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+*** START OF THE PROJECT GUTENBERG EBOOK 42762 ***
+
+ *Nota de editor:* Devido à existência de erros tipográficos neste
+ texto, foram tomadas várias decisões quanto à versão final. Em caso
+ de dúvida, a grafia foi mantida de acordo com o original. No final
+ deste livro encontrará a lista de erros corrigidos.
+
+ Foram igualmente implementadas as indicações da errata existente
+ na própria obra.
+
+ Rita Farinha (Maio 2013)
+
+
+
+
+MEMORIA HISTORICA
+
+SOBRE AS
+
+ILHAS DOS AÇORES,
+
+COMO PARTE COMPONENTE
+
+DA
+
+MONARCHIA PORTUGUEZA,
+
+COM IDEAS POLITICAS RELATIVAS Á REFORMA
+
+DO
+
+GOVERNO PORTUGUEZ,
+
+
+E SUA NOVA
+
+CONSTITUIÇAÕ.
+
+
+LISBOA:
+NA OFFIC. DE ANTONIO RODRIGUES GALHARDO.
+Impressor do Conselho de Guerra.
+_Com licença da Commissaõ da Censura._
+
+1821
+
+
+
+
+DISCURSO PRELIMINAR.
+
+
+As Ilhas dos Açores adjacentes a Portugal foraõ sempre consideradas como
+parte, e verdadeiras Provincias deste Reino, mandando os seus
+Representantes, ou Procuradores ás Cortes, onde tinhaõ assento, e banco
+designado: e como hum verdadeiro accessorio, seguíraõ sempre a sorte do
+seu principal, gosando de todos os bens, com que os Monarchas
+Portuguezes felicitavaõ os seus Vassallos, durante a sua residencia na
+Europa, e soffrendo todos os males desde a modança da Corte para o Rio
+de Janeiro.
+
+A historia destas Ilhas, que he sempre ligada com a historia em geral de
+Portugal, involve maximas de Politica, que naõ será desconveniente dar
+ao público nas presentes circumstancias; pois que sendo a Politica a
+arte que ensina a governar os homens, e dirigir a causa pública, todos
+os escriptos, que apresentarem algumas idéas, que tenhaõ correlaçaõ com
+este objecto, seraõ uteis no momento, em que casos extraordinarios põem
+huma Naçaõ nas criticas circumstancias de reformar as Leis fundamentaes
+do seu Governo. Ninguem póde duvidar, que toda a associaçaõ politica tem
+o direito inalienavel de estabelecer, modificar, ou alterar a
+Constituiçaõ, ou fórma do seu Governo; mas esta crise he taõ arriscada,
+que os póvos soffrem muitas vezes seculos inteiros, primeiro que se
+deliberem a empenhar n'huma tal empreza.
+
+Durante a residencia dos Monarchas Portuguezes em Lisboa, a sua bella
+indole, e a facilidade com que aquelles Soberanos ouviaõ os seus
+Vassallos, e remediavaõ os males de todas as Provincias, e Ilhas
+adjacentes, podia supprir a falta de melhor Constituiçaõ em Portugal;
+mas postos na distancia de mil legoas, com os obstaculos que estes póvos
+encontravaõ nas suas representações, o que equivalia a dobrada
+distancia, acháraõ os mesmos póvos ser incompativel com a sua felicidade
+a continuaçaõ da mesma fórma de Governo, e foi geral o voto por huma
+nova Constituiçaõ, que remediasse os males, e expurgasse os abusos
+introduzidos. A magnanimidade do Senhor Dom Joaõ VI. annuindo a esta
+refórma, e approvando o chamamento das Cortes em hum Aviso dirigido aos
+Governadores do Reino, em resposta á participaçaõ, que estes, lhe haviaõ
+feito do voto geral da Naçaõ, fará collocar este Monarcha ao lado dos
+Titos, e dos Marco-Aurelios.
+
+Se lançamos os olhos pelos annaes das outras Monarchias da Europa, quasi
+todas ellas nos apresentaõ seus Neros, e seus Caligolas. _«Nenhuma
+historia_ (diz o Conde de Mirabeau) _offerece huma serie mais ampla de
+Reis máos, do que a historia, de França.»_
+
+E na verdade a começarmos desde Filippe o Bello, naõ encontramos senaõ
+Principes huns faltos de fé, outros insaciaveis de poder, e de dinheiro,
+e até fabricadores de moeda falsa, outros vingativos crueis, e mais
+barbaros em assassinios, do que o mesmo Tiberio. De hum Carlos IX. diz o
+citado Author--_este monstro infernal executou ao sahir da infancia, o
+que Caligula apenas teria ideado; elle medita com a mais profunda
+maldade, a mais abominavel perfidia, e extermina de hum só golpe cem mil
+dos seus Vassallos._--Falla da mortandade do dia sempre memoravel de S.
+Bartholomeu, em que o Rei pessoalmente animava os matadores.
+
+Entre os Reis de Hespanha basta apontarmos o cruel, e supersticioso
+Filippe II., que matou o proprio filho, e envenenou sua Esposa: he
+curioso o parallelo, que deste Rei faz Mr. de Voltaire, com o Imperador
+Tiberio, onde comparando-os em todo o genero de crueldades, acha sempre
+o tyranno Hespanhol em gráo superior ao tyranno Romano.
+
+Dos Reis de Inglaterra será bastante lembrarmos hum só Henrique VIII.,
+que empregou o tempo do seu Reinado em perturbar os seus Estados,
+inunda-los com o sangue dos proprios Vassallos, e empobrecê-los: _elle
+exhaurio o Reino_ (diz Sanderuz), _vexouo, e opprimio ao ponto que lhe
+naõ restava mais do que vender o ar aos vivos, e a sepultura aos
+mortos._ A Inglaterra pois, que hoje consideramos hum paiz afortunado
+pela segurança, e liberdade de que alli gosa o Cidadaõ, já foi o theatro
+da tyrannia, e de todos os males, que acompanhaõ o governo arbitrario:
+he depois que os seus Soberanos foraõ ligados por huma Constituiçaõ, e
+coartada a arbitrariedade destes, que aquelle Reino tem chegado ao auge
+em que o vemos, e que merece o elogio dos Sabios, e a admiraçaõ das
+outras Nações. E póde dizer-se que á sua Constituiçaõ deve a Inglaterra
+o achar-se classificada na primeira ordem das Potencias da Europa,
+quando pela extençaõ do terreno parecia naõ poder passar da segunda.
+
+Se este quadro nos mostra por huma parte naõ serem infalliveis os Reis,
+como parecia quererem persuadir aquelles, que sustentavaõ derivarem
+elles o seu poder immediatamente de Deos, e naõ dos Póvos, que os
+elegem; pela outra parte tambem nos confirma da bondade dos Monarchas
+Portuguezes, em cujo cathalogo se naõ encontra hum só com iguaes
+defeitos: sendo pelo contrario os Principes da Casa Reinante por indole
+natural justos, humanos, e cheios de beneficencia: Mas todas estas
+qualidades, que tambem adornáraõ, e em gráo eminente, o Imperador Tito,
+naõ podéraõ evitar que este tivesse por Successor hum Diocleciano, o
+mais barbaro dos tyrannos. E hum só passo imprudente do Senhor Rei D.
+Sebastiaõ percipitou os Estados Portuguezes em hum abismo de desgraças,
+de que já mais pôde restabelecer-se; todas as vantagens, descobertas, e
+conquistas, grangeadas no decurso de muitos reinados felizes dos seus
+antecessores, foraõ por assim dizer, mallogradas em hum só momento. Por
+isso juntando-se á boa indole dos Monarchas Portuguezes huma
+Constituiçaõ, que ponha os seus Vassallos a salvo de toda a
+arbitrariedade, e da influencia dos Valídos; huma Constituiçaõ, que
+igualando os Direitos de todos os Cidadãos, ligue ao mesmo tempo os
+interesses de todas as Partes deste grande Imperio, virá elle a ser o
+mais feliz, e o mais respeitavel do Universo.
+
+A presente Memoria offerece em hum pequeno quadro os acontecimentos mais
+notaveis das Ilhas dos Açores, a ordem seguida do seu Governo Politico,
+Militar, e Civil; a marcha dos seus progressos na Populaçaõ, na
+Agricultura, no Commercio, e descreve o caracter dos seus habitantes.
+Alli apparecem aquellas Ilhas sahindo do Occeano incultas, e sem algum
+ente vivente: pouco depois povoadas, e cultivadas por effeito de sábias
+providencias, e leis justas: e depois de as vermos florecentes, e ricas
+nas primeiras duas partes da Memoria, em quanto gosáraõ da benefica
+influencia dos seus Monarchas; na terceira parte ultimamente as vemos
+experimentando com Portugal huma terrivel decadencia com a mudança da
+Corte para o Rio de Janeiro, pelas desordens praticadas por certa ordem
+de Valídos, que haviaõ subplantado os mesmos Ministros de Estado, e que
+abusáraõ da confiança que nelles punha o Rei[1] prevalescendo-se da
+impossibilidade em que Sua Magestade se achava de poder saber o que
+soffriaõ os seus Vassallos da Europa. Todos estes acontecimentos nos vem
+a confirmar de que só nas Cortes, neste Senado representativo de toda a
+Naçaõ, he que se póde restabelecer a antiga ordem das cousas,
+organisando-se huma Constituiçaõ acommodada ao tempo, e circumstancias,
+em que fiquem prevenidos, e acautelados semelhantes abusos,
+restabelecido o credito do nosso Augusto Soberano, que os Valídos haviaõ
+compromettido, e segura a felicidade dos Vassallos em que o mesmo Senhor
+sempre mostrou o maior empenho.
+
+Convém que reformando-se os abusos, se reconheça a belleza de grande
+parte dos Estatutos Nacionaes: cumpre estimular nos Portuguezes o amor
+da sua Patria, e fazer animar entre elles o espirito público, e
+nacional. O patriotismo, diz hum Author moderno, he o mais nobre de
+todos os sentimentos, elle honra o homem, e a Naçaõ.
+
+
+
+
+PRIMEIRA PARTE
+
+_Da descoberta das Ilhas dos Açores, pelos Portuguezes, até o
+estabelecimento da Capitania Geral._
+
+
+Se os Portuguezes, Naçaõ espirituosa, e intrepida, tem tido Principes
+analogos ao seu Caracter, os mais respeitaveis na Europa pelos seus
+talentos militares, e valor, e pelas emprezas as mais arduas, e felizes;
+se esta Naçaõ nos tem apresentado grandes homens de Estado á sua frente,
+e politicos Superiores, ella naõ tem sido menos fertil em Principes
+sabios, e illustrados.
+
+O Infante D. Henrique, filho do Senhor Rei D. Joaõ I. he hum dos
+talentos mais distinctos do seu tempo, e quando toda a Europa jazia
+ainda em huma profunda ignorancia pelos principios do seculo XV., este
+Principe com conhecimentos já mui superiores, media os Astros, e no meio
+dos seus profundos estudos traçava emprezas, que deviaõ fazer espanto em
+toda a terra. Elle teve huma grande parte na invençaõ do Astrolabio, e a
+elle he devido o uso da Agulha de mariar, conhecida já d'antes, mas de
+que nunca os homens se tinhaõ servido para navegar no mar largo pelo
+favor dos ventos, toda a navegaçaõ se fazia terra terra, e a longo das
+praias.
+
+Este Principe filosofo depois de ter feito instruir alguns Pilotos
+debaixo da sua direcçaõ, e no seu mesmo observatorio, determina
+descobrir por mero delles as Costas da Africa além do Cabo _Naõ_, que
+era o termo de todas as Navegações até entaõ conhecidas, e adiante do
+qual se naõ tinha já mais passado. Já elle cogitava em abrir pelo mar
+huma passage para a India: e foi este o principio das grandes
+descobertas, que depois fizeraõ os Portuguezes, cujas viagens, e perigos
+saõ cantadas por Camões no seu divino Poêma, onde diz o Author do
+Espirito das Leis, se encontraõ os encantos da Odisséa, e a
+magnificencia da Eneida.
+
+He do Algarve que o Principe faz despedir aquelles Pilotos, em hum
+Navio, que para isso lhe apresta, instruindo-os sobre a sua navegaçaõ, e
+derrota. Os Navegantes dobraõ o Cabo _Naõ_, e chegaõ até o Bojador, dois
+gráos distante do nosso Tropico; mas encontrando grandes tempestades, e
+desanimando de continuar na viage, que lhe havia sido ordenada, elles
+arribaõ, e nesta digressaõ descobrem a Ilha de Porto Santo, visinha da
+Ilha Madeira, que tambem foi descoberta pouco depois.
+
+Estas noticias participadas ao Infante D. Henrique, lhe confirmaõ a
+idéa, que de muito tempo o occupava, de que para o Poente existiaõ
+terras incognitas. E em quanto toma medidas para mandar povoar aquellas
+duas Ilhas, que o acaso lhe offereceo, elle medita novas descobertas:
+faz aparelhar hum Navio para aquelles destinos, incumbe o seu commando a
+hum Gonçalo Velho Cabral, Commendador da Ordem de Christo, pessoa
+illustre, descendente da antiga Casa de Belmonte, e em quem tinha muita
+confiança palas suas virtudes; e instruindo-o novamente com os Pilotos,
+sobre a navegaçaõ que deviaõ seguir, os despede finalmente do porto de
+Sagres no Algarve.
+
+O descobrimento das Ilhas era hum ensaio, em que os Portuguezes se
+habilitavaõ para as grandes emprezas, a que os destinava o seu genio
+emprehendedor, e a sua coragem.
+
+Aquelles Navegantes, depois de terem por muitos dias crusado mares
+incognitos, fazendo tentativas em diversos rumos, com os olhos sempre
+fitos no Orisonte, figurando-se-lhe ver terras a todo o momento, e em
+todas as nuvens, descobrem finalmente em Agosto de 1432 a primeira Ilha
+dos Açores, a que deraõ o nome de Santa Maria: elles desembarcaõ em huma
+praia, por onde corria hum ribeiro de agoa purissima, junto do qual se
+fundou depois a primeira povoçaõ. O Commendador, e seus Companheiros,
+mal podem tornar a si da admiraçaõ, em que os tinha lançado a vista de
+huma ilha coberta ainda de seus encantos virginaes. Elles naõ encontraõ
+vestigio de creatura humana, nem mesmo de algum animal; por toda a parte
+se lhe offerecem florestas solitarias, tudo he silencio; querem penetrar
+pelo interior da Ilha, porém as arvores enterlaçadas humas com outras
+lho impedem; he pelo mar, rodeando-a no seu mesmo Navio, que observaõ a
+sua grandeza. Esta Ilha tem quasi cinco leguas de comprido, e duas de
+largo.
+
+Os exploradores depois de marcarem a Ilha, e fazerem algumas
+observações, voltaõ a Portugal com estas novas, e saõ acolhidos pelo
+Infante com demonstrações da maior estima, e accumulados de beneficios.
+Gonçalo Velho Cabral foi logo feito Capitaõ Donatario da Ilha
+descoberta, com faculdade de a ir povoar com as familias, que o
+quizessem acompanhar. Elle levou comsigo, além de outras familias
+distinctas, quatro irmãs, as quaes casadas com pessoas mui nobres de
+Portugal, e algumas com exercicio na Casa Real, deixáraõ larga
+descendencia, que se estabeleceo nas mais Ilhas.
+
+Doze annos depois, em 1444, com iguaes diligencias he descoberta a Ilha
+de S, Miguel, da qual foi tambem Donatario Gonçalo Velho. O Infante
+guiado sempre pelo amor da gloria, e pela nobre curiosidade das
+descobertas, envia logo Colonos de Portugal, para povoar, e cultivar
+esta Ilha, que tem 18 leguas de comprimento, e duas e meia de largura;
+mas naõ cessa de fazer repetir novas diligencias, sobre aquelles mares,
+até que no anno seguinte de 1445 se descobrio a Ilha Terceira. Tem esta
+13 leguas de extensaõ, e 9 de largura.
+
+Pelo mesmo tempo foraõ descobertas as quatro Ilhas visinhas a esta, que
+saõ a Ilha de S. Jorge, que dista da Terceira 8 leguas para Oeste, e
+della se vê distinctamente: tem de comprimento 10 leguas, e pouco mais
+de huma de largura: A do Pico, que tambem se avista da Terceira, e he
+separada da Ilha de S. Jorge por hum canal de quatro leguas de mar: tem
+18 leguas de comprido, e 4 de largo: A do Fayal, que só dista do Pico
+legua e meia, e tem 7 no seu comprimento, e 3 de largura. Finalmente a
+pequena Ilha Graciosa com 8 leguas de circumferencia, a qual dista da
+Terceira tambem 8 leguas para o Norte.
+
+Pouco depois foraõ descobertas as duas ultimas Ilhas das Flores, e
+Corvo, que saõ as menos importantes, e distaõ da Capital 70 leguas.
+
+Todas estas nove Ilhas, denominadas dos Açores, foraõ achadas pelos
+Portuguezes no estado, em que a natureza as tinha produzido, cobertas de
+denços matos, entre os quaes sobresahiaõ algumas arvores magestosas;
+ellas offereciaõ á vista hum espectaculo maravilhoso: ao lado de troncos
+taõ antigos como as mesmas Ilhas, se divisavaõ pequenos arbustos, e logo
+flores campestres, taõ variadas, e em taõ grande número, que dahi veio a
+darem a huma dellas o nome de Ilha das Flores.
+
+Na Ilha da Madeira haviaõ achado os seus descobridores huma Cruz de páo
+fincada no chaõ, letras gravadas n'huma pedra, e outros indicios, que
+mostravaõ terem alli abordado alguns naufragantes. Mas em nenhuma das
+Ilhas dos Açores se achou signal algum de ter já mais alli aportado
+creatura humana, nem que de alguma Naçaõ fossem conhecidas. A distancia
+de 300 leguas de mar em que ellas se achavaõ desviadas do Continente,
+fazia impossivel huma semelhante navegaçaõ, sem o soccorro da Busola, da
+qual se naõ haviaõ já mais servido antes do Infante D. Henrique[2].
+
+O principio destas Ilhas naõ he como o de quasi todos os outros paizes
+misturado de fabulas, e coberto de obscuridades: além de tradicções
+apuradas por huma judiciosa critica, os manuscriptos conservados nas
+mesmas Ilhas, e até assentos antigos de algumas das suas Camaras, e
+Alfandegas, nos tiraõ de toda a dúvida a respeito do seu descobrimento,
+e dos seus principios.
+
+Este Paiz debaixo do benefico Governo dos Monarchas Portuguezes, teve
+hum progresso taõ feliz, que em 1503, cincoenta e oito annos depois da
+descoberta da Ilha Terceira, achou o Senhor Rei D. Manoel ser necessario
+para o seu bom regimen, e administraçaõ da Justiça, crear hum Corregedor
+naquella Ilha com jurisdicçaõ sobre todas as outras, estabelecendo ao
+mesmo tempo hum Juiz de Fóra na de S. Miguel. E em cousa de cem annos,
+se achavaõ todas perfeitamente cultivadas, e com huma populaçaõ
+prodigiosa, fundadas duas Cidades, 20 Villas, e muitas Aldêas.
+
+Hum clime doce, hum ar puro, hum terreno fertil em todos os fructos, e
+particularmente nos grãos fromentaceos, concorrêraõ muito em beneficio
+dos seus habitantes; mas he sem dúvida, que ao Governo he principalmente
+devida a prosperidade de hum Paiz: a oppressaõ, e a miseria saõ
+contrarias á reproducçaõ da especie; os homens multiplicaõ-se quando
+elles saõ felizes, e vivem em abundancia: estas vantagens sómente se
+gosaõ debaixo de hum bom Governo; e por isso a populaçaõ rapida de hum
+Paiz he a prova mais incontestavel da bondade do Governo, que o domina,
+e da sabedoria da sua administraçaõ.
+
+Que o Governo Monarchico he de todos o melhor,[3] tem sido a opiniaõ dos
+Sabios de todos os seculos, incluindo Plataõ, o maior politico da
+antiguidade; e o mesmo Joaõ Jaques Rosseau, grande entuziasta, porém ao
+mesmo tempo pensador profundo, naõ deixa de conhecer esta verdade,
+confessando no seu Contracto social, que o Governo Republicano naõ he
+proprio para a natureza do homem.
+
+No interior de huma familia, quando hum só individuo dirige os negocios
+domesticos, todos vivem em harmonia; logo que mais de hum influem no
+regimen da casa, naõ ha mais passificaçaõ. Isto se observa a bordo da
+Náo, e do mais tenue batel; isto se observa no Exercito, e geralmente em
+todas as Corporações, e associações humanas.
+
+Se examinamos os annaes do mundo, he aquelle o unico Governo, em que se
+encontra estabilidade sobre a terra. Qual he a Republica, cuja duraçaõ
+possa comparar-se, naõ digo com o Imperio da China, que conta mais de
+quatro mil annos, nem com a Monarchia da Assyria, que desde Belo até
+Sardanapalo contava mais de mil e quatrocentos annos, nem com a do
+Egypto, que desde Sezostrio até Alexandre Magno contava mil trezentos e
+noventa annos; mas ainda com as Monarchias mais modernas da Europa?
+
+O Governo Republicano, além de naõ poder ter presistencia, como
+contrario á natureza do homem, Segundo a experiencia de muitos seculos o
+tem mostrado, he o fóco de todas as paixões humanas; o odio, a ambiçaõ,
+a inveja, alli desenvolvem todo o genero de perversidades. Naõ foi hum
+Governo Monarchico, o que envenenou o virtuoso Socrates, e desterrou o
+justo Arristides. Hum Monarcha, pela grande distancia em que está acima
+de todos os seus Vassallos, naõ conhece a emulaçaõ, este monstro, que
+occasionou o primeiro assassinio sobre a terra, apenas sahida das mãos
+do Creador, que naõ persegue senaõ a virtude, e o merecimento, que
+soprou as prescripções de Sylla, as quaes ainda hoje fazem estremecer a
+humanidade, contra todos os Cidadãos, cujos talentos, ou riquezas podiaõ
+fazer sombra á sua ambiçaõ. Foraõ os Tribunaes Republicanos, que fizeraõ
+degolar milhares de innocentes, e cobriraõ a França de mortes, e
+carnagem.
+
+A Republica Romana apresenta mais crimes, e mais atrocidades,
+commettidas sómente em alguns dias de hum Mario, de hum Sylla, de hum
+Cesar, do que se tinhaõ commettido no decurso de mais de duzentos annos,
+em que governavaõ os Reis: e a França, em perto de quatorze seculos, em
+que havia sido regida pelos seus Monarchas, naõ experimentou tantos
+horrores, como em hum só dia dessa ephimera Republica, no tempo dos
+Robes Pieres, dos Marates, e dos Dantons.
+
+Sendo pois o Governo Monarchico exempto das paixões monstruosas, que
+dominaõ nas Repubicas, o mais sólido, e permanente, o melhor, e o mais
+confórme á natureza do homem, póde ainda affirmar-se, que entre todas as
+Monarchias da Europa naõ havia hum só, em que os Vassallos fossem mais
+felizes, nem gosassem de mais igualdade de direitos, do que na Monarchia
+Portugueza, em quanto as Leis fundamentaes estiveraõ em vigor, e foraõ
+respeitados os costumes, e o regimen economico, e politico dos nossos
+maiores. Todo o Vassallo Portuguez, fosse do Reino, ou Colonias, podia
+por meio dos seus talentos, e virtudes ser elevado ás maiores honras, e
+aos empregos mais importantes, Militares, Civis, ou Ecclesiasticos. Em
+nenhum outro Paiz do mundo, a naõ ser o Imperio da China, gosaõ os
+humanos de huma taõ perfeita igualdade.
+
+O grande Marquez de Pombal quando foi nomeado Secretario de Estado, e
+chamado á dignidade mais eminente do Imperio, era hum Fidalgo de
+Provincia, sómente recommendado pelas suas luzes; foraõ os talentos, que
+elle desenvolveo no ministerio, e no Serviço do seu Soberano, que depois
+o eleváraõ aos titulos de Conde, e de Marquez.
+
+Huma das bellas qualidades, que se notáraõ no Imperador Marco Aurelio,
+foi a sua extrema circumspecçaõ na escolha dos Magistrados, dos
+Governadores das Provincias, e Funccionarios públicos. Elle dizia que
+naõ estava no poder de hum Principe o crear homens taes como este os
+quereria, mas que delle depende o emprega-los taes como elles saõ, cada
+hum segundo o seu talento. Esta era a maxima dos Monarchas Portuguezes;
+nenhuma classe de Cidadãos se podia julgar excluida dos mais honrosos
+Cargos. Se entre os Titulares, e grandes do Reino apparecia o
+merecimento, alli se fazia a importante escolha dos Ministros de Estado;
+se entre os Magistrados, ou homens de letras, he a estes, que se dirigia
+aquella nomeaçaõ; se entre os Militares, era esta a classe preferida. Em
+todos os empregos geralmente, foi sempre observada a mesma justiça, e
+imparcialidade: simples Soldados Portuguezes foraõ por muitas vezes
+elevados, pelos seus serviços, aos postos de Generaes, e Marechaes; na
+Marinha pessoas muito humildes, chegáraõ aos postos de Capitães de Mar
+Guerra, Chefes de Esquadra, e Almirantes, sómente pelos seus distinctos
+merecimentos[4].
+
+Na Inglaterra, mesmo nesta Naçaõ illuminada, naõ se pratíca huma taõ
+perfeita imparcialidade: os cargos importantes saõ ordinariamente dados
+aos parentes dos Membros do Parlamento; e todos sabem as difficuldades,
+que he perciso vencer hum Inglez, para ser eleito Membro da Camara dos
+Communs, que manobras, que intrigas, que despezas, para obter a
+preferencia sobre os seus concorrentes? As mesmas Patentes Militares até
+certa graduaçaõ, podem ser compradas a dinheiro.
+
+He por ventura vulgar na mesma Inglaterra, o ver tirar hum Bispo de
+entre os mais humildes Vassallos, como todos os dias se via em Portugal,
+onde os Monarchas para huma taõ respeitavel eleiçaõ, sómente tinhaõ em
+vista as virtudes, e qualidades pessoaes, que devem adornar estes
+Principes da Igreja, sem alguma attençaõ aos seus progenitores? Esta
+sábia politica he mais que humana, he no Evangelho que os nossos
+Augustos Soberanos tinhaõ bebido os principios de huma taõ admiravel
+igualdade. He mais hum beneficio devido á Religiaõ Christã.
+
+Os nacionaes das Ilhas dos Açores gosáraõ sempre desta prorogativa
+geral, sendo chamados a todos os cargos de que os seus merecimentos os
+faziaõ dignos, tanto nos tempos antigos, como modernos.
+
+Se este systema politico, e de justiça soffreo alteraçaõ, foi nessa
+curta épocha da dominaçaõ dos Hespanhoes. Os Cargos importantes sómente
+foraõ occupados pelos Castelhanos, e os naturaes das Ilhas naõ foraõ
+mais attendidos, nem considerados. Este acontecimento deve
+confirmar-nos, de que o Governo Portuguez foi sempre o mais justo, e
+humano, e aquelle em que os Póvos eraõ tratados com mais igualdade,
+justiça, e amor.
+
+Durante aquella épocha as Ilhas foraõ opprimidas com todo o genero de
+extorsões: Os Governadores Castelhanos com o pertexto de fazer
+fortificações em todas as Ilhas, arruináraõ a Agricultura, privando-a
+dos braços necessarios, que empregavaõ em fachinhas, e empobrecendo o
+povo pela privaçaõ dos seus jornaes. Os nacionaes que precisavaõ de
+artifices para as suas obras, soffriaõ tambem huma pesada contribuiçaõ
+indirecta; porque se o Governo carecia para a construçaõ dos projectados
+Castellos de dez, ou vinte Officiaes, eraõ avisados militarmente
+oitenta, e cem; e os Portuguezes que queriaõ concluir as suas obras, se
+viaõ precisados a despender dinheiro, e obsequios para conseguir a
+dispença de alguns.
+
+Bem sabiaõ os Castelhanos, que pôr huma Ilha no estado inconquistavel,
+era hum projecto aerio, e taõ quimerico, como se hum individuo
+pertendesse munir-se de tal sorte de armas, que podesse resistir a hum
+Exercito, ou se hum Soberano projectasse fortificar cada hum dos pontos
+do seu Imperio, de tal sorte, que este podesse resistir a todas as
+forças juntas de outra Naçaõ. Se huma Ilha póde sustentar-se contra o
+ataque, de huma Náo, ou duas, naõ o poderá fazer contra quatro; e se
+estas naõ bastaõ, huma Esquadra de dobradas forças poderá conquistar a
+Ilha mais bem fortificada do mundo, isto mesmo se póde dizer a respeito
+de qualquer Provincia dos Estados mais poderosos do Continente. A
+Alemanha por exemplo, ou a França, naõ poderiaõ evitar, que a Naçaõ mais
+fraca dos seus visinhos, acommettendo de repente com forças superiores
+huma das suas Cidades, ou Provincias, a naõ invadisse. Mas violar
+qualquer territorio alheio, he huma das mais atrozes injurias,
+reconhecidas entre as Nações.
+
+E de que serviria ao usurpador huma semelhante empreza? A potencia
+invadida cahiria sobre elle com todas as suas forças, e quando estas naõ
+fossem bastantes, naõ haveria Naçaõ alguma na Europa, que se recusasse a
+fazer-lhe justiça, reunindo-se contra o injusto aggressor, até que ao
+Soberano legitimo fosse restituida a Provincia, Cidade, ou Ilha assim
+usurpada. Em quanto houver Lei natural, e se respeitarem os principios
+do Direito das Gentes, será inalteravel esta regra, que faz de mais
+disso toda a segurança das Nações, e he indispensavel para manter o
+equilibrio politico.
+
+He certo que naõ tendo os Hespanhoes direito legitimo sobre as Ilhas,
+pertenderiaõ conserva-las por meio da força, e violencia; o que sempre
+he de pouca presistencia. Porém felizmente este governo só durou
+sessenta annos, desde 1580 até 1640, em que foi restabelecido em
+Portugal o Governo dos seus legitimos Soberanos. As Ilhas dos Açores
+descobertas, povoadas, e cultivadas pelos Portuguezes, pertencem taõ
+legitimamente á Monarchia Portugueza, como qualquer outra parte dos seus
+Estados; e he por isso que ellas sempre seguiraõ a sorte da sua
+metrople. Saõ pois os Direitos sagrados da propriedade, e dominio, que
+conservaõ estas Ilhas aos Monarchas Portuguezes ha mais de tres seculos,
+tendo sómente aquellas fortificações que dicta a boa razaõ. Naõ saõ as
+forças limitadas de huma Ilha, que a podem conservar, saõ as forças de
+toda a Naçaõ, e sobre tudo os direitos legitimos por onde ella pertence
+á Potencia, que a domina. Faltando aos Hespanhoes estes titulos, inuteis
+eraõ todas as fortificações, assim como o foi o sangue dos Portuguezes,
+que elles derramáraõ, fazendo degolar huns, enforcando outros, e
+degradando outros.
+
+Restaurado o Governo Portuguez, logo as Ilhas começáraõ a respirar, foi
+restabelecida a sua antiga felicidade, e continuáraõ a prosperar de dia
+em dia.
+
+
+
+
+SEGUNDA PARTE
+
+_Desde a creaçaõ da Capitania Geral, até a passage da Corte para o Rio
+de Janeiro._
+
+
+As Ilhas dos Açores taõ protegidas pelo Governo, e favorecidas pela
+natureza, naõ podiaõ deixar de ter hum progresso maravilhoso; e os seus
+moradores naõ soffrendo hum só imposto, que podesse desanimar o
+Cultivador, leváraõ a cultura das terras ao maior gráo de perfeiçaõ. O
+trigo, o milho, os legumes, a vinha, as frutas, com especialidade a
+laranja, cobrem este Paiz por toda a parte, onde as repetidas explusões
+dos fogos vulcanicos o naõ tem esterilisado[5].
+
+Augmentadas pois as relações da Sociedade Civil pela multiplicaçaõ dos
+habitantes das mesmas Ilhas, e suas riquezas, e fazendo-se mais
+complicada a administraçaõ da Justiça, e direcçaõ do Governo, achou
+conveniente o Senhor Rei D. José I., por Decreto de 2 de Agosto de 1766,
+estabelecer alli huma Capitania Geral, com residencia do seu Chefe na
+Ilha Terceira; creando tambem Juizes de Fóra em todas as Ilhas, e hum
+Corregedor para as de S. Miguel, e Santa Maria, desmembradas da
+Correiçaõ de Angra, que ficou comprehendendo as outras sete Ilhas.
+
+Por Alvará da mesma data foraõ abolidas as Ordenanças chamadas de Pé de
+Castello da Cidade de Angra, e fortalezas da sua dependencia,
+substituindo-as com tropa regular de Infantaria, e artilheria.
+
+Organisado por esta fórma o Governo Militar, e Civil, e postas as Ilhas
+debaixo de huma administraçaõ mais regular, ficáraõ os seus moradores
+gosando de huma felicidade mais sólida, certos nos seus direitos, e
+seguros nas suas propriedades, e dominios.
+
+He sabido o muito que soffrem os póvos, e o quanto padece a
+administraçaõ da Justiça nas grandes povoações regidas por Juizes
+Ordinarios, e Magistrados naturaes dellas, nos quaes, como observa o
+Alvará de 7 de Maio de 1801, além de faltar a Sciencia do Direito para a
+direcçaõ dos Negocios, accrescem as paixões do amor, e do odio, que
+entre os moradores das mesmas terras costumaõ ser frequentes, e
+irremediaveis por sua natureza.
+
+Ainda hoje se apontaõ nas mesmas Ilhas predios, de que os seus antigos
+proprietarios tinhaõ sido violentamente privados por outros mais
+poderosos.
+
+Em Portugal geralmente nos primeiros tempos da Monarchia, e até o
+reinado do Senhor D. Joaõ II. em quanto a singelleza dos costumes, e a
+menor complicaçaõ dos negocios naõ permittiaõ maior número de Leis, eraõ
+estas administradas por quaesquer homens bons, e de probidade das
+terras.
+
+Mas quem ignora a simplicidade dos costumes dos tempos anteriores ao
+Senhor Rei D. Joaõ II., e por isso os poucos letigios, as poucas
+relações Commerciaes, o pouco luxo? Nas maiores Cortes da Europa naõ se
+conhecia entaõ a sombra do fausto, que hoje se encontra nas mais
+pequenas Cidades: ainda muitos annos depois no Reinado de Francisco I.
+de França (segundo nota o Author do Ensaio sobre a Historia Geral)
+sómente havia em París duas carruagens, huma do uso da Rainha, outra da
+célebre grande Senescal; homens, e mulheres andavaõ a cavallo.
+
+Naõ havendo de mais disto até entaõ em Portugal Corpo de Leis geraes, e
+governando-se as Cidades, e Villas por Foraes, e Leis particulares,
+qualquer homem probo era sufficiente para alli ser Magistrado. Crescendo
+pois as relações Commerciaes, e Civis, augmentado o luxo, e estando já
+publicado o Codigo do Senhor D. Affonso V., determinou seu filho o
+Senhor D. Joaõ II. denominado o Sabio, que os Corregedores, e os
+Magistrados principaes das Provincias fossem Jurisconsultos.
+
+Administrar a Justiça aos seus semelhantes, e manter as Leis,
+fundamento, elaço da sociedade Civil, he huma das mais nobres funções da
+humanidade, porém ao mesmo tempo a mais ardua, e difficil de bem
+desempenhar, naõ só pelas qualidades relevantes, que devem adornar
+aquelles, que saõ encarregados de a exercer, mas tambem pela vastidaõ de
+conhecimentos que requer a Jurisprudencia, e pela multidaõ de idéas, que
+deve ter o Magistrado. Naõ he bastante conhecer todas as Leis do seu
+Paiz, assim como tambem o direito Politico, e das Gentes, he preciso
+ainda saber a Historia, a Geografia, a Chronologia, os usos, e costumes
+da sua Naçaõ, todas as mudanças, ou alterações, que tem havido no seu
+Governo: He indispensavel tambem ter noticia dos estilos, e decisões dos
+Tribunaes, para os seguir nos casos identicos, e para que a propriedade,
+e a vida dos Cidadãos estejaõ certas, e naõ dependaõ de variedade de
+Juizos.
+
+«N'huma Monarchia, diz Montesquieu, a administraçaõ da Justiça, que naõ
+decide sómente da vida, e dos bens, mas tambem da honra, requer
+indagações escrupulosas. A delicadeza do Juiz augmenta á medida, que
+elle tem maior deposito nas suas mãos, e que elle pronuncía sobre
+maiores interesses. Por isso nos naõ devemos admirar de achar nas Leis
+destes estados tantas regras, restricções, extenções que multiplicaõ os
+casos particulares, e parecem fazer huma Arte da mesma razaõ[6]» Mil
+outras circumstancias indicadas pelo mesmo sabio, concorrem para fazer
+summamente complicada, e digna de grandes estudos a Jurisprudencia, esta
+Sciencia, que segundo os Jurisconsultos Romanos, exige hum conhecimento
+geral de todas as cousas, tanto sagradas, como profanas.
+
+Pelo mesmo Decreto da creaçaõ dos Juizes de Fóra de 2 de Agosto de 1766,
+se determina, que os Naturaes das mesmas Ilhas seraõ preferidos a outros
+quaesquer, nos despachos daquelles lugares; bem entendido, naõ sendo
+para a propria Ilha, donde saõ oriundos, mas para qualquer das
+circumvisinhas. Dois principios da mais sábia politica apresenta esta
+Lei; primeiro, o de beneficiar, e honrar os Naturaes do Paiz, contra a
+pratica ordinaria das mais Nações com as suas Colonias; segundo, o de
+prevenir os inconvenientes de administrarem a Justiça na propria Patria,
+e entre os parentes: Esta Lei admiravel he cuidadosamente observada no
+Imperio da China, onde nenhuma pessoa póde ser nem Governador, nem Juiz
+na Provincia onde nasceo[7].
+
+Por Alvará de 26 de Fevereiro de 1771 foraõ as Ilhas mandadas reputar,
+como partes adjacentes, e verdadeiras Provincias do Reino,
+determinando-se que fosse livre, e geral a extracçaõ do trigo das mesmas
+para Lisboa, e que só no caso de necessidade, para o sustento dos seus
+moradores, poderáõ as Camaras fazer a reserva da terça parte. A mesma
+Lei providencêa com penas contra os Officiaes das Camaras por qualquer
+abuso, ou transgressaõ; mas naõ os priva da inspecçaõ sobre este ramo,
+que diz respeito ao sustento dos Póvos, e que pelas Ordenações do Reino,
+e mais Leis lhe está incumbido[8] naõ para os coartarem, ou impedirem a
+exportaçaõ em geral, mas para poderem em tempo providenciar sobre
+qualquer falta, que possa acontecer: e he neste sentido que se entendem
+as licenças, de que falla a Ordenaçaõ do Livro 5.^o Tit. 76, relativas
+ao trigo, milho, e mais grãos formentaceos; sendo as licenças que alli
+se mandaõ pedir, como hum manifesto para poder saber-se, por meio delle,
+as circumstancias da terra naquelle importante ramo do primeiro alimento
+do homem. Bem como nas Alfandegas se tira despacho para todas as
+fazendas, que se embarcaõ, ainda mesmo que sejaõ das livres, que naõ
+pagaõ direitos, sem que por isso se possa dizer que ha dependencia dos
+Officiaes das mesmas Alfandegas; porque qualquer abuso da parte destes,
+seria hum erro do seu officio, pelo qual seriaõ punidos, assim como
+tambem no primeiro caso, o devem ser os Officiaes da Camara na fórma do
+citado Alvará.
+
+Estas mesmas licenças se achaõ em dezuso na Ilha de S. Miguel; alli se
+embarca o graõ de toda a qualidade, sem alguma dependencia, se pelo meio
+do anno a Camara conhece, que em razaõ da exportaçaõ já feita póde
+faltar milho, ou trigo para o sustento do Povo, manda fazer reserva do
+que se julga necessario para prover o Celeiro Público, fazendo calculo
+da porçaõ, que se póde consumir por mez, até a nova colheita; e
+acautelado por esta fórma o provimento do Celeiro, se continúa a
+exportar todo o remanescente: observada assim a Ordenaçaõ, que determina
+no Liv. 5.^o Tit. 76. §. 8., que toda a pessoa que tiver paõ seu, ou de
+suas rendas, o poderá levar livremente onde quizer, deixando a terça
+parte no lugar, donde o tirar, e podendo mesmo levar essa terça parte
+com licença da Camara do dito lugar.
+
+A experiencia tem mostrado que, todas as vezes que outras quaesquer
+Authoridades, que naõ sejaõ as Camaras, se tem engerido sobre o negocio
+da exportaçaõ, do graõ das Ilhas, sempre as consequencias tem sido
+funestas.
+
+Como as Camaras saõ compostas das pessoas mais consideraveis das
+Cidades, e Villas, com muita sabedoria as encarregou o Legislador
+Portuguez daquella inspecçaõ; porque sendo elles por huma parte os
+maiores proprietarios das Terras, mais que ninguem interessaõ, em que os
+generos da producçaõ das mesmas tenhaõ o maior valor; o que muito anima
+a lavoura; e pela outra parte, sendo ligados por tantas relações de
+parentesco, de amisade, e de outras muitas considerações com os mais
+habitantes, elles deveraõ interessar-se na sua felicidade, e na sua
+conservaçaõ.
+
+He cousa maravilhosa ver, como os nossos mais antigos Legisladores
+fizeraõ estabelecimentos, que os Sabios, e Filosophos tem trabalhado
+seculos depois para fazer adoptar ás outras Nações.
+
+Ouçamos o Abbade Condilhac a respeito dos regulamentos do Governo da
+França sobre a Policia dos grãos: nos tempos antigos, diz este illustre
+Author, gosava aquelle Commercio na França de huma plena, e inteira
+liberdade; e multiplicando-se os Commerciantes á proporçaõ da
+necessidade, a circulaçaõ se fazia sem obstaculos, e punha aquelle
+genero por toda a parte no seu verdadeiro preço.
+
+Porém que ao depois, accrescenta elle, intromettendo-se o Governo a
+querer fazer regulamentos sobre o Commercio dos grãos, humas vezes
+prohibíra a exportaçaõ, e importaçaõ, aquella com o fundamento--de que
+poderia haver falta no paiz, e esta com fundamento.--de que os trigos de
+fóra poderiaõ fazer cahir os da terra em vil preço.
+
+Elle mesmo observa, que estas prohibições versavaõ sobre falsas
+supposições; porque huma circulaçaõ livre põe necessariamente os trigos
+ao nivel por toda a parte: naõ se importaõ trigos de mais, porque esse
+superfluo naõ se venderia, ou vender-se-hia com perda; e naõ se exportaõ
+os trigos, que saõ necessarios no Paiz, porque naõ haveria interesse em
+os ir vender n'outra parte.
+
+Depois daquellas prohibições do Governo, em o primeiro anno o preço do
+trigo abaixou; no segundo abaixou mais; e no terceiro veio a hum preço
+infimo. A cultura decahio, houveraõ menos terras semeadas, seguiraõ-se,
+como he natural, annos de fome, e o preço do trigo foi excessivo.
+
+Tal foi o effeito dos Regulamentos que defendiaõ a exportaçaõ, e
+importaçaõ: naõ foi mais possivel pôr nos seus verdadeiros preços, nem
+os trigos, nem os salarios; e naõ houve senaõ miseria, ou entre os
+cultivadores, ou entre o Povo.
+
+Outras vezes permittio o Governo a importaçaõ com o fundamento de terem
+recursos em hum anno de esterilidade, mas defendeo a exportaçaõ pelo
+motivo de se naõ exporem á necessidade daquillo mesmo, que possuiaõ.
+Outras vezes permittio a exportaçaõ dizendo, que quanto mais trigo se
+exportasse da França, maior seria o seu preço; que sendo maior o preço,
+e por consequencia maior o beneficio do cultivador, mais cultivará este,
+e mais florecente será a Agricultura: mas que naõ convinha permittir a
+importaçaõ, porque ella faz cahir em preço baixo os trigos do Paiz. O
+mesmo Author refere os infinitos inconvenientes de todos estes planos, e
+os males inauditos, que todos elles trouxeraõ ao Estado, louvando os
+Governos, que tem a sabedoria de se pouparem a semelhantes cuidados,
+deixando livre a circulaçaõ destes generos[9].
+
+«Consistindo a sustentaçaõ (diz hum Monarcha, Portuguez) e as riquezas
+essenciaes de todos os Póvos nos primeiros cabedaes, que produzem a
+lavoura, e a industria dos habitantes, deve por isso animar-se a
+primeira, e favorecer-se a segunda, de sorte qua os frutos naturaes, e
+industriaes, que sobejando em huns lugares, constituem nelles hum
+cabedal inutil, e morto, possaõ renascer, e fazer-se lucrosos pela
+exportaçaõ para outros lugares, que delles necessitaõ.»[10]
+
+No anno de 1795 havendo huma grande esterilidade em Portugal, e em toda
+a Europa, e querendo o Ministerio tomar medidas para prover a Capital,
+despedio para este fim hum Aviso ao Governo Geral das Ilhas,
+encarregando-o de fazer conduzir dalli todo o mantimento possivel para
+Lisboa. Naquelle Aviso Regio, que he datado de 27 de Abril de 1795, se
+notaõ estas proprias palavras--bem entendido que desta exportaçaõ, ou
+seja para a dita Ilha da Madeira, ou para esta Capital, se devem
+reservar todos os grãos, que se arbitrarem precisos para o provimento
+ordinario das povoações de que se compõe esse Governo, e para as
+sementeiras, que ainda lhe pode permittir a Estaçaõ; de maneira que,
+feita com segurança esta recommendada pervençaõ, a favor desse
+territorio, e da referida Ilha da Madeira, todos os mais grãos que se
+julgarem superfluos, sejaõ remettidos a este Reino.--Apezar da
+consternaçaõ da Capital, naõ se mandaõ exhaurir as Ilhas do graõ, que
+lhe he indispensavel. Eis-aqui como hum bom Paiz, acodindo ás
+necessidades de huma parte da sua familia, naõ perde de vista as
+precisões da outra.
+
+O bem geral da Sociedade he o objecto das Leis: permittir a total
+exportaçaõ dos mantimentos de huma Ilha sem acautelar o sustento dos
+seus moradores, seria mui pouco racionavel. No Continente numa
+Provincia, que soffre qualquer falta, póde mui promptamente ser
+soccorrida; porém n'huma Ilha separada dos outros Paizes por largos
+mares, se acaso o interesse do Commercio animar a huma taõ grande
+exportaçaõ, que no meio do anno fique extincto o graõ, he indispensavel
+que os seus moradores padeçaõ pelo resto do anno[11]. N'huma Ilha
+governada com esta improvidencia, o Povo, principalmente a classe dos
+pobres, e dos artifices, que he o maior número, teriaõ huma vida
+precaria, e dependente do interesse, que o Commercio dos grãos
+offerecesse nas Praças do seu destino.
+
+N'huma tal Ilha seriaõ frequentes as emigrações; os seus habitantes
+incertos de lhe faltar repentinamente o paõ, que he necessario para a
+vida diaria do homem, procurariaõ passar-se para outro Paiz, onde a sua
+subsistencia fosse menos contingente. Elles veriaõ com dôr levar d'ante
+os seus olhos os mesmos fructos, que haviaõ cultivado com suas mãos, e
+seriaõ reduzidos a penuria no meio da abundancia. A sua sorte poderia
+comparar-se com os tormentos, que os Poetas figuraõ ao infeliz Tantalo
+padecendo no Tartaro; estalando de fome, e sêde, pendem sobre a sua
+cabeça preciosos pomos, a agoa lhe sobe até ao peito; mas se o malfadado
+alça a maõ para colher aquelles, elles lhe fogem, se tenta nesta saciar
+a sêde, que lhe devora as entranhas abrasadas, ella se retira.
+
+No mesmo tempo da creaçaõ do Governo, e Capitania Geral, tinha o Senhor
+D.José I., por Carta Regia de 2 de Agosto de 1776, mandado estabelecer
+Celeiros públicos nas Cidades de Angra, e Ponta Delgada: Porém
+infelizmente nesta ultima Cidade, ou fosse por principios erroneos, que
+alli houvessem sobre o bem público, e interesses dos seus habitantes, ou
+por outra qualquer causal, naõ teve algum effeito aquelle
+estabelecimento até ao anno de 1807.
+
+Foi nesta épocha que sendo Governador, e Capitaõ General o
+Excellentissimo D. Miguel Antonio de Mello, depois de precederem as
+informações mais circumspectas, e do mais serio exame, já relativamente
+ao bem público, já ao interesse da Real Fazenda, se mandou instaurar na
+Cidade de Ponta Delgada, em S. Miguel, o Celeiro Público por Provisaõ da
+Junta da Real Fazenda do 1.^o de Dezembro de 1807[12]. He a este Capitaõ
+General, que os moradores da Cidade de Ponta Delgada, e de toda a Ilha
+devem o restabelecimento daquella taõ sábia, e paternal providencia do
+Soberano, de cujos beneficios foraõ os seus Vassallos privados por
+tantos annos. Desde entaõ naõ se experimentáraõ ainda naquella Ilha os
+encommodos, a que d'antes estavaõ sujeitos os seus habitantes. Mas naõ
+he este o unico bem, que as Ilhas dos Açores devem a hum Chefe taõ
+recommendavel pela sua integridade, e distincto pelo seu saber.
+
+N'huma Provincia remota, onde as vistas beneficas do Soberano naõ podem
+facilmente penetrar, onde os raios daquelle sol creador só podem cahir
+obliquamente, e muitas vezes através de denças nuvens, he sem dúvida que
+a bondade dos Governadores tem huma grande influencia na felicidade dos
+Póvos.
+
+As Ilhas dos Açores naõ tiráraõ tambem pequenas vantagens das
+providentes Leis do Senhor Rei D. José I. da 9 de Setembro de 1769, e 3
+de Agosto de 1770, que coarctáraõ a faculdade de estabelecer vinculos,
+ou Morgados, naõ o permittindo sem preceder Authoridade Regia, e por
+serviços feitos á Corôa nas armas, ou nas letras, ou tambem no
+Commercio, na Agricultura, ou nas Artes liberaes.
+
+He indizivel o abuso que alli se hia introduzindo naquellas
+instituições, nas quaes naõ só fica fraudada a Coroa nas Cisas, e nas
+outras imposições públicas, mas tambem limitado o Commercio dos
+Vassallos, e prejudicada a Agricultura, e a populaçaõ, que saõ sempre
+dependentes dos progressos da propriedade[13]. Porém estes males foraõ
+remediados; pois que sendo aquelles estabelecimentos indispensaveis nas
+Monarchias para conservaçaõ das familias, e para manter a honra, que
+segundo Montesquieu, he a mola, e o fundamento de semelhantes Estados, e
+póde nelles inspirar as mais bellas acções, parece que só como em
+remuneraçaõ de serviços muito relevantes, e a pessoas recommendaveis
+pelos seus feitos, e talentos, convinha permittir-se a sua instituiçaõ;
+e he o que as referidas Leis vieraõ determinar, fazendo ao mesmo tempo
+abolir todos os vinculos, que naõ chegaõ ao rendimento de 100$000 réis.
+
+Destas mesmas instituições provém os muitos letigios, que grassaõ nas
+Ilhas entre os Parentes, pela repugnancia, que alguns Morgados tem em
+prestar alimentos na fórma da Lei Patria, a seus irmãos, e muitas vezes
+aos proprios progenitores.
+
+Toda a legislaçaõ dos nossos Augustos Monarchas he digna do mais Sabio
+Legislador: em toda se procura estabelecer o bem público, e a felicidade
+dos Vassallos, inculca-se a boa moral, prescreve-se o respeito, a
+Religiaõ, a veneraçaõ aos Pais.
+
+«O fundamento do Governo Chinez, diz Mr. de Voltaire, he o respeito dos
+filhos para os Pais: a authoridade Paterna, nunca alli affrouxa; hum
+filho naõ póde pleitear contra seus Pais, sem obter primeiramente o
+consentimento de todos os parentes, dos amigos, e dos Magistrados. Os
+mandarins letrados saõ considerados como os Pais das Cidades, e das
+Provincias, e o Rei como o Pai do Imperio. Esta idéa arreigada nos
+corações, fórma huma familia deste Estado immenso.»
+
+Os nossos Sabios Legisladores conhecendo estas verdades, tem promulgado
+Leis naõ menos providentes. Entre nós os filhos saõ obrigados a
+alimentar seus Pais, nenhum filho póde letigar com seu Pai, ou Mãi, sem
+obter primeiro licença do Magistrado, a que em Direito se chama Alvará
+de Venia: o filho menor que casa sem licença do Pai, ou Mãi he
+desnaturalisado das familias a que pertence, e privado das suas
+heranças. Desta pena que he expressamente estabelecida nas Leis de 19 de
+Junho, e 29 de Novembro de 1775, sómente saõ exemptos os que obtem
+antecipadamente, e com audiencia dos Pais, a permissaõ do Soberano
+immediatamente, ou Provisaõ do Desembargo do Paço, por meio da qual
+fique supprida a referida licença.
+
+Esta regra tem principalmente lugar a respeito dos Morgados, porque naõ
+sendo o seu Estabelecimento de Direito Natural, o qual antes persuadiria
+que os filhos deviaõ ter igual parte nos bens dos Pais[14]; mas sendo de
+Direito Civil, e Politico, isto he, permittidos, e regulados pelo
+Soberano,[15] licito he ao mesmo Soberano prescrever as Condições, com
+que qualquer filho ha de preferir a seus irmãos na successaõ dos
+vinculos dos seus progenitores; e naõ querendo este sujeitar-se áquellas
+Condições, nenhum direito tem á preferencia; principalmente quando com o
+seu procedimento, infringindo a disposiçao da Lei Civil, offende ao
+mesmo tempo a Lei natural, que prescreve todo o respeito, e veneraçaõ
+áquelles que nos deraõ o ser.
+
+O legislador illustrado apparece ainda na Jurisprudencia Forense dos
+Portuguezes. E póde asseverar-se que a ordem do Processo Civil
+estabelecida na Ordenaçaõ do Reino em o Livro 3.^o, Tit. 20, he superior
+ao processo de todas as mais Nações da Europa. O processo Portuguez,
+tirados os abusos, contra a Lei introduzidos, he o mais sabiamente
+regulado, o mais breve, e o menos despendioso.
+
+Dentro em poucos mezes, se podem concluir em qualquer instancia as
+demandas mais importantes intententadas ordinariamente. A Lei prescreve
+tempo certo para cada huma das allegações: offerecido em Juizo o
+Libello, em que o Author propõe a sua acçaõ, deve o Réo vir com a
+contrariedade, e defeza, dentro em dois termos, isto he, no tempo de
+duas audiencias, que costumaõ fazer-se em cada huma semana; assignaõ-se
+mais dois termos, hum para a Replica do Author, outro para a Treplica do
+Réo, que devem levar outra semana. E aqui temos em quinze dias formadas
+todas as alegações, em que se funda a acçaõ. Organisado o processo nesta
+ordem, manda a Lei assignar 20 dias de dilaçaõ para se produzirem por
+ambas as Partes todas as suas provas, tanto de testemunhas, como
+documentos: findo este praso, novamente se assignaõ dois termos a cada
+huma das Partes para formarem as suas razões finaes, e logo se fazem
+conclusos os autos para o Juiz dar a Sentença difinitiva.
+
+Todos estes termos regulados pelo Legislador saõ peremptorios, e os
+Julgadores os naõ podem reformar: «diz a Lei, nem poderáõ delles fazer
+graça alguma, antes por esse mesmo feito as Partes, e seus Procuradores
+sejaõ havidos por lançados do com que houveraõ de vir, posto que a Parte
+contraria naõ accuse sua contumacia. E naõ será necessario outra obra,
+mandado, pronunciaçaõ do Julgador, sómente terá poder para assignar hum
+só termo, que lhe parecer igual, e rasoado, o qual passado naõ poderá
+reformar outro.»[16]
+
+Nada esqueceo ao Legislador Portuguez para fazer abbreviar os processos,
+e se decidirem promptamente os letigios entre os seus Vassallos. Mas
+qual he o estabelecimento humano, de que se naõ possa abusar? Os abusos
+introduzidos no nosso Fôro saõ inexplicaveis, e os termos taõ
+positivamente marcados pela Lei saõ de tal sorte alterados, que naõ he
+raro, em lugar do praso, v. gr. das duas audiencias, dentro das quaes
+devia o Réo vir com a sua Contrariedade, ou de huma audiencia em que
+devia apresentar a Treplica, ver passar naõ só mezes, porém annos,
+paliados com Requerimentos, Cottas, e Aggravos. Tanto nas Ilhas, com em
+Portugal, tinha esta relaxaçaõ chegado ao ultimo excesso.
+
+Porém estes inconvenientes estaõ prevenidos pela Lei, e huma vez. que os
+Magistrados tenhaõ firmeza na sua execuçaõ, póde o mal ser remediado.
+Naõ he incompativel com a affabilidade, que convém ao Julgador o ter ao
+mesmo tempo constancia, e resoluçaõ.
+
+Mas a lentidaõ dos processos nasce ainda de outro abuso, o qual
+impossibilita os Magistrados de preencherem a mente das mesmas Leis:
+consiste este abuso em se accumularem muitos empregos na mesma pessoa,
+que por isso naõ póde desempenhar nenhum perfeitamente.
+
+Por Lei de 28 de Outubro de 1644 se determina, que se naõ daráõ jamais
+dois officios a huma mesma pessoa, _naõ só pela difficuldade de se
+poderem bem desempenhar differentes occupações, mas tambem para que
+repartindo-se o galardaõ por mais pessoas haja com que premiar os
+benemeritos_. Que sábia, e providente Lei! Mas he ella executada? Naõ
+vemos nós accumulados em alguns individuos tantos officios, e cargos,
+que dariaõ que fazer a muitos homens dos mais expeditos? E o mais he
+percebendo os ordenados de todos elles, contra outra Lei, que
+positivamente prohibe que algum Funccionario receba dois ordenados,
+ainda que sirva dois differentes officios! Decreto de 29 de Julho de
+1668, e Carta Regia de 11 de Setembro do mesmo anno.
+
+Com que justiça amontuar nas mãos de hum só homem taõ avultados
+ordenados, que poderiaõ fazer felizes muitos Cidadãos benemeritos, e
+sustentar muitas familias?
+
+Este mal he digno de prompto remedio, porque o serviço público soffre
+extremamente. Os processos Civis saõ eternos; e os mesmos Criminaes, que
+a Lei manda ultimar dentro em seis mezes, duraõ annos, e annos. As
+Cadêas por toda a parte estaõ cheias de desgraçados. Mas se elles saõ
+culpados, he preciso que o seu prompto castigo sirva de exemplo aos
+outros; e se estaõ innocentes ha maior barbaridade do que retellos por
+longo tempo encarcerados entre os criminosos? Este mesmo inconveniente
+se encontra nos officios de todas as repartições: ha tal individuo, que
+naõ sabe dar conta aos officios, que tem impalmado; porém a citada Lei
+de 1664, considerando nullas as mercês dos segundos officios, feitas á
+mesma pessoa, determina que elles seraõ dados a quem os denunciar. He
+por tanto justo, que conservando-se hum só a cada pessoa, que tiver
+muitos, sejaõ dados os outros a quem os merecer. E he huma
+inconsequencia a mais absurda o dar officios, seja de Justiça, ou
+Fazenda, a pessoas que naõ podem, nem os querem exercer: he como se se
+conferissem os postos militares a homens paisanos, e inhabeis para as
+armas. Nenhum officio devia ser dado a pessoa inhabil, ou
+impossibilitada de o exercer; porque o serviço público, e o bem geral
+naõ deve ser sacrificado ao interesse particular de hum individuo. Pedir
+os officios sómente para utilisar os seus ordenados, e abandonados a
+pessoas, que se sujeitaõ a exerce-los por huma diminuta parte dos mesmos
+ordenados, naõ póde ser tolerado n'hum paiz bem governado: nem he
+confórme a Lei patria, que determina que todos os Officiaes sirvaõ por
+si os seus officios.
+
+Além das acções ordinarias de Libello, temos outras Summarias, em que o
+processo he muito mais rapido; sendo entre todas notavel a acçaõ chamada
+de juramento de alma. Nesta acçaõ he chamado o Réo para comparecer com o
+Author em audiencia pública perante o Juiz, alli pelo juramento
+encarregado ao mesmo Réo, ou Author, se aquelle se recusa presta-lo, he
+decidida summarissimamente a questaõ, e executada em poucos dias a
+Sentença. Devendo notar-se que por meio desta acçaõ summaria, se podem
+decidir as demandas de maior valor, huma vez que as Partes nisso
+convenhaõ.
+
+Podemos por tanto affirmar, que o Plano do nosso Processo he excellente,
+e o mais sabiamente regulado. Na França por exemplo, a ordem do processo
+regulada por Luiz XIV. he cheia de imperfeições, e de fórmulas inuteis,
+como confessaõ os mesmos Authores Francezes, e as alterações posteriores
+naõ tem conseguido a sua perfeiçaõ.
+
+Em Inglaterra «as demandas de pouca entidade, diz Mr. Pillet, he verdade
+saõ decididas promptamente, porém os letigios de maior importancia saõ
+taõ dispendiosos, que os litigantes, a naõ serem possuidores de grandes
+fortunas, estaõ de tal sorte persuadidos de completar com elles a sua
+ruina, que preferem o silencio, e abandonaõ os seus direitos.
+
+A subtileza nos Processos, o embaraço das dilações, e das fórmulas, as
+despezas immensas, que traz huma demanda em Inglaterra; a escolha, ou a
+consagraçaõ de certos termos Saxões, Normandezes, Hebraicos, e Latinos
+para designar os differentes generos das Acções, e os seus progressos,
+todas estas cousas saõ cem vezes mais inintelligiveis, e mais barbaras,
+do que ellas o eraõ em França antes da Revoluçaõ.»
+
+He isto hum Francez que falla, e que descrevendo os defeitos do processo
+forense entre os Inglezes, confessa ao mesmo tempo a inintelligencia, e
+barbaridade do processo Francez.
+
+As excellentes Leis Portuguezas,[17] a boa ordem estabelecida nas Ilhas
+pelos cuidados paternaes; dos Soberanos, o Caracter natural dos seus
+nacionaes activos, e industriosos, concorrêraõ tanto para a sua
+prosperidade, que o terreno limitado das mesmas Ilhas naõ he sufficiente
+para conter o immenso povo, que alli nasce, sahindo por isso todos os
+annos grande número de pessoas, que vaõ empregar-se na navegaçaõ, ou
+estabelecer-se nos Brazis[18].
+
+Os habitantes desta Capitania andaõ por 160$ almas. Este número naõ
+deixará de causar admiraçaõ, a quem souber que huma grande parte do
+terreno destas Ilhas he inhabitavel, e naõ admitte cultura alguma, já
+por ser montanhoso, já por ser verdadeira rocha em circumferencia de
+todas ellas, já pelos estragos do fogo, que nas suas expulsões revolveo
+antigamente o interior de quasi rodas, reduzindo-o a pedra queimada.
+Estes estragos saõ principalmente sensiveis nas Ilhas do Pico, e de S.
+Miguel, nas quaes mais da metade do terreno he infructifero[19].
+
+Pelas mesmas razões he espantosa a producçaõ das mesmas Ilhas, porque
+depois de providos abundantemente os seus habitantes, ellas supprem em
+grande parte a sustentaçaõ dos moradores da Ilha da Madeira, e do Reino
+de Portugal.
+
+Da Ilha de S. Miguel se exportaõ todos os annos de dez até doze mil
+moios de graõ, segundo a maior, ou menor abundancia da colheita[20]. De
+laranja, e limaõ de 40 a 50 mil caixas, carne de porco, e toucinho de
+300 a 500 arrobas. E algumas mil varas de panno de linho.
+
+A proporçaõ destes generos póde conhecer-se pelo exemplo de hum anno dos
+mais regulares, v. gr. no anno de 1809 sahio daquella Ilha, milho 5:270
+moios; trigo 675 moios, e 35 alqueires; favas 2:812 moios, e 55
+alqueires; feijaõ 1:177 moios, e 55 alqueires; laranja 21:238 caixas;
+limaõ 4:660 caixas; toucinho 259 arrobas; carne de porco 118 arrobas;
+panno de linho 3:009 varas.
+
+Da Ilha de Santa Maria sahem 200 moios de trigo, e cousa de 100 rezes.
+
+Da Ilha Terceira embarcaõ-se 15 mil caixas de laranja, e de trigo sahe
+hum, ou dois navios carregados para Lisboa, ou Ilha da Madeira.
+
+A Ilha do Pico produz annualmente de 10 até 20 mil pipas de vinho[21],
+que por naõ haver naquella Ilha porto capaz de receber navios, he todo
+transportado em barcos para a Ilha do Fayal, atravessando hum canal de
+legua e meia; e dalli se exporta para a America Ingleza, as Antilhas, a
+Russia, e para o Reino do Brazil, onde tambem se consome huma grande
+parte de agoa-ardente da mesma Ilha. Tambem exporta algum gado; mas naõ
+produz graõ sufficiente para os seus habitantes, sendo nesta parte
+provída pela Ilha do Fayal, a qual he summamente fertil, e produz
+bastante trigo, e milho para o seu sustento, e supprir o que falta na
+Ilha do Pico.
+
+A Ilha de S. Jorge exporta algum gado para a Terceira, e Madeira, e
+poucas pipas de vinho.
+
+A Graciosa he fertil em legumes, com que fornece algumas das outras
+Ilhas; e apezar da pequenez do seu terreno, exporta quantidade de
+cevada, e produz acima de 4 mil pipas de vinho, de que a maior parte he
+reduzido a agoa-ardente.
+
+A Ilha das Flores exporta para Portugal, e Madeira 600 moios de trigo, e
+300 rezes[22].
+
+
+
+
+TERCEIRA PARTE
+
+_Desde a passage da Casa Real para o Rio de Janeiro._
+
+
+A Mudança do assento da Metropole Portugueza he hum daquelles grandes
+acontecimentos, que assignalaõ os tempos, dividem as idades do Mundo, e
+formaõ huma Epocha memoravel em todas as Nações.
+
+O Globo inteiro tem sentido mais de huma vez o impulso dado pela Naçaõ
+Portugueza. Esta Naçaõ com as suas descobertas na passage do Cabo de Boa
+Esperança, fez recuar os limites do Mundo, como se explica Mr. de.
+Voltaire, abrindo a todas as Nações hum caminho, até entaõ desconhecido,
+para passar á Asia. Este grande acontecimento fez mudar o Commercio de
+todos os Paizes, e desconcertar todos os systemas.
+
+Desde entaõ tudo o que a Natureza produz de mais raro, util, e
+agradavel, foi conduzido para a Europa, com menos despezas pela nova
+Estrada, anniquilado totalmente o Commercio da India, que antigamente se
+fazia pelo Mediterraneo atravez do mar Vermelho, e Egypto.
+
+Póde ainda dizer-se, que ao Genio dos Portuguezes he devida a existencia
+Politica da Europa. «Sem a descoberta de Vasco da Gama, diz o Abbade
+Reinal, o archote da liberdade da Europa, se teria apagado, e talvez
+para sempre. Os Turcos hiaõ substituir estas Nações ferozes, que das
+estremidades da Terra tinhaõ vindo tomar o lugar dos Romanos, para
+opprimir a sua superfície, e a essas instituições barbaras teria
+succedido hum jugo mais pesado ainda. Este acontecimento era inivitavel,
+se os terriveis vencedores do Egypto naõ tivessem sido repellidos pelos
+Portuguezes nas differentes expedições, que estes tentáraõ na India. As
+riquezas da Asia lhe seguravaõ as da Europa, Senhores de todo o
+Commercio do mundo, elles teriaõ tido necessariamente a mais temivel
+marinha, que já mais se teria visto. Que obstaculos poderiaõ entaõ
+suspender sobre o nosso Continente este povo Conquistador pela natureza
+da sua Religiaõ, e da sua Politica?[23]»
+
+Se pois os Portuguezes, segundo a opiniaõ deste Politico, naõ tivessem
+com as suas victorias suspendido os progressos do fanatismo dos
+Mozulmães, e quebrado o curso impetuoso das suas conquistas,
+cortando-lhe o nervo das riquezas, perdida estava a liberdade do mundo.
+
+Taes foraõ os resultados da passage dos Portuguezes pelo Cabo
+Tormentoso, no Reinado do Senhor Rei D. Manoel.
+
+E quando a mudança da sua Capital para o Brazil, no Governo actual nos
+devia fazer esperar ainda mais felizes vantagens, males a milhares
+recahíraõ sobre os Portuguezes da Europa. E foi pela primeira vez, que
+nas Ilhas dos Açores, apontou o flagello dos tributos, quando até entaõ
+nenhum outro alli era conhecido, mais do que o Dizimo Ecclesiastico, e o
+subsidio literario, imposto tenue dos vinhos, destinado para o pagamento
+dos Mestres das primeiras letras: O que mostra o amor, e a benignidade,
+com que haviaõ sido sempre tratados pelos seus Monarchas. Depois
+daquella fatal mudança, cinco tributos foraõ impostos naquellas Ilhas em
+menos de hum anno; taes saõ, a Decima dos Predios urbanos[24]: A Cisa
+nas Compras, e Vendas[25]: O Imposto de 5 réis em cada arratel de Carne
+verde cortada nos Açougues[26]: O Imposto dos sellos, e Decima das
+heranças, e legados[27].
+
+Muito bem entendidos seriaõ estes tributos, se a necessidade do Estado
+assim o pedisse, por naõ pesarem nem na Agricultura, nem nos Artistas
+directamente: o ultimo sobre tudo recahindo em bens, que nos advem
+graciosamente por favor dos estranhos, ou Colatraes, e naõ nos bens, que
+nos vem dos nossos ascendentes, he hum meio politico, e mui poderoso
+para fazer promover os Casamentos, e conseguintemente para animar a
+populaçaõ, objecto que aos mais Sabios Legisladores mereceo sempre hum
+grande cuidado[28].
+
+Mas como se poderiaõ dizer impostos estes tributos por necessidade, se
+nesse mesmo tempo se faziaõ mercês avultadissimas aos Valídos? Infinitas
+Capellas vagas, e outros muitos bens que se achavaõ na administraçaõ da
+Fazenda Real em todas as Ilhas, e que lhe rendiaõ todos os annos huma
+somma immensa, tudo está hoje dado, ou para melhor dizer, usurpado por
+aquelles egoistas, que tem abusado da bondade do Rei, enganando-o sobre
+o valor daquelles bens, pois que nunca os podéraó alcançar em quanto Sua
+Magestade residio em Portugal, donde facilmente se podia informar do que
+lhe pediaõ. Talvez que o valor de tantos bens assim injustamente
+prodigalisados podesse bem supprir todos aquelles tributos; sendo cousa
+iniqua que se estejaõ tirando gotas de sangue de milhares de Vassallos
+para saciar humas poucas de sanguissugas. Os póvos naõ devem ser
+considerados, como hum rebanho de ovelhas inertes, dispostas a serem
+devoradas pela mantilha de cães famintos, que circundaõ o seu pastor. He
+de esperar que Sua Magestade inteirado das verdades expendidas, naõ
+deixe de fazer restituir todos aquelles bens, reclamando-mercês
+extorquiadas com manifesto engano, e lesaõ, e como taes ob, e
+subrepticias; assim como devem ser alliviados os Póvos daquelles
+tributos, que lhe foraõ impostos, para supprir a falta do rendimento dos
+mesmos bens, assim indevidamente tirado das rendas públicas:
+principalmente a respeito das Decimas, sobre as quaes haviaõ contractos
+entre os moradores das Ilhas e os Nossos Reis, por onde aquelles se
+tinhaõ sujeitado a contribuir de huma vez com certa somma, ficando
+desonerados para o futuro de pagar Decimas, do que se achaõ Titulos nos
+Archivos das mesmas Ilhas. Porém he nas Cortes proximas que todos esses
+Artigos devem ser averiguados[29].
+
+A sabia politica que os Augustos Monarchas tiveraõ sempre com as Ilhas
+dos Açores dando os Officios Civis, e os postos Militares aos seus
+Nacionaes, que por isso os serviaõ mui dignamente, tambem acabou com a
+ausencia do Rei. Naõ se estendia áquelles Paizes a authoridade do
+General Beresford, e por isso naõ ha alli Officiaes Inglezes, porém
+chegava lá outra authoridade mil vezes mais prejudicial, e mais iniqua,
+qual era a dos Valídos: ainda para os mais insignificantes postos
+Militares tem vindo despachados do Rio de Janeiro os seus afilhados. No
+Batalhaõ da Cidade de Ponta Delgada ha dois Capitães, homens honrados, e
+distinctos, que servem ha mais de 15, e 20 annos. Vagou o posto de
+Sargento Mór, veio logo despachado do Rio de Janeiro hum individuo, que
+naõ tinha metade dos serviços daquelles benemeritos Officiaes, e pouco
+depois foi promovido a Tenente Coronel, naõ passando aquelles do posto
+de Capitaõ.
+
+Na Cidade de Angra vagou o Officio de Escrivaõ Deputado da Junta da
+Fazenda, e em lugar de ser admittido no mesmo o Contador da Junta,
+Official habil, e honrado, a quem pertencia como mais antigo, e
+substituto legal, veio do Brazil despachado hum individuo, que animado
+com o valimento que a todos inculca do seu protector Targini, tem feito
+as maiores desordens. Actualmente se acha retirado em Lisboa o Capitaõ
+Mór da Cidade de Angra para escapar á prisaõ contra elle fulminada pelo
+dito Escrivaõ, em despique do mesmo Capitaõ Mór pôr o nome do Escrivaõ
+abaixo do seu em hum officio, que lhe dirigio.
+
+O mesmo aconteceo a respeito do Provimento do Officio, que vagou de
+Escrivaõ da Meza grande na Alfandega da Ilha de S. Miguel, sendo logo
+dado ao Compadre de hum guarda roupa Baraõ.
+
+Se acaso se naõ occultasse a Sua Magestade, que estas pessoas naõ eraõ
+naturaes, nem residentes naquellas Ilhas, he provavel lhe naõ fossem
+conferidos os ditos officios.
+
+Com tudo, brilhantes esperanças nos devem animar presentemente, vindo a
+concorrer o excesso dos males, para o seu mesmo remedio, todos elles
+ficáraõ assás compensados, conseguindo-se huma Constituiçaõ, que
+combinando os interesses de todos os Estados Portuguezes, os ligue por
+meio de vantagens reciprocas, pois que nenhuma Naçaõ no Globo encerra em
+si mais felizes proporções.
+
+Nada obsta a distancia que separa estes Estados, distancias immensas
+separaõ os Astros, que com tudo guardaõ harmonia nos seus giros
+periodicos.
+
+O interesse commum he o laço que une os differentes Póvos, e a
+felicidade dos Portuguezes Europeos está radicada na fórma do seu
+Governo, e na sua uniaõ com os Estados do Brazil. Os habitantes de
+Portugal carecem absolutamente dos generos do Brazil; sem o assucar, o
+arroz, o café, e outras producções daquelle paiz, quasi se naõ póde
+viver hoje em dia. O Brazil necessita igualmente dos vinhos, e azeites
+de Portugal, assim como tambem dos vinhos das Ilhas adjacentes, e das
+suas agoas-ardentes, e pannos de linho. Sem o grande soccorro do graõ
+das Ilhas, Portugal padeceria por muitas vezes, e as mesmas Ilhas naõ
+achando alli o consumo daquelle graõ, que he a sua principal riqueza,
+cahiriaõ em total decadencia[30].
+
+Eis-aqui como todas as partes deste grande edificio se fortificaõ
+reciprocamente, e como o interesse de todos estes póvos os deve ligar
+para sempre, além de outro motivo ainda mais poderoso, que he o de
+viverem aggregados a hum grande Imperio, ligados por huma mesma
+Religiaõ, e Governados por huma Dynastia de Soberanos deconhecida
+indole, e bondade.
+
+Estes interesses seraõ ainda augmentados por novas medidas justas, e
+sabias. No Brazil naõ se deve admittir vinho Estrangeiro, azeite,
+agoa-ardente, em quanto Portugal, e Ilhas lhe ministrarem aquelles
+generos em abundancia; ou admittindo-se, devem pagar hum tributo igual
+ao que paga por exemplo o vinho Portuguez em Inglaterra, isto he, o
+quadruplo, ou o quintuplo do seu primeiro valor: em Portugal igualmente,
+e Ilhas adjacentes naõ deve permittir-se aos Estrangeiros o introduzir
+generos dos que produz o Brazil; ou permittindo-se, devem pagar hum
+tributo na mesma proporçaõ.
+
+Estas, e outras iguaes providencias faraõ que entre os mesmos
+Portuguezes fiquem concentradas a maior parte das riquezas dos seus
+Vastos Estados; naõ tendo dependencia das Nações Estrangeiras, senaõ em
+artigos de mero luxo.
+
+Todos os obstaculos convém vencer para conseguir esta uniaõ, e
+consolidar a base do grande Imperio. Longe de nós a idéa da desmembraçaõ
+de Portugal, este Reino teria a sorte dos pequenos Estados, como
+desgraçadamente temos experimentado desde muitos seculos, já escravos
+dos Hespanhoes, já miseraveis popilos dos Inglezes, que famintos, e
+dolosos Curadores, nos tem despojado, e impobrecido. Membros da grande
+Imperio nós seremos respeitados em toda a parte do mundo, seja qual for
+a residencia do seu Chefe. O Cidadaõ Romano nas extremidades da Africa,
+ou da Asia, era considerado em dignidade, e respeito acima dos
+Principes, e Reis Estrangeiros.
+
+He verdade que os Brazileiros, além das vantagens reciprocas entre ambos
+os Estados, gosaraõ de outras prosperidades resultantes da existencia do
+Monarcha no centro do seu paiz. Quando hum Embaixador de Hespanha
+enviado a Henrique IV. de França, se admirava do Estado brilhante em que
+achou París, que n'outro tempo tinha conhecido em abatimento, e
+desgraça: _he porque entaõ o pai de familia naõ existia aqui_, lhe disse
+aquelle bom Rei, _hoje que elle tem cuidado dos seus filhos, estes
+prosperaõ_.
+
+Os mesmos salvagens do interior daquelle Paiz aproveitaráõ da bondade
+com que devem ser tratados pelos Nossos Augustos Soberanos, unico meios
+de os attrahir, e civilisar. «Se alguem duvida (diz o Author da Historia
+Philosofica, e Politica das duas Indias) dos felizes effeitos da
+beneficencia, e da humanidade sobre os póvos Salvagens, compare os
+progressos, que os Jesuitas tem feito em mui pouco tempo na America
+Meridional com aquelles que as Armas, e os Navios Hespanhoes naõ podéraõ
+fazer em dois seculos. Em quanto milhares de Soldados mudavaõ o Perú, e
+Mexico, dois grandes Imperios policiados em desertos de Salvagens
+errantes, alguns Messionarios tem mudado pequenas Nações errantes em mui
+grandes Imperios policiados.» Façamos arraigar no Coraçaõ dos homens o
+amor da Divindade, e da humanidade, e só estas duas virtudes saõ capazes
+de attrahir Vassallos, e formar os melhores Cidadãos do mundo.
+
+Porém que importa aos Portuguezes da Europa todas essas prosperidades do
+Brazil, huma vez que tambem elles sejaõ felizes? Naõ se lhe impondo
+tributos senaõ quando o pedirem as necessidades do Estado reconhecidas
+em Cortes; naõ necessitando o Official militar de esperar do Brazil a
+promoçaõ, que a Lei lhe concede, nem o Magistrado de consumir a sua
+vida, e o seu dinheiro, para ir requerer hum despacho na distancia de
+mil leguas, e perante hum Ministerio, que o naõ conhece, nem póde
+avaliar o seu merecimento; reservado n'huma palavra á Regencia, e
+Tribunaes que existem em Lisboa, Capital deste Reino, o poder de
+providenciarem difinitivamente sobre todos os artigos que respeitaõ á
+felicidade, e commodidades dos seus habitantes: eis-aqui tudo quanto
+estes podem desejar, e de razaõ, e justiça devem esperar: mantida com
+tudo a devida subordinaçaõ ao Chefe do Imperio, qualquer que seja a sua
+residencia, com as regalias, que convém ao Rei da Briosa Naçaõ
+Portugueza.
+
+Tendo nós visto como as Ilhas dos Açores, paiz fertil, e rico,
+unicamente pagava ao Governo Portuguez o Dizimo, e o subsidio literario,
+das producções da terra, cumpre fazermos comparaçaõ com algumas das
+outras Nações. Entre os Inglezes, por exemplo, o tributo que paga o
+proprietario das terras ao Fisco, anda pela quarta parte do producto
+annual; e a renda industrial, isto he, aquillo que cada hum adquire pelo
+seu Commercio, e industria, paga na mesma proporçaõ. Hum proprietario
+por tanto, que possue vinte mil cruzados de renda, como succede a muitos
+nas Ilhas dos Açores, e que debaixo do Governo Portuguez apenas paga o
+referido Dizimo, pagaria infallivelmente debaixo do Governo Inglez cinco
+mil cruzados annualmente. Devendo ainda advertir-se que em Inglaterra de
+todos os productos terrestes se paga tambem o Dizimo ao Clero Inglez. As
+portas, as janellas das casas, saõ sujeitas a tributos consideraveis.
+Que direitos exorbitantes os das Alfandegas? Seja de exemplo o vinho,
+que sendo Portuguez, paga de cada pipa cincoenta e duas libras (187$200
+réis em dinheiro nosso) e sendo de França paga sessenta libras[31]. Na
+França em o principio da revoluçaõ, depois de supprimidos huma grande
+parte dos tributos, ficáraõ ainda montando a 300:000:000 libras
+tornezas, ou 12 milhões e meio estrelinas. Estes impostos repartidos por
+24 milhões de almas, de que entaõ se compunha a França, fazem pouco
+mais, ou menos 13 chelins por cabeça, que saõ mais de dois mil réis em
+dinheiro Portuguez, contando mulheres, crianças, e velhos: estes mesmos
+tributos foraõ depois consideravelmente augmentados.
+
+Podemos por tanto concluir, que até á passage da Corte para o Brazil,
+naõ havia povo em toda a Europa menos honerado com tributos, do que os
+moradores das Ilhas dos Açores, e ainda mesmo de Portugal.
+
+Continuando a referir os estabelecimentos posteriores, temos de apontar
+a Lei de 25 de Outubro de 1810, que manda receber nas mesmas Ilhas
+promiscoamente os vinhos, e todos os mais generos, humas das outras, sem
+algum imposto, e que os generos de importaçaõ, tendo pago huma vez os
+direitos de entrada, possaõ tambem girar livres de humas para outras sem
+estorvo, nem embaraço.
+
+O estabelecimento da Junta Criminal nesta Capitania por Alvará de 15 de
+Novembro de 1810, he tambem hum daquelles titulos, que mostraõ o cuidado
+dos Nossos Augustos Monarchas para com os seus Vassallos, sempre que
+pelo interesse dos Valídos naõ foi illudido; e mostra o seu zelo
+infatigavel em remover os obstaculos, que se oppunhaõ á felicidade dos
+mesmos, fazendo estabelecimentos novos por todos os seus vastos
+dominios, todas as vezes que as circumstancias o pediaõ, devendo tambem
+dahi colligir-se a consideraçaõ de que aquella parte dos seus Vassallos
+se fez sempre merecedora pela sua conducta.
+
+Nos tempos calamitosos, que se seguíraõ ao Reinado do Senhor Rei D.
+Sebastiaõ, deraõ os habitantes das Ilhas provas do seu zelo, e affecto
+pelos seus legitimos Monarchas, fazendo mesmo prodigios de valor,
+principalmente na Ilha Terceira, para a total expulsa dos Hespanhoes, e
+para o restabelecimento do Governo dos seus Soberanos. Destas, e de
+outras muitas Acções vem as infinitas mercês com que os Augustos
+Monarchas Portuguezes tem honrado os Nacionaes das mesmas Ilhas,
+descendentes de mais disto de familias mui distinctas de Portugal, sendo
+infinitos os foros de Fidalgo, e outras honrosas, distincções, que
+nellas se encontraõ.
+
+Na creaçaõ da dita Junta Criminal, naõ teve o Soberano em vista outra
+cousa mais, do que o bem público da Capitania, porque na sua convocaçaõ
+annual faz a Real Fazenda avultadas despezas, já no diario dos
+Ministros, já nos seus transportes das mais Ilhas para a Capital.
+
+Esta Junta, assim como as outras, das quaes trataremos depois, foi
+projectada durante a invasaõ dos Francezes em Portugal, e interrupçaõ
+deste Paiz com as Ilhas. E supposto que o Soberano bem podia prever a
+curta duraçaõ daquelle violento dominio; pois que naõ he do caracter
+Portuguez, o ser já mais dominado por Estrangeiras Potencias, com tudo a
+sua nimia vigilancia lhe fez logo acudir com este remedio, entaõ
+necessario, para que a Justiça Criminal fosse promptamente administrada,
+e naõ soffressem os bons pela impunidade dos máos.
+
+Sendo por tanto de presumir, que restabelecidas as cousas, como se achaõ
+no antigo estado, e sujeitas as Ilhas novamente á Relaçaõ de Lisboa nas
+Causas Civeis por Alvará de 6 de Maio de 1809, e aos mais Tribunaes em
+todas as outras repartições por Alvará de 5 de Julho de 1816, venhaõ
+tambem na parte criminal a ficar subordinadas ao Supremo Tribunal da
+Relaçaõ de Lisboa: porque tendo sido estabelecida a Junta para o fim de
+se expedirem mais promptamente os processos Criminaes, esta
+circumstancia já se naõ verifica depois de restabelecida a communicaçaõ
+com Lisboa, a qual he taõ frequente, que poucos mezes se passaõ em que
+das mesmas Ilhas naõ saiaõ varios navios para aquella Cidade; sendo por
+consequencia muito mais promptas as decisões Criminaes por aquella
+Relaçaõ, onde se despacha diariamente, do que pela Junta Criminal, que
+sómente se convoca de anno a anno, e com summas despezas, e
+difficuldades na passage dos Magistrados pelo mar. Havendo alguns
+processos, que tem durado annos; porque sendo perciso o mandar-se
+proceder a qualquer diligencia relativa aos mesmos, faz-se indispensavel
+ficar para a convocaçaõ do anno seguinte, e assim se vaõ prorogando de
+humas a outras. Além de ficarem as terras privadas dos seus Juizes de
+Fóra por huma grande parte do anno, em quanto dura a junta, e fazem as
+suas viagens.
+
+Os fastos da mesma Junta daõ tambem a conhecer a indole dos habitantes
+das mesmas Ilhas, e a sua Religiaõ, pois que no espaço de 10 annos, que
+tem decorrido desde o seu estabelecimento, sómente houve hum delicto em
+todas ellas, que mereceo a pena capital[32].
+
+O Marechal de Campo Mr. Pillet., achando-se em Londres no anno de 1812,
+refere que os crimes de assassinatos, e roubos commettidos dentro
+daquella Cidade em o dito anno, chegarao a 1663, e que dos authores
+destes, perto de mil foraõ convencidos, e condemnados á morte, ou a
+penas afflictivas, e infamantes.
+
+Taõ terrivel enormidade de delictos em hum só anno, naõ póde
+attribuir-se a falta de castigo em hum Paiz, onde elles saõ taõ
+rigorosamente punidos. A relaxaçaõ de costumes, como observa o mesmo
+Author, ou antes a falta de Religiaõ, he sem dúvida a origem destes
+males. A crença em hum Ente Supremo, hum Juiz incorruptivel, que
+presenceia todas as nossas acções, e em cujo Tribunal nenhum delicto
+fica impune, nem acçaõ boa sem recompensa; e onde todas as injustiças
+humanas saõ reparadas, he sem dúvida o maior estimulo para conduzir o
+homem á virtude, e fazer calar as paixões, que damnaõ o coraçaõ humano;
+ao mesmo tempo que he huma consolaçaõ preciosa no meio das desgraças, e
+do infortunio.
+
+Os habitantes das Ilhas saõ Religiosos, e em geral sinceros, e de
+costumes innocentes. Póde de algumas dellas fazer-se o elogio, que fazia
+Justin dos Seytas--que a ignorancia do mal era para elles huma guarda
+mais segura da ordem pública, do que nas outras partes o conhecimento, e
+o temor das penas[33].
+
+Os Portuguezes em toda a parte conservaõ huma grande pureza de costumes;
+o decoro das familias he religiosamente respeitado: as Portuguezas saõ
+honestas, e recatadas, ao mesmo tempo que amaveis, e espirituosas. O
+respeito á Divindade, a veneraçaõ aos Pais, e amor ao Principe,
+sentimentos capazes de conduzir o homem a todo o genero de virtudes, e
+desvia-lo de todos os crimes, saõ os principios com que somos nutridos
+desde a infancia. He por isso que devemos gloriar-nos de ser
+Portuguezes, e naõ devemos já mais consentir em trocar os nossos
+Costumes com as outras Nações.
+
+Naõ padece algum dos inconvenientes acima referidos da Junta Criminal, a
+outra creada por Alvará de 18 de Setembro de 1811, com a denominaçaõ _de
+Junta do Melhoramento da Agricultura_, por serem os seus Deputados todos
+residentes na Cidade de Angra, e poderem diariamente convocar-se sem
+despeza, nem as outras difficuldades.
+
+Sendo o principal cuidado dos Monarchas Portuguezes relativamente ás
+Ilhas, á felicidade dos seus habitantes, elles naõ tem cessado de
+promover o augmento, e melhoramento da Agricultura, como a principal
+fonte donde emanaõ as riquezas, e prosperidade dos Póvos. Com estas
+vistas pois foi estabelecida na Terceira, Capital das mesmas Ilhas, a
+Junta de que fallamos; permittindo-se ao mesmo tempo o poderem-se
+afforar alli os baldios, e terras incultas, ou sejaõ da Coroa, ou de
+Morgados, sem dependencia do Desembargo do Paço, nem necessidade de
+Consultar a Sua Magestade.
+
+Tambem ha na mesma Capital huma Junta creada por Alvará de 10 de
+Setembro de 1811, destinada para supprir algumas Provisões da
+competencia do Desembargo do Paço em certos casos expressos no mesmo
+Alvará.
+
+Por Alvará de 7 de Janeiro de 1811, foraõ ultimamente mandados
+accrescentar os emolumentos aos Magistrados das Ilhas, e pôr alli em
+observancia o Regulamento das Terras de beira mar do Brazil,
+estabelecido pelo Alvará de 10 de Outubro de 1754, taxando-se tambem aos
+Juizes de Fóra o ordenado de 200$000 réis. E aos Corregedores de Angra
+foi estabelecido o ordenado de 300$000 réis, por Alvará de 9 de Outubro
+de 1818.
+
+Taes saõ os factos mais memoraveis destas Ilhas Portuguezas. E tendo nós
+dado alguma idéa dos costumes dos seus nacionaes, cumpre ajuntar, que o
+seu caracter, bem como dos Portuguezes em geral, he nobre, e elevado:
+elles saõ cheios de humanidade, e generosos; mas estas qualidades náõ
+podem ser taõ geraes, que naõ faltem em alguns individuos,
+subsistindo-as vicios que se encontraõ por toda a parte, onde existem
+homens.
+
+Porém hum pequeno número de homens immorigerados, e cheios de vicios,
+que se encontraõ em algumas terras Portuguezas, quasi desapparece em
+comparaçaõ dos infinitos Cidadãos benemeritos de que abundaõ as mesmas:
+que saõ alguns homens turbulentos, e infamadores, em comparaçaõ de
+milhares de Cidadãos modestos, e comedidos? que saõ meia duzia de
+individuos odiosos, e vingativos, que naõ respeitaõ nem a Divindade, nem
+os homens, comparados com milhares de pessoas, cheios de benignidade, e
+affabilidade, e dotados de todas as virtudes Christães, e sociaes?
+
+Sem as trévas da noite mal poderiamos apreciar a luz do dia; as acções
+dos homens máos, que entre os Portuguezes he hum pequeno número, fazem
+realçar as virtudes dos bons, que he o Geral da Naçaõ.
+
+
+FIM
+
+
+
+
+_TABOA DOS GOVERNADORES_
+
+_Capitães Generaes das Ilhas dos Açores._
+
+
+1 D. Antaõ de Almada, tomou posse deste Governo em 1766
+2 Deniz de Mello 1776
+ Governo interino desde 1783 até 1799
+3 O Conde de Almada 1799
+4 O Conde de S. Lourenço 1803
+5 D. Miguel Antonio de Mello 1806
+6 Ayres Pinto de Sousa 1810
+7 Francisco Antonio de Araujo 1817
+
+
+
+
+GOVERNADORES SUBALTERNOS
+_da Ilha de S. Miguel desde a creaçaõ da Capitania
+Geral._
+
+
+ O Sargento Mór Antonio Borges de Bitancourt continuou
+ a governar a Ilha com o titulo de Commandante, que
+ estava exercendo desde 1757
+
+ O Sargento Mór José Pereira de Medeiros, nomeado
+ Commandante da Ilha pelo Governador, e Capitaõ
+ General em 1772
+
+ O Sargento Mór José Ignacio de Bulhões Cotta,
+ Commandante em 1777
+
+ Manoel José de França 1780
+
+1 Francisco Manoel de Mesquita começa a governar a
+ Ilha com o titulo de Governador[34] em 1790
+
+2 O Coronel Ignacio Joaquim de Castro 1801
+
+3 O Sargento Mór Manoel Timotheo de Valadares 1807
+
+4 O Coronel José Francisco de Paula Cavalcante de
+ Albuquerque 1811
+
+5 O Tenente Coronel Sebastiaõ José de Arriaga Brum
+ da Silveira 1815
+
+
+
+
+GOVERNADORES SUBALTERNOS
+_das Ilhas do Fayal, e Pico desde 1797, em que
+estas Ilhas começáraõ a ter Governadores Militares,
+sendo até entaõ regidas nesta parte pelos
+seus Capitães Móres._
+
+
+1 Jeronymo Sebastiaõ Brum da Silveira, toma posse em 1707
+
+2 Theodoro Pamplona 1804
+
+3 Elias José Ribeiro 1809
+
+4 Joaquim Ignacio de Lima[35] 1816
+
+
+
+
+*Notas:*
+
+
+[1] Na palavra El-Rei convém omittir para sempre o
+prenome El, naõ só por ser de origem Castelhana, mas até
+mesmo por naõ se accommodar com a natural energia da lingua
+Portugueza; sendo muito mais expressivo o dizer-se--o
+Rei dos Portuguezes, do que El-Rei dos Portuguezes.
+
+[2] He quimerico o dizer-se (como alguns Authores referem,
+fundados em noticias vagas) que no descobrimento
+destas Ilhas se achára huma estatua de pedra, representando
+hum Cavalleiro, que apontava com o dedo para o Occidente.
+Deo lugar a esta fabula huma rocha natural, que havia
+na Ilha da Corvo, e ainda hoje existe, a qual vista de longe
+tem algumas aparencias ds hum Cavalleiro.
+
+[3] Falla-se de huma Monarchia moderada, com Leis
+fundamentaes que regulem a sua administraçaõ, politica,
+economia, e civil; porque a Monarchia absoluta em nada
+differe na pratica do Governo despotico.
+
+[4] Todo este systema foi transtornado desde a mudança
+da Corte, como se verá na 3.^a parte desta Memoria.
+
+[5] Saõ os impostos o maior estorvo, que se póde oppôr
+á Agricultura: o terreno das Ilhas dos Açores naõ he de
+melhor qualidade, que o de Portugal, com tudo a Agricultura
+das Ilhas he a mais florecente, a sua producçaõ he abundantissima,
+ellas exportaõ muitos Navios de graõ de todas as
+qualidades, centos de Navios de laranja, quantidade de mil
+pipas de vinho, e agoa-ardente, e fornecem mantimentos a
+todas as embarcações, e Esquadras que alli aportaõ: em Portugal
+a producçaõ he insufficiente para os seus habitantes,
+que pereceriaõ de fome, se lhe naõ viesse de fóra o paõ,
+para huma grande parte do anno. Donde vem pois esta differença?
+As Ilhas nunca pagáraõ tributo algum da sua producçaõ,
+nem outro onus além do Dizimo Ecclesiastico até
+o anno de 1808: e a Agricultura em Portugal he extraordinariamente
+onerada: ha lugares onde ao Lavrador apenas fica
+ametade do que elle extrahe da terra regada com o suor
+do seu rosto. Os quartos, os quintos, as décimas, que paga
+o miseravel cultivador, saõ os verdadeiros obstaculos á Agricultura
+em Portugal.
+
+[6] Esprit des Lois l. 6. cap. I.
+
+[7] Volt. Essais sur hist. G. chap. 126.
+
+[8] Ord. Liv. 5.^o Tit. 76.--Provisaõ de 15 de Novembro
+de 1687, dirigida á Camara de Ponta Delgada.--Carta
+Regia do 1.^o de Novembro de 1709, dirigida ao Governador
+da Ilha de S. Miguel.--Regimento dos Desembargadores
+do Paço, no § 113.--Alvará, e Regimento do Terreiro
+de Lisboa de 24 de Junho de 1777, §. 11.
+
+[9] Le Commerc. et le Govern. concid. relat. l'un. al'autre
+2.^a P. Chap. 12.
+
+[10] Leis de 4 de Fevereiro de 1773 ao Preambulo.
+
+[11] Mais de huma vez havido estes funestos acontecimentos
+na Ilha de S. Miguel.
+
+[12] Esta Junta da Fazenda dos Açores, subordinada ao
+Erario Regio, foi creada por Carta Regia de 29 de Outubro
+de 1798.
+
+[13] Metade do Terreno das Ilhas era vinculado, e possuido
+por Morgados: a aboliçao dos muitos vinculos insignificantes
+que se tem feito, e continúa a fazer, tem restituido
+ao Commercio dos homens huma grande parte do mesmo
+terreno.
+
+[14] As Leis de Athenas defendiaõ aos Pais o testar, para
+que a herança paterna se dividisse igualmente entre os filhos: Plutarco
+vida de Solon. Licurgo tambem estabeleceo,
+que os filhos tivessem partes iguaes na successaõ de seus
+Pais: Plutarco vida de Licurgo.
+
+[15] Assim como o saõ as disposições testamentarias, e
+hereditarias. Montesq. Espr. des Lois liv. 26. Chap. 6.
+
+[16] Ord. Liv. 3.^o Tit. 20 §. 44.
+
+[17] A Legislaçaõ Portugueza deve hoje ser reformada
+principalmente na parte criminar, sobre cuja ramo se desenvolvêraõ
+os mais luminosos principios no ultimo seculo, de
+que antes apenas havia hum fraco luar, assim como a respeito
+da Policia Civil, da Policia economica, e outros objectos;
+porém na mesma Legislaçaõ ha muita cousa boa,
+que aproveitar.
+
+[18] Em hum só Bergantim, denominado Mãi de Deos,
+embarcáraõ da Ilha de S. Miguel no anno de 1812 para o
+Rio de Janeiro voluntariamente 194 pessoas.
+
+[19] Esta ultima Ilha tem banhos thermais em duas partes;
+huns no lugar chamado das Caldeiras, que fica huma
+legua distante da Villa da Ribeira Grande, e 4 leguas da
+Cidade: estes banhos saõ sulphureos, e applicados para as
+molestias da pelle: os Reumaticos tambem alli experimentaõ
+muitos allivios. Os outros saõ no Val das Furnas, 3 leguas
+da Villa Franca, e 8 da Cidade: além dos banhos sulphureos
+iguaes aos primeiros, ha alli banhos de agoa ferrea,
+que tem applicações muito uteis. Em todos estes banhos se
+tem experimentado curas maravilhosas.
+
+[20] A producçaõ nestas Ilhas soffre grande alteraçaõ,
+e naõ he raro que hum proprietario de quintas, que n'hum
+anno faz 4 mil caixas de laranja, no seguinte naõ tenha 2
+mil: assim como na Ilha do Pico o proprietario de vinhas,
+que hum anno colhe 100 pipas de vinho, em outro anno
+naõ tem 50. Os ventos a que as mesmas Ilhas saõ sujeitas,
+e que fazem grande estrago nos fructos, daõ causa a esta
+alternativa.
+
+[21] Vem a ser o meio termo proporcional, 15 mil pipas.
+
+[22] Esta Ilha he notavel por naõ haver memoria, nem
+indicios de que alli houvessem ja mais expulsões vulcanicas,
+nem tambem aballos de terra.
+
+[23] Hist. Phil. et Poit. Liv. I. pag. 61. Ediçaõ d'Amst.
+de 1772.
+
+[24] Estabelecida por Alv. de 27 de Junho de 1808.
+
+[25] Alv. de 3 de Junho de 1809.
+
+[26] Alv. de 3 de Junho de 1809.
+
+[27] Alv. de 17 de Junho de 1809.
+
+[28] Nas Republicas da Grecia, e em Roma eraõ os pais
+de familia favorecidos, e recompensados com grandes privilegios.
+Hum dos Dogmas da Religiaõ dos Magos respeitado
+na Persia, ensinava que a acçaõ a mais agradavel á Divindade,
+he o produzir o seu semelhante, cultivar hum campo,
+e plantar huma arvore.
+
+[29] Seria talvez acertado que cada huma das Ilhas mandasse
+o seu Deputado ás Cortes, qualquer que fosse o número
+dos seus habitantes, bem como pela Constituiçaõ da Hespanha
+no Artigo 33 se determinou a respeito da Ilha de Saõ
+Domingos; naõ só por serem differentes os interesses de cada
+huma das mesmas Ilhas, mas tambem pela grande difficuldade
+que haveria em passarem os Eleitores de todas ellas
+tantas leguas de mar, para hirem á Terceira Capital da Provincia
+fazer as respectivas eleições.
+
+[30] No anno de 1808 achando-se Portugal occupado pelos
+Francezes, chegou o preço do milho na Ilha de S. Miguel
+a oito vintens o alqueire; e se acaso durassem aquellas
+circumstancias, ficaria a Ilha arruinada por lhe faltar
+mercado dos seus grãos.
+
+[31] Porque naõ havemos seguir o exemplo desta Sabia
+Naçaõ, ao menos em alguns artigos? O vinho de Feitoria do
+Douro, da primeira ordem, foi avaliado no presente anno
+de 1820 em 36$000 réis, logo o tributo que paga em Inglaterra
+huma pipa de vinho, excede cinco vezes o valor,
+porque a vende o propriètario do Douro. Se hum Portuguez
+tem o appetite de mandar vir huma Carruagem feita em Londres,
+ou Paris por doze mil cruzados, como nós conhecemos
+algumas em Lisboa, em manifesto prejuizo dos Artistas
+Portuguezes, satisfaça embora o seu appetite, mas pague ao
+Thesouro Público sessenta mil cruzados, que vem a ser tambem
+o quintuplo do seu primeiro custo. E haverá quem se
+atreva a reprovar esta justa reciprocidade?
+
+[32] Tal foi o assassinio do Juiz de Fóra da Ribeira
+Grande em 1812, commettido atraiçoadamente, e revestido
+de circumstancias atrozes.
+
+[33] Taes saõ a Ilha das Flores, o Pico, Santa Maria.
+
+[34] Este Governo tem o ordenado estabelecido de hum
+conto de réis.
+
+[35] No tempo deste começaõ os Governadores a ter
+600$000 reis de ordenado, naõ tendo entaõ mais do que o
+soldo da sua patente.
+
+
+
+
+Lista de erros corrigidos
+
+
+Aqui encontram-se listados todos os erros encontrados e corrigidos:
+
++-----------+-------------------------+---------------------------+
+| | Original | Correcção |
++-----------+-------------------------+---------------------------+
+| #pág. 5 | Ihas | Ilhas |
+| #pág. 10 | certa épocha* | curta épocha |
+| #pág. 14 | admimistraçaõ | administraçaõ |
+| #pág. 19 | crer* | ver |
+| #pág. 22 | faltarem* | faltar |
+| #pág. 22 | mais contingente* | menos contingente |
+| #pág. 24 | effeitos* | feitos |
+| #pág. 38 | matilha* | mantilha |
+| #pág. 46 | naõ sahiaõ* | naõ saiaõ |
+| #pág. 48 | e desviado* | e desvia-lo |
++-----------+-------------------------+---------------------------+
+
+As correcções que seguem as instruções da errata da própria obra
+estão identificadas com *.
+
+Foi mantida a variação da palavra "fromentaceos" e "formentaceos"
+que surgem em igual número no original. (talvez "fermentáceos"
+fosse a palavra pretendida).
+
+Segundo a errata na #pág. 19 está em falta o texto "--de que poderia
+haver falta no paiz, e esta com fundamento.--"
+
+
+
+
+
+End of the Project Gutenberg EBook of Memoria historica sobre as ilhas dos
+Açores, by Unknown
+
+*** END OF THE PROJECT GUTENBERG EBOOK 42762 ***