>«É para satisfazer á divida de reconhecimento que o snr. Castilho
-contrahiu para com os bondosos michaelenses, que, ao pisar de
-novo aquellas praias abençoadas, elle publicou a carta que abaixo
-transcrevemos, modelo de devoção civica, de affectuosa eloquencia, e de
-simpleza de coração.</p>
-
-<p>¡«Quantos tribunos ephémeros, quantos dictadores ciosos, que se dizem
-alevantados pelo suffragio do Povo, folgariam de poder escrever estas
-linhas de congratulação, com a mão na consciencia, com o assentimento
-voluntario de uma população inteira, que repete n’um côro numeroso o
-refrão do bello Hymno da Industria michaelense:</p>
-
-<p class="poetry">
-<span style="margin-left: 1em;">Trabalhar, meus irmãos, que o trabalho,</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">é riqueza, é virtude, é vigor.</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">D’entre a orchestra da serra e do malho,</span><br />
-<span style="margin-left: 1em;">brotam vida, cidades, amor.</span><br />
-</p>
-
-
-
-<div class="footnotes"><h3>NOTAS DE RODAPÉ:</h3>
-
-<div class="footnote">
-
-<p><a id="Footnote_14" href="#FNanchor_14" class="label">[14]</a> Na Secretaria do Reino deve existir a magnifica relação,
-que d’isso dirigiu ao Governo o sr. D. Pedro da Costa de Sousa de
-Macedo, então Governador Civil do Districto. N’esse papel pedia o mesmo
-snr. que o autorisasse o Throno a deduzir do cofre central uma pequena
-quantia para premios industriaes, além dos que elle do seu bolsinho
-particular tencionava offerecer para a seguinte Exposição.</p>
-
-<p><span class="smcap">Castilho.</span></p>
-
-</div>
-</div>
-
-
-
-
-<p class="center p2">FIM DO PRIMEIRO VOLUME</p>
-
-<hr class="chap x-ebookmaker-drop" />
-
-<div class="chapter">
-<p><span class="pagenum" id="Page_195">[Pg 195]</span></p>
-
-<h2 class="nobreak" id="NOTAS">NOTAS<br /><span class="small">Retrato de Castilho</span></h2>
-</div>
-
-
-
-<p>Ha coincidencias notaveis; é conveniente não as desaproveitar; parecem
-arabescos na sobrehumana calligraphia da Providencia.</p>
-
-<p>O retrato com que se adorna este volume, é reproducção em photogravura,
-pelo talentoso artista o sr. Thomaz Bordallo Pinheiro, de um pequenino
-esboceto pintado por seu excellente pae, o notavel sr. Manuel Maria
-Bordallo Pinheiro. ¿Quem diria ao pintor, que, cincoenta e quatro annos
-andados, um filho, ainda então por nascer, havia de reproduzir a sua
-obra?</p>
-
-<p>O esboceto foi pintado do natural, na casa onde o artista habitava,
-rua da Fé, palacete á direita subindo, em alguma visita que lhe fez
-Castilho na demora de quasi tres mezes que passou em Lisboa (27 de
-Fevereiro a 15 de Maio de 1849), achando-se então de residencia na Ilha
-de S. Miguel. Appareceu no espolio do eximio artista, e foi offerecido
-a um filho de Castilho.</p>
-
-<p>Vê-se que estava apenas em principio; mas é, ainda assim, documento
-precioso, já pela semelhança, que ia bem encaminhada, já pela intenção
-affectuosa que motivou tal trabalho.</p>
-
-<p>O velho Bordallo Pinheiro foi muito admirador e amigo do Poeta, e este
-ufanava-se de lhe retribuir eguaes sentimentos.</p>
-
-
-<p class="center"><a href="#Page_12">Pag. 12</a>, lin. 3 e seg. <b>Polemicas</b>.</p>
-
-<p>Houve, com effeito, folicularios mal ensinados, que pretenderam
-inculcar ser Castilho um revolucionario perigoso, uma especie de
-demagógo subvertedor de usos antigos e arraigadas crenças; isso deu
-aso a guerras crueis, cuja memoria não desejamos evocar aqui, mas que
-muito amarguraram o sincero Poeta. Quem ler com attenção este livro,
-verá quanto eram infundadas taes accusações. O livro é innovador, e não
-desordeiro; amante, e nunca hostil. Lamenta<span class="pagenum" id="Page_196">[Pg 196]</span> o que vê, deseja o bem,
-e procura remedio aos males que nos affligem. Interpretar as utopias
-theoricas pelo lado demolidor, é não as entender.</p>
-
-
-<p class="center"><a href="#Page_27">Pag. 27</a>, lin. 7 e 12. <b>Gessner</b>.</p>
-
-<p>São tristissimas as vicissitudes da reputação dos poetas. Ha nomes,
-que, depois de encherem o mundo, esquecem miseravelmente á propria
-phalange dos homens de Lettras.</p>
-
-<p>Salomão Gessner, que no seu tempo foi um luminar, tanto pela belleza
-da forma dos seus livros, como pela sua moral, de poucos Allemães é
-hoje lido e conhecido a fundo. Castilho, que desde a meninice o leu, o
-tratou, o venerou, e até alguns dos seus idyllios traduziu, e imitou
-outro, conservou sempre ao virtuoso cantor suisso um verdadeiro culto.</p>
-
-<p>Para os que hoje entre nós ignoram quem foi Gessner, duas palavras
-biographicas:</p>
-
-<div class="blockquot">
-
-<p>Nasceu em Zurich em 1730. Homem bom, quanto se pode ser, benefico,
-optimo marido, optimo cidadão começou por typographo; o trato intimo
-com as <i>lettras</i> elevou-o ao conhecimento das <i>Lettras</i>;
-graças á sua applicação e perseverança, tornou-se Gessner um
-verdadeiro filho dilecto do Publico: já pela graça e singeleza dos
-seus idyllios, já pela moral pura e santa que todos elles respiram. Em
-toda a parte onde appareceu recebeu provas de apreço, até das testas
-coroadas. Falleceu em Zurich a 2 de Março de 1787.</p>
-</div>
-
-<p>A celebre Madame de Genlis conta da seguinte maneira uma sua visita ao
-poeta suisso:</p>
-
-<div class="blockquot">
-
-<p>«Tinha-me Gessner convidado para o ir ver á sua casa de campo; e eu
-estava curiosissima de conhecer a mulher com quem elle casára por
-amor, e que o soube inspirar. Imaginava-a uma especie de pastorinha
-encantadora, e phantasiava a habitação de Gessner como uma choupana
-elegante, circumdada de vergeis e flores; ali, segundo eu pensava,
-só se bebia leite, e se pisavam pétalas de rosas Chego, atravesso
-um resumido quintal, cheio de cenoiras e couves; isto, confesso,
-começou a perturbar seu tanto os meus devaneios bucolicos e idyllicos.
-Entrei na<span class="pagenum" id="Page_197">[Pg 197]</span> sala, e ¿que vejo? No meio de uma fumaceira densa de
-tabaco, avisto Gessner a fumar cachimbo, e a beber cerveja; ao lado
-d’elle sentava-se a mulher, com a sua grande touca, e a fazer meia.
-O acolhimento de ambos, a doce união d’aquellas almas, o seu affecto
-para com os filhinhos, a singeleza de tal quadro, tudo isso me pintou
-ao vivo os singelos costumes pastoris que o poeta costumava cantar.
-Assisti pois a um idyllio, presenceei a edade de oiro, não em poesia
-brilhante, mas sob o seu aspecto vulgar e desataviado.»</p>
-</div>
-
-
-<p class="center"><a href="#Page_27">Pag. 27</a>, lin. 8 e 12. <b>Klopstock</b>.</p>
-
-<p>Klopstock (Pedro Gottlieb) autor do poema epico <i>Messiada</i>, nasceu
-em Quedlinburg(?) a 2 de Julho de 1724. Cursou as melhores escolas
-superiores da Allemanha, concluindo na Universidade de Leyde o curso
-theologico. Desposou uma notavel e talentosa mulher, Meta Moller,
-fallecida em 1758. Foi muito protegido por el-Rei Frederico V, de
-Dinamarca. Os merecimentos d’este poeta como linguista e estylista são
-muito apreciados dos entendedores. Castilho elogiava com enthusiasmo a
-<i>Messiada</i>. Este denominado <i>Pindaro</i> da Allemanha falleceu a
-13 de Março de 1803.</p>
-
-
-<p class="center"><a href="#Page_29">Pag. 29</a>, lin. 28 <b>Zimmermann</b>.</p>
-
-<p>Allude Castilho ao celebre livro <i>Da Solidão</i>, por Zimmermann;
-obra de pensador, evangelho para solitarios, consolação para tristes;
-livro bom e optimo, que é lastima se não reproduza entre nós em
-traducção. Castilho prezava muito esta obra, lia-a, relia-a, e fazia-a
-estudar aos filhos.</p>
-
-
-<p class="center"><a href="#Page_36">Pag. 36</a>, lin. 34 e seguintes até ao meio da pag. 37.</p>
-
-<p>Esse admiravel periodo que principia: <i>N’uma palavra: um observador
-attento</i>, é de eloquencia rara. Diz um critico entendedor o
-seguinte: Este trecho só um cego o podia escrever; ha ahi uma
-observação muda, uma attenção intelligente, que só o sexto sentido que
-possuem os cegos de talento sabia expressar. Percebe-se a contenção do
-ouvido do corpo, e ainda mais a do ouvido da alma. É uma esplendida
-manifestação de forma e de pensamento; é a linguagem do silencio das
-noites; é a intuição das trevas.</p>
-
-<p><span class="pagenum" id="Page_198">[Pg 198]</span></p>
-
-
-<p class="center"><a href="#Page_47">Pag. 47</a>, lin. 14. <b>Diario do Governo</b></p>
-
-<p>Refere-se Castilho ao <i>Diario</i> como propagandista nato de sans
-doutrinas. É preciso notar que até certo prazo a folha official
-teve entre nós uma feição litteraria, e não se limitava a simples
-registo impresso da chancellaria governamental. Era superintendida
-por um redactor, <i>persona grata</i> ao Ministerio reinante, sujeito
-illustrado e habil; publicava noticias estrangeiras, artigos de
-litteratura, polemicas serias, etc. Por isso o nosso poeta dizia
-que o <i>Diario</i> devia e podia entrar na propaganda de theorias
-civilisadoras, mais e melhor que outras folhas.</p>
-
-
-<p class="center"><a href="#Page_63">Pag. 63</a>, lin. 4, <b>Ayres de Sá</b>.</p>
-
-<p>Ayres de Sá Nogueira, irmão do celebre Bernardo de Sá, Visconde de
-Sá da Bandeira, e depois Marquez, e de outros não menos prestadios
-cidadãos, figurou em Portugal como um dos maiores fautores da
-Agricultura e das industrias nacionaes. Como Vereador, como Deputado,
-como particular, empenhou-se toda a vida nos progressos publicos. Foi
-uma geração notavel esta familia de homens bons, valentes, dedicados,
-honestos, impetuosos para o bem. Castilho, amigo particular de todos
-elles, apreciava-os no muito que valiam.</p>
-
-
-<p class="center"><a href="#Page_91">Pag. 91</a>, <b>O Clero e as mulheres</b>.</p>
-
-<p>Se jamais houve doutrina bem orthodoxa, e philosophica, e social, é
-esta sobre o provimento dos Bispados e das Parochias, que eu expuz
-e provei, mais pelo gosto de expôr e provar verdades, do que por me
-persuadir que por ellas se havia de fazer obra. Em tal campo suppunha
-eu impossivel achar adversarios; esquecia-me dos guerrilheiros.</p>
-
-<p>Um periodico de S. Miguel chamado <i>O Cartista</i>, pôz-me ...
-supponho que por impio. Um periodico de Lisboa (cuido que se chamava
-aquillo <i>A União</i>) disse ao publico, sêcca e esparvoadamente, em
-ar de quem lhe denunciava uma coisa medonha, que eu viera a S. Miguel
-pôr-me á frente de valentões, para pugnarmos pela eleição popular dos
-Bispos. Claro está que não respondi, nem pessoa alguma respondeu, á
-<i>União</i> de Lisboa, nem ao <i>Cartista</i> de S. Miguel.</p>
-
-<p>No Clero, consta-me que não faltaram contra mim<span class="pagenum" id="Page_199">[Pg 199]</span> murmurações; todavia,
-não chegaram á suppuração da Imprensa. Com essas devia eu contar, e
-contava. Se não houvesse clerigos indoutos e ruins, para honrarem com
-o seu odio a minha proposta, tambem esta, por falta de materia prima,
-teria deixado de existir.</p>
-
-<p>Pelo que respeita á emancipação politica das mulheres, não só nenhum
-homem me fez ecco, se não que todas quantas senhoras ouviram o alvitre,
-fizeram côro contra elle. Esta sua opposição, parecendo provar muito
-e muito em desabono da minha these, provou muitissimo a favor d’ella;
-recusam o seu quinhão de liberdade, porque a não apreciam; e não a
-apreciam, porque ainda a não provaram. O que muito sensatamente se
-pode portanto jurar contra a innovação, é que veio antes do seu tempo
-proprio, mil annos; quando menos, bons quinhentos.</p>
-
-<p>Não importa. O que é chymera, algum dia será realidade, como infinitas
-realidades de hoje algum dia hão-de ser chymeras.</p>
-
-<p>O tempo é um grande Homero, que inventa de continuo; e o Mundo um poema
-de metamorphoses. O que ás vezes faz com que os poetas terrestres
-pareçam doidos a quem os ouve, é que no meio dos primeiros cantos
-antecipam a leitura de algumas estancias pertencentes a cantos
-ulteriores.</p>
-
-
-<p class="center"><a href="#Page_125">Pag. 125</a>, lin. 20. <b>Assis Rodrigues</b></p>
-
-<p>Refere-se Castilho ao bom e perito artista Francisco de Assis
-Rodrigues, Professor e por fim Director da Academia Real das Bellas
-Artes de Lisboa. Foi discipulo de seu pae, o esculptor Faustino José
-Rodrigues, amigo e alumno do grande Joaquim Machado de Castro. As
-relações entre Castilho e Assis Rodrigues começaram na infancia, e
-conservaram-se sempre cordeaes. Em 1836 o estatuario fez o busto do
-Poeta.</p>
-
-
-<p class="center"><a href="#Page_138">Pag. 138</a>, lin. 16. <b>Os Fastos de Ovidio</b>.</p>
-
-<p>Projectou Castilho, segundo se vê, dedicar a sua traducção dos
-<i>Fastos</i> a José do Canto; mas como entre esta data e a publicação
-da dita versão elle lhe dedicou outras composições, não realisou o que
-tencionava em 1849.</p>
-
-
-<hr class="chap x-ebookmaker-drop" />
-
-<div class="chapter">
-<h2 class="nobreak" id="Obras_completas_de_A_F_de_Castilho">Obras completas de A. F. de Castilho</h2>
-</div>
-<hr class="r5" />
-
-<div class="blockquot">
-
-<p>3—<b>Cartas de Ecco e Narcizo</b>, verso.</p>
-
-<p>4-5—<b>Felicidade pela agricultura</b>, 2 vols.</p>
-
-<p>6-7—<b>A primavera</b>, verso, 2 vols.</p>
-
-<p>8 a 15—<b>Vivos e mortos</b>, spreciações morais, literarias e
-artisticas, 8 vols.</p>
-
-<p>19-20—<b>O presbyterio da montanha</b>, prosa, 2 vols.</p>
-
-<p>21-22—<b>O outomno</b>, verso, 2 vols.</p>
-
-<p>27-28—<b>Novas escavações poeticas</b>, verso, 2 vols.</p>
-
-<p>29 a 32—<b>Theatro</b>, Camões, drama e notas, 4 vols.</p>
-
-<p>33—<b>Theatro</b>, Canáce, tragedia original.</p>
-
-<p>34—<b>Theatro</b>, Um anjo da pela do diabo—O casamento de oiro,
-comedias.</p>
-
-<p>35—<b>Theatro</b>, Aristodemo, tragedia. A volta inesperada, farça.</p>
-
-<p>36—<b>Theatro</b>, A festa do amor filial. A filha para casar,
-comedias.</p>
-
-<p>37-38—<b>Palestras religiosas e consolações</b>, prosa e verso, 2
-vols.</p>
-
-<p>39 a 45—<b>Casos do meu tempo</b>, prosa. 7 vols.</p>
-
-<p>46—<b>Estrelas poeticas para o ano de 1853</b>, verso.</p>
-
-<p>47 a 50—<b>Télas literarias</b>, prosa, 4 vols.</p>
-
-<p>51—<b>Os ciumes do bardo</b>, As flores, e a confissão de Amelia,
-verso.</p>
-
-<p>52-53—<b>Mil e um misterios</b>, romance dos romances, 2 vols.</p>
-
-<p>54—<b>A noite do castelo</b>, poema.</p>
-
-<p>55—<b>Tributo portuguez á memoria do Libertador</b>, prosa.</p>
-
-<p>58 a 60—<b>Novas télas literarias</b>, prosa e verso, 3 vols.</p>
-
-<p>61 a 63—<b>Methodo Portuguez de Leitura.</b> Directorio do mesmo, 3
-vols.</p>
-
-<p>64-65—<b>Castilho pintado por êle proprio.</b> As escolas dos asilos
-de Infancia desvalida, 2 vols.</p>
-
-<p>66—<b>Felicidade pela instrução.</b></p>
-
-<p>67—<b>Ajuste de contas.</b></p>
-
-<p>68—<b>Noções rudimentares para uso das escolas</b>, 2 vols.</p>
-
-<p>70 e 72—<b>Resposta aos novissimos impugnadores do Methodo
-portuguez</b>, 3 vols.</p>
-
-<p>73 a 75—<b>Tratado de Mnemónica</b>, 3 vols.</p>
-
-<p>76—<b>Ou eu ou eles</b>, e Tosquia de um camelo.</p>
-
-<p>77 a 80—<b>Cartas</b>, 4 vols.</p>
-</div>
-<hr class="r5" />
-<p class="center">IMP. LUCAS &amp; C.ᵃ — RUA DIARIO DE NOTICIAS 61 — LISBOA</p>
-
-
-<div lang='en' xml:lang='en'>
-<div style='display:block; margin-top:4em'>*** END OF THE PROJECT GUTENBERG EBOOK <span lang='pt' xml:lang='pt'>FELICIDADE PELA AGRICULTURA (VOL. I)</span> ***</div>
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- </div>
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-exists because of the efforts of hundreds of volunteers and donations
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-Archive Foundation and how your efforts and donations can help, see
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-</div>
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-Section 3. Information about the Project Gutenberg Literary Archive Foundation
-</div>
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-The Foundation is committed to complying with the laws regulating
-charities and charitable donations in all 50 states of the United
-States. Compliance requirements are not uniform and it takes a
-considerable effort, much paperwork and many fees to meet and keep up
-with these requirements. We do not solicit donations in locations
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-While we cannot and do not solicit contributions from states where we
-have not met the solicitation requirements, we know of no prohibition
-against accepting unsolicited donations from donors in such states who
-approach us with offers to donate.
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-International donations are gratefully accepted, but we cannot make
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-outside the United States. U.S. laws alone swamp our small staff.
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-donate, please visit: www.gutenberg.org/donate
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-Section 5. General Information About Project Gutenberg&#8482; electronic works
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-Professor Michael S. Hart was the originator of the Project
-Gutenberg&#8482; concept of a library of electronic works that could be
-freely shared with anyone. For forty years, he produced and
-distributed Project Gutenberg&#8482; eBooks with only a loose network of
-volunteer support.
-</div>
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-Project Gutenberg&#8482; eBooks are often created from several printed
-editions, all of which are confirmed as not protected by copyright in
-the U.S. unless a copyright notice is included. Thus, we do not
-necessarily keep eBooks in compliance with any particular paper
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-facility: <a href="https://www.gutenberg.org">www.gutenberg.org</a>.
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-This website includes information about Project Gutenberg&#8482;,
-including how to make donations to the Project Gutenberg Literary
-Archive Foundation, how to help produce our new eBooks, and how to
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