summaryrefslogtreecommitdiff
path: root/27542-h
diff options
context:
space:
mode:
authorRoger Frank <rfrank@pglaf.org>2025-10-15 02:35:18 -0700
committerRoger Frank <rfrank@pglaf.org>2025-10-15 02:35:18 -0700
commit729dab9592c6c9e21804578ea7981d3bed311f97 (patch)
tree13b18835062d52a103a9e07a906530e5a9007520 /27542-h
initial commit of ebook 27542HEADmain
Diffstat (limited to '27542-h')
-rw-r--r--27542-h/27542-h.htm1285
1 files changed, 1285 insertions, 0 deletions
diff --git a/27542-h/27542-h.htm b/27542-h/27542-h.htm
new file mode 100644
index 0000000..831ec6e
--- /dev/null
+++ b/27542-h/27542-h.htm
@@ -0,0 +1,1285 @@
+<!DOCTYPE HTML PUBLIC "-//W3C//DTD HTML 4.0 Transitional//EN">
+<html lang="pt">
+<head>
+ <title>Centenario de José Estevão, por Magalhães Lima</title>
+ <meta http-equiv="content-type" content="text/html; charset=iso-8859-15">
+ <meta name="Author" content="Sebastião de Magalhães Lima">
+ <meta name="Date" content="1910">
+ <style type="text/css">
+ @media print {
+ .pagenum { visibility: hidden;}
+ }
+ @media handheld {
+ .pagenum { visibility: hidden;}
+ }
+ body{width: 35em; margin: auto;}
+ .pagenum {
+ text-indent: 0em;
+ position: absolute;
+ left: 92%;
+ font-size: smaller;
+ text-align: right;
+ color: silver;
+ }
+ .pagenum a {color: silver;}
+ h1, h2 { text-align: center; margin-top: 3em;}
+ #capa {text-align: center; border: solid 1px #000000;}
+ #corpo p {text-align: justify; text-indent: 1em;}
+ </style>
+</head>
+
+<body>
+
+
+<pre>
+
+The Project Gutenberg EBook of O Centenario de José Estevão, by
+Sebastião de Magalhães Lima
+
+This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with
+almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or
+re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included
+with this eBook or online at www.gutenberg.org
+
+
+Title: O Centenario de José Estevão
+ Homenagem da Maçonaria Portugueza
+
+Author: Sebastião de Magalhães Lima
+
+Release Date: December 16, 2008 [EBook #27542]
+
+Language: Portuguese
+
+Character set encoding: ISO-8859-1
+
+*** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK O CENTENARIO DE JOSÉ ESTEVÃO ***
+
+
+
+
+Produced by Pedro Saborano. A partir da digitalização
+disponibilizada pela bibRIA.
+
+
+
+
+
+
+</pre>
+
+<div style="text-align: center;">
+<p>&nbsp;</p>
+<p style="font-size: 3em;"><span style="margin-right: 2em;">O Centenario</span>
+<br><span style="margin-left: 2em;">de José Estevão</span></p>
+
+<p style="font-size: 2em;">DISCURSO</p>
+
+<p>PRONUNCIADO NO THEATRO DE AVEIRO</p>
+
+<p style="font-size: 0.8em;">EM NOME DA</p>
+
+<p style="font-size: 2em;">Maçonaria Portugueza</p>
+</div>
+<p>&nbsp;</p>
+
+<div id="capa">
+<p>MAGALHÃES LIMA</p>
+
+<p style="font-size: 3em;"><span style="margin-right: 2em;">O Centenario</span>
+<br><span style="margin-left: 2em;">de José Estevão</span></p>
+
+<p style="font-size: 2em;">HOMENAGEM</p>
+
+<p style="font-size: 0.8em;">DA</p>
+
+<p style="font-size: 2em;">Maçonaria Portugueza.</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+<p>&nbsp;</p>
+<p>&nbsp;</p>
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p style="font-size: 0.8em;">LISBOA
+<br>
+Composto e impresso na Typ. La Bécarre, de F. Carneiro &amp; C.ª
+<br>
+47, Rua Nova do Almada, 49
+<br>
+1910</p>
+</div>
+
+<div style="text-align: center; font-size: 1.2em;">
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p><i>Aos</i></p>
+
+<p style="font-size: 2em;">Maçons Portuguezes</p>
+
+<p><i>Meus companheiros e meus Irmãos</i></p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+<p>&nbsp;</p>
+<p>&nbsp;</p>
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p style="text-align: left;">Lisboa, 26 de Dezembro de 1909.</p>
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p style="text-align: right;"><i>Magalhães Lima</i></p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+</div>
+
+<div id="corpo">
+<p>S<small>ENHORAS E</small> S<small>ENHORES:</small></p>
+
+<p>A vossa manifestação toca profundamente o meu ser, faz vibrar a minha
+alma, não porque me lisongeie o applauso do publico, o applauso da galeria,
+que é tudo quanto ha de mais ephemero como ephemera é a espuma do mar que o
+vento leva (os persas adoravam o sol, quando estava no seu zenith e
+apedrejavam-no, quando desapparecia no horisonte; as folhas do loureiro são
+narcoticas, entorpecem e provocam o somno, e os idolos só são idolos, ai
+d'elles! emquanto se lhes não vêem os pés de barro!) mas porque reconheço
+quanto ha de sincero, de espontaneo, de effusivo e de tocante na vossa
+homenagem.</p>
+
+<h2><a name="SECTION00001000000000000000">Aveiro, pátria de José Estevão</a>
+</h2>
+
+<p>Bem se póde dizer, senhoras e senhores, que fômos criados e embalados no
+mesmo berço; que respirámos, juntos, o mesmo ar sadio da liberdade que nos
+trouxe a brisa do mar; que partilhámos das mesmas alegrias; que pranteámos
+nos mesmos pesares e que bebemos pela taça da mesma amisade effusiva. Em
+Aveiro, tenho a minha familia natural e a minha familia espiritual&mdash;que sois
+todos vós! Perante a minha razão, ambas são egualmente legitimas. Fomos
+companheiros e somos irmãos. Por isso podeis bem imaginar, podeis bem
+aquilatar, com que intimo alvoroço, com que profundo recolhimento, venho hoje
+aqui, n'este dia solemnissimo (<i>sursum corda!</i>) em que o corpo se me
+curva, ao mesmo tempo pelos annos e pela commoção, semelhantemente a uma
+arvore amada, tronco bemdito, tronco sagrado! que afagámos em criança e que
+vimos crescer; sim, repito, podeis bem imaginar e aquilatar com que
+entranhada devoção, venho hoje aqui<span class="pagenum"><a id="pag_6" name="pag_6">[6]</a></span> recordar antigos
+camaradas queridos que cairam na estacada, ao sôpro de ventos inclementes,
+porventura impiedosos. E entre outros, apraz-me citar Mendes Leite, Bento e
+Bernardo Magalhães, Agostinho Pinheiro, Francisco Rezende, Manuel Firmino de
+Almeida e Maia, Almeida Vilhena, Julio Pereira de Carvalho e Costa, Manuel de
+Mello Freitas, Chrispiniano da Fonseca, Manuel Gonçalves de Figueiredo, e
+tantos outros que alentaram a minha mocidade e foram para mim como que
+arco-iris luminosos na primavera da vida.</p>
+
+<p>Não procuro inquirir das suas ideias politicas, nem isso importa, n'um
+momento em que todos os aveirenses, ousarei mesmo dizer, em que todos os
+portuguezes estão ligados, unidos, estreitados e vinculados pelo mesmo
+pensamento, pelo mesmo sentimento e pela mesma vontade. A hora é para a
+conciliação: não é para a repulsão. A hora é para o amor e para a concordia:
+não é para o odio e para a vindicta. É uma hora de jubileu nacional que não
+comporta nem sectarismos nem exclusivismos.</p>
+
+<p>Um mixto de melancholia pungente e de alegria intensa me domina e
+avassala: de tristeza pelos que desappareceram, sombras queridas atraz das
+quaes corremos em vão, numa ancia febril, quasi infantil; de alegria, pelos
+que, escapados ao naufragio, eu vim hoje aqui celebrar, glorificar e
+acclamar, com o desvanecimento com que os antigos romanos exclamavam,
+orgulhosos: <i>civis romanus sum</i>, sou cidadão romano; com o orgulho com
+que Miguel Angelo bradava nos ultimos annos da sua vida: <i>Anch'io sono
+pittore</i>, ainda sou pintor. Com esse mesmo desvanecimento poderei
+exclamar: <i>sou cidadão aveirense</i>. Com esse mesmo orgulho, o orgulho de
+Pericles, depois da segunda derrota do Peleponeso, poderei bradar: <i>eu de
+mim sou o que era e estou onde sempre estive!</i> </p>
+
+<p>Como poderia occultar, com effeito, o enternecimento que me enche o
+coração, n'uma onda de amor, n'uma emoção intraduzivel, ao encontrar-me de
+novo n'esta pittoresca cidade de Aveiro, onde, através um delicioso
+kaleidoscopio, entrevejo, em doce visão, o cysne do Vouga, na sua alvura
+immaculada, como o cysne do <i>Lohengrin</i>; em Aveiro, a minha patria
+adoptiva, <i>terra mater</i>, onde jazem os restos mortaes de uma mãe
+adorada; onde deixei o exemplo sugestivo de um pae honrado e forte; onde
+tenho um irmão, exemplar raro de elevação moral e intellectual; onde recebi,
+pela primeira vez, a palavra de ordem, para os rudes combates da existencia;
+onde, semelhantemente ao peregrino, ao romeiro que, depois de ter percorrido
+longinquas paragens, regressa ao lar, não para topar com a desillusão<span class="pagenum"><a id="pag_7" name="pag_7">[7]</a></span> cruel, como o Frei Luiz de Sousa, mas como o Fausto da lenda,
+para reviver na sua Margarida fiel, isto é, no coração fiel&mdash;venho encontrar
+alguns d'aquelles que tanto amei, como eu, pendidos para o crepusculo. Como
+poderia occultar-vos o immenso jubilo de que estou possuido, ao vêr n'esta
+sala alguns dos legitimos representantes dos que, pela liberdade viveram e
+por ella soffreram e se sacrificaram, legando-nos o difficil mas grato
+encargo, não só de a conservar e de a defender, de a mantêr integra, como a
+bandeira de um regimento, senão tambem o de accrescentar novas victorias ás
+antigas victorias, aos antigos triumphos novos triumphos. N'esta religião,
+toda de piedade, de amor, de carinho, tenho educado o meu espirito e n'ella
+espero morrer.</p>
+
+<p>A amizade é um beneficio dos deuses, diziam os gregos. Emilio Castelar, a
+quem eu devi uma das raras consagrações da minha vida, depois de umas
+ligeiras escaramuças que tivemos na imprensa hespanhola, e que arrefeceram um
+tanto as nossas relações pessoaes, aproveitando uma das visitas da princeza
+Ratazzi a Lisboa, escreveu-me uma longa carta, na qual, entre outras coisas,
+me dizia o seguinte: «As luctas da politica, meu querido amigo, por mais
+gloriosas e brilhantes, não valem uma boa affeição que inunda os nossos
+corações de uma luz radiosa, divina, a unica capaz de espancar as trevas da
+discordia.»</p>
+
+<p>Quando se chega á minha edade&mdash;já Lamartine o constatava&mdash;vive-se muito de
+recordações. Recordar, n'este caso, é resuscitar; é evocar a ala dos
+namorados que nos tempos heroicos de mosqueteiro se batiam, quando não
+morriam, pela sua dama idolatrada. E a dama, para mim, foi sempre e é ainda a
+Ideia, a boa, a grande, a generosa Ideia; a origem de todos os
+commettimentos, de todas as audacias, de todos os heroismos; a Ideia, doce
+noiva espiritual, que não atraiçôa como os homens, que consola e faz viver; a
+Ideia, estrella, guia, pharol, que nos conduz á Terra da Promissão; a Ideia,
+mais poderosa do que os grandes potentados da terra, mais forte do que todos
+os exercitos do mundo, a Ideia em marcha não é outra coisa senão a propria
+humanidade descrevendo, através a historia e os seculos, a sua trajectoria
+luminosa, do mesmo modo que os astros nos espaços obedecem á lei da
+gravitação universal.</p>
+
+<p>Athenas, com os seus monumentos&mdash;exclamava Castelar&mdash;Roma com as suas
+leis; Florença com as suas artes da Renascença; Veneza com a sua bussola;
+Pisa com a sua lei do pendulo; Strasburgo com a imprensa; o
+telephone,&mdash;acerescentarei&mdash;o telegrapho sem fios, o<span class="pagenum"><a id="pag_8" name="pag_8">[8]</a></span> automobilismo, o balão dirigivel, o aeroplano&mdash;que representa
+tudo isso senão a Ideia illuminando o mundo, como a collossal estatua da
+Liberdade que se encontra á entrada do porto de Nova-York?</p>
+
+<p>Nada mais consolador e fortificante do que recordar nomes queridos e
+saudosissimos e relembrar sitios, onde, na despreoccupação dos annos, na
+suavidade bucolica de Virgilio, vivi as minhas primeiras illusões, povoadas
+pelas abelhas do Himeto, como o philosopho que da sua torre de marfim vê o
+mundo côr de rosa, através uma atmosphera diaphana e transparente.</p>
+
+<h2><a name="SECTION00002000000000000000">A supremacia moral</a></h2>
+
+<p>Felizes os que, longe do embate, do choque das paixões brutaes e
+grosseiras, das ambições illegitimas e inconfessaveis, dos odios implacaveis,
+podem manter uma juventude espiritual, a eterna juventude, divinizada por
+Petrarcha, amando a Vida e o Universo, na triplice manifestação de belleza,
+de verdade e de justiça.</p>
+
+<p>É essa mocidade espiritual, ou, antes, essa força moral que caracterisa o
+sabio, o philosopho, o poeta, o artista, emfim todos os privilegiados do
+espirito e do coração.</p>
+
+<p>E foi seguramente essa mocidade espiritual, essa grande e poderosa força
+moral que, mais do que nenhuma outra, caracterisou esse homem raro, unico,
+excepcional, que viemos hoje aqui celebrar n'um frémito unisono dos nossos
+corações, na suprema vibração das nossas almas; a palavra feita luz, o verbo
+feito marmore, mais poderoso do que os thronos dos Cesares, do que as tiáras
+dos pontifices&mdash;José Estevão Coelho de Magalhães&mdash;personalidade de granito;
+cidadão feito para a antiga Roma que não para o Baixo Imperio de uma
+sociedade corrupta; o ideal da liberdade, do amor, da justiça, da emancipação
+humana, na sua maior elevação moral e civica, o ideal da patria, d'esse
+patriotismo que teve o seu echo triumphal no hymno da <i>Maria da Fonte</i>,
+como os revolucionarios de 89 o tiveram na sua immortal <i>Marselheza</i>.</p>
+
+<p>Superior á força das bayonetas dos Hapsburgos, na Austria, de Eduardo III,
+em Inglaterra, de Carlos V e Filippe II, em Hespanha, de Luiz XIV e Napoleão
+I, em França, não cessarei de o repetir&mdash;está a acção moral do individuo que
+foi, é e será sempre o segredo da civilisação. O homem não foi feito para um
+eterno martyrio e para repellir eternos attentados. Ha uma coisa superior a
+todas as luctas violentas: o dever reciproco. O methodo da civilisação não se
+conquista,<span class="pagenum"><a id="pag_9" name="pag_9">[9]</a></span> porém, com a mesma facilidade com que se conquista
+uma praça forte.</p>
+
+<p>As procellas, as trombas, os cyclones&mdash;dizia o inclito Ruy Barbosa, n'um
+dos seus discursos gravados em bronze&mdash;devastam mas não duram. O que não
+passa é o oceano de verdades eternas, indifferentes ao rugir das paixões
+contemporaneas, e por sobre elle a immensidade siderea das almas, que és tu,
+ó liberdade!</p>
+
+<p>As demagogias são cataclysmos passageiros. Quasi todas as revoluções de
+vertigem popular naufragaram na dictadura. Só são definitivas as revoluções
+do direito e pelo direito: a que descaptivou a Hollanda, no seculo XVI; a que
+renovou a Inglaterra, no seculo XVII; a que organisou as colonias
+anglo-americanas, no seculo XVIII, e a que fizeram, no seculo XIX, a America
+latina, a Belgica, a Italia e a Grecia.</p>
+
+<p>Ao contrario de Carlysle, que via na historia a obra pessoal e quasi
+exclusiva de alguns que elle denominou heroes ou grandes homens, Michelet, o
+seductor Michelet, via na historia a obra das multidões, a obra do povo, o
+protogonista de todas as revoluções.</p>
+
+<p>Qual das duas theorias, qual dos dois criterios philosophicos será o
+verdadeiro?</p>
+
+<p>Eu creio que ambos, porque, assim como a acção completa o pensamento,
+assim tambem a Revolução completa a evolução.</p>
+
+<p>Foi certamente Camillo Desmoulins, quem, no Palais Royal, n'uma noite, ao
+mesmo tempo tragica e festiva, interpretando o sentimento francez, e, mais do
+que o sentimento francez, o sentimento humano, soltou o grito
+libertador&mdash;<i>Á Bastilha!</i> Mas foi a população do bairro de Santo
+Antonio, composta de esfarrapados, de famintos, de andrajosos, de <i>sans
+culottes</i>, da canalha, na linguagem da Ordem, quem a assaltou e a
+derrubou. Quero referir-me á Bastilha franceza, do seculo XVIII, porque,
+depois d'isso, quantas Bastilhas se ergueram e quantas estão ainda de pé,
+para vergonha da civilisação e da humanidade!</p>
+
+<p>Foi, sem duvida, Emilio Zola quem, no processo Dreyfus, interpretando
+ainda o sentimento humano, soltou aquell'outro não menos formidavel brado:
+<i>Accuso!</i> Mas foi a opinião mundial, foi a consciencia collectiva, quem
+lhe deu a victoria, assim como foi a opinião mundial, a consciencia
+collectiva, quem denunciou o assassinio judiciario de Francisco Ferrer. Não
+foram os Pyrineus que separaram momentaneamente a Hespanha da Europa; não foi
+o Oceano que a separou da America: foi o carrasco, com as mãos retintas de
+sangue, quem a isolou do mundo civilisado.<span class="pagenum"><a id="pag_10" name="pag_10">[10]</a></span></p>
+
+<p>Foi Leão Tolstoi quem proclamou a recusa ao serviço militar, como meio de
+acabar com as guerras que ensanguentam a humanidade. Mas foram as massas
+populares, foram os intellectuaes, que julgam sempre em ultima instancia,
+tribunal acima do qual não ha, não póde haver, outro tribunal, quem lhe
+assegurou o triumpho moral.</p>
+
+<p>Isto quer dizer, que a iniciativa individual só é fecunda, quando coroada
+pelo esforço collectivo. Entregue e abandonada a si, raramente consegue
+vencer.</p>
+
+<p>Os homens só são grandes e só poderão chamar-se heroes, quando vivem para
+os seus semelhantes, quando os seus corações pulsam e vibram com o coração do
+povo, n'um mesmo ideal e n'uma mesma aspiração!</p>
+
+<h2><a name="SECTION00003000000000000000">Os heroes</a></h2>
+
+<p>Serão, porém, admissiveis os heroes?</p>
+
+<p>O proprio tribuno, no seu famoso discurso da <i>Charles et George</i>,
+illuminado pelo mais ardente patriotismo, repudia-os com aversão. <i>Detesto
+os heroes todos. Os heroes são excepções monstruosas da nossa
+natureza</i>&mdash;dizia elle.</p>
+
+<p>Aqui revela-se o precursor do pacifismo, isto é, da justiça integral e da
+paz universal, que hoje preoccupa e absorve todos os grandes pensadores do
+Universo. Porque José Estevão foi, principalmente, um illuminado, um vidente,
+um precursor, como tentarei provar na sequencia do meu discurso.</p>
+
+<p>José Estevão repudiava certamente os heroes que se assignalam nos campos
+da batalha, devastando como cyclones, matando como assassinos, roubando como
+ladrões, os heroes, synonimos de guerra e de conquista.</p>
+
+<p>A guerra! Ironia pungente, sarcasmo cruel da civilisação! </p>
+
+<p>Uma pobre mulher do povo amamenta o filho com o sacrificio do proprio
+sangue; instrue-o e educa-o com o sacrificio do proprio estomago; e, quando a
+creança se torna um homem, um operario, um trabalhador, de modo a poder
+amparal-a n'uma velhice repousada, vem a ordem soberana em nome da lei, e
+manda-o para os campos de batalha, como se mandam as rezes para o
+matadouro&mdash;para o matar...</p>
+
+<p>Mas José Estevão não podia repudiar, com a mesma aversão, os heroes que se
+assignalam no campo do pensamento, melhorando as condições da existencia,
+tornando os homens mais felizes, porque elle foi a encarnação mais pura, mais
+viva, mais authentica d'esse heroismo.<span class="pagenum"><a id="pag_11" name="pag_11">[11]</a></span></p>
+
+<p>Que são, com effeito, os heroes da antiguidade, Annibal, Cesar, Napoleão,
+comparados com os heroes do nosso tempo, com os Berthelot, com os Pasteur,
+com os Victor Hugo, com os Curie, com os Edison, com os Darwin, com os
+Herbert Spencer, com todos os bemfeitores da humanidade, emfim?</p>
+
+<p>Heroe, n'esta accepção, é synonimo de soberania moral e intellectual. E
+foi esta soberania que José Estevão exerceu na sociedade portugueza e que o
+fez entrar na immortalidade da historia.</p>
+
+<p>«<i>A supremacia moral é o unico poder verdadeiro. Os caracteres
+superiores e os superiores talentos são aquelles que têem tanta perspicacia
+para conhecer a verdade, como força para propugnar por ella.</i>»</p>
+
+
+<h2><a name="SECTION00004000000000000000">A psychologia de José Estevão</a></h2>
+
+<p>Não nos precipitemos, porém.</p>
+
+<p>Para bem penetrar a psychologia de um homem celebre, torna-se mister
+averiguar, inquirir, investigar o meio em que se desenvolveram as suas
+faculdades, em que se expandiu a sua acção moral e social.</p>
+
+<p>José Estevão nasceu em Aveiro.</p>
+
+<p>Quantas vezes, na sua predilecta Costa Nova do Prado, o mar, na sua
+immensidade, na sua grandeza, na sua magestade, o mar gigante e indomavel,
+provocando a nostalgia de mundos infinitos, lhe não teria suggestionado
+alguns dos mais bellos pensamentos dos seus discursos emocionantes? Quantas
+vezes não teria comparado o oceano com as grandes revoluções da historia,
+pelo seu correr impetuoso, pelo seu rugir leonino? E, quantas vezes, o não
+teria cotejado com a humanidade, quer nas horas de bonança, quer nas horas
+terriveis em que a onda galga o rochedo e invade, alterosa, a praia, como
+protesto contra a intrusão dos homens, e que é a perfeita imagem das horas
+tragicas da insurreição, que para os povos calcados, pisados e escravisados
+representa um direito, muitas vezes um dever, e, algumas vezes tambem, uma
+necessidade.</p>
+
+<p>José Estevão nasceu em Aveiro.</p>
+
+<p>E, assim como a população dos centros industriaes é naturalmente propensa
+ás ideias socialistas, a população das terras maritimas é naturalmente
+propensa ás ideias republicanas, talvez pela independencia que só a natureza
+póde dar.</p>
+
+<p>Sempre me hei de lembrar que encontrei nos pescadores de Aveiro os meus
+primeiros adeptos e nunca esquecerei a galhardia, o garbo, a intrepidez com
+que os vi marchar, através as ruas de Lisboa, no cortejo<span class="pagenum"><a id="pag_12" name="pag_12">[12]</a></span> civico do tri-centenario de Camões, ladeando o carro do
+<i>Commercio e Industria</i>.</p>
+
+<p>Foi um passeio triumphal que lhes preparei que redundou n'uma immensa
+apotheose, apotheose romana, a Aveiro e aos aveirenses.</p>
+
+<p>O pescador e o mineiro são para mim as duas entidades mais sympathicas e
+que mais me enternecem.</p>
+
+<p>É preciso ter descido a uma mina, como eu desci, na Belgica, para se
+avaliar o que representa em esforço, em sacrificio, em abnegação, em
+heroismo, a vida do mineiro.</p>
+
+<p>N'uma especie de ascensor, improvisado com taboas e cordas, desci
+trezentos metros abaixo do solo&mdash;a altura da Torre Eiffel, de Paris. As
+galerias são percorridas pelos wagonetes que assentam em <i>rails</i> n'uma
+extensão de muitos kilometros. O mineiro, mascando o carvão para illudir a
+propria fome, está ordinariamente de costas, com a lanterna cingida á testa
+ou ao ventre, de picareta em punho, para melhor poder extrahir o minerio. Os
+trabalhadores formam dois turnos: um que desce ás 6 da manhã e sóbe ás 6 da
+tarde, e outro que desce ás 6 da tarde e sóbe ás 6 da manhã.</p>
+
+<p>E tal é o terror que os domina, ao descerem aos poços, que a muitos vi eu,
+com espanto, persignarem-se e benzerem-se, como quem se despede da luz e não
+tenciona mais regressar.</p>
+
+<p>São escolhidos de preferencia os celibatarios. Até as alegrias da familia
+lhes são defesas! E quantos não vão encontrar a cegueira, e quantos não vão
+encontrar a mais affrontosa das mortes n'aquellas catacumbas immensas!</p>
+
+<p>E, ao passo que as companhias mineiras dão aos seus accionistas 20, 30, 40
+e 50 por cento de dividendo, o mineiro ganha o indispensavel para não morrer
+de fome. Alli, constatei, como tinha egualmente constatado na Bolsa de
+Berlim, vasta <i>menagerie</i> de feras ambiciosas, quanto o socialismo tem
+uma razão logica de ser. Permitti, senhores, que exclame, com Paulo Luiz
+Courier: <i>Ó grandes da terra, olhae para o que se passa e tende juizo se
+podeis!</i></p>
+
+<p>Do pescador, nada vos direi, porque todos vós conheceis a sua temeridade e
+o seu arrojo, expondo a vida com a serenidade dos grandes heroes, para
+alimentarem os seus semelhantes.</p>
+
+<p>Ainda por occasião do cortejo civico do tri-centenario de Camões, Ramalho
+Ortigão, na occasião em que se organisava a procissão, no Terreiro do Paço,
+tomando-me do braço, levou-me a vêr o que elle chamava os seus pescadores, os
+povoeiros, os pescadores da Povoa de Varzim, e indicando-me um, disse-me:
+este salvou seis vidas. Tinha o<span class="pagenum"><a id="pag_13" name="pag_13">[13]</a></span> peito coberto de medalhas,
+como os generaes famosos. Por meu turno, tomando-o tambem pelo braço, fui
+mostrar-lhe aquelles a que eu chamava os meus pescadores, os pescadores de
+Aveiro, e indicando-lhe um, accrescentei: este salvou 12 vidas. Não tinha uma
+unica medalha ao peito. Bem se via que era da patria de José Estevão!</p>
+
+<p>José Estevão bebeu no berço o leite da liberdade, se assim me posso
+exprimir; e, chegado á edade da razão, acompanhou em espirito a mais
+cosmopolita de todas as revoluções&mdash;a revolução de 1848.</p>
+
+<p>Um seu e meu dilecto amigo, José Elias Garcia, alludindo ao facto,
+disse-me um dia: «Quando esse movimento, que tantas esperanças havia
+alimentado, fracassou em França, houve alguem que chorou em Portugal. Esse
+alguem fui eu.»</p>
+
+<p>Nenhuma revolução logrou, com effeito, como esta, apaixonar e commover os
+espiritos, pelo seu sentimentalismo idealista e humanitario. </p>
+
+<h2><a name="SECTION00005000000000000000">O socialista</a></h2>
+
+<p>O sentimento de então transformou-se, porém, n'uma realidade positiva,
+moral e humana que hoje assoberba o mundo e ameaça abalar a sociedade pelos
+alicerces, tendo invadido até as espheras governamentaes.</p>
+
+<p>Lloyd George, um digno continuador de Lincoln, o rachador de lenha, que,
+pelos proprios meritos, chegou á presidencia da Republica dos Estados Unidos
+da America, ao apresentar o seu orçamento á Camara dos Communs, exclamou:
+«Que ninguem se illuda! O meu orçamento é um orçamento de guerra, de guerra
+contra o pauperismo que todo o governo tem obrigação de attenuar, senão de
+extinguir.» N'um <i>meeting</i>, em Londres, onde me foi dado ouvil-o,
+confirmou esta phrase e accrescentou: «É uma guerra entre os que possuem e os
+que não possuem, entre o rico e o pobre, uma guerra entre a democracia
+socialista e a oligarchia financeira, entre o pacifismo e o imperialismo,
+entre o proteccionismo e o livre cambismo, entre a Inglaterra do passado, com
+todos os seus vicios, e a revolução no sentido governamental da palavra. É
+preciso fazer desapparecer, em nome da civilisação, os contrastes que
+envergonham uma cidade como Londres. Ao passo que, no primeiro hotel da
+cidade, no <i>Cecil Hotel</i>, se banqueteiam todas as noites, em festins
+romanos, os <i>lords</i>, os fidalgos, os burguezes, fazendo espumar o
+<i>Champagne</i> como as aguas da cataracta do Niagara, na trazeira do mesmo
+edificio que confina com o Tamisa centenares de vagabundos, de miseraveis,
+sem pão e sem trabalho,<span class="pagenum"><a id="pag_14" name="pag_14">[14]</a></span> o que equivale a dizer sem patria,
+achegados uns aos outros, para receberem dos seus semelhantes o calor que o
+proprio sangue lhes não dá, cobrem o corpo com folhas de jornaes, para não
+morrerem inteiramente gelados. Qualquer <i>lord</i>, que é a expressão da
+ociosidade e do parasitarismo, não vale uma unica das minhas medidas!»</p>
+
+<p>Quando cheguei a Londres, Kropotkine disse-me: «A Inglaterra é o paiz mais
+supersticioso do mundo. Estando em Brighton, e chovendo ligeiramente, abri o
+meu chapeu de chuva. Das janellas de uma casa para a qual eu me dirigia, duas
+meninas gritaram angustiosamente: Feche o chapeu, sr. Kropotkine! Obedeci
+automaticamente. Mas, perguntando depois o motivo de tal afflicção, ellas
+responderam-me: Ora essa! Pois não sabe? Entrar n'uma casa com o guarda-chuva
+aberto é morte certa.»</p>
+
+<p>No fundo de cada inglez ha um pastor protestante, como no fundo de cada
+francez ha um pequeno Napoleão, como no fundo de cada hespanhol ha um D.
+Quixote, como no fundo de cada portuguez ha um frade. A Inglaterra é um mixto
+de tradicção medieval e de progresso moderno. O socialismo quer e procura
+emancipal-a dos vicios do passado. E são o partido do trabalho, o
+syndicalismo operario, as sociedades eticas, por sobre as quaes paira o
+espirito de Herbert Spencer, que se impõem pela sua grandeza moral. É o
+quarto estado que surge com as suas legiões de trabalhadores, para, á
+semelhança do Mazzanielo napolitano, reclamar os seus direitos, isto é, o
+logar que lhe compete n'uma sociedade organisada. É um velho mundo que desaba
+e uma aurora que se ergue, radiosa, sobre as ruinas do passado!</p>
+
+<p>«<i>Não ha nações morgadas nem familias morgadas</i>&mdash;disse José
+Estevão.&mdash;<i>A humanidade não cabe no mundo com o seu numero e com as suas
+aspirações. E esta verdade, que se tornou experimental, tornou impossivel a
+existencia da propriedade territorial, inculta e abandonada, quer pelas mãos
+dos individuos, quer pelas mãos dos povos. O trabalho é o principio e o
+complemento de todo o direito de possuir.</i>»</p>
+
+<p>E era de vêr o ardor com que elle combatia os impostos indirectos:
+«<i>Detesto, acho repugnante, altamente injusto, radicalmente antidemocratico
+e desigual, o imposto indirecto.</i>»</p>
+
+<p>Com respeito ás leis da usura: «<i>Se ellas estão revogadas pelos poderes
+da terra, ainda estão vigentes para as almas nobres, e eu hei de ser sempre
+anachronico nos sentimentos de indignação que voto á classe que trafica com a
+miseria e o suor dos seus semelhantes.</i>»</p>
+
+<p><span class="pagenum"><a id="pag_15" name="pag_15">[15]</a></span>O socialismo era para José Estevão <i>um progresso</i>. O
+seu apparecimento tornava-se <i>urgente</i>. <i>Utopia</i> só podia ser o
+<i>estacionamento</i>!&mdash;exclamou.</p>
+
+<h2><a name="SECTION00006000000000000000">O democrata</a></h2>
+
+<p>José Estevão, estimulado pelas ideias humanitarias do seu tempo, fez parte
+do primeiro triumvirato republicano. As suas tendencias reflectiram-se na
+admiração que professava por Lamartine.</p>
+
+<p>É mr. de Lamartine&mdash;dizia&mdash;<i>um poeta que carpiu as miserias da
+humanidade; que cantou as suas glorias; que excitou os seus melhores
+instinctos; que levantou a coragem dos povos; que acalmou as suas demasias;
+que, com a sua palavra, suspendeu as paixões revolucionarias da França; é
+n'esta composição moral e intellectual que, no meu presentimento, está o
+simulacro da fortuna politica e de todos os governos do mundo</i>.»</p>
+
+<p>O retrato foi feito por mão de mestre. Um episodio o demonstra. Um dia, o
+povo de Paris, como fera escapada da jaula do domador, pedia, defronte do
+palacio de Bourbon, a cabeça de Lamartine, o idolo da vespera.</p>
+
+<p>&mdash;A cabeça de Lamartine! ella aqui está&mdash;exclamou o tribuno, assomando a
+uma das janellas, na sua figura erecta e principesca, com a sua sobrecasaca
+abotoada.</p>
+
+<p>E aquella multidão, terrivel, colerica, ameaçadora, ante aquelle heroismo,
+bem superior ao heroismo dos campos de batalha, o heroismo que dá a
+serenidade, recuou, como vaga encapellada que se desfaz em espuma.</p>
+
+<p>É da historia e da logica que todos os que marcham na vanguarda de um
+movimento politico ou social paguem com a vida o serviço prestado aos seus
+semelhantes. Todo o apostolado tem o seu calvario. E o martyrio que tem o seu
+baptismo de sangue é sempre o mais fecundo.</p>
+
+<p>Em 1848 assignou com Oliveira Marreca&mdash;um santo que conheci e adorei&mdash;e
+Rodrigues Sampaio, um manifesto revolucionario que se destinava a fazer
+triumphar «<i>os principios democraticos, a causa das liberdades publicas e
+da emancipação dos povos</i>.»</p>
+
+<p>Ainda aqui se nos revela José Estevão o precursor do movimento
+democratico, como se nos revelou precursor, nos seus monumentaes discursos do
+<i>Porto Pireu</i> e das <i>Irmãs da caridade</i>.</p>
+
+<p>Na primeira d'estas orações, quando passa á historia da <i>ordem</i>&mdash;a
+ordem que forjou a espada organisadora de Nemrod; a ordem que<span class="pagenum"><a id="pag_16" name="pag_16">[16]</a></span> fez de um almocreve arabe o chefe de uma religião; a ordem que
+compôz o balsamo de Ferrabraz; a ordem que fez as botas de Carlos XII, o
+chapeu de Henrique IV e o casaco de Napoleão&mdash;é simplesmente admiravel.</p>
+
+<p>É um trecho eloquentissimo, unico no seu genero, pela elevação do conceito
+e energia da phrase, de uma rebeldia intensa, que Kropotkine assignaria com
+orgulho, pela ironia desdenhosa que revela e por todo um mundo de revolta que
+encerra.</p>
+
+
+<h2><a name="SECTION00007000000000000000">O anti-clerical</a></h2>
+
+<p>José Estevão não queria as irmãs da caridade, porque as considerava uma
+violação das leis do reino, d'aquellas que tinham levado ao throno a sr.ª D.
+Maria II, que nunca capitulou, dentro da esphera do poder e das sympathias,
+com aquellas invasões surrateiras do poder ecclesiastico, que para ella eram
+suspeitas de serem contrarias ao poder representativo.</p>
+
+<p>«Respeitemos essas leis,&mdash;dizia elle&mdash;porque vivemos por ellas. São as
+nossas leis, são o nosso coração, são a nossa vida, são a nossa historia.</p>
+
+<p>Com essas leis no pensamento, entrámos sete mil perseguidos, sete mil
+expatriados, que tinham mais do que nós essas leis no pensamento, porque
+tinham visto n'essas congregações religiosas os instigadores e os
+conselheiros de uma tyrannia nefanda; porque tinham visto sahir d'essas casas
+ou corporações religiosas cohortes de testemunhas falsas que tinham ido aos
+tribunaes, para levantar com os processos judiciaes os patibulos d'onde
+deviam cahir as cabeças d'aquelles que ellas tinham marcado como nefastos ao
+seu predominio...</p>
+
+<p>É preciso que nos convençamos de que não podemos salvar os objectos que
+veneramos, se não reunirmos todas as nossas forças constitucionaes e moraes,
+para desfazermos e contrariarmos as intrigas e os embustes, pelos quaes se
+quer repor outra vez no seu throno e predominio estas instituições que nós
+combatemos, destruimos e desfizemos.</p>
+
+<p>Taes instituições, pelas riquezas e influencias de familia, tornam-se
+nefastas aos poderes do Estado e ao exercicio das liberdades publicas.</p>
+
+<p> </p>
+
+<p>«Sou inimigo das irmãs da caridade,&mdash;dizia&mdash;porque as considero como um
+ataque ao principio de familia; e a caridade attribuida a uma<span class="pagenum"><a id="pag_17" name="pag_17">[17]</a></span> certa instituição, com o piedoso fim de educar as creanças e
+tratar dos enfermos nos differentes paizes da terra, é uma malicia ostentosa
+feita em nome de Deus.</p>
+
+<hr style="border: 0; border-bottom: dotted 2px #000000;">
+
+<p>«Não se queima só, queimando as carnes, carbonisando os ossos; queima-se
+apartando do coração, desfazendo e levando para longinquas paragens o que
+elle tem de mais caro.</p>
+
+<hr style="border: 0; border-bottom: dotted 2px #000000;">
+
+<p>«Sr. presidente, isto não é questão de irmãs da caridade, estão enganados;
+é mais alguma coisa, é a questão das ordens religiosas; é a sua elevação ao
+estado primitivo.»</p>
+
+<p> </p>
+
+<p>O espirito catholico congreganista é adverso aos principios liberaes e por
+isso carece de ser vigiado de perto. As irmãs da caridade são uma emanação do
+espirito jesuitico e em volta d'essa congregação juntaram-se todas essas
+ideias que ficaram desbaratadas e destruidas pela perseguição que se fez a
+essa instituição. A religiosidade, no sentido que lhe dão os theologos, não
+dispensa o culto externo; e o culto externo das irmãs da caridade é pouco
+consentaneo com as formas, com os costumes e com as prevenções da auctoridade
+civil.</p>
+
+<p>Foi justamente para provar que a mulher portugueza era tão boa ou melhor
+educadora que as irmãs de caridade francezas, expulsas do nosso paiz, graças
+ao seu formidavel libello, que José Estevão fundou o Asylo de S. João, com
+sede em Lisboa e Porto e que com muito prazer nos é dado representar n'este
+logar.</p>
+
+<p>O que pedem os liberaes?</p>
+
+<p>O rigoroso cumprimento dos decretos que não foram revogados: de Pombal que
+expulsou os jesuitas; de Joaquim Antonio de Aguiar que dissolveu as
+congregações religiosas e de Loulé e Braancamp relativo ás irmãs da
+caridade.</p>
+
+<p>Pedem a revogação do decreto de abril de 1901 (Hintze Ribeiro) que,
+prohibindo o noviciado e a clausura, dá, todavia, existencia legal ás
+congregações religiosas, desde que se trate de ensino e beneficencia que são
+precisamente as duas armas mais perigosas de que o clericalismo usa e abusa a
+seu talante e por causa das quaes foi expulso de França.</p>
+
+<p>A natureza offerece-nos universalmente um espectaculo desolador: a força
+triumphante. Mas o homem, sahido da longa evolução dos seres organisados,
+concebeu a noção da justiça e experimentou os transportes do amor, não do
+amor que se manifesta no calor do sol,<span class="pagenum"><a id="pag_18" name="pag_18">[18]</a></span> no perfume das flôres,
+no brilho das estrellas, no murmurio das aguas, no crescimento das arvores,
+mas do amor que se revela nos individuos, nas classes e nos povos
+solidarios.</p>
+
+<p>Brada-se a cada passo, clamei eu ha dias n'uma reunião, contra os bandos
+de mendigos, de vadios, de miseraveis, de analphabetos, que enxameiam, pelas
+ruas das grandes cidades, como se a culpa fosse d'elles, filhos espurios de
+uma sociedade madrasta. A culpa é toda nossa; a culpa é do egoismo
+collectivo. A vagabundagem, a mendicidade não se evita com a repressão, com
+as casas de correcção, com a esquadra policial. Evita-se e corrige-se com as
+casas de trabalho, com as colonias agricolas, com as créches, com escolas,
+como as nossas escolas liberaes e com asylos, como o Asylo de S. João.</p>
+
+<p>A estas manifestações de amor, chama-se solidariedade, que póde resumir-se
+n'esta palavra de ordem: viver para os seus semelhantes.</p>
+
+
+<h2><a name="SECTION00008000000000000000">A Maçonaria Portugueza</a></h2>
+
+<p>E, aqui, permitta-nos a assembleia que o Grão-Mestre da Maçonaria
+Portugueza preste uma homenagem calorosa, ardente e enternecida a quem tão
+alevantadamente a representou, a quem tão alevantadamente manteve o seu
+prestigio e o seu renome. E que ninguem se assuste! Muitas vezes vos terão
+dito, Senhoras, que a Maçonaria é uma sociedade de malfeitores.</p>
+
+<p>Se ser malfeitor é amar a humanidade, ouvir a voz da natureza que nos
+brada: Todos os homens são irmãos, todos constituem uma unica familia; se ser
+malfeitor é fazer o bem pelo amor do proprio bem e escutar a voz da
+consciencia; se ser malfeitor é amar a verdade, praticar a justiça, e
+proceder com rectidão; se ser malfeitor é obedecer á razão, esclarecida pela
+sciencia; se ser malfeitor é amar os bons, fugir dos maus, mas não odiar
+ninguem; se ser malfeitor é ser progressivo; se ser malfeitor é ser
+tolerante, regosijarmo-nos com a justiça e insurgirmo-nos contra a violencia
+e a iniquidade; se ser malfeitor é accender essa immensa fogueira a que se
+chama a escola; se ser malfeitor é arrancar uma faisca de cada syllaba
+soletrada; se ser malfeitor é desenvolver o cerebro da creança pela
+instrucção; se ser malfeitor é formar o caracter pela educação; se ser
+malfeitor é combater o prejuizo, o preconceito, o fanatismo, a superstição, o
+erro e a mentira; se ser malfeitor é viver para os nossos semelhantes; se ser
+malfeitor é moralisar pelo exemplo; nós, os maçons, reivindicamos, com
+orgulho, esse titulo de honra.</p>
+
+<p><span class="pagenum"><a id="pag_19" name="pag_19">[19]</a></span>José Estevão que, na <i>Flecha dos mortos</i>, como
+Baudin na barricada de Paris, affrontou as balas inimigas com bravura epica,
+José Estevão, soldado e tribuno, foi Grão-Mestre da Maçonaria portugueza,
+como o foi o general Gomes Freire de Andrade, enforcado na explanada da Torre
+de S. Julião da Barra, por ter commettido o enorme crime de ser portuguez
+n'um momento em que muitos eram inglezes. Umas modestas flores solitarias,
+cultivadas por mão amiga, á maneira das cruzes de madeira que o viandante
+encontra nas estradas desertas, attestam que n'aquelle logar se matou um
+homem. José Estevão foi Grão-Mestre, como o foi o duque de Loulé, como o foi
+José da Silva Mendes Leal, como o foram o conde de Paraty, o conde Valbom, o
+visconde de Ouguella, Bernardino Machado, o coronel Ferreira de Castro e o
+Conde das Antas; como o foi o illustre professor Antonio Augusto de Aguiar;
+como o foi o mallogrado chefe republicano José Elias Garcia, cujo enterro
+representou a apotheose de todos os que aspiram a uma patria livre; como foi
+Grão Mestre o rei Eduardo, de Inglaterra, e, como o é actualmente, o duque de
+Connaught, seu irmão; como foi Grão-Mestre o rei Oscar, da Suecia; como o
+foram José da Silva Carvalho e Passos Manuel; como o foram os imperadores
+Guilherme I e Frederico, da Allemanha, e, como o é ainda hoje, por intermedio
+do seu representante, o imperador Guilherme II; como foram maçons os
+patriotas de 1820.</p>
+
+<p>Um professor da Universidade Livre de Bruxellas, n'um livro recente sobre
+<i>Politica internacional</i>, affirma que a grande revolução de 89 não teria
+tido logar se não fosse a Maçonaria. Mirabeau, S.<sup>t</sup> Just, Sieyès,
+Camillo Desmoulins, Lafayette, Danton, Boissy d'Anglas foram maçons. Diderot
+pertenceu á Loja dos <i>Nove Irmãos</i>, de onde sahiu a <i>Declaração dos
+direitos do homem</i>. Foi maçon o sabio Littré, que, sendo iniciado na loja
+da <i>Clemente Amité</i>, tomou como divisa: «O principal dever do homem para
+comsigo mesmo é instruir-se; o principal dever do homem para com os seus
+semelhantes é instruil-os.»</p>
+
+<p>Por toda a parte se accentua uma tendencia para um fim determinado: a
+unidade espiritual da humanidade. Apparentemente separados, os espiritos
+criam e desenvolvem a consciencia da sua unidade. Apesar de não dependerem
+uns dos outros, encontram-se todavia, ligados por afinidades espirituaes,
+descendentes de uma mesma raça ou cidadãos de um mesmo Estado.</p>
+
+<p>Para os que conhecem os signaes do tempo, não são os Estados nacionaes que
+representam as unidades economicas predominantes, nem são tambem os systemas
+religiosos que levam os homens a fraternisar<span class="pagenum"><a id="pag_20" name="pag_20">[20]</a></span> uns com os
+outros: é a vida mundial á qual está cada vez mais subordinado o trabalho de
+cada individuo e de cada Estado; é a ideia de uma humanidade harmonica; é o
+internacionalismo que se revela como o culto do futuro. E a unica instituição
+que, através todas as perseguições e todas as vicissitudes, se tem mantido
+com caracter universal, é a Maçonaria.</p>
+
+<p>A mensagem de José Estevão, dirigida em 1862 ao povo maçonico, é de uma
+actualidade palpitante e dir-se-hia escripta ha poucos dias e ha poucas
+horas&mdash;tal era a sua previsão!</p>
+
+<p>«O que é a reacção que invadiu o nosso paiz senão um d'esses trabalhos
+insidiosos e solapados contra todos os grandes principios, porque a Maçonaria
+tem sempre combatido com tanta coragem e perseverança?</p>
+
+<p>«Esta fórma de combater não é a que elles preferem. Adoptam-n'a por
+necessidade. Se lhe fôra possivel n'um momento derrubar a obra da razão e da
+philosophia, não demoravam esta almejada catastrophe. Mas transigem com as
+circumstancias e adoptam o arbitrio de temporisar.</p>
+
+<p>«Os inimigos, porém, são os mesmos. Os gritos de peleja são os que eram
+bradados em tempo de mais poder. Agora segredam-nos, mas exprimem as mesmas
+paixões, os mesmos intuitos. Ao som d'elles, foram ganhas execraveis batalhas
+contra os fóros da humanidade. Agora, com as mesmas evocações, são
+praguejados os seus progressos e embaraçada a sua marcha no caminho da
+perfeição.</p>
+
+<p>«A Maçonaria deve acordar do seu lethargo, levantar a sua bandeira,
+inspirar-se das suas recordações, tomar o seu posto tradicional. Se assim não
+fizermos, trahimos o juramento que prestámos, injuriamos a memoria dos
+irmãos, nossos passados, e usurpamos o titulo de maçons, porque o não é,
+porque não merece tal nome aquelle que é tardo em acudir pela defeza dos
+principios da sua ordem, aquelle que se cança na lucta e deixa as armas no
+campo.</p>
+
+<p>«Cumpre á Maçonaria vigiar as praias da civilisação e ter bem policiados
+todos os signaes e precauções, para evitar aquelles enganos, desassustar a
+navegação, e tornar a viagem dos homens e das nações n'este mundo, mais
+certa, mais livre, mais virtuosa e mais honestamente aprazivel.»</p>
+
+<p>Meus senhores: Escreveu Maximo Gorki que ha duas maneiras de viver: a
+putrefacção que é propria das almas egoistas e vis e a combustão que
+representa o calor, a vida e o movimento.</p>
+
+<p>José Estevão viveu em plena combustão, e foi, em Portugal, não só o
+precursor do pacifismo, do socialismo, do movimento democratico,<span class="pagenum"><a id="pag_21" name="pag_21">[21]</a></span> do anarchismo scientifico e philosophico, do anti-clericalismo,
+senão tambem a mais alta encarnação do genio latino, ao qual a humanidade
+deve o nascimento e o renascimento da civilisação; d'esse genio que irradia
+sobre o mundo e que todos os dias, no dizer de Anatole France, nos dá mais
+sciencia, mais liberdade, mais belleza, uma justiça mais justa e leis
+melhores; d'esse genio que não morreu ainda, nem morrerá nunca, como alguns
+erradamente suppõem, porque tem na America a sua continuação e a sua
+immortalidade pela sua raça, pela sua historia, pela sua tradicção, pela sua
+lingua, a verdadeira patria espiritual.</p>
+
+<p>«Para o futuro&mdash;dizia&mdash;pertencerei decerto ao partido que começa a
+formar-se, que já está crescido, que vive entre nós sem termos dado por tal,
+que nos inspira sem nós o sentirmos e que mesmo do berço dirige as coisas
+publicas e domina até os homens de mais forte vontade... Se este partido
+fosse obra dos homens ou a sua creação pudesse ser contrariada por elles,
+talvez se não fizesse; mas esta ordem de coisas surge, rebenta da
+situação.»</p>
+
+<p>Muitos lhe chamaram Demosthenes, outros Cicero, outros Mirabeau. Nada mais
+absurdo do que estas comparações que attestam uma mentalidade inferior. Cada
+orador obedece ao seu temperamento e é filho das circumstancias em que a sua
+palavra tem de actuar. José Estevão foi, principalmente, um grande tribuno,
+porque sentia estuar-lhe nas veias o sangue quente do revoltado, sem o que
+não ha sabios, nem philosophos, nem poetas, nem artistas. É com esta materia
+prima que se fabricam os heroes do nosso tempo. <i>In hoc signo
+vinces</i>...</p>
+
+<p>Se os paizes se caracterisam, em geral, pelos nomes dos seus homens
+celebres, dos seus immortaes:&mdash;a França, por Racine, por Corneille, por
+Moliére, por Lamartine, por Gambetta; a Inglaterra, por Byron, Shakespeare e
+Gladstone; a Allemanha, por Schiller, Goethe, Mozart, Beethoven; a Italia,
+por Dante, Petrarcha, Mazzini, Garibaldi; a Grecia, por Homero e Demosthenes;
+Roma, por Virgilio e Cicero; a Hungria, por Kossuth; a Hespanha, por
+Velasquez, Cervantes e Castelar, nós, proclamando Portugal, como a patria de
+José Estevão, teremos prestado á sua memoria a maior das consagrações,
+tornando-o um symbolo&mdash;um symbolo da patria livre e redimida, da liberdade
+victoriosa e da emancipação da consciencia portugueza.</p>
+
+<p>E é, solidario n'esta aspiração, que eu, em nome do Grande Oriente
+Lusitano Unido, não só felicito e louvo os promotores d'este centenario, como
+tambem convido a assistencia a não esquecer esta data que se tornará uma data
+historica nos annaes das celebrações nacionaes.</p>
+</div>
+
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<p>&nbsp;</p>
+
+<div style="width: 80%; margin: auto;">
+<h2><a name="SECTION00009000000000000000">Do mesmo auctor:</a></h2>
+
+<p>Miniaturas Romanticas</p>
+
+<p>A Senhora Viscondessa (<i>romance</i>)</p>
+
+<p>Costumes Madrilenos</p>
+
+<p>A Questão do Banco Nacional Ultramarino</p>
+
+<p>A Actualidade (<i>estudo economico social</i>)</p>
+
+<p>Padres e Reis</p>
+
+<p>O Papa perante o Seculo</p>
+
+<p>Os Estados Unidos da Europa (<i>trad.</i>)</p>
+
+<p>Revolta (<i>1.ª parte</i>)</p>
+
+<p>Revolta (<i>2.ª parte</i>)</p>
+
+<p>Pela Patria e pela Republica</p>
+
+<p>O Socialismo na Europa</p>
+
+<p>O Livro da Paz</p>
+
+<p>O Primeiro de Maio</p>
+
+<p>A Federação Iberica (<i>edição franceza</i>) </p>
+
+<p>Paz e Arbitragem</p>
+
+<p>O Federalismo</p>
+
+<p>O Centenario no Estrangeiro (<i>conferencia</i>)</p>
+
+<p>A Guerra e a Paz (<i>conferencia</i>)</p>
+
+<p>A Obra Internacional (<i>edição portug. e franc.</i>)</p>
+
+<p>O Congresso de Roma (<i>conferencia</i>)</p>
+</div>
+
+
+
+
+
+
+
+<pre>
+
+
+
+
+
+End of the Project Gutenberg EBook of O Centenario de José Estevão, by
+Sebastião de Magalhães Lima
+
+*** END OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK O CENTENARIO DE JOSÉ ESTEVÃO ***
+
+***** This file should be named 27542-h.htm or 27542-h.zip *****
+This and all associated files of various formats will be found in:
+ http://www.gutenberg.org/2/7/5/4/27542/
+
+Produced by Pedro Saborano. A partir da digitalização
+disponibilizada pela bibRIA.
+
+
+Updated editions will replace the previous one--the old editions
+will be renamed.
+
+Creating the works from public domain print editions means that no
+one owns a United States copyright in these works, so the Foundation
+(and you!) can copy and distribute it in the United States without
+permission and without paying copyright royalties. Special rules,
+set forth in the General Terms of Use part of this license, apply to
+copying and distributing Project Gutenberg-tm electronic works to
+protect the PROJECT GUTENBERG-tm concept and trademark. Project
+Gutenberg is a registered trademark, and may not be used if you
+charge for the eBooks, unless you receive specific permission. If you
+do not charge anything for copies of this eBook, complying with the
+rules is very easy. You may use this eBook for nearly any purpose
+such as creation of derivative works, reports, performances and
+research. They may be modified and printed and given away--you may do
+practically ANYTHING with public domain eBooks. Redistribution is
+subject to the trademark license, especially commercial
+redistribution.
+
+
+
+*** START: FULL LICENSE ***
+
+THE FULL PROJECT GUTENBERG LICENSE
+PLEASE READ THIS BEFORE YOU DISTRIBUTE OR USE THIS WORK
+
+To protect the Project Gutenberg-tm mission of promoting the free
+distribution of electronic works, by using or distributing this work
+(or any other work associated in any way with the phrase "Project
+Gutenberg"), you agree to comply with all the terms of the Full Project
+Gutenberg-tm License (available with this file or online at
+http://gutenberg.org/license).
+
+
+Section 1. General Terms of Use and Redistributing Project Gutenberg-tm
+electronic works
+
+1.A. By reading or using any part of this Project Gutenberg-tm
+electronic work, you indicate that you have read, understand, agree to
+and accept all the terms of this license and intellectual property
+(trademark/copyright) agreement. If you do not agree to abide by all
+the terms of this agreement, you must cease using and return or destroy
+all copies of Project Gutenberg-tm electronic works in your possession.
+If you paid a fee for obtaining a copy of or access to a Project
+Gutenberg-tm electronic work and you do not agree to be bound by the
+terms of this agreement, you may obtain a refund from the person or
+entity to whom you paid the fee as set forth in paragraph 1.E.8.
+
+1.B. "Project Gutenberg" is a registered trademark. It may only be
+used on or associated in any way with an electronic work by people who
+agree to be bound by the terms of this agreement. There are a few
+things that you can do with most Project Gutenberg-tm electronic works
+even without complying with the full terms of this agreement. See
+paragraph 1.C below. There are a lot of things you can do with Project
+Gutenberg-tm electronic works if you follow the terms of this agreement
+and help preserve free future access to Project Gutenberg-tm electronic
+works. See paragraph 1.E below.
+
+1.C. The Project Gutenberg Literary Archive Foundation ("the Foundation"
+or PGLAF), owns a compilation copyright in the collection of Project
+Gutenberg-tm electronic works. Nearly all the individual works in the
+collection are in the public domain in the United States. If an
+individual work is in the public domain in the United States and you are
+located in the United States, we do not claim a right to prevent you from
+copying, distributing, performing, displaying or creating derivative
+works based on the work as long as all references to Project Gutenberg
+are removed. Of course, we hope that you will support the Project
+Gutenberg-tm mission of promoting free access to electronic works by
+freely sharing Project Gutenberg-tm works in compliance with the terms of
+this agreement for keeping the Project Gutenberg-tm name associated with
+the work. You can easily comply with the terms of this agreement by
+keeping this work in the same format with its attached full Project
+Gutenberg-tm License when you share it without charge with others.
+
+1.D. The copyright laws of the place where you are located also govern
+what you can do with this work. Copyright laws in most countries are in
+a constant state of change. If you are outside the United States, check
+the laws of your country in addition to the terms of this agreement
+before downloading, copying, displaying, performing, distributing or
+creating derivative works based on this work or any other Project
+Gutenberg-tm work. The Foundation makes no representations concerning
+the copyright status of any work in any country outside the United
+States.
+
+1.E. Unless you have removed all references to Project Gutenberg:
+
+1.E.1. The following sentence, with active links to, or other immediate
+access to, the full Project Gutenberg-tm License must appear prominently
+whenever any copy of a Project Gutenberg-tm work (any work on which the
+phrase "Project Gutenberg" appears, or with which the phrase "Project
+Gutenberg" is associated) is accessed, displayed, performed, viewed,
+copied or distributed:
+
+This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with
+almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or
+re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included
+with this eBook or online at www.gutenberg.org
+
+1.E.2. If an individual Project Gutenberg-tm electronic work is derived
+from the public domain (does not contain a notice indicating that it is
+posted with permission of the copyright holder), the work can be copied
+and distributed to anyone in the United States without paying any fees
+or charges. If you are redistributing or providing access to a work
+with the phrase "Project Gutenberg" associated with or appearing on the
+work, you must comply either with the requirements of paragraphs 1.E.1
+through 1.E.7 or obtain permission for the use of the work and the
+Project Gutenberg-tm trademark as set forth in paragraphs 1.E.8 or
+1.E.9.
+
+1.E.3. If an individual Project Gutenberg-tm electronic work is posted
+with the permission of the copyright holder, your use and distribution
+must comply with both paragraphs 1.E.1 through 1.E.7 and any additional
+terms imposed by the copyright holder. Additional terms will be linked
+to the Project Gutenberg-tm License for all works posted with the
+permission of the copyright holder found at the beginning of this work.
+
+1.E.4. Do not unlink or detach or remove the full Project Gutenberg-tm
+License terms from this work, or any files containing a part of this
+work or any other work associated with Project Gutenberg-tm.
+
+1.E.5. Do not copy, display, perform, distribute or redistribute this
+electronic work, or any part of this electronic work, without
+prominently displaying the sentence set forth in paragraph 1.E.1 with
+active links or immediate access to the full terms of the Project
+Gutenberg-tm License.
+
+1.E.6. You may convert to and distribute this work in any binary,
+compressed, marked up, nonproprietary or proprietary form, including any
+word processing or hypertext form. However, if you provide access to or
+distribute copies of a Project Gutenberg-tm work in a format other than
+"Plain Vanilla ASCII" or other format used in the official version
+posted on the official Project Gutenberg-tm web site (www.gutenberg.org),
+you must, at no additional cost, fee or expense to the user, provide a
+copy, a means of exporting a copy, or a means of obtaining a copy upon
+request, of the work in its original "Plain Vanilla ASCII" or other
+form. Any alternate format must include the full Project Gutenberg-tm
+License as specified in paragraph 1.E.1.
+
+1.E.7. Do not charge a fee for access to, viewing, displaying,
+performing, copying or distributing any Project Gutenberg-tm works
+unless you comply with paragraph 1.E.8 or 1.E.9.
+
+1.E.8. You may charge a reasonable fee for copies of or providing
+access to or distributing Project Gutenberg-tm electronic works provided
+that
+
+- You pay a royalty fee of 20% of the gross profits you derive from
+ the use of Project Gutenberg-tm works calculated using the method
+ you already use to calculate your applicable taxes. The fee is
+ owed to the owner of the Project Gutenberg-tm trademark, but he
+ has agreed to donate royalties under this paragraph to the
+ Project Gutenberg Literary Archive Foundation. Royalty payments
+ must be paid within 60 days following each date on which you
+ prepare (or are legally required to prepare) your periodic tax
+ returns. Royalty payments should be clearly marked as such and
+ sent to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation at the
+ address specified in Section 4, "Information about donations to
+ the Project Gutenberg Literary Archive Foundation."
+
+- You provide a full refund of any money paid by a user who notifies
+ you in writing (or by e-mail) within 30 days of receipt that s/he
+ does not agree to the terms of the full Project Gutenberg-tm
+ License. You must require such a user to return or
+ destroy all copies of the works possessed in a physical medium
+ and discontinue all use of and all access to other copies of
+ Project Gutenberg-tm works.
+
+- You provide, in accordance with paragraph 1.F.3, a full refund of any
+ money paid for a work or a replacement copy, if a defect in the
+ electronic work is discovered and reported to you within 90 days
+ of receipt of the work.
+
+- You comply with all other terms of this agreement for free
+ distribution of Project Gutenberg-tm works.
+
+1.E.9. If you wish to charge a fee or distribute a Project Gutenberg-tm
+electronic work or group of works on different terms than are set
+forth in this agreement, you must obtain permission in writing from
+both the Project Gutenberg Literary Archive Foundation and Michael
+Hart, the owner of the Project Gutenberg-tm trademark. Contact the
+Foundation as set forth in Section 3 below.
+
+1.F.
+
+1.F.1. Project Gutenberg volunteers and employees expend considerable
+effort to identify, do copyright research on, transcribe and proofread
+public domain works in creating the Project Gutenberg-tm
+collection. Despite these efforts, Project Gutenberg-tm electronic
+works, and the medium on which they may be stored, may contain
+"Defects," such as, but not limited to, incomplete, inaccurate or
+corrupt data, transcription errors, a copyright or other intellectual
+property infringement, a defective or damaged disk or other medium, a
+computer virus, or computer codes that damage or cannot be read by
+your equipment.
+
+1.F.2. LIMITED WARRANTY, DISCLAIMER OF DAMAGES - Except for the "Right
+of Replacement or Refund" described in paragraph 1.F.3, the Project
+Gutenberg Literary Archive Foundation, the owner of the Project
+Gutenberg-tm trademark, and any other party distributing a Project
+Gutenberg-tm electronic work under this agreement, disclaim all
+liability to you for damages, costs and expenses, including legal
+fees. YOU AGREE THAT YOU HAVE NO REMEDIES FOR NEGLIGENCE, STRICT
+LIABILITY, BREACH OF WARRANTY OR BREACH OF CONTRACT EXCEPT THOSE
+PROVIDED IN PARAGRAPH F3. YOU AGREE THAT THE FOUNDATION, THE
+TRADEMARK OWNER, AND ANY DISTRIBUTOR UNDER THIS AGREEMENT WILL NOT BE
+LIABLE TO YOU FOR ACTUAL, DIRECT, INDIRECT, CONSEQUENTIAL, PUNITIVE OR
+INCIDENTAL DAMAGES EVEN IF YOU GIVE NOTICE OF THE POSSIBILITY OF SUCH
+DAMAGE.
+
+1.F.3. LIMITED RIGHT OF REPLACEMENT OR REFUND - If you discover a
+defect in this electronic work within 90 days of receiving it, you can
+receive a refund of the money (if any) you paid for it by sending a
+written explanation to the person you received the work from. If you
+received the work on a physical medium, you must return the medium with
+your written explanation. The person or entity that provided you with
+the defective work may elect to provide a replacement copy in lieu of a
+refund. If you received the work electronically, the person or entity
+providing it to you may choose to give you a second opportunity to
+receive the work electronically in lieu of a refund. If the second copy
+is also defective, you may demand a refund in writing without further
+opportunities to fix the problem.
+
+1.F.4. Except for the limited right of replacement or refund set forth
+in paragraph 1.F.3, this work is provided to you 'AS-IS' WITH NO OTHER
+WARRANTIES OF ANY KIND, EXPRESS OR IMPLIED, INCLUDING BUT NOT LIMITED TO
+WARRANTIES OF MERCHANTIBILITY OR FITNESS FOR ANY PURPOSE.
+
+1.F.5. Some states do not allow disclaimers of certain implied
+warranties or the exclusion or limitation of certain types of damages.
+If any disclaimer or limitation set forth in this agreement violates the
+law of the state applicable to this agreement, the agreement shall be
+interpreted to make the maximum disclaimer or limitation permitted by
+the applicable state law. The invalidity or unenforceability of any
+provision of this agreement shall not void the remaining provisions.
+
+1.F.6. INDEMNITY - You agree to indemnify and hold the Foundation, the
+trademark owner, any agent or employee of the Foundation, anyone
+providing copies of Project Gutenberg-tm electronic works in accordance
+with this agreement, and any volunteers associated with the production,
+promotion and distribution of Project Gutenberg-tm electronic works,
+harmless from all liability, costs and expenses, including legal fees,
+that arise directly or indirectly from any of the following which you do
+or cause to occur: (a) distribution of this or any Project Gutenberg-tm
+work, (b) alteration, modification, or additions or deletions to any
+Project Gutenberg-tm work, and (c) any Defect you cause.
+
+
+Section 2. Information about the Mission of Project Gutenberg-tm
+
+Project Gutenberg-tm is synonymous with the free distribution of
+electronic works in formats readable by the widest variety of computers
+including obsolete, old, middle-aged and new computers. It exists
+because of the efforts of hundreds of volunteers and donations from
+people in all walks of life.
+
+Volunteers and financial support to provide volunteers with the
+assistance they need, is critical to reaching Project Gutenberg-tm's
+goals and ensuring that the Project Gutenberg-tm collection will
+remain freely available for generations to come. In 2001, the Project
+Gutenberg Literary Archive Foundation was created to provide a secure
+and permanent future for Project Gutenberg-tm and future generations.
+To learn more about the Project Gutenberg Literary Archive Foundation
+and how your efforts and donations can help, see Sections 3 and 4
+and the Foundation web page at http://www.pglaf.org.
+
+
+Section 3. Information about the Project Gutenberg Literary Archive
+Foundation
+
+The Project Gutenberg Literary Archive Foundation is a non profit
+501(c)(3) educational corporation organized under the laws of the
+state of Mississippi and granted tax exempt status by the Internal
+Revenue Service. The Foundation's EIN or federal tax identification
+number is 64-6221541. Its 501(c)(3) letter is posted at
+http://pglaf.org/fundraising. Contributions to the Project Gutenberg
+Literary Archive Foundation are tax deductible to the full extent
+permitted by U.S. federal laws and your state's laws.
+
+The Foundation's principal office is located at 4557 Melan Dr. S.
+Fairbanks, AK, 99712., but its volunteers and employees are scattered
+throughout numerous locations. Its business office is located at
+809 North 1500 West, Salt Lake City, UT 84116, (801) 596-1887, email
+business@pglaf.org. Email contact links and up to date contact
+information can be found at the Foundation's web site and official
+page at http://pglaf.org
+
+For additional contact information:
+ Dr. Gregory B. Newby
+ Chief Executive and Director
+ gbnewby@pglaf.org
+
+
+Section 4. Information about Donations to the Project Gutenberg
+Literary Archive Foundation
+
+Project Gutenberg-tm depends upon and cannot survive without wide
+spread public support and donations to carry out its mission of
+increasing the number of public domain and licensed works that can be
+freely distributed in machine readable form accessible by the widest
+array of equipment including outdated equipment. Many small donations
+($1 to $5,000) are particularly important to maintaining tax exempt
+status with the IRS.
+
+The Foundation is committed to complying with the laws regulating
+charities and charitable donations in all 50 states of the United
+States. Compliance requirements are not uniform and it takes a
+considerable effort, much paperwork and many fees to meet and keep up
+with these requirements. We do not solicit donations in locations
+where we have not received written confirmation of compliance. To
+SEND DONATIONS or determine the status of compliance for any
+particular state visit http://pglaf.org
+
+While we cannot and do not solicit contributions from states where we
+have not met the solicitation requirements, we know of no prohibition
+against accepting unsolicited donations from donors in such states who
+approach us with offers to donate.
+
+International donations are gratefully accepted, but we cannot make
+any statements concerning tax treatment of donations received from
+outside the United States. U.S. laws alone swamp our small staff.
+
+Please check the Project Gutenberg Web pages for current donation
+methods and addresses. Donations are accepted in a number of other
+ways including checks, online payments and credit card donations.
+To donate, please visit: http://pglaf.org/donate
+
+
+Section 5. General Information About Project Gutenberg-tm electronic
+works.
+
+Professor Michael S. Hart is the originator of the Project Gutenberg-tm
+concept of a library of electronic works that could be freely shared
+with anyone. For thirty years, he produced and distributed Project
+Gutenberg-tm eBooks with only a loose network of volunteer support.
+
+
+Project Gutenberg-tm eBooks are often created from several printed
+editions, all of which are confirmed as Public Domain in the U.S.
+unless a copyright notice is included. Thus, we do not necessarily
+keep eBooks in compliance with any particular paper edition.
+
+
+Most people start at our Web site which has the main PG search facility:
+
+ http://www.gutenberg.org
+
+This Web site includes information about Project Gutenberg-tm,
+including how to make donations to the Project Gutenberg Literary
+Archive Foundation, how to help produce our new eBooks, and how to
+subscribe to our email newsletter to hear about new eBooks.
+
+
+</pre>
+
+</body>
+</html>