diff options
Diffstat (limited to '20142-8.txt')
| -rw-r--r-- | 20142-8.txt | 4387 |
1 files changed, 4387 insertions, 0 deletions
diff --git a/20142-8.txt b/20142-8.txt new file mode 100644 index 0000000..3482566 --- /dev/null +++ b/20142-8.txt @@ -0,0 +1,4387 @@ +The Project Gutenberg EBook of Os sonetos completos de Anthero de Quental, by +Antero Quental + +This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with +almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or +re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included +with this eBook or online at www.gutenberg.org + + +Title: Os sonetos completos de Anthero de Quental + +Author: Antero Quental + +Contributor: Oliveira Martins + +Release Date: December 20, 2006 [EBook #20142] + +Language: Portuguese + +Character set encoding: ISO-8859-1 + +*** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK ANTHERO DE QUENTAL *** + + + + +Produced by Pedro Saborano, Ricardo Diogo and Tiago Tejo, +and edited by Rita Farinha (Biblioteca Nacional +Digital--http://bnd.bn.pt). + + + + + + +SONETOS + + + + +OS SONETOS COMPLETOS + +DE + +Anthero de Quental + +publicados por + +J. P. Oliveira Martins + +PORTO + +LIVRARIA PORTUENSE + +DE + +_LOPES & C.^a--EDITORES_ + +119, Rua do Almada, 123* + +1886 + + + + +PORTO + +TYPOGRAPHIA OCCIDENTAL + +Rua da Fabrica, 66 + + + + +Escrevendo estas breves paginas á frente dos _Sonetos_ de Anthero de +Quental tenho a satisfação intima de cumprir o dever de tornar conhecida +do publico a figura talvez mais caracteristica do mundo litterario +portuguez, e decerto aquella sobre que a lenda mais tem trabalhado. +Estou certo, absolutamente certo, de que este livro, embora sem écco no +espirito vulgar que faz reputações e dá popularidade, ha-de encontrar um +acolhimento amoroso em todas as almas de eleição, e durar emquanto +houver corações afflictos, e emquanto se fallar a linguagem portugueza. + +Procurarei, no que vou dizer, guardar para mim aquillo que ao publico +não interessa: a viva amisade, a estreita communhão de sentimentos, o +affecto quasi fraterno que ha perto de vinte annos nos une, ao poeta e +ao seu critico de hoje, fazendo da vida de ambos como que uma unica +alma, misturando invariavelmente as nossas breves alegrias, muitas vezes +as nossas lagrimas, sempre as nossas dores e os nossos enthusiasmos ou o +nosso desalento. + +Discutindo em permanencia, discordando frequentemente, ralhando a miudo, +zangando-nos ás vezes e abraçando-nos sempre: assim tem decorrido para +nós perto de vinte annos. Mas o leitor é que nada tem que vêr com esses +casos particulares, nem com o abraço que trocámos no dia em que primeiro +nos conhecemos e que só terminará n'aquelle em que um de nós, ou ambos +nós, formos descançar para sempre sob meia duzia de pás de terra fria. + + +I + + +Eu não conheço phisionomia mais difficil de desenhar, porque nunca vi +natureza mais complexamente bem dotada. Se fosse possivel desdobrar um +homem, como quem desdobra os fios de um cabo, Anthero de Quental dava +_alma_ para uma familia inteira. É sabidamente um poeta na mais elevada +expressão da palavra; mas ao mesmo tempo é a intelligencia mais critica, +o instincto mais pratico, a sagacidade mais lucida, que eu conheço. É um +poeta que sente, mas é um raciocinio que pensa. Pensa o que sente; sente +o que pensa. + +Inventa, e critíca. Depois, por um movimento reflexo da intelligencia, +dá corpo ao que criticou, e raciocina o que imaginou.--O seu +temperamento apresenta um contraste correlativo: é meigo como uma +creança, sensitivo como uma mulher nervosa, mas intermittentemente é +duro e violento. + +É fraco, portanto? Não. A vontade, em obediencia á qual, e com esforço, +se faz colerico, fal-o tambem forte--d'esta força persistente, +raciocinada e na apparencia placida, como a superficie do mar em dias de +bonança. O Oceano, porém, é interiormente agitado pelo _gulf stream_ +quente e invisível: tambem ás vezes a placidez extrema da sua face +encobre ondas de afflicção que sobem até aos olhos e rebentam em +lagrimas ardentes. Sabe chorar, como todo o homem digno da humanidade. + +É d'estas crises que nasceram os seus versos, porque Anthero de Quental +não _faz_ versos á maneira dos litteratos: nascem-lhe, brotam-lhe da +alma como solluços e agonias. Mas, apezar d'isso, é requintado e +exigente como um artista: as suas lagrimas hão de ter o contôrno de +perolas, os seus gemidos hão de ser musicaes. As faculdades artisticas +geradoras da estatuaria e da symphonia são as que vibram na sua alma +esthetica. A noção das fórmas, das linhas e dos sons, possue-a n'um gráo +eminente: não já assim a da côr nem a da _composição_. Aos quadros chama +_paineis_ com desdem, e por isso mesmo tem horror á descripção e ao +pittoresco. É artista, no que a arte contém de mais subjectivo. A sua +poesia é esculptural e hieratica, e por isso phantastica. É +exclusivamente psychologica e dantesca: não pode pintar, nem descrever: +acha isso inferior e quasi indigno. + +Os seus versos são sentidos, são _vividos_ como nenhuns; mas o sentir e +o viver d'este homem é de uma natureza especial que tem por fronteiras +phisicas as paredes do seu craneo, mas que não tem fronteiras no mundo +real, porque a sua imaginação paira librada nas azas de uma razão +especulativa para a qual não ha limites. + +O poeta é por isso um mystico, e o critico um philosopho. O mysticismo e +a metaphisica, o sentimento e a razão, a sensibilidade e a vontade, o +temperamento e a intelligencia, combatem-se, ás vezes dilacerando-se. +Eis ahi a explicação d'esta poesia que é o retrato vivo do homem. O +genio, esse _quid_ divinatorio, que não é honra para nenhuma creatura +possuir, porque só nos dá merecimento aquillo que ganhámos á força de +intelligencia e de vontade; o genio, que é uma faculdade tão accidental +como a côr dos cabellos, ou o desenho das feições; o genio, que pode +andar ligado a uma intelligencia mediocre, mas que o não anda no caso de +Anthero de Quental--é o predicado particular e a chave do enygma d'este +homem. O genio presuppõe a intuição de uma verdade visceral ou +fundamental da natureza. Essa intuição, essa aspiração absorvente, é +para o nosso poeta a synthese da verdade racional ou positiva e do +sentimento mystico: uma poesia que exprima o raciocinio, ou antes uma +philosophia onde caibam todas as suas visões. O proprio do genio é +querer realisar o irrealisavel; é ser chimerico, no sentido critico da +palavra, quando por chimera entendemos uma verdade essencial que não +pode todavia reduzir-se a formulas comprehensiveis, ou uma cousa cuja +realidade se sente, sem se poder ver. + +Dos aspectos quasi inexgotavelmente variaveis d'esta singular +phisionomia de homem, d'esta mistura excepcional de pensamentos e de +temperamentos n'um mesmo individuo, resulta porém um typo de sinceridade +e de rectidão mais singular ainda, porque mais facilmente podia resultar +d'ella um grande cynico. É sobretudo um stoico, sem deixar de ter +bastante de sceptico; é um mystico, mas com uma forte dose de ironia e +humorismo; e um mysanthropo, quando não é o homem do trato mais affavel, +da convivencia mais alegre; é um pessimista, que todavia acha em geral +tudo optimo. Intellectualmente é a phisionomia mais dubia, complexa e +contradictoria por vezes; moralmente é o caracter mais inteiro e melhor +que existe. A sua intelligencia encontra-se permanentemente no estado de +alguem que, querendo ir para um sitio, resiste por não querer ao mesmo +tempo, sem todavia ter rasões bastantes para querer nem tambem para não +querer. O nucleo da sua personalidade, se a encaramos pelo lado +praticamente humano, está na energia do seu querer moral, e não na +lucidez do seu pensamento; embora tenha a pretenção de julgar que a sua +vontade obedece sempre á sua razão. É verdade que dentro de si tem +permanentemente um espelho facetado que representa e critíca as +modalidades do seu pensamento; mas, por isso mesmo, vê ou inventa faces +de mais ás cousas, e tambem por vezes o cristal embacia. O que nunca +esmorece é a bondade luminosa da sua alma. É um homem fundamentalmente +bom. + +A complexidade do seu espirito dá-lhe uma variedade de aptidões +singular. Conversador como poucos, facil, espontaneo, original e +suggestivo, ironico, humorista, espirituoso, descendo até á propria +_charge_, não ha ninguem como elle para soltar o carro da sua phantasia +critica na ladeira de uma these, e, explorando-a em todos os sentidos, +architectar uma theoria. Os seus opusculos em prosa (da melhor prosa +portugueza d'este tempo) têm em geral este caracter. São logicos, são +bem deduzidos--sem serem sufficientemente pensados. São fructos da +imaginação; são conversas escriptas, d'essas conversas que durante horas +seduzem os que o ouvem--porque é um _charmeur_. + +Elle proprio se embriaga, não com as suas palavras, mas sim com aquella +theoria passageira que inventou _ad hoc_, e, quando alguem lhe objecta +um pequeno senão, todavia essencial ao seu edificio logico, resiste, +defende-se, irrita-se ás vezes, mas por fim é elle proprio que, com um +dito, desfaz toda a construcção. Seria um orador, um jornalista de +primeira ordem, se não tomasse apenas a sério a sua missão de poeta, ou +antes de philosopho. + +Depois de tudo isto dirão pessoas pouco dadas ao estudo do animal homem +que Anthero de Quental é um assombro. Longe d'isso. A sua força e a +prodigalidade com que a natureza dotou o seu espirito; mas essa força é +uma fraqueza. Tem demasiada imaginação para ver bem; e por outro lado o +raciocinio critico peia-lhe os vôos luminosos da phantasia. Vê de mais +para poder ser activo, ou não tem a energia correspondente á sua visão. +Se a tivesse, seria verdadeiramente um assombro. A imaginação e a razão, +irreductiveis nos cerebros humanos com as circumvoluções limitadas que +contêm, são egualmente poderosas no seu cerebro para que qualquer +d'ellas domine. Luctam em permanencia, procurando entender-se, +combinar-se, penetrar-se, e, no desejo chimerico da synthese, +desequilibram o homem, atrophiando-lhe a energia activa. Ainda assim, +felizes d'aquelles cuja inercia désse um livro comparavel a este! + +Mas é que as suas paginas foram escriptas com sangue e lagrimas! E doe +ver a vida do mais bello espirito consumir-se em agonias de uma alma em +lucta comsigo mesmo! O commum da gente, ao ler as paginas d'este volume, +dirá então: Quantas catastrophes, que desgraças, este homem soffreu! que +singular hostilidade do mundo para com uma creatura humana!--E todavia o +mundo nunca lhe foi propriamente hostil, nenhuma desgraça o acabrunhou; +a sua vida tem corrido serena, placida, e até para o geral da gente em +condições de felicidade. + +É que o geral da gente não sabe que as tempestades da imaginação são as +mais duras de passar! Não ha dores tão agudas como as dores imaginarias. +Não ha problemas mais difficeis do que os problemas do pensamento, nem +crises mais dolorosas do que as crises do sentimento. As agonias +dilacerantes da morte com as ancias do stertor, os horrores mais +inverosimeis dos crimes monstruosos, as afflicções mais pungentes da +saudade, as tristezas mais dolorosas da solidão, as luctas do dever com +a paixão, os gritos do homem arruinado, os ais da orphandade faminta... +tudo, tudo, quanto no mundo pode haver de doloroso, desde a miseria até +á prostituição, desde o andrajo até ao velludo arrastado pela +immundicie, desde o cardo que dilacera os pés até ao punhal que rasga o +coração: tudo isso é menos, do que a agonia de um poeta vendo passar +diante de si, em turbilhão medonho, as lugubres miserias do mundo. Todas +as afflicções têm o seu quê de imaginativas, e por isso ha apenas uma +especie de homens que não sentem: são os cynicos, esses que perderam os +nervos da moralidade, os anesthesiados do sentimento. + +Quando se é poeta como Anthero de Quental, a imaginação exacerbada vibra +como as harpas que os gregos expunham ás virações da brisa nos ramos das +arvores. Nenhum dedo lhes feria as cordas, e todavia tocavam! Nenhuma +d'essas desgraças do mundo feriu a harpa da vida do poeta; e todavia +essa harpa geme e chora, solluça e grita, porque pelas suas cordas passa +o vento agreste das idéas, passa o écco ullulante do egoismo dos homens, +afflictivo como os uivos de uma alcateia de lobos famintos. + + +II + + +Esta collecção de Sonetos é, portanto, ao mesmo tempo biographica e +cyclica. Conta-nos as tempestades de um espirito; mas essas tempestades +não são os quaesquer episodios particulares de uma vida de homem: são a +refracção das agonias moraes do nosso tempo, vividas, porem, na +imaginação de um poeta. + +O primeiro periodo, de 1860-2, contém em embryão todos os successivos, +da mesma fórma que as flores incluem em si a substancia dos fructos. +Denuncía uma alma sensivel, mas patenteia já a preoccupação metaphisica +na sua phase rudimentar de duvida theologica, e apresenta uns assomos de +tristeza que são como os farrapos de nuvens quando velam +intermittentemente o sol, deixando antever a tempestade para o dia +seguinte. Estes primeiros sonetos são o balbuciar de uma creança. +Romantica? De modo nenhum. Este poeta não se filia em escholas, não +obedece a correntes litterarias: a sua poesia é exclusivamente pessoal. +Succedia, porem, que n'esse tempo já os nossos bardos classicamente +romanticos tinham passado da moda; e a Coimbra chegavam por via de Paris +os éccos do espirito novo, expresso nas obras de Michelet, de Quinet, de +Vera-Hegel, etc. + +Tudo isso fermentava no cerebro de Anthero de Quental, mas a sua +personalidade não se deixava absorver pelo optimismo que, depois dos +romanticos, se espalhou na Europa, lyricamente ingenuo no Occidente +afrancezado, systematicamente philosophico na Allemanha hegeliana. +Schopenhauer, ninguem o lia. Não era moda. Pois foi essa corrente, +dominante hoje, aquella em que o nosso poeta, espontaneamente, por um +movimento do seu temperamento, se achou levado. Aos dezoito ou vinte +annos, ignorante ainda, mas inquieto e perscrutador, o poeta que +desdenha sinceramente da fama e da gloria, vê no eterno feminino de que +nos falla Goethe a synthese da existencia. Os seus amores já são +phantasticos: só tem realidade no ceu. + +Alli, ó lyrio dos celestes valles, +Tendo seu fim, terão o seu começo, +Para não mais findar, nossos amores. + +E se ainda o dia, a luz, o sol _esposo amado_, têm o condão de o encher +de enthusiasmo, é mister desconfiar de um homem mais caprichoso do que +todas as mulheres, porque + +Pedindo á forma, em vão, a idea pura +Tropeço, em sombras, na materia dura +E encontro a imperfeição de quanto existe. + +Esta nota é mais constitucionalmente verdadeira. «Seja a terra degredo, +o ceu destino» diz n'um ponto; e n'outro: + +Minha alma, ó Deus, a outros ceus aspira: +Se um momento a prendeu mortal belleza +É pela eterna patria que suspira... + +Não acreditemos tambem demasiadamente n'isto, porque Deus não passa +ainda de uma interrogação: + +Pura essencia das lagrimas que choro +E sonho dos meus sonhos! Se és verdade, +Descobre-te, visão, no ceu ao menos! + +As luctas infantís d'este primeiro periodo para saber se Deus é ou não é +verdade, bastam, em si mesmo e no proprio modo por que estão expressas, +para nos mostrar que o poeta não saiu ainda das espheras da +representação elementar dos seres, para a esphera comprehensiva das +abstracções racionaes. Os sonetos d'esta primeira serie desenrolam-se no +terreno da phantasmagoria transcendente. O traço mais seguro de todos e +o mais significativo está n'este verso: + +Que sempre o mal peior é ter nascido. + +A segunda serie tem a data de 1862-6. Psychologicamente é a menos +original, artisticamente é a mais brilhante. O _Sonho oriental_, o +_Idyllio_, o _Palacio da Ventura_, são obras primas, até de colorido. +Talvez por isso mesmo que o estado de espirito do poeta o não obrigava a +tirar tanto de si, e porque n'esta epocha viveu mais á lei da natureza; +talvez por isso mesmo a sentiu e pintou melhor nas suas côres, nas suas +imagens. + +A nebulose do primeiro periodo começava a resolver-se n'uma tragedia +mental, que umas vezes tem os sonhos dos que mastigam haschich, outras +vezes furias de desespero, ironias como punhaes e gritos lancinantes: + +Se nada ha que me aqueça esta frieza, +Se estou cheio de fel e de tristeza, +É de crer que só eu seja o culpado. + +Meu pobre amigo, como foi amarga esta epocha! Outros soffreram tambem, +outros penaram eguaes dores, sem conseguirem porem estrangular os +monstros que defendem os áditos do templo da Sabedoria. Heine e +Espronceda, Nerval e Baudelaire viveram vidas inteiras n'esse estado de +ironia e de sarcasmo, de desespero e de raiva, de orgia e de abatimento, +de furia e de atonia, que para ti representam quatro annos apenas! + +Mas é que não havia em nenhum d'esses homens a semente de abstracção que +se descobre no _Palacio da Ventura_: + +Abrem-se as portas d'ouro, com fragor... +Mas dentro encontro só, cheio de dor, +Silencio e escuridão--e nada mais! + +Os romanticos, mais ou menos satanistas ou satanisados, ficavam-se por +aqui. Achando apenas silencio e escuridão onde tinham sonhado venturas, +ou davam em bebedos como Espronceda, ou suicidavam-se como Nerval, ou +faziam-se cynicos, á maneira de Baudelaire, cultivando com amor as +_Flores do Mal_. + +De 1864 a 74, n'esses dez annos em que a tempestade caminha, vê-se a +onda negra da desolação espraiar-se; vê-se o «silencio e a escuridão» +que antes surgiam como surprezas medonhas, ganharem um logar apropriado, +embora eminente, no regimen das cousas; vê-se o espirito do philosopho +reagir sobre o temperamento do poeta, e tornar-se systema o que até ahi +era furia. Bom prenuncio. + +N'esta epocha Anthero de Quental é nihilista como philosopho, anarchista +como politico: é tudo o que fôr negativo, é tudo o que fôr excessivo; e +é-o de um modo tão terminante, tão dogmatico e tão affirmativo, que por +isso mesmo hesitamos em crer na consciencia com que o é. Da sinceridade +não é licito duvidar, mas contra a segurança depõe a propria violencia. +A nevrose contemporanea, que produzira n'elle a terceira epocha, dá de +si ainda a quarta; mas se poude galgar a saltos por entre a floresta +incendiada que devorou e consumiu os satanicos, não poderá tambem sair +da steppe lugubre onde apodrecem os pessimistas, embriagados na negação +universal, sem se lembrarem de que são contradictorios no proprio facto +de prégarem o que quer que seja? + +Ora a isto responde esta propria serie, porque, ao lado dos sonetos +crepuscularmente desolados, levantam-se como auroras os sonetos stoicos. +Para curar o poeta da vertigem satanica serviu-lhe a methaphisica +pessimista; para o curar mais tarde d'essa metaphisica, servir-lhe-ha a +reacção do sentimento moral sobre a razão especulativa. Quando pede +_Mais luz_, quando chama ao sol «O claro sol amigo dos heroes», quando +define a _Idea_ acabando por estes versos diamantinos: + +A Idea, o Summo bem, o Verbo, a Essencia +Só se revela aos homens e às nações +No ceu incorruptivel da Consciencia! + +sentimo-nos bem distantes das phantasmagorias do principio e das +loucuras da viagem, que todavia o poeta não terminou ainda. + +Luctando furioso contra a desillusão, caindo esmagado pelo +anniquilamento, Anthero de Quental _ensimismou-se_ (para usar de uma +feliz expressão hespanhola) metteu-se dentro de si, a sós comsigo, +apellou para as energias do seu instincto de homem, e foi isso o que lhe +inspirou o bello _Hymno á Razão_. + +Porem na lucta entre o temperamento de stoico e a imaginação +metaphisica, o seu espirito attribulado não conseguiu manter o +equilibrio, porque as suas exigencias de critico e philosopho +(alimentadas agora por leituras variadissimas e profundas) contrariavam +ou contradiziam as suas vizões de poeta. Á maneira que a intelligencia +se lhe cultivava, que o saber lhe crescia, que a experiencia o educava +com mais de um caso doloroso ou apenas triste--apurava-se-lhe a +imaginação até ao ponto de ver claramente o que para o commum dos +espiritos são apenas concepções do entendimento abstracto. A sua poesia +despe-se então de accessorios: não ha quasi uma imagem; ha apenas +linhas, mas essas linhas de estatuas incorporeas tem uma nitidez +dantesca. + +O seu pessimismo torna-se systematico: é uma philosophia inteira, a que +corresponde, como expressão sentimental, a ironia transcendente. Na +_Disputa em Familia_, Deus responde aos atheus: + +Muito antes de nascerem vossos paes +D'um barro vil, ridiculas creanças, +Sabia eu tudo isso... e muito mais! + +No _Inconsciente_, este heroe metaphisico, diz assim: + +Chamam-me Deus ha mais de dez mil annos... +Mas eu por mim não sei como me chamo. + +Na _Divina Comedia_ os homens queixam-se aos deuses do que soffrem, +invectivando-os pelos terem creado. + +Mas os deuses com voz ainda mais triste +Dizem:--Homens! porque é que nos creastes? + +Como se vê, houve um progresso. No periodo anterior a negação era +violenta e terminante; agora tem como expressão a ironia que é uma das +formas conhecidas do saber, e uma das linguagens da verdade. Eis ahi o +que a reacção moral conseguiu, acompanhada pelo esclarecimento da razão, +da intelligencia e do conhecimento. O antigo poeta satanico, +transformado em um nihilista, vemol-o agora na pelle de um pessimista +systematico, sorrindo já bondosamente, com a ironia n'esses proprios +labios que, primeiro cobertos de espuma, depois nos appareciam brancos +de agonias. + +Não tinha eu razão para chamar cyclica a esta collecção de sonetos? Não +tem sido este o movimento das idéas, a evolução do pensamento creador na +segunda metade do nosso seculo? + +Quando escreveu o primeiro soneto da quarta serie (1880-4) + +Já socega, depois de tanta lucta, +Já me descança em paz o coração... + +Anthero de Quental resolveu destruir todas as suas poesias _lugubres_. +Sentia remorsos por alguma vez ter estado n'uma disposição de animo que +agora considerava com horror. Entendia que esses versos tetricos não +podiam consolar ninguem, e fariam mal a muita gente. Destruiu-os, pois, +com aquella violencia propria de um caracter intermittentemente meigo e +frenetico como o de uma mulher. D'esse naufragio onde se perderam +verdadeiras obras-primas, salvei eu as poesias que vão no fim d'este +ensaio; e salvei-as porque as possuia entre os originaes remettidos em +cartas, e mais de uma vez como texto de noticias do estado do seu +espirito, ou cartas rimadas. + +Que especie de paz era porem essa em que o seu coração descançava? Era o +_Nirvâna_: + +E quando o pensamento, assim absorto, +Emerge a custo d'esse mundo morto +E torna a olhar as cousas naturaes, + +Á bella luz da vida, ampla, infinita +Só vê com tedio em tudo quanto fita +A illusão e o vasio universaes. + +O Nirvâna é o ceu do buddhismo, a religião mais philosophica e menos +phantasmagorica inventada pelos homens. É por este motivo que o +buddhismo attrae hoje em dia todos os espiritos a um tempo racionalistas +e mysticos, d'esta epocha em tudo similhante á alexandrina, menos no +volume do saber positivo que já se não compadece com muitas das theorias +sobre que os néoplatonicos especulavam. A theoria da Substancia levou-os +a elles a uma concepção do Ser que produziu o mytho do Verbo christão, +encarnado popularmente em Jesus-Christo. Ora hoje tudo isso vale apenas +como documento historico, e, por paradoxal que isto pareça, o Não-Ser é, +segundo a metaphisica contemporanea, a essencia de tudo o que existe. O +Absoluto é o Nada. O Universo, a realidade inteira, são modalidades, +aspectos fugitivos, que só se tornam verdades racionaes quando nos +apparecem despidas de todos os accidentes. E como é pelos accidentes +apenas que nós, distinguindo-as, as conhecemos, a realidade +verdadeiramente e em si é Nada. + +Religiosamente, Nada é egual a Nirvâna; e o buddhismo é a única religião +que attingiu esta conclusão, summaria do pensamento scientifico moderno. +O Nirvâna é esse estado em que os seres, despindo-se de todas as suas +modalidades e accidentes, de todas as condições de realidade, condições +que os limitam distinguindo-os entre si, adquirem a não-realidade (o +não-contingente) e com ella a existencia absoluta e a absoluta +liberdade. Essa liberdade é o typo e a essencia da vida espiritual; e o +Nirvâna, puro Não-Ser para a intelligencia, é, para o sentimento moral, +o symbolo e o vehiculo de toda a perfeição e virtude: radicalmente +negativo na esphera da razão, é, na esphera do sentimento, absolutamente +affirmativo. O pessimismo torna-se d'esta fórma um optimismo gigantesco; +toda a inercia é condemnada, e o systema das cousas, agitando-se, +movendo-se na direcção do anniquilamento final, move-se e agita-se no +sentido de uma liberdade evolutivamente progressiva até attingir a +plenitude. O Universo é uma grande vida que tem, no termo, o termo de +todas as vidas--a morte, idealisada agora e tornada luminosa e +appetecivel por essa idealisação. + +Leiam-se os dois sonetos _Redempção_, talvez os mais bellos de todo o +livro, e comprehender-se-ha melhor o que fica dito. Leia-se o _Elogio da +morte_ + +Dormirei no teu seio inalteravel, +Na communhão da paz universal, +Morte libertadora e inviolavel! + +e ver-se-ha quanto estamos longe do desespero tragico de outros annos. A +tempestade acalmou. + +Na esphera do invisivel, da intangivel, +Sobre desertos, vacuo, soledade, +Vôa e paira o espirito impassivel + +presidindo á evolução dos seres (V. o soneto _Evolução_) desde a rocha +até ao homem, evolução que seria absolutamente inexpressiva se não +tivesse um destino, um fim, um ideal. A theoria do progresso indefinido +é, com effeito, racionalmente absurda. Esse destino, para os +neo-buddhistas, é o Nada transcendente; esse ideal é a Liberdade. A +existencia está pois consagrada racionalmente: falta consagral-a +sentimentalmente. Falta ainda ao systema um medianeiro: é o Amor. + +Porém o coração feito valente +Na escola da tortura repetida, +E no uso do penar tornado crente, + +Respondeu: D'esta altura vejo o Amor! +Viver não foi em vão, se é isto a vida, +Nem foi de mais o desengano e a dor. + +O Universo está pois construido e sanctificado na mente do poeta e na +razão do philosopho. Dir-se-ha portanto que a chimera de que a principio +fallámos ficou desvendada, o problema resolvido, conciliada a visão com +a razão, e que nos não resta mais do que fazermo-nos todos buddhistas? +Supprema illusão! Creia-o embora o poeta: eu, como critico, observando +que o pensamento humano, desde que existe e trabalha, progride sempre, +com effeito, mas progride em tres estradas parallelas que, por serem +parallelas, nunca podem encontrar-se, atrevo-me a affirmar a +irreductibilidade do mysticismo, racional ou imaginativamente concebido, +e do naturalismo, ponderada ou orgiacamente realisado. Atrevo-me a dizer +que estes dois feitios ou temperamentos são constitucionaes do espirito +humano, e que da coexistencia necessaria d'elles resulta um terceiro--o +sceptico, o critico, o que provêm da comparação de ambos, e por isso não +tem côr, nem é affirmativo; dando-se melhor com a natureza do que com a +phantasmagoria, preferindo a harmonia mais ou menos equilibrada, ou mais +ou menos claudicante do hellenismo, á orgia desenfreada dos orientaes; +considerando a existencia como um compromisso, o dever como uma condição +da vida, mas tambem a fraqueza como uma condição dos homens. Estes tres +temperamentos são correspondentes a typos eternos e irreductiveis da +consciencia humana; e, se o buddhismo é a melhor religião para um +mystico do seculo XIX, saturado de sciencia e derreado de cogitações, o +christianismo, como directo herdeiro do hellenismo, hade eternamente +satisfazer melhor os scepticos e os naturalistas, cujo numero é e foi +sempre infinitamente maior, entre os europeos. + +«Um hellenismo coroado por um buddhismo» eis a formula com que mais de +uma vez Anthero de Quental me tem exprimido o seu pensamento--a sua +chimera! Chimera, digo, por que a corôa não nos póde assentar na cabeça, +sob pena de a crivar de espinhos e de a deixar escorrendo sangue. Fundar +o principio da acção na inercia systematica, a realidade no não-ser, a +vida no anniquilamento, só é praticamente acceitavel para o commum de +homens quando acreditem na metempsycose, dogma tão infantilmente mythico +do buddhismo como v. g. o inferno do christianismo. Ao christianismo, +porém, tirando-se-lhe tudo quanto a imaginação semita deu para a sua +formação, fica ainda o hellenismo, isto é, um idealismo mais ou menos +pantheista e uma theoria moral--cousas que eu não affirmo que resistam a +uma analyse rigorosamente logica, por isso mesmo que todo o nosso +conhecimento racional das cousas assenta apenas sobre axiomas do senso +commum--ao passo que, em se tirando a metempsycose ao buddhismo, o +buddhismo reduz-se a uma nevoa de abstracções. + +Pobre humanidade, se se visse condemnada á coroação buddhista! Nós +europeos, incapazes de nos sujeitarmos ao regime da contemplação inerte, +soffreriamos as agonias, experimentariamos as afflicções do poeta que, +tendo no peito um coração activo, tem na cabeça uma imaginação mystica, +e, para obedecer ao pensamento, tortura o coração, sem poder tambem +esmagal-o sob o mando da intelligencia. + +D'este cruel estado vêm os documentos que attestam a transformação +soffrida pela ironia dos periodos anteriores. Que nome se hade dar ao +sentimento que inspira os sonetos _Á Virgem Santissima_ e o _Na mão de +Deus_ que fecha o volume? Eu por mim chamarei humorismo transcendente a +essa liga intima da piedade e da ironia, e declaro que nunca vi cousa +parecida posta em verso. Em prosa, ha mais de um periodo de Renan +inspirado por um espirito similhante, embora menos agudo. + +Ó visão, visão triste e piedosa! +Fita-me assim calada, assim chorosa, +E deixa-me sonhar a vida inteira! + +A visão é a Virgem Santissima, e a poesia é tão sincera, tão verdadeira, +tão cheia de piedade e uncção, que eu sei de mais de um livro de resas +onde andam copias escriptas. + +Dorme o teu somno, coração liberto, +Dorme na mão de Deus eternamente! + +Um monge christão escreveria isto. E Anthero de Quental nem é christão, +nem crê em Deus, nem na Virgem, segundo o sentido ordinario da palavra +crer. + +Blasphemar era bom n'outros tempos; para a ironia tambem a idade passou; +finalmente para o _exercicio litterario_ nunca se inclinou a penna que o +poeta molhou sempre no seu sangue. Como explicar, pois, o phenomeno? + +Por acaso subiu já o leitor ao cume de um monte sufficientemente alto +para que toda a paysagem lhe apparecesse á vista, fundida a ponto de não +distinguir uma arvore de um cazal, nem um rio de um valle sem curso de +agua? Pois succede assim nas campinas da historia do pensamento humano, +quando as olhamos das cumiadas luminosas da critica. Vêem-se as cousas +na sua essencia, não importam os accidentes. O fetiche que o selvagem +adora, a imagem perante a qual se prostra o commum dos crentes, o +architecto universal dos pensadores livres, e finalmente esse _quid_ +innominado a que a philosophia moderna chamou Inconsciente--tudo isso é +egualmente Deus: sómente é Deus percebido pela imaginação infantil, Deus +percebido pela intelligencia vulgar, Deus percebido pelo saber +incipiente, e Deus finalmente incomprehendido, mas sentido, pela +sabedoria. E todas essas modalidades de uma mesma impressão, recebida e +representada de fórma diversa, consoante a natureza e o estado de +educação dos homens, são egualmente verdadeiras, egualmente santas e +egualmente humoristicas, para aquelle que tem coração para sentir as +cousas por dentro, e olhos para as ver de fora--objectivamente, como os +allemães dizem, e nós diremos criticamente. + +Eis ahi a suprema liberdade do espirito, o Nirvâna apenas intellectual, +a que eu prefiro chamar impassibilidade subjectiva: um estado que +permitte comprehender todas as cousas, analysando-as e classificando-as, +sem todavia nos transmittir essa especie de frialdade de coração, +propria dos naturalistas quando estudam uma rocha, uma planta ou um +animal. O philosopho, impassivel ao analysar e classificar os phenomenos +do espirito humano, ha-de misturar ao sorriso que provocam todas as +vaidades e illusões, o amor que merecem todos os sentimentos ingenuos e +fundamentalmente bons; hade alliar á comprehensão da nullidade +extrinseca das cousas, a comprehensão da sua excellencia intrinseca; +exigindo que o homem seja activo, porque a actividade é boa por ser +indispensavel á saude do espirito, embora os objectos da actividade +sejam as mais das vezes irritos e nullos, quando considerados em si +proprios e isoladamente. + +E eis ahi as razões porque eu não sou buddhista... nem Anthero de +Quental o é, embora julgue sel-o. A evolução dolorosa que terminou com o +seu ultimo soneto, esta longa e tempestuosa viagem atravez do mar +tenebroso da phantasia metaphisica, parece ter concluido. A edade, +talvez, acima de tudo, trouxe ao espirito do poeta uma paz illuminada de +bondade e sabedoria, e como a sua alma é san e a sua intelligencia firme +e sempre activa, é mais que provavel que o declinar da vida de Anthero +de Quental enriqueça o peculio por signal bem pobre da philosophia +portuguesa com algum trabalho tão digno de se conservar na memoria dos +tempos, como estes _Sonetos_ que são as amargas flores de uma mocidade. +Esse trabalho, porem, não será um cathecismo buddhista, não pode ser +nenhuma revelação milagrosa do _verdadeiro_ systema, porque a sabedoria +nos diz que toda a pretenção de Verdade é illusoria, pois sendo nós, a +nossa intelligencia, os nossos pensamentos, simples e fugitivas +contingencias, é loucura pensar que jamais possamos definir o Absoluto. +Cada qual sente-o a seu modo, segundo o seu temperamento; e sabio é +aquelle que se limita a registrar as relações das cousas. + + +III + + +Quem deante d'estes versos não sentir elevar-se-lhe o espirito, como +n'uma oração, áquella especie de Deus que é compativel com o seu +temperamento ou com o estado de educação do seu pensamento, é por que +tem dentro do peito, no logar do coração, um seixo polido e frio. Quem, +no meio do lidar da vida, roçando os braços pelas arestas cortantes que +a erriçam de angulos, pousar o olhar da alma sobre um d'estes sonetos e +não sentir o que os sequiosos sentem ao encontrarem um arroio de agua +limpida, é porque tem a alma feita apenas de egoismo. Quem, emergindo +dos montões de papelada que as imprensas vomitam diariamente, deitar os +olhos sobre estas paginas, e não sentir o deslumbramento que os +diamantes produzem, é porque a sua vista se embaciou com o exame dos +livros grosseiros em todo o sentido, e a sua lingua perdeu o habito de +fallar portuguez. + +Um dos nossos mais queridos amigos, um dos que conhecem de perto Anthero +de Quental--e sómente o conhece quem com elle viveu largo tempo na +intimidade--interroga-me geralmente d'este modo: «E _santo_ Anthero, +como vae?» + +Dil-o com a convicção quente dos artistas, mas eu, que o não sou, tenho +a pôr embargos, porque a santidade não é planta adequada ao clima do +nosso tempo. Exige uma porção de sentimento ingenuo que já não ha nos +ares que respiramos. + +A vida contemplativa, porem, a vida asceta inclusivamente: essa virtude +austera para comsigo, tolerante para com tudo e para com todos; esse +observar constante de si proprio e o dispensar de um sorriso sempre bom, +embora indifferente com frequencia, aos que alguma vez o rodeiam; a +caridade, o amor, a abnegação, as tentações, as crises, as lagrimas, as +afflicções, as duvidas cruciantes e as dores angustiosas: tudo o que, +reunido, forma uma alma mystica--tudo isso móra na alma d'este poeta +arrebatada pela visão inextinguivel do Bem. + +Só no meu coração, que sondo e meço, +Não sei que voz, que eu mesmo desconheço, +Em segredo protesta e affirma o Bem. + +E para nada faltar a este mystico, anachronicamente perdido no meio do +borborinho de um seculo activo até á demencia, tem tambem uma fé +ardente--uma fé buddhista. Somente o seu Deus, Deus sem vontade, sem +intelligencia e sem consciencia, é, para nós outros, a quem são vedados +os mysterios da metaphisica buddhista, igual a cousa nenhuma. + +Este homem, fundamentalmente bom, se tivesse vivido no seculo VI ou no +seculo XIII, seria um dos companheiros de S. Bento ou de S. Francisco de +Assis. No seculo XIX é um excentrico, mas d'esse feitio de +excentricidade que é indispensavel, porque a todos os tempos foram +indispensaveis os herejes, a que hoje se chama dissidentes. + +_Oliveira Martins_. + + + + +OS CAPTIVOS + + +Encostados ás grades da prisão, +Olham o céo os pallidos captivos. +Já com raios obliquos, fugitivos, +Despede o sol um ultimo clarão. + +Entre sombras, no longe, vagamente, +Morrem as vozes na extensão saudosa. +Cae do espaço, pesada, silenciosa, +A tristeza das cousas, lentamente. + +E os captivos suspiram. Bandos de aves +Passam velozes, passam apressados, +Como absortos em intimos cuidados, +Como absortos em pensamentos graves. + +E dizem os captivos: Na amplidão +Jamais se extingue a eterna claridade... +A ave tem o vôo e a liberdade... +O homem tem os muros da prisão! + +Aonde ides? qual é vossa jornada? +Á luz? á aurora? á immensidade? aonde? +--Porém o bando passa e mal responde: +Á noite, á escuridão, ao abysmo, ao nada!-- + +E os captivos suspiram. Surge o vento, +Surge e perpassa esquivo e inquieto, +Como quem traz algum pezar secreto, +Como quem soffre e cala algum tormento. + +E dizem os captivos: Que tristezas, +Que segredos antigos, que desditas, +Caminheiro de estradas infinitas, +Te levam a gemer pelas devezas? + +Tu que procuras? que visão sagrada +Te acena da soidão onde se esconde? +--Porém o vento passa e só responde: +A noite, a escuridão, o abysmo, o nada!-- + +E os captivos suspiram novamente. +Como antigos pezares mal extinctos, +Como vagos desejos indistinctos, +Surgem do escuro os astros, lentamente. + +E fitam-se, em silencio indecifravel, +Contemplam-se de longe, mysteriosos, +Como quem tem segredos dolorosos, +Como quem ama e vive inconsolavel... + +E dizem os captivos: Que problemas +Eternos, primitivos vos attrahem? +Que luz fitaes no centro d'onde saem +A flux, em jorro, as intuições supremas? + +Por que esperaes? n'essa amplidão sagrada +Que soluções esplendidas se escondem? +--Porém os astros tristes só respondem: +A noite, a escuridão, o abysmo, o nada!-- + +Assim a noite passa. Rumorosos +Susurram os pinhaes meditativos, +Encostados ás grades, os captivos +Olham o céo e choram silenciosos. + + + + +OS VENCIDOS + + +Tres cavalleiros seguem lentamente +Por uma estrada erma e pedregosa. +Geme o vento na selva rumorosa, +Cae a noite do céo, pesadamente. + +Vacilam-lhes nas mãos as armas rotas, +Têm os corceis poentos e abatidos, +Em desalinho trazem os vestidos, +Das feridas lhe cae o sangue, em gotas. + +A derrota, traiçoeira e pavorosa, +As fontes lhes curvou, com mão potente. +No horisonte escuro do poente +Destaca-se uma mancha sanguinosa. + +E o primeiro dos tres, erguendo os braços, +Diz n'um soluço: «Amei e fui amado! +Levou-me uma visão, arrebatado, +Como em carro de luz, pelos espaços! + +Com largo vôo, penetrei na esphera +Onde vivem as almas que se adoram, +Livre, contente e bom, como os que moram +Entre os astros, na eterna primavera. + +Porque irrompe no azul do puro amor +O sopro do desejo pestilente? +Ai do que um dia recebeu de frente +O seu halito rude e queimador! + +A flor rubra e olorosa da paixão +Abre languida ao raio matutino, +Mas seu profundo calix purpurino +Só reçuma veneno e podridão. + +Irmãos, amei--amei e fui amado... +Por isso vago incerto e fugitivo, +E corre lentamente um sangue esquivo +Em gotas, de meu peito alanceado.» + +Responde-lhe o segundo cavalleiro, +Com sorriso de tragica amargura: +«Amei os homens e sonhei ventura, +Pela justiça heroica, ao mundo inteiro. + +Pelo direito, ergui a voz ardente +No meio das revoltas homicidas: +Caminhando entre raças opprimidas, +Fil-as surgir, como um clarim fremente. + +Quando ha de vir o dia da justiça? +Quando ha de vir o dia do resgate? +Trahio-me o gladio em meio do combate +E semeei na areia movediça! + +As nações, com sorriso bestial, +Abrem, sem ler, o livro do futuro. +O povo dorme em paz no seu monturo, +Como em leito de purpura real. + +Irmãos, amei os homens e contente +Por elles combati, com mente justa... +Por isso morro á mingoa e a areia adusta +Bebe agora meu sangue, ingloriamente.» + +Diz então o terceiro cavalleiro: +«Amei a Deus e em Deus puz alma e tudo. +Fiz do seu nome fortaleza e escudo +No combate do mundo traiçoeiro + +Invoquei-a nas horas affrontosas +Em que o mal e o peccado dão assalto. +Procurei-o, com ancia e sobresalto, +Sondando mil sciencias duvidosas. + +Que vento de ruina bate os muros +Do templo eterno, o templo sacrosanto? +Rolam, desabam, com fragor e espanto, +Os astros pelo céo, frios e escuros! + +Vacila o sol e os santos desesperam... +Tedio reçuma a luz dos dias vãos... +Ai dos que juntam com fervor as mãos! +Ai dos que crêem! ai dos que inda esperam! + +Irmãos, amei a Deus, com fé profunda... +Por isso vago sem conforto e incerto, +Arrastando entre as urzes do deserto +Um corpo exangue e uma alma moribunda.» + +E os tres, unindo a voz n'um ai supremo, +E deixando pender as mãos cançadas +Sobre as armas inuteis e quebradas, +N'um gesto inerte de abandono extremo, + +Sumiram-se na sombra duvidosa +Da montanha calada e formidavel, +Sumiram-se na selva impenetravel +E no palor da noite silenciosa. + + + + +ENTRE SOMBRAS + + +Vem ás vezes sentar-se ao pé de mim +--A noite desce, desfolhando as rosas-- +Vem ter commigo, ás horas duvidosas, +Uma visão, com azas de setim... + +Pousa de leve a delicada mão +--Rescende amena a noite socegada-- +Pousa a mão compassiva e perfumada +Sobre o meu dolorido coração... + +E diz-me essa visão compadecida +--Ha suspiros no espaço vaporoso-- +Diz-me: Porque é que choras silencioso? +Porque é tão erma e triste a tua vida? + +Vem commigo! Embalado nos meus braços +--Na noite funda ha um silencio santo-- +N'um sonho feito só de luz e encanto +Transporás a dormir esses espaços... + +Porque eu habito a região distante +--A noite exhala uma doçura infinda-- +Onde ainda se crê e se ama ainda, +Onde uma aurora igual brilha constante... + +Habito ali, e tu virás commigo +--Palpita a noite n'um clarão que offusca-- +Porque eu venho de longe, em tua busca, +Trazer-te paz e alivio, pobre amigo... + +Assim me fala essa visão nocturna +--No vago espaço ha vozes dolorosas-- +São as suas palavras carinhosas +Agua correndo em crystalina urna... + +Mas eu escuto-a immovel, somnolento +--A noite verte um desconsolo immenso-- +Sinto nos membros como um chumbo denso, +E mudo e tenebroso o pensamento... + +Fito-a, n'um pasmo doloroso absorto +--A noite é erma como campa enorme-- +Fito-a com olhos turvos de quem dorme +E respondo: Bem sabes que estou morto! + + + + +HYMNO DA MANHÃ + + +Tu, casta e alegre luz da madrugada, +Sobe, cresce no céo, pura e vibrante, +E enche de força o coração triumphante +Dos que ainda esperam, luz immaculada! + +Mas a mim pões-me tu tristeza immensa +No desolado coração. Mais quero +A noite negra, irmã do desespero, +A noite solitaria, immovel, densa, + +O vacuo mudo, onde astro não palpita, +Nem ave canta, nem susurra o vento, +E adormece o proprio pensamento, +Do que a luz matinal... a luz bemdita! + +Porque a noite é a imagem do Não-Ser, +Imagem do repouso inalteravel +E do esquecimento inviolavel, +Que anceia o mundo, farto de soffrer... + +Porque nas trevas sonda, fixo e absorto, +O nada universal o pensamento, +E despreza o viver e o seu tormento. +E olvida, como quem está já morto... + +E, interrogando intrepido o Destino, +Como reu o renega e o condemna, +E virando-se, fita em paz serena +O vacuo augusto, placido e divino... + +Porque a noite é a imagem da Verdade, +Que está além das cousas transitorias. +Das paixões e das formas illusorias, +Onde sómente ha dor e falsidade... + +Mas tu, radiante luz, luz gloriosa, +De que és symbolo tu? do eterno engano, +Que envolve o mundo e o coração humano +Em rede de mil malhas, mysteriosa! + +Symbolo, sim, da universal traição, +D'uma promessa sempre renovada +E sempre e eternamente perjurada, +Tu, mãe da Vida e mãe da Illusão... + +Outros estendam para ti as mãos, +Supplicantes, com fé, com esperança... +Ponham outros seu bem, sua confiança +Nas promessas e a luz dos dias vãos... + +Eu não! Ao ver-te, penso: Que agonia +E que tortura ainda não provada +Hoje me ensinará esta alvorada? +E digo: Porque nasce mais um dia? + +Antes tu nunca fosses, luz formosa! +Antes nunca existisses! e o Universo +Ficasse inerte e eternamente immerso +Do possivel na nevoa duvidosa! + +O que trazes ao mundo em cada aurora? +O sentimento só, só a consciencia, +D'uma eterna, incuravel impotencia, +Do insaciavel desejo, que o devora! + +De que são feitos os mais bellos dias? +De combates, de queixas, de terrores! +De que são feitos? de illusões, de dores, +De miserias, de maguas, de agonias! + +O sol, inexoravel semeador, +Sem jamais se cançar, percorre o espaço, +E em borbotões lhe jorram do regaço +As sementes innumeras da Dor! + +Oh! como cresce, sob a luz ardente, +A seara maldita! como treme +Sob os ventos da vida e como geme +N'um susurro monotono e plangente! + +E cresce e alastra, em ondas voluptuosas, +Em ondas de cruel fecundidade, +Com a força e a subtil tenacidade +Invencivel das plantas venenosas! + +De podridões antigas se alimenta, +Da antiga podridão do chão fatal... +Uma fragrancia morbida, mortal +Lhe reçuma da seiva peçonhenta... + +E é esse aroma languido e profundo, +Feito de seducções vagas, magneticas, +De ardor carnal e de attracções poeticas, +É esse aroma que envenena o mundo! + +Como um clarim soando pelos montes, +A aurora acorda, placida e inflexivel, +As miserias da terra: e a hoste horrivel, +Enchendo de clamor e horisontes. + +Torva, cega, colerica, faminta, +Surge mais uma vez e arma-se á pressa +Para o bruto combate, que não cessa, +Onde é vencida sempre e nunca extincta! + +Quantos erguem n'esta hora, com esforço, +Para a luz matinal as armas novas, +Pedindo a lucta e as formidaveis provas, +Alegres e crueis e sem remorso, + +Que esta tarde ha-de ver, no duro chão +Cahidos e sangrentos, vomitando +Contra o céo, com o sangue miserando, +Uma extrema e importante imprecação! + +Quantos tambem, de pé, mas esquecidos, +Ha-de a noite encontrar, sós e encostados +A algum marco, chorando aniquilados +As lagrimas caladas dos vencidos! + +E porque? para que? para que os chamas, +Serena luz, ó luz inexoravel, +Á vida incerta e á lucta inexpiavel, +Com as falsas visões, com que os inflamas? + +Para serem o brinco d'um só dia +Na mão indifferente do Destino... +Clarão de fogo-fatuo repentino, +Cruzando entre o nascer e a agonia... + +Para serem, no páramo enfadonho, +Á luz de astros malignos e enganosos, +Como um bando de espectros lastimosos, +Como sombras correndo atraz d'um sonho... + +Oh! não! luz gloriosa e triumphante! +Sacode embora o encanto e as seducções, +Sobre mim, do teu manto de illusões: +A meus olhos, és triste e vacillante... + +A meus olhos, és baça e luctuosa +E amarga ao coração, ó luz do dia, +Como tocha esquecida que allumia +Vagamente uma crypta monstruosa... + +Surges em vão, e em vão, por toda a parte, +Me envolves, me penetras, com amor... +Causas-me espanto a mim, causas-me horror, +E não te posso amar--não quero amar-te! + +Symbolo da Mentira universal, +Da apparencia das cousas fugitivas, +Que esconde, nas moventes perspectivas, +Sob o eterno sorriso o eterno Mal, + +Symbolo da Illusão, que do infinito +Fez surgir o Universo, já marcado +Para a dor, para o mal, para o peccado, +Symbolo da existencia, sê maldito! + + + + +A FADA NEGRA + + +Uma velha de olhar mudo e frio, +De olhos sem cor, de labios glaciaes, +Tomou-me nos seus braços sepuleraes. +Tomou-me sobre o seio ermo e vasio. + +E beijou-me em silencio, longamente, +Longamente me unio á face fria... +Oh! como a minha alma se estorcia +Sob os seus beijos, dolorosamente! + +Onde os labios pousou, a carne logo +Myrrou-se e encaneceu-se-me o cabello, +Meus ossos confrangeram-se. O gelo +Do seu bafo seccava mais que o fogo. + +Com seu olhar sem cor, que me fitava, +A Fada negra me qualhou o sangue. +Dentro em meu coração inerte e exangue +Um silencio de morte se engolfava. + +E volvendo em redor olhos absortos, +O mundo pareceu-me uma visão, +Um grande mar de nevoa, de illusão, +E a luz do sol como um luar de mortos... + +Como o espectro d'um mundo já defuncto, +Um farrapo de mundo, nevoento, +Ruina aerea que sacode o vento, +Sem cor, sem consistencia, sem conjuncto... + +E quanto adora quem adora o mundo, +Brilho e ventura, esperar, sorrir, +Eu vi tudo oscilar, pender, cahir, +Inerte e já da cor d'um moribundo. + +Dentro em meu coração, n'esse momento, +Fez-se um buraco enorme--e n'esse abysmo +Senti ruir não sei que cataclismo, +Como um universal desabamento... + +Razão! velha de olhar agudo e cru +E de halito mortal mais do que a peste! +Pelo beijo de gelo que me deste, +Fada negra, bemdita sejas tu! + +Bemdita sejas tu pela agonia +E o lucto funeral d'aquella hora +Em que eu vi baquear quanto se adora, +Vi de que noite é feita a luz do dia! + +Pelo pranto e as torturas bemfazejas +Do desengano... pela paz austera +D'um morto coração, que nada espera, +Nem deseja tambem... bemdita sejas! + + + + +*1860--1862* + + + + +IGNOTO DEO + + +Que belleza mortal se te assemelha, +Ó sonhada visão d'esta alma ardente, +Que reflectes em mim teu brilho ingente, +Lá como sobre o mar o sol se espelha? + +O mundo é grande--e esta ancia me aconselha +A buscar-te na terra: e eu, pobre crente, +Pelo mundo procuro um Deus clemente, +Mas a ara só lhe encontro... nua e velha... + +Não é mortal o que eu em ti adoro. +Que és tu aqui? olhar de piedade, +Gota de mel em taça de venenos... + +Pura essencia das lagrimas que chóro +E sonho dos meus sonhos! se és verdade, +Descobre-te, visão, ao céo ao menos! + + + + +LAMENTO + + +Um diluvio de luz cae da montanha: +Eis o dia! eis o sol! o esposo amado! +Onde ha por toda a terra um só cuidado +Que não dissipe a luz que o mundo banha? + +Flor a custo medrada em erma penha, +Revolto mar ou golfo congelado, +Aonde ha ser de Deus tão olvidado +Para quem paz e alivio o céo não tenha? + +Deus é Pae! Pae de toda a creatura: +E a todo o ser o seu amor assiste: +De seus filhos o mal sempre é lembrado... + +Ah! se Deus a seus filhos dá ventura +N'esta hora santa... e eu só posso ser triste... +Serei filho, mas filho abandonado! + + + + +A M.C. + + +Poz-te Deus sobre a fronte a mão piedosa: +O que fada o poeta e o soldado +Volveu a ti o olhar, de amor velado, +E disse-te: «vae, filha, sê formosa!» + +E tu, descendo na onda harmoniosa, +Pousaste n'este solo angustiado, +Estrella envolta n'um clarão sagrado, +Do teu limpido olhar na luz radiosa... + +Mas eu... posso eu acaso merecer-te? +Deu-te o Senhor, mulher! o que é vedado, +Anjo! Deu-te o Senhor um mundo á parte. + +E a mim, a quem deu olhos para ver-te, +Sem poder mais... a mim o que me ha dado? +Voz, que te cante, e uma alma para amar-te! + + + + +A Santos Valente + + +Estreita é do prazer na vida a taça: +Largo, como o oceano é largo e fundo, +E como elle em venturas infecundo, +O cális amargoso da desgraça. + +E comtudo nossa alma, quando passa +incerta peregrina, pelo mundo, +Prazer só pede à vida, amor fecundo, +É com essa esperança que se abraça. + +É lei de Deus este aspirar immenso... +E comtudo a illusão impoz à vida. +E manda buscar luz e dá-nos treva! + +Ah! se Deus accendeu um foco intenso +De amor e dor em nós, na ardente lida, +Porque a miragem cria... ou porque a leva? + + + + +Tormanto do Ideal + + +Conheci a Belleza que não morre +E fiquei triste. Como quem da serra +Mais alta que haja, olhando aos pés a terra +E o mar, vê tudo, a maior nau ou torre, + +Minguar, fundir-se, sob a luz que jorre: +Assim eu vi o mundo e o que elle encerra +Perder a côr, bem como a nuvem que erra +Ao pôr do sol e sobre o mar discorre. + +Pedindo à fórma, em vão, a idea pura, +Tropéço, em sombras, na materia dura. +E encontro a imperfeição de quanto existe. + +Recebi o baptismo dos poetas, +E assentado entre as fórmas incompletas +Para sempre fiquei pallido e triste. + + + + +ASPIRAÇÃO + + +Meus dias vão correndo vagarosos +Sem prazer e sem dôr, e até parece +Que o foco interior já desfallece +E vacilla com raios duvidosos. + +É bella a vida e os annos são formosos, +E nunca ao peito amante o amor fallece... +Mas, se a belleza aqui nos apparece, +Logo outra lembra de mais puros gosos. + +Minh'alma, ó Deus! a outros céos aspira: +Se um momento a prendeu mortal belleza, +É pela eterna patria que suspira... + +Porém do presentir dá-me a certeza. +Dá-ma! e sereno, embora a dôr me fira, +Eu sempre bemdirei esta tristeza! + + + + +A FLORIDO TELLES + + +Se comparo poder ou ouro ou fama, +Venturas que em si têm occulto o damno, +Com aquele outro affecto soberano, +Que amor se diz e é luz de pura chama, + +Vejo que são bem como arteira dama, +Que sob honesto riso esconde o engano, +E o que as segue, como homem leviano +Que por um vão prazer deixa quem ama. + +Nasce do orgulho aquelle esteril goso +E a gloria d'elle é cousa fraudulenta, +Como quem na vaidade tem a palma: + +Tem na paixão seu brilho mais formoso +E das paixões tambem some-o a tormenta... +Mas a gloria do amor... essa vem d'alma! + + + + +PSALMO + + +Esperemos em Deus! Elle ha tomado +Em suas mãos a massa inerte e fria +Da materia impotente e, n'um só dia, +Luz, movimento, acção, tudo lhe ha dado. + +Elle, ao mais pobre de alma, ha tributado +Desvelo e amor: elle conduz á via +Segura quem lhe foge e se extravia, +Quem pela noite andava desgarrado. + +E a mim, que aspiro a elle, a mim, que o amo, +Que anceio por mais vida e maior brilho. +Ha-de negar-me o termo d'este anceio? + +Buscou quem o não quiz; e a mim, que o chamo, +Ha-de fugir-me, como a ingrato filho? +Ó Deus, meu pae e abrigo! espero!... eu creio! + + + + +A M.C. + + +No céo, se existe um céo para quem chora. +Céo, para as magoas de quem soffre tanto... +Se é lá do amor o foco, puro e santo, +Chama que brilha, mas que não devora... + +No céo, se uma alma n'esse espaço mora. +Que a prece escuta e encharga o nosso pranto... +Se ha Pae, que estenda sobre nós o manto +Do amor piedoso... que eu não sinto agora... + +No céo, ó virgem! findarão meus males: +Hei-de lá renascer, eu que pareço +Aqui ter só nascido para dôres. + +Ali, ó lyrio dos celestes valles! +Tendo seu fim, terão o seu começo. +Para não mais findar, nossos amores. + + + + +A João de Deus + + +Se é lei, que rege o escuro pensamento, +Ser vã toda a pesquisa da verdade, +Em vez da luz achar a escuridade, +Ser uma queda nova cada invento; + +É lei tambem, embora cru tormento, +Buscar, sempre buscar a claridade, +E só ter como certa realidade +O que nos mostra claro o entendimento. + +O que ha-de a alma escolher, em tanto engano? +Se uma hora crê de fé, logo duvida: +Se procura, só acha... o desatino! + +Só Deus póde acudir em tanto damno: +Esperemos a luz d'uma outra vida, +Seja a terra degredo, o céo destino. + + + + +A Alberto Telles + + +Só!--Ao ermita sósinho na montanha +Visita-o Deus e dá-lhe confiança: +No mar, o nauta, que o tufão balança, +Espera um sopro amigo que o céo tenha... + +Só!--Mas quem se assentou em riba estranha, +Longe dos seus, lá tem inda a lembrança: +E Deus deixa-lhe ao menos a esperança +Ao que á noite soluça em erma penha... + +Só!--Não o é quem na dor, quem nos cançaços, +Tem um laço que o prenda a este fadario. +Uma crença, um desejo... e inda um cuidado... + +Mas cruzar, com desdem, inertes braços, +Mas passar, entre turbas, solitario, +Isto é ser só, é ser abandonado! + + + + +A J. Felix dos Santos + + +Sempre o futuro, sempre! e o presente +Nunca! Que seja esta hora em que se existe +De incerteza e de dor sempre a mais triste, +E só farte o desejo um bem ausente! + +Ai! que importa o futuro, se inclemente +Essa hora, em que a esperança nos consiste, +Chega... é presente... e só á dor assiste?... +Assim, qual é a esperança que não mente? + +Desventura ou delirio?... O que procuro, +Se me foge, é miragem enganosa, +Se me espera, peor, espectro impuro... + +Assim a vida passa vagarosa: +O presente, a aspirar sempre ao futuro: +O futuro, uma sombra mentirosa. + + + + +A M. C. + + +Porque descrês, mulher, do amor, da vida? +Porque esse Hermon transformas em Calvario? +Porque deixas que, aos poucos, do sudario +Te aperte o seio a dobra humedecida? + +Que visão te fugio, que assim perdida +Buscas em vão n'este ermo solitario? +Que signo obscuro de cruel fadario +Te faz trazer a fronte ao chão pendida? + +Nenhum! intacto o bem em ti assiste: +Deus, em penhor, te deu a formosura; +Bençãos te manda o céo em cada hora. + +E descrês do viver?... E eu, pobre e triste, +Que só no teu olhar leio a ventura, +Se tu descrês, em que hei-de eu crer agora? + + + + +A Alberto Sampaio + + +Não me fales de gloria: é outro o altar +Onde queimo piedoso o meu incenso, +E animado de fogo mais intenso, +De fé mais viva, vou sacrificar. + +A gloria! pois que ha n'ella que adorar? +Fumo, que sobre o abysmo anda suspenso... +Que vislumbre nos dá do amor immenso? +Esse amor que ventura faz gosar? + +Ha outro mais perfeito, unico eterno, +Farol sobre ondas tormentosas firme, +De immoto brilho, poderoso e terno... + +Só esse hei-de buscar, e confundir-me +Na essencia do amor puro, sempiterno... +Quero só n'esse fogo consumir-me! + + + + +A Germano Meyrelles + + +Só males são reaes, só dor existe; +Prazeres só os gera a phantasia; +Em nada, um imaginar, o bem consiste, +Anda o mal em cada hora e instante e dia. + +Se buscamos o que é, o que devia +Por natureza ser não nos assiste; +Se fiamos n'um bem, que a mente cria, +Que outro remedio ha ahi senão ser triste? + +Oh! quem tanto pudera, que passasse +A vida em sonhos só, e nada vira... +Mas, no que se não vê, labor perdido! + +Quem fôra tão ditoso que olvidasse... +Mas nem seu mal com elle então dormira, +Que sempre o mal peor é ter nascido! + + + + +A M. C. + + +Não busco n'esta vida gloria ou fama: +Das turbas que me importa o vão ruído? +Hoje, deus... e amanhã, já esquecido +Como esquece o clarão de extincta chama! + +Foco incerto, que a luz já mal derrama, +Tal é essa ventura: eccho perdido, +Quanto mais se chamou, mais escondido +Ficou inerte e mudo á voz que o chama. + +D'essa coroa é cada flor um engano, +É miragem em nuvem illusoria, +É mote vão de fabuloso arcano. + +Mas coroa-me tu: na fronte ingloria +Cinge-me tu o louro soberano... +Verás, verás então se amo essa gloria! + + + + +AD AMICOS + + +Em vão luctamos. Como nevoa baça, +A incerteza das cousas nos envolve. +Nossa alma, em quanto cria, em quanto volve, +Nas suas proprias redes se embaraça. + +O pensamento, que mil planos traça, +É vapor que se esvae e se dissolve; +E a vontade ambiciosa, que resolve, +Como onda entre rochedos se espedaça. + +Filhos do Amor, nossa alma é como um hymno +Á luz, á liberdade, ao bem fecundo, +Prece e clamor d'um presentir divino; + +Mas n'um deserto só, arido e fundo, +Ecchoam nossas vozes, que o Destino +Paira mudo e impassivel sobre o mundo. + + + + +A um crucifixo + + +Ha mil annos, bom Christo, ergueste os magros braços +E clamaste da cruz: ha Deus! e olhaste, ó crente, +O horizonte futuro e viste, em tua mente, +Um alvor ideal banhar esses espaços! + +Porque morreu sem eccho o eccho de teus passos, +E de tua palavra (ó Verbo!) o som fremente? +Morreste... ah! dorme em paz! não volvas, que descrente +Arrojáras de nova á campa os membros lassos... + +Agora, como então, na mesma terra erma, +A mesma humanidade é sempre a mesma enferma, +Sob o mesmo ermo céo, frio como um sudario... + +E agora, como então, viras o mundo exangue, +E ouviras perguntar--de que servio o sangue +Com que regaste, ó Christo, as urzes do Calvario?-- + + + + +Desesperança + + +Vae-te na aza negra da desgraça, +Pensamento de amor, sombra d'uma hora, +Que abracei com delirio, vae-te, embora, +Como nuvem que o vento impelle... e passa. + +Que arrojemos de nós quem mais se abraça, +Com mais ancia, á nossa alma! e quem devora +D'essa alma o sangue, com que vigora, +Como amigo commungue á mesma taça! + +Que seja sonho apenas a esperança, +Emquanto a dor eternamente assiste. +E só engano nunca a desventura! + +Se era silencio soffrer fôra vingança!.. +Envolve-te em ti mesma, ó alma triste, +Talvez sem esperança haja ventura! + + + + +BEATRICE + + +Depois que dia a dia, aos poucos desmaiando, +Se foi a nuvem d'ouro ideal que eu vira erguida: +Depois que vi descer, baixar no céo da vida +Cada estrella e fiquei nas trevas laborando: + +Depois que sobre o peito os braços apertando +Achei o vacuo só, e tive a luz sumida +Sem ver já onde olhar, e em todo vi perdida +A flor do meu jardim, que eu mais andei regando: + +Retirei os meus pés da senda dos abrolhos, +Virei-me a outro céo, nem ergo já meus olhos +Senão á estrella ideal, que a luz d'amor contém... + +Não temas pois--Oh vem! o céo é puro, e calma +E silenciosa a terra, e doce o mar, e a alma... +A alma! não vês tu? mulher, mulher! oh vem! + + + + +1862--1866 + + + + +AMOR VIVO + + +Amar! mas d'um amor que tenha vida... +Não sejam sempre timidos harpejos, +Não sejam só delirios e desejos +D'uma douda cabeça escandecida... + +Amor que vive e brilhe! luz fundida +Que penetre o meu ser--e não só beijos +Dados no ar--delirios e desejos-- +Mas amor... dos amores que têm vida... + +Sim, vivo e quente! e já a luz do dia +Não virá dissipal-o nos meus braços +Como nevoa da vaga phantasia... + +Nem murchará do sol á chama erguida... +Pois que podem os astros dos espaços +Contra debeis amores... se têm vida? + + + + +VISITA + + +Adornou o meu quarto a flor do cardo, +Perfumei-o de almiscar recendente; +Vesti-me com a purpura fulgente, +Ensaiando meus cantos, como um bardo; + +Ungi as mãos e a face com o nardo +Crescido nos jardins do Oriente, +A receber com pompa, dignamente, +Mysteriosa visita a quem aguardo. + +Mas que filha de reis, que anjo ou que fada +Era essa que assim a mim descia, +Do meu casebre á humida pousada?... + +Nem princezas, nem fadas. Era, flor, +Era a tua lembrança que batia +Ás portas de ouro e luz do meu amor! + + + + +PEQUENINA + + +Eu bem sei que te chamam _pequenina_ +E tenue como o véo solto na dança, +Que és no juizo apenas a _criança_, +Pouco mais, nos vestidos, que a _menina_... + +Que és o regato de agua mansa e fina, +A folhinha do til que se balança, +O peito que em correndo logo cança, +A fronte que ao soffrer logo se inclina... + +Mas, filha, lá nos montes onde andei, +Tanto me enchi de angustia e de receio +Ouvindo do infinito os fundos ecchos, + +Que não quero imperar nem já ser rei +Senão tendo meus reinos em teu seio +E subditos, criança, em teus bonecos! + + + + +A SULAMISA + + Ego dormio, et cor meum vigilat. CANTICO DOS CANTICOS. + + +Quem anda lá por fóra, pela vinha +Na sombra do luar meio cacoberto, +Sutil nos passos e espreitando incerto, +Com brando respirar de criancinha? + +Um sonho me accordou... não sei que tinha... +Pareceu-me sentil-o aqui tão perto... +Seja alta noite, seja n'um deserto, +Quem ama até em sonhos adivinha... + +Môças da minha terra, ao meu amado +Correi, dizei-lhe que eu dormia agora, +Mas que póde ir contente e descançado, + +Pois se tão cedo adormeci, conforme +É meu costume, olhae, dormia embora, +Porque o meu coração é que não dorme... + + + + +Sonho oriental + + +Sonho-me ás vezes rei, n'alguma ilha, +Muito longe, nos mares do Oriente, +Onde a noite é balsamica e fulgente +E a lua cheia sobre as aguas brilha... + +O aroma da magnolia e da baunilha +Paira no ar diaphano e dormente... +Lambe a orla dos bosques, vagamente, +O mar com finas ondas de escumilha... + +E emquanto eu na varanda de marfim +Me encosto, absorto n'um scismar sem fim, +Tu, meu amor, divagas ao luar, + +Do profundo jardim pelas clareiras, +Ou descanças debaixo das palmeiras, +Tendo aos pés um leão familiar. + + + + +Quinze annos + + +Eu amo a vasta sombra das montanhas, +Que estendem sobre os largos continentes +Os seus braços de rocha negra, ingentes, +Bem como braços colossaes aranhas. + +D'ali o nosso olhar vê tão estranhas +Cousas, por esse céo! e tão ardentes +Visões, lá n'esse mar de ondas trementes! +E ás estrellas, d'ali, vê-as tamanhas! + +Amo a grandeza mysteriosa e vasta... +A grande idea, como a flor e o viço +Da arvore colossal que nos domina... + +Mas tu, criança, sê tu boa... e basta: +Sabe amar e sorrir... é pouco isso? +Mas a ti só te quero pequenina! + + + + +IDYLLIO + + +Quando nós vamos ambos, de mãos dadas, +Colher nos valles lyrios e boninas, +E galgamos d'um folego as colinas +Dos rocios da noite inda orvalhadas; + +Ou, vendo o mar, das ermas cumiadas, +Contemplamos as nuvens vespertinas, +Que parecem phantasticas ruinas +Ao longe, no horisonte, amontoadas: + +Quantas vezes, de subito, emmudeces! +Não sei que luz no teu olhar fluctua; +Sinto tremer-te a mão, e empallideces... + +O vento e o mar murmuram orações, +E a poesia das cousas se insinua +Lenta e amorosa em nossos corações. + + + + +NOCTURNO + + +Espirito que passas, quando o vento +Adormece no mar e surge a lua, +Filho esquivo da noite que fluctua, +Tu só entendes bem o meu tormento... + +Como um canto longinquo--triste e lento-- +Que voga e sutilmente se insinua, +Sobre o meu coração, que tumultua, +Tu vertes pouco a pouco o esquecimento... + +A ti confio o sonho em que me leva +Um instincto de luz, rompendo a treva, +Buscando, entre visões, o eterno Bem. + +E tu entendes o meu mal sem nome, +A febre de Ideal, que me consome, +Tu só, Genio da Noite, e mais ninguem! + + + + +SONHO + + +Sonhei--nem sempre o sonho é cousa vã-- +Que um vento me levava arrebatado, +Atravez d'esse espaço constellado +Onde uma aurora eterna ri louçã... + +As estrellas, que guardam a manhã, +Ao verem-me passar triste e calado, +Olhavam-me e dixiam com cuidado: +Onde está, pobre amigo, a nossa irmã? + +Mas eu baixava os olhos, receoso +Que trahissem as grandes magoas minhas, +E passava furtivo e silencioso, + +Nem ousava contar-lhes, ás estrellas, +Contar ás tuas puras irmansinhas +Quanto és falsa, meu bem, e indigna d'ellas! + + + + +AMARITUDO + + +Só por ti, astro ainda e sempre occulto, +Sombra do Amor e sonho da Verdade, +Divago eu pelo mundo e em anciedade +Meu proprio coração em mim sepulto. + +De templo em templo, em vão, levo o meu culto, +Levo as flores d'uma intima piedade. +Vejo os votos da minha mocidade +Receberem sómente escarneo e insulto. + +Á beira do caminho me assentei... +Escutarei passar o agreste vento, +Exclamando: assim passe quando amei!-- + +Oh minh'alma, que creste na virtude! +O que será velhice e desalento, +Se isto se chama aurora e juventude? + + + + +ABNEGAÇÃO + + +Chovam lyrios e rosas no teu collo! +Chovam hymnos de gloria na tua alma! +Hymnos de gloria e adoração e calma, +Meu amor, minha pomba e meu consolo! + +Dê-te estrellas o céo, flores o solo, +Cantos e aroma o ar e sombra a palmar. +E quando surge a lua e o mar se acalma, +Sonhos sem fim seu preguiçoso rolo! + +E nem sequer te lembres de que eu chóro... +Esquece até, esquece, que te adoro... +E ao passares por mim, sem que me olhes, + +Possam das minhas lagrimas crueis +Nascer sob os teus pés flores fieis, +Que pises distrahida ou rindo esfolhes! + + + + +APPARIÇÃO + + +Um dia, meu amor (e talvez cedo, +Que já sinto estalar-me o coração!) +Recordarás com dor e compaixão +As ternas juras que te fiz a medo... + +Então, da casta alcova no segredo, +Da lamparina ao tremulo clarão, +Ante ti surgirei, espectro vão, +Larva fugida ao sepulcral degredo... + +E tu, meu anjo, ao ver-me, entre gemidos +E afflictos ais, estenderás os braços +Tentando segurar-te aos meus vestidos... + +--«Ouve! espera!»--Mas eu, sem te escutar, +Fugirei, como um sonho, aos teus abraços +E como fumo sumir-me-hei no ar! + + + + +ACCORDANDO + + +Em sonho, ás vezes, se o sonhar quebranta +Este meu vão soffrer; esta agonia, +Como sobe cantando a cotovia, +Para o céo a minh'alma sobe e canta. + +Canta a luz, a alvorada, a estrella santa, +Que ao mundo traz piedosa mais um dia... +Canta o enlevo das cousas, a alegria +Que as penetra de amor e as alevanta... + +Mas, de repente, um vento humido e frio +Sopra sobre o meu sonho: um calafrio +Me accorda.--A noite é negra e muda: a dor + +Cá vela, como d'antes, ao meu lado... +Os meus cantos de luz, anjo adorado, +São sonho só, e sonho o meu amor! + + + + +MÃE... + + +Mãe--que adormente este viver dorido, +E me vele esta noite de tal frio, +E com as mãos piedosas ate o fio +Do meu pobre existir, meio partido... + +Que me leve comsigo, adormecido, +Ao passar pelo sitio mais sombrio... +Me banhe e lave a alma lá no rio +Da clara luz do seu olhar querido... + +Eu dava o meu orgulho de homem--dava +Minha esteril sciencia, sem receio, +E em debil criancinha me tornava. + +Descuidada, feliz, docil tambem, +Se eu podesse dormir sobre o teu seio, +Se tu fosses, querida, a minha mãe! + + + + +Na capella + + +Na capella, perdida entre a folhagem, +O Christo, lá no fundo, agonisava... +Oh! como intimamente se casava +Com minha dor a dor d'aquella imagem! + +Filhos ambos do amor, igual miragem +Nos roçou pela fronte, que escaldava... +Igual traição, que o affecto mascarava, +Nos deu supplicio ás mãos da villanagem... + +E agora, ali, em quanto da floresta +A sombra se infiltrava lenta e mesta, +Vencidos ambos, martyres do Fado, + +Fitavamo-nos mudos--dor igual!-- +Nem, dos dois, saberei dizer-vos qual +Mais pallido, mais triste e mais cançado... + + + + +Velut Umbra + + +Fumo e scismo. Os castellos do horizonte +Erguem-se, á tarde, e crescem, de mil cores, +E ora espalham no céo vivos ardores, +Ora fumam, vulcões de estranho monte... + +Depois, que formas vagas vêm defronte, +Que parecem sonhar loucos amores? +Almas que vão, por entre luz e horrores, +Passando a barca d'esse aereo Acheronte... + +Apago o meu charuto quando apagas +Teu facho, oh sol... ficamos todos sós... +É n'esta solidão que me consumo! + +Oh nuvens do Occidente, oh cousas vagas, +Bem vos entendo a cor, pois, como a vós, +Belleza e altura se me vão em fumo! + + + + +MEA CULPA + + +Não duvido que o mundo no seu eixo +Gire suspenso e volva em harmonia; +Que o homem suba e vá da noite ao dia, +E o homem vá subindo insecto o seixo. + +Não chamo a Deus tyranno, nem me queixo, +Nem chamo ao céo da vida noite fria; +Não chamo á existencia hora sombria; +Acaso, á ordem; nem á lei desleixo. + +A Natureza é minha mãe ainda... +É minha mãe... Ah, se eu á face linda +Não sei sorrir: se estou desesperado; + +Se nada ha que me aqueça esta frieza; +Se estou cheio de fel e de tristeza... +É de crer que só eu seja o culpado! + + + + +O Palacio da Ventura + + +Sonho que sou um cavalleiro andante. +Por desertos, por sóes, por noite escura, +Paladino do amor, busco anhelante +O palacio encantado da Ventura! + +Mas já desmaio, exhausto e vacillante. +Quebrada a espada já, roda a armadura... +E eis que subito o avisto, fulgurante +Na sua pompa e aerea formosura! + +Com grandes golpes bato á porta e brado: +Eu sou o Vagabundo, o Desherdado... +Abri-vos, portas d'ouro, ante meus ais! + +Abrem-se as portas d'ouro, com fragor... +Mas dentro encontro só, cheio de dor, +Silencio e escuridão--e nada mais! + + + + +JURA + + +Pelas rugas da fronte que medita... +Pelo olhar que interroga--e não vê nada... +Pela miseria e pela mão gelada +Que apaga a estrella que nossa alma fita... + +Pelo estertor da chama que crepita +No ultimo arranco d'uma luz minguada... +Pelo grito feroz da abandonada +Que um momento de amante fez maldita... + +Por quanto ha de fatal, que quanto ha mixto +De sombra e de pavor sob uma lousa... +Oh pomba meiga, pomba de esperança! + +Eu t'o juro, menina, tenho visto +Cousas terriveis--mas jamais vi cousa +Mais feroz do que um riso de criança! + + + + +IDEAL + + +Aquella, que eu adoro, não é feita +De lyrios nem de rosas purpurinas, +Não tem as formas languidas, divinas +Da antiga Venus de cintura estreita... + +Não é a Circe, cuja mão suspeita +Compõe filtros mortaes entre ruinas, +Nem a Amazona, que se agarra ás crinas +D'um corcel e combate satisfeita... + +A mim mesmo pergunto, e não atino +Com o nome que dê a essa visão, +Que ora amostra ora esconde o meu destino... + +É como uma miragem, que entrevejo, +Ideal, que nasceu na solidão, +Nuvem, sonho impalpavel do Desejo... + + + + +Emquanto outros combatem + + +Empunhasse eu a espada dos valentes! +Impellisse-me a acção, embriagado, +Por esses campos onde a Morte e o Fado +Dão a lei aos reis tremulos e ás gentes! + +Respirariam meus pulmões contentes +O ar de fogo do circo ensanguentado... +Ou cahira radioso, amortalhado +Na fulva luz dos gladios reluzentes! + +Já não veria dissipar-se a aurora +De meus inuteis annos, sem uma hora +Viver mais que de sonhos e anciedade! + +Já não veria em minhas mãos piedosas +Desfolhar-se, uma a uma, as tristes rosas +D'esta pallida e esteril mocidade! + + + + +DESPONDENCY + + +Deixal-a ir, a ave, a quem roubaram +Ninho e filhos e tudo, sem piedade... +Que a leve o ar sem fim da soledade +Onde as azas partidas a levaram... + +Deixal-a ir, a vela, que arrojaram +Os tufões pelo mar, na escuridade, +Quando a noite surgio da immensidade, +Quando os ventos do Sul levantaram... + +Deixal-a ir, a alma lastimosa, +Que perdeu fé e paz e confiança, +Á morte queda, á morte silenciosa... + +Deixal-a ir, a nota desprendida +D'um canto extremo... e a ultima esperança... +E a vida... e o amor... deixal-a ir, a vida! + + + + +Das Unnennbare + + +Oh chimera, que passas embalada +Na onda de meus sonhos dolorosos, +E roças co'os vestidos vaporosos +A minha fronte pallida e cançada! + +Leva-te o ar da noite socegada... +Pergunto em vão, com olhos anciosos, +Que nome é que te dão os venturosos +No teu paiz, mysteriosa fada! + +Mas que destino o meu! e que luz baça +A d'esta aurora, igual á do sol posto, +Quando só nuvem livida esvoaça! + +Que nem a noite uma illusão consinta! +Que só de longe e em sonhos te presinta... +E nem em sonhos possa ver-te o rosto! + + + + +Metempsychose + + +Ausentes filhas do prazer: dizei-me! +Vossos sonhos quaes são, depois da orgia? +Acaso nunca a imagem fugidia +Do que fostes, em vós se agita e freme? + +N'outra vida e outra esphera, aonde geme +Outro vento, e se accende um outro dia, +Que corpo tinheis? que materia fria +Vossa alma incendiou, com fogo estreme? + +Vós fostes nas florestas bravas feras, +Arrastando, leôas ou pantheras, +De dentadas de amor um corpo exangue... + +Mordei pois esta carne palpitante, +Feras feitas de gaze fluctuante... +Lobas! leôas! sim, bebei meu sangue! + + + + +UMA AMIGA + + +Aquelles, que eu amei, não sei que vento +Os dispersou no mundo, que os não vejo... +Estendo os braços e nas trevas beijo +Visões que á noite evoca o sentimento... + +Outros me causam mais cruel tormento +Que a saudade dos mortos... que eu invejo... +Passam por mim, mas como que têm pejo +Da minha soledade e abatimento! + +D'aquella primavera venturosa +Não resta uma flor só, uma só rosa... +Tudo o vento varreu, queimou o gelo! + +Tu só foste fiel--tu, como d'antes, +Inda volves teus olhos radiantes... +Para ver o meu mal... e escarnecel-o! + + + + +A uma mulher + + +Para tristezas, para dor nasceste. +Podia a sorte por-te o berço estreito +N'algum palacio e ao pé de regio leito, +Em vez d'este areal onde cresceste: + +Podia abrir-te as flores--com que veste +As ricas e as felizes--n'esse peito: +Fazer-te... o que a Fortuna ha sempre feito... +Terias sempre a sorte que tiveste! + +Tinhas de ser assim... Teus olhos fitos, +Que não são d'este mundo e onde eu leio +Uns mysterios tão tristes e infinitos, + +Tua voz rara e esse ar vago e esquecido, +Tudo me diz a mim, e assim o creio, +Que para isto só tinhas nascido! + + + + +Voz do Outomno + + +Ouve tu, meu cançado coração, +O que te diz a voz da Natureza: +--«Mais te valera, nú e sem defeza, +Ter nascido em asperrima soidão, + +Ter gemido, ainda infante, sobre o chão +Frio e cruel da mais cruel +deveza, Do que emballar-te a Fada da Belleza, +Como emballou, no berço da Illusão! + +Mais valera á tua alma visionaria +Silenciosa e triste ter passado +Por entre o mundo hostil e a turba varia, + +(Sem ver uma só flor, das mil, que amaste) +Com odio e raiva e dor... que ter sonhado +Os sonhos ideaes que tu sonhaste!»-- + + + + +Sepultura romantica + + +Ali, onde o mar quebra, n'um cachão +Rugidor e monotono, e os ventos +Erguem pelo areal os seus lamentos, +Ali se ha-de enterrar meu coração. + +Queimem-no os sóes da adusta solidão +Na fornalha do estio, em dias lentos; +Depois, no inverno, os sopros violentos +Lhe revolvam em torno o arido chão... + +Até que se desfaça e, já tornado +Em impalpavel pó, seja levado +Nos turbilhões que o vento levantar... + +Com suas luctas, seu cançado anceio, +Seu louco amor, dissolva-se no seio +D'esse infecundo, d'esse amargo mar! + + + + +1864--1874 + + + + +A IDEA + + +I + + +Pois que os deuses antigos e os antigos +Divinos sonhos por esse ar se somem, +E á luz do altar da fé, em Templo ou Dolmen, +A apagaram os ventos inimigos; + +Pois que o Sinai se ennubla e os seus pacigos, +Seccos á mingua de agua, se consomem, +E os prophetas d'outrora todos dormem +Esquecidos, em terra sem abrigos; + +Pois que o céo se fechou e já não desce +Na escada de Jacob (na de Jesus!) +Um só anjo, que acceite a nossa prece; + +É que o lyrio da Fé já não renasce: +Deus tapou com a mão a sua luz +E ante os homens velou a sua face! + + +II + + +Pallido Christo, oh conductor divino! +A custo agora a tua mão tão doce +Incerta nos conduz, como se fosse +Teu grande coração perdendo o tino... + +A palavra sagrada do Destino +Na bocca dos oraculos seccou-se: +A luz da sarça ardente dissipou-se +Ante os olhos do vago peregrino! + +Ante os olhos dos homens--porque o mundo +Desprendido rolou das mãos de Deus, +Como uma cruz das mãos d'um moribundo! + +Porque já se não lê seu nome escrito +Entre os astros... e os astros, como atheus, +Já não querem mais lei que o infinito! + + +III + + +Força é pois ir buscar outro caminho! +Lançar o arco de outra nova ponte +Por onde a alma passe--e um alto monte +Aonde se abre á luz o nosso ninho. + +Se nos negam aqui o pão e o vinho, +Avante! é largo, immenso esse horizonte... +Não, não se fecha o mundo! e além, defronte, +E em toda a parte ha luz, vida e carinho! + +Avante! os mortos ficarão sepultos... +Mas os vivos que sigam, sacudindo +Como o pó da estrada os velhos cultos! + +Doce e brando era o seio de Jesus... +Que importa? havemos de passar, seguindo, +Se além do seio d'elle houver mais luz! + + +IV + + +Conquista pois sósinho o teu futuro, +Já que os celestes guias te hão deixado, +Sobre uma terra ignota abandonado, +Homem--proscrito rei--mendigo escuro! + +Se não tens que esperar do céo (tão puro, +Mas tão cruel!) e o coração magoado +Sentes já de illusões desenganado, +Das illusões do antigo amor perjuro: + +Ergue-te, então, na magestade estoica +D'uma vontade solitaria e altiva, +N'um esforço supremo de alma heroica! + +Faze um templo dos muros da cadeia, +Prendendo a immensidade eterna e viva +No circulo de luz da tua Idea! + + +V + + +Mas a Idea quem é? quem foi que a vio, +Jámais, a essa encoberta peregrina? +Quem lhe beijou a sua mão divina? +Com seu olhar de amor quem se vestio? + +Pallida imagem, que a agua de algum rio, +Reflectindo, levou... incerta e fina +Luz, que mal bruxulêa pequenina... +Nuvem, que trouxe o ar, e o ar sumio... + +Estendei, estendei-lhe os vossos braços, +Magros da febre d'um sonhar profundo, +Vós todos que a seguis n'esses espaços! + +E emtanto, oh alma triste, alma chorosa, +Tu não tens outra amante em todo o mundo +Mais que essa fria virgem desdenhosa! + + +VI + + +Outra amante não ha! não ha na vida +Sombra a cobrir melhor nossa cabeça, +Nem balsamo mais doce, que adormeça +Em nós a antiga, a secular ferida! + +Quer fuja esquiva, ou se offereça erguida, +Como quem sabe amar e amar confessa, +Quer nas nuvens se esconda ou appareça, +Será sempre ella a esposa promettida! + +Nossos desejos para ti, oh fria, +Se erguem, bem como os braços do proscrito +Para as bandas da patria, noite e dia. + +Podes fugir... nossa alma, delirante, +Seguir-te-ha a travez do infinito, +Até voltar comtigo, triumphante! + + +VII + + +Oh! o noivado barbaro! o noivado +Sublime! aonde os céos, os céos ingentes, +Serão leito de amor, tendo pendentes +Os astros por docel e cortinado! + +As bodas do Desejo, embriagado +De ventura, a final! visões ferventes +De quem nos braços vae de ideaes ardentes +Por espaços sem termo arrebatado! + +Lá, por onde se perde a phantasia +No sonho da belleza: lá, aonde +A noite tem mais luz que o nosso dia; + +Lá, no seio da eterna claridade, +Aonde Deus á humana voz responde; +É que te havemos abraçar, Verdade! + + +VIII + + +Lá! Mas aonde é _lá_?--Espera, +Coração indomado! o céo, que anceia +A alma fiel, o céo, o céo da Idea. +Em vão o buscas n'essa immensa esphera! + +O espaço é mudo: a immensidade austera +De balde noite e dia incendeia... +Em nenhum astro, em nenhum sol se alteia +A rosa ideal da eterna primavera! + +O Paraiso e o templo da Verdade, +Oh mundos, astros, sóes, constellações! +Nenhum de vós o tem na immensidade... + +A Idea, o summo Bem, o Verbo, a Essencia, +Só se revela aos homens e ás nações +No céo incorruptivel da Consciencia! + + + + +A um crucifixo + + Lendo, passados 12 annos, o soneto da parte 1.^a que tem o mesmo + titulo + + +Não se perdeu teu sangue generoso, +Nem padeceste em vão, quem quer que foste, +Plebeu antigo, que amarrado ao poste +Morreste como vil e faccioso. + +D'esse sangue maldito e ignominioso +Surgio armada uma invencivel hoste... +Paz aos homens e guerra aos deuses!--poz-te +Em vão sobre um altar o vulgo ocioso... + +Do pobre que protesta foste a imagem: +Um povo em ti começa, um homem novo: +De ti data essa tragica linhagem. + +Por isso nós, a Plebe, ao pensar n'isto, +Lembraremos, herdeiros d'esse povo, +Que entre nossos avós se conta Christo. + + + + +DIALOGO + + +A cruz dizia á terra onde assentava, +Ao valle obscuro, ao monte aspero e mudo: +--Que és tu, abysmo e jaula, aonde tudo +Vive na dor e em lucta cega e brava? + +Sempre em trabalho, condemnada escrava. +Que fazes tu de grande e bom, comtudo? +Resignada, és só lodo informe e rudo; +Revoltosa, és só fogo e horrida lava... + +Mas a mim não ha alta e livre serra +Que me possa igualar!.. amor, firmeza, +Sou eu só: sou a paz, tu és a guerra! + +Sou o espirito, a luz!.. tu és tristeza, +Oh lodo escuro e vil!--Porêm a terra +Respondeu: Cruz, eu sou a Natureza! + + + + +MAIS LUZ! + +(A Guilherme de Azevedo) + + +Amem a noite os magros crapulosos, +E os que sonham com virgens impossiveis, +E os que inclinam, mudos e impassiveis, +Á borda dos abysmos silenciosos... + +Tu, lua, com teus raios vaporosos, +Cobre-os, tapa-os e torna-os insensiveis, +Tanto aos vicios crueis e inextinguiveis, +Como aos longos cuidados dolorosos! + +Eu amarei a santa madrugada, +E o meio-dia, em vida refervendo, +E a tarde rumorosa e repousada. + +Viva e trabalhe em plena luz: depois, +Seja-me dado ainda ver, morrendo, +O claro sol, amigo dos heroes! + + + + +These e Antithese + + +I + + +Já não sei o que vale a nova idea, +Quando a vejo nas ruas desgrenhada, +Torva no aspecto, á luz da barricada, +Como bacchante após lubrica ceia... + +Sanguinolento o olhar se lhe incendeia; +Respira fumo e fogo embriagada: +A deusa de alma vasta e socegada +Eil-a presa das furias de Medea! + +Um seculo irritado e truculento +Chama á epilepsia pensamento, +Verbo ao estampido de pelouro e obuz... + +Mas a idea é n'um mundo inalteravel, +N'um crystallino céo, que vive estavel... +Tu, pensamento, não és fogo, és luz! + + +II + + +N'um céo intemerato e crystallino +Póde habitar talvez um Deus distante, +Vendo passar em sonho cambiante +O Ser, como espectaculo divino. + +Mas o homem, na terra onde o destino +O lançou, vive e agita-se incessante: +Enche o ar da terra o seu pulmão possante... +Cá da terra blasphema ou ergue um hymno... + +A idea encarna em peitos que palpitam: +O seu pulsar são chamas que crepitam, +Paixões ardentes como vivos soes! + +Combatei pois na terra arida e bruta, +Té que a revolva o remoinhar da lucta, +Té que a fecunde o sangue dos heroes! + + + + +Justitia Mater + + +Nas florestas solemnes ha o culto +Da eterna, intima força primitiva: +Na serra, o grito audaz da alma captiva, +Do coração, em seu combate inulto: + +No espaço constellado passa o vulto +Do innominado Alguem, que os soes aviva: +No mar ouve-se a voz grave e afflictiva +D'um deus que lucta, poderoso e inculto. + +Mas nas negras cidades, onde sôlta +Se ergue, de sangue medida, a revolta, +Como incendio que um vento bravo atiça, + +Ha mais alta missão, mais alta gloria: +O combater, á grande luz da historia, +Os combates eternos da Justiça! + + + + +Palavras d'um certo Morto + + +Ha mil annos, e mais, que aqui estou morto, +Posto sobre um rochedo, á chuva e ao vento: +Não ha como eu espectro macilento, +Nem mais disforme que eu nenhum aborto... + +Só o espirito vive: vela absorto +N'um fixo, inexoravel pensamento: +«Morto, enterrado em vida!» o meu tormento +É isto só... do resto não me importo... + +Que vivi sei-o eu bem... mas foi um dia, +Um dia só--no outro, a Idolatria +Deu-me um altar e um culto... ai! adoraram-me. + +Como se eu fosse _alguem_! como se a Vida +Podesse ser _alguem_!--logo em seguida +Disseram que era um Deus... e amortalharam-me! + + + + +A UM POETA + + _Surge et ambula_! + + +Tu, que dormes, espirito sereno, +Posto á sombra dos cedros seculares, +Como um levita á sombra dos altares, +Longe da lucta e do fragor terreno, + +Accorda! é tempo! O sol, já alto e pleno, +Afugentou as larvas tumulares... +Para surgir do seio d'esses mares, +Um mundo novo espera só um aceno... + +Escuta! é a grande voz das multidões! +São teus irmãos, que se erguem! são canções... +Mas de guerra... e são vozes de rebate! + +Ergue-te pois, soldado do Futuro, +E dos raios de luz sonho puro, +Sonhador, faze espada de combate! + + + + +Hymno á Razão + + +Razão, irmã do Amor e da Justiça, +Mais uma vez escuta a minha prece. +É a voz d'um coração que te appetece, +D'uma alma livre, só a ti submissa. + +Por ti é que a poeira movediça +De astros e soes e mundos permanece; +E é por ti que a virtude prevalece, +E a flor do heroismo medra e viça. + +Por ti, na arena tragica, as nações +Buscam a liberdade, entre clarões: +E os que olham o futuro e scismam, mudos, + +Por ti, podem soffrer e não se abatem, +Mãe de filhos robustos, que combatem +Tendo o teu nome escrito em seus escudos! + + + + +1874--1880 + + + + +HOMO + + +Nenhum de vós ao certo me conhece, +Astros do espaço, ramos do arvoredo, +Nenhum adivinhou o meu segredo, +Nenhum interpretou a minha prece... + +Ninguem sabe quem sou... e mais, parece +Que ha dez mil annos já, neste degredo, +Me vê passar o mar, vê-me o rochedo +E me contempla a aurora que alvorece... + +Sou um parto da Terra monstruoso; +Do humus primitivo e tenebroso +Geração casual, sem pae nem mãe... + +Mixto infeliz de trevas e de brilho, +Sou talvez Satanaz;--talvez um filho +Bastardo de Jehovah;--talvez ninguem! + + + + +Disputa em familia + + Dixit insipiens in corde suo: non est Deus. + + +I + + +Sae das nuvens, levanta a fronte e escuta +O que dizem teus filhos rebellados, +Velho Jehovah de longa barba hirsuta, +Solitario em teus Céos acastellados: + +«--Cessou o imperio emfim da força bruta! +Não soffreremos mais, emancipados, +O tyranno, de mão tenaz e astuta, +Que mil annos nos trouxe arrebanhados! + +Emquanto tu dormias impassivel, +Topámos no caminho a liberdade +Que nos sorrio com gesto indefinivel... + +Já provámos os fructos da verdade... +Ó Deus grande, ó Deus forte, ó Deus terrivel. +Não passas d'uma van banalidade!--» + + +II + + +Mas o velho tyranno solitario, +De coração austero e endurecido, +Que um dia, de enjoado ou distrahido, +Deixou matar seu filho no Calvario, + +Sorrio com rir extranho, ouvindo o vario +Tumultuoso côro e alarido +Do povo insipiente, que, atrevido, +Erguia a voz em grita ao seu sacrario: + +«--Vanitas vanitatum! (disse). É certo +Que o homem vão medita mil mudanças, +Sem achar mais do que erro e desacerto. + +Muito antes de nascerem vossos paes +D'um barro vil, ridiculas crianças, +Sabia em tudo isso... e muito mais!--» + + + + +Mors liberatrix + +(A Bulhão Pato) + + +Na tua mão, sombrio cavalleiro, +Cavalleiro vestido de armas pretas, +Brilha uma espada feita de cometas, +Que rasga a escuridão como um luzeiro. + +Caminhas no teu curso aventureiro, +Todo involto na noite que projectas... +Só o gladio de luz com fulvas betas +Emerge do sinistro nevoeiro. + +--«Se esta espada que empunho é coruscante, +(Responde o negro cavalleiro-andante) +É porque esta é a espada da Verdade. + +Firo, mas salvo... Prostro e desbarato, +Mas consólo... Subverto, mas resgato... +E, sendo a Morte, sou a Liberdade.» + + + + +O Inconsciente + + +O Espectro familiar que anda commigo, +Sem que podesse ainda ver-lhe o rosto, +Que umas vezes encaro com desgosto +E outras muitas ancioso espreito e sigo. + +É um espectro mudo, grave, antigo, +Que parece a conversas mal disposto... +Ante esse vulto, ascetico e composto +Mil vezes abro a bocca... e nada digo. + +Só uma vez ousei interrogal-o: +Quem és (lhe perguntei com grande abalo) +Phantasma a quem odeio e a quem amo? + +Teus irmãos (respondeu) os vãos humanos, +Chamam-me Deus, ha mais de dez mil annos... +Mas eu por mim não sei como me chamo... + + + + +MORS-AMOR + +(A Luiz de Magalhães) + + +Esse negro corcel, cujas passadas +Escuto em sonhos, quando a sombra desce, +E, passando a galope, me apparece +Da noite nas phantasticas estradas. + +D'onde vem elle? Que regiões sagradas +E terriveis cruzou, que assim parece +Tenebroso e sublime, e lhe estremece +Não sei que horror nas crinas agitadas? + +Um cavalleiro de expressão potente, +Formidavel, mas placido, no porte, +Vestido de armadura reluzente, + +Cavalga a fera extranha sem temor. +E o corcel negro diz: «Eu sou a Morte!» +Responde o cavalleiro: «Eu sou o Amor!» + + + + +ESTOICISMO + +(A Manoel Duarte de Almeida) + + +Tu que não crês, nem amas, nem esperas, +Espirito de eterna negação, +Teu halito gelou-me o coração +E destroçou-me da alma as primaveras... + +Atravessando regiões austeras, +Cheias de noite e cava escuridão, +Como n'um sonho mau, só oiço um não, +Que eternamente ecchoa entre as espheras... + +--Porque suspiras, porque te lamentas, +Cobarde coração? Debalde intentas +Oppor á Sorte a queixa do egoismo... + +Deixa aos timidos, deixa aos sonhadores +A esperança van, seus vãos fulgores... +Sabe tu encarar sereno o abysmo! + + + + +ANIMA MEA + + +Estava a Morte alli, em pé, diante, +Sim, diante de mim, como serpente +Que dormisse na estrada e de repente +Se erguesse sob os pés do caminhante. + +Era de ver a funebre bacchante! +Que torvo olhar! que gesto de demente! +E eu disse-lhe: «Que buscas, impudente, +Loba faminta, pelo mundo errante?» + +--Não temas, respondeu (e uma ironia +Sinistramente estranha, atroz e calma, +Lhe torceu cruelmente a bocca fria). + +Eu não busco o teu corpo... Era um tropheu +Glorioso de mais... Busco a tua alma-- +Respondi-lhe: «A minha alma já morreu!» + + + + +Divina comedia + +(Ao Dr. José Falcão) + + +Erguendo os braços para o céo distante +E apostrophando os deuses invisiveis, +Os homens clamam:--«Deuses impassiveis, +A quem serve o destino triumphante, + +Porque é que nos criastes?! Incessante +Corre o tempo e só gera, inestinguiveis, +Dor, peccado, illusão, luctas horriveis, +N'um turbilhão cruel e delirante... + +Pois não era melhor na paz clemente +Do nada e do que ainda não existe, +Ter ficado a dormir eternamente? + +Porque é que para a dor nos evocastes?» +Mas os deuses, com voz inda mais triste, +Dizem:--«Homens! porque é que nos criastes?» + + + + +Espiritualismo + + +I + + +Como um vento de morte e de ruina, +A Duvida soprou sobre o Universo. +Fez-se noite de subito, immerso +O mundo em densa e algida neblina. + +Nem astro já reluz, nem ave trina, +Nem flor sorri no seu aereo berço. +Um veneno sutil, vago, disperso, +Empeçonhou a criação divina. + +E, no meio da noite monstruosa, +Do silencio glacial, que paira e estende +O seu sudario, d'onde a morte pende, + +Só uma flor humilde, mysteriosa, +Como um vago protesto da existencia, +Desabroxa no fundo da Consciencia. + + +II + + +Dorme entre os gelos, flor immaculada! +Lucta, pedindo um ultimo clarão +Aos soes que ruem pela immensidão, +Arrastando uma aureola apagada... + +Em vão! Do abysmo a bocca escancarada +Chama por ti na gélida amplidão... +Sobe do poço eterno, em turbilhão, +A treva primitiva conglobada... + +Tu morrerás tambem. Um ai supremo, +Na noite universal que envolve o mundo, +Ha-de ecchoar, e teu perfume extremo + +No vacuo eterno se esvahirá disperso, +Como o alento final d'um moribundo, +Como o ultimo suspiro do Universo. + + + + +O CONVERTIDO + +(A Gonçalves Crespo) + + +Entre os filhos d'um seculo maldito +Tomei tambem o logar na impia meza, +Onde, sob o folgar, geme a tristeza +D'uma ancia impotente de infinito. + +Como os outros, cuspi no altar avito +Um rir feito de fel e de impureza... +Mas, um dia, abalou-se-me a firmeza, +Deu-me rebate o coração contrito! + +Erma, cheia de tedio e de quebranto, +Rompendo os diques ao represo pranto, +Virou-se para Deus minha alma triste! + +Amortalhei na fé o pensamento, +E achei a paz na inercia e esquecimento... +Só me falta saber se Deus existe! + + + + +ESPECTROS + + +Espectros que velaes, emquanto a custo +Adormeço um momento, e que inclinados +Sobre os meus somnos curtos e cançados +Me encheis as noites de agonia e susto!... + +De que me vale a mim ser puro e justo, +E entre combates sempre renovados +Disputar dia a dia á mão dos Fados +Uma parcella do saber augusto, + +Se a minh'alma ha-de ver, sobre si fitos, +Sempre esses olhos tragicos, malditos! +Se até dormindo, com angustia immensa, + +Bem os sinto verter sobre o meu leito, +Uma a uma verter sobre o meu peito +As lagrimas geladas da descrença! + + + + +Á Virgem Santissima + +_Cheia de Graça, Mãe de Misericordia_ + + +N'um sonho todo feito de incerteza, +De nocturna e indizivel anciedade, +É que eu vi teu olhar de piedade +E (mais que piedade) de tristeza... + +Não era o vulgar brilho da belleza, +Nem o ardor banal da mocidade... +Era outra luz, era outra suavidade, +Que até nem sei se as ha na natureza... + +Um mystico soffrer... uma ventura +Feita só do perdão, só da ternura +E da paz da nossa hora derradeira... + +Ó visão, visão triste e piedosa! +Fita-me assim calada, assim chorosa... +E deixa-me sonhar a vida inteira! + + + + +NOX + +(A Fernando Leal) + + +Noite, vão para ti meus pensamentos, +Quando olho e vejo, á luz cruel do dia, +Tanto esteril luctar, tanta agonia, +E inuteis tantos asperos tormentos... + +Tu, ao menos, abafas os lamentos, +Que se exhalam da tragica enxovia... +O eterno Mal, que ruge e desvaria, +Em ti descança e esquece, alguns momentos... + +Oh! antes tu tambem adormecesses +Por uma vez, e eterna, inalteravel, +Cahindo sobre o mundo, te esquecesses, + +E elle, o mundo, sem mais luctar nem ver, +Dormisse no teu seio inviolavel, +Noite sem termo, noite do Não-ser! + + + + +EM VIAGEM + + +Pelo caminho estreito, aonde a custo +Se encontra uma só flor, ou ave, ou fonte, +Mas só bruta aridez de aspero monte +E os soes e a febre do areal adusto, + +Pelo caminho estreito entrei sem susto +E sem susto encarei, vendo-os defronte, +Phantasmas que surgiam do horizonte +A accommetter meu coração robusto... + +Quem sois vós, peregrinos singulares? +Dor, Tedio, Desenganos e Pesares... +Atraz d'elles a Morte espreita ainda... + +Conheço-vos. Meus guias derradeiros +Sereis vós. Silenciosos companheiros, +Bemvindos, pois, e tu, Morte, bemvinda! + + + + +Quia aeternus + +(A Joaquim de Araujo) + + +Não morreste, por mais que o brade á gente +Uma orgulhosa e van philosophia... +Não se sacode assim tão facilmente +O jugo da divina tyrannia! + +Clamam em vão, e esse triumpho ingente +Com que a Razão--coitada!--se inebria, +É nova forma, apenas, mais pungente, +Da tua eterna, tragica ironia. + +Não, não morreste, espectro! o Pensamento +Como d'antes te encara, e és o tormento +De quantos sobre os livros desfallecem. + +E os que folgam na orgia impia e devassa +Ai! quantas vezes ao erguer a taça, +Param, e estremecendo, empallidecem! + + + + +No turbilhão + +(A Jayme Batalha Reis) + + +No meu sonho desfilam as visões, +Espectros dos meus proprios pensamentos, +Como um bando levado pelos ventos, +Arrebatado em vastos turbilhões... + +N'uma espiral, de estranhas contorsões, +E d'onde sáem gritos e lamentos, +Vejo-os passar, em grupos nevoentos, +Distingo-lhes, a espaços, as feições... + +--Phantasmas de mim mesmo e da minha alma, +Que me fitaes com formidavel calma, +Levados na onda turva do escarceo, + +Quem sois vós, meus irmãos e meus algozes? +Quem sois, visões miserrimas e atrozes? +Ai de mim! ai de mim! e quem sou eu?!... + + + + +IGNOTUS + +(A Salomão Sáragga) + + +Onde te escondes? Eis que em vão clamamos, +Suspirando e erguendo as mãos em vão! +Já a voz enrouquece e o coração +Está cançado--e já desesperamos... + +Por céo, por mar e terras procuramos +O Espirito que enche a solidão, +E só a propria voz na immensidão +Fatigada nos volve... e não te achamos! + +Céos e terra, clamai, aonde? aonde?-- +Mas o Espirito antigo só responde, +Em tom de grande tedio e de pezar: + +--Não vos queixeis, ó filhos da anciedade, +Que eu mesmo, desde toda a eternidade, +Tambem me busco a mim... sem me encontrar! + + + + +NO CIRCO + +(A João de Deus) + + +Muito longe d'aqui, nem eu sei quando, +Nem onde era esse mundo, em que eu vivia... +Mas tão longe... que até dizer podia +Que emquanto lá andei, andei sonhando... + +Porque era tudo ali aereo e brando, +E lucida a existencia amanhecia... +E eu... leve como a luz... até que um dia +Um vento me tomou, e vim rolando... + +Cahi e achei-me, de repente, involto +Em lucta bestial, na arena fera, +Onde um bruto furor bramia solto. + +Senti um monstro em mim nascer n'essa hora, +E achei-me de improviso feito fera... +--É assim que rujo entre leões agora! + + + + +NIRVÂNA + +(A Guerra Junqueiro) + + +Para além do Universo luminoso, +Cheio de fórmas, de rumor, de lida, +De forças, de desejos e de vida, +Abre-se como um vacuo tenebroso. + +A onda d'esse mar tumultuoso +Vem ali expirar, esmaecida... +N'uma immobilidade indefinida +Termina ali o ser, inerte, ocioso... + +E quando o pensamento, assim absorto, +Emerge a custo d'esse mundo morto +E torna a olhar as cousas naturaes, + +Á bella luz da vida, ampla, infinita, +Só vê com tedio, em tudo quanto fita, +A illusão e o vasio universaes. + + + + +CONSULTA + +(A Alberto Sampaio) + + +Chamei em volta do meu frio leito +As memorias melhores de outra edade, +Fórmas vagas, que ás noites, com piedade, +Se inclinam, a espreitar, sobre o meu peito... + +E disse-lhes:--No mundo immenso e estreito +Valia a pena, acaso, em anciedade +Ter nascido? dizei-mo com verdade, +Pobres memorias que eu ao seio estreito... + +Mas ellas perturbaram-se--coitadas! +E empallideceram, contristadas, +Ainda a mais feliz, a mais serena... + +E cada uma d'ellas, lentamente, +Com um sorriso morbido, pungente, +Me respondeu:--Não, não valia a pena! + + + + +Divina comedia + +(Ao Dr. José Falcão) + +Erguendo os braços para o céo distante +E apostrophando os deuses invisiveis, +Os homens clamam:--«Deuses impassiveis, +A quem serve o destino triumphante, + +Porque é que nos criastes?! Incessante +Corre o tempo e só gera, inestinguiveis, +Dor, peccado, illusão, luctas horriveis, +N'um turbilhão cruel e delirante... + +Pois não era melhor na paz clemente +Do nada e do que ainda não existe, +Ter ficado a dormir eternamente? + +Porque é que para a dor nos evocastes?» +Mas os deuses, com voz inda mais triste, +Dizem:--«Homens! porque é que nos criastes?» + + + + +VISÃO + +(A J. M. Eça de Queiroz) + + +Eu vi o Amor--mas nos seus olhos baços +Nada sorria já: só fixo e lento +Morava agora ali um pensamento +De dor sem tregoa e de intimos cançaços. + +Pairava, como espectro, nos espaços, +Todo envolto n'um nimbo pardacento... +Na attitude convulsa do tormento, +Torcia e retorcia os magros braços... + +E arrancava das aras destroçadas +A uma e uma as pennas maculadas, +Soltando a espaços um soluço fundo, + +Soluço de odio e raiva impenitentes... +E do phantasma as lagrimas ardentes +Cahiam lentamente sobre o mundo! + + + + +1880--1884 + + + + +Transcendentalismo + +(A J. P. Oliveira Martins) + + +Já socega, depois de tanta lucta, +Já me descança em paz o coração. +Cahi na conta, emfim, de quanto é vão +O bem que ao Mundo e á Sorte se disputa. + +Penetrando, com fronte não enxuta, +No sacrario do templo da Illusão, +Só encontrei, com dor e confusão, +Trevas e pó, uma materia bruta... + +Não é no vasto mundo--por immenso +Que elle pareça á nossa mocidade-- +Que a alma sacia o seu desejo intenso... + +Na esphera do invisivel, do intangivel, +Sobre desertos, vacuo, soledade, +Vôa e paira o espirito impassivel! + + + + +EVOLUÇÃO + +(A Santos Valente) + + +Fui rocha, em tempo, e fui, no mundo antigo, +Tronco ou ramo na incognita floresta... +Onda, espumei, quebrando-me na aresta +Do granito, antiquissimo inimigo... + +Rugi, fera talvez, buscando abrigo +Na caverna que ensombra urze e giesta; +Ou, monstro primitivo, ergui a testa +No limoso paúl, glauco pacigo... + +Hoje sou homem--e na sombra enorme +Vejo, a meus pés, a escada multiforme, +Que desce, em espiraes, na immensidade... + +Interrogo o infinito e ás vezes chóro... +Mas, estendendo as mãos no vacuo, adoro +E aspiro unicamente á liberdade. + + + + +Elogio da Morte + + Morrer é ser iniciado. + + Anthologia Grega. + + +I + + +Altas horas da noite, o Inconsciente +Sacode-me com força, e accórdo em susto. +Como se o esmagassem de repente, +Assim me pára o coração robusto. + +Não que de larvas me povôe a mente +Esse vacuo nocturno, mudo e augusto, +Ou forceje a razão por que afugente +Algum remorso, com que encara a custo... + +Nem phantasmas nocturnos visionarios, +Nem desfilar de espectros mortuarios, +Nem dentro de mim terror de Deus ou Sorte... + +Nada! o fundo dum poço, humido e morno, +Um muro de silencio e treva em torno, +E ao longe os passos sepulcraes da Morte. + + +II + + +Na floresta dos sonhos, dia a dia, +Se interna meu dorido pensamento. +Nas regiões do vago esquecimento +Me conduz, passo a passo, a phantasia. + +Atravesso, no escuro, a nevoa fria +D'um mundo estranho, que povôa o vento, +E meu queixoso e incerto sentimento +Só das visões da noite se confia. + +Que mysticos desejos me enlouquecem? +Do Nirvâna os abysmos apparecem, +A meus olhos, na muda immensidade! + +N'esta viagem pelo ermo espaço, +Só busco o teu encontro e o teu abraço, +Morte! irman do Amor e da Verdade! + + +III + + +Eu não sei quem tu és--mas não procuro +(Tal é minha confiança) devassal-o. +Basta sentir-te ao pé de mim, no escuro, +Entre as fórmas da noite, com quem falo. + +Atravez do silencio frio e obscuro +Teus passos vou seguindo, e, sem abalo, +No cairel dos abysmos do Futuro +Me inclino á tua voz, para sondal-o. + +Por ti me engolfo no nocturno mundo +Das visões da região innominada, +A ver se fixo o teu olhar profundo... + +Fixal-o, comprehendel-o, basta uma hora, +Funerea Beatriz de mão gelada... +Mas unica Beatriz consoladora! + + +IV + + +Longo tempo ignorei (mas que cegueira +Me trazia este espirito ennublado!) +Quem fosses tu, que andavas a meu lado, +Noite e dia, impassivel companheira... + +Muitas vezes, é certo, na canceira, +No tedio extremo d'um viver maguado, +Para ti levantei o olhar turbado, +Invocando-te, amiga derradeira... + +Mas não te amava então nem conhecia: +Meu pensamento inerte nada lia +Sobre essa muda fronte, austera e calma. + +Luz intima, afinal, alumiou-me... +Filha do mesmo pae, já sei teu nome, +Morte, irman coeterna da minha alma! + + +V + + +Que nome te darei, austera imagem, +Que avisto já n'um angulo da estrada, +Quando me desmaiava a alma prostrada +Do cançaço e do tedio da viagem? + +Em teus olhos vê a turba uma voragem, +Cobre o rosto e recúa apavorada... +Mas eu confio em ti, sombra velada, +E cuido perceber tua linguagem... + +Mais claros vejo, a cada passo, escritos, +Filha da noite, os lemmas do Ideal, +Nos teus olhos profundos sempre fitos... + +Dormirei no teu seio inalteravel, +Na communhão da paz universal, +Morte libertadora e inviolavel! + + +VI + + +Só quem teme o Não-ser é que se assusta +Com teu vasto silencio mortuario, +Noite sem fim, espaço solitario, +Noite da Morte, tenebrosa e augusta... + +Eu não: minh'alma humilde mas robusta +Entra crente em teu atrio funerario: +Para os mais és um vacuo cinerario, +A mim sorri-me a tua face adusta. + +A mim seduz-me a paz santa e ineffavel +E o silencio sem par do Inalteravel, +Que envolve o eterno amor no eterno luto. + +Talvez seja peccado procurar-te, +Mas não sonhar comtigo e adorar-te, +Não-ser, que és o Ser unico absoluto. + + + + +Contemplação + +(A Francisco Machado de Faria e Maia) + + +Sonho de olhos abertos, caminhando +Não entre as formas já e as apparencias, +Mas vendo a face immovel das essencias, +Entre ideas e espiritos pairando... + +Que é o mundo ante mim? fumo ondeando, +Visões sem ser, fragmentos de existencias... +Uma nevoa de enganos e impotencias +Sobre vacuo insondavel rastejando... + +E d'entre a nevoa e a sombra universaes +Só me chega um murmurio, feito de ais... +É a queixa, o profundissimo gemido + +Das cousas, que procuram cegamente +Na sua noite e dolorosamente +Outra luz, outro fim só presentido... + + + + +Lacrimae rerum + +(A Tommaso Cannizzaro) + + +Noite, irmã da Razão e irmã da Morte, +Quantas vezes tenho eu interrogado +Teu verbo, teu oraculo sagrado, +Confidente e interprete da Sorte! + +Aonde vão teus soes, como cohorte +De almas inquietas, que conduz o Fado? +E o homem porque vaga desolado +E em vão busca a certeza que o conforte? + +Mas, na pompa de immenso funeral, +Muda, a noite, sinistra e triumphal, +Passa volvendo as horas vagarosas... + +É tudo, em torno de mim, duvida e luto: +E, perdido n'um sonho immenso, escuto +O suspiro das cousas tenebrosas... + + + + +REDEMPÇÃO + +(Á Ex.^{ma} Snr.^a D. Celeste C. B. R.) + + +I + + +Vozes do mar, das arvores, do vento! +Quando ás vezes, n'um sonho doloroso, +Me embala o vosso canto poderoso, +Eu julgo igual ao meu vosso tormento... + +Verbo crepuscular e intimo alento +Das cousas mudas; psalmo mysterioso; +Não serás tu, queixume vaporoso, +O suspiro do mundo e o seu lamento? + +Um espirito habita a immensidade: +Uma ancia cruel de liberdade +Agita e abala as formas fugitivas. + +E eu comprehendo a vossa lingua estranha, +Vozes do mar, da selva, da montanha... +Almas irmans da minha, almas captivas! + + +II + + +Não choreis, ventos, arvores e mares, +Côro antigo de vozes rumorosas, +Das vozes primitivas, dolorosas +Como um pranto de larvas tumulares... + +Da sombra das visões crepusculares +Rompendo, um dia, surgireis radiosas +D'esse sonho e essas ancias affrontosas, +Que exprimem vossas queixas singulares... + +Almas no limbo ainda da existencia, +Accordareis um dia na Consciencia, +E pairando, já puro pensamento, + +Vereis as Formas, filhas da Illusão, +Cahir desfeitas, como um sonho vão... +E acabará por fim vosso tormento. + + + + +Voz interior + +(A João de Deus) + + +Embebido n'um sonho doloroso, +Que atravessam phantasticos clarões, +Tropeçando n'um povo de visões, +Se agita meu pensar tumultuoso... + +Com um bramir de mar tempestuoso +Que até aos céos arroja os seus cachões, +Atravez d'uma luz de exhalações, +Rodeia-me o Universo monstruoso... + +Um ai sem termo, um tragico gemido +Echoa sem cessar ao meu ouvido, +Com horrivel, monotono vaivem... + +Só no meu coração, que sondo e meço, +Não sei que voz, que eu mesmo desconheço, +Em segredo protesta e affirma o Bem! + + + + +LUCTA + + Fluxo e refluxo eterno... + + João de Deus. + + +Dorme a noite encostada nas colinas. +Como um sonho de paz e esquecimento +Desponta a lua. Adormeceu o vento, +Adormeceram valles e campinas... + +Mas a mim, cheia de attracções divinas, +Dá-me a noite rebate ao pensamento. +Sinto em volta de mim, tropel nevoento, +Os Destinos e as Almas peregrinas! + +Insondavel problema!... Apavorado +Recúa o pensamento!... E já prostrado +E estupido á força de fadiga, + +Fito inconsciente as sombras visionarias, +Emquanto pelas praias solitarias +Echoa, ó mar, a tua voz antiga. + + + + +LOGOS + +(Ao snr. D. Nicolau Salmeron) + + +Tu, que eu não vejo, e estás ao pé de mim +E, o que é mais, dentro de mim--que me rodeias +Com um nimbo de affectos e de ideas, +Que são o meu principio, meio e fim... + +Que estranho ser és tu (se és ser) que assim +Me arrebatas comtigo e me passeias +Em regiões innominadas, cheias +De encanto e de pavor... de não e sim... + +És um reflexo apenas da minha alma, +E em vez de te encarar com fronte calma, +Sobresalto-me ao ver-te, e tremo e exoro-te... + +Falo-te, calas... calo, e vens attento... +És um pae, um irmão, e é um tormento +Ter-te a meu lado... és um tyranno, e adoro-te! + + + + +Com os mortos + + +Os que amei, onde estão? idos, dispersos, +Arrastados no gyro dos tufões, +Levados, como em sonho, entre visões, +Na fuga, no ruir dos universos... + +E eu mesmo, com os pés tambem immersos +Na corrente e á mercê dos turbilhões, +Só vejo espuma livida, em cachões, +E entre ella, aqui e ali, vultos submersos... + +Mas se paro um momento, se consigo +Fechar os olhos, sinto-os a meu lado +De novo, esses que amei: vivem commigo. + +Vejo-os, ouço-os e ouvem-me tambem, +Juntos no antigo amor, no amor sagrado, +Na communhão ideal do eterno Bem. + + + + +Oceano Nox + +(A A. de Azevedo Castello Branco) + + +Junto do mar, que erguia gravemente +A tragica voz rouca, em quanto o vento +Passava como o vôo d'um pensamento +Que busca e hesita, inquieto e intermittente, + +Junto do mar sentei-me tristemente, +Olhando o céo pesado e nevoento, +E interroguei, scismando, esse lamento +Que sahia das cousas, vagamente... + +Que inquieto desejo vos tortura, +Seres elementares, força obscura? +Em volta de que idea gravitaes?-- + +Mas na immensa extensão, onde se esconde +O Inconsciente immortal, só me responde +Um bramido, um queixume, e nada mais... + + + + +Communhão + +(Ao snr. João Lobo de Moura) + + +Reprimirei meu pranto!... Considera +Quantos, minh'alma, antes de nós vagaram, +Quantos as mãos incertas levantaram +Sob este mesmo céo de luz austera!... + +--Luz morta! amarga a propria primavera!-- +Mas seus pacientes corações luctaram, +Crentes só por instincto, e se apoiaram +Na obscura e heroica fé, que os retempera... + +E sou eu mais do que elles? igual fado +Me prende á lei de ignotas multidões.-- +Seguirei meu caminho confiado, + +Entre esses vultos mudos, mas amigos, +Na humilde fé de obscuras gerações, +Na communhão dos nossos paes antigos. + + + + +Solemnia Verba + + +Disse ao meu coração: Olha por quantos +Caminhos vãos andámos! Considera +Agora, d'esta altura fria e austera, +Os ermos que regaram nossos prantos... + +Pó e cinzas, onde houve flor e encantos! +E noite, onde foi luz de primavera! +Olha a teus pés o mundo e desespera +Semeador de sombras e quebrantos!-- + +Porém o coração, feito valente +Na escola da tortura repetida, +E no uso do penar tornado crente, + +Respondeu: D'esta altura vejo o Amor! +Viver não foi em vão, se é isto a vida, +Nem foi de mais o desengano e a dor. + + + + +O que diz a Morte + + +Deixai-os vir a mim, os que lidaram; +Deixai-os vir a mim, os que padecem; +E os que cheios de magua e tedio encaram +As proprias obras vans, de que escarnecem... + +Em mim, os Soffrimentos que não saram, +Paixão, Duvida e Mal, se desvanecem. +As torrentes da Dor, que nunca param, +Como n'um mar, em mim desapparecem.-- + +Assim a Morte diz. Verbo velado, +Silencioso interprete sagrado +Das cousas invisiveis, muda e fria, + +É, na sua mudez, mais retumbante +Que o clamoroso mar; mais rutilante, +Na sua noite, do que a luz do dia. + + + + +Na mão de Deus + +(Á Ex.^{ma} Snr.^a Victoria de O. M.) + + +Na mão de Deus, na sua mão direita, +Descançou a final meu coração. +Do palacio encantado da Illusão +Desci a passo e passo a escada estreita. + +Como as flores mortaes, com que se enfeita +A ignorancia infantil, despojo vão, +Depuz do Ideal e da Paixão +A forma transitoria e imperfeita. + +Como criança, em lobrega jornada, +Que a mãe leva ao collo agasalhada +E atravessa, sorrindo vagamente, + +Selvas, mares, areias do deserto... +Dorme o teu somno, coração liberto, +Dorme na não de Deus eternamente! + + + + +INDICE + + +A cruz dizia á terra, onde assentava [pag. 64] +Adornou o meu quarto a flor do cardo [pag. 26] +Ali, onde o mar quebra, n'um cachão [pag. 52] +Altas horas da noite, o Inconsciente [pag. 103] +Amar! mas d'um amor que tenha vida [pag. 25] +Amem a noite os magros crapulosos [pag. 65] +Aquella, que eu adoro, não é feita [pag. 44] +Aquelles, que eu amei, não sei que vento [pag. 49] +Ardentes filhas do prazer, dizei-me [pag. 48] +Chamei em volta do meu frio leito [pag. 96] +Chovam lyrios e rosas no teu collo [pag. 35] +Como um vento de morte e de ruina [pag. 84] +Conheci a belleza que não morre [pag. 7] +Conquista pois sósinho o teu futuro [pag. 58] +Deixae-os vir a mim, os que lidaram [pag. 120] +Deixal-a ir, a ave, a quem roubaram [pag. 46] +Depois que dia a dia, aos poucos desmaiando [pag. 22] +Disse ao meu coração: Olha por quantos [pag. 119] +Dorme a noite encostada nas colinas [pag. 114] +Dorme entre os gelos, flor immaculada [pag. 85] +Embebido n'um sonho doloroso [pag. 113] +Empunhasse eu a espada dos valentes! [pag. 45] +Em sonho, ás vezes, se o sonhar quebranta [pag. 37] +Em vão luctamos! Como nevoa baça [pag. 19] +Entre os filhos d'um seculo maldito [pag. 86] +Erguendo os braços para o céo distante [pag. 83] +Espectros que velaes, em quanto a custo [pag. 87] +Esperemos em Deus! Elle ha tornado [pag. 10] +Espirito que passas, quando o vento [pag. 32] +Esse negro corcel, cujas passadas [pag. 80] +Estava a morte ali, em pé, deante [pag. 82] +Estreita é do prazer na vida a taça [pag. 6] +Eu amo a vasta sombra das montanhas [pag. 30] +Eu bem sei que te chamam pequenina [pag. 27] +Eu não sei quem tu és mas não procuro [pag. 103] +Eu vi o Amor--mas nos seus olhos baços [pag. 97] +Força é pois ir buscar outro caminho! [pag. 57] +Fui rocha, em tempos, e fui, no mundo antigo [pag. 102] +Fumo e scismo. Os castellos do horizonte [pag. 40] +Ha mil annos, bom Christo, ergueste os magros braços [pag. 20] +Ha mil annos, e mais, que aqui estou morto [pag. 69] +Já não sei o que vale a nova idea [pag. 66] +Já socega, depois de tanta lucta [pag. 101] +Junto do mar, que erguia gravemente [pag. 117] +Lá! mas aonde é _lá_? aonde? Espera [pag. 62] +Longo tempo ignorei--mas que cegueira [pag. 106] +Mãe, que adormente este viver dorido [pag. 38] +Mas a Idea quem é? quem foi que a vio [pag. 59] +Mas o velho tyranno solitario [pag. 77] +Meus dias vão correndo vagarosos [pag. 8] +Muito longe d'aqui, nem eu sei quando [pag. 94] +Na capella, perdida entre a folhagem [pag. 34] +Na floresta dos sonhos, dia a dia [pag. 104] +Na mão de Deus, na sua mão direita [pag. 121] +Na tua mão, sombrio cavalleiro [pag. 78] +Nas florestas solemnes ha o culto [pag. 68] +Não busco n'esta vida gloria ou fama [pag. 18] +Não duvido que o mundo no seu eixo [pag. 41] +Não choreis, ventos, arvores e mares [pag. 112] +Não morreste, por mais que o brade á gente [pag. 91] +Não se perdeu teu sangue generoso [pag. 63] +Não me fales de gloria: é outro o altar [pag. 16] +No céo, se existe um céo para quem chora [pag. 11] +Nenhum de vós ao certo me conhece [pag. 75] +Noite, irmã da Razão e irmã da Morte [pag. 110] +Noite, vão para ti meus pensamento [pag. 89] +No meu sonho desfilam as visões [pag. 92] +N'um céo intemerato e crystalino [pag. 67] +N'um sonho todo feito de incerteza [pag. 88] +O espectro familiar, que anda commigo [pag. 79] +Oh chimera, que passas embalada [pag. 47] +Oh! o noivado barbaro! o noivado [pag. 61] +Onde te escondes? eis que em vão clamamos [pag. 93] +Os que amei, onde estão? idos, dispersos [pag. 116] +Outra amante não ha! não ha na vida [pag. 60] +Ouve tu, meu cançado coração [pag. 31] +Pallido Christo, oh conductor divino! [pag. 56] +Para além do Universo luminoso [pag. 93] +Para tristezas, para dar nasceste [pag. 50] +Pelas rugas da fronte que medita [pag. 43] +Pelo caminho estreito, aonde a custo [pag. 90] +Pois que os deuses antigos e os antigos [pag. 55] +Porque descrês, mulher, do amor, da vida? [pag. 15] +Poz-te Deus sobre a fronte a mão piedosa [pag. 5] +Quando nós vamos ambos, de mãos dadas [pag. 31] +Que belleza mortal se te assemelha [pag. 3] +Que nome te darei, austera imagem [pag. 107] +Quem anda lá por fora, pela vinha [pag. 28] +Razão, irmã do Amor e da Justiça [pag. 71] +Reprimirei meu pranto!... Considera [pag. 118] +Sáe das nuvens, levanta a fronte e escuta [pag. 76] +Se comparo poder, ou ouro, ou fama [pag. 9] +Se é lei, que rege o escuro pensamento [pag. 12] +Sempre o futuro, sempre! e o presente [pag. 14] +Só! Ao ermita sósinho na montanha [pag. 13] +Só males são reaes, só dor existe [pag. 17] +Só quem teme o Não-Ser é que se assusta [pag. 108] +Só por ti, astro ainda e sempre occulto [pag. 34] +Sonho-me ás vezes rei, n'alguma ilha [pag. 29] +Sonhei--nem sempre o sonho é cousa vã [pag. 33] +Sonho de olhos abertos, caminhando [pag. 109] +Sonho que sou um cavalleiro andante [pag. 42] +Tu, que eu não vejo e estás ao pé de mim [pag. 115] +Tu, que dormes, espirito sereno [pag. 70] +Tu, que não crês, nem amas, nem esperas [pag. 81] +Um dia, meu amor, e talvez cedo [pag. 36] +Um diluvio de luz cáe da montanha [pag. 4] +Vae-te na aza negra da desgraça [pag. 21] +Vozes do mar, das arvores, do vento [pag. 111] + + + + +Porto Typographia Occidental. Fabrica 66 + + + + + +End of the Project Gutenberg EBook of Os sonetos completos de Anthero de +Quental, by Antero Quental + +*** END OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK ANTHERO DE QUENTAL *** + +***** This file should be named 20142-8.txt or 20142-8.zip ***** +This and all associated files of various formats will be found in: + http://www.gutenberg.org/2/0/1/4/20142/ + +Produced by Pedro Saborano, Ricardo Diogo and Tiago Tejo, +and edited by Rita Farinha (Biblioteca Nacional +Digital--http://bnd.bn.pt). + + +Updated editions will replace the previous one--the old editions +will be renamed. + +Creating the works from public domain print editions means that no +one owns a United States copyright in these works, so the Foundation +(and you!) can copy and distribute it in the United States without +permission and without paying copyright royalties. Special rules, +set forth in the General Terms of Use part of this license, apply to +copying and distributing Project Gutenberg-tm electronic works to +protect the PROJECT GUTENBERG-tm concept and trademark. Project +Gutenberg is a registered trademark, and may not be used if you +charge for the eBooks, unless you receive specific permission. If you +do not charge anything for copies of this eBook, complying with the +rules is very easy. You may use this eBook for nearly any purpose +such as creation of derivative works, reports, performances and +research. They may be modified and printed and given away--you may do +practically ANYTHING with public domain eBooks. Redistribution is +subject to the trademark license, especially commercial +redistribution. + + + +*** START: FULL LICENSE *** + +THE FULL PROJECT GUTENBERG LICENSE +PLEASE READ THIS BEFORE YOU DISTRIBUTE OR USE THIS WORK + +To protect the Project Gutenberg-tm mission of promoting the free +distribution of electronic works, by using or distributing this work +(or any other work associated in any way with the phrase "Project +Gutenberg"), you agree to comply with all the terms of the Full Project +Gutenberg-tm License (available with this file or online at +http://gutenberg.org/license). + + +Section 1. General Terms of Use and Redistributing Project Gutenberg-tm +electronic works + +1.A. By reading or using any part of this Project Gutenberg-tm +electronic work, you indicate that you have read, understand, agree to +and accept all the terms of this license and intellectual property +(trademark/copyright) agreement. If you do not agree to abide by all +the terms of this agreement, you must cease using and return or destroy +all copies of Project Gutenberg-tm electronic works in your possession. +If you paid a fee for obtaining a copy of or access to a Project +Gutenberg-tm electronic work and you do not agree to be bound by the +terms of this agreement, you may obtain a refund from the person or +entity to whom you paid the fee as set forth in paragraph 1.E.8. + +1.B. "Project Gutenberg" is a registered trademark. It may only be +used on or associated in any way with an electronic work by people who +agree to be bound by the terms of this agreement. There are a few +things that you can do with most Project Gutenberg-tm electronic works +even without complying with the full terms of this agreement. See +paragraph 1.C below. There are a lot of things you can do with Project +Gutenberg-tm electronic works if you follow the terms of this agreement +and help preserve free future access to Project Gutenberg-tm electronic +works. See paragraph 1.E below. + +1.C. The Project Gutenberg Literary Archive Foundation ("the Foundation" +or PGLAF), owns a compilation copyright in the collection of Project +Gutenberg-tm electronic works. Nearly all the individual works in the +collection are in the public domain in the United States. If an +individual work is in the public domain in the United States and you are +located in the United States, we do not claim a right to prevent you from +copying, distributing, performing, displaying or creating derivative +works based on the work as long as all references to Project Gutenberg +are removed. Of course, we hope that you will support the Project +Gutenberg-tm mission of promoting free access to electronic works by +freely sharing Project Gutenberg-tm works in compliance with the terms of +this agreement for keeping the Project Gutenberg-tm name associated with +the work. You can easily comply with the terms of this agreement by +keeping this work in the same format with its attached full Project +Gutenberg-tm License when you share it without charge with others. + +1.D. The copyright laws of the place where you are located also govern +what you can do with this work. Copyright laws in most countries are in +a constant state of change. If you are outside the United States, check +the laws of your country in addition to the terms of this agreement +before downloading, copying, displaying, performing, distributing or +creating derivative works based on this work or any other Project +Gutenberg-tm work. The Foundation makes no representations concerning +the copyright status of any work in any country outside the United +States. + +1.E. Unless you have removed all references to Project Gutenberg: + +1.E.1. The following sentence, with active links to, or other immediate +access to, the full Project Gutenberg-tm License must appear prominently +whenever any copy of a Project Gutenberg-tm work (any work on which the +phrase "Project Gutenberg" appears, or with which the phrase "Project +Gutenberg" is associated) is accessed, displayed, performed, viewed, +copied or distributed: + +This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with +almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or +re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included +with this eBook or online at www.gutenberg.org + +1.E.2. If an individual Project Gutenberg-tm electronic work is derived +from the public domain (does not contain a notice indicating that it is +posted with permission of the copyright holder), the work can be copied +and distributed to anyone in the United States without paying any fees +or charges. If you are redistributing or providing access to a work +with the phrase "Project Gutenberg" associated with or appearing on the +work, you must comply either with the requirements of paragraphs 1.E.1 +through 1.E.7 or obtain permission for the use of the work and the +Project Gutenberg-tm trademark as set forth in paragraphs 1.E.8 or +1.E.9. + +1.E.3. If an individual Project Gutenberg-tm electronic work is posted +with the permission of the copyright holder, your use and distribution +must comply with both paragraphs 1.E.1 through 1.E.7 and any additional +terms imposed by the copyright holder. Additional terms will be linked +to the Project Gutenberg-tm License for all works posted with the +permission of the copyright holder found at the beginning of this work. + +1.E.4. Do not unlink or detach or remove the full Project Gutenberg-tm +License terms from this work, or any files containing a part of this +work or any other work associated with Project Gutenberg-tm. + +1.E.5. Do not copy, display, perform, distribute or redistribute this +electronic work, or any part of this electronic work, without +prominently displaying the sentence set forth in paragraph 1.E.1 with +active links or immediate access to the full terms of the Project +Gutenberg-tm License. + +1.E.6. You may convert to and distribute this work in any binary, +compressed, marked up, nonproprietary or proprietary form, including any +word processing or hypertext form. However, if you provide access to or +distribute copies of a Project Gutenberg-tm work in a format other than +"Plain Vanilla ASCII" or other format used in the official version +posted on the official Project Gutenberg-tm web site (www.gutenberg.org), +you must, at no additional cost, fee or expense to the user, provide a +copy, a means of exporting a copy, or a means of obtaining a copy upon +request, of the work in its original "Plain Vanilla ASCII" or other +form. Any alternate format must include the full Project Gutenberg-tm +License as specified in paragraph 1.E.1. + +1.E.7. Do not charge a fee for access to, viewing, displaying, +performing, copying or distributing any Project Gutenberg-tm works +unless you comply with paragraph 1.E.8 or 1.E.9. + +1.E.8. You may charge a reasonable fee for copies of or providing +access to or distributing Project Gutenberg-tm electronic works provided +that + +- You pay a royalty fee of 20% of the gross profits you derive from + the use of Project Gutenberg-tm works calculated using the method + you already use to calculate your applicable taxes. The fee is + owed to the owner of the Project Gutenberg-tm trademark, but he + has agreed to donate royalties under this paragraph to the + Project Gutenberg Literary Archive Foundation. Royalty payments + must be paid within 60 days following each date on which you + prepare (or are legally required to prepare) your periodic tax + returns. Royalty payments should be clearly marked as such and + sent to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation at the + address specified in Section 4, "Information about donations to + the Project Gutenberg Literary Archive Foundation." + +- You provide a full refund of any money paid by a user who notifies + you in writing (or by e-mail) within 30 days of receipt that s/he + does not agree to the terms of the full Project Gutenberg-tm + License. You must require such a user to return or + destroy all copies of the works possessed in a physical medium + and discontinue all use of and all access to other copies of + Project Gutenberg-tm works. + +- You provide, in accordance with paragraph 1.F.3, a full refund of any + money paid for a work or a replacement copy, if a defect in the + electronic work is discovered and reported to you within 90 days + of receipt of the work. + +- You comply with all other terms of this agreement for free + distribution of Project Gutenberg-tm works. + +1.E.9. If you wish to charge a fee or distribute a Project Gutenberg-tm +electronic work or group of works on different terms than are set +forth in this agreement, you must obtain permission in writing from +both the Project Gutenberg Literary Archive Foundation and Michael +Hart, the owner of the Project Gutenberg-tm trademark. Contact the +Foundation as set forth in Section 3 below. + +1.F. + +1.F.1. Project Gutenberg volunteers and employees expend considerable +effort to identify, do copyright research on, transcribe and proofread +public domain works in creating the Project Gutenberg-tm +collection. Despite these efforts, Project Gutenberg-tm electronic +works, and the medium on which they may be stored, may contain +"Defects," such as, but not limited to, incomplete, inaccurate or +corrupt data, transcription errors, a copyright or other intellectual +property infringement, a defective or damaged disk or other medium, a +computer virus, or computer codes that damage or cannot be read by +your equipment. + +1.F.2. LIMITED WARRANTY, DISCLAIMER OF DAMAGES - Except for the "Right +of Replacement or Refund" described in paragraph 1.F.3, the Project +Gutenberg Literary Archive Foundation, the owner of the Project +Gutenberg-tm trademark, and any other party distributing a Project +Gutenberg-tm electronic work under this agreement, disclaim all +liability to you for damages, costs and expenses, including legal +fees. YOU AGREE THAT YOU HAVE NO REMEDIES FOR NEGLIGENCE, STRICT +LIABILITY, BREACH OF WARRANTY OR BREACH OF CONTRACT EXCEPT THOSE +PROVIDED IN PARAGRAPH F3. YOU AGREE THAT THE FOUNDATION, THE +TRADEMARK OWNER, AND ANY DISTRIBUTOR UNDER THIS AGREEMENT WILL NOT BE +LIABLE TO YOU FOR ACTUAL, DIRECT, INDIRECT, CONSEQUENTIAL, PUNITIVE OR +INCIDENTAL DAMAGES EVEN IF YOU GIVE NOTICE OF THE POSSIBILITY OF SUCH +DAMAGE. + +1.F.3. LIMITED RIGHT OF REPLACEMENT OR REFUND - If you discover a +defect in this electronic work within 90 days of receiving it, you can +receive a refund of the money (if any) you paid for it by sending a +written explanation to the person you received the work from. If you +received the work on a physical medium, you must return the medium with +your written explanation. The person or entity that provided you with +the defective work may elect to provide a replacement copy in lieu of a +refund. If you received the work electronically, the person or entity +providing it to you may choose to give you a second opportunity to +receive the work electronically in lieu of a refund. If the second copy +is also defective, you may demand a refund in writing without further +opportunities to fix the problem. + +1.F.4. Except for the limited right of replacement or refund set forth +in paragraph 1.F.3, this work is provided to you 'AS-IS' WITH NO OTHER +WARRANTIES OF ANY KIND, EXPRESS OR IMPLIED, INCLUDING BUT NOT LIMITED TO +WARRANTIES OF MERCHANTIBILITY OR FITNESS FOR ANY PURPOSE. + +1.F.5. Some states do not allow disclaimers of certain implied +warranties or the exclusion or limitation of certain types of damages. +If any disclaimer or limitation set forth in this agreement violates the +law of the state applicable to this agreement, the agreement shall be +interpreted to make the maximum disclaimer or limitation permitted by +the applicable state law. The invalidity or unenforceability of any +provision of this agreement shall not void the remaining provisions. + +1.F.6. INDEMNITY - You agree to indemnify and hold the Foundation, the +trademark owner, any agent or employee of the Foundation, anyone +providing copies of Project Gutenberg-tm electronic works in accordance +with this agreement, and any volunteers associated with the production, +promotion and distribution of Project Gutenberg-tm electronic works, +harmless from all liability, costs and expenses, including legal fees, +that arise directly or indirectly from any of the following which you do +or cause to occur: (a) distribution of this or any Project Gutenberg-tm +work, (b) alteration, modification, or additions or deletions to any +Project Gutenberg-tm work, and (c) any Defect you cause. + + +Section 2. Information about the Mission of Project Gutenberg-tm + +Project Gutenberg-tm is synonymous with the free distribution of +electronic works in formats readable by the widest variety of computers +including obsolete, old, middle-aged and new computers. It exists +because of the efforts of hundreds of volunteers and donations from +people in all walks of life. + +Volunteers and financial support to provide volunteers with the +assistance they need, is critical to reaching Project Gutenberg-tm's +goals and ensuring that the Project Gutenberg-tm collection will +remain freely available for generations to come. In 2001, the Project +Gutenberg Literary Archive Foundation was created to provide a secure +and permanent future for Project Gutenberg-tm and future generations. +To learn more about the Project Gutenberg Literary Archive Foundation +and how your efforts and donations can help, see Sections 3 and 4 +and the Foundation web page at http://www.pglaf.org. + + +Section 3. Information about the Project Gutenberg Literary Archive +Foundation + +The Project Gutenberg Literary Archive Foundation is a non profit +501(c)(3) educational corporation organized under the laws of the +state of Mississippi and granted tax exempt status by the Internal +Revenue Service. The Foundation's EIN or federal tax identification +number is 64-6221541. Its 501(c)(3) letter is posted at +http://pglaf.org/fundraising. Contributions to the Project Gutenberg +Literary Archive Foundation are tax deductible to the full extent +permitted by U.S. federal laws and your state's laws. + +The Foundation's principal office is located at 4557 Melan Dr. S. +Fairbanks, AK, 99712., but its volunteers and employees are scattered +throughout numerous locations. Its business office is located at +809 North 1500 West, Salt Lake City, UT 84116, (801) 596-1887, email +business@pglaf.org. Email contact links and up to date contact +information can be found at the Foundation's web site and official +page at http://pglaf.org + +For additional contact information: + Dr. Gregory B. Newby + Chief Executive and Director + gbnewby@pglaf.org + + +Section 4. Information about Donations to the Project Gutenberg +Literary Archive Foundation + +Project Gutenberg-tm depends upon and cannot survive without wide +spread public support and donations to carry out its mission of +increasing the number of public domain and licensed works that can be +freely distributed in machine readable form accessible by the widest +array of equipment including outdated equipment. Many small donations +($1 to $5,000) are particularly important to maintaining tax exempt +status with the IRS. + +The Foundation is committed to complying with the laws regulating +charities and charitable donations in all 50 states of the United +States. Compliance requirements are not uniform and it takes a +considerable effort, much paperwork and many fees to meet and keep up +with these requirements. We do not solicit donations in locations +where we have not received written confirmation of compliance. To +SEND DONATIONS or determine the status of compliance for any +particular state visit http://pglaf.org + +While we cannot and do not solicit contributions from states where we +have not met the solicitation requirements, we know of no prohibition +against accepting unsolicited donations from donors in such states who +approach us with offers to donate. + +International donations are gratefully accepted, but we cannot make +any statements concerning tax treatment of donations received from +outside the United States. U.S. laws alone swamp our small staff. + +Please check the Project Gutenberg Web pages for current donation +methods and addresses. Donations are accepted in a number of other +ways including checks, online payments and credit card donations. +To donate, please visit: http://pglaf.org/donate + + +Section 5. General Information About Project Gutenberg-tm electronic +works. + +Professor Michael S. Hart is the originator of the Project Gutenberg-tm +concept of a library of electronic works that could be freely shared +with anyone. For thirty years, he produced and distributed Project +Gutenberg-tm eBooks with only a loose network of volunteer support. + + +Project Gutenberg-tm eBooks are often created from several printed +editions, all of which are confirmed as Public Domain in the U.S. +unless a copyright notice is included. Thus, we do not necessarily +keep eBooks in compliance with any particular paper edition. + + +Most people start at our Web site which has the main PG search facility: + + http://www.gutenberg.org + +This Web site includes information about Project Gutenberg-tm, +including how to make donations to the Project Gutenberg Literary +Archive Foundation, how to help produce our new eBooks, and how to +subscribe to our email newsletter to hear about new eBooks. |
