summaryrefslogtreecommitdiff
diff options
context:
space:
mode:
-rw-r--r--.gitattributes3
-rw-r--r--21283-8.txt2345
-rw-r--r--21283-8.zipbin0 -> 37581 bytes
-rw-r--r--21283-h.zipbin0 -> 39096 bytes
-rw-r--r--21283-h/21283-h.htm2382
-rw-r--r--LICENSE.txt11
-rw-r--r--README.md2
7 files changed, 4743 insertions, 0 deletions
diff --git a/.gitattributes b/.gitattributes
new file mode 100644
index 0000000..6833f05
--- /dev/null
+++ b/.gitattributes
@@ -0,0 +1,3 @@
+* text=auto
+*.txt text
+*.md text
diff --git a/21283-8.txt b/21283-8.txt
new file mode 100644
index 0000000..b78ed89
--- /dev/null
+++ b/21283-8.txt
@@ -0,0 +1,2345 @@
+The Project Gutenberg EBook of Santarenaida: poema eroi-comico, by
+Francisco de Paula de Figueiredo
+
+This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with
+almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or
+re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included
+with this eBook or online at www.gutenberg.org
+
+
+Title: Santarenaida: poema eroi-comico
+
+Author: Francisco de Paula de Figueiredo
+
+Release Date: May 4, 2007 [EBook #21283]
+
+Language: Portuguese
+
+Character set encoding: ISO-8859-1
+
+*** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK SANTARENAIDA: POEMA EROI-COMICO ***
+
+
+
+
+Produced by Pedro Saborano. Para comentários à transcrição
+visite http://pt-scriba.blogspot.com/ (This book was
+produced from scanned images of public domain material
+from the Google Print project.)
+
+
+
+
+
+
+
+SANTARENAIDA
+
+POEMA
+
+EROI-COMICO
+
+DE
+
+FRANCISCO DE PAULA DE FIGUEIREDO.
+
+ * * * * *
+
+ _Dignum laude virum Musa vetut mori._
+
+ Horat. l. 4. O. 7.
+
+ * * * * *
+
+COIMBRA.
+
+Na Regia Officina Typografica.
+
+
+ANNO M.DCC.LXXXXII.
+
+_Com licença da Real Meza da Commissaõ Geral sobre o Exame e Censura dos
+Livros._
+
+
+
+
+ARGUMENTO.
+
+
+Ouve em Coimbra um Taverneiro celebre, chamado Joze Rodrigues Santareno.
+Este em uma funsão que costuma fazerse pela Pascoa do Espirito Santo em
+Santo Antonio dos Olivais, estando muito suado pelo cansaso do caminho,
+fartouse de agua, com quem andava divorciado, avia largos anos, e dahi a
+poucos minutos caiu morto. Revestem-se estas circumstancias Poeticamente,
+e cantase a sua morte.
+
+
+
+
+SANTARENAIDA.
+
+
+
+
+*CANTO I.*
+
+
+ Pois me pedes, ó Muza, instantemente,
+ Que emboque a Eroica tuba altisonante,
+ Que a cego Marte impele os peitos fortes;
+ Eu que sem forsas teu carater serio
+ Em versos graves sustentar naõ poso,
+ Revestido da lépida Talia
+ C'o a máscara atrevida, para ensaio
+
+ Cantarei o Varaõ famijerado,
+ Que de Baco na guerra com Neptuno
+ Arvorando do vinho os estandartes,
+ Depois de ser trovaõ, ser raio acezo,
+ Que espalhava terror no campo inteiro,
+ Victima infausta foi por fims de contas
+ Da vingansa cruel do Rei das aguas.
+
+ Axavase em tremendo consistorio
+ Com toda sua Corte o undozo Jove.
+ Nas intimas entranhas asoprado
+ Pela Raiva vorás o consumia
+ Um fogo abrazador: eraõ com ele
+ As furias de Acheronte, e os vastos mares
+ Ao som de sua vós mudos tremiaõ.
+ Quando depois de longos improperios
+ Com que a insana paixaõ dezabafára,
+ De sima do alto solio adamantino
+ Que sustentaõ seis Doricas colunas
+ De maculado marmore brilhante
+ Com bazes de oiro, e capiteis de prata,
+ Esta fala do peito amargurado
+ Soltou com grave acento aos seus Magnates.
+
+ Sempre eu, Vasalos nobres, de máo grado,
+ Com justa indignasaõ olhei bramando,
+ Que ouvese sobre a terra um petulante
+ Que ouzase de meu povo impunemente
+ Atacar os direitos mais antigos;
+ Pois sendo desde muito autorizadas
+ As nosas dôces aguas para entrarem
+ As umanas guelas, e os arcanos
+ Dos buxos penetrar dos omems grandes,
+ Oje a termos as vêdes reduzidas
+ De serem so de aprêso aos brutos rudes,
+ E a despeito de minha autoridade
+ Condenadas (oh dor!) das esterqueiras,
+ Das imundas alfujas, das cloacas
+ Á baixa vergonhoza lavadura.
+ Conterme já naõ poso; este atrevido
+ Provar do meu tridente as forsas deve.
+ Este atrevido he Baco: eu pois pertendo
+ Punir a sua audacia, guerrealo.
+ Naõ ade este invazor protervo, e altivo
+ Zombar ja mais de mim: torsese a verga
+ Em quanto naõ he tronco: uma faisca
+ Pasa a incendio vorás, se naõ se apaga.
+ Mas vós aconselhaime, que eu naõ quero
+ Que a paixaõ me alucine: o fim he este
+ Porque oje vos xamei: dos boms conselhos
+ Quazi sempre saõ filhos os acertos.
+
+ Bem como de um enxame susurrante
+ O inquieto zumbido, se ouve n'aula
+ O confuzo rumor dos Optimátes.
+ Escutaõse discursos encontrados,
+ Diferentes razoins, pensar diverso.
+ Nisto o Padre Oceano revestido
+ De Regia Magestade se levanta,
+ E abrazado em furôr desta arte rompe.
+
+ Qual será de vós outros, que arrojado
+ Se atreva a sustentar nesta asembleia,
+ Á face do seu Rei, de toda a Corte,
+ Que a meditada guerra naõ he justa?
+ Se aqui algum está, se enfatuado
+ Algum medir comigo as forsas tenta,
+ A campo saia; os ultimos alentos
+ C'os golpes da razaõ tirarlhe quero.
+
+ Quais mudos troncos Oceano vendo
+ Pasmados da asembleia os membros todos,
+ Com mais vivo calor prosegue irado.
+
+ Apague as negras axas acendidas
+ A severa Nemézis: ja naõ devem
+ Ser punidos os máos: ouzado tale
+ O iniquo uzurpador o campo alheio:
+ Perturbemse os direitos... Oh Justisa!
+ Oh Deuzes imortais!... Eu penso, ó Padre,
+ Que altercasaõ não sofre o teu projeto.
+ Deve a guerra fazerse, a guerra he justa.
+ Porem naõ será máo, reflexiono
+ Eu agora taõbem, que tu primeiro
+ Vejas se a boa pás quer antes Baco
+ Estas coizas compor, largando a pose
+ Dos direitos que audás nos uzurpára.
+ Por tanto uma Embaixada mandar deves
+ Expondolhe as razoins que te estimulão;
+ E no cazo que a pás ele naõ queira
+ A guerra se lhe intime em continente.
+
+ Asim dise, e aprazendo ao consistorio
+ Rezolvese Neptuno, e o Tritaõ xama.
+ _Tritaõ que de ser filho se gloria
+ Do Rei, e da Salacia veneranda:_
+ Mansebo tal, e qual, nem mais nem menos
+ Como o pinta Camoins no canto seisto.
+
+ Vai tu da minha parte ao Rei dos vinhos
+ Levar esta Embaixada, dis Neptuno;
+ Que o dezaforo vil sendo notorio
+ Com que da antiga pose as doces aguas
+ Esbulhadas tem sido por seus vinhos:
+ Que sendo esta irrupsaõ sobre dominios
+ De mim das aguas Rei, que sempre hei sido
+ Justo mantenedor de meus direitos;
+ A recta observasaõ do jus das jentes
+ Com vergonha infrinjida nesta parte,
+ Exije que taõ barbaras afrontas,
+ Por melhor se atalharem fims funestos,
+ Sejaõ severamente castigadas.
+ Mas que lembrado da clemencia inata
+ Com que as minhas asoins adornei sempre,
+ Perdoandolhe o mais, sómente quero,
+ Que enfreando do vinho a audacia suma,
+ De oje em diante perturbar naõ venha
+ Tranquilidades publicas; que a escolha
+ Em sua maõ está de pás, ou guerra.
+ Se guerra pois quizer, logo em meu nome
+ Entaõ a ferro, e sangue lha declara.
+
+ Atento o feio Moso esteve á fala,
+ E cortando lijeiro as altas ondas
+ Da grande Niza em fim surjiu na praia.
+ Aqui tres vezes a torcida conxa,
+ Que os gigantes na guerra amedrentára
+ Altamente tocou: do som terrivel
+ Feridas as montanhas se abalárão:
+ Tremeraõ da Cidade os abitantes;
+ E dando agudos guinxos, para os colos
+ Das mãis os filhos pavidos fujiraõ.
+ O nobre Fundador de susto cheio
+ C'o a estranheza do cazo, saber manda
+ O que he. Eis a Palacio conduzido
+ Por entre a multidão que concorria
+ Atonita, e turbada o Tritaõ chega.
+ A Embaixada repete, e carrancudo
+ Pela resposta taciturno aguarda.
+ O nobre Fundador da alegre Niza
+ Turbado um pouco esteve; mas sem medo
+ Ao Trombeta falou desta maneira.
+
+ Ja mais no que o teu Rei oje me argúe
+ Eu tenho consentido, sem que um uzo,
+ Um costume geral das Nasoins cultas
+ Com razaõ m'o abone: eu não pertendo
+ Defraudar cada um de seus direitos.
+ O costume fas lei: tenha Neptuno
+ O mesmo a seu favor, será contente.
+ Nem cuide ele talvês, que seus caprixos
+ Me faraõ aterrar: naõ sei ser fraco.
+ Amease, guerreie: eu inda o mesmo
+ Sou, o conquistador das Indias vastas.
+ He verdade que a pás em muito prézo;
+ Porem se haõ de perderse os meus direitos,
+ Ou a guerra aceitar, a guerra aceito.
+
+ Com esta decizaõ partindo torna
+ O filho de Neptuno aos Thetios campos.
+ A seu Pai a repete; o Velho brama,
+ E jura pela Stigie tenebroza
+ Com toda sua Corte respeitavel
+ Fazer perpetua guerra ao Rei soberbo.
+ Tocar manda a rebate; a Oceano imcumbe
+ O governo do exercito, tentando
+ Os vinhos atacar em toda a parte.
+ Com tudo porque sabe que entre os Luzos
+ Do inimigo poder o centro existe,
+ Aqui a mira poim, aqui rezolve
+ Fazer primeiro arder da guerra o fogo.
+
+
+
+
+*CANTO II.*
+
+
+ Com um taõ importante rompimento
+ Revolvendo mil coizas na lembransa
+ Largos dias andou atrapalhado
+ Da infelice Semele o imberbe filho.
+ A pacifica inercia deleixada
+ Que em descanso puzera este Rei forte
+ O tinha desprovido. O sangue seco
+ Nas pasadas batalhas derramado
+ Se via inda nas lansas nas espadas
+ Ja da negra ferruje carcomidas.
+ Tinhaõ teias de aranha os peitos d'aso,
+ Eraõ ninhos de rato os capasetes.
+ Mas vendo dos aprestos a manobra
+ De seus adversarios, ganha o fogo
+ Que pela longa pás perdido avia.
+ Prestes pasa depois a fazer gente;
+ O imperio se revolve, e os vinheos povos
+ Á vós de seu Senhor ás armas velaõ.
+ Dobraõ-se sentinelas; os avizos
+ Voando se despedem; e he precizo
+ Ter de acordo na asaõ os mais famozos
+ Insignes Generais em cada Reino.
+
+ Daqui, bom Santareno, de teus dias
+ Comesou a estreitarse a larga teia.
+ Este o principio foi, estas as cauzas
+ Da tua nunca asás xorada perda.
+
+ Avia em Portugal um Xefe experto
+ Na sordida Coimbra acastelado:
+ Diziase Joze, mas poucas vezes,
+ Que o brado de seu nome mais notorio
+ Da terra lhe provinha aonde os lasos
+ De Himineu ternamente o tinhaõ prezo.
+ Contase que saindo n'outro tempo
+ Este novo Quixote aventureiro
+ Pelo mundo a ganhar glorioza fama
+ No serviso do Rei dos bravos vinhos,
+ E querendo a uma nova Dulcinea
+ O governo entregar de seus morgados,
+ Ja que a Parca cruel lhe avia feito
+ A vês primeira o tálamo dezerto;
+ Axára em Santarem uma Matrona
+ So digna de um Eroi, so digna dele.
+ Na linhaje do sangue descendia
+ D'onrados Campioins, d'Erois de pinga.
+ Inda nos altos porticos pendentes
+ Conservavaõ-se os ramos de loireiro
+ Sem ter interrupsaõ por brazoins d'armas,
+ Era ela bem talhada, o seu costado
+ Capás era da carga mais enorme.
+ Eraõ as suas faces dois prezuntos,
+ Seu garbo majestozo, o paso grave.
+ Tinha o traje mais simples, mais modesto
+ Das modestas matronas do seu tempo.
+ De baeta um jibaõ de longas abas
+ Lhe cobria a bojuda umanidade.
+ Dos grosos cotovelos lhe pendiaõ
+ Alarves punhos de groseira estopa.
+ Cingialhe em tres voltas ensebado
+ O carnudo caxaso um cordaõ d'oiro,
+ D'onde so nos Domingos pendurado
+ Se via um rocicler lonjevo, e vasto,
+ Que pela antiguidade que inculcava,
+ Nas ricas enxurradas do diluvio
+ Se asenta ser axado _in illo tempore_.
+
+ Namorouse o Varaõ, namorouse ela.
+ Uniraõse c'o vinculo sagrado,
+ E sendo sua Consorte Santarena
+ Quis taõbem Santareno apelidarse.
+
+ He pois precizo a este mandar ordems,
+ Baco perante si fás vir Cilenio,
+ E ufano asim lhe dis com rosto inteiro.
+
+ Eu tenho neste mundo um vasto imperio:
+ Meu nome em toda a parte, ou mais, ou menos
+ He venerado; mas na Luzitania
+ Tenho o pezo maior de minhas forsas.
+ Em Coimbra he o centro; ahi rezide
+ O Cabo principal de meus exercitos,
+ O insigne Santareno. Nestes termos
+ Desta guerra he forsozo darlhe parte.
+ Tu pois asim lhe dize: Que abalados
+ Do sopro da Discordia os Povos Áqueos
+ Nos tem guerra jurado, e alta vingansa:
+ Que cumpre rezistirlhes: boms soldados
+ Prezentar em campanha; e dar conserva
+ Ao uzo introduzido, á grata pose
+ De ser somente o vinho quem nas mezas
+ A sede satisfasa; porque he esta
+ A cauza principal de seus rancores.
+ Que eu dele a empreza fio; que entre os Luzos
+ Eu quero que ele só sustente a guerra.
+ Depois um giro faze, e aos meus Soldados
+ De toda a Luzitania que em Coimbra
+ Axarse devaõ logo intíma as ordems.
+
+ Dise, e partiu voando o mensajeiro,
+ Até que as pandas azas encolhendo,
+ Das letras, e das lamas sobre a Terra
+ Os talares pouzou bordados d'oiro.
+
+ Era dia d'Entrudo, e nas baiúcas
+ O sujo canjirão vazando as pipas
+ Aos freguezes enxia os grandes copos.
+ Avia um confuzisimo barulho:
+ Ferviaõ da janela as laranjadas:
+ Surriadas, apupos, algazarras,
+ Os esguixos, os pós, o rabo-leva
+ Tudo em dezordem poim. Vendo Cilenio
+ Extravagancias tais pasmado fica.
+ Pensa naõ de Coimbra ver os montes,
+ Sim da fertil Beocia o graõ Citéron
+ Retumbando medonho em noite d'Orgias.
+
+ Entaõ do incomparavel Santareno
+ Na surtida taverna entre a balburda
+ Da fumoza vinhasa ardia o fogo.
+ _Mais meia canadinha_ de uma parte
+ Caído o beiso, e os carregados olhos
+ A custo abrindo, c'uma vos fanhoza
+ Pedia um dos da corja amotinada.
+ D'outra parte fazendo uma carranca
+ Sobre tres azeitonas apostava
+ Outro que tal que xuparia um frasco.
+ Qual aos murros andava; qual seis copos
+ Tendo ja feito em cacos, com nos'ama
+ Ateimava furiozo em naõ pagarlhos.
+ Daqui aos encontroins ums vinhaõ vindo
+ Afétando de serios; esbarravaõ
+ Comsigo nas esquinas dali outros.
+
+ Mas o Filho de Maia cautelozo
+ Opurtuna monsaõ de entrar espreita.
+ Em fim axa uma aberta, lestes rompe,
+ Dá sinal, tem lisensa, á sala sobe,
+ E d'ambos os Espozos poinse á face,
+ Declaralhes quem he, de quem mandado,
+ E da sua Embaixada o fim precizo.
+
+ Sem saber o que fasaõ, largo espaso
+ Ficárão um e outro embasbacados.
+ Ele indo com as mãos logo á cabesa
+ Cosávase, e na sordida poltrona
+ Aflito _stare loco nesciebat_:
+ Ela está feito, la melhor compunha
+ O seu recado. Finalmente o tempo
+ Ja fazia dar oras ás barrigas,
+ E devia jantarse. A Liberdade
+ Entaõ dezempesando as linguas rudes
+ A terreiro os tirou, e mais ouzados
+ Entrárão a seu modo a perguntarlhe
+ Alegres sobre Baco muitas coizas,
+ Muitas sobre Sileno. Dos guizados
+ Da meza o xeiro ja neste comenos
+ Consolava os narizes circumstantes.
+ Pedida a taõ grande ospede lisensa
+ Subito se arregasa o Santareno,
+ E rogando o onráse, á cabeseira
+ Da bem provida meza, instanciozo
+ Para um pouco comer fes asentalo.
+
+ Ja no vidro dos pratos retiniaõ
+ Resaltadas da carne as trinxadelas.
+ (Podiaõse na gula encarnisados
+ Ver os gordos Consortes dando aos buxos
+ Tasalhos de prezunto tremendisimos!)
+ Mastigando apresados resmungavaõ,
+ E do ospede em onra mil saudes
+ Uma apos outra sem sesar faziaõ.
+
+ Mercurio da franqueza naõ pensada
+ O fausto aparatozo em tal albergue
+ Naõ podia admirar quanto era justo,
+ Porque alem das perguntas enfadonhas
+ A que cortês com présa respondia,
+ De um pouco reparar deixar naõ pôde
+ Nos vetustos paineis enfarruscados
+ Que adornavaõ em roda a estreita sala.
+
+ Em um deles se via inda no berso
+ Entregue a Ino o pequenino Baco
+ Tendo as Nimfas em torno, e juntamente
+ As Hiadas, e as Horas. Logo n'outro
+ Ja crescido plantava o bom bacelo,
+ Ja o campo baldio agricultava.
+ Viase mais n'um majestozo quadro
+ O severo rigor de seus castigos.
+ Estava de Licurgo o cazo infando;
+ Mas ja com negra côr, ja roto o pano.
+ Com tudo ao natural se devizava
+ Golpeando ele mesmo as pernas suas.
+ Aqui o filho de Echion Tebano
+ Pela sua familia enfurecida
+ Se via cruelmente espedasado.
+ Ali de Meduline o parricidio,
+ Mais abaixo Penthêo ás Furias dado.
+ Sobre tudo a fatal metamorfoze
+ Se admirava em leaõ fulvi-comado
+ Nos gigantes cevando ávida sanha.
+
+ Mas ja baixando o Sol, surgia a Noite.
+ Trata Mercurio de partirse prestes;
+ Dos gordos Santarenos se despede,
+ Que falando ambos juntos, em confuzo
+ So deixaõ perseber, que descansado
+ Seu Rei pode ficar, que em quanto aos brasos
+ O valor asistir, naõ aõde as Aguas
+ Como pensaõ, levar a sua avante.
+ E como ja nos cascos lhes fervia
+ Em violentos caxoins o ardente sumo
+ A cabesa fazendolhes pezada
+ Dar c'o a barba no peito, e sobre os olhos
+ Carregar importuno o grave sono,
+ Na mal mexida cama empanturrados
+ Ambos foraõ jazer como dois odres.
+
+ Dormirão toda a noite os boms Alarves
+ Rezupinos roncando a sono solto.
+ Eis lá sobre a manhan um se espreguisa,
+ E fazendo tres cruzes sobre a boca
+ Enormemente aberta o outro acorda.
+
+ Saõ oras, dis o Eroi roufenhamente,
+ Trazeime eses calsoins, daime ca a vestia.
+ Fora c'o a noite! ha muitos tempos nunca
+ Dormi noite pior! Tudo eraõ pulgas,
+ Tudo sonhos, em fim tudo Diabos,
+ Até, por mais sentir, a Mosazinha
+ No quarto me deixou fexado o gato,
+ Que toda a santa noite andou miando.
+ Eu naõ persenti nada, dis Madama,
+ Pois foi tal a quebreira, tal o sono,
+ Que bem podiaõ arrombar as portas,
+ E sem que eu dése fé. Bem, pois que queres,
+ O marido replíca, se tais sonhos
+ Eu tive, que por mais que quis pôr olho
+ Logo eles me espertavaõ: eu te conto.
+ Sonhei que estava eu na nosa quinta
+ Debaixo da nogueira ao pé da fonte
+ Sobre a relva dormindo a minha sésta:
+ Eis senaõ quando d'uma vala surde
+ Correndo em torcicolos uma cobra,
+ E me entra pela boca: aqui um pulo
+ Dei eu, naõ persebeste? Eu naõ, dis ela.
+ Pois dei um grande pulo, e depois diso
+ Um pouco despertando, em sonolencia
+ Fui tornando a cair. E sonhei muitas
+ Outras grandes desgrasas que me esquesem.
+ Tornou ela a dizer: iso he verdade
+ Ás vezes taõbem tenho tantos sonhos,
+ Que me fazem doer bem a cabêsa.
+ Porem vaite vestindo, anda deprésa
+ Se queres almosar, que ja he tempo.
+
+ Tais réplicas, e tréplicas pasadas
+ Em fim a muito custo pos se fora,
+ E na larga cadeira escarranxado
+ Asim dezalojando, á Mulher dise.
+
+ Ora sabes mui bem, Consorte amada,
+ O onrado avizo que tivemos ontem.
+ O noso Imperador axase aflito
+ C'o a guerra declarada por Neptuno.
+ Eu sou um de seus xefes; e a minh'alma
+ Aspira a coizas grandes. Desta sorte
+ Na dansa estou metido: vou agora
+ As ordems expedir que saõ precizas,
+ Fazer gente com forsa: paciencia!
+ Nós para trabalhar nascemos todos.
+ Dáme cá qualquer coiza; um lombo bonda
+ Bastaõ dois pains, duas canadas bastaõ.
+
+ Fes-se bem como um Padre, e muito fresco
+ Saiu a averiguar os seus negocios.
+
+
+
+
+*CANTO III.*
+
+
+ Neste tempo no imperio de Neptuno
+ Ja com todo o calor fervia a obra.
+ Os fortes Generais debaixo d'armas
+ Ja tinhaõ toda a jente, e á Luzitania
+ Os vastos esquadroins marxando vinhaõ.
+ Aqui de remotisimos Paízes,
+ De diversas Nasoins, diversas linguas
+ Vinhaõ mandando Capitains diversos,
+ Aqui vinhaõ Varoins destes pixozos
+ A quem tudo lhe fede, e que somente,
+ Por cauza das corrutas baforadas,
+ C'o vinho em odio eterno andáraõ sempre,
+ Aqui de mal Francês, e de almorreimas
+ Um sem numero vinha de axacados:
+ Naõ faltando dos cálidos a turba
+ A quem fizera sempre o vinho empôlas.
+ Era em tres batalhoins formada a Tropa,
+ Guiava um batalhaõ Periclimeno[1]
+ Arrogante, e temido: outro Achelóo,[2]
+ E o terceiro puxava á retaguarda
+ O velho Espozo da cerulea Doris.[3]
+ Aqui vinha Protêo dos grandes Focas[4]
+ Regendo a tremendisima caterva.
+ Talhando as curvas ondas na vanguarda
+ Iaõ nadando cem Tritoins desformes
+ Fazendo rebombar os buzios grandes.
+ E o Padre Oceano comandante
+ Supremo deste exercito temivel
+ Girava dando as ordems amontado
+ N'uma negra baleia monstruoza.
+
+ Xegáraõ do aureo Tejo em fim ás marjems,
+ Mas antes que o exercito alojase,
+ Desta nova xegada em tom de guerra
+ Lhe foraõ dois Trombetas a dar parte.
+
+ No centro d'uma gruta penhascoza,
+ Cujas ricas paredes eraõ d'oiro,
+ E branca madrepérola ondeante,
+ Sentado sobre a urna, respeitavel
+ C'o tridente na mão, e c'uma c'roa
+ De verdes limos na rugoza fronte
+ A embaixada resebe o Padre Tejo.
+ Quando asim dos Trombetas um comesa.
+
+ Ja, Padre venerando, aos teus ouvidos
+ Xegaria talvês a novidade
+ Da guerra que entre nós, e o Rei dos vinhos
+ Pouco ha se declarou. Naõ me pertense
+ Os motivos da asaõ esmiunsarte:
+ Taõ somente a dizerte sou mandado,
+ Que para dar principio á grande empreza
+ Para esta Capital do imperio Luzo
+ Das Tropas Oceano á testa marxa.
+ Deves pois vir falarlhe; que eu asento
+ Que tem primeiro aqui seu bico d'obra.
+
+ Subia pelo rosto ao velho Tejo
+ Ao tempo desta fala uma alegria,
+ Que ja mais asomára ao seu semblante.
+ Levantase, o Palacio se alvorósa,
+ E para ir esperar taõ grande xefe
+ As mais galhardas Nimfas a si xama.
+
+ Duzentas niveas, engrasadas Naides
+ De lindos olhos, que em prazer trasbordaõ,
+ Solto o negro cabelo gotejante
+ Presto ali se aprezentaõ caprixozas.
+ Ao carro sóbe o Tejo, ao carro d'oiro
+ Que guapos, e das muito-abertas ventas
+ Brotando soberboins torrentes d'agua,
+ Seis cavalos marinhos vaõ tirando.
+ Em malhados golfinhos brincadores
+ Asentadas as Naiades o cercaõ.
+ O mar fas-se banzeiro, e longa esteira
+ Mansamente deixando a turba marxa.
+
+ Xegados que os dois Reis á fala foraõ
+ O Tejo rompe asim: Princepe excelso,
+ Se um pobre feudatario, bem que indigno,
+ Qual eu sou, gozar pode a onra eximia
+ De darte albergaria em seu palacio,
+ As demoras desprende, e á minha gruta
+ Dignase vir a descansar um pouco,
+ Aonde a noso comodo sentados
+ Da sorte dos Imperios trataremos.
+
+ Oceano aseitou condescendente
+ Do Padre Tejo a simples rogativa,
+ E acolhendose á gruta majestoza,
+
+ Indignado meu Pai, dise Oceano,
+ Pela iniqua extorsão de seus direitos,
+ Que dos vinhos o Rei dezaforado
+ Das jentes com escândalo lhe ha feito,
+ Intenta guerrealo. Ele em pesoa
+ Viria á expedisaõ, se de seus anos
+ O pezo desta glória o naõ priváse.
+ Por tanto eu me incumbi das suas vezes:
+ E como de sua Corte na asembleia
+ Para isto convocada se asentase,
+ Que o comêso em teu Reino ser devia,
+ Visto que o General dos inimigos
+ Em Coimbra rezide; pareseume,
+ Por levarmos as coizas com mais ordem,
+ Que nesta Capital sem perder tempo
+ A primeira faxina se fizese:
+ Depois, de meu poder com todo o pezo
+ Em Coimbra caísemos. Aprouve
+ Ao Tejo este discurso; e entaõ tratáraõ
+ De mais ponderasaõ quantos negocios
+ Para aquele respeito mais tendiaõ,
+ Saõ xamados os Cabos a conselho,
+ E com acordo unânime se adía
+ A seguinte manhan para o combate.
+
+ He contra um grande Cabo que se devem
+ Tomar as armas: naõ he Jan Fernandes,
+ Nem Manel das Atacas o inimigo:
+ He contra o fasanhozo Talaveiras[5]
+ Tortulho enorme de invejada fama,
+ Do vinho na milicia experto, e vasto.
+
+ Tanto que alvoreseu, logo no campo
+ As trombetas orrísonas bramáraõ;
+ Cujo som de mistura c'o alarido,
+ E roucos atabales largo espaso
+ Os muros fes tremer, e a gran Cidade
+ Soberba fundasaõ do Grego errante.
+ Ja promto o Talaveiras aguardava
+ De Cilenio o preseito a pôr por obra.
+ Na frente de seus bebados soldados
+ Corajozo se avansa: róxa altiva
+ Que as vagas sem pavor mujindo escuta.
+ Marxando vaõ as filas a compaso,
+ E d'uma, e d'outra parte embravecido
+ O gradivo Mavorte asende os peitos.
+ As caixas daõ final, travase a guerra;
+ De poeira uma nuve os ares turba;
+ Levantase um clamor mais tezamente;
+ Redobraõse as pancadas, corre o sangue...
+ Nada ha mais lamentavel que uma guerra!
+
+ Foi renhida a peleja: longas oras
+ Pendeu a decizaõ n'ambas as partes.
+ Finalmente naõ sei que infausto cazo
+ Pôs dos vinhos o exercito em dezordem,
+ Que naõ pôde aguentar sobre seus brasos
+ Dos aquozos dragoins o carregume.
+ Perdem todos a côr, as armas largaõ.
+ (Entradas de leaõ, saídas d'asno!)
+ Cae aqui, cae ali, ums sobre os outros
+ Vaõ indo aos trambolhoins. O Talaveiras
+ Reunilos intenta, mas de balde.
+ He de balde bradar: diques naõ sofre
+ Torrente por pavor precipitada.
+
+ No campo ficou so inteiro e forte.
+ O golpe universal caíu sobre ele.
+ Das setas, e das lansas acravado
+ Parecia um pinhal o grande escudo.
+ Nimguem ouzou xegarlhe, que da terra
+ Naõ fizese vermelha a superfice.
+
+ E que mais fês d'Olimpias o esforsado
+ Filho, o devastador do mundo invicto,
+ Junto ao tronco, dos seus destituido,
+ Quando o muro saltou dos Oxidracas?
+
+ Mas a Morte d'Erois sempre avarenta
+ Metida n'uma bala fulminante
+ As pernas lhe atravesa, e despedasa.
+ Acurva a grosa máquina tremendo,
+ E em terra baqueando he maxucada
+ Do violento tropel dos inimigos.
+ C'o este lanse _vitoria_ o Tejo brada:
+ Vitoria, respondeu a xusma ovante,
+ Vitoria pelas aguas, viva, viva.
+
+[1] Periclimeno: Neto de Neptuno, de quem recebeu o poder de se
+metamorfozear.
+
+[2] Achelóo: filho de Oceano. Namorouse de Dejanira amante de Hercules.
+Hercules combateu com ele metamorfozeado em toiro, arrancoulhe um corno, e
+venseu-o.
+
+[3] O Velho, &c. Nerêo, filho de Oceano, e pai das Nereides.
+
+[4] Protêo: vej. Virg. Georg. I. 4. v. 429.
+
+[5] Um dos Taverneiros de grande conta que Lisboa teve. Na dilatada teia
+de seus louvores saõ estes meus versos um romendinho.
+
+
+
+
+*CANTO IIII.*
+
+
+ Foise em folias a seguinte noite.
+ Mas asim que a lus alma avermelhando
+ No orizonte as globozas nuvemzinhas
+ Comesou a doirar o cume aos montes,
+ A vensedora jente enfurecida
+ Respirando outra ves carnajem, sangue,
+ Vai de rota batida, e compasada
+ Ao som dos belicozos instrumentos
+ Demandar do Mondego as marjems frescas.
+
+ A seu salvo xegando se alojárão.
+ Fas-se conselho, e por comum acórdaõ
+ Para a um tempo levar ao Porto, e Aveiro
+ O terror, e a vitoria Nerêo parte.
+
+ Em quanto isto asim pasa, ja Coimbra
+ Bem como um formigueiro fervelhava
+ Atonita bradando. Eis muito conxo
+ Correndo á présa contra seu costume,
+ Vem um cambaio tutelar das aguas,
+ O gago Vitorino, e o Santareno[6]
+ Fanfarrão desta sorte dezafia.
+
+ Cá-cá fora me'amigo, cu na rua;
+ Á de ir aqui tu-udo c'o a maleita.
+ E ve-ve-ve veremos, e veremos
+ Quem-quem leva a melhor: xê-xegá'gora
+ Um nunca visto inzercito de jente;
+ Saõ co-como mosquitos: se tem barbas,
+ S'hé-s'hé-s'hé-s'hé capás ponhase em campo.
+
+ Qual grande Ferrabrás no xaõ deitado
+ Desprezando do garrulo Oliveiros
+ O louco dezafio, o Eroi prestante
+ Do Rino desprezou o stultiloquio.
+ Naõ se altera; em seu rubido semblante
+ Naõ poim o Mêdo as cores da fraqueza.
+ Lijeiro, quanto sofre a corpulencia,
+ Á trapeira alta sobe onde vijia;
+ E axando ser serta a guerra em caza,
+
+ Maõs perdidas, dis ele, saõ: ja'gora
+ Ou venser, ou morrer. Xamase ás armas,
+ E toda a jente sua acode prestes.
+ Acodem d'Alemtejo, e Estremadura
+ Bizarros Campioins: da Vidigueira,
+ Vila de Frades, Borba, de Vilalva,
+ Setubal, e Palmela. De Lisboa
+ Axaõ-se os Carcavélicos mansebos
+ De furibundo senho. Estaõ do Algarve
+ Mil Soldados d'embarque destemidos,
+ Mil de sima do Doiro, e das Bairradas;
+ E saõ mais de dés mil Coimbricenses.
+
+ Toda esta Soldadesca, he bem verdade,
+ Cavaleiros naõ saõ d'aureas esporas:
+ Saõ rotos, bandalhoins, babozos, porcos;
+ Mas qualquer deles um Eroi xapado
+ De inaudito valor, corajem suma,
+ Capás de se avansar ao mesmo Alcides.
+ N'uma palavra bebados eternos.
+
+ Entrase a rezenhar: cazo estupendo!
+ Inda a mais d'um milhaõ monta a rezenha.
+ Formarse vaõ da Feira ao grande largo.[7]
+ A linda variedade em farda, e armas
+ Os olhos encantava: grande parte
+ Em cambudos capotes romendados
+ A trouxe mouxe postos se rebusa:
+ Parte em mangas, e pernas, sem sombreiro,
+ Xeia de impavidês caminha aos tombos.
+ Este trás um pixel, este trás quatro
+ No alforje a tiracolo: um tres borraxas
+ De admiravel grandeza, e tudo xeio.
+ Armados todos vem muito á lijeira:
+ Nada de arnezes, peito descuberto;
+ Á excesaõ dos rompentes granadeiros
+ Que feitos vaõ ali cabides d'armas.
+ Com grevas, bacinetes, e lorigas
+ Bem poucos se embarasaõ: a rodela,
+ A talhante farrusca colubrina,
+ A adaga, o varapáo, a masa, o xuso,
+ Comforme cada um melhor se ajeita,
+ He tudo quanto importa á mais da tropa.
+ Nas pezadas carretas rexinantes
+ Temivel ali vai das bocas negras
+ A ignívoma tormenta: até naõ falta
+ Quem leve junto a si seu caõ de fila.
+
+ Entaõ sobre um jumento de atafona
+ Ricamente ajaezado, o Santareno
+ As odreas pernas escarranxa a custo.
+ Veste de bode um tresdobrado coiro;
+ Poim um elmo de vides enlasadas
+ Na caveira d'um tigre tremebundo
+ Que lhe a grande carranca asombra, e adorna,
+ E empunhando na dextra uma tarasca
+ De dilatada folha, vai bizarro
+ Puxando os batalhoins para o combate.
+
+ Tanto que do lugar alcanse ouveraõ,
+ E os raivozos imigos avistaraõ,
+ Fas alto o Santareno, expede as ordems,
+ As fileiras divide, o campo asenta.
+ Depois entre um salseiro procelozo
+ De perdigotos que da boca xove,
+ Da sua jente á testa asim troveja:
+
+ Lembrar-vos, generozos Camaradas,
+ O que ides a fazer, fôra esqueserme
+ Até de quem vós fois: eu sei que o brio
+ A cada um de vós outros alentados
+ Na ponta do naris brilhando salta.
+ Ou morrer, ou venser: a cauza he nosa.
+ As Aguas de bazofia em vaõ naõ se enxaõ,
+ Custelhes caro se venser quizerem.
+ Corajem, meus amigos, oje a gloria
+ Q'ate'qui se ganhou naõ vá perder-se.
+
+ Nos animos calou vinhi-potentes
+ De tal sorte a razaõ destas palavras,
+ Que cada um deles se reputa um raio,
+ E ja para envestir as trélas roem.
+
+ Agora, ó Muzas, naõ falteis ao Vate,
+ Asopraime no peito o extinto fogo,
+ Que he precizo cantar melhor que nunca
+ O combate maior que os evos viraõ.
+
+ Deu sinal a trombeta Neptunina
+ Aspero, forte, atrós, e formidavel:
+ Nas cabesas as grenhas se arripiaõ,
+ Bate mais forte o corasaõ nos peitos.
+ Comesaõ-se a mover as longas alas;
+ O medonho alarido se levanta;
+ Daõ fogo os mosqueteiros; da descarga
+ Sobe rapido aos Ceos enovelado
+ O denso negro fumo; c'o estampido
+ Os cavernozos montes retumbando
+ Enxem tudo de orror. Dos grandes eixos
+ Parecia que a máquina do mundo
+ Sacodida, em pedasos se fazia.
+ C'um asoite na maõ de duro ferro
+ Os cruentos cavalos instigando
+ Girava a impia Guerra o campo todo.
+ Os Soldados que a viaõ se animavaõ.
+ A Dezesperasaõ á redea solta
+ Corria furibunda, e sem maneira.
+ As incendidas balas estridentes,
+ As mortíferas xusas enristadas,
+ Gemidos arrancando aos mizeraveis,
+ Um inferno faziaõ. Alastrado
+ De sangue viu-se em breve, e corpos mortos
+ Da orroroza batalha o sitio extenso.[8]
+
+ Rocio, que em razaõ de vizinhansa
+ O nome erdado tems de Santa Clara,
+ Se gloria ganhas oje em ser teatro
+ De taõ sanguinolenta brava guerra,
+ O nome mudarás, e dos vindoiros
+ Virás a ser xamado o campo Marcio.
+
+ De forsa neste dia altos prodijios
+ A gente Bacanal fes mais que nunca.
+ Qual, semelhante ao gato entre podengos
+ Que o lombo em arco tendo enxorisado
+ Fas provar velosmente em pulos destro
+ Aos audazes fucinhos circumstantes
+ Das curvas fisgas os lembrados golpes,
+ Para um, e outro lado dezenvolto
+ Murros, e pontapés fervendo atira:
+ Qual d'um talho c'o a espada aos dentes xega:
+ Qual d'uma vês c'o a xusa quatro enfia.
+
+ Mas ja um Foca enorme e gueludo,
+ De dente anavalhado, unha rompente,
+ Cujo coiro entezado e verde-negro
+ Se ria das mais fortes cutiladas,
+ Um vinheo Capitaõ tragando estava,
+ Quando o intrepido Andrade irozo acode.[9]
+ Aqui ainda viu do mizeravel
+ Engolir os restantes calcanhares.
+ Da vingansa o furor lhe sobe aos olhos,
+ Avansa ao monstro, e sobre o craneo rijo
+ Da inimiga cabesa vensedora
+ Com um buxo roliso (arma cazeira)
+ Mil golpes fulminando, o quebra, e esmaga.
+ Tremeu convulso o monstro; e o bruto sprito
+ Aos ares se soltou envolto em sangue.
+ Acodem muitos Focas, o Eroi cercaõ.
+ Os aquozos Soldados trepidantes
+ De fila cem membrudos cains lhe asulaõ;
+ E, quais sobre a bigorna os malhos batem,
+ As dentadas sobre ele a miudo fervem.
+ Andrade volta a um tempo a todas partes
+ O braso vingador: destróe, derruba,
+ Atropela, maxuca, abola, mata.
+ Mas sendo ja sem conto os inimigos,
+ Depois de longo espaso de conflito,
+ Falto de forsas vai beijar a santa.
+ Aqui (quem crerá tal?) a todo o trance
+ Com mais de quatro mil inda combate.
+ Grandemente bufando aflito espuma,
+ Revolvese, braseja, e o xaõ mordendo
+ Pasmozos coices enraivado atira.
+ Forma mil carantonhas formidaveis,
+ Qual trovaõ rujidor medonho berra.
+ Das dentadas a orrivel tempestade
+ Ja quazi o sosobrava; eis dando um pinxo
+ Em pé se torna a pôr, e a brava xusma.
+ Em fanicos desfás c'o a masa dura.
+
+ Naõ te déraõ da fonte as alimarias,
+ Valente Palmeirim, tanto trabalho;
+ Bem que viste o broquel feito em pedasos
+ C'o as leoninas unhas; bem que o tigre,
+ Que a mal cortada perna inda arrojava,
+ Te fes afucinhar c'o a garra ardente.
+
+ N'outra banda com obra azafamado
+ O ferós Damiaõ como um corisco[10]
+ Cae sobre o inimigo: aqui o atacaõ,
+ Aqui destro acomete, rompe, asola.
+ Cada pedra que solta he uma granada
+ Onde vai desfarsada a orrenda morte.
+ Destrosa seis Delfims mesmo a pé quedo:
+ Fas rosto a dés varoins dos tais pixozos,
+ E do primeiro encontro os desbarata.
+ Xovem nele os pelouros abrazados
+ Dos áqueos Soldados impelidos,
+ Como sobre os telhados em Janeiro
+ A saltante saraiva que Euro impele.
+
+ Ante os muros de Pérgamo mais bravo
+ O filho naõ pugnou da branca Thétis.
+
+ Nem eu te calarei, Caetano ilustre,[11]
+ Asombro de valor, peito de Marte.
+ Tu ali sobre a terra o pé batendo,
+ Pancraciasta acérrimo, insofrivel
+ Mais de mil desqueixaste a murro sêco.
+ Mesmo o Duque Nemé famozo em murros
+ De deitar-te agua ás maõs capás naõ era.
+
+ Mas naõ soprava a pérfida Fortuna
+ Com ventos de servir á gente aquatil;
+ E sendo ja sensivel a derrota
+ Tocar a recolher manda Oceano.
+
+
+[6] Vitorino, ou Rino: Aguadeiro de mal semeadas barbas, de gambias
+escanxadisimas, de gaguês inexplicavel, e de uma paxôrra inata na condusaõ
+de seus carretos.
+
+[7] Ao grande largo. Tudo vai das ipotezes.
+
+[8] O sitio extenso. Repito o cavaco que dei respetivamente ao largo da
+Feira.
+
+[9] Andrade. Uma afetada doudice, ou uma continua bebedeira, um tezaõ
+arrogante, uma catadura tôrva, e uma eterna bandalhise, saõ os caratéres
+que fazem sempre formidavel este fasanhozo Sapateiro.
+
+[10] Damiaõ. Ha tres especes de embriaguês; de leaõ, de galo, e de porco.
+A
+1.ª pare os disturbios: a 2.ª as galhofas: a 3.ª o deleixamento. A deste
+Pedreiro he da 1.ª espese; e conseguintemente funestos os seus efeitos.
+
+[11] Caetano. He um _quidam_ sexagenario, bebado da 2.ª espese, cujas
+dezencaixadas xocarrises nos fazem ver, que he um daqueles genios que
+sempre estaõ de caninha n'agua.
+
+
+
+
+*CANTO V.*
+
+
+ Tanto que a Mãi das trevas taciturna
+ Desdobrou sobre a terra o manto negro,
+ C'o a palma da vitoria ufano e alegre
+ Dar a seus Cabos um convite lauto
+ Determina o Eroi pantafasudo.
+
+ Quem contar as galhofas desta noite
+ Ouzado poderá com versos dignos?
+ Foi entaõ quando o lépido Caetano[12]
+ Cambaleando em meio do congréso
+ Fes com rizo estalar os circumstantes,
+ Abrindo francamente de seus doutos
+ Jocozos anexims o aureo tezoiro.
+ Foi quando o Doutor Rito, sobre os ombros[13]
+ Tendo ums calsoins de riso por capelo,
+ _Ex cáthedra_ asentado, sobre pontos
+ De guerra longas oras disertando,
+ Escarrou discrisoins, mijou conselhos.
+ Sobre os bicos dos pés alevantado
+ Aqui foi que o tacaõ, gárrulo Xaves[14]
+ Lodozo ganso que a Castalia turba,
+ Batendo as sujas palmas na asembleia
+ As Muzas invocou, e esta perlenga,
+ No modo que lhe he proprio, d'improvizo
+ Recitou com torrente entuziasmado:
+
+ Nobilisimos Xefes respeitaveis,
+ A quem, naõ sem razaõ, Lieu potente
+ Fes de sua justisa defensores;
+ Vós outros tendes oje ao mundo dado
+ Um raro exemplo de virtude eroica.
+ Nimguem de pôr na cara uma navalha
+ He mais digno que vós. Oh se os meus labios
+ Podesem proferir, se a minha lingua
+ Podefe articular quanto alma sente!
+ Vós tendes os xibantes destrosado
+ Com o mesmo valor com que eu destróso
+ Carangos nos calfoins, e na camiza.
+ Sim, vós os filhos sois abensoados
+ Do invicto Basareu que onrais a Patria.
+ Naõ dezistais da empreza comesada:
+ Depois do que pasou, ja'gora o resto
+ Val tanto como escarro de tabaco.
+ E tu, graõ Jeneral, que o orbe asombras;
+ Tu, em cuja cabesa mioluda
+ Minerva, e o loiro Apolo influxos largaõ,
+ Es digno de rejer um grande Imperio.
+ O noso amado Rei entre o seu povo
+ Naõ póde igual ao teu axar um caco
+ Aonde os seus dezignios se acomodem,
+ Suas trasas se entend$õ. Os dezastres
+ Naõ axaõ no teu buxo o estreito aperto,
+ Que no de um bigorrilhas: o teu buxo
+ Sem inda rebentar, tres mil dezastres
+ Calado e sofredor alojar pode,
+ Porque he muito mais vasto que uma adega.
+ As tres velhas Irmans doirados dias
+ Ainda te conservem: muitos anos
+ Ainda, ainda sejas no teu mando
+ Franco dispensador destes obzequios.
+
+ Asim clamava o Vate, quando atende
+ Que estava _vox clamantis in deserto_,
+ Porque em sono os ouvintes sepultados
+ Resonando a barraca atormentavaõ.
+ Por tanto pauza fes; uma canéca
+ Presto escorropixou; e c'os Anginhos
+ Paresendolhe estar, fes sucia aos outros.
+
+ Mas nas tendas a jente estropeada
+ Ja cuidava em curarse, e refazerse,
+ Quando um grande alarido ao lonje se ouve.
+ Alegraõse os vencidos, novas forsas
+ Nos animos cobrando, porque pensaõ
+ Ser xegado o soccorro que esperavaõ.
+
+ Asim era: Nerêo galhardo, e ovante
+ Seguido de invenciveis combatentes
+ Trazia de refresco o Doiro, e Vouga,
+ Capitains, que a derrota fomentáraõ
+ Dos dois vinheos Erois de seus destritos.
+ Dadas as salvas d'uma, e d'outra parte,
+ Entaõ ele contou como em Aveiro
+ Antonio do Ministro, Cabo astuto,[15]
+ Soldado veterano, omem temivel,
+ Forte se lhe opuzera em campo aberto:
+ Os manhozos ardis que escogitára,
+ Os xoques que tivera, e seus encontros,
+ Do noso Vouga, que prezente estava,
+ Os inclitos servisos referindo.
+ Depois pasa a contar quanto no Porto
+ Lhe dera que fazer uma Matrona[16]
+ Do que a Velha de Diu mais guerreira,
+ Mais fera que as do antigo Thermodonte,
+ Que deraõ tanto lustre á Capadocia.
+ E não menos do Doiro ás nuvems alsa
+ A parte que na asaõ tivera onroza.
+ Em fim conclúe, dando a ver os modos
+ Como d'ambos os dois desbaratados
+ Os olhos entregára ao sono eterno.
+
+ Oceano um pouco entaõ mais branda a pena
+ Da perdida peleja, aos vensedores
+ Amostrando um Real comprazimento,
+ Comesou a tratar quanto era justo
+ Porse por obra na manhan seguinte.
+
+ Asentase em tentar novo combate
+ Jeral, e decizivo. As transas loiras
+ No vermelho orizonte ao vento dadas
+ Mal que a Aurora amostrou madrugadora;
+ Mal que os frajeis fugazes pasarinhos
+ Com a lus matutina comesaraõ
+ Nos verdes salgueirais a espenujarse,
+ Um xirlando, outro em módulos gorjeios
+ Enxendo de alegria a selva amena,
+ Tudo se perturbou. Ergue do abismo
+ A terrifica fronte angui-comada
+ Outra ves a maldita a negra Guerra.
+ Salpicadas de sangue as azas bate,
+ E os longos arraiais tres vezes cérca.
+ As buzinas, e os pifanos se tocaõ,
+ Arrusaõ-se os tambores, treme a terra,
+ E os marinhos pendoins dezenrolados
+ Vaõ no imperio dos ventos tremulando.
+ Aprestaõ-se os Soldados vensedores,
+ E se vaõ encontrar c'os inimigos,
+ Ums ainda arrotando a ovos xócos
+ Vaõ enxendo as boxexas, e asoprando;
+ Outros se queixaõ que a xixelo velho
+ Muito a boca lhes sabe: em cuja arenga
+ Entretidos em fim o imigo arróstaõ.
+
+ Está'li Santareno altivo, e guapo
+ Sopezando na dextra a espada injente;
+ Qual atacada mina que promete
+ Ruinas vomitar de imensa mole.
+ De seus olhos pasmado está pendendo
+ Seu exercito em pezo, aonde espreita,
+ Como os ventos em grimpa, da batalha
+ O escondido suseso. A bateria
+ Entaõ comesa com fragor medonho
+ Da parte dos Neptunios combatentes.
+ Foi uma das descargas mais funestas.
+ Muitos dos mais valentes bebedores
+ Do saborozo xá das tortas parras
+ O derradeiro A Deus aos copos deraõ.
+ Encarnisa-se a jente, ferve a guerra,
+ Reina a Desolasaõ, a Morte, as Furias.
+
+ Apoucando no campo os inimigos
+ Avia longo tempo que bradava
+ Para um nobre duelo decizivo
+ Pelo Padre Oceano, um Serralheiro.[17]
+ Monstro injente, desforme, aspéto orrivel,
+ A quem bravo, e colérico nas forsas
+ A um toiro igualára a Natureza.
+ Eis que ao lonje do Padre entre as falanjes
+ O brilhante pavês de tartaruga
+ Orlado c'uma pel' de crocodilo
+ Os olhos anelantes lhe deslumbra.
+ Na grande maõ sopeza firme, ufano
+ Uma lansa fatal de largo ferro;
+ E brandindo-a valente, rexinando
+ Despedida a fes ir rompendo os ares.
+ O golpe resaltou do rijo escudo,
+ E a ástea espedasada em terra cae.
+ O Padre embravecido o imigo busca;
+ O imigo c'um montante se defende
+ Briozo pelejando: mas o Padre
+ Por tempo entaõ poupar, de romania
+ Cerrou com ele, e o esmagou nos brasos.
+
+ Do mesmo vensedor ultimos golpes
+ Contra sua vontade onradamente
+ Sofreraõ dezasete Sapateiros,
+ E algums trinta Alfaiates neste dia.
+
+ Unidos os d'Embarque denodados
+ Aqui Górgones eraõ: nada em campo,
+ Ante seus forsozisimos revézes,
+ Que folgo respirase, em pé ficava.
+ Nada menos fazia o Alemtejano,
+ O Minhoto, e o Beiraõ. Naquele dia
+ Com eterno desdoiro se encobriraõ
+ Os feitos que nos Gregos cadafalsos
+ Em torneio cruel outr'ora obráraõ
+ Rozuel, Estrelante, e Belizarte.
+
+ Ali Nereo andava incontrastavel,
+ Ali Periclimeno em forsas grande,
+ Ali o Padre Tejo, o Doiro, o Vouga
+ As mais descomedidas tridentadas,
+ Que o mundo ha visto dar, ao imigo dando.
+ Destroncava Achelóo mais cabesas,
+ Cerceava sanhudo mais orelhas,
+ Do que o fertil Brazil macacos cria.
+ Mas vendo que sua ira inda sedenta
+ Mais estragos dezeja, o arrojo toma,
+ O temerario arrojo de encontrar-se
+ C'o grande Santareno. Este montado
+ No asno, ao som de zurros espantozos,
+ Com guerreiro valor tempesteando
+ Entre seus inimigos, como um rio
+ De caudaloza enxente, que insofrivel
+ Na alagada campina arranca, e arraza
+ Quanto lhe estorva á turbulenta marxa,
+ Levava a toda a parte o orror, e a morte.
+ Acomete Achelóo em manhas ábil,
+ Fáslhe cara o Eroi; quebraõse as lansas,
+ E dos brutos c'o a furia abalroados
+ Pinxaõ das selas pelas ancas fóra.
+ Postos a pé aqui he que saõ elas:
+ Arrancaõ das espadas, talhaõ, cortaõ,
+ Estoqueiaõ, desmalhaõ: nasce fogo
+ Dos asos petiscado; ora se curvaõ,
+ Ora em bicos de pés raivozos se erguem.
+ Os golpes se amiudaõ, giraõ destras
+ As talhantes catanas: um sobre outro
+ Vantajem naõ conhese um'ora inteira.
+ Transforma-se Achelóo d'improvizo
+ N'um dragaõ feio de farpada lingua:
+ Espanta-se o Eroi, mas destemido
+ Sobre as azas um córte lhe aprezenta,
+ Que o fas baquear em terra. Novamente
+ Em majestozo toiro convertido
+ Impetuozo avansa: entaõ por terra
+ C'o a forsa do boléo o Eroi caindo
+ Aos cornos se lhe agarra, e novo Alcides
+ O faria em pedasos desta feita,
+ Se em mosca transformado, n'um momento
+ Lhe naõ foje futil, cobarde, e fraco.
+
+ Entretanto a carnajem sanguinoza
+ Voando devastava o campo todo,
+ E d'ambos os exercitos provavaõ
+ Os nobres Capitains dezasombrados
+ De valor naõ comum, naõ vulgar fama.
+
+ Mas a gente marinha desangrada
+ Do ferro Bacanal ja naõ podia
+ De brutos taõ indomitos a sanha
+ Nas filas sustentar. Entra a dezordem,
+ E toca a retirar. Ja de Anfitrite
+ Aos palacios Reais se encaminhava
+ O férvido Titán palido, e triste
+ A darlhe a infausta nova da derrota,
+ Que em sua gente a seu máo grado vira.
+ Caindo as sombras vem dos altos montes,
+ E d'uma, e d'outra banda sepultura
+ Se entra a dar aos cadáveres que alastraõ
+ O campo da batalha, e daõ aos olhos
+ O orrorozo matís que a Guerra estende.
+
+[12] Caetano. O mencionado no Canto antesedente.
+
+[13] Doutor Rito. Um dos papeloins mais celebres que o ocio nutre. Ainda
+que nunca lhe lembrou seguir os estudos, andou nos primeiros tempos de
+batina; foi Doutorado por seus mesmos Pais, e na sua propria caza,
+servindolhe ums calsoins de riso azul da insignia de capelo. Palra sempre
+de autoridade; he sorumbatico de natureza, e quazi sempre anda com
+tericia. A sua caza he de orates.
+
+[14] Xaves. Bebado da 2.ª espece: he de um notavel dezembaraso, de uma
+verbozidade pasmoza, e de uma mania de fazer trovas insofrivel.
+
+[15] Antonio do Ministro. Foi em Aveiro um dos Taverneiros principais.
+
+[16] Matrona. Uma _ejusdem furfuria_ bem conhecida no Porto pela
+alcunha de Rainha.
+
+[17] Serralheiro. Irmaõ do Gigante Dramuziando, filhos do Entuziasmo, e da
+Fantazia.
+
+
+
+
+*CANTO VI.*
+
+
+ Geme o Padre Oceano inconsolavel
+ No fundo de seu peito, e mais aguda
+ Comesa a renovarse a dôr antiga.
+ O malogrado fim de seus dezenhos
+ He um dardo punjente, que as entranhas
+ Lhe pica, e despedasa; e quem naõ soube
+ Dos purpureos Erois ceder ás forsas,
+ Em fim cede á mortal melancolia.
+ Tanto póde a paixaõ n'uma alma grande!
+
+ Fexase triste no tentorio Regio;
+ Nimguem ouza falarlhe; solitario
+ Só quer por companhia o pensamento.
+
+ Pasadas oito oras em silencio
+ Manda entrar os seus Cabos: pensativo
+ Sobre a meza encostado o cotovelo
+ Na maõ esquerda descansava o rosto,
+ Gotejandolhe em lagrimas banhadas
+ As venerandas cans da longa barba.
+
+ Amados filhos (vagarozamente
+ Tendo erguido o semblante macilento
+ Asim lhes dis) Amados filhos, nunca
+ Taõ fera atasalhou meu peito forte
+ A tirana Paixaõ! Nunca minh'alma
+ Tanto vi afracar!... Fatal derrota
+ Foi esta que no livro do Destino
+ Lavrada estava em caratéres negros
+ Pela férrea maõ da atrós Desgrasa!
+ Nosas forsas (as forsas invenciveis
+ Que tem amedrentado o mundo inteiro!)
+ Abatidas as vedes, destrosadas
+ Por barbaros Salvajems, por ums brutos
+ Que nada por si tem mais que fortuna.
+ He pois tempo, surjâmos acordados
+ Deste pelago vil de cobardia
+ Onde a triste vergonha nos asoita.
+ Para o imigo venser quem se embarasa
+ Que aja esforso, e valor, ou que aja dolo?
+ O que forsas naõ daõ, ardís alcansem.
+ Todo aquele que vir que melhor póde
+ Ao exito xegar do que intentamos
+ Meta maõs ao trabalho, dêse présa
+ E reduza a pedasos esta canga
+ Que tanto no caxaso nos carrega.
+
+ Levantase do asento entaõ pacato
+ O Velho guardador dos grandes Focas,
+ E no meio do cónclave luzido
+ Dest'arte descarrega a consciencia.
+
+ Até'gora eu naõ quis a colherada
+ Nestas coizas meter; vós tendes feito,
+ Tendes acontecido, sem quererdes
+ Pedirme, nem ouvir os meus concelhos,
+ Porem quando a tortura a tal extremo
+ As coizas vai levando, oporme devo,
+ E servir a meu Rei, qual poso, e valho.
+ Os Deuzes, caro Pai, tem-me ensinado
+ As coizas do por-vir caliginozo,
+ Eu antevi estes dezastres feios,
+ Mas eu sem ser forsado naõ predigo.
+ Por castigo talvês dos Deuzes fose
+ Ao voso dezacordo.... Porem basta,
+ Ja tudo se pasou, agora eu mesmo
+ Tomar á minha conta a empreza quero.
+ Socega, amado Pai, o Eroi da pinga
+ De meus tiros o alvo a ser comesa.
+
+ Recobrou novos animos o Padre,
+ E do filho nos ombros sempre firmes
+ O pezo descansou da grande guerra.
+
+ Proteo, que nos ardís exp'rimentado
+ Fôra sempre instrumento a mil fasanhas;
+ E cuja calva frente laureada
+ De importantes facsoins sempre saíra,
+ Um pouco sobre o cazo consid'rando,
+ Este acordo felis contente abrasa.
+ Vaise ter com a Astucia enganadora.
+ He esta uma rolisa Mosatona,
+ Que vestida de peles de rapoza,
+ E empunhando na dextra um rico cetro
+ Domina sobre os omems; manda, impera
+ Os indomitos tigres, quais cordeiros.
+
+ Em quanto pois bulindo dezenvolta
+ Lhe xamejaõ os olhos inquietos
+ Por ouvir o que quer dizerlhe o Velho,
+
+ Eu quero, lhe dis ele, que te empenhes
+ Agora em socorrerme quanto pódes.
+ De Baco um General meu inimigo,
+ Xamado por alcunha o Santareno,
+ Do esforso ou da fortuna socorrido
+ Tem triumfado das aguas. Oceano
+ Ja derrotada a flor de sua jente
+ Suspira inconsolavel. Mas dos livros
+ Do tremendo Destino irrevogavel
+ Eu sei que o Santareno ao ferro ao fogo
+ Naõ tem de dar a vida nas batalhas;
+ Pois uma pouca d'agua em ora infausta
+ Bebida, ha de arrancarlhe ao corpo o sprito.
+ O buzilis porem consiste agora
+ Em fazerlha beber sem que ele o saiba,
+ Por quanto este animal temlhe odio eterno.
+ Todavia a este laso que lhe tramo
+ Fugir naõ poderá. N'um arrabalde
+ Naõ lonje da Cidade, brevemente
+ Farsehá uma funsaõ que ele naõ perde.
+ Aqui pela canseira do caminho
+ Moído xegará, suado, e laso.
+ Forsozo he pedir vinho, isto naõ falha.
+ Tu pois, que és marralheira, ásde mui prestes
+ Em sua mesma Môsa transformarte;
+ E eu tornado em agua facilmente
+ Na vazilha entrarei que tu lhe deves
+ Lampeira ministrar. Ele sedento
+ Nem se he vinho, ou se he agua reparando
+ A enfuza vazará no grande buxo.
+ Deste modo a meu salvo os intestinos
+ Ávido devorando o darei morto,
+ E terei concluido a grande empreza.
+ Vamos pois sem demora vem comigo.
+
+ Vamos onde quizeres; insofrida
+ A Astucia respondeu. E logo promptos
+ Metidos n'uma nuvem negrejante
+ Tirada por seis Euros rujidores,
+ Despejando coriscos sentelhantes
+ Ao orrorozo som d'um trovaõ grande
+ Sobre a airoza Coimbra em fim baixáraõ.
+ Mas como do Deleite o Santareno
+ Estava no país, ordena Próteo
+ Que a Astucia dali sacar o fasa,
+ E á Cidade o conduza aonde a trama
+ Para o pobre cair armar pertende.
+
+ Entre os longos Estados da Mentira
+ Infame Imperatris da maior parte
+ Da terráquea mole, junto ás fraldas
+ D'uma verde colina alcantilada,
+ Sobre um campo espasozo, plano, ameno
+ A que regaõ d'um rio as mansas aguas,
+ A galante Cidade encantadora
+ Do vaidozo Deleite está plantada,
+ A pálida Doensa, os Desprazeres,
+ Os Remorsos crueis, a orrivel Morte
+ O cume senhoreiaõ do alto monte.
+ Mas o Engano traidor, c'um tolde espêso
+ Tudo isto ávido encobre á gran Cidade.
+ Nela tudo he prazer, tudo he descanso.
+ O povo abitador ao ocio dado
+ Só cuida em divertirse: o Baile, o Jogo,
+ Os Cantos, a Luxuria, os Boms-bocados
+ Aqui abítaõ ledos: pelas ruas
+ Amplas Satisfasoins andaõ jirando
+ Ministros de seu Rei: seu Rei parese,
+ C'o as fraudolentas côres que a Mentira
+ Arteira sobre modo o tem pintado,
+ Um rapás mui lousaõ de afavel jesto.
+
+ Aqui de toda a parte os povos correm
+ De seus serios deveres deslembrados
+ A pedir a este Rei, quais seus dezejos,
+ Tais as Satisfasoins, que outorga facil.
+ Aqui a avía vindo o Santareno,
+ E a meiga sua Espoza a Santarena,
+ A pasar algums dias satisfeito
+ Do fim da grande asaõ com que ultimando
+ A mais árdua vitoria felismente,
+ Tinha a um nome de impávida memoria
+ Por entre o ferro, e o fogo alcanse dado.
+
+ Mas a doloza Astucia que naõ sabe
+ Desvelada perder monsaõ de efeito,
+ Por Próteo instigada, em continente
+ As cambiantes azas solta aos ares,
+ Dá nele d'improvizo, e asim o ataca:
+ Dos remorsos se val acuzadores;
+ E por uma maneira extravagante
+ De seu alto saber somente propria,
+ C'o as cores da razaõ na triste ideia
+ Seu vil procedimento lhe debuxa.
+ Faslhe ver com a mesma consciencia
+ Como he mais justo que um Eroi constante,
+ Que as desgrasas tratou de bagatela,
+ Em as prosperidades naõ se infune.
+ Que naõ dê que falar ao povo rude,
+ Que murmurante na Cidade o acuza
+ Pelo ver aos prazeres taõ sensivel.
+ Que deve a sua caza retirarse,
+ Tirar do vencimento util proveito,
+ Naõ confiarse em si, porque inda as Aguas
+ Estancado naõ tem as forsas vastas.
+ Aqui do astuto Anibal traslhe á mente
+ E do Magno Pompeo exemplos vivos,
+ Que ja devem fazelo escarmentado.
+
+ Em fim estas solicitas lembransas
+ De tal sorte do Eroi fervelhaõ n'alma,
+ Que em si caindo parte rezoluto.
+
+
+
+
+*CANTO VII.*
+
+
+ Entretanto em Coimbra amotinada
+ Era inda o pasmatorio inexplicavel
+ Por cauza do trovaõ medonho, e orrivel,
+ Que desde os fundamentos abalára
+ As altas cazas, e fizera aos sinos
+ Por si mesmos tocar nos campanarios.
+ Soava Saõ Jeronimo inda em partes,
+ E em outras Santa Barbara bemdita
+ Com espantozos berros; e a vizinha
+ Á timida vizinha inda contava
+ Das viboras de fogo côr de enxofre,
+ Que tortuozas rápidas caíraõ.
+
+ Os dois obézos vultos, que sozinhos
+ Pelas sombras da noite caminhavaõ
+ Vinhaõ asustadisimos: em bica
+ Lhes corria o suor, e sem falarem
+ Só vinhaõ nas camandolas sebentas
+ Ave Marias mil, e Padre Nosos
+ Ums apôs outros engolindo a medo.
+ A caza em fim xegáraõ, e por terra
+ Depois de averem dado aos Ceos as grasas
+ Pelos ter dos perigos defendido,
+ Entaõ uma Sobrinha por miudo
+ As coizas lhes contou que se pasavaõ.
+ Diselhes, que depois que eles se foraõ
+ Ao seu divertimento, na Cidade
+ Em nenhuma outra coiza se falava
+ Senaõ no grande risco a que seu Tio
+ Tinha ficado exposto; que entre dentes
+ Naõ sei que se rosnava; pois que o Xefe
+ Inimigo tentava armar ocultas,
+ Fraudolentas traisoins; que era precizo
+ Cautela, e mais cautela: acrescentando
+ Que teve ums sonhos (de que Deos nos livre)
+ Mesmo áquele respeito asás funestos.
+ No que naõ creu o Eroi; porem Madama
+ C'o a noticia em extremo intimidada,
+ Asentando que ali avía agoiro,
+ Fês que viese a caza no outro dia
+ Uma ábil Franxinota a lerlhe a sina.
+
+ Asim foi: uma veio asás jocoza
+ De cabasa, e bordaõ, trincos nas repas
+ Formados em torcidos papelotes,
+ Pálidas maõs, agaloadas unhas,
+ Altas as saias com franjoins de lama,
+ Mursa nos ombros de ensebado coiro
+ Com redondas conxinhas matizada,
+ E um de languidas ábas xapeo ruso
+ Com varios em redor Santiaguinhos
+ No alto da cabesa côr de estriga.
+
+ Era esta sagacisima, adestrada,
+ Mestra no ultimo ponto em Chiromancias.
+ Olhou, examinou, tomou medidas,
+ Mas viu mil cruzes na polpuda palma
+ Do magnanimo Eroi, mil entrelinhas
+ Cortando inteiras linhas, mil figuras,
+ Mil indicios em fim de agoiro aziago,
+
+ De caza em todos toma pose o susto:
+ Parese cada cara uma laranja.
+
+ Porem o Santareno que prezume
+ Ser em materias tais dezabuzado,
+ Que nunca em Bruxas creu, ou Lobizomes,
+ Deita estas coizas para trás das costas.
+ Trata de divertirse, e em mais naõ pensa.
+
+ Ai de quem da memoria o adagio varre
+ _Quem inimigos tem dormir naõ deve!_
+
+ Xegada estava entaõ uma romajem
+ Dia de Pentecoste, onde Coimbra
+ Em pezo aos Olivais sair costuma.
+ He esta uma funsaõ das mais luzidas
+ Daqueles arrabaldes; ali entra
+ Tudo o bom, e bonito; ali se encontra
+ Todo o recreio de qualquer espece.
+ Veemse ali jocozisimas Comedias
+ No amplo teatro do arraial vistozo.
+ Veemse as Trajedias de orrorozo aspéto
+ A sena ensanguentarem. D'uma parte
+ Esgrimese com ansia a espada preta,
+ D'outra em jogo de páo soa a lambada.
+ Aqui n'umas mezinhas enfeitadas
+ Mosas de arromba, que os tafuis arrastaõ,
+ Vendem d'envolta c'o as xulises torpes
+ Sédiso doce de mil castas feito.
+ Ali nas asadeiras xia a carne:
+ Esta freje a sardinha, aquela os ovos,
+ Uma vende agua ardente, outra beijinhos.
+ A fresca como neve limonada
+ De resto ali se trata: ali triumfante,
+ Como em brilhante trono, sobre um carro
+ De cana, parra, e loiros enramado,
+ Adoradores mil em torno tendo,
+ Vêse a _sine-qua-non_ excelsa Pinga.
+
+ E que peito de páo, que alma de palha
+ Poderá insensivel n'um tal dia
+ Ao recreio negar entrada franca?
+ Um omem de bom senso, e que se préza
+ Ser da onra, e do respeito alumno serio
+ Ha neste dia de trancar insano
+ Em masmorra domestica o seu gosto?
+
+ Naõ era, o noso Eroi naõ era filho
+ De pai que tal fizese. Espoza cara,
+ Dis ele, he nesesario naõ perdermos
+ Os uzos, e costumes: he xegada
+ A minha romaria: resta veres
+ O que eide merendar; pois tu bem sabes
+ Que nisto da funsaõ consiste o todo.
+
+ Mas a crédula Espoza, a quem agoiros
+ Sempre grande impresaõ fizeraõ n'alma
+ Aflita com exceso asim lhe argúe:
+
+ Onde queres tu ir? Tu serás doido?
+ Credo! Apelo eu! Lenho da Crus Santa!
+ Naõ vês, alma de Deus, como danados
+ Andaõ teus inimigos de alcateia
+ A ver se te devoraõ? Tu naõ queres
+ Inda acabar de crer? Eu bem te avizo.
+ Se queres merendar, merenda em caza,
+ Deixa lá ir quem vai á romaria.
+ Bem viste a Franxinota o que te dise
+ Quando lendo te esteve a _buena dicha_.
+
+ Ai, temos conversado, a Deus Senhora;
+ Quero ir á romaria, tenho dito
+ (Replíca ele agastado) vá dar ordem
+ A um fardel em termos: ca por ora
+ As Aguas nunca me fizeraõ papo:
+ Naõ temo de nimguem, só de Deus temo.
+
+ Com efeito apromtouse uma merenda,
+ Que para outro qualquer fôra um banquete.
+ Era uma perna de vitela tenra
+ Com Anjelico molho temperada
+ Segundo os boms preseitos que arte ensina;
+ (Ele a tinha aprendido com boms Mestres)
+ De prezunto era um grande pratarrazio,
+ De porco quatro pés, seis orelheiras,
+ Uma lebre, um leitaõ, sete coelhos,
+ Ou láparos talvês; afóra o lombo
+ Que estivera ate'li de vinho d'alhos
+ Iaõ sinco ou seis pains de imensa mole;
+ Coroando por fim a obra toda
+ Xeia de vinho a pel'd'um bode d'ampla
+ Desmedida grandeza: odre admiravel,
+ Qual nunca em seus opíparos banquetes
+ Teve de Bromio o orelhudo Socio.
+
+ Mas vem a cada porco um S. Martinho.
+ Em fim he tempo, os duros Fados instaõ,
+ E Lachesis da roca por momentos
+ Vai tirar ao Eroi o ultimo fio.
+
+ Da partida se trata: a carga opíma
+ Da profuza merenda em dois alforjes
+ Um burro fas vergar: na maõ c'o as contas,
+ E c'o a borraxa á cinta, o Santareno
+ A maguada Espoza prende, e abrasa;
+ E entre doces coloquios até a noite
+ Seguro se despede. Mizerando
+ Que ignora que esta noite ao prazo dada
+ He por ordem dos Ceos a noite eterna!
+ Entaõ tres vezes que dirije os pasos
+ Da porta ao lumiar, tres vezes dentro
+ Se torna perturbado, inquieto, mudo.
+ Preságo o corasaõ dentro no peito
+ Agitado lhe bate: mil lembransas
+ De montaõ o atacaõ: anda, pára,
+ Nem sabe a decizaõ que tomar deva.
+ Mas se o que tem de ser, tem muita forsa,
+ Com eroico valor tanto imbecilho
+ Rompendo finalmente a estrada avansa.
+
+
+
+
+*CANTO VIII.*
+
+
+ Vai a ultimarse a empreza. Numen terno,
+ Que os influxos nos lúgubres cantares
+ Da Heliconia montanha aos Vates mandas,
+ Para oje acompanhar meu canto triste
+ A minha lira d'évano tempéra,
+ E nas cordas me ensaia os dedos broncos,
+ Q'a impreterivel ordem dos susésos;
+ Ja me fas o sinal de pôr aos olhos
+ A lastimoza sena em que a Desgrasa
+ Deixou que á vergonhoza cobardia
+ Cedese o alto valor d'um peito nobre.
+ O estro se me afraca, o pulso treme...
+ Eu quizera esquivarme ao pezo enorme...
+ Ó Muzas ajudaime. Ja sentado
+ Sobre a relva do campo verdejante
+ Onde da romaria a jente estava
+ Noso Eroi dezabotoava impando
+ Os graúdos botoins da imensa vestia.
+ Ja mais em ano algum ele sentira
+ Em funsaõ semelhante entre folgares
+ Taõ grande desprazer dentro em si mesmo.
+
+ Ui lá! q'inda este burro naõ xegase!
+ Valhame Deus, forte tardansa he esta,
+ (Dizia ele lá comsigo mesmo)
+ Nem moso, nem dinheiro, nem garrafa;
+ Máo está o negocio... E asim rosnando.
+ Sentado cada vês mais se aflijia.
+ Levantase, o capote aos ombros puxa,
+ E gozando do fresco deleitozo,
+ Que o zefiro das azas sacodia
+ C'os olhos do concurso em torno gira.
+
+ A precavida Astucia, que d'um alto
+ Todos seus movimentos atalaia,
+ Entaõ em Môsa feita, de tal sorte
+ Que a sua em carne, e oso ser parese,
+ Sae d'entre o barulho, e contra o Amo
+ Os concertados pasos endireita.
+
+ Ora grasas a Deus! Pois inda'gora
+ He que tu la de vir oras axaste?
+ (Lhe dis ele agastado) Morto á sede
+ Ha mais de duas oras aqui posto
+ Sem xegar inda o vinho! Irra c'o a festa!
+ Por onde tems andado? Q'he do burro?
+
+ Como quem d'um perigo ilezo escapa,
+ Que fica longo tempo, em dezabafo
+ Do aflito corasaõ que á présa bate,
+ Cansado respirando, e da garganta
+ A fala desprender livre naõ pode;
+ Asim depois de um pouco estar ant'ele
+ Descansando arquejante, e fadigada,
+ D'est'arte entre ipotéticos enfados
+ Zangada a Mosa apócrifa responde:
+
+ Ah Senhor! que me dis? Sabe os trabalhos
+ Q'ese burro nos deu? Olhe a empreitada
+ Melhor naõ pôde ser. Mais de oito vezes
+ Tem caído c'o a carga: eu e o Fernando
+ Temo-nos visto Gregos: os alforjes
+ Vem todos lameados; as casoilas,
+ E frejideiras todas se quebráraõ:
+ (Cada palavra destas piamente
+ Creio que era no Eroi uma facada
+ Segundo as cores mil que ao rosto dava)
+ Os molhos se verteraõ; finalmente
+ Caminhando adiante eu vim mais prestes
+ Somente por pensar que esta tardansa
+ Lhe daria cuidado. E naõ pequeno,
+ (Torna ele) esa está boa! Esta somente
+ A mim he que susede... Paciencia:
+ Que lhe avemos fazer? Eide matarme?
+ Naõ; matese o Diabo. Vai depresa,
+ Que eu tenho muita sede, e estou suado,
+ Buscar meia canada n'uma enfuza,
+ Que eu naõ poso esperar que o odre xegue.
+ E traze do melhor, anda deprésa.
+
+ A Astucia mais naõ quis ouvir; e dentro
+ Do barulho sumindose contente,
+ O fatidico Vate que a aguardava
+ No aprazado lugar buscando encontra,
+ Mutuos parabems ambos se prestaõ,
+ E sem que dois minutos se esperdisem
+ Em agua o ávido Velho se transforma,
+ E na enfuza se mete. Corre, voa
+ A fatal Portadora. O Santareno
+ Tanto que a enfuza enxérga, ja sem tino
+ As guelas abriu voraginozas,
+ E, sem fazer no gosto algum reparo,
+ Alambazado, e sofrego d'um trago
+ Em vês de vinho foi beber a morte.
+ Dominante entra Próteo. D'improvizo
+ As entranhas do Eroi rujindo estalaõ:
+ Com orrorozas vascas treme o corpo:
+ Os brasos se lhe estrixaõ; torce a boca;
+ Revirados os olhos se lhe vidraõ,
+ Os dedos fexa, estende as pernas, morre.
+
+ Ah barbaro traidor! Que gloria, ou fama
+ Defeito taõ atrós, de asaõ taõ crua
+ Pertendes alcansar? Sempre em meus versos,
+ Se versos os meus versos sempre forem,
+ Notado tems de ser de vil, de infame.
+
+ Morreu o Santareno. As longas azas
+ Batendo logo a xocalheira Fama
+ O boato espalhou por toda a parte.
+ Alvorósase o Povo, corre, inquire,
+ E cercaõlhe o cadaver. Escumava,
+ Ainda quente o corpo; e a Morte pálida
+ Ja lhe tinha das faces desbotado
+ O vivo vermelhaõ. Ceos! que terrores,
+ Que frios sustos, que orrorozos pasmos
+ Esta morte naõ cauza á gente toda!
+ Eis uma tumba a multidaõ rompendo
+ Lá o condús em si levando fitos
+ Os tristes olhos da pasmada jente,
+ A funsão se desfás, tudo se abala;
+ E o jeral sentimento nos semblantes
+ Dos calados Romeiros vem pintado.
+ Tal se tira lisaõ destes exemplos!
+
+ A caza a tumba xega: o povo a porta
+ Rodeia em turbilhoins: toda a familia
+ Frenética rebenta em pranto amargo.
+ Da caza que resoa sem maneira
+ Fere as aureas estrelas o alarido.
+
+ Ja mais aparesêra em nosos dias
+ De dezordems taõ funebre um teatro!
+
+ Mas na Espoza infeliz que alma ferida
+ Ja tinha desde muito, entaõ se acaba
+ De cravar o punhal sangui-sedento.
+ A fala se lhe toma, as cores perde,
+ Suspira, desfalese, em fim desmaia.
+
+ So a linda Sobrinha, linda mesmo
+ Como Deus a criou, largando as redeas
+ Da violenta paixaõ que sofreava,
+ Insana fere as boxexudas faces,
+ Fórma gritos d'espanto, e as maõs fexando
+ Uma n'outra, indizivel xoradeira
+ Fas nestes termos pouco mais ou menos.
+
+ Ai Tio da minh'alma! Bem dizía
+ Bem diziamos nós que naõ saíse!
+ Que negra romaria nos foi esta!
+ E que áde ser de mim?... Oh Ceos, eu morro.
+ Ai de mim! Ja (quem tanto me queria)
+ Naõ me ouve aqui xorar mesmo ao pe dele!
+ Ja naõ fala, morreu... Forte desgrasa,
+ Senhor, forte desgrasa! Quem diria
+ Que n'um pouco de vinho fose a morte?
+ Mas ah! que a mim do sonho inda me lembra
+ Que ele os tempos atrás de noite teve!
+ Oh mal-aventurado, triste dia!
+ Nunca tu... E asim continuava
+ Abrindo, e com furor fexando as portas.
+
+ Em tanto a si tornando a Espoza Eroica
+ O amortalhado corpo apenas pôde
+ Só ver, e abrasar, porque fexada
+ Quis dar á sua magua o dezafogo
+ Que a todos nos ensina a Natureza.
+
+ Naõ ouve caõ nem gato a quem deixase
+ De custar quatro lagrimas tal perda.
+ Todos, bom Santareno, te xoráraõ:
+ Nas mesmas sentidisimas adegas
+ Ainda oje se veem lagrimejando
+ Os bojudos toneis, as gordas cubas.
+
+ Mas que ternura em mim!... Ah! vinde, vinde
+ Minhas lagrimas ternas, que tributo
+ Melhor naõ pagareis á sua memoria.
+ Oh mal aja o primeiro, que das guerras
+ A praga fes cair no pobre mundo:
+ Nefanda praga dos mortais verdugo,
+ Donde veio a dezordem, donde os roubos,
+ Donde a desolasaõ, a mortandade.
+ Ditoza Pás, dos Ceos abitadora,
+ Serena filha da Ventura eterna,
+ Que os mizeros umanos tanto alegras;
+ Se fora mais privado o teu imperio,
+ Se a execranda Discordia naõ ouzára
+ Entrar com maõ armada os teus limites,
+ Lansar neles o orror, destronizarte;
+ Ainda o meu Eroi de glorias xeio
+ Alegrára vivendo os nosos dias.
+ Mas naõ susede asim: est'alma nobre
+ Foi do sosego seu dezaposada
+ No melhor de seus anos: os trabalhos
+ Mais as consumisoins, que de rezerva
+ Dispostos a atacalo andavaõ juntos,
+ Fizeraõ nele o tiro; e o bem-fazejo,
+ O braso liberal que no regaso
+ Da esfaimada Pobreza amplos tezoiros
+ Franquear costumava viu-se a ponto
+ De pegar da espada. Mas que forsa
+ Naõ era a de seu braso? Que grandeza
+ A de seu corasaõ robusto, e forte?
+ Ah! e que Átropos cega, e sem acordo
+ Condene ao mesmo golpe o poltraõ baixo,
+ E o magnanimo Eroi, que a Patria onra!
+
+ Amigos deste Amigo, se inda o zelo
+ Vos aquese as asoins, eia xoremos,
+ Naõ sejamos ingratos, indolentes:
+ O luto se conhesa, banhe as faces
+ Um saudozo pranto. Quem mais facil
+ Satisfês algum dia, que este Amigo
+ As nosas precizoins? Quando caía
+ Das nuvems gêlo aspérrimo que o sangue
+ Nas veias encalhava, quando a negra
+ Mortal Melancolia o peito inerme
+ Cruel nos abafava, elle benigno
+ Naõ nos dava o remedio, apenas via
+ Junto á porta asomar nosos garotos?
+ A quem mais beneficios, mais louvores
+ Poderemos dever, telhas abaixo?
+ Ai de mim, que naõ poso, ó grande Amigo,
+ Xorar a tua perda incomparavel
+ Com pranto de ti digno! Oh s'eu podera
+ Gastar agora umor de Carpideira,
+ Noite, e dia regára o teu sepulcro.
+ Tu es digno de lagrimas eternas.
+ Eroi sempre invensivel, que fizeste
+ Notar teus aleivozos inimigos,
+ Se venserte quizeraõ, c'o a infame,
+ C'o a dezonroza marca de cobardes;
+ Varaõ constante, que arrostaste os lanses,
+ Qual aguia majestoza arrosta os ventos.
+
+ Arrepele os cabelos sibilantes,
+ Que a fronte negra esquálida lhe arreiaõ;
+ Raivoza a lingua morda, dê bramidos
+ Maiores que trovoins a magra Inveja;
+ Tu cantado serás: teu nome egregio
+ Na letárgica veia entre cardumes
+ De populares deslembrados nomes
+ Naufragio naõ fará: em pás descansa,
+ Seja-te leve a terra que te cobre,
+ De teus osos a pás nimguem perturbe.
+ Deixese ao Tempo revolver a roda:
+ Tems sempre de ser celebre no mundo,
+ Sem que a fama de Heitor te fasa sombra,
+ _Sem á dita de Achiles ter inveja._
+
+
+FIM.
+
+ * * * * *
+
+ _Pascitur in vivis livor: post fata quiescit,
+ Cum sùus ex merito quemque tuetur honos._
+
+ Ovid. Am. l. I. E. 15.
+
+ * * * * *
+
+
+
+
+
+End of the Project Gutenberg EBook of Santarenaida: poema eroi-comico, by
+Francisco de Paula de Figueiredo
+
+*** END OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK SANTARENAIDA: POEMA EROI-COMICO ***
+
+***** This file should be named 21283-8.txt or 21283-8.zip *****
+This and all associated files of various formats will be found in:
+ http://www.gutenberg.org/2/1/2/8/21283/
+
+Produced by Pedro Saborano. Para comentários à transcrição
+visite http://pt-scriba.blogspot.com/ (This book was
+produced from scanned images of public domain material
+from the Google Print project.)
+
+
+Updated editions will replace the previous one--the old editions
+will be renamed.
+
+Creating the works from public domain print editions means that no
+one owns a United States copyright in these works, so the Foundation
+(and you!) can copy and distribute it in the United States without
+permission and without paying copyright royalties. Special rules,
+set forth in the General Terms of Use part of this license, apply to
+copying and distributing Project Gutenberg-tm electronic works to
+protect the PROJECT GUTENBERG-tm concept and trademark. Project
+Gutenberg is a registered trademark, and may not be used if you
+charge for the eBooks, unless you receive specific permission. If you
+do not charge anything for copies of this eBook, complying with the
+rules is very easy. You may use this eBook for nearly any purpose
+such as creation of derivative works, reports, performances and
+research. They may be modified and printed and given away--you may do
+practically ANYTHING with public domain eBooks. Redistribution is
+subject to the trademark license, especially commercial
+redistribution.
+
+
+
+*** START: FULL LICENSE ***
+
+THE FULL PROJECT GUTENBERG LICENSE
+PLEASE READ THIS BEFORE YOU DISTRIBUTE OR USE THIS WORK
+
+To protect the Project Gutenberg-tm mission of promoting the free
+distribution of electronic works, by using or distributing this work
+(or any other work associated in any way with the phrase "Project
+Gutenberg"), you agree to comply with all the terms of the Full Project
+Gutenberg-tm License (available with this file or online at
+http://gutenberg.org/license).
+
+
+Section 1. General Terms of Use and Redistributing Project Gutenberg-tm
+electronic works
+
+1.A. By reading or using any part of this Project Gutenberg-tm
+electronic work, you indicate that you have read, understand, agree to
+and accept all the terms of this license and intellectual property
+(trademark/copyright) agreement. If you do not agree to abide by all
+the terms of this agreement, you must cease using and return or destroy
+all copies of Project Gutenberg-tm electronic works in your possession.
+If you paid a fee for obtaining a copy of or access to a Project
+Gutenberg-tm electronic work and you do not agree to be bound by the
+terms of this agreement, you may obtain a refund from the person or
+entity to whom you paid the fee as set forth in paragraph 1.E.8.
+
+1.B. "Project Gutenberg" is a registered trademark. It may only be
+used on or associated in any way with an electronic work by people who
+agree to be bound by the terms of this agreement. There are a few
+things that you can do with most Project Gutenberg-tm electronic works
+even without complying with the full terms of this agreement. See
+paragraph 1.C below. There are a lot of things you can do with Project
+Gutenberg-tm electronic works if you follow the terms of this agreement
+and help preserve free future access to Project Gutenberg-tm electronic
+works. See paragraph 1.E below.
+
+1.C. The Project Gutenberg Literary Archive Foundation ("the Foundation"
+or PGLAF), owns a compilation copyright in the collection of Project
+Gutenberg-tm electronic works. Nearly all the individual works in the
+collection are in the public domain in the United States. If an
+individual work is in the public domain in the United States and you are
+located in the United States, we do not claim a right to prevent you from
+copying, distributing, performing, displaying or creating derivative
+works based on the work as long as all references to Project Gutenberg
+are removed. Of course, we hope that you will support the Project
+Gutenberg-tm mission of promoting free access to electronic works by
+freely sharing Project Gutenberg-tm works in compliance with the terms of
+this agreement for keeping the Project Gutenberg-tm name associated with
+the work. You can easily comply with the terms of this agreement by
+keeping this work in the same format with its attached full Project
+Gutenberg-tm License when you share it without charge with others.
+
+1.D. The copyright laws of the place where you are located also govern
+what you can do with this work. Copyright laws in most countries are in
+a constant state of change. If you are outside the United States, check
+the laws of your country in addition to the terms of this agreement
+before downloading, copying, displaying, performing, distributing or
+creating derivative works based on this work or any other Project
+Gutenberg-tm work. The Foundation makes no representations concerning
+the copyright status of any work in any country outside the United
+States.
+
+1.E. Unless you have removed all references to Project Gutenberg:
+
+1.E.1. The following sentence, with active links to, or other immediate
+access to, the full Project Gutenberg-tm License must appear prominently
+whenever any copy of a Project Gutenberg-tm work (any work on which the
+phrase "Project Gutenberg" appears, or with which the phrase "Project
+Gutenberg" is associated) is accessed, displayed, performed, viewed,
+copied or distributed:
+
+This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with
+almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or
+re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included
+with this eBook or online at www.gutenberg.org
+
+1.E.2. If an individual Project Gutenberg-tm electronic work is derived
+from the public domain (does not contain a notice indicating that it is
+posted with permission of the copyright holder), the work can be copied
+and distributed to anyone in the United States without paying any fees
+or charges. If you are redistributing or providing access to a work
+with the phrase "Project Gutenberg" associated with or appearing on the
+work, you must comply either with the requirements of paragraphs 1.E.1
+through 1.E.7 or obtain permission for the use of the work and the
+Project Gutenberg-tm trademark as set forth in paragraphs 1.E.8 or
+1.E.9.
+
+1.E.3. If an individual Project Gutenberg-tm electronic work is posted
+with the permission of the copyright holder, your use and distribution
+must comply with both paragraphs 1.E.1 through 1.E.7 and any additional
+terms imposed by the copyright holder. Additional terms will be linked
+to the Project Gutenberg-tm License for all works posted with the
+permission of the copyright holder found at the beginning of this work.
+
+1.E.4. Do not unlink or detach or remove the full Project Gutenberg-tm
+License terms from this work, or any files containing a part of this
+work or any other work associated with Project Gutenberg-tm.
+
+1.E.5. Do not copy, display, perform, distribute or redistribute this
+electronic work, or any part of this electronic work, without
+prominently displaying the sentence set forth in paragraph 1.E.1 with
+active links or immediate access to the full terms of the Project
+Gutenberg-tm License.
+
+1.E.6. You may convert to and distribute this work in any binary,
+compressed, marked up, nonproprietary or proprietary form, including any
+word processing or hypertext form. However, if you provide access to or
+distribute copies of a Project Gutenberg-tm work in a format other than
+"Plain Vanilla ASCII" or other format used in the official version
+posted on the official Project Gutenberg-tm web site (www.gutenberg.org),
+you must, at no additional cost, fee or expense to the user, provide a
+copy, a means of exporting a copy, or a means of obtaining a copy upon
+request, of the work in its original "Plain Vanilla ASCII" or other
+form. Any alternate format must include the full Project Gutenberg-tm
+License as specified in paragraph 1.E.1.
+
+1.E.7. Do not charge a fee for access to, viewing, displaying,
+performing, copying or distributing any Project Gutenberg-tm works
+unless you comply with paragraph 1.E.8 or 1.E.9.
+
+1.E.8. You may charge a reasonable fee for copies of or providing
+access to or distributing Project Gutenberg-tm electronic works provided
+that
+
+- You pay a royalty fee of 20% of the gross profits you derive from
+ the use of Project Gutenberg-tm works calculated using the method
+ you already use to calculate your applicable taxes. The fee is
+ owed to the owner of the Project Gutenberg-tm trademark, but he
+ has agreed to donate royalties under this paragraph to the
+ Project Gutenberg Literary Archive Foundation. Royalty payments
+ must be paid within 60 days following each date on which you
+ prepare (or are legally required to prepare) your periodic tax
+ returns. Royalty payments should be clearly marked as such and
+ sent to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation at the
+ address specified in Section 4, "Information about donations to
+ the Project Gutenberg Literary Archive Foundation."
+
+- You provide a full refund of any money paid by a user who notifies
+ you in writing (or by e-mail) within 30 days of receipt that s/he
+ does not agree to the terms of the full Project Gutenberg-tm
+ License. You must require such a user to return or
+ destroy all copies of the works possessed in a physical medium
+ and discontinue all use of and all access to other copies of
+ Project Gutenberg-tm works.
+
+- You provide, in accordance with paragraph 1.F.3, a full refund of any
+ money paid for a work or a replacement copy, if a defect in the
+ electronic work is discovered and reported to you within 90 days
+ of receipt of the work.
+
+- You comply with all other terms of this agreement for free
+ distribution of Project Gutenberg-tm works.
+
+1.E.9. If you wish to charge a fee or distribute a Project Gutenberg-tm
+electronic work or group of works on different terms than are set
+forth in this agreement, you must obtain permission in writing from
+both the Project Gutenberg Literary Archive Foundation and Michael
+Hart, the owner of the Project Gutenberg-tm trademark. Contact the
+Foundation as set forth in Section 3 below.
+
+1.F.
+
+1.F.1. Project Gutenberg volunteers and employees expend considerable
+effort to identify, do copyright research on, transcribe and proofread
+public domain works in creating the Project Gutenberg-tm
+collection. Despite these efforts, Project Gutenberg-tm electronic
+works, and the medium on which they may be stored, may contain
+"Defects," such as, but not limited to, incomplete, inaccurate or
+corrupt data, transcription errors, a copyright or other intellectual
+property infringement, a defective or damaged disk or other medium, a
+computer virus, or computer codes that damage or cannot be read by
+your equipment.
+
+1.F.2. LIMITED WARRANTY, DISCLAIMER OF DAMAGES - Except for the "Right
+of Replacement or Refund" described in paragraph 1.F.3, the Project
+Gutenberg Literary Archive Foundation, the owner of the Project
+Gutenberg-tm trademark, and any other party distributing a Project
+Gutenberg-tm electronic work under this agreement, disclaim all
+liability to you for damages, costs and expenses, including legal
+fees. YOU AGREE THAT YOU HAVE NO REMEDIES FOR NEGLIGENCE, STRICT
+LIABILITY, BREACH OF WARRANTY OR BREACH OF CONTRACT EXCEPT THOSE
+PROVIDED IN PARAGRAPH F3. YOU AGREE THAT THE FOUNDATION, THE
+TRADEMARK OWNER, AND ANY DISTRIBUTOR UNDER THIS AGREEMENT WILL NOT BE
+LIABLE TO YOU FOR ACTUAL, DIRECT, INDIRECT, CONSEQUENTIAL, PUNITIVE OR
+INCIDENTAL DAMAGES EVEN IF YOU GIVE NOTICE OF THE POSSIBILITY OF SUCH
+DAMAGE.
+
+1.F.3. LIMITED RIGHT OF REPLACEMENT OR REFUND - If you discover a
+defect in this electronic work within 90 days of receiving it, you can
+receive a refund of the money (if any) you paid for it by sending a
+written explanation to the person you received the work from. If you
+received the work on a physical medium, you must return the medium with
+your written explanation. The person or entity that provided you with
+the defective work may elect to provide a replacement copy in lieu of a
+refund. If you received the work electronically, the person or entity
+providing it to you may choose to give you a second opportunity to
+receive the work electronically in lieu of a refund. If the second copy
+is also defective, you may demand a refund in writing without further
+opportunities to fix the problem.
+
+1.F.4. Except for the limited right of replacement or refund set forth
+in paragraph 1.F.3, this work is provided to you 'AS-IS' WITH NO OTHER
+WARRANTIES OF ANY KIND, EXPRESS OR IMPLIED, INCLUDING BUT NOT LIMITED TO
+WARRANTIES OF MERCHANTIBILITY OR FITNESS FOR ANY PURPOSE.
+
+1.F.5. Some states do not allow disclaimers of certain implied
+warranties or the exclusion or limitation of certain types of damages.
+If any disclaimer or limitation set forth in this agreement violates the
+law of the state applicable to this agreement, the agreement shall be
+interpreted to make the maximum disclaimer or limitation permitted by
+the applicable state law. The invalidity or unenforceability of any
+provision of this agreement shall not void the remaining provisions.
+
+1.F.6. INDEMNITY - You agree to indemnify and hold the Foundation, the
+trademark owner, any agent or employee of the Foundation, anyone
+providing copies of Project Gutenberg-tm electronic works in accordance
+with this agreement, and any volunteers associated with the production,
+promotion and distribution of Project Gutenberg-tm electronic works,
+harmless from all liability, costs and expenses, including legal fees,
+that arise directly or indirectly from any of the following which you do
+or cause to occur: (a) distribution of this or any Project Gutenberg-tm
+work, (b) alteration, modification, or additions or deletions to any
+Project Gutenberg-tm work, and (c) any Defect you cause.
+
+
+Section 2. Information about the Mission of Project Gutenberg-tm
+
+Project Gutenberg-tm is synonymous with the free distribution of
+electronic works in formats readable by the widest variety of computers
+including obsolete, old, middle-aged and new computers. It exists
+because of the efforts of hundreds of volunteers and donations from
+people in all walks of life.
+
+Volunteers and financial support to provide volunteers with the
+assistance they need, is critical to reaching Project Gutenberg-tm's
+goals and ensuring that the Project Gutenberg-tm collection will
+remain freely available for generations to come. In 2001, the Project
+Gutenberg Literary Archive Foundation was created to provide a secure
+and permanent future for Project Gutenberg-tm and future generations.
+To learn more about the Project Gutenberg Literary Archive Foundation
+and how your efforts and donations can help, see Sections 3 and 4
+and the Foundation web page at http://www.pglaf.org.
+
+
+Section 3. Information about the Project Gutenberg Literary Archive
+Foundation
+
+The Project Gutenberg Literary Archive Foundation is a non profit
+501(c)(3) educational corporation organized under the laws of the
+state of Mississippi and granted tax exempt status by the Internal
+Revenue Service. The Foundation's EIN or federal tax identification
+number is 64-6221541. Its 501(c)(3) letter is posted at
+http://pglaf.org/fundraising. Contributions to the Project Gutenberg
+Literary Archive Foundation are tax deductible to the full extent
+permitted by U.S. federal laws and your state's laws.
+
+The Foundation's principal office is located at 4557 Melan Dr. S.
+Fairbanks, AK, 99712., but its volunteers and employees are scattered
+throughout numerous locations. Its business office is located at
+809 North 1500 West, Salt Lake City, UT 84116, (801) 596-1887, email
+business@pglaf.org. Email contact links and up to date contact
+information can be found at the Foundation's web site and official
+page at http://pglaf.org
+
+For additional contact information:
+ Dr. Gregory B. Newby
+ Chief Executive and Director
+ gbnewby@pglaf.org
+
+
+Section 4. Information about Donations to the Project Gutenberg
+Literary Archive Foundation
+
+Project Gutenberg-tm depends upon and cannot survive without wide
+spread public support and donations to carry out its mission of
+increasing the number of public domain and licensed works that can be
+freely distributed in machine readable form accessible by the widest
+array of equipment including outdated equipment. Many small donations
+($1 to $5,000) are particularly important to maintaining tax exempt
+status with the IRS.
+
+The Foundation is committed to complying with the laws regulating
+charities and charitable donations in all 50 states of the United
+States. Compliance requirements are not uniform and it takes a
+considerable effort, much paperwork and many fees to meet and keep up
+with these requirements. We do not solicit donations in locations
+where we have not received written confirmation of compliance. To
+SEND DONATIONS or determine the status of compliance for any
+particular state visit http://pglaf.org
+
+While we cannot and do not solicit contributions from states where we
+have not met the solicitation requirements, we know of no prohibition
+against accepting unsolicited donations from donors in such states who
+approach us with offers to donate.
+
+International donations are gratefully accepted, but we cannot make
+any statements concerning tax treatment of donations received from
+outside the United States. U.S. laws alone swamp our small staff.
+
+Please check the Project Gutenberg Web pages for current donation
+methods and addresses. Donations are accepted in a number of other
+ways including checks, online payments and credit card donations.
+To donate, please visit: http://pglaf.org/donate
+
+
+Section 5. General Information About Project Gutenberg-tm electronic
+works.
+
+Professor Michael S. Hart is the originator of the Project Gutenberg-tm
+concept of a library of electronic works that could be freely shared
+with anyone. For thirty years, he produced and distributed Project
+Gutenberg-tm eBooks with only a loose network of volunteer support.
+
+
+Project Gutenberg-tm eBooks are often created from several printed
+editions, all of which are confirmed as Public Domain in the U.S.
+unless a copyright notice is included. Thus, we do not necessarily
+keep eBooks in compliance with any particular paper edition.
+
+
+Most people start at our Web site which has the main PG search facility:
+
+ http://www.gutenberg.org
+
+This Web site includes information about Project Gutenberg-tm,
+including how to make donations to the Project Gutenberg Literary
+Archive Foundation, how to help produce our new eBooks, and how to
+subscribe to our email newsletter to hear about new eBooks.
diff --git a/21283-8.zip b/21283-8.zip
new file mode 100644
index 0000000..801e963
--- /dev/null
+++ b/21283-8.zip
Binary files differ
diff --git a/21283-h.zip b/21283-h.zip
new file mode 100644
index 0000000..5d0eb07
--- /dev/null
+++ b/21283-h.zip
Binary files differ
diff --git a/21283-h/21283-h.htm b/21283-h/21283-h.htm
new file mode 100644
index 0000000..4cf358f
--- /dev/null
+++ b/21283-h/21283-h.htm
@@ -0,0 +1,2382 @@
+<!DOCTYPE HTML PUBLIC "-//W3C//DTD HTML 4.01 Transitional//EN" "http://www.w3.org/TR/html4/loose.dtd">
+<html>
+
+<head>
+ <title>SANTARENAIDA: POEMA EROI-COMICO</title>
+ <meta name="AUTHOR" content="Francisco de Paula de Figueiredo.">
+ <meta http-equiv="Content-Type" content="text/html; charset=iso-8859-1">
+ <style type="text/css">
+
+ body {width: 80%; margin-left:10%; margin-right: 10%;}
+
+ h1, h2, h3, h4 { text-align: left}
+ h1, h3 {margin: 1em; text-align: center}
+ h2, h4 {margin-top: 2em}
+
+ .author {font-family: serif; font-variant:small-caps; font-style:italic; font-weight: bold}
+
+ .ficha_tecnica {text-align:center}
+
+ .indice {text-align:left; margin-left: 40%}
+
+ .quote {
+ margin-left: 20%;
+ margin-right: 20%;
+ }
+ a {
+ text-decoration: none;
+ }
+ sup {
+ font-size:x-small;
+ }
+
+ </style>
+</head>
+<body>
+
+
+<pre>
+
+The Project Gutenberg EBook of Santarenaida: poema eroi-comico, by
+Francisco de Paula de Figueiredo
+
+This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with
+almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or
+re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included
+with this eBook or online at www.gutenberg.org
+
+
+Title: Santarenaida: poema eroi-comico
+
+Author: Francisco de Paula de Figueiredo
+
+Release Date: May 4, 2007 [EBook #21283]
+
+Language: Portuguese
+
+Character set encoding: ISO-8859-1
+
+*** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK SANTARENAIDA: POEMA EROI-COMICO ***
+
+
+
+
+Produced by Pedro Saborano. Para comentários à transcrição
+visite http://pt-scriba.blogspot.com/ (This book was
+produced from scanned images of public domain material
+from the Google Print project.)
+
+
+
+
+
+
+</pre>
+
+<div class="ficha_tecnica">
+
+<h1>SANTARENAIDA</h1>
+<h3>POEMA EROI-COMICO</h3>
+DE<br />
+<h3><span class="author">Francisco de Paula de Figueiredo.</span></h3>
+<br />
+<div class="quote">
+<hr />
+
+ <i>Dignum laude virum Musa vetut mori.</i><br />
+<br />
+ Horat. l. 4. O. 7.<br />
+<hr />
+</div>
+<br />
+COIMBRA.<br />
+Na Regia Officina Typografica.<br />
+ANNO M.DCC.LXXXXII.<br />
+<i>Com licença da Real Meza da Commissaõ Geral sobre o Exame e Censura dos Livros.</i><br />
+</div>
+
+
+
+<h2>ARGUMENTO.</h2>
+
+
+<p>Ouve em Coimbra um Taverneiro celebre, chamado Joze Rodrigues Santareno.
+Este em uma funsão que costuma fazerse pela Pascoa do Espirito Santo em
+Santo Antonio dos Olivais, estando muito suado pelo cansaso do caminho,
+fartouse de agua, com quem andava divorciado, avia largos anos, e dahi a
+poucos minutos caiu morto. Revestem-se estas circumstancias Poeticamente,
+e cantase a sua morte.</p>
+
+
+
+
+<h1>SANTARENAIDA.</h1>
+
+
+
+
+<h2>CANTO I.</h2>
+
+
+ Pois me pedes, ó Muza, instantemente,<br />
+ Que emboque a Eroica tuba altisonante,<br />
+ Que a cego Marte impele os peitos fortes;<br />
+ Eu que sem forsas teu carater serio<br />
+ Em versos graves sustentar naõ poso,<br />
+ Revestido da lépida Talia<br />
+ C'o a máscara atrevida, para ensaio<br />
+<br />
+ Cantarei o Varaõ famijerado,<br />
+ Que de Baco na guerra com Neptuno<br />
+ Arvorando do vinho os estandartes,<br />
+ Depois de ser trovaõ, ser raio acezo,<br />
+ Que espalhava terror no campo inteiro,<br />
+ Victima infausta foi por fims de contas<br />
+ Da vingansa cruel do Rei das aguas.<br />
+<br />
+ Axavase em tremendo consistorio<br />
+ Com toda sua Corte o undozo Jove.<br />
+ Nas intimas entranhas asoprado<br />
+ Pela Raiva vorás o consumia<br />
+ Um fogo abrazador: eraõ com ele<br />
+ As furias de Acheronte, e os vastos mares<br />
+ Ao som de sua vós mudos tremiaõ.<br />
+ Quando depois de longos improperios<br />
+ Com que a insana paixaõ dezabafára,<br />
+ De sima do alto solio adamantino<br />
+ Que sustentaõ seis Doricas colunas<br />
+ De maculado marmore brilhante<br />
+ Com bazes de oiro, e capiteis de prata,<br />
+ Esta fala do peito amargurado<br />
+ Soltou com grave acento aos seus Magnates.<br />
+<br />
+ Sempre eu, Vasalos nobres, de máo grado,<br />
+ Com justa indignasaõ olhei bramando,<br />
+ Que ouvese sobre a terra um petulante<br />
+ Que ouzase de meu povo impunemente<br />
+ Atacar os direitos mais antigos;<br />
+ Pois sendo desde muito autorizadas<br />
+ As nosas dôces aguas para entrarem<br />
+ As umanas guelas, e os arcanos<br />
+ Dos buxos penetrar dos omems grandes,<br />
+ Oje a termos as vêdes reduzidas<br />
+ De serem so de aprêso aos brutos rudes,<br />
+ E a despeito de minha autoridade<br />
+ Condenadas (oh dor!) das esterqueiras,<br />
+ Das imundas alfujas, das cloacas<br />
+ Á baixa vergonhoza lavadura.<br />
+ Conterme já naõ poso; este atrevido<br />
+ Provar do meu tridente as forsas deve.<br />
+ Este atrevido he Baco: eu pois pertendo<br />
+ Punir a sua audacia, guerrealo.<br />
+ Naõ ade este invazor protervo, e altivo<br />
+ Zombar ja mais de mim: torsese a verga<br />
+ Em quanto naõ he tronco: uma faisca<br />
+ Pasa a incendio vorás, se naõ se apaga.<br />
+ Mas vós aconselhaime, que eu naõ quero<br />
+ Que a paixaõ me alucine: o fim he este<br />
+ Porque oje vos xamei: dos boms conselhos<br />
+ Quazi sempre saõ filhos os acertos.<br />
+<br />
+ Bem como de um enxame susurrante<br />
+ O inquieto zumbido, se ouve n'aula<br />
+ O confuzo rumor dos Optimátes.<br />
+ Escutaõse discursos encontrados,<br />
+ Diferentes razoins, pensar diverso.<br />
+ Nisto o Padre Oceano revestido<br />
+ De Regia Magestade se levanta,<br />
+ E abrazado em furôr desta arte rompe.<br />
+<br />
+ Qual será de vós outros, que arrojado<br />
+ Se atreva a sustentar nesta asembleia,<br />
+ Á face do seu Rei, de toda a Corte,<br />
+ Que a meditada guerra naõ he justa?<br />
+ Se aqui algum está, se enfatuado<br />
+ Algum medir comigo as forsas tenta,<br />
+ A campo saia; os ultimos alentos<br />
+ C'os golpes da razaõ tirarlhe quero.<br />
+<br />
+ Quais mudos troncos Oceano vendo<br />
+ Pasmados da asembleia os membros todos,<br />
+ Com mais vivo calor prosegue irado.<br />
+<br />
+ Apague as negras axas acendidas<br />
+ A severa Nemézis: ja naõ devem<br />
+ Ser punidos os máos: ouzado tale<br />
+ O iniquo uzurpador o campo alheio:<br />
+ Perturbemse os direitos... Oh Justisa!<br />
+ Oh Deuzes imortais!... Eu penso, ó Padre,<br />
+ Que altercasaõ não sofre o teu projeto.<br />
+ Deve a guerra fazerse, a guerra he justa.<br />
+ Porem naõ será máo, reflexiono<br />
+ Eu agora taõbem, que tu primeiro<br />
+ Vejas se a boa pás quer antes Baco<br />
+ Estas coizas compor, largando a pose<br />
+ Dos direitos que audás nos uzurpára.<br />
+ Por tanto uma Embaixada mandar deves<br />
+ Expondolhe as razoins que te estimulão;<br />
+ E no cazo que a pás ele naõ queira<br />
+ A guerra se lhe intime em continente.<br />
+<br />
+ Asim dise, e aprazendo ao consistorio<br />
+ Rezolvese Neptuno, e o Tritaõ xama.<br />
+ <i>Tritaõ que de ser filho se gloria<br />
+ Do Rei, e da Salacia veneranda:</i><br />
+ Mansebo tal, e qual, nem mais nem menos<br />
+ Como o pinta Camoins no canto seisto.<br />
+<br />
+ Vai tu da minha parte ao Rei dos vinhos<br />
+ Levar esta Embaixada, dis Neptuno;<br />
+ Que o dezaforo vil sendo notorio<br />
+ Com que da antiga pose as doces aguas<br />
+ Esbulhadas tem sido por seus vinhos:<br />
+ Que sendo esta irrupsaõ sobre dominios<br />
+ De mim das aguas Rei, que sempre hei sido<br />
+ Justo mantenedor de meus direitos;<br />
+ A recta observasaõ do jus das jentes<br />
+ Com vergonha infrinjida nesta parte,<br />
+ Exije que taõ barbaras afrontas,<br />
+ Por melhor se atalharem fims funestos,<br />
+ Sejaõ severamente castigadas.<br />
+ Mas que lembrado da clemencia inata<br />
+ Com que as minhas asoins adornei sempre,<br />
+ Perdoandolhe o mais, sómente quero,<br />
+ Que enfreando do vinho a audacia suma,<br />
+ De oje em diante perturbar naõ venha<br />
+ Tranquilidades publicas; que a escolha<br />
+ Em sua maõ está de pás, ou guerra.<br />
+ Se guerra pois quizer, logo em meu nome<br />
+ Entaõ a ferro, e sangue lha declara.<br />
+<br />
+ Atento o feio Moso esteve á fala,<br />
+ E cortando lijeiro as altas ondas<br />
+ Da grande Niza em fim surjiu na praia.<br />
+ Aqui tres vezes a torcida conxa,<br />
+ Que os gigantes na guerra amedrentára<br />
+ Altamente tocou: do som terrivel<br />
+ Feridas as montanhas se abalárão:<br />
+ Tremeraõ da Cidade os abitantes;<br />
+ E dando agudos guinxos, para os colos<br />
+ Das mãis os filhos pavidos fujiraõ.<br />
+ O nobre Fundador de susto cheio<br />
+ C'o a estranheza do cazo, saber manda<br />
+ O que he. Eis a Palacio conduzido<br />
+ Por entre a multidão que concorria<br />
+ Atonita, e turbada o Tritaõ chega.<br />
+ A Embaixada repete, e carrancudo<br />
+ Pela resposta taciturno aguarda.<br />
+ O nobre Fundador da alegre Niza<br />
+ Turbado um pouco esteve; mas sem medo<br />
+ Ao Trombeta falou desta maneira.<br />
+<br />
+ Ja mais no que o teu Rei oje me argúe<br />
+ Eu tenho consentido, sem que um uzo,<br />
+ Um costume geral das Nasoins cultas<br />
+ Com razaõ m'o abone: eu não pertendo<br />
+ Defraudar cada um de seus direitos.<br />
+ O costume fas lei: tenha Neptuno<br />
+ O mesmo a seu favor, será contente.<br />
+ Nem cuide ele talvês, que seus caprixos<br />
+ Me faraõ aterrar: naõ sei ser fraco.<br />
+ Amease, guerreie: eu inda o mesmo<br />
+ Sou, o conquistador das Indias vastas.<br />
+ He verdade que a pás em muito prézo;<br />
+ Porem se haõ de perderse os meus direitos,<br />
+ Ou a guerra aceitar, a guerra aceito.<br />
+<br />
+ Com esta decizaõ partindo torna<br />
+ O filho de Neptuno aos Thetios campos.<br />
+ A seu Pai a repete; o Velho brama,<br />
+ E jura pela Stigie tenebroza<br />
+ Com toda sua Corte respeitavel<br />
+ Fazer perpetua guerra ao Rei soberbo.<br />
+ Tocar manda a rebate; a Oceano imcumbe<br />
+ O governo do exercito, tentando<br />
+ Os vinhos atacar em toda a parte.<br />
+ Com tudo porque sabe que entre os Luzos<br />
+ Do inimigo poder o centro existe,<br />
+ Aqui a mira poim, aqui rezolve<br />
+ Fazer primeiro arder da guerra o fogo.<br />
+
+
+
+
+<h2>CANTO II.</h2>
+
+
+ Com um taõ importante rompimento<br />
+ Revolvendo mil coizas na lembransa<br />
+ Largos dias andou atrapalhado<br />
+ Da infelice Semele o imberbe filho.<br />
+ A pacifica inercia deleixada<br />
+ Que em descanso puzera este Rei forte<br />
+ O tinha desprovido. O sangue seco<br />
+ Nas pasadas batalhas derramado<br />
+ Se via inda nas lansas nas espadas<br />
+ Ja da negra ferruje carcomidas.<br />
+ Tinhaõ teias de aranha os peitos d'aso,<br />
+ Eraõ ninhos de rato os capasetes.<br />
+ Mas vendo dos aprestos a manobra<br />
+ De seus adversarios, ganha o fogo<br />
+ Que pela longa pás perdido avia.<br />
+ Prestes pasa depois a fazer gente;<br />
+ O imperio se revolve, e os vinheos povos<br />
+ Á vós de seu Senhor ás armas velaõ.<br />
+ Dobraõ-se sentinelas; os avizos<br />
+ Voando se despedem; e he precizo<br />
+ Ter de acordo na asaõ os mais famozos<br />
+ Insignes Generais em cada Reino.<br />
+<br />
+ Daqui, bom Santareno, de teus dias<br />
+ Comesou a estreitarse a larga teia.<br />
+ Este o principio foi, estas as cauzas<br />
+ Da tua nunca asás xorada perda.<br />
+<br />
+ Avia em Portugal um Xefe experto<br />
+ Na sordida Coimbra acastelado:<br />
+ Diziase Joze, mas poucas vezes,<br />
+ Que o brado de seu nome mais notorio<br />
+ Da terra lhe provinha aonde os lasos<br />
+ De Himineu ternamente o tinhaõ prezo.<br />
+ Contase que saindo n'outro tempo<br />
+ Este novo Quixote aventureiro<br />
+ Pelo mundo a ganhar glorioza fama<br />
+ No serviso do Rei dos bravos vinhos,<br />
+ E querendo a uma nova Dulcinea<br />
+ O governo entregar de seus morgados,<br />
+ Ja que a Parca cruel lhe avia feito<br />
+ A vês primeira o tálamo dezerto;<br />
+ Axára em Santarem uma Matrona<br />
+ So digna de um Eroi, so digna dele.<br />
+ Na linhaje do sangue descendia<br />
+ D'onrados Campioins, d'Erois de pinga.<br />
+ Inda nos altos porticos pendentes<br />
+ Conservavaõ-se os ramos de loireiro<br />
+ Sem ter interrupsaõ por brazoins d'armas,<br />
+ Era ela bem talhada, o seu costado<br />
+ Capás era da carga mais enorme.<br />
+ Eraõ as suas faces dois prezuntos,<br />
+ Seu garbo majestozo, o paso grave.<br />
+ Tinha o traje mais simples, mais modesto<br />
+ Das modestas matronas do seu tempo.<br />
+ De baeta um jibaõ de longas abas<br />
+ Lhe cobria a bojuda umanidade.<br />
+ Dos grosos cotovelos lhe pendiaõ<br />
+ Alarves punhos de groseira estopa.<br />
+ Cingialhe em tres voltas ensebado<br />
+ O carnudo caxaso um cordaõ d'oiro,<br />
+ D'onde so nos Domingos pendurado<br />
+ Se via um rocicler lonjevo, e vasto,<br />
+ Que pela antiguidade que inculcava,<br />
+ Nas ricas enxurradas do diluvio<br />
+ Se asenta ser axado <i>in illo tempore</i>.<br />
+<br />
+ Namorouse o Varaõ, namorouse ela.<br />
+ Uniraõse c'o vinculo sagrado,<br />
+ E sendo sua Consorte Santarena<br />
+ Quis taõbem Santareno apelidarse.<br />
+<br />
+ He pois precizo a este mandar ordems,<br />
+ Baco perante si fás vir Cilenio,<br />
+ E ufano asim lhe dis com rosto inteiro.<br />
+<br />
+ Eu tenho neste mundo um vasto imperio:<br />
+ Meu nome em toda a parte, ou mais, ou menos<br />
+ He venerado; mas na Luzitania<br />
+ Tenho o pezo maior de minhas forsas.<br />
+ Em Coimbra he o centro; ahi rezide<br />
+ O Cabo principal de meus exercitos,<br />
+ O insigne Santareno. Nestes termos<br />
+ Desta guerra he forsozo darlhe parte.<br />
+ Tu pois asim lhe dize: Que abalados<br />
+ Do sopro da Discordia os Povos Áqueos<br />
+ Nos tem guerra jurado, e alta vingansa:<br />
+ Que cumpre rezistirlhes: boms soldados<br />
+ Prezentar em campanha; e dar conserva<br />
+ Ao uzo introduzido, á grata pose<br />
+ De ser somente o vinho quem nas mezas<br />
+ A sede satisfasa; porque he esta<br />
+ A cauza principal de seus rancores.<br />
+ Que eu dele a empreza fio; que entre os Luzos<br />
+ Eu quero que ele só sustente a guerra.<br />
+ Depois um giro faze, e aos meus Soldados<br />
+ De toda a Luzitania que em Coimbra<br />
+ Axarse devaõ logo intíma as ordems.<br />
+<br />
+ Dise, e partiu voando o mensajeiro,<br />
+ Até que as pandas azas encolhendo,<br />
+ Das letras, e das lamas sobre a Terra<br />
+ Os talares pouzou bordados d'oiro.<br />
+<br />
+ Era dia d'Entrudo, e nas baiúcas<br />
+ O sujo canjirão vazando as pipas<br />
+ Aos freguezes enxia os grandes copos.<br />
+ Avia um confuzisimo barulho:<br />
+ Ferviaõ da janela as laranjadas:<br />
+ Surriadas, apupos, algazarras,<br />
+ Os esguixos, os pós, o rabo-leva<br />
+ Tudo em dezordem poim. Vendo Cilenio<br />
+ Extravagancias tais pasmado fica.<br />
+ Pensa naõ de Coimbra ver os montes,<br />
+ Sim da fertil Beocia o graõ Citéron<br />
+ Retumbando medonho em noite d'Orgias.<br />
+<br />
+ Entaõ do incomparavel Santareno<br />
+ Na surtida taverna entre a balburda<br />
+ Da fumoza vinhasa ardia o fogo.<br />
+ <i>Mais meia canadinha</i> de uma parte<br />
+ Caído o beiso, e os carregados olhos<br />
+ A custo abrindo, c'uma vos fanhoza<br />
+ Pedia um dos da corja amotinada.<br />
+ D'outra parte fazendo uma carranca<br />
+ Sobre tres azeitonas apostava<br />
+ Outro que tal que xuparia um frasco.<br />
+ Qual aos murros andava; qual seis copos<br />
+ Tendo ja feito em cacos, com nos'ama<br />
+ Ateimava furiozo em naõ pagarlhos.<br />
+ Daqui aos encontroins ums vinhaõ vindo<br />
+ Afétando de serios; esbarravaõ<br />
+ Comsigo nas esquinas dali outros.<br />
+<br />
+ Mas o Filho de Maia cautelozo<br />
+ Opurtuna monsaõ de entrar espreita.<br />
+ Em fim axa uma aberta, lestes rompe,<br />
+ Dá sinal, tem lisensa, á sala sobe,<br />
+ E d'ambos os Espozos poinse á face,<br />
+ Declaralhes quem he, de quem mandado,<br />
+ E da sua Embaixada o fim precizo.<br />
+<br />
+ Sem saber o que fasaõ, largo espaso<br />
+ Ficárão um e outro embasbacados.<br />
+ Ele indo com as mãos logo á cabesa<br />
+ Cosávase, e na sordida poltrona<br />
+ Aflito <i>stare loco nesciebat</i>:<br />
+ Ela está feito, la melhor compunha<br />
+ O seu recado. Finalmente o tempo<br />
+ Ja fazia dar oras ás barrigas,<br />
+ E devia jantarse. A Liberdade<br />
+ Entaõ dezempesando as linguas rudes<br />
+ A terreiro os tirou, e mais ouzados<br />
+ Entrárão a seu modo a perguntarlhe<br />
+ Alegres sobre Baco muitas coizas,<br />
+ Muitas sobre Sileno. Dos guizados<br />
+ Da meza o xeiro ja neste comenos<br />
+ Consolava os narizes circumstantes.<br />
+ Pedida a taõ grande ospede lisensa<br />
+ Subito se arregasa o Santareno,<br />
+ E rogando o onráse, á cabeseira<br />
+ Da bem provida meza, instanciozo<br />
+ Para um pouco comer fes asentalo.<br />
+<br />
+ Ja no vidro dos pratos retiniaõ<br />
+ Resaltadas da carne as trinxadelas.<br />
+ (Podiaõse na gula encarnisados<br />
+ Ver os gordos Consortes dando aos buxos<br />
+ Tasalhos de prezunto tremendisimos!)<br />
+ Mastigando apresados resmungavaõ,<br />
+ E do ospede em onra mil saudes<br />
+ Uma apos outra sem sesar faziaõ.<br />
+<br />
+ Mercurio da franqueza naõ pensada<br />
+ O fausto aparatozo em tal albergue<br />
+ Naõ podia admirar quanto era justo,<br />
+ Porque alem das perguntas enfadonhas<br />
+ A que cortês com présa respondia,<br />
+ De um pouco reparar deixar naõ pôde<br />
+ Nos vetustos paineis enfarruscados<br />
+ Que adornavaõ em roda a estreita sala.<br />
+<br />
+ Em um deles se via inda no berso<br />
+ Entregue a Ino o pequenino Baco<br />
+ Tendo as Nimfas em torno, e juntamente<br />
+ As Hiadas, e as Horas. Logo n'outro<br />
+ Ja crescido plantava o bom bacelo,<br />
+ Ja o campo baldio agricultava.<br />
+ Viase mais n'um majestozo quadro<br />
+ O severo rigor de seus castigos.<br />
+ Estava de Licurgo o cazo infando;<br />
+ Mas ja com negra côr, ja roto o pano.<br />
+ Com tudo ao natural se devizava<br />
+ Golpeando ele mesmo as pernas suas.<br />
+ Aqui o filho de Echion Tebano<br />
+ Pela sua familia enfurecida<br />
+ Se via cruelmente espedasado.<br />
+ Ali de Meduline o parricidio,<br />
+ Mais abaixo Penthêo ás Furias dado.<br />
+ Sobre tudo a fatal metamorfoze<br />
+ Se admirava em leaõ fulvi-comado<br />
+ Nos gigantes cevando ávida sanha.<br />
+<br />
+ Mas ja baixando o Sol, surgia a Noite.<br />
+ Trata Mercurio de partirse prestes;<br />
+ Dos gordos Santarenos se despede,<br />
+ Que falando ambos juntos, em confuzo<br />
+ So deixaõ perseber, que descansado<br />
+ Seu Rei pode ficar, que em quanto aos brasos<br />
+ O valor asistir, naõ aõde as Aguas<br />
+ Como pensaõ, levar a sua avante.<br />
+ E como ja nos cascos lhes fervia<br />
+ Em violentos caxoins o ardente sumo<br />
+ A cabesa fazendolhes pezada<br />
+ Dar c'o a barba no peito, e sobre os olhos<br />
+ Carregar importuno o grave sono,<br />
+ Na mal mexida cama empanturrados<br />
+ Ambos foraõ jazer como dois odres.<br />
+<br />
+ Dormirão toda a noite os boms Alarves<br />
+ Rezupinos roncando a sono solto.<br />
+ Eis lá sobre a manhan um se espreguisa,<br />
+ E fazendo tres cruzes sobre a boca<br />
+ Enormemente aberta o outro acorda.<br />
+<br />
+ Saõ oras, dis o Eroi roufenhamente,<br />
+ Trazeime eses calsoins, daime ca a vestia.<br />
+ Fora c'o a noite! ha muitos tempos nunca<br />
+ Dormi noite pior! Tudo eraõ pulgas,<br />
+ Tudo sonhos, em fim tudo Diabos,<br />
+ Até, por mais sentir, a Mosazinha<br />
+ No quarto me deixou fexado o gato,<br />
+ Que toda a santa noite andou miando.<br />
+ Eu naõ persenti nada, dis Madama,<br />
+ Pois foi tal a quebreira, tal o sono,<br />
+ Que bem podiaõ arrombar as portas,<br />
+ E sem que eu dése fé. Bem, pois que queres,<br />
+ O marido replíca, se tais sonhos<br />
+ Eu tive, que por mais que quis pôr olho<br />
+ Logo eles me espertavaõ: eu te conto.<br />
+ Sonhei que estava eu na nosa quinta<br />
+ Debaixo da nogueira ao pé da fonte<br />
+ Sobre a relva dormindo a minha sésta:<br />
+ Eis senaõ quando d'uma vala surde<br />
+ Correndo em torcicolos uma cobra,<br />
+ E me entra pela boca: aqui um pulo<br />
+ Dei eu, naõ persebeste? Eu naõ, dis ela.<br />
+ Pois dei um grande pulo, e depois diso<br />
+ Um pouco despertando, em sonolencia<br />
+ Fui tornando a cair. E sonhei muitas<br />
+ Outras grandes desgrasas que me esquesem.<br />
+ Tornou ela a dizer: iso he verdade<br />
+ Ás vezes taõbem tenho tantos sonhos,<br />
+ Que me fazem doer bem a cabêsa.<br />
+ Porem vaite vestindo, anda deprésa<br />
+ Se queres almosar, que ja he tempo.<br />
+<br />
+ Tais réplicas, e tréplicas pasadas<br />
+ Em fim a muito custo pos se fora,<br />
+ E na larga cadeira escarranxado<br />
+ Asim dezalojando, á Mulher dise.<br />
+<br />
+ Ora sabes mui bem, Consorte amada,<br />
+ O onrado avizo que tivemos ontem.<br />
+ O noso Imperador axase aflito<br />
+ C'o a guerra declarada por Neptuno.<br />
+ Eu sou um de seus xefes; e a minh'alma<br />
+ Aspira a coizas grandes. Desta sorte<br />
+ Na dansa estou metido: vou agora<br />
+ As ordems expedir que saõ precizas,<br />
+ Fazer gente com forsa: paciencia!<br />
+ Nós para trabalhar nascemos todos.<br />
+ Dáme cá qualquer coiza; um lombo bonda<br />
+ Bastaõ dois pains, duas canadas bastaõ.<br />
+<br />
+ Fes-se bem como um Padre, e muito fresco<br />
+ Saiu a averiguar os seus negocios.<br />
+
+
+
+
+<h2>CANTO III.</h2>
+
+
+ Neste tempo no imperio de Neptuno<br />
+ Ja com todo o calor fervia a obra.<br />
+ Os fortes Generais debaixo d'armas<br />
+ Ja tinhaõ toda a jente, e á Luzitania<br />
+ Os vastos esquadroins marxando vinhaõ.<br />
+ Aqui de remotisimos Paízes,<br />
+ De diversas Nasoins, diversas linguas<br />
+ Vinhaõ mandando Capitains diversos,<br />
+ Aqui vinhaõ Varoins destes pixozos<br />
+ A quem tudo lhe fede, e que somente,<br />
+ Por cauza das corrutas baforadas,<br />
+ C'o vinho em odio eterno andáraõ sempre,<br />
+ Aqui de mal Francês, e de almorreimas<br />
+ Um sem numero vinha de axacados:<br />
+ Naõ faltando dos cálidos a turba<br />
+ A quem fizera sempre o vinho empôlas.<br />
+ Era em tres batalhoins formada a Tropa,<br />
+ Guiava um batalhaõ Periclimeno<a href="#fnA"><sup>1</sup></a><br />
+ Arrogante, e temido: outro Achelóo,<a href="#fnB"><sup>2</sup></a><br />
+ E o terceiro puxava á retaguarda<br />
+ O velho Espozo da cerulea Doris.<a href="#fnC"><sup>3</sup></a><br />
+ Aqui vinha Protêo dos grandes Focas<a href="#fnD"><sup>4</sup></a><br />
+ Regendo a tremendisima caterva.<br />
+ Talhando as curvas ondas na vanguarda<br />
+ Iaõ nadando cem Tritoins desformes<br />
+ Fazendo rebombar os buzios grandes.<br />
+ E o Padre Oceano comandante<br />
+ Supremo deste exercito temivel<br />
+ Girava dando as ordems amontado<br />
+ N'uma negra baleia monstruoza.<br />
+<br />
+ Xegáraõ do aureo Tejo em fim ás marjems,<br />
+ Mas antes que o exercito alojase,<br />
+ Desta nova xegada em tom de guerra<br />
+ Lhe foraõ dois Trombetas a dar parte.<br />
+<br />
+ No centro d'uma gruta penhascoza,<br />
+ Cujas ricas paredes eraõ d'oiro,<br />
+ E branca madrepérola ondeante,<br />
+ Sentado sobre a urna, respeitavel<br />
+ C'o tridente na mão, e c'uma c'roa<br />
+ De verdes limos na rugoza fronte<br />
+ A embaixada resebe o Padre Tejo.<br />
+ Quando asim dos Trombetas um comesa.<br />
+<br />
+ Ja, Padre venerando, aos teus ouvidos<br />
+ Xegaria talvês a novidade<br />
+ Da guerra que entre nós, e o Rei dos vinhos<br />
+ Pouco ha se declarou. Naõ me pertense<br />
+ Os motivos da asaõ esmiunsarte:<br />
+ Taõ somente a dizerte sou mandado,<br />
+ Que para dar principio á grande empreza<br />
+ Para esta Capital do imperio Luzo<br />
+ Das Tropas Oceano á testa marxa.<br />
+ Deves pois vir falarlhe; que eu asento<br />
+ Que tem primeiro aqui seu bico d'obra.<br />
+<br />
+ Subia pelo rosto ao velho Tejo<br />
+ Ao tempo desta fala uma alegria,<br />
+ Que ja mais asomára ao seu semblante.<br />
+ Levantase, o Palacio se alvorósa,<br />
+ E para ir esperar taõ grande xefe<br />
+ As mais galhardas Nimfas a si xama.<br />
+<br />
+ Duzentas niveas, engrasadas Naides<br />
+ De lindos olhos, que em prazer trasbordaõ,<br />
+ Solto o negro cabelo gotejante<br />
+ Presto ali se aprezentaõ caprixozas.<br />
+ Ao carro sóbe o Tejo, ao carro d'oiro<br />
+ Que guapos, e das muito-abertas ventas<br />
+ Brotando soberboins torrentes d'agua,<br />
+ Seis cavalos marinhos vaõ tirando.<br />
+ Em malhados golfinhos brincadores<br />
+ Asentadas as Naiades o cercaõ.<br />
+ O mar fas-se banzeiro, e longa esteira<br />
+ Mansamente deixando a turba marxa.<br />
+<br />
+ Xegados que os dois Reis á fala foraõ<br />
+ O Tejo rompe asim: Princepe excelso,<br />
+ Se um pobre feudatario, bem que indigno,<br />
+ Qual eu sou, gozar pode a onra eximia<br />
+ De darte albergaria em seu palacio,<br />
+ As demoras desprende, e á minha gruta<br />
+ Dignase vir a descansar um pouco,<br />
+ Aonde a noso comodo sentados<br />
+ Da sorte dos Imperios trataremos.<br />
+<br />
+ Oceano aseitou condescendente<br />
+ Do Padre Tejo a simples rogativa,<br />
+ E acolhendose á gruta majestoza,<br />
+<br />
+ Indignado meu Pai, dise Oceano,<br />
+ Pela iniqua extorsão de seus direitos,<br />
+ Que dos vinhos o Rei dezaforado<br />
+ Das jentes com escândalo lhe ha feito,<br />
+ Intenta guerrealo. Ele em pesoa<br />
+ Viria á expedisaõ, se de seus anos<br />
+ O pezo desta glória o naõ priváse.<br />
+ Por tanto eu me incumbi das suas vezes:<br />
+ E como de sua Corte na asembleia<br />
+ Para isto convocada se asentase,<br />
+ Que o comêso em teu Reino ser devia,<br />
+ Visto que o General dos inimigos<br />
+ Em Coimbra rezide; pareseume,<br />
+ Por levarmos as coizas com mais ordem,<br />
+ Que nesta Capital sem perder tempo<br />
+ A primeira faxina se fizese:<br />
+ Depois, de meu poder com todo o pezo<br />
+ Em Coimbra caísemos. Aprouve<br />
+ Ao Tejo este discurso; e entaõ tratáraõ<br />
+ De mais ponderasaõ quantos negocios<br />
+ Para aquele respeito mais tendiaõ,<br />
+ Saõ xamados os Cabos a conselho,<br />
+ E com acordo unânime se adía<br />
+ A seguinte manhan para o combate.<br />
+<br />
+ He contra um grande Cabo que se devem<br />
+ Tomar as armas: naõ he Jan Fernandes,<br />
+ Nem Manel das Atacas o inimigo:<br />
+ He contra o fasanhozo Talaveiras<a href="#fnE"><sup>5</sup></a><br />
+ Tortulho enorme de invejada fama,<br />
+ Do vinho na milicia experto, e vasto.<br />
+<br />
+ Tanto que alvoreseu, logo no campo<br />
+ As trombetas orrísonas bramáraõ;<br />
+ Cujo som de mistura c'o alarido,<br />
+ E roucos atabales largo espaso<br />
+ Os muros fes tremer, e a gran Cidade<br />
+ Soberba fundasaõ do Grego errante.<br />
+ Ja promto o Talaveiras aguardava<br />
+ De Cilenio o preseito a pôr por obra.<br />
+ Na frente de seus bebados soldados<br />
+ Corajozo se avansa: róxa altiva<br />
+ Que as vagas sem pavor mujindo escuta.<br />
+ Marxando vaõ as filas a compaso,<br />
+ E d'uma, e d'outra parte embravecido<br />
+ O gradivo Mavorte asende os peitos.<br />
+ As caixas daõ final, travase a guerra;<br />
+ De poeira uma nuve os ares turba;<br />
+ Levantase um clamor mais tezamente;<br />
+ Redobraõse as pancadas, corre o sangue...<br />
+ Nada ha mais lamentavel que uma guerra!<br />
+<br />
+ Foi renhida a peleja: longas oras<br />
+ Pendeu a decizaõ n'ambas as partes.<br />
+ Finalmente naõ sei que infausto cazo<br />
+ Pôs dos vinhos o exercito em dezordem,<br />
+ Que naõ pôde aguentar sobre seus brasos<br />
+ Dos aquozos dragoins o carregume.<br />
+ Perdem todos a côr, as armas largaõ.<br />
+ (Entradas de leaõ, saídas d'asno!)<br />
+ Cae aqui, cae ali, ums sobre os outros<br />
+ Vaõ indo aos trambolhoins. O Talaveiras<br />
+ Reunilos intenta, mas de balde.<br />
+ He de balde bradar: diques naõ sofre<br />
+ Torrente por pavor precipitada.<br />
+<br />
+ No campo ficou so inteiro e forte.<br />
+ O golpe universal caíu sobre ele.<br />
+ Das setas, e das lansas acravado<br />
+ Parecia um pinhal o grande escudo.<br />
+ Nimguem ouzou xegarlhe, que da terra<br />
+ Naõ fizese vermelha a superfice.<br />
+<br />
+ E que mais fês d'Olimpias o esforsado<br />
+ Filho, o devastador do mundo invicto,<br />
+ Junto ao tronco, dos seus destituido,<br />
+ Quando o muro saltou dos Oxidracas?<br />
+<br />
+ Mas a Morte d'Erois sempre avarenta<br />
+ Metida n'uma bala fulminante<br />
+ As pernas lhe atravesa, e despedasa.<br />
+ Acurva a grosa máquina tremendo,<br />
+ E em terra baqueando he maxucada<br />
+ Do violento tropel dos inimigos.<br />
+ C'o este lanse <i>vitoria</i> o Tejo brada:<br />
+ Vitoria, respondeu a xusma ovante,<br />
+ Vitoria pelas aguas, viva, viva.<br />
+
+<p><a name="fnA"><sup>1</sup></a> Periclimeno: Neto de Neptuno, de quem recebeu o poder de se metamorfozear.</p>
+<p><a name="fnB"><sup>2</sup></a> Achelóo: filho de Oceano. Namorouse de Dejanira amante de Hercules.
+Hercules combateu com ele metamorfozeado em toiro, arrancoulhe um corno, e
+venseu-o.</p>
+<p><a name="fnC"><sup>3</sup></a> O Velho, &amp;c. Nerêo, filho de Oceano, e pai das Nereides.</p>
+<p><a name="fnD"><sup>4</sup></a> Protêo: vej. Virg. Georg. I. 4. v. 429.</p>
+<p><a name="fnE"><sup>5</sup></a> Um dos Taverneiros de grande conta que Lisboa teve. Na dilatada teia de seus louvores saõ estes meus versos um romendinho.</p>
+
+
+
+
+<h2>CANTO IIII.</h2>
+
+
+ Foise em folias a seguinte noite.<br />
+ Mas asim que a lus alma avermelhando<br />
+ No orizonte as globozas nuvemzinhas<br />
+ Comesou a doirar o cume aos montes,<br />
+ A vensedora jente enfurecida<br />
+ Respirando outra ves carnajem, sangue,<br />
+ Vai de rota batida, e compasada<br />
+ Ao som dos belicozos instrumentos<br />
+ Demandar do Mondego as marjems frescas.<br />
+<br />
+ A seu salvo xegando se alojárão.<br />
+ Fas-se conselho, e por comum acórdaõ<br />
+ Para a um tempo levar ao Porto, e Aveiro<br />
+ O terror, e a vitoria Nerêo parte.<br />
+<br />
+ Em quanto isto asim pasa, ja Coimbra<br />
+ Bem como um formigueiro fervelhava<br />
+ Atonita bradando. Eis muito conxo<br />
+ Correndo á présa contra seu costume,<br />
+ Vem um cambaio tutelar das aguas,<br />
+ O gago Vitorino, e o Santareno<a href="#fnF"><sup>6</sup></a><br />
+ Fanfarrão desta sorte dezafia.<br />
+<br />
+ Cá-cá fora me'amigo, cu na rua;<br />
+ Á de ir aqui tu-udo c'o a maleita.<br />
+ E ve-ve-ve veremos, e veremos<br />
+ Quem-quem leva a melhor: xê-xegá'gora<br />
+ Um nunca visto inzercito de jente;<br />
+ Saõ co-como mosquitos: se tem barbas,<br />
+ S'hé-s'hé-s'hé-s'hé capás ponhase em campo.<br />
+<br />
+ Qual grande Ferrabrás no xaõ deitado<br />
+ Desprezando do garrulo Oliveiros<br />
+ O louco dezafio, o Eroi prestante<br />
+ Do Rino desprezou o stultiloquio.<br />
+ Naõ se altera; em seu rubido semblante<br />
+ Naõ poim o Mêdo as cores da fraqueza.<br />
+ Lijeiro, quanto sofre a corpulencia,<br />
+ Á trapeira alta sobe onde vijia;<br />
+ E axando ser serta a guerra em caza,<br />
+<br />
+ Maõs perdidas, dis ele, saõ: ja'gora<br />
+ Ou venser, ou morrer. Xamase ás armas,<br />
+ E toda a jente sua acode prestes.<br />
+ Acodem d'Alemtejo, e Estremadura<br />
+ Bizarros Campioins: da Vidigueira,<br />
+ Vila de Frades, Borba, de Vilalva,<br />
+ Setubal, e Palmela. De Lisboa<br />
+ Axaõ-se os Carcavélicos mansebos<br />
+ De furibundo senho. Estaõ do Algarve<br />
+ Mil Soldados d'embarque destemidos,<br />
+ Mil de sima do Doiro, e das Bairradas;<br />
+ E saõ mais de dés mil Coimbricenses.<br />
+<br />
+ Toda esta Soldadesca, he bem verdade,<br />
+ Cavaleiros naõ saõ d'aureas esporas:<br />
+ Saõ rotos, bandalhoins, babozos, porcos;<br />
+ Mas qualquer deles um Eroi xapado<br />
+ De inaudito valor, corajem suma,<br />
+ Capás de se avansar ao mesmo Alcides.<br />
+ N'uma palavra bebados eternos.<br />
+<br />
+ Entrase a rezenhar: cazo estupendo!<br />
+ Inda a mais d'um milhaõ monta a rezenha.<br />
+ Formarse vaõ da Feira ao grande largo.<a href="#fnG"><sup>7</sup></a><br />
+ A linda variedade em farda, e armas<br />
+ Os olhos encantava: grande parte<br />
+ Em cambudos capotes romendados<br />
+ A trouxe mouxe postos se rebusa:<br />
+ Parte em mangas, e pernas, sem sombreiro,<br />
+ Xeia de impavidês caminha aos tombos.<br />
+ Este trás um pixel, este trás quatro<br />
+ No alforje a tiracolo: um tres borraxas<br />
+ De admiravel grandeza, e tudo xeio.<br />
+ Armados todos vem muito á lijeira:<br />
+ Nada de arnezes, peito descuberto;<br />
+ Á excesaõ dos rompentes granadeiros<br />
+ Que feitos vaõ ali cabides d'armas.<br />
+ Com grevas, bacinetes, e lorigas<br />
+ Bem poucos se embarasaõ: a rodela,<br />
+ A talhante farrusca colubrina,<br />
+ A adaga, o varapáo, a masa, o xuso,<br />
+ Comforme cada um melhor se ajeita,<br />
+ He tudo quanto importa á mais da tropa.<br />
+ Nas pezadas carretas rexinantes<br />
+ Temivel ali vai das bocas negras<br />
+ A ignívoma tormenta: até naõ falta<br />
+ Quem leve junto a si seu caõ de fila.<br />
+<br />
+ Entaõ sobre um jumento de atafona<br />
+ Ricamente ajaezado, o Santareno<br />
+ As odreas pernas escarranxa a custo.<br />
+ Veste de bode um tresdobrado coiro;<br />
+ Poim um elmo de vides enlasadas<br />
+ Na caveira d'um tigre tremebundo<br />
+ Que lhe a grande carranca asombra, e adorna,<br />
+ E empunhando na dextra uma tarasca<br />
+ De dilatada folha, vai bizarro<br />
+ Puxando os batalhoins para o combate.<br />
+<br />
+ Tanto que do lugar alcanse ouveraõ,<br />
+ E os raivozos imigos avistaraõ,<br />
+ Fas alto o Santareno, expede as ordems,<br />
+ As fileiras divide, o campo asenta.<br />
+ Depois entre um salseiro procelozo<br />
+ De perdigotos que da boca xove,<br />
+ Da sua jente á testa asim troveja:<br />
+<br />
+ Lembrar-vos, generozos Camaradas,<br />
+ O que ides a fazer, fôra esqueserme<br />
+ Até de quem vós fois: eu sei que o brio<br />
+ A cada um de vós outros alentados<br />
+ Na ponta do naris brilhando salta.<br />
+ Ou morrer, ou venser: a cauza he nosa.<br />
+ As Aguas de bazofia em vaõ naõ se enxaõ,<br />
+ Custelhes caro se venser quizerem.<br />
+ Corajem, meus amigos, oje a gloria<br />
+ Q'ate'qui se ganhou naõ vá perder-se.<br />
+<br />
+ Nos animos calou vinhi-potentes<br />
+ De tal sorte a razaõ destas palavras,<br />
+ Que cada um deles se reputa um raio,<br />
+ E ja para envestir as trélas roem.<br />
+<br />
+ Agora, ó Muzas, naõ falteis ao Vate,<br />
+ Asopraime no peito o extinto fogo,<br />
+ Que he precizo cantar melhor que nunca<br />
+ O combate maior que os evos viraõ.<br />
+<br />
+ Deu sinal a trombeta Neptunina<br />
+ Aspero, forte, atrós, e formidavel:<br />
+ Nas cabesas as grenhas se arripiaõ,<br />
+ Bate mais forte o corasaõ nos peitos.<br />
+ Comesaõ-se a mover as longas alas;<br />
+ O medonho alarido se levanta;<br />
+ Daõ fogo os mosqueteiros; da descarga<br />
+ Sobe rapido aos Ceos enovelado<br />
+ O denso negro fumo; c'o estampido<br />
+ Os cavernozos montes retumbando<br />
+ Enxem tudo de orror. Dos grandes eixos<br />
+ Parecia que a máquina do mundo<br />
+ Sacodida, em pedasos se fazia.<br />
+ C'um asoite na maõ de duro ferro<br />
+ Os cruentos cavalos instigando<br />
+ Girava a impia Guerra o campo todo.<br />
+ Os Soldados que a viaõ se animavaõ.<br />
+ A Dezesperasaõ á redea solta<br />
+ Corria furibunda, e sem maneira.<br />
+ As incendidas balas estridentes,<br />
+ As mortíferas xusas enristadas,<br />
+ Gemidos arrancando aos mizeraveis,<br />
+ Um inferno faziaõ. Alastrado<br />
+ De sangue viu-se em breve, e corpos mortos<br />
+ Da orroroza batalha o sitio extenso.<a href="#fnH"><sup>8</sup></a><br />
+<br />
+ Rocio, que em razaõ de vizinhansa<br />
+ O nome erdado tems de Santa Clara,<br />
+ Se gloria ganhas oje em ser teatro<br />
+ De taõ sanguinolenta brava guerra,<br />
+ O nome mudarás, e dos vindoiros<br />
+ Virás a ser xamado o campo Marcio.<br />
+<br />
+ De forsa neste dia altos prodijios<br />
+ A gente Bacanal fes mais que nunca.<br />
+ Qual, semelhante ao gato entre podengos<br />
+ Que o lombo em arco tendo enxorisado<br />
+ Fas provar velosmente em pulos destro<br />
+ Aos audazes fucinhos circumstantes<br />
+ Das curvas fisgas os lembrados golpes,<br />
+ Para um, e outro lado dezenvolto<br />
+ Murros, e pontapés fervendo atira:<br />
+ Qual d'um talho c'o a espada aos dentes xega:<br />
+ Qual d'uma vês c'o a xusa quatro enfia.<br />
+<br />
+ Mas ja um Foca enorme e gueludo,<br />
+ De dente anavalhado, unha rompente,<br />
+ Cujo coiro entezado e verde-negro<br />
+ Se ria das mais fortes cutiladas,<br />
+ Um vinheo Capitaõ tragando estava,<br />
+ Quando o intrepido Andrade irozo acode.<a href="#fnI"><sup>9</sup></a><br />
+ Aqui ainda viu do mizeravel<br />
+ Engolir os restantes calcanhares.<br />
+ Da vingansa o furor lhe sobe aos olhos,<br />
+ Avansa ao monstro, e sobre o craneo rijo<br />
+ Da inimiga cabesa vensedora<br />
+ Com um buxo roliso (arma cazeira)<br />
+ Mil golpes fulminando, o quebra, e esmaga.<br />
+ Tremeu convulso o monstro; e o bruto sprito<br />
+ Aos ares se soltou envolto em sangue.<br />
+ Acodem muitos Focas, o Eroi cercaõ.<br />
+ Os aquozos Soldados trepidantes<br />
+ De fila cem membrudos cains lhe asulaõ;<br />
+ E, quais sobre a bigorna os malhos batem,<br />
+ As dentadas sobre ele a miudo fervem.<br />
+ Andrade volta a um tempo a todas partes<br />
+ O braso vingador: destróe, derruba,<br />
+ Atropela, maxuca, abola, mata.<br />
+ Mas sendo ja sem conto os inimigos,<br />
+ Depois de longo espaso de conflito,<br />
+ Falto de forsas vai beijar a santa.<br />
+ Aqui (quem crerá tal?) a todo o trance<br />
+ Com mais de quatro mil inda combate.<br />
+ Grandemente bufando aflito espuma,<br />
+ Revolvese, braseja, e o xaõ mordendo<br />
+ Pasmozos coices enraivado atira.<br />
+ Forma mil carantonhas formidaveis,<br />
+ Qual trovaõ rujidor medonho berra.<br />
+ Das dentadas a orrivel tempestade<br />
+ Ja quazi o sosobrava; eis dando um pinxo<br />
+ Em pé se torna a pôr, e a brava xusma.<br />
+ Em fanicos desfás c'o a masa dura.<br />
+<br />
+ Naõ te déraõ da fonte as alimarias,<br />
+ Valente Palmeirim, tanto trabalho;<br />
+ Bem que viste o broquel feito em pedasos<br />
+ C'o as leoninas unhas; bem que o tigre,<br />
+ Que a mal cortada perna inda arrojava,<br />
+ Te fes afucinhar c'o a garra ardente.<br />
+<br />
+ N'outra banda com obra azafamado<br />
+ O ferós Damiaõ como um corisco<a href="#fnJ"><sup>10</sup></a><br />
+ Cae sobre o inimigo: aqui o atacaõ,<br />
+ Aqui destro acomete, rompe, asola.<br />
+ Cada pedra que solta he uma granada<br />
+ Onde vai desfarsada a orrenda morte.<br />
+ Destrosa seis Delfims mesmo a pé quedo:<br />
+ Fas rosto a dés varoins dos tais pixozos,<br />
+ E do primeiro encontro os desbarata.<br />
+ Xovem nele os pelouros abrazados<br />
+ Dos áqueos Soldados impelidos,<br />
+ Como sobre os telhados em Janeiro<br />
+ A saltante saraiva que Euro impele.<br />
+<br />
+ Ante os muros de Pérgamo mais bravo<br />
+ O filho naõ pugnou da branca Thétis.<br />
+<br />
+ Nem eu te calarei, Caetano ilustre,<a href="#fnK"><sup>11</sup></a><br />
+ Asombro de valor, peito de Marte.<br />
+ Tu ali sobre a terra o pé batendo,<br />
+ Pancraciasta acérrimo, insofrivel<br />
+ Mais de mil desqueixaste a murro sêco.<br />
+ Mesmo o Duque Nemé famozo em murros<br />
+ De deitar-te agua ás maõs capás naõ era.<br />
+<br />
+ Mas naõ soprava a pérfida Fortuna<br />
+ Com ventos de servir á gente aquatil;<br />
+ E sendo ja sensivel a derrota<br />
+ Tocar a recolher manda Oceano.<br />
+
+<p><a name="fnF"><sup>6</sup></a> Vitorino, ou Rino: Aguadeiro de mal semeadas barbas, de gambias
+escanxadisimas, de gaguês inexplicavel, e de uma paxôrra inata na condusaõ
+de seus carretos.</p>
+<p><a name="fnG"><sup>7</sup></a> Ao grande largo. Tudo vai das ipotezes.</p>
+<p><a name="fnH"><sup>8</sup></a> O sitio extenso. Repito o cavaco que dei respetivamente ao largo da
+Feira.</p>
+<p><a name="fnI"><sup>9</sup></a> Andrade. Uma afetada doudice, ou uma continua bebedeira, um tezaõ
+arrogante, uma catadura tôrva, e uma eterna bandalhise, saõ os caratéres
+que fazem sempre formidavel este fasanhozo Sapateiro.</p>
+<p><a name="fnJ"><sup>10</sup></a> Damiaõ. Ha tres especes de embriaguês; de leaõ, de galo, e de porco. A
+1.ª pare os disturbios: a 2.ª as galhofas: a 3.ª o deleixamento. A deste
+Pedreiro he da 1.ª espese; e conseguintemente funestos os seus efeitos.</p>
+<p><a name="fnK"><sup>11</sup></a> Caetano. He um <i>quidam</i> sexagenario, bebado da 2.ª espese, cujas
+dezencaixadas xocarrises nos fazem ver, que he um daqueles genios que
+sempre estaõ de caninha n'agua.</p>
+
+
+
+
+<h2>CANTO V.</h2>
+
+
+ Tanto que a Mãi das trevas taciturna<br />
+ Desdobrou sobre a terra o manto negro,<br />
+ C'o a palma da vitoria ufano e alegre<br />
+ Dar a seus Cabos um convite lauto<br />
+ Determina o Eroi pantafasudo.<br />
+<br />
+ Quem contar as galhofas desta noite<br />
+ Ouzado poderá com versos dignos?<br />
+ Foi entaõ quando o lépido Caetano<a href="#fnL"><sup>12</sup></a><br />
+ Cambaleando em meio do congréso<br />
+ Fes com rizo estalar os circumstantes,<br />
+ Abrindo francamente de seus doutos<br />
+ Jocozos anexims o aureo tezoiro.<br />
+ Foi quando o Doutor Rito, sobre os ombros<a href="#fnM"><sup>13</sup></a><br />
+ Tendo ums calsoins de riso por capelo,<br />
+ <i>Ex cáthedra</i> asentado, sobre pontos<br />
+ De guerra longas oras disertando,<br />
+ Escarrou discrisoins, mijou conselhos.<br />
+ Sobre os bicos dos pés alevantado<br />
+ Aqui foi que o tacaõ, gárrulo Xaves<a href="#fnN"><sup>14</sup></a><br />
+ Lodozo ganso que a Castalia turba,<br />
+ Batendo as sujas palmas na asembleia<br />
+ As Muzas invocou, e esta perlenga,<br />
+ No modo que lhe he proprio, d'improvizo<br />
+ Recitou com torrente entuziasmado:<br />
+<br />
+ Nobilisimos Xefes respeitaveis,<br />
+ A quem, naõ sem razaõ, Lieu potente<br />
+ Fes de sua justisa defensores;<br />
+ Vós outros tendes oje ao mundo dado<br />
+ Um raro exemplo de virtude eroica.<br />
+ Nimguem de pôr na cara uma navalha<br />
+ He mais digno que vós. Oh se os meus labios<br />
+ Podesem proferir, se a minha lingua<br />
+ Podefe articular quanto alma sente!<br />
+ Vós tendes os xibantes destrosado<br />
+ Com o mesmo valor com que eu destróso<br />
+ Carangos nos calfoins, e na camiza.<br />
+ Sim, vós os filhos sois abensoados<br />
+ Do invicto Basareu que onrais a Patria.<br />
+ Naõ dezistais da empreza comesada:<br />
+ Depois do que pasou, ja'gora o resto<br />
+ Val tanto como escarro de tabaco.<br />
+ E tu, graõ Jeneral, que o orbe asombras;<br />
+ Tu, em cuja cabesa mioluda<br />
+ Minerva, e o loiro Apolo influxos largaõ,<br />
+ Es digno de rejer um grande Imperio.<br />
+ O noso amado Rei entre o seu povo<br />
+ Naõ póde igual ao teu axar um caco<br />
+ Aonde os seus dezignios se acomodem,<br />
+ Suas trasas se entend$õ. Os dezastres<br />
+ Naõ axaõ no teu buxo o estreito aperto,<br />
+ Que no de um bigorrilhas: o teu buxo<br />
+ Sem inda rebentar, tres mil dezastres<br />
+ Calado e sofredor alojar pode,<br />
+ Porque he muito mais vasto que uma adega.<br />
+ As tres velhas Irmans doirados dias<br />
+ Ainda te conservem: muitos anos<br />
+ Ainda, ainda sejas no teu mando<br />
+ Franco dispensador destes obzequios.<br />
+<br />
+ Asim clamava o Vate, quando atende<br />
+ Que estava <i>vox clamantis in deserto</i>,<br />
+ Porque em sono os ouvintes sepultados<br />
+ Resonando a barraca atormentavaõ.<br />
+ Por tanto pauza fes; uma canéca<br />
+ Presto escorropixou; e c'os Anginhos<br />
+ Paresendolhe estar, fes sucia aos outros.<br />
+<br />
+ Mas nas tendas a jente estropeada<br />
+ Ja cuidava em curarse, e refazerse,<br />
+ Quando um grande alarido ao lonje se ouve.<br />
+ Alegraõse os vencidos, novas forsas<br />
+ Nos animos cobrando, porque pensaõ<br />
+ Ser xegado o soccorro que esperavaõ.<br />
+<br />
+ Asim era: Nerêo galhardo, e ovante<br />
+ Seguido de invenciveis combatentes<br />
+ Trazia de refresco o Doiro, e Vouga,<br />
+ Capitains, que a derrota fomentáraõ<br />
+ Dos dois vinheos Erois de seus destritos.<br />
+ Dadas as salvas d'uma, e d'outra parte,<br />
+ Entaõ ele contou como em Aveiro<br />
+ Antonio do Ministro, Cabo astuto,<a href="#fnO"><sup>15</sup></a><br />
+ Soldado veterano, omem temivel,<br />
+ Forte se lhe opuzera em campo aberto:<br />
+ Os manhozos ardis que escogitára,<br />
+ Os xoques que tivera, e seus encontros,<br />
+ Do noso Vouga, que prezente estava,<br />
+ Os inclitos servisos referindo.<br />
+ Depois pasa a contar quanto no Porto<br />
+ Lhe dera que fazer uma Matrona<a href="#fnP"><sup>16</sup></a><br />
+ Do que a Velha de Diu mais guerreira,<br />
+ Mais fera que as do antigo Thermodonte,<br />
+ Que deraõ tanto lustre á Capadocia.<br />
+ E não menos do Doiro ás nuvems alsa<br />
+ A parte que na asaõ tivera onroza.<br />
+ Em fim conclúe, dando a ver os modos<br />
+ Como d'ambos os dois desbaratados<br />
+ Os olhos entregára ao sono eterno.<br />
+<br />
+ Oceano um pouco entaõ mais branda a pena<br />
+ Da perdida peleja, aos vensedores<br />
+ Amostrando um Real comprazimento,<br />
+ Comesou a tratar quanto era justo<br />
+ Porse por obra na manhan seguinte.<br />
+<br />
+ Asentase em tentar novo combate<br />
+ Jeral, e decizivo. As transas loiras<br />
+ No vermelho orizonte ao vento dadas<br />
+ Mal que a Aurora amostrou madrugadora;<br />
+ Mal que os frajeis fugazes pasarinhos<br />
+ Com a lus matutina comesaraõ<br />
+ Nos verdes salgueirais a espenujarse,<br />
+ Um xirlando, outro em módulos gorjeios<br />
+ Enxendo de alegria a selva amena,<br />
+ Tudo se perturbou. Ergue do abismo<br />
+ A terrifica fronte angui-comada<br />
+ Outra ves a maldita a negra Guerra.<br />
+ Salpicadas de sangue as azas bate,<br />
+ E os longos arraiais tres vezes cérca.<br />
+ As buzinas, e os pifanos se tocaõ,<br />
+ Arrusaõ-se os tambores, treme a terra,<br />
+ E os marinhos pendoins dezenrolados<br />
+ Vaõ no imperio dos ventos tremulando.<br />
+ Aprestaõ-se os Soldados vensedores,<br />
+ E se vaõ encontrar c'os inimigos,<br />
+ Ums ainda arrotando a ovos xócos<br />
+ Vaõ enxendo as boxexas, e asoprando;<br />
+ Outros se queixaõ que a xixelo velho<br />
+ Muito a boca lhes sabe: em cuja arenga<br />
+ Entretidos em fim o imigo arróstaõ.<br />
+<br />
+ Está'li Santareno altivo, e guapo<br />
+ Sopezando na dextra a espada injente;<br />
+ Qual atacada mina que promete<br />
+ Ruinas vomitar de imensa mole.<br />
+ De seus olhos pasmado está pendendo<br />
+ Seu exercito em pezo, aonde espreita,<br />
+ Como os ventos em grimpa, da batalha<br />
+ O escondido suseso. A bateria<br />
+ Entaõ comesa com fragor medonho<br />
+ Da parte dos Neptunios combatentes.<br />
+ Foi uma das descargas mais funestas.<br />
+ Muitos dos mais valentes bebedores<br />
+ Do saborozo xá das tortas parras<br />
+ O derradeiro A Deus aos copos deraõ.<br />
+ Encarnisa-se a jente, ferve a guerra,<br />
+ Reina a Desolasaõ, a Morte, as Furias.<br />
+<br />
+ Apoucando no campo os inimigos<br />
+ Avia longo tempo que bradava<br />
+ Para um nobre duelo decizivo<br />
+ Pelo Padre Oceano, um Serralheiro.<a href="#fnQ"><sup>17</sup></a><br />
+ Monstro injente, desforme, aspéto orrivel,<br />
+ A quem bravo, e colérico nas forsas<br />
+ A um toiro igualára a Natureza.<br />
+ Eis que ao lonje do Padre entre as falanjes<br />
+ O brilhante pavês de tartaruga<br />
+ Orlado c'uma pel' de crocodilo<br />
+ Os olhos anelantes lhe deslumbra.<br />
+ Na grande maõ sopeza firme, ufano<br />
+ Uma lansa fatal de largo ferro;<br />
+ E brandindo-a valente, rexinando<br />
+ Despedida a fes ir rompendo os ares.<br />
+ O golpe resaltou do rijo escudo,<br />
+ E a ástea espedasada em terra cae.<br />
+ O Padre embravecido o imigo busca;<br />
+ O imigo c'um montante se defende<br />
+ Briozo pelejando: mas o Padre<br />
+ Por tempo entaõ poupar, de romania<br />
+ Cerrou com ele, e o esmagou nos brasos.<br />
+<br />
+ Do mesmo vensedor ultimos golpes<br />
+ Contra sua vontade onradamente<br />
+ Sofreraõ dezasete Sapateiros,<br />
+ E algums trinta Alfaiates neste dia.<br />
+<br />
+ Unidos os d'Embarque denodados<br />
+ Aqui Górgones eraõ: nada em campo,<br />
+ Ante seus forsozisimos revézes,<br />
+ Que folgo respirase, em pé ficava.<br />
+ Nada menos fazia o Alemtejano,<br />
+ O Minhoto, e o Beiraõ. Naquele dia<br />
+ Com eterno desdoiro se encobriraõ<br />
+ Os feitos que nos Gregos cadafalsos<br />
+ Em torneio cruel outr'ora obráraõ<br />
+ Rozuel, Estrelante, e Belizarte.<br />
+<br />
+ Ali Nereo andava incontrastavel,<br />
+ Ali Periclimeno em forsas grande,<br />
+ Ali o Padre Tejo, o Doiro, o Vouga<br />
+ As mais descomedidas tridentadas,<br />
+ Que o mundo ha visto dar, ao imigo dando.<br />
+ Destroncava Achelóo mais cabesas,<br />
+ Cerceava sanhudo mais orelhas,<br />
+ Do que o fertil Brazil macacos cria.<br />
+ Mas vendo que sua ira inda sedenta<br />
+ Mais estragos dezeja, o arrojo toma,<br />
+ O temerario arrojo de encontrar-se<br />
+ C'o grande Santareno. Este montado<br />
+ No asno, ao som de zurros espantozos,<br />
+ Com guerreiro valor tempesteando<br />
+ Entre seus inimigos, como um rio<br />
+ De caudaloza enxente, que insofrivel<br />
+ Na alagada campina arranca, e arraza<br />
+ Quanto lhe estorva á turbulenta marxa,<br />
+ Levava a toda a parte o orror, e a morte.<br />
+ Acomete Achelóo em manhas ábil,<br />
+ Fáslhe cara o Eroi; quebraõse as lansas,<br />
+ E dos brutos c'o a furia abalroados<br />
+ Pinxaõ das selas pelas ancas fóra.<br />
+ Postos a pé aqui he que saõ elas:<br />
+ Arrancaõ das espadas, talhaõ, cortaõ,<br />
+ Estoqueiaõ, desmalhaõ: nasce fogo<br />
+ Dos asos petiscado; ora se curvaõ,<br />
+ Ora em bicos de pés raivozos se erguem.<br />
+ Os golpes se amiudaõ, giraõ destras<br />
+ As talhantes catanas: um sobre outro<br />
+ Vantajem naõ conhese um'ora inteira.<br />
+ Transforma-se Achelóo d'improvizo<br />
+ N'um dragaõ feio de farpada lingua:<br />
+ Espanta-se o Eroi, mas destemido<br />
+ Sobre as azas um córte lhe aprezenta,<br />
+ Que o fas baquear em terra. Novamente<br />
+ Em majestozo toiro convertido<br />
+ Impetuozo avansa: entaõ por terra<br />
+ C'o a forsa do boléo o Eroi caindo<br />
+ Aos cornos se lhe agarra, e novo Alcides<br />
+ O faria em pedasos desta feita,<br />
+ Se em mosca transformado, n'um momento<br />
+ Lhe naõ foje futil, cobarde, e fraco.<br />
+<br />
+ Entretanto a carnajem sanguinoza<br />
+ Voando devastava o campo todo,<br />
+ E d'ambos os exercitos provavaõ<br />
+ Os nobres Capitains dezasombrados<br />
+ De valor naõ comum, naõ vulgar fama.<br />
+<br />
+ Mas a gente marinha desangrada<br />
+ Do ferro Bacanal ja naõ podia<br />
+ De brutos taõ indomitos a sanha<br />
+ Nas filas sustentar. Entra a dezordem,<br />
+ E toca a retirar. Ja de Anfitrite<br />
+ Aos palacios Reais se encaminhava<br />
+ O férvido Titán palido, e triste<br />
+ A darlhe a infausta nova da derrota,<br />
+ Que em sua gente a seu máo grado vira.<br />
+ Caindo as sombras vem dos altos montes,<br />
+ E d'uma, e d'outra banda sepultura<br />
+ Se entra a dar aos cadáveres que alastraõ<br />
+ O campo da batalha, e daõ aos olhos<br />
+ O orrorozo matís que a Guerra estende.<br />
+
+
+<p><a name="fnL"><sup>12</sup></a> Caetano. O mencionado no Canto antesedente.</p>
+
+<p><a name="fnM"><sup>13</sup></a> Doutor Rito. Um dos papeloins mais celebres que o ocio nutre. Ainda
+que nunca lhe lembrou seguir os estudos, andou nos primeiros tempos de
+batina; foi Doutorado por seus mesmos Pais, e na sua propria caza,
+servindolhe ums calsoins de riso azul da insignia de capelo. Palra sempre
+de autoridade; he sorumbatico de natureza, e quazi sempre anda com
+tericia. A sua caza he de orates.</p>
+
+<p><a name="fnN"><sup>14</sup></a> Xaves. Bebado da 2.ª espece: he de um notavel dezembaraso, de uma
+verbozidade pasmoza, e de uma mania de fazer trovas insofrivel.</p>
+
+<p><a name="fnO"><sup>15</sup></a> Antonio do Ministro. Foi em Aveiro um dos Taverneiros principais.</p>
+
+<p><a name="fnP"><sup>16</sup></a> Matrona. Uma <i>ejusdem furfuria</i> bem conhecida no Porto pela
+alcunha de Rainha.</p>
+
+<p><a name="fnQ"><sup>17</sup></a> Serralheiro. Irmaõ do Gigante Dramuziando, filhos do Entuziasmo, e da
+Fantazia.</p>
+
+
+
+
+<h2>CANTO VI.</h2>
+
+
+ Geme o Padre Oceano inconsolavel<br />
+ No fundo de seu peito, e mais aguda<br />
+ Comesa a renovarse a dôr antiga.<br />
+ O malogrado fim de seus dezenhos<br />
+ He um dardo punjente, que as entranhas<br />
+ Lhe pica, e despedasa; e quem naõ soube<br />
+ Dos purpureos Erois ceder ás forsas,<br />
+ Em fim cede á mortal melancolia.<br />
+ Tanto póde a paixaõ n'uma alma grande!<br />
+<br />
+ Fexase triste no tentorio Regio;<br />
+ Nimguem ouza falarlhe; solitario<br />
+ Só quer por companhia o pensamento.<br />
+<br />
+ Pasadas oito oras em silencio<br />
+ Manda entrar os seus Cabos: pensativo<br />
+ Sobre a meza encostado o cotovelo<br />
+ Na maõ esquerda descansava o rosto,<br />
+ Gotejandolhe em lagrimas banhadas<br />
+ As venerandas cans da longa barba.<br />
+<br />
+ Amados filhos (vagarozamente<br />
+ Tendo erguido o semblante macilento<br />
+ Asim lhes dis) Amados filhos, nunca<br />
+ Taõ fera atasalhou meu peito forte<br />
+ A tirana Paixaõ! Nunca minh'alma<br />
+ Tanto vi afracar!... Fatal derrota<br />
+ Foi esta que no livro do Destino<br />
+ Lavrada estava em caratéres negros<br />
+ Pela férrea maõ da atrós Desgrasa!<br />
+ Nosas forsas (as forsas invenciveis<br />
+ Que tem amedrentado o mundo inteiro!)<br />
+ Abatidas as vedes, destrosadas<br />
+ Por barbaros Salvajems, por ums brutos<br />
+ Que nada por si tem mais que fortuna.<br />
+ He pois tempo, surjâmos acordados<br />
+ Deste pelago vil de cobardia<br />
+ Onde a triste vergonha nos asoita.<br />
+ Para o imigo venser quem se embarasa<br />
+ Que aja esforso, e valor, ou que aja dolo?<br />
+ O que forsas naõ daõ, ardís alcansem.<br />
+ Todo aquele que vir que melhor póde<br />
+ Ao exito xegar do que intentamos<br />
+ Meta maõs ao trabalho, dêse présa<br />
+ E reduza a pedasos esta canga<br />
+ Que tanto no caxaso nos carrega.<br />
+<br />
+ Levantase do asento entaõ pacato<br />
+ O Velho guardador dos grandes Focas,<br />
+ E no meio do cónclave luzido<br />
+ Dest'arte descarrega a consciencia.<br />
+<br />
+ Até'gora eu naõ quis a colherada<br />
+ Nestas coizas meter; vós tendes feito,<br />
+ Tendes acontecido, sem quererdes<br />
+ Pedirme, nem ouvir os meus concelhos,<br />
+ Porem quando a tortura a tal extremo<br />
+ As coizas vai levando, oporme devo,<br />
+ E servir a meu Rei, qual poso, e valho.<br />
+ Os Deuzes, caro Pai, tem-me ensinado<br />
+ As coizas do por-vir caliginozo,<br />
+ Eu antevi estes dezastres feios,<br />
+ Mas eu sem ser forsado naõ predigo.<br />
+ Por castigo talvês dos Deuzes fose<br />
+ Ao voso dezacordo.... Porem basta,<br />
+ Ja tudo se pasou, agora eu mesmo<br />
+ Tomar á minha conta a empreza quero.<br />
+ Socega, amado Pai, o Eroi da pinga<br />
+ De meus tiros o alvo a ser comesa.<br />
+<br />
+ Recobrou novos animos o Padre,<br />
+ E do filho nos ombros sempre firmes<br />
+ O pezo descansou da grande guerra.<br />
+<br />
+ Proteo, que nos ardís exp'rimentado<br />
+ Fôra sempre instrumento a mil fasanhas;<br />
+ E cuja calva frente laureada<br />
+ De importantes facsoins sempre saíra,<br />
+ Um pouco sobre o cazo consid'rando,<br />
+ Este acordo felis contente abrasa.<br />
+ Vaise ter com a Astucia enganadora.<br />
+ He esta uma rolisa Mosatona,<br />
+ Que vestida de peles de rapoza,<br />
+ E empunhando na dextra um rico cetro<br />
+ Domina sobre os omems; manda, impera<br />
+ Os indomitos tigres, quais cordeiros.<br />
+<br />
+ Em quanto pois bulindo dezenvolta<br />
+ Lhe xamejaõ os olhos inquietos<br />
+ Por ouvir o que quer dizerlhe o Velho,<br />
+<br />
+ Eu quero, lhe dis ele, que te empenhes<br />
+ Agora em socorrerme quanto pódes.<br />
+ De Baco um General meu inimigo,<br />
+ Xamado por alcunha o Santareno,<br />
+ Do esforso ou da fortuna socorrido<br />
+ Tem triumfado das aguas. Oceano<br />
+ Ja derrotada a flor de sua jente<br />
+ Suspira inconsolavel. Mas dos livros<br />
+ Do tremendo Destino irrevogavel<br />
+ Eu sei que o Santareno ao ferro ao fogo<br />
+ Naõ tem de dar a vida nas batalhas;<br />
+ Pois uma pouca d'agua em ora infausta<br />
+ Bebida, ha de arrancarlhe ao corpo o sprito.<br />
+ O buzilis porem consiste agora<br />
+ Em fazerlha beber sem que ele o saiba,<br />
+ Por quanto este animal temlhe odio eterno.<br />
+ Todavia a este laso que lhe tramo<br />
+ Fugir naõ poderá. N'um arrabalde<br />
+ Naõ lonje da Cidade, brevemente<br />
+ Farsehá uma funsaõ que ele naõ perde.<br />
+ Aqui pela canseira do caminho<br />
+ Moído xegará, suado, e laso.<br />
+ Forsozo he pedir vinho, isto naõ falha.<br />
+ Tu pois, que és marralheira, ásde mui prestes<br />
+ Em sua mesma Môsa transformarte;<br />
+ E eu tornado em agua facilmente<br />
+ Na vazilha entrarei que tu lhe deves<br />
+ Lampeira ministrar. Ele sedento<br />
+ Nem se he vinho, ou se he agua reparando<br />
+ A enfuza vazará no grande buxo.<br />
+ Deste modo a meu salvo os intestinos<br />
+ Ávido devorando o darei morto,<br />
+ E terei concluido a grande empreza.<br />
+ Vamos pois sem demora vem comigo.<br />
+<br />
+ Vamos onde quizeres; insofrida<br />
+ A Astucia respondeu. E logo promptos<br />
+ Metidos n'uma nuvem negrejante<br />
+ Tirada por seis Euros rujidores,<br />
+ Despejando coriscos sentelhantes<br />
+ Ao orrorozo som d'um trovaõ grande<br />
+ Sobre a airoza Coimbra em fim baixáraõ.<br />
+ Mas como do Deleite o Santareno<br />
+ Estava no país, ordena Próteo<br />
+ Que a Astucia dali sacar o fasa,<br />
+ E á Cidade o conduza aonde a trama<br />
+ Para o pobre cair armar pertende.<br />
+<br />
+ Entre os longos Estados da Mentira<br />
+ Infame Imperatris da maior parte<br />
+ Da terráquea mole, junto ás fraldas<br />
+ D'uma verde colina alcantilada,<br />
+ Sobre um campo espasozo, plano, ameno<br />
+ A que regaõ d'um rio as mansas aguas,<br />
+ A galante Cidade encantadora<br />
+ Do vaidozo Deleite está plantada,<br />
+ A pálida Doensa, os Desprazeres,<br />
+ Os Remorsos crueis, a orrivel Morte<br />
+ O cume senhoreiaõ do alto monte.<br />
+ Mas o Engano traidor, c'um tolde espêso<br />
+ Tudo isto ávido encobre á gran Cidade.<br />
+ Nela tudo he prazer, tudo he descanso.<br />
+ O povo abitador ao ocio dado<br />
+ Só cuida em divertirse: o Baile, o Jogo,<br />
+ Os Cantos, a Luxuria, os Boms-bocados<br />
+ Aqui abítaõ ledos: pelas ruas<br />
+ Amplas Satisfasoins andaõ jirando<br />
+ Ministros de seu Rei: seu Rei parese,<br />
+ C'o as fraudolentas côres que a Mentira<br />
+ Arteira sobre modo o tem pintado,<br />
+ Um rapás mui lousaõ de afavel jesto.<br />
+<br />
+ Aqui de toda a parte os povos correm<br />
+ De seus serios deveres deslembrados<br />
+ A pedir a este Rei, quais seus dezejos,<br />
+ Tais as Satisfasoins, que outorga facil.<br />
+ Aqui a avía vindo o Santareno,<br />
+ E a meiga sua Espoza a Santarena,<br />
+ A pasar algums dias satisfeito<br />
+ Do fim da grande asaõ com que ultimando<br />
+ A mais árdua vitoria felismente,<br />
+ Tinha a um nome de impávida memoria<br />
+ Por entre o ferro, e o fogo alcanse dado.<br />
+<br />
+ Mas a doloza Astucia que naõ sabe<br />
+ Desvelada perder monsaõ de efeito,<br />
+ Por Próteo instigada, em continente<br />
+ As cambiantes azas solta aos ares,<br />
+ Dá nele d'improvizo, e asim o ataca:<br />
+ Dos remorsos se val acuzadores;<br />
+ E por uma maneira extravagante<br />
+ De seu alto saber somente propria,<br />
+ C'o as cores da razaõ na triste ideia<br />
+ Seu vil procedimento lhe debuxa.<br />
+ Faslhe ver com a mesma consciencia<br />
+ Como he mais justo que um Eroi constante,<br />
+ Que as desgrasas tratou de bagatela,<br />
+ Em as prosperidades naõ se infune.<br />
+ Que naõ dê que falar ao povo rude,<br />
+ Que murmurante na Cidade o acuza<br />
+ Pelo ver aos prazeres taõ sensivel.<br />
+ Que deve a sua caza retirarse,<br />
+ Tirar do vencimento util proveito,<br />
+ Naõ confiarse em si, porque inda as Aguas<br />
+ Estancado naõ tem as forsas vastas.<br />
+ Aqui do astuto Anibal traslhe á mente<br />
+ E do Magno Pompeo exemplos vivos,<br />
+ Que ja devem fazelo escarmentado.<br />
+<br />
+ Em fim estas solicitas lembransas<br />
+ De tal sorte do Eroi fervelhaõ n'alma,<br />
+ Que em si caindo parte rezoluto.<br />
+
+
+
+
+<h2>CANTO VII.</h2>
+
+
+ Entretanto em Coimbra amotinada<br />
+ Era inda o pasmatorio inexplicavel<br />
+ Por cauza do trovaõ medonho, e orrivel,<br />
+ Que desde os fundamentos abalára<br />
+ As altas cazas, e fizera aos sinos<br />
+ Por si mesmos tocar nos campanarios.<br />
+ Soava Saõ Jeronimo inda em partes,<br />
+ E em outras Santa Barbara bemdita<br />
+ Com espantozos berros; e a vizinha<br />
+ Á timida vizinha inda contava<br />
+ Das viboras de fogo côr de enxofre,<br />
+ Que tortuozas rápidas caíraõ.<br />
+<br />
+ Os dois obézos vultos, que sozinhos<br />
+ Pelas sombras da noite caminhavaõ<br />
+ Vinhaõ asustadisimos: em bica<br />
+ Lhes corria o suor, e sem falarem<br />
+ Só vinhaõ nas camandolas sebentas<br />
+ Ave Marias mil, e Padre Nosos<br />
+ Ums apôs outros engolindo a medo.<br />
+ A caza em fim xegáraõ, e por terra<br />
+ Depois de averem dado aos Ceos as grasas<br />
+ Pelos ter dos perigos defendido,<br />
+ Entaõ uma Sobrinha por miudo<br />
+ As coizas lhes contou que se pasavaõ.<br />
+ Diselhes, que depois que eles se foraõ<br />
+ Ao seu divertimento, na Cidade<br />
+ Em nenhuma outra coiza se falava<br />
+ Senaõ no grande risco a que seu Tio<br />
+ Tinha ficado exposto; que entre dentes<br />
+ Naõ sei que se rosnava; pois que o Xefe<br />
+ Inimigo tentava armar ocultas,<br />
+ Fraudolentas traisoins; que era precizo<br />
+ Cautela, e mais cautela: acrescentando<br />
+ Que teve ums sonhos (de que Deos nos livre)<br />
+ Mesmo áquele respeito asás funestos.<br />
+ No que naõ creu o Eroi; porem Madama<br />
+ C'o a noticia em extremo intimidada,<br />
+ Asentando que ali avía agoiro,<br />
+ Fês que viese a caza no outro dia<br />
+ Uma ábil Franxinota a lerlhe a sina.<br />
+<br />
+ Asim foi: uma veio asás jocoza<br />
+ De cabasa, e bordaõ, trincos nas repas<br />
+ Formados em torcidos papelotes,<br />
+ Pálidas maõs, agaloadas unhas,<br />
+ Altas as saias com franjoins de lama,<br />
+ Mursa nos ombros de ensebado coiro<br />
+ Com redondas conxinhas matizada,<br />
+ E um de languidas ábas xapeo ruso<br />
+ Com varios em redor Santiaguinhos<br />
+ No alto da cabesa côr de estriga.<br />
+<br />
+ Era esta sagacisima, adestrada,<br />
+ Mestra no ultimo ponto em Chiromancias.<br />
+ Olhou, examinou, tomou medidas,<br />
+ Mas viu mil cruzes na polpuda palma<br />
+ Do magnanimo Eroi, mil entrelinhas<br />
+ Cortando inteiras linhas, mil figuras,<br />
+ Mil indicios em fim de agoiro aziago,<br />
+<br />
+ De caza em todos toma pose o susto:<br />
+ Parese cada cara uma laranja.<br />
+<br />
+ Porem o Santareno que prezume<br />
+ Ser em materias tais dezabuzado,<br />
+ Que nunca em Bruxas creu, ou Lobizomes,<br />
+ Deita estas coizas para trás das costas.<br />
+ Trata de divertirse, e em mais naõ pensa.<br />
+<br />
+ Ai de quem da memoria o adagio varre<br />
+ <i>Quem inimigos tem dormir naõ deve!</i><br />
+<br />
+ Xegada estava entaõ uma romajem<br />
+ Dia de Pentecoste, onde Coimbra<br />
+ Em pezo aos Olivais sair costuma.<br />
+ He esta uma funsaõ das mais luzidas<br />
+ Daqueles arrabaldes; ali entra<br />
+ Tudo o bom, e bonito; ali se encontra<br />
+ Todo o recreio de qualquer espece.<br />
+ Veemse ali jocozisimas Comedias<br />
+ No amplo teatro do arraial vistozo.<br />
+ Veemse as Trajedias de orrorozo aspéto<br />
+ A sena ensanguentarem. D'uma parte<br />
+ Esgrimese com ansia a espada preta,<br />
+ D'outra em jogo de páo soa a lambada.<br />
+ Aqui n'umas mezinhas enfeitadas<br />
+ Mosas de arromba, que os tafuis arrastaõ,<br />
+ Vendem d'envolta c'o as xulises torpes<br />
+ Sédiso doce de mil castas feito.<br />
+ Ali nas asadeiras xia a carne:<br />
+ Esta freje a sardinha, aquela os ovos,<br />
+ Uma vende agua ardente, outra beijinhos.<br />
+ A fresca como neve limonada<br />
+ De resto ali se trata: ali triumfante,<br />
+ Como em brilhante trono, sobre um carro<br />
+ De cana, parra, e loiros enramado,<br />
+ Adoradores mil em torno tendo,<br />
+ Vêse a <i>sine-qua-non</i> excelsa Pinga.<br />
+<br />
+ E que peito de páo, que alma de palha<br />
+ Poderá insensivel n'um tal dia<br />
+ Ao recreio negar entrada franca?<br />
+ Um omem de bom senso, e que se préza<br />
+ Ser da onra, e do respeito alumno serio<br />
+ Ha neste dia de trancar insano<br />
+ Em masmorra domestica o seu gosto?<br />
+<br />
+ Naõ era, o noso Eroi naõ era filho<br />
+ De pai que tal fizese. Espoza cara,<br />
+ Dis ele, he nesesario naõ perdermos<br />
+ Os uzos, e costumes: he xegada<br />
+ A minha romaria: resta veres<br />
+ O que eide merendar; pois tu bem sabes<br />
+ Que nisto da funsaõ consiste o todo.<br />
+<br />
+ Mas a crédula Espoza, a quem agoiros<br />
+ Sempre grande impresaõ fizeraõ n'alma<br />
+ Aflita com exceso asim lhe argúe:<br />
+<br />
+ Onde queres tu ir? Tu serás doido?<br />
+ Credo! Apelo eu! Lenho da Crus Santa!<br />
+ Naõ vês, alma de Deus, como danados<br />
+ Andaõ teus inimigos de alcateia<br />
+ A ver se te devoraõ? Tu naõ queres<br />
+ Inda acabar de crer? Eu bem te avizo.<br />
+ Se queres merendar, merenda em caza,<br />
+ Deixa lá ir quem vai á romaria.<br />
+ Bem viste a Franxinota o que te dise<br />
+ Quando lendo te esteve a <i>buena dicha</i>.<br />
+<br />
+ Ai, temos conversado, a Deus Senhora;<br />
+ Quero ir á romaria, tenho dito<br />
+ (Replíca ele agastado) vá dar ordem<br />
+ A um fardel em termos: ca por ora<br />
+ As Aguas nunca me fizeraõ papo:<br />
+ Naõ temo de nimguem, só de Deus temo.<br />
+<br />
+ Com efeito apromtouse uma merenda,<br />
+ Que para outro qualquer fôra um banquete.<br />
+ Era uma perna de vitela tenra<br />
+ Com Anjelico molho temperada<br />
+ Segundo os boms preseitos que arte ensina;<br />
+ (Ele a tinha aprendido com boms Mestres)<br />
+ De prezunto era um grande pratarrazio,<br />
+ De porco quatro pés, seis orelheiras,<br />
+ Uma lebre, um leitaõ, sete coelhos,<br />
+ Ou láparos talvês; afóra o lombo<br />
+ Que estivera ate'li de vinho d'alhos<br />
+ Iaõ sinco ou seis pains de imensa mole;<br />
+ Coroando por fim a obra toda<br />
+ Xeia de vinho a pel'd'um bode d'ampla<br />
+ Desmedida grandeza: odre admiravel,<br />
+ Qual nunca em seus opíparos banquetes<br />
+ Teve de Bromio o orelhudo Socio.<br />
+<br />
+ Mas vem a cada porco um S. Martinho.<br />
+ Em fim he tempo, os duros Fados instaõ,<br />
+ E Lachesis da roca por momentos<br />
+ Vai tirar ao Eroi o ultimo fio.<br />
+<br />
+ Da partida se trata: a carga opíma<br />
+ Da profuza merenda em dois alforjes<br />
+ Um burro fas vergar: na maõ c'o as contas,<br />
+ E c'o a borraxa á cinta, o Santareno<br />
+ A maguada Espoza prende, e abrasa;<br />
+ E entre doces coloquios até a noite<br />
+ Seguro se despede. Mizerando<br />
+ Que ignora que esta noite ao prazo dada<br />
+ He por ordem dos Ceos a noite eterna!<br />
+ Entaõ tres vezes que dirije os pasos<br />
+ Da porta ao lumiar, tres vezes dentro<br />
+ Se torna perturbado, inquieto, mudo.<br />
+ Preságo o corasaõ dentro no peito<br />
+ Agitado lhe bate: mil lembransas<br />
+ De montaõ o atacaõ: anda, pára,<br />
+ Nem sabe a decizaõ que tomar deva.<br />
+ Mas se o que tem de ser, tem muita forsa,<br />
+ Com eroico valor tanto imbecilho<br />
+ Rompendo finalmente a estrada avansa.<br />
+
+
+
+
+<h2>CANTO VIII.</h2>
+
+
+ Vai a ultimarse a empreza. Numen terno,<br />
+ Que os influxos nos lúgubres cantares<br />
+ Da Heliconia montanha aos Vates mandas,<br />
+ Para oje acompanhar meu canto triste<br />
+ A minha lira d'évano tempéra,<br />
+ E nas cordas me ensaia os dedos broncos,<br />
+ Q'a impreterivel ordem dos susésos;<br />
+ Ja me fas o sinal de pôr aos olhos<br />
+ A lastimoza sena em que a Desgrasa<br />
+ Deixou que á vergonhoza cobardia<br />
+ Cedese o alto valor d'um peito nobre.<br />
+ O estro se me afraca, o pulso treme...<br />
+ Eu quizera esquivarme ao pezo enorme...<br />
+ Ó Muzas ajudaime. Ja sentado<br />
+ Sobre a relva do campo verdejante<br />
+ Onde da romaria a jente estava<br />
+ Noso Eroi dezabotoava impando<br />
+ Os graúdos botoins da imensa vestia.<br />
+ Ja mais em ano algum ele sentira<br />
+ Em funsaõ semelhante entre folgares<br />
+ Taõ grande desprazer dentro em si mesmo.<br />
+<br />
+ Ui lá! q'inda este burro naõ xegase!<br />
+ Valhame Deus, forte tardansa he esta,<br />
+ (Dizia ele lá comsigo mesmo)<br />
+ Nem moso, nem dinheiro, nem garrafa;<br />
+ Máo está o negocio... E asim rosnando.<br />
+ Sentado cada vês mais se aflijia.<br />
+ Levantase, o capote aos ombros puxa,<br />
+ E gozando do fresco deleitozo,<br />
+ Que o zefiro das azas sacodia<br />
+ C'os olhos do concurso em torno gira.<br />
+<br />
+ A precavida Astucia, que d'um alto<br />
+ Todos seus movimentos atalaia,<br />
+ Entaõ em Môsa feita, de tal sorte<br />
+ Que a sua em carne, e oso ser parese,<br />
+ Sae d'entre o barulho, e contra o Amo<br />
+ Os concertados pasos endireita.<br />
+<br />
+ Ora grasas a Deus! Pois inda'gora<br />
+ He que tu la de vir oras axaste?<br />
+ (Lhe dis ele agastado) Morto á sede<br />
+ Ha mais de duas oras aqui posto<br />
+ Sem xegar inda o vinho! Irra c'o a festa!<br />
+ Por onde tems andado? Q'he do burro?<br />
+<br />
+ Como quem d'um perigo ilezo escapa,<br />
+ Que fica longo tempo, em dezabafo<br />
+ Do aflito corasaõ que á présa bate,<br />
+ Cansado respirando, e da garganta<br />
+ A fala desprender livre naõ pode;<br />
+ Asim depois de um pouco estar ant'ele<br />
+ Descansando arquejante, e fadigada,<br />
+ D'est'arte entre ipotéticos enfados<br />
+ Zangada a Mosa apócrifa responde:<br />
+<br />
+ Ah Senhor! que me dis? Sabe os trabalhos<br />
+ Q'ese burro nos deu? Olhe a empreitada<br />
+ Melhor naõ pôde ser. Mais de oito vezes<br />
+ Tem caído c'o a carga: eu e o Fernando<br />
+ Temo-nos visto Gregos: os alforjes<br />
+ Vem todos lameados; as casoilas,<br />
+ E frejideiras todas se quebráraõ:<br />
+ (Cada palavra destas piamente<br />
+ Creio que era no Eroi uma facada<br />
+ Segundo as cores mil que ao rosto dava)<br />
+ Os molhos se verteraõ; finalmente<br />
+ Caminhando adiante eu vim mais prestes<br />
+ Somente por pensar que esta tardansa<br />
+ Lhe daria cuidado. E naõ pequeno,<br />
+ (Torna ele) esa está boa! Esta somente<br />
+ A mim he que susede... Paciencia:<br />
+ Que lhe avemos fazer? Eide matarme?<br />
+ Naõ; matese o Diabo. Vai depresa,<br />
+ Que eu tenho muita sede, e estou suado,<br />
+ Buscar meia canada n'uma enfuza,<br />
+ Que eu naõ poso esperar que o odre xegue.<br />
+ E traze do melhor, anda deprésa.<br />
+<br />
+ A Astucia mais naõ quis ouvir; e dentro<br />
+ Do barulho sumindose contente,<br />
+ O fatidico Vate que a aguardava<br />
+ No aprazado lugar buscando encontra,<br />
+ Mutuos parabems ambos se prestaõ,<br />
+ E sem que dois minutos se esperdisem<br />
+ Em agua o ávido Velho se transforma,<br />
+ E na enfuza se mete. Corre, voa<br />
+ A fatal Portadora. O Santareno<br />
+ Tanto que a enfuza enxérga, ja sem tino<br />
+ As guelas abriu voraginozas,<br />
+ E, sem fazer no gosto algum reparo,<br />
+ Alambazado, e sofrego d'um trago<br />
+ Em vês de vinho foi beber a morte.<br />
+ Dominante entra Próteo. D'improvizo<br />
+ As entranhas do Eroi rujindo estalaõ:<br />
+ Com orrorozas vascas treme o corpo:<br />
+ Os brasos se lhe estrixaõ; torce a boca;<br />
+ Revirados os olhos se lhe vidraõ,<br />
+ Os dedos fexa, estende as pernas, morre.<br />
+<br />
+ Ah barbaro traidor! Que gloria, ou fama<br />
+ Defeito taõ atrós, de asaõ taõ crua<br />
+ Pertendes alcansar? Sempre em meus versos,<br />
+ Se versos os meus versos sempre forem,<br />
+ Notado tems de ser de vil, de infame.<br />
+<br />
+ Morreu o Santareno. As longas azas<br />
+ Batendo logo a xocalheira Fama<br />
+ O boato espalhou por toda a parte.<br />
+ Alvorósase o Povo, corre, inquire,<br />
+ E cercaõlhe o cadaver. Escumava,<br />
+ Ainda quente o corpo; e a Morte pálida<br />
+ Ja lhe tinha das faces desbotado<br />
+ O vivo vermelhaõ. Ceos! que terrores,<br />
+ Que frios sustos, que orrorozos pasmos<br />
+ Esta morte naõ cauza á gente toda!<br />
+ Eis uma tumba a multidaõ rompendo<br />
+ Lá o condús em si levando fitos<br />
+ Os tristes olhos da pasmada jente,<br />
+ A funsão se desfás, tudo se abala;<br />
+ E o jeral sentimento nos semblantes<br />
+ Dos calados Romeiros vem pintado.<br />
+ Tal se tira lisaõ destes exemplos!<br />
+<br />
+ A caza a tumba xega: o povo a porta<br />
+ Rodeia em turbilhoins: toda a familia<br />
+ Frenética rebenta em pranto amargo.<br />
+ Da caza que resoa sem maneira<br />
+ Fere as aureas estrelas o alarido.<br />
+<br />
+ Ja mais aparesêra em nosos dias<br />
+ De dezordems taõ funebre um teatro!<br />
+<br />
+ Mas na Espoza infeliz que alma ferida<br />
+ Ja tinha desde muito, entaõ se acaba<br />
+ De cravar o punhal sangui-sedento.<br />
+ A fala se lhe toma, as cores perde,<br />
+ Suspira, desfalese, em fim desmaia.<br />
+<br />
+ So a linda Sobrinha, linda mesmo<br />
+ Como Deus a criou, largando as redeas<br />
+ Da violenta paixaõ que sofreava,<br />
+ Insana fere as boxexudas faces,<br />
+ Fórma gritos d'espanto, e as maõs fexando<br />
+ Uma n'outra, indizivel xoradeira<br />
+ Fas nestes termos pouco mais ou menos.<br />
+<br />
+ Ai Tio da minh'alma! Bem dizía<br />
+ Bem diziamos nós que naõ saíse!<br />
+ Que negra romaria nos foi esta!<br />
+ E que áde ser de mim?... Oh Ceos, eu morro.<br />
+ Ai de mim! Ja (quem tanto me queria)<br />
+ Naõ me ouve aqui xorar mesmo ao pe dele!<br />
+ Ja naõ fala, morreu... Forte desgrasa,<br />
+ Senhor, forte desgrasa! Quem diria<br />
+ Que n'um pouco de vinho fose a morte?<br />
+ Mas ah! que a mim do sonho inda me lembra<br />
+ Que ele os tempos atrás de noite teve!<br />
+ Oh mal-aventurado, triste dia!<br />
+ Nunca tu... E asim continuava<br />
+ Abrindo, e com furor fexando as portas.<br />
+<br />
+ Em tanto a si tornando a Espoza Eroica<br />
+ O amortalhado corpo apenas pôde<br />
+ Só ver, e abrasar, porque fexada<br />
+ Quis dar á sua magua o dezafogo<br />
+ Que a todos nos ensina a Natureza.<br />
+<br />
+ Naõ ouve caõ nem gato a quem deixase<br />
+ De custar quatro lagrimas tal perda.<br />
+ Todos, bom Santareno, te xoráraõ:<br />
+ Nas mesmas sentidisimas adegas<br />
+ Ainda oje se veem lagrimejando<br />
+ Os bojudos toneis, as gordas cubas.<br />
+<br />
+ Mas que ternura em mim!... Ah! vinde, vinde<br />
+ Minhas lagrimas ternas, que tributo<br />
+ Melhor naõ pagareis á sua memoria.<br />
+ Oh mal aja o primeiro, que das guerras<br />
+ A praga fes cair no pobre mundo:<br />
+ Nefanda praga dos mortais verdugo,<br />
+ Donde veio a dezordem, donde os roubos,<br />
+ Donde a desolasaõ, a mortandade.<br />
+ Ditoza Pás, dos Ceos abitadora,<br />
+ Serena filha da Ventura eterna,<br />
+ Que os mizeros umanos tanto alegras;<br />
+ Se fora mais privado o teu imperio,<br />
+ Se a execranda Discordia naõ ouzára<br />
+ Entrar com maõ armada os teus limites,<br />
+ Lansar neles o orror, destronizarte;<br />
+ Ainda o meu Eroi de glorias xeio<br />
+ Alegrára vivendo os nosos dias.<br />
+ Mas naõ susede asim: est'alma nobre<br />
+ Foi do sosego seu dezaposada<br />
+ No melhor de seus anos: os trabalhos<br />
+ Mais as consumisoins, que de rezerva<br />
+ Dispostos a atacalo andavaõ juntos,<br />
+ Fizeraõ nele o tiro; e o bem-fazejo,<br />
+ O braso liberal que no regaso<br />
+ Da esfaimada Pobreza amplos tezoiros<br />
+ Franquear costumava viu-se a ponto<br />
+ De pegar da espada. Mas que forsa<br />
+ Naõ era a de seu braso? Que grandeza<br />
+ A de seu corasaõ robusto, e forte?<br />
+ Ah! e que Átropos cega, e sem acordo<br />
+ Condene ao mesmo golpe o poltraõ baixo,<br />
+ E o magnanimo Eroi, que a Patria onra!<br />
+<br />
+ Amigos deste Amigo, se inda o zelo<br />
+ Vos aquese as asoins, eia xoremos,<br />
+ Naõ sejamos ingratos, indolentes:<br />
+ O luto se conhesa, banhe as faces<br />
+ Um saudozo pranto. Quem mais facil<br />
+ Satisfês algum dia, que este Amigo<br />
+ As nosas precizoins? Quando caía<br />
+ Das nuvems gêlo aspérrimo que o sangue<br />
+ Nas veias encalhava, quando a negra<br />
+ Mortal Melancolia o peito inerme<br />
+ Cruel nos abafava, elle benigno<br />
+ Naõ nos dava o remedio, apenas via<br />
+ Junto á porta asomar nosos garotos?<br />
+ A quem mais beneficios, mais louvores<br />
+ Poderemos dever, telhas abaixo?<br />
+ Ai de mim, que naõ poso, ó grande Amigo,<br />
+ Xorar a tua perda incomparavel<br />
+ Com pranto de ti digno! Oh s'eu podera<br />
+ Gastar agora umor de Carpideira,<br />
+ Noite, e dia regára o teu sepulcro.<br />
+ Tu es digno de lagrimas eternas.<br />
+ Eroi sempre invensivel, que fizeste<br />
+ Notar teus aleivozos inimigos,<br />
+ Se venserte quizeraõ, c'o a infame,<br />
+ C'o a dezonroza marca de cobardes;<br />
+ Varaõ constante, que arrostaste os lanses,<br />
+ Qual aguia majestoza arrosta os ventos.<br />
+<br />
+ Arrepele os cabelos sibilantes,<br />
+ Que a fronte negra esquálida lhe arreiaõ;<br />
+ Raivoza a lingua morda, dê bramidos<br />
+ Maiores que trovoins a magra Inveja;<br />
+ Tu cantado serás: teu nome egregio<br />
+ Na letárgica veia entre cardumes<br />
+ De populares deslembrados nomes<br />
+ Naufragio naõ fará: em pás descansa,<br />
+ Seja-te leve a terra que te cobre,<br />
+ De teus osos a pás nimguem perturbe.<br />
+ Deixese ao Tempo revolver a roda:<br />
+ Tems sempre de ser celebre no mundo,<br />
+ Sem que a fama de Heitor te fasa sombra,<br />
+ <i>Sem á dita de Achiles ter inveja.</i><br />
+<br />
+<br />
+FIM.<br />
+<br />
+<div class="quote">
+<hr />
+
+ <i>Pascitur in vivis livor: post fata quiescit,<br />
+ Cum sùus ex merito quemque tuetur honos.</i><br />
+<br />
+ Ovid. Am. l. I. E. 15.<br />
+
+<hr />
+</div>
+
+
+
+
+
+
+
+<pre>
+
+
+
+
+
+End of the Project Gutenberg EBook of Santarenaida: poema eroi-comico, by
+Francisco de Paula de Figueiredo
+
+*** END OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK SANTARENAIDA: POEMA EROI-COMICO ***
+
+***** This file should be named 21283-h.htm or 21283-h.zip *****
+This and all associated files of various formats will be found in:
+ http://www.gutenberg.org/2/1/2/8/21283/
+
+Produced by Pedro Saborano. Para comentários à transcrição
+visite http://pt-scriba.blogspot.com/ (This book was
+produced from scanned images of public domain material
+from the Google Print project.)
+
+
+Updated editions will replace the previous one--the old editions
+will be renamed.
+
+Creating the works from public domain print editions means that no
+one owns a United States copyright in these works, so the Foundation
+(and you!) can copy and distribute it in the United States without
+permission and without paying copyright royalties. Special rules,
+set forth in the General Terms of Use part of this license, apply to
+copying and distributing Project Gutenberg-tm electronic works to
+protect the PROJECT GUTENBERG-tm concept and trademark. Project
+Gutenberg is a registered trademark, and may not be used if you
+charge for the eBooks, unless you receive specific permission. If you
+do not charge anything for copies of this eBook, complying with the
+rules is very easy. You may use this eBook for nearly any purpose
+such as creation of derivative works, reports, performances and
+research. They may be modified and printed and given away--you may do
+practically ANYTHING with public domain eBooks. Redistribution is
+subject to the trademark license, especially commercial
+redistribution.
+
+
+
+*** START: FULL LICENSE ***
+
+THE FULL PROJECT GUTENBERG LICENSE
+PLEASE READ THIS BEFORE YOU DISTRIBUTE OR USE THIS WORK
+
+To protect the Project Gutenberg-tm mission of promoting the free
+distribution of electronic works, by using or distributing this work
+(or any other work associated in any way with the phrase "Project
+Gutenberg"), you agree to comply with all the terms of the Full Project
+Gutenberg-tm License (available with this file or online at
+http://gutenberg.org/license).
+
+
+Section 1. General Terms of Use and Redistributing Project Gutenberg-tm
+electronic works
+
+1.A. By reading or using any part of this Project Gutenberg-tm
+electronic work, you indicate that you have read, understand, agree to
+and accept all the terms of this license and intellectual property
+(trademark/copyright) agreement. If you do not agree to abide by all
+the terms of this agreement, you must cease using and return or destroy
+all copies of Project Gutenberg-tm electronic works in your possession.
+If you paid a fee for obtaining a copy of or access to a Project
+Gutenberg-tm electronic work and you do not agree to be bound by the
+terms of this agreement, you may obtain a refund from the person or
+entity to whom you paid the fee as set forth in paragraph 1.E.8.
+
+1.B. "Project Gutenberg" is a registered trademark. It may only be
+used on or associated in any way with an electronic work by people who
+agree to be bound by the terms of this agreement. There are a few
+things that you can do with most Project Gutenberg-tm electronic works
+even without complying with the full terms of this agreement. See
+paragraph 1.C below. There are a lot of things you can do with Project
+Gutenberg-tm electronic works if you follow the terms of this agreement
+and help preserve free future access to Project Gutenberg-tm electronic
+works. See paragraph 1.E below.
+
+1.C. The Project Gutenberg Literary Archive Foundation ("the Foundation"
+or PGLAF), owns a compilation copyright in the collection of Project
+Gutenberg-tm electronic works. Nearly all the individual works in the
+collection are in the public domain in the United States. If an
+individual work is in the public domain in the United States and you are
+located in the United States, we do not claim a right to prevent you from
+copying, distributing, performing, displaying or creating derivative
+works based on the work as long as all references to Project Gutenberg
+are removed. Of course, we hope that you will support the Project
+Gutenberg-tm mission of promoting free access to electronic works by
+freely sharing Project Gutenberg-tm works in compliance with the terms of
+this agreement for keeping the Project Gutenberg-tm name associated with
+the work. You can easily comply with the terms of this agreement by
+keeping this work in the same format with its attached full Project
+Gutenberg-tm License when you share it without charge with others.
+
+1.D. The copyright laws of the place where you are located also govern
+what you can do with this work. Copyright laws in most countries are in
+a constant state of change. If you are outside the United States, check
+the laws of your country in addition to the terms of this agreement
+before downloading, copying, displaying, performing, distributing or
+creating derivative works based on this work or any other Project
+Gutenberg-tm work. The Foundation makes no representations concerning
+the copyright status of any work in any country outside the United
+States.
+
+1.E. Unless you have removed all references to Project Gutenberg:
+
+1.E.1. The following sentence, with active links to, or other immediate
+access to, the full Project Gutenberg-tm License must appear prominently
+whenever any copy of a Project Gutenberg-tm work (any work on which the
+phrase "Project Gutenberg" appears, or with which the phrase "Project
+Gutenberg" is associated) is accessed, displayed, performed, viewed,
+copied or distributed:
+
+This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with
+almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or
+re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included
+with this eBook or online at www.gutenberg.org
+
+1.E.2. If an individual Project Gutenberg-tm electronic work is derived
+from the public domain (does not contain a notice indicating that it is
+posted with permission of the copyright holder), the work can be copied
+and distributed to anyone in the United States without paying any fees
+or charges. If you are redistributing or providing access to a work
+with the phrase "Project Gutenberg" associated with or appearing on the
+work, you must comply either with the requirements of paragraphs 1.E.1
+through 1.E.7 or obtain permission for the use of the work and the
+Project Gutenberg-tm trademark as set forth in paragraphs 1.E.8 or
+1.E.9.
+
+1.E.3. If an individual Project Gutenberg-tm electronic work is posted
+with the permission of the copyright holder, your use and distribution
+must comply with both paragraphs 1.E.1 through 1.E.7 and any additional
+terms imposed by the copyright holder. Additional terms will be linked
+to the Project Gutenberg-tm License for all works posted with the
+permission of the copyright holder found at the beginning of this work.
+
+1.E.4. Do not unlink or detach or remove the full Project Gutenberg-tm
+License terms from this work, or any files containing a part of this
+work or any other work associated with Project Gutenberg-tm.
+
+1.E.5. Do not copy, display, perform, distribute or redistribute this
+electronic work, or any part of this electronic work, without
+prominently displaying the sentence set forth in paragraph 1.E.1 with
+active links or immediate access to the full terms of the Project
+Gutenberg-tm License.
+
+1.E.6. You may convert to and distribute this work in any binary,
+compressed, marked up, nonproprietary or proprietary form, including any
+word processing or hypertext form. However, if you provide access to or
+distribute copies of a Project Gutenberg-tm work in a format other than
+"Plain Vanilla ASCII" or other format used in the official version
+posted on the official Project Gutenberg-tm web site (www.gutenberg.org),
+you must, at no additional cost, fee or expense to the user, provide a
+copy, a means of exporting a copy, or a means of obtaining a copy upon
+request, of the work in its original "Plain Vanilla ASCII" or other
+form. Any alternate format must include the full Project Gutenberg-tm
+License as specified in paragraph 1.E.1.
+
+1.E.7. Do not charge a fee for access to, viewing, displaying,
+performing, copying or distributing any Project Gutenberg-tm works
+unless you comply with paragraph 1.E.8 or 1.E.9.
+
+1.E.8. You may charge a reasonable fee for copies of or providing
+access to or distributing Project Gutenberg-tm electronic works provided
+that
+
+- You pay a royalty fee of 20% of the gross profits you derive from
+ the use of Project Gutenberg-tm works calculated using the method
+ you already use to calculate your applicable taxes. The fee is
+ owed to the owner of the Project Gutenberg-tm trademark, but he
+ has agreed to donate royalties under this paragraph to the
+ Project Gutenberg Literary Archive Foundation. Royalty payments
+ must be paid within 60 days following each date on which you
+ prepare (or are legally required to prepare) your periodic tax
+ returns. Royalty payments should be clearly marked as such and
+ sent to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation at the
+ address specified in Section 4, "Information about donations to
+ the Project Gutenberg Literary Archive Foundation."
+
+- You provide a full refund of any money paid by a user who notifies
+ you in writing (or by e-mail) within 30 days of receipt that s/he
+ does not agree to the terms of the full Project Gutenberg-tm
+ License. You must require such a user to return or
+ destroy all copies of the works possessed in a physical medium
+ and discontinue all use of and all access to other copies of
+ Project Gutenberg-tm works.
+
+- You provide, in accordance with paragraph 1.F.3, a full refund of any
+ money paid for a work or a replacement copy, if a defect in the
+ electronic work is discovered and reported to you within 90 days
+ of receipt of the work.
+
+- You comply with all other terms of this agreement for free
+ distribution of Project Gutenberg-tm works.
+
+1.E.9. If you wish to charge a fee or distribute a Project Gutenberg-tm
+electronic work or group of works on different terms than are set
+forth in this agreement, you must obtain permission in writing from
+both the Project Gutenberg Literary Archive Foundation and Michael
+Hart, the owner of the Project Gutenberg-tm trademark. Contact the
+Foundation as set forth in Section 3 below.
+
+1.F.
+
+1.F.1. Project Gutenberg volunteers and employees expend considerable
+effort to identify, do copyright research on, transcribe and proofread
+public domain works in creating the Project Gutenberg-tm
+collection. Despite these efforts, Project Gutenberg-tm electronic
+works, and the medium on which they may be stored, may contain
+"Defects," such as, but not limited to, incomplete, inaccurate or
+corrupt data, transcription errors, a copyright or other intellectual
+property infringement, a defective or damaged disk or other medium, a
+computer virus, or computer codes that damage or cannot be read by
+your equipment.
+
+1.F.2. LIMITED WARRANTY, DISCLAIMER OF DAMAGES - Except for the "Right
+of Replacement or Refund" described in paragraph 1.F.3, the Project
+Gutenberg Literary Archive Foundation, the owner of the Project
+Gutenberg-tm trademark, and any other party distributing a Project
+Gutenberg-tm electronic work under this agreement, disclaim all
+liability to you for damages, costs and expenses, including legal
+fees. YOU AGREE THAT YOU HAVE NO REMEDIES FOR NEGLIGENCE, STRICT
+LIABILITY, BREACH OF WARRANTY OR BREACH OF CONTRACT EXCEPT THOSE
+PROVIDED IN PARAGRAPH F3. YOU AGREE THAT THE FOUNDATION, THE
+TRADEMARK OWNER, AND ANY DISTRIBUTOR UNDER THIS AGREEMENT WILL NOT BE
+LIABLE TO YOU FOR ACTUAL, DIRECT, INDIRECT, CONSEQUENTIAL, PUNITIVE OR
+INCIDENTAL DAMAGES EVEN IF YOU GIVE NOTICE OF THE POSSIBILITY OF SUCH
+DAMAGE.
+
+1.F.3. LIMITED RIGHT OF REPLACEMENT OR REFUND - If you discover a
+defect in this electronic work within 90 days of receiving it, you can
+receive a refund of the money (if any) you paid for it by sending a
+written explanation to the person you received the work from. If you
+received the work on a physical medium, you must return the medium with
+your written explanation. The person or entity that provided you with
+the defective work may elect to provide a replacement copy in lieu of a
+refund. If you received the work electronically, the person or entity
+providing it to you may choose to give you a second opportunity to
+receive the work electronically in lieu of a refund. If the second copy
+is also defective, you may demand a refund in writing without further
+opportunities to fix the problem.
+
+1.F.4. Except for the limited right of replacement or refund set forth
+in paragraph 1.F.3, this work is provided to you 'AS-IS' WITH NO OTHER
+WARRANTIES OF ANY KIND, EXPRESS OR IMPLIED, INCLUDING BUT NOT LIMITED TO
+WARRANTIES OF MERCHANTIBILITY OR FITNESS FOR ANY PURPOSE.
+
+1.F.5. Some states do not allow disclaimers of certain implied
+warranties or the exclusion or limitation of certain types of damages.
+If any disclaimer or limitation set forth in this agreement violates the
+law of the state applicable to this agreement, the agreement shall be
+interpreted to make the maximum disclaimer or limitation permitted by
+the applicable state law. The invalidity or unenforceability of any
+provision of this agreement shall not void the remaining provisions.
+
+1.F.6. INDEMNITY - You agree to indemnify and hold the Foundation, the
+trademark owner, any agent or employee of the Foundation, anyone
+providing copies of Project Gutenberg-tm electronic works in accordance
+with this agreement, and any volunteers associated with the production,
+promotion and distribution of Project Gutenberg-tm electronic works,
+harmless from all liability, costs and expenses, including legal fees,
+that arise directly or indirectly from any of the following which you do
+or cause to occur: (a) distribution of this or any Project Gutenberg-tm
+work, (b) alteration, modification, or additions or deletions to any
+Project Gutenberg-tm work, and (c) any Defect you cause.
+
+
+Section 2. Information about the Mission of Project Gutenberg-tm
+
+Project Gutenberg-tm is synonymous with the free distribution of
+electronic works in formats readable by the widest variety of computers
+including obsolete, old, middle-aged and new computers. It exists
+because of the efforts of hundreds of volunteers and donations from
+people in all walks of life.
+
+Volunteers and financial support to provide volunteers with the
+assistance they need, is critical to reaching Project Gutenberg-tm's
+goals and ensuring that the Project Gutenberg-tm collection will
+remain freely available for generations to come. In 2001, the Project
+Gutenberg Literary Archive Foundation was created to provide a secure
+and permanent future for Project Gutenberg-tm and future generations.
+To learn more about the Project Gutenberg Literary Archive Foundation
+and how your efforts and donations can help, see Sections 3 and 4
+and the Foundation web page at http://www.pglaf.org.
+
+
+Section 3. Information about the Project Gutenberg Literary Archive
+Foundation
+
+The Project Gutenberg Literary Archive Foundation is a non profit
+501(c)(3) educational corporation organized under the laws of the
+state of Mississippi and granted tax exempt status by the Internal
+Revenue Service. The Foundation's EIN or federal tax identification
+number is 64-6221541. Its 501(c)(3) letter is posted at
+http://pglaf.org/fundraising. Contributions to the Project Gutenberg
+Literary Archive Foundation are tax deductible to the full extent
+permitted by U.S. federal laws and your state's laws.
+
+The Foundation's principal office is located at 4557 Melan Dr. S.
+Fairbanks, AK, 99712., but its volunteers and employees are scattered
+throughout numerous locations. Its business office is located at
+809 North 1500 West, Salt Lake City, UT 84116, (801) 596-1887, email
+business@pglaf.org. Email contact links and up to date contact
+information can be found at the Foundation's web site and official
+page at http://pglaf.org
+
+For additional contact information:
+ Dr. Gregory B. Newby
+ Chief Executive and Director
+ gbnewby@pglaf.org
+
+
+Section 4. Information about Donations to the Project Gutenberg
+Literary Archive Foundation
+
+Project Gutenberg-tm depends upon and cannot survive without wide
+spread public support and donations to carry out its mission of
+increasing the number of public domain and licensed works that can be
+freely distributed in machine readable form accessible by the widest
+array of equipment including outdated equipment. Many small donations
+($1 to $5,000) are particularly important to maintaining tax exempt
+status with the IRS.
+
+The Foundation is committed to complying with the laws regulating
+charities and charitable donations in all 50 states of the United
+States. Compliance requirements are not uniform and it takes a
+considerable effort, much paperwork and many fees to meet and keep up
+with these requirements. We do not solicit donations in locations
+where we have not received written confirmation of compliance. To
+SEND DONATIONS or determine the status of compliance for any
+particular state visit http://pglaf.org
+
+While we cannot and do not solicit contributions from states where we
+have not met the solicitation requirements, we know of no prohibition
+against accepting unsolicited donations from donors in such states who
+approach us with offers to donate.
+
+International donations are gratefully accepted, but we cannot make
+any statements concerning tax treatment of donations received from
+outside the United States. U.S. laws alone swamp our small staff.
+
+Please check the Project Gutenberg Web pages for current donation
+methods and addresses. Donations are accepted in a number of other
+ways including checks, online payments and credit card donations.
+To donate, please visit: http://pglaf.org/donate
+
+
+Section 5. General Information About Project Gutenberg-tm electronic
+works.
+
+Professor Michael S. Hart is the originator of the Project Gutenberg-tm
+concept of a library of electronic works that could be freely shared
+with anyone. For thirty years, he produced and distributed Project
+Gutenberg-tm eBooks with only a loose network of volunteer support.
+
+
+Project Gutenberg-tm eBooks are often created from several printed
+editions, all of which are confirmed as Public Domain in the U.S.
+unless a copyright notice is included. Thus, we do not necessarily
+keep eBooks in compliance with any particular paper edition.
+
+
+Most people start at our Web site which has the main PG search facility:
+
+ http://www.gutenberg.org
+
+This Web site includes information about Project Gutenberg-tm,
+including how to make donations to the Project Gutenberg Literary
+Archive Foundation, how to help produce our new eBooks, and how to
+subscribe to our email newsletter to hear about new eBooks.
+
+
+</pre>
+
+</body>
+</html>
diff --git a/LICENSE.txt b/LICENSE.txt
new file mode 100644
index 0000000..6312041
--- /dev/null
+++ b/LICENSE.txt
@@ -0,0 +1,11 @@
+This eBook, including all associated images, markup, improvements,
+metadata, and any other content or labor, has been confirmed to be
+in the PUBLIC DOMAIN IN THE UNITED STATES.
+
+Procedures for determining public domain status are described in
+the "Copyright How-To" at https://www.gutenberg.org.
+
+No investigation has been made concerning possible copyrights in
+jurisdictions other than the United States. Anyone seeking to utilize
+this eBook outside of the United States should confirm copyright
+status under the laws that apply to them.
diff --git a/README.md b/README.md
new file mode 100644
index 0000000..f54af50
--- /dev/null
+++ b/README.md
@@ -0,0 +1,2 @@
+Project Gutenberg (https://www.gutenberg.org) public repository for
+eBook #21283 (https://www.gutenberg.org/ebooks/21283)